Dissertação Amanda Borba - Arquivo Final - Pra Grifar

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA

INSTITUTO DE PSICOLOGIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

Interlocuções entre a meritocracia e o coaching:

uma análise das relações de poder

AMANDA BORBA RAMOS SILVA

UBERLÂNDIA, 2021
2

AMANDA BORBA RAMOS SILVA

Interlocuções entre a meritocracia e o coaching: uma análise das relações de poder

Interlocutions between meritocracy and coaching: an analysis of power relations

Dissertação apresentada à banca examinadora da


Universidade Federal de Uberlândia, como exigência
para obtenção do título de Mestre em Psicologia,
Programa de Pós-graduação em Psicologia, Instituto de
Psicologia.

Orientador: Profa, Dra. Renata Fabiana Pegoraro

Co-orientador: Prof. Dr. João Fernando Rech Wachelke

UBERLÂNDIA, 2021
3

Nome: Silva, Amanda Borba Ramos


Título: Interlocuções entre a meritocracia e o coaching: uma análise das relações de
poder

Dissertação apresentada ao Instituto de Psicologia da


Universidade Federal de Uberlândia, como exigência
para obtenção do título de Mestre em Psicologia.

Aprovado em:

Banca Examinadora

Profa. Dra.: Marili Peres Junqueira

Instituição: Universidade Federal de Uberlândia (UFU) Assinatura:

Profa. Dra.: Fabíola Rodrigues Matos

Instituição: Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) Assinatura:


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AGRADECIMENTOS

Primeiramente eu quero agradecer as minhas amigas. Posso dizer, sem me preocupar


com as palavras, que sem vocês essa dissertação não teria sido possível. Renata Elisa,
Michelle Marques, Lívia Focchi, Fernanda Utumi e Gabriela Guedes. A Renata eu agradeço
imensamente todo o suporte, as palavras acolhedoras, as boas discussões e indagações. Sem
você o processo de apropriação do espaço de pesquisadora e psicóloga não teria sido o
mesmo. A Michelle agradeço por sempre me lembrar que a vida é muito mais do que a
academia e por ampliar a forma como penso o mundo, principalmente por se fazer presente
nos momentos em que eu esqueço disso. A Lívia, agradeço o colo, o carinho e a paciência,
assim como pelo compartilhamento dos momentos de desespero, de medo e angústia. Sinto-
me extremamente grata por ter podido dividir com uma amiga tão querida um dos processos
tão difícil. A Fernanda agradeço o companheirismo nos estudos, as ótimas leituras e
discussões, assim como os momentos em que conversamos sobre as dificuldades. A Gabriela
agradeço por ter sido uma peça chave e cotidianamente presente até mais da metade do
processo dessa dissertação.
Agradeço aos meus orientadores, Renata e João, por terem embarcado em um trabalho
que não é, exatamente, referente as suas áreas de pesquisa. Ao João, obrigada pelas correções,
pelas dicas, conversas, suportes, disponibilidade, enfim, por toda presença e aprendizado que
foi todo esse processo. A Renata agradeço especialmente a disponibilidade por embarcar
nessa nos “5 minutos finais do segundo tempo” e ter sido uma figura essencial para conclusão
desse trabalho.
Agradeço a todos os professores e espaços de compartilhamento de estudos que eu não
conhecia e que busquei auxílio ao longo desse processo. Principalmente a Marili e aos
professores do LEDIF, que mesmo sem me conhecer, me acolheram e foram essenciais nas
indicações de leituras e nas discussões.
Agradeço a minha família. Aos meus pais, que mesmo sem entender e muitas vezes
discordando dos caminhos que meu pensamento percorre, nunca deixaram de acreditar em
mim. Um mestrado não teria sido possível se vocês não tivessem me apoiado durante toda a
graduação. A minha avó Joice, pessoa muito amada que nunca deixou de estar amavelmente
presente. Obrigada por terem compreendido a minha ausência.
Agradeço ainda ao CNPq pela bolsa de estudos (abril/2019 a maio/2020) que
possibilitou durante um período dedicação integral ao desenvolvimento da pesquisa.
Muito obrigada!
5

RESUMO
A presente pesquisa busca apresentar a temática da meritocracia, considerando seus aspectos
teórico-conceituais no que se refere a reverberações sociais, econômicas, históricas e
culturais, os quais são abordados pelas referências bibliográficas que discorrem sobre o
fenômeno. Com o objetivo de compreender o discurso e as práticas meritocráticas, escolheu-
se a FEBRACIS, para se observar de que modo uma instituição de coaching, que se
autodeclara meritocrática promove esta socialmente e possui materiais acessíveis
publicamente. Para isto, enquanto metodologia optou-se pela análise documental e a análise
temática como ferramenta metodológica associada à análise documental, para o
aprofundamento nos materiais, sendo estes dois livros, “O poder da ação” (Vieira, 2015) e “O
poder da autorresponsabilidade” (Vieira, 2017a), assim como o site instituição, fontes que
possibilitaram um aprofundamento do objetivo. Os materiais escolhidos abordam de forma
acessível e ampla as técnicas, ferramentas e conceitos do método CIS, proposta de
modelagem institucional e o conceito de autorresponsabilidade, o qual aproxima-se de modo
mais veemente da meritocracia. Destes materiais, aplicados os métodos, foram extraídos
resultados que indicaram haver, nos discursos e práticas institucionais, um conjunto de
técnicas, ferramentas e conceitos que visam à construção de um indivíduo específico, o super-
humano, possível a partir da jornada do progresso humano, a qual engloba o método CIS. Não
obstante, nos resultados observou-se a relevância exercida pelo criador do método e
presidente da instituição. Com isso, na discussão, foi analisado a função do presente na
instituição, a relevância da religião e da ciência nos discursos e práticas institucionais e no
método CIS, assim como a jornada do progresso humano e suas quatro etapas (consciência,
autorresponsabilidade, visão positiva de futuro e as ferramentas poderosas de progresso). Para
a discussão, foram utilizados conceitos de Michel Foucault no intuito de problematizar os
pontos ressaltando, considerando sua função disciplinadora. Por fim, conclui-se que houve
uma contribuição aos estudos sobre a meritocracia e que fora possível observar de que modo
as práticas e discursos do método CIS, da instituição cooperam para a constituição de um
indivíduo de sucesso por meio do adestramento, da docilização de corpos úteis, voltando-se
para produtividade e competitividade.
Palavras-chave: meritocracia; coaching; mecanismo disciplinar; controle; docilização.
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ABSTRACT
This research seeks to present the theme of meritocracy, considering its theoretical-conceptual
aspects with regard to social, economic, historical and cultural reverberations, which are
addressed by bibliographical references that discuss the phenomenon. In order to understand
meritocratic discourse and practices, FEBRACIS was chosen to observe how a coaching
institution, which declares itself meritocratic, promotes it socially and has publicly accessible
materials. For this, as a methodology, we opted for document analysis and thematic analysis
as a methodological tool associated with document analysis, to deepen the materials, these
two books, "The power of action" (Vieira, 2015) and "The power of self-responsibility”
(Vieira, 2017a), as well as the institution website, sources that made it possible to deepen the
objective. The chosen materials address, in an accessible and broad way, the techniques, tools
and concepts of the CIS method, institutional modeling proposal and the concept of self-
responsibility, which is closer to meritocracy. From these materials, after applying the
methods, results were extracted that indicated that there was, in institutional discourses and
practices, a set of techniques, tools and concepts aimed at building a specific individual, the
super-human, possible from the journey of human progress, which encompasses the CIS
method. However, the results showed the relevance exerted by the creator of the method and
company’s president. Thus, the discussion analyzed company’s president role in the
institution, the relevance of religion and science in institutional discourses and practices and
in the CIS method, as well as the journey of human progress and its four stages (awareness,
self-responsibility, positive vision of the future and the powerful tools of progress). For the
discussion, Michel Foucault's concepts were used in order to problematize the highlighted
points, considering their disciplining function. Finally, it is concluded that there was a
contribution to studies on meritocracy and that it was possible to observe how the practices
and discourses of the CIS method, the institution cooperate for the constitution of a successful
individual through training, from the docilization of useful bodies, turning to productivity and
competitiveness.
Key-words: meritocracy; coaching; disciplinary mechanis; control; docilization
7

Sumário
1. Introdução...............................................................................................................................8
1.1 A noção de meritocracia: o termo e sua emergência......................................................12
1.2 Afinal, o que é meritocracia?..........................................................................................18
1.2.1 Ideologia do mérito...................................................................................................21
1.2.2 Meritocracia como ordenação social........................................................................27
1.2.3 O indivíduo do mérito...............................................................................................46
1.3 Breve desenvolvimento sociohistórico das características meritocráticas......................51
1.4 O coaching......................................................................................................................70
1.5 A FEBRACIS..................................................................................................................84
1.6 Objetivos.........................................................................................................................96
1.6.1 Objetivo Geral..........................................................................................................96
1.6.2 Objetivos Específicos...............................................................................................96
2. Metodologia..........................................................................................................................97
2.1 Tipo de estudo.................................................................................................................97
2.2 Procedimentos de análise................................................................................................99
2.3 Aspectos conceituais a partir de Michel Foucault.........................................................105
3. Resultados...........................................................................................................................117
3.1 Resumo dos materiais analisados..................................................................................117
4. Análise................................................................................................................................159
4.1 Sobre o indivíduo..........................................................................................................159
4.2 Dos discursos.................................................................................................................169
4.2.1 A religião e o presidente da instituição...................................................................169
4.2.2 Sobre a ciência........................................................................................................180
4.2.3 O método CIS.........................................................................................................189
4.3 Das práticas: Ferramentas poderosas de progresso.......................................................218
5. Considerações Finais...........................................................................................................233
6. Referências..........................................................................................................................236
7. Apêndices............................................................................................................................248
7.1 Apêndice 1....................................................................................................................248
7.2 Apêndice 2.....................................................................................................................260
8

1. Introdução

O primeiro contato da pesquisadora para com a temática da meritocracia ocorreu em

2015, ano no qual se desenvolveu uma pesquisa de iniciação científica que utilizou de

questionários de opinião pública enquanto ferramenta. Tais questionários obtinham

informações sociodemográficas (idade, escolaridade, raça, renda e afins) e traziam afirmações

às quais remetiam a meritocracia no intuito de averiguar a aderência da população local as

crenças e valores meritocráticos. Nesta pesquisa quantitativa, cruzaram-se os dados obtidos

sobre renda e escolaridade às afirmativas meritocráticas, sendo que houve aderência a tais

crenças. Devido a tal aderência, compreendeu-se que novas pesquisas sobre a temática

poderiam contribuir para uma melhor compreensão do fenômeno.

A presente pesquisa propõe abordar a chamada ideologia do mérito (McNamee &

Miller Jr., 2014; Littler, 2018). O ponto de início se dá a partir do próprio vocábulo, posto que

desde o final da década de 50 a palavra começava a ser veiculada na Inglaterra (Young, 2001;

Celarant, 2009), adentrando no vocabulário brasileiro a partir dos anos 2000 (Barbosa, 2003).

As contradições e peculiaridades que constituem a meritocracia não se restringem ao termo,

tangenciam ainda as limitações de sua concepção enquanto uma ideologia, dada a amplitude

de diferentes fenômenos sociais, econômicos, históricos, políticos e subjetivos em que as

crenças meritocráticas são situáveis, como afirma Littler (2018) ao considerar a meritocracia

como um modo de ordenação social.

O conjunto de crenças propagado pela meritocracia traz em seu bojo uma proposição

lógica na qual os indivíduos são merecedores, dignos de recompensas a partir da sua

capacidade de contribuir em algum aspecto ético e moralmente valorizado, como, no caso, a

produtividade e a eficiência (McNamee & Miller Jr., 2014). Tal lógica parte primordialmente

de uma compreensão moderna do indivíduo enquanto ser autônomo, principal responsável


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pelos seus ônus e bônus, direcionador de seu destino e parte do progresso social (McNamee &

Miller Jr., 2014). Com isso, o progresso social vincula-se a perspectivas de avaliação do

desempenho individuais, ou seja, à capacidade produtiva de cada indivíduo em provar seu

valor por meio de seus esforços e habilidades (Barbosa, 2003).

No desenvolvimento da pesquisa, em um primeiro momento foi executada uma

revisão das principais referências bibliográficas sobre a meritocracia visando compreender as

origens do termo, suas características basilares e presença em discursos da atualidade (Seção

1.1). A partir de tal revisão, na seção 1.2 busca-se apresentar de que modo a meritocracia é

descrita enquanto uma ideologia (1), um modo de organização social (2) e as características

atribuídas ao indivíduo do mérito (3). Cada um dos três aspectos mencionados é abordado em

subseções.

Na seção 1.2.1 buscou-se pontualmente discorrer sobre como a ideologia

compreendida (Walker, 1995; Eagleton, 1997) e suas aproximações com as percepções de

Foucault (1979/2019a; 2014) sobre a verdade, o poder e o discurso. Na seção 1.2.2, para se

pensar os atravessamentos entre a meritocracia e a organização social (Littler, 2018), é

abordada a relação entre indivíduo e sociedade (Weber, 2004; Elias, 1994; Giddens; 2003;

Leme, 2006).

Nesta seção, busca-se ainda explicitar suas implicações na exclusão (Sawaia, 2001;

Wanderley, 2001; Veras, 2001), na desigualdade e na mobilidade social (Nascimento, 1994).

Já na seção 1.2.3 visou-se apresentar as características do indivíduo meritocrático a partir de

suas características (Barbosa, 2003; McNamee & Miller Jr., 2014) e a compreensão de virtude

(Maquiavel, 1532/1996; Sadek, 1999).

Considerando os entrelaçamentos individuais, sociais e ideológicos da meritocracia,

em seguida, faz-se um breve desenvolvimento de suas aproximações sócio-históricas, visando


10

apresentar de que modo o indivíduo moderno se constitui e é constituído a partir de processos

sócio-históricos (Seção 1.3). Neste intuito, discorre-se brevemente sobre o indivíduo moderno

(Kant, 1784/1990; Hall, 2006) e os aspectos históricos (Hobsbawm, 2016) e socioeconômicos

que o constituem (Smith, 1999; Weber, 2004; Scalon, 1999; Foucault, 1979/2008a; Dardot &

Laval, 2016).

Nos estudos sobre a meritocracia pode-se observar que o indivíduo meritocrático é

esforçado e preza pelo aprimoramento de suas habilidades (McNamee & Miller Jr., 2014),

este deve ser produtivo, autônomo, competitivo, empreendedor e tendo o trabalho como ponto

central de sua vida (Barbosa, 2003). Nota-se que o discurso do coaching possui aproximações

com as crenças meritocráticas apresentadas ao construir ferramentas, técnicas e uma teoria

que visa um desenvolvimento humano correspondente às demandas de produtividade

contemporâneas (Grant, 2005). Com isso, fez-se necessário compreender o que é, quais as

características e como foram constituídas as práticas do coaching (Seção 1.4)

Para este trabalho, o objeto empírico delimitado foi a instituição Federação Brasileira

de Coaching Integral Sistêmico (FEBRACIS), posto que esta possui documentos públicos

acessíveis, uma proposta metodológica para suas práticas e um arcabouço conceitual,

observáveis no método CIS (Seção 1.5). Considerando tais aspectos, foram selecionados para

análise os livros “O poder da ação” (Vieira, 2015), “O poder da autorresponsabilidade”

(Vieira, 2017a) e o website institucional.

Desta forma, o estudo tem como objetivo geral identificar as aproximações entre o

discurso do coaching e da meritocracia (Seção 1.6). Entende-se que o fenômeno do coaching

correlaciona-se às duas facetas apresentadas pela meritocracia. A primeira diz respeito ao

reconhecimento individual a partir de ideais do desenvolvimento humano de habilidades a

partir do trabalho duro enquanto ética que leva ao progresso humano (McNamee & Miller Jr.,
11

2014), já a segunda refere-se às implicações sociais da meritocracia, a qual emerge como um

dispositivo de formação de um homem que é “empresa de si mesmo” (Dardot & Laval, 2016).

Dentre os objetivos específicos pretendeu-se analisar as práticas e discursos da FEBRACIS.

Enquanto metodologia, optou-se pela análise documental apresentada por Cellard

(2012) e Spink, Ribeiro, Conejo e Souza (2014), utilizando-se da análise temática enquanto

ferramenta para o tratamento dos dados (Souza, 2019) (Seção 2). A partir das ferramentas

utilizadas pode-se extrair enquanto resultados uma interpretação dos materiais analisados

(Seção 3). Dos procedimentos da análise temática ainda fora possível delimitar os temas

utilizados na análise, a saber: o tipo de indivíduo almejado, o método CIS e suas etapas do

progresso humano e a relevância da função de Paulo Vieira nas técnicas, conceitos e

ferramentas do CIS e dá instituição.

Tais temas forneceram uma base para organização e descrição dos materiais na análise

(Seção 4). Na análise buscou-se apresentar as aproximações entre a meritocracia e o indivíduo

de sucesso delineado e moldado pela FEBRACIS, focalizando suas práticas e discursos. Para

isto, recorreu-se aos escritos de Foucault (2014), especificamente sobre o poder e os

mecanismos disciplinares, no intuito compreender as relações de poder que perpassam tal

formação. A partir disto, nas considerações finais (Seção 5), são expostos as contribuições do

trabalho e seus limites, ressaltando-se as possibilidades do que ainda pode ser desenvolvido a

despeito da meritocracia e do coaching.


12

1.1 A noção de meritocracia: o termo e sua emergência

Uma parte majoritária da literatura que aborda a meritocracia credita a criação do

termo a Michael Young, sociólogo inglês, que em 1958 publica a distopia “The Rise of

Meritocracy”. O livro possui similitudes com a sociedade atual, mas, apesar de ter como

objetivo chamar atenção para os possíveis desdobramentos da denominada ideologia do

mérito, a história se afasta das realidades sociohistóricas que precederam seu lançamento.

Como respalda Celarant (2009), “publicado há 90 anos, este livro levantou todas as questões

sobre estratificação por meio de sua fantasia inesquecível. Mas a história real da

“meritocracia” traiu a visão de Young” (Celarant, 2009, p. 2)12. Em 2009, ano da citação de

Celarant, o livro completava 51 anos, ainda assim, as questões sobre estratificação e as

reverberações da publicação demonstram ter contundência.

Young (1958) discorre sobre a evolução da sociedade democrática britânica desde o

ano de 1870 até o imaginário ano de 2033. O autor produz um recorte histórico ressaltando

que “não há revoluções, há apenas o acréscimo lento de mudanças incessantes que

reproduzem o passado enquanto o transformam” (Young, 1958, p. 13). Nessa sociedade, que

mistura ficção com o real, a forma primordial de organização e hierarquização dos indivíduos

é a soberania do mérito, principalmente por meio do sistema educacional, sendo esse termo

compreendido como recompensa de ações e desempenho individuais, confluentes com valores

dignificados no recorte sociohistórico de sua distopia.

Assim, Young (1958) faz um percurso no qual retoma o contexto socioeconômico a

partir da Revolução Francesa, buscando focalizar por meio de um personagem questionador a

visão do homem sobre o homem, os critérios para se pensar a sociedade e as alterações na

1 Published 90 years ago, this book raised all the issues of stratification by means of its unforgettable fantasy.
But the actual history of ‘meritocracy’ betrayed Young’s vision (Celarant, 2009, p.2).
2 Para a presente pesquisa, as citações em inglês e espanhol foram traduzidas pela autora e acompanham seus
respectivos originais em nota de rodapé.
13

organização social. Se antes olhava-se para o nascimento, para linhagens hereditárias no

intuito de delimitar o lugar social ocupado pelos indivíduos, com o advento da modernidade

valores como liberdade individual e igualdade civil passam a ser os novos imperativos

defendidos.

A distopia de Young (1958) coloca a instauração da aristocracia de talentos, que parte

de um homem livre, autônomo e igual perante seus semelhantes, em que a posição social seria

uma recompensa a partir do mérito individual, pela sua inteligência e esforço, passíveis de

serem avaliados a partir da eficiência acadêmica, posto que os melhores indivíduos para a

sociedade são aqueles que obtêm os melhores desempenhos.

Ainda que o crédito pela criação do termo meritocracia seja atribuída a Young,

Kynaston (2013, apud Littler, 2018) observa que o termo em si foi cunhado por Alan Fox, em

1957. Ao escrever sobre classes sociais e igualdade em um pequeno jornal inglês da época, a

autora traz que “no entanto, o termo foi de fato usado dois anos antes por Alan Fox em ‘classe

e igualdade’ para o jornal Socialist Commentary, como observou recentemente o historiador

britânico David Kynaston no Modernity Britain: Opening the Box, 1957-1959”3.

Entretanto, o termo meritocracia ganha real aderência e amplitude perante a sociedade

a partir do best-seller de Young, principalmente nos EUA e no Reino Unido. Allen (2011)

auxilia ao pontuar que “na literatura de pesquisa e no discurso cotidiano, a meritocracia

assume a forma de um ideal abstrato contra o qual se pode julgar a imperfeição atual de uma

sociedade específica”4 (p. 2), assim como o próprio Young, ao declarar que cunhou “uma

palavra que entrou em circulação geral, especialmente nos Estados Unidos”5 (Young, 2001).

3 However, the term was in fact used two years earlier by Alan Fox in ‘Class and Equality’ for the jornal
Socialist Commentary, as the British historian David Kynaston recently noted in Modernity Britain: Opening the
Box, 1957–59 (Littler, 2018, apud Kynaston, 2013).
4 In the research literature, and in everyday discourse, meritocracy takes the form of an abstract ideal against
which one can judge the present imperfection of a particular society (Allen, 2011, p.2)
5 Coined a word which has gone into general circulation, especially in the United States (Young para o The
Guardian, 2001).
14

Conforme a meritocracia institui-se cada vez mais como um critério em processos de

avaliação, de desempenho e de hierarquização das pessoas, torna-se também um objeto direto

de estudos e de pesquisas, como mostram os trabalhos de McNamee e Miller Jr. (2014),

Littler (2018), Hayes (2012), Bovens & Wille (2017), Frank (2016), Barbosa (2003), Guinier

(2015), Kreimer (2000), Liu (2016), Rivera (2015) e Bloodworth (2017), que, em sua maioria,

são estudos estadunidenses e britânicos.

O termo e seu ideal foram abraçados pela população, ainda que abstratamente, e

servem de justificativa para que seja possível fazer uma leitura “apaziguante” e logicamente

coerente com os valores morais individualistas e progressistas das condições desiguais de

existência na sociedade. Em um artigo que escreveu para o jornal inglês “The Guardian”, em

2001, Young discorreu que seu livro tinha como intuito ser uma sátira negativa, um aviso,

para a população sobre os caminhos que a meritocracia estava galgando, entretanto, ele

percebe que criou uma palavra que se popularizou de modo positivo e passou a ser utilizada

principalmente por políticos contemporâneos, como Tony Blair, o qual critica nesse artigo.

É interessante ressaltar que Young foi um sociólogo inglês, barão de Dartington e

político filiado ao Labour Party até 1950, onde idealizou o manifesto do partido de 1945 “Let

us face the future”, publicado ao final da Segunda Grande Guerra, no qual preza pela paz e

pela melhora da qualidade de vida da população britânica, que tanto sofreu com as

consequências nocivas do confronto. Por meio de um discurso forte e afetuoso voltado para o

cuidado do povo e para liberdade, denuncia o poder das elites econômicas prevalecentes da

guerra e as contradições socioeconômicas do seu país.

O livro de Young é desenvolvido em um primeiro momento com bases sociológicas e

históricas, visando fazer uma crítica cientificamente embasada sobre a estruturação que a

sociedade inglesa constituiu desde 1870. O próprio discorre que:


15

O que sustentava meu argumento era uma análise histórica não controversa do que

vinha acontecendo com a sociedade há mais de um século antes de 1958, e mais

enfaticamente desde a década de 1870, quando a escolarização se tornou obrigatória e

a entrada competitiva no serviço público se tornou a regra6 (Young, 2001).

Entretanto, apesar de sua trajetória política, acadêmica (sua alma mater é a

tradicionalmente prestigiada London School of Economics) e de possuir um título nobre

valorizado socialmente em sua cultura, seus pensamentos são desconsiderados pelo estrato

acadêmico de sua época. Como traz Celarent (2009, p. 2), “os estudiosos ignoraram o livro,

mas a nova palavra entrou no idioma da noite para o dia”7. Então, o autor transforma sua obra

em uma distopia, em uma ficção, mas o termo meritocracia é absorvido pelos indivíduos no

cotidiano, sendo necessário questionar essa alteração no âmbito social e sua rápida absorção.

Ressaltar a trajetória do termo e do seu autor torna-se relevante por dois aspectos:

primeiro, pela sua irônica contradição já na sua difusão, posto que seu autor possui méritos

individuais consideráveis, dada sua trajetória política, social e acadêmica, mas, ainda assim

não teve sua obra sequer valorizada academicamente, o que contradiz o próprio conceito de

meritocracia, o qual estabelece exatamente a valorização dos seus indivíduos por seu

desempenho ao serem capazes de tornar concretos seus talentos, esforços, inteligência.

Um segundo aspecto interessante é que o termo foi incorporado ao discurso cotidiano

das pessoas de modo praticamente natural e contrário ao intuito do autor, afinal, estabelece-se

que foi da “noite para o dia”. Entende-se que, em 1958, ainda não havia as praticidades de

disseminação instantânea da informação como se dá na atualidade, logo, torna-se relevante

6 Underpinning my argument was a non-controversial historical analysis of what had been happening to society
for more than a century before 1958, and most emphatically since the 1870s, when schooling was made
compulsory and competitive entry to the civil service became the rule (Young for The Guardian, 2011).
7 Scholars ignored the book, but the new word entered the language overnight (Celarant, 2009, p.2)
16

questionar quais os meios e condições sociohistóricas fizeram-se presentes para que fosse

possível uma absorção tão facilmente acrescentada ao linguajar corriqueiro inglês.

Com isso, a aceitação natural do termo, dos valores e ideais meritocráticos conflui, por

exemplo, com o discurso proferido por políticos americanos e ingleses em diferentes épocas

(Reagen, Thatcher, Blair8), os quais exaltam a valorização do indivíduo, da liberdade, do

mérito, talento e desempenho. Assim, o momento histórico de inauguração do termo

meritocracia em 1958 é permeado por alterações sociais, econômicas, culturais e políticas.

Além disso, confluía com valores éticos e morais que já estavam conscientemente

presentes nos indivíduos e nas relações sociais, propiciando um cenário adequado para a

incorporação do termo no discurso popular com certa facilidade. Em outras palavras, a

estrutura econômica da sociedade a partir de 1958 possuía em seu bojo relações que

valorizavam o progresso socioeconômico por meio do desempenho que enxerga no indivíduo

sua fonte de prosperidade, de talento, esforço e habilidade.

É valido ressaltar que, apesar do termo meritocracia ter sido incorporado por

americanos e ingleses, no que tange à sociedade brasileira Barbosa (2003) traz que a

meritocracia é:

Uma palavra quase “escondida” na língua portuguesa [...] pouco utilizada no falar

cotidiano e não aparece no maior e mais popular dicionário da nossa língua, o famoso

Aurélio. [Em sua dimensão conceitual] a meritocracia aparece diluída nas discussões

sobre desempenho e sua avaliação, justiça social, reforma administrativa e do Estado,

8 “There is no such thing as society: there are individual men and women, and there are families”. (Thatcher
Interview for Woman's Own) .“ I do not know anyone who has got to the top without hard work. That is the
recipe. It will not always get you to the top, but it should get you pretty near, but everyone needs just a little bit
of luck” (Thatcher, TV Interview for Italian Television - RAI). "I hope we once again have reminded people that
man is not free unless government is limited. There's a clear cause and effect here that is as neat and predictable
as a law of physics: As government expands, liberty contracts." (Reagan). Fontes:
https://www.reaganfoundation.org/ ; https://www.margaretthatcher.org/
17

neoliberalismo, competência, produtividade e etc., e nunca de forma clara e explícita.

E, para culminar, não há do ponto de vista histórico, quase nenhuma preocupação da

sociedade civil com essa questão, tampouco trabalhos e pesquisas sobre o tema

(Barbosa, 2003, p. 21)

Ao considerar que o livro “Igualdade e Meritocracia” (Barbosa, 2003) citado acima foi

publicado pela primeira vez em 1999, desde então, ainda que o caráter implícito da

meritocracia mantenha suas características diluídas nos discursos mencionados, percebe-se

que houve um aumento das pesquisas e trabalhos que utilizam especificamente o termo. Isto é

possível de ser exemplificado a partir dos trabalhos de Minasi, Vecci e De Sá (2013), de

Borba (2017), Soares e Baczinski (2018), Guilherme (2018), Béhar (2019) entre outros, que

exploram o fenômeno da meritocracia defendendo-o ou questionando-o. Seja como for, há

atualmente um debate sobre a meritocracia.

Em suma, a meritocracia emerge enquanto fenômeno, socialmente aceito, observando-

a em campos discursivos e não discursivos heterogêneos, de modo explícito, como nos

mencionados discursos políticos, ou implícito, como conjunto de crenças pouco questionado,

ainda que perceptível por meio de sistemas de hierarquização e a avaliação. É considerada

uma ideologia (McNamee & Miller Jr., 2014; Littler, 2018), que propõe um sistema de

hierarquização social pautado em uma caracterização singular, de como serão distribuídos os

ônus e bônus materiais e imateriais do progresso social a partir da avaliação e

responsabilização individual. Enfim, um sistema que eleva o mérito ao âmbito ideológico

visando supostamente, maior igualdade, mas que, para isso, paradoxalmente desconsidera

aspectos socioeconômicos, culturais e psíquicos, mascarando o viés de exclusão social que a

meritocracia sustenta.
18

1.2 Afinal, o que é meritocracia?

Você deve lutar pela xepa da feira e dizer que está recompensado

Você deve estampar sempre um ar de alegria e dizer: tudo tem melhorado

Você deve rezar pelo bem do patrão e esquecer que está desempregado

Você merece, você merece.

Gonzaguinha – Comportamento Geral

A música de Gonzaguinha apresenta poeticamente as contradições da lógica

meritocrática e a existência de desigualdades sociais geradas pela sua hierarquização. Há uma

luta, um esforço, dos indivíduos pela produção da existência nas mais diversas camadas

sociais, que nas mais baixas se dá até pela xepa da feira, ou seja, por aquilo que é descartado,

que não possui mais valor comercial, mas que se apresenta enquanto forma de “recompensa”

e subsistência de indivíduos. Explicita ainda a discrepância existente entre a valorização dos

crescimentos socioeconômicos e as condições sociais, sendo possível interpretar ironicamente

que se há crescimento econômico no país, há o benefício de toda sociedade.

No livro Young (1958) define mérito enquanto “inteligência + esforço”. A palavra

meritocracia remete à aglutinação de “mérito” e o sufixo de origem grega “-cracia”, denota

poder, força e governo. Assim, o termo relaciona um governo pautado no mérito individual,

em sua soberania enquanto critério de diferenciação social e o poder que esta possa mobilizar

entre os sujeitos. A diferenciação, ao passo que exclui uma grande parcela dos indivíduos,

torna poucos outros dignos de reconhecimento, sendo tal reconhecimento um veículo do

poder.

Nesse sentido, McNamee e Miller Jr. (2014) retiram o termo da ficção de Young e dão

um contorno a partir da realidade social norte-americana, com enfoque no aspecto cultural

que permeia o conhecido “American Dream” e seu vínculo com os pressupostos


19

meritocráticos. Para propor tal discussão explicitam a diferença entre mérito enquanto

característica individual e enquanto forma de organização social. Em suas palavras, o mérito é

uma característica dos indivíduos, meritocracia é uma característica das sociedades como um

todo. Para os autores meritocracia refere-se a um sistema social como um todo no qual os

indivíduos progridem e ganham recompensas em proporção direta aos seus esforços e

habilidades individuais (McNamee & Miller Jr, 2014). Com isso, o mérito individual é

utilizado como critério da distribuição social em um sistema, interferindo assim nas relações

de poder existentes a partir da distribuição de recompensas dadas características individuais.

Soares e Baczinski (2018) discorrem que:

A palavra mérito significa ser digno de algo, conseguir recompensas por meio de

esforço individual. Nesse contexto, o ideal da meritocracia trata-se de uma ligação

direta entre mérito e poder, ou seja, em um modelo meritocrático ideal cada um seria

premiado de acordo com as suas virtudes, independentemente de sua classe social,

etnia ou qualquer outro fator que não seu próprio mérito. No entanto, a meritocracia

pregada pelo sistema capitalista em que vivemos está longe de ser ideal, pois trata-se

somente de mais um meio de dominação ideológica das classes dominantes sobre as

classes inferiores (Soares e Baczinski, 2018, pp. 36-37)

Como apontam Soares e Baczinski (2018), o ideal meritocrático de que poderia haver

uma maior distribuição de poderes se esvai uma vez que, ao ser se integrar aos mecanismos

do sistema capitalista, a meritocracia é utilizada como ferramenta de dominação ideológica.

Logo, os critérios de avaliação do que é digno de mérito são estabelecidos pelos valores de

uma classe dominante. Para Barbosa (2003), a meritocracia pode ser compreendida em seu

“aspecto afirmativo” (produtivo), que organiza os indivíduos a partir de avaliação do

desempenho. Em contrapartida, no seu “aspecto negativo”, considera a meritocracia enquanto


20

um conjunto de valores que rejeita toda e qualquer forma de privilégio hereditário e

corporativo, que avalia e valoriza as pessoas independentemente de sua trajetória e biografia

social, ou seja, “nessa sua dimensão negativa, a meritocracia não atribui importância a

variáveis sociais como origem, posição social, econômica e poder político” (Barbosa, 2003, p.

22)

Deste modo, existem três aspectos que tangem a meritocracia os quais merecem ser

ressaltados e articulados, sendo estes: o mérito individual, a meritocracia como mecanismo de

ordenação social e a ideologia meritocrática. É no indivíduo que se localiza o esforço e a

habilidade presentes no cerne do pensamento meritocrático, sendo características que ao

dignificarem o homem, passam a estabelecer uma relação entre mérito e poder. O poder

meritocrático parece ser algo que é diretamente vinculado ao indivíduo, exercido por este,

mas, sua atribuição, aquilo que valida seu reconhecimento, é social. Assim, não é possível se

pensar a meritocracia sem a associar ao social, pois, sem esta perspectiva não há mérito, não

há o que recompensar, o que diferenciar, logo, o poder agencia ainda valores da ideologia do

mérito.

Para além de um conjunto de valores que buscam reconhecer a individualidade do

homem considerando suas habilidades e esforços, observa-se que na modernidade tal

reconhecimento passa a ser utilizado enquanto critérios de hierarquização e diferenciação no

social. Em outras palavras, tais valores têm uma função enquanto mecanismo de regulação

social a partir do momento que se associam e são utilizados no cotidiano. Neste sentido a

ideologia do mérito é utilizada como arcabouço de ideais para ordenação do social, o qual,

invariavelmente, mobiliza relações de poder. Logo, como no American Dream e no self made

man resgatados por McNamee e Miller Jr. (2014), existe um ensejo social que possibilita

considerar certas habilidades e qualidades como meritórias e que, por meio da manifestação

da ideologia do mérito, é possível a estruturação de um sistema social meritocrático, um


21

alinhamento social de percepção de mundo, que dá bases éticas e morais para uma mesma

percepção de mérito, de indivíduo, de progresso social, de liberdade e desigualdade.

Entretanto, dentro desse proposto sistema de distribuição social, como pontuou

Barbosa (2003), observa-se que a distribuição de poderes por meio do mérito não é justa

como pretende se expor. Ao argumentar sobre o aspecto negativo, ou seja, aquilo que a

meritocracia desconsidera, Barbosa (2003) apresenta um de seus paradoxos, que desconsidera

fatores históricos sociais, entre outros, para se pautar no esforço e a habilidade individual. Tal

lógica do discurso meritocrático se detém na eficiência e na justiça (Sandel, 2020), posto que

almeja um sujeito produtivo e competitivo, independentemente de aspectos como raça, gênero

ou afins, como o autor expõe “seria errado discriminar o candidato mais qualificado com base

em preconceito de raça, religião ou sexo e contratar uma pessoa menos qualificada no lugar

dele” (p. 51), nesta perspectiva, a única discriminação que a meritocracia promove é a

“discriminação por conquista” (p. 52).

Tal percepção, que dá base à ideologia do mérito, é questionada quando se observa

que apenas o esforço e as habilidades não são critérios os quais definem a igualdade de

oportunidade e a mobilidade social. Para além, ao desconsiderar fatores estruturais da

sociedade (como os históricos) retira-se da discussão aspectos explícitos no campo social

atualmente, que influenciam tanto na mobilidade quanto nas oportunidades, como por

exemplo, a herança familiar (em termos econômicos e culturais) o sexismo, o racismo e as

classes.

1.2.1 Ideologia do mérito

As pesquisas e estudos teóricos apontados abordam a meritocracia enquanto uma

ideologia. Entretanto, o próprio conceito de ideologia fora contestado e considerado evasivo


22

por muitos estudiosos (Walker, 1995). A não unificação entre o significado e o uso do termo

ideologia é possível de ser observado a partir de Eagleton (1997), o qual traz catorze

significações comumente usadas, sendo elas:

a) o processo de produção de significados, signos e valores na vida social,

b) um corpo de ideias característico de um grupo ou classe social,

c) ideias que ajudam a legitimar o poder dominante,

d) ideias falsas que ajudam a legitimar o poder dominante,

e) comunicação sistematicamente distorcida,

f) o que confere certa posição a um sujeito,

g) formas de pensamento motivadas por interesses sociais,

h) pensamento de identidade,

i) ilusão socialmente necessária,

j) a conjuntura de discurso e poder,

k) o veículo pelo qual os atores sociais entendem o mundo,

l) conjunto de crenças orientadas para a ação,

m) confusão entre realidade linguística e linguagem fenomenal,

n) oclusão semiótica (Eagleton, 1997, p. 15)

Dentro desta gama de possíveis significações, percebe-se que a meritocracia se

estabelece em uma conjuntura de discurso e poder, a qual abarca um processo de produção de

significados e valores da vida social, assim como, ao observar sua função, características e

estrutura dentro do sistema social interfere na identidade do sujeito dado sua característica

discriminatória, a qual coopera para a legitimação de ideias e poderes dominantes. De modo

mais sucinto, Thompson (2010) compreende a ideologia a partir de sentidos que estabelecem

e sustentam relações de dominação.


23

A partir desse viés, a ideologia meritocrática se constrói ao trazer de modo sutil

valores de uma classe dominante enquanto base a ser seguida por outras classes que compõem

a estrutura da sociedade atual, sendo determinante nas ações e identidade dos indivíduos. Em

outras palavras, coopera na legitimação do poder político, econômico e social através de um

conjunto de crenças que se constitui a partir das possibilidades de vida de tal classe e, assim,

faz com que a massa de indivíduos compreenda isto enquanto um processo pelo qual a vida

social é convertida em uma realidade naturalmente desigual.

Entretanto, a meritocracia não se encontra presente apenas no campo de ideias,

enquanto um conjunto de crenças, de valores, que terão como consequência um conjunto de

práticas, sendo também determinada por como as práticas se dão e influenciam seus possíveis

rearranjos. Não obstante, é atravessada por fatores socioeconômicos e culturais que não fazem

parte do seu discurso basilar, como alterações de mercado, movimentos sociais e etc. Para

além, na perspectiva de dominação entre classes o poder é percebido apenas em sua faceta

negativa, de opressão, sem ser considerada sob a perspectiva de sua positividade, do espaço

de produtividade e engajamento que a meritocracia pode proporcionar.

Foucault (1979/2019a, p. 44) considera a ideologia como um conceito “dificilmente

utilizável”, posto que “está sempre em oposição virtual a alguma coisa que seria a verdade”,

aproximando a ideologia da concepção de uma ideia falsa. O filósofo entende que a

importância da verdade se encontra na compreensão histórica de como foram produzidos

“efeitos de verdade no interior de discursos que não são em si nem verdadeiros nem falsos”,

mas que, ao serem visualizados nesta perspectiva binária, institui uma aproximação que torna

necessário um verdadeiro que seja posto em oposição ao falso. Em outras palavras, existem

verdades que atuam como determinantes do que será parte do arcabouço de ideias dominantes

(produzido historicamente e advindo de uma falsa consciência) e daquilo que é negado do

discurso, ainda que componha uma verdade, ou parte desta.


24

Para além, “a ideologia está em posição secundária com relação a alguma coisa que

deve funcionar para ela como infraestrutura ou determinação econômica, material etc”

(Foucault, 1979/2019a, p. 44), ou seja, se limita ao campo das ideias e demanda que haja

estruturas que são construídas a partir do conjunto de crenças dominantes em determinado

momento histórico. Com isso, Foucault afasta sua concepção de poder do conceito de

ideologia e o aproxima da compreensão que possui de verdade e de poder, em suas palavras:

O importante, creio, é que a verdade não existe fora do poder ou sem poder [...] A

verdade é deste mundo, ela é produzida nele graças a múltiplas coerções e nele produz

efeitos regulamentados de poder. Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua

“política geral” de verdade: isto é, os tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar

como verdadeiros; os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os

enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como sanciona outros; as técnicas e os

procedimentos que são valorizados para a obtenção da verdade; o estatuto daqueles

que tem o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro” (Foucault, 1979/2019a,

p. 52)

Logo, a verdade é construída pelo poder, produzida por múltiplas coerções e

representada por meio de mecanismo e instâncias que tornam discursos falsos ou verdadeiros,

incluindo os métodos para fazer aparecer a verdade e, por sua vez, o poder. Nesse sentido,

para além da bibliografia que explicita a meritocracia enquanto uma ideologia, pode-se

compreender o discurso meritocrático como uma forma de verdade, que, em sua lógica, valida

mecanismos e instâncias que determinam o que é valorizado/desvalorizado enquanto ação

individual, o que é considerado uma qualidade, como a capacidade de esforço e coloca um

oposto, como a preguiça, enquanto defeito.


25

Assim, as técnicas e procedimentos de avaliação e hierarquização meritocráticos são

portadores e reprodutores de uma verdade, fazem parte de um regime de verdade, logo,

produzem efeitos de poder, cooperando na regulação social. Inclusive, nesse aspecto Foucault

(2014) ressalta que algo ao ser considerado verdadeiro, seu discurso reverbera efeitos

específicos de poder, de modo que a importância da verdade na estruturação social e do seu

papel econômico-político não pode ser desconsiderada. Para além, a formação de regimes de

verdade não é algo alheio, aleatório historicamente, mas “foi uma condição de formação e

desenvolvimento do capitalismo” (Foucault, 2014, p. 54). A partir do exposto, entende-se que

a meritocracia, enquanto um fenômeno científico é moderno, seu discurso nasce dentro da

hegemonia capitalista e, ao disseminar uma verdade carregada de poder, possui efeitos na

estruturação social e econômico-político.

Milanovic (2020) discorre sobre o capitalismo meritocrático liberal, o qual possui os

EUA como seu principal representante (já há cerca de 30 anos) e que remete ao sistema de

trocas e produção de serviços e mercadorias em que a forma “como as mercadorias e os

serviços são produzidos e trocados (‘capitalismo’), como são distribuídos entre os indivíduos

(‘meritocrático’) e quanto existe aí de mobilidade social (‘liberal’)” (Milanovic, 2020, p. 21).

Com isso, a meritocracia diz sobre como será distribuição das mercadorias e serviços que são

“produzidos em um sistema que se pauta principalmente nos meios de produção de

propriedade privada, em que o capital contrata mão de obra livre e cuja coordenação é

descentralizada” (Milanovic, 2020, p. 21), o qual comporta certa mobilidade social por meio

de sua característica de possuir carreiras abertas para talentos, não oferecendo barreiras de

ordem legal para a mobilidade social, admitindo plenamente herança de patrimônio.

Para o autor, nos EUA houve a transição do capitalismo social-democrático (Wellfare

State) para o meritocrático liberal, ocorrendo por um período o acasalamento não preferencial

e o preferencial, havendo um aumento da desigualdade social, que, conforme o capitalismo


26

meritocrático liberal se estabelece e a homogamia passa a ser sua principal tendência,

estagnando-se, ou seja, a desigualdade se estabiliza em um patamar elevado e a mobilidade

fica precária (Milanovic, 2020). Assim, indo ao encontro do aspecto negativo da meritocracia

apresentado por Barbosa (2003), o qual desconsidera fatores hereditários, socioeconômicos e

históricos, pode-se afirmar que “o capitalismo meritocrático liberal apresenta características

que levam a um aumento da desigualdade social” (Milanovic, 2020, p. 31) e que, alguns de

seus aspectos de desigualdades “podem ser moralmente aceitáveis, e até mesmo, em alguns

casos, desejáveis” (p. 32), como, por exemplo, a transmissão de capital humano entre

gerações.

A ideia que sustenta a meritocracia apresenta brechas contundentes, já que sua ética e

moral comportam a desigualdade social e, como mencionado, até desejam, a diferenciação

que leva a esta. Entretanto, a ideologia se pauta em justiça e igualdade de oportunidades que

não considera os efeitos de uma desigualdade ocasionada pela transmissão intergeracional de

capital humano. Exemplo disto é que tal transmissão tende a cristalizar a distribuição de

privilégios adquiridos, diminuindo as possibilidades de mobilidade social e aumentando a

desigualdade (Milanovic, 2020). Littler (2018) pontua que apesar de ser necessário diferenciar

o sistema social meritocrático de sua ideologia, ambos se encontram intimamente ligados,

posto que é precisamente a ideologia que constrói um sistema de crenças que influencia na

dinâmica do poder que sustenta seu caráter de sistema social:

A meritocracia precisa ser compreendida enquanto um discurso ideológico, como um

sistema de crenças que constitui uma visão geral de mundo e sustenta uma dinâmica

particular de poder [...] Analisar a ideologia pode, portanto, ser utilizado tanto para

compreender a prática institucional quanto as normas discursivas [...] compreender

como a disputa pelo significado geram lutas para assegurar a hegemonia ou para
27

assegurar mais formas de dominação social, político, de poder econômico e controle9

(Littler, 2018, p. 25)

Nesse sentido, a meritocracia, por meio de sua ideologia, propõe valores e crenças que

estruturalmente não se originam nesta, posto que, como fora apresentado por Milanovic

(2020), o capitalismo meritocrático liberal se faz mais perceptível há cerca de apenas 30 anos,

mas sua constituição, seus valores, sua proposta de subjetividade a partir de uma aristocracia

de talentos já se encontravam presentes mesmo no capitalismo clássico. Logo, pode-se

pontuar que existem fatores macrossociais, estruturais e ideológicos, os quais influenciam nos

processos de subjetivação dos indivíduos, em suas ações e processos relacionais, e constroem

um sistema sedutor o qual traz recompensas culturais, simbólicas e materiais.

1.2.2 Meritocracia como ordenação social

Considerando o exposto sobre a relação entre a meritocracia e o indivíduo, e

compreendendo estes enquanto elementos que tangenciam a estrutura e ação na sociedade,

brevemente recorre-se a teóricos clássicos como Marx e Weber e seus contemporâneos, como

Elias e Giddens para buscar explanações sobre o modo que se dá a relação entre sociedade e

indivíduo, em seus aspectos micro e macrossociais. De um modo sucinto, como aponta Leme

(2006), ao dar enfoque aos fatores estruturantes da sociedade, Marx considera a sociedade

capitalista como uma sociedade de classes que precisam ser superadas, sendo dividida entre a

classe detentora dos meios de produção e o proletariado. Nessa configuração ocorre a

dominação de uma classe sobre a outra a partir da alienação e exploração do trabalho não

9 Meritocracy needs to be understood as an ideological discourse, as a system of beliefs which constitute a


general worldview and uphold particular power dynamics [...] Analysing ideology could therefore be used to
understand both institutional practice and discursive norms. [...] to how struggles over meaning were contests to
secure hegemony or to secure more dominant forms of social, political and economic power and control (Littler,
2018, p. 25)
28

pago, na qual o dinheiro se torna forma de existência social que atribui valor a mercadoria e

ao trabalho.

Já Weber, ainda de acordo com Leme (2006), analisou e interpretou as ações dos

indivíduos, visando compreender suas motivações. O teórico considera que estas são

orientadas e organizadas pelo cálculo racional (visando um fim ou por valores) centrado no

poder legal. Para além, outros fatores que influenciam a organização social são a tradição e o

carisma. Em sua pesquisa sobre as particularidades do capitalismo no ocidente, Weber (2004)

compreende o ethos protestante enquanto um dos racionalizadores da vida e que contribui

para formação de um espírito do capitalismo, logo, de sua evolução. Tal ethos protestante

possui como parte de sua moral a predestinação (convicção religiosa) e a noção de trabalho

como vocação, havendo uma racionalização que se desdobra também nas atividades

econômicas, com isso, fatores como eficiência, riqueza e produtividade passam a ser

associados ao trabalho do indivíduo (Weber, 2004).

Em ambas as perspectivas clássicas há algum modo de controle e normatização dos

indivíduos por meio de uma estrutura e uma ideologia as quais são determinantes para suas

condutas. Teóricos contemporâneos como Elias e Giddens dão continuidade à discussão. Elias

(1994), ao discorrer sobre a sociedade dos indivíduos busca superar a dicotomia que é posta

quando consideramos o ser humano singular enquanto indivíduo e, como oposto, a sociedade

enquanto a somatória, coletânea, de indivíduos. Elias (1994) explora como os seres humanos

ligam-se de modo dinâmico por meio de suas relações, afinal, não haveria um como uma

pessoa se reconhecer enquanto unidade autônoma caso não houvesse outras pessoas a partir

das quais ela passa a ter a possibilidade de se diferenciar. Elias (1994) vai além, pontuando

que
29

O indivíduo só pode ser entendido em termos de sua vida em comum com os outros. A

estrutura e a configuração do controle comportamental de um indivíduo dependem da

estrutura das relações entre os indivíduos […] embora a sociedade, as relações entre as

pessoas, tenha uma estrutura e regularidade de tipo especial, que não podem ser

compreendidas em termos de indivíduo isolado, ela não possui um corpo, uma

“substância” externa aos indivíduos (Elias, 1994, pp. 56-57)

O indivíduo, ao ser compreendido relacionalmente, é atravessado por fatores que são

determinantes, determinados e em constante micromutação, a qual confere uma percepção de

regularidade sociohistórica, ainda que não completamente subjetiva, posto que há mobilização

e novas relações de poder as quais criam produções inéditas. Como expõe Koury (2013), a

obra de Elias foca principalmente a relação entre poder, comportamento, emoções e

conhecimento nos processos sociais e históricos, neste sentido, Elias buscou discutir os

acontecimentos históricos do habitus europeu, conceito que para o sociólogo caracteriza a

dinâmica relacional que se estabelece para que a estrutura psíquica individual molde-se a

partir das atitudes sociais. Como coloca o comentarista, o habitus resulta “de uma dinâmica

configuracional de interdependência e equilíbrio de tensões entre os indivíduos e as redes

social e cultural e entre os processos de distinção e hierarquia desenvolvidos em uma

sociabilidade dada” (Koury, 2013, p. 84).

Assim, de modo sucinto, compreende-se a partir de Elias (1994), que na relação

estrutura-ação, indivíduo-sociedade, os indivíduos se deparam com uma estrutura dada, ao

mesmo tempo que possuem a capacidade de intervir nesta estrutura e criar novos modos de

reação a esta, havendo, concomitantemente, uma dinâmica em que o indivíduo tem sua ação

moldada pela estrutura ao mesmo tempo que ações podem alterar e intervir nas estruturas,

normas e regras sociais. Em outras palavras, o indivíduo existe nas relações com os outros,

relação que possui uma estrutura particular em uma dada sociedade (Leme, 2006).
30

Outro teórico que buscou superar a dicotomia estrutura-ação fora Giddens (2003),

sociólogo inglês do século XX que desenvolveu a teoria da estruturação. A teoria da

estruturação é uma estratégia metodológica para análises institucionais a qual parte da

reflexão de um conhecimento de uma dada estrutura e de uma interpretação da ação para se

ter acesso ao agente (indivíduo que age), sendo assim uma ferramenta para se pensar os

ambientes microssociais por meio do acompanhamento da prática discursiva e da ação

(O'Dwyer & de Mattos, 2010).

Entende-se que Giddens (2003) não desconsidera os poderes coercitivos da estrutura e

não exime os indivíduos da consciência das consequências de suas ações, em outras palavras,

as consequências das ações não derivam inteiramente das ações individuais, já que a

autonomia individual não é plena, tanto quanto não é possível dizer que a estrutura defina o

todo social. Assim, o agente tem um papel e formas de interpretar o ambiente social, que não

são indiferentes às composições estruturais de cada sociedade (O'Dwyer e de Mattos, 2010).

Aproximando-se de Elias (1994), para Giddens (2003) a teoria da estruturação

compreende que não deve haver um dualismo entre sujeito e objeto social, mas sim uma

dualidade, sendo que seu método propõe analisar tais relações que constroem tanto objetos

sociais, quanto a subjetividade. O autor considera o sujeito como descentrado, o que não

implica uma desconsideração dos aspectos subjetivos, significando que quando as práticas

sociais penetram no tempo-espaço se posicionam na raiz do objeto social, assim como da

subjetividade e, é por meio da intersecção entre o significar e o fazer, que os agentes criam

novas concepções de práxis.

Ao considerar os atores humanos como agentes Giddens (2003) adota uma perspectiva

modificada da psicologia do ego para relacioná-la com um de seus conceitos, o de rotinização.

O autor argumenta que tudo que é feito habitualmente (rotina) faz parte de um cotidiano que é
31

elemento básico da atividade social, ou seja, atividades repetitivas que fornecem material de

caráter recursivo da vida social, caráter recursivo o qual remete a recriação constante das

propriedades estruturadas da atividade social.

Os atores sociais não vivem tais aspectos de modo inconsciente ou mesmo apenas

através de uma consciência discursiva do que é dito e feito, não obstante Giddens (2003)

propõe que há uma reflexividade por parte dos atores que engloba tudo que é vivido, sendo

esta consciente discursivamente de modo parcial, pois, para além da capacidade individual do

que é possível de ser organizado discursivamente existem aspectos que são de ordem do que

fora denominado como consciência prática, ou seja, as ações cotidianas que não são pensadas,

mas que fornecem uma resposta coerente para manutenção do agente no social.

Com isso, observa-se que é necessário considerar a constituição social e o indivíduo

em sua subjetividade a partir de uma dinamicidade, demandando um olhar atento desde

aspectos mais simplórios da rotina humana até a manutenção e reprodução de aspetos

estruturais, em uma relação que pode ser pensada a partir de seus aspectos passivos e ativos.

Neste contexto, é possível ao indivíduo interpretar a meritocracia como uma

aristocracia de talentos, pois a estrutura historicamente apresenta características que, ao

valorizar o trabalho como faz o ethos protestante, possibilitam tais crenças, discursos e

práticas serem coerentes com acessos a oportunidades e mobilidade social existentes no

capitalismo, ainda que isto não se dê de forma igualitária para todos os indivíduos. Visando

apropriar-se das ideias supracitadas, considera-se que rotinização se apresenta como uma

técnica de poder preconizada pela meritocracia, à qual propõe um conjunto de ações que

cooptam o tempo dos indivíduos em prol da produtividade e eficiência socialmente

determinada, de modo minucioso por meio de seus hábitos.


32

A dinâmica entre as ações, a produtividade e a estrutura, parecem ter possibilitado o

surgimento de um atual discurso meritocrático centrado na autonomia individual e na

afirmação de que a sociedade fornece as oportunidades necessárias para mobilidade social

para aqueles que dedicarem seus esforços e habilidades no progresso humano. A meritocracia

estabelece critérios para os valores que interferem na distribuição de renda (exaltando o

desempenho de habilidades técnicas e acadêmicas) e postulando que o acesso a recursos

materiais e imateriais, assim como a qualidade de vida, estão diretamente vinculados à

avaliação e valorização de determinadas habilidades, presentes nas estruturas sociais. Ao

traçar os aspectos que compõem a dita ideologia do mérito é possível observar o foco no

indivíduo e em sua subjetividade, já que, a partir do discurso do esforço e aprimoramento

pessoal, propõe determinadas estratégias para condução das condutas.

A meritocracia, enquanto um conjunto de práticas e discursos que é utilizado para

diferenciar, discriminar e hierarquizar os indivíduos se apresenta como um mecanismo que,

ao recompensar valorativamente o indivíduo, inclui poucos e exclui a grande maioria, posto

que visa a seleção dos melhores, ou mesmo do único indivíduo que seja considerado como o

melhor. Com isso, torna-se necessário explorar o que se caracteriza por exclusão social.

Sawaia (2001) situa que a exclusão é um tema da atualidade, usado hegemonicamente

em diversas áreas do conhecimento, como a sociologia e a psicologia. Conceito que, ao ser

tratado a partir de diferentes enfoques, permeia as discussões sobre desigualdade social,

pobreza, mobilidade social, subjetividade e nos processos que levam indivíduos a serem

empurrados para margem da sociedade. Assim, “mesmo os estudiosos da questão concluem

que do ponto de vista epistemológico, o fenômeno da exclusão é tão vasto que é quase

impossível delimitá-lo” (Wanderley, 2001, p. 17). Wanderley (2001) acrescenta ainda que

existem valores e representações do mundo que acabam por excluir as pessoas, sendo estes
33

não rejeitados não apenas física, geográfica, materialmente, do mercado e de suas trocas, mas

também excluídos culturalmente.

Nesta perspectiva, a partir de Nascimento (1994) o conceito de exclusão social está

mais próximo, como oposição, ao de coesão social, ou, como sinal de ruptura, do de vínculo

social. Por similitude, encontra-se próximo, também, do conceito de estigma e mesmo,

embora menos, do de desvio. “Neste caso […] a diferença reside no fato de que o excluído

não necessita cometer nenhum ato de transgressão, como o desviante. A condição de excluído

é-lhe imputada do exterior, sem que para tal tenha contribuído direta ou mesmo

indiretamente” (Nascimento, 1994, p. 30). Em suma, a discussão sobre a exclusão social

tangencia-se a outros fenômenos sociais, como a coesão, o vínculo, o desvio, a pobreza, a

mobilidade e a desigualdade social. Não obstante, não se limita ao social, interferindo também

em processos de subjetivação, na identidade e na alteridade.

Como complementa Nascimento (1994),

Dito de outra forma, trata-se de uma representação que tem dificuldades de reconhecer

no outro direitos que lhes são próprios. Compreendendo, ademais, a auto-

representação do excluído que, desta forma, ao romper o vínculo societário,

desenvolve vínculos comunitários particulares, como forma de sobrevivência social.

Sinais de uma coesão social fragmentada ou da multiplicidade de princípios de

solidariedade em um mesmo espaço social (Nascimento, 1994, p. 31).

Para o autor a exclusão social é um fenômeno que remete as inequidades sociais, a

injustiça social, sendo na contemporaneidade associado ao processo de gestação da sociedade

moderna entre os séculos XVII e XVIII, objeto permanente de estudo e debate entre cientistas

sociais e filósofos desde aquela época, o qual vez ou outra reflui, para em seguida ressurgir

com novo ímpeto e novas vestes (Nascimento, 1994).


34

Wanderley (2001) aponta que indivíduos à margem social, os que desviavam a norma,

povoaram historicamente os espaços sociais constituindo universos estigmatizados que

atravessam os séculos, assim, a exclusão não é um fenômeno que atinge apenas os países

considerados como pobres, mas que possui uma complexidade sociohistórica a qual deve ser

resgatada em análises do fenômeno. Ressalta ainda o lastro histórico de um destino

excludente de parcelas majoritárias da população mundial, seja devido a restrições impostas

pelo mundo do trabalho ou por situações decorrentes de modelos e estruturas econômicas que

geram desigualdades absurdas de qualidade de vida.

De um modo geral, de acordo com Zioni (2006) até o início da década de 70 as visões

liberais e psicologizantes percebiam as más condições de vida pelo viés da culpabilização do

indivíduo. A partir deste viés a exclusão social não era uma discussão preponderante para a

sociedade industrial moderna e demandaria apenas intervenções pontuais, corretivas. Ainda

de acordo com a autora, a partir da década de 70 considera-se a exclusão como inadaptação

social, enfocando principalmente indivíduos com deficiências físicas, mentais ou idosos, em

suma, aqueles que não eram sujeitos economicamente ativos. Sua inadaptação era considerada

como um problema social que diz sobre a organização social e suas disfunções, não

remetendo a aspectos individuais, mas qualificando tais indivíduos como inadaptados aos

rumos da modernidade. Situa-se que:

Sob esse rótulo estão contidos inúmeros processos e categorias, uma série de

manifestações que aparecem como fraturas e rupturas do vínculo social (pessoas

idosas, deficientes, desadaptados sociais; minorias étnicas ou de cor; desempregados

de longa duração, jovens impossibilitados de aceder ao mercado de trabalho; etc. )

(Wanderley, 2001, p. 17)


35

Diferentemente dos indivíduos inadaptados, Veras (2001) pontua que historicamente

no Brasil, até a década de 70, a pobreza e a marginalidade, também associadas à exclusão,

eram consideradas enquanto processos de desorganização social transitórios, gerados por

processos migratórios, adaptações, invasões e sucessões que gradativamente iriam se adaptar

ao cenário urbano. Tal orientação advém da influência de perspectivas socioeconômicas de

estudiosos liberais americanos da Escola de Chicago e

como se estivéssemos em uma arena naturalizada, onde competidores teriam as

mesmas chances na luta pelo espaço, os mais aptos ganhariam melhores posições

nesse ambiente construído e disso resultariam zonas segregadas […] os mais pobres

excluir-se-iam de um dos anéis urbanos e imediatamente passariam para o próximo e,

gradativamente, os melhores lugares estariam ocupados pelos "vencedores". Zonas de

desorganização moral, zonas de habitação operária, processos de desadaptação de

novos habitantes (Veras, 2001, p. 28)

Logo, tais problemas sociais expressos pela exclusão seriam naturalmente

solucionados com a distribuição dos indivíduos por mecanismos de competição, ou seja, de

habilidades e esforços individuais em seu desenvolvimento, assemelhando-se à meritocracia.

Zioni (2006) ao citar Silver (1995) pontua que dentro do paradigma da especialização, de

orientação liberal, parte-se da perspectiva da diferenciação social como experiência

individual, para se pensar os indivíduos que ficam a margem social a partir de critérios de

eficiência ou de liberdade de escolha, o que remonta a uma compreensão do fenômeno que

culpabiliza o indivíduo.

Percebe-se as aproximações entre a compreensão liberal de exclusão até a década de

70 e a meritocracia, ambas consideram o indivíduo enquanto ponto focal da sociedade e

prioridade em relação aos fatores sociais, já que recai sobre o indivíduo o viés da liberdade
36

individual enquanto autonomia e responsabilidade individuais. Há uma visão de que haveria

uma ordem natural do desenvolvimento a partir da competição que diferenciaria e distribuiria

as pessoas, resolvendo as questões sociais de inadaptividade, aptidão, desvio ou transgressão.

Entretanto, Veras (2001) explicita que o debate liberal não era o único presente na

época. Outros debates enraízam a pobreza e a exclusão subjacente às contradições do modo de

produção capitalista, que considera os indivíduos como parte de um exército de reserva de

força de trabalho, como indivíduos que buscam melhores condições de vida, mas integram as

forças produtivas de modo desigual, sujeitos despojados dos direitos mínimos de vida digna,

sem cidadania, excluídos dos benefícios urbanos.

Wanderley (2001) explicita que a partir dos anos 80 novas relações políticas,

econômicas e sociais se estabeleceram, ocorrendo o esgotamento de um modelo

socioeconômico, o do Welfare State, e o fim de uma forma de inteligibilidade do mundo,

findando um sistema de proteção social. Assim, encerra-se um sistema socioeconômico que

busca intervir sobre as problemáticas da exclusão social de modo direto, em contrapartida,

prevalece o ideário liberal de que o indivíduo é o responsável por sua condição de vida. A

autora continua ao trazer que a internacionalização da economia e a crise do Estado-

providência, fora ampliada pela transformação das relações entre economia e sociedade (crise

do trabalho) e dos modos de constituição das identidades individuais e coletivas (crise do

sujeito). Nesse sentido os problemas sociais se acumulam, justapondo aqueles que possuem

uma renda elevada (ou relativamente) àqueles que são excluídos do mercado e por vezes da

sociedade (Wanderley, 2001).

Enquanto produto do funcionamento de um sistema (e não uma falha deste), a

exclusão social estabelece uma íntima relação com a inclusão por meio de processos sutis e

dialéticos, pois a exclusão só existe em relação a inclusão e como parte constitutiva desta,
37

processo o qual envolve o homem por inteiro e sua relação com os outros (Sawaia, 2001).

Neste sentido, em uma sociedade que tem enquanto condição mecanismos de desigualdades

há a necessidade de exclusão para que haja a inclusão, logo, todos os indivíduos estão

inseridos de algum modo, nem sempre decente ou digno, no circuito reprodutivo das

atividades econômicas, sendo a grande maioria da humanidade inserida através da

insuficiência e das privações, que se desdobram para fora do econômico (Sawaia, 2001).

Na atualidade a exclusão social é considerada como um termo inadequado por alguns

autores contemporâneos, como Castel (1995, apud Wanderley, 2001), crítico da visão de

exclusão social, desconfia da heterogeneidade de seus usos e de uma visão autonomizada de

situações que só tem sentido quando colocadas em um processo. Na perspectiva de desfiliação

social, Castel compreende que o fenômeno da exclusão é atravessado pela falta de acesso a

recursos materiais e o vínculo social. Assim, de acordo com o autor, a ruptura de

pertencimento não necessariamente implica um rompimento completo do vínculo social, mas

sim uma instabilidade ou precariedade de vínculos relacionais que fornecem sentido ao

indivíduo. Nesta visão não há excluídos, todos estão incluídos, posto que é pouco provável

sair de uma sociedade estruturada pelo mercado.

Sawaia (2001) acrescenta que a dialética exclusão/inclusão gesta subjetividades

específicas que vão desde o sentir-se incluído até o sentir-se discriminado ou revoltado. Não

sendo atravessadas apenas por aspectos econômicos, tais subjetividades determinam e são

determinadas por formas diferenciadas de legitimação social e individual, e manifestam-se no

cotidiano como identidade, sociabilidade, afetividade, consciência e inconsciência (Sawaia,

2001). Assim, a exclusão social pode ser entendida como uma construção social, ou seja, um

produto histórico de mecanismos sociais, e não um estado resultante de atributos individuais e

coletivos cuja visibilidade estava bastante associada, no Brasil, a uma distribuição perversa de

renda (Zioni, 2006).


38

Sawaia (2001) refere-se ainda ao ponto de análise do sofrimento ético-político e sua

relação com a exclusão social. Ressalta que os aspectos materiais não são os únicos que

interferem nos processos de exclusão dos indivíduos. Epistemologicamente, tal perspectiva

significa colocar no centro das reflexões sobre exclusão, a ideia de humanidade e como

temática o sujeito e a maneira como se relaciona com o social (família, trabalho, lazer e

sociedade), de modo que, ao falar de exclusão, fala-se de desejo, temporalidade e de

afetividade, ao mesmo tempo que de poder, de economia e de direitos sociais (Sawaia, 2001,

p. 98).

Desse ponto de vista, Sawaia (2001) pensa no indivíduo em seus aspectos relacionais,

sem perder de vista a interlocução com o social e econômico. É no sujeito, por meio dos

afetos reverberados, que são vividas as diversas formas de exclusão, mas este indivíduo não

pode ser pensado enquanto ponto de origem desse sofrimento, sua gênese se encontra nas

intersubjetividades delineadas socialmente. Nesse sentido, estudar a exclusão pela ótica das

emoções dos que a vivem é pensar sobre o cuidado que o Estado tem com seus cidadãos,

sendo indicadores de descompromisso do homem pelo estado, pela sociedade e por ele

mesmo, em outras palavras, o sofrimento humano tem que ser questionado para além de um

discurso moralista e culpabilizador que busca apenas evidenciar o sofrimento.

No que se refere à meritocracia, como já fora explanado, assim como a exclusão, esta

permeia discussões sobre desigualdade social, pobreza e mobilidade social, entrelaçando-se

em seus mecanismos, processos e estruturas sociais. Deste modo, a meritocracia opera por

meio de mecanismos de exclusão/inclusão, agenciando valores e representações de mundo

que interferem para além do campo material e econômico, assim como atua sobre a identidade

dos indivíduos. Entretanto, apesar de a meritocracia visar um discurso de justiça e igualdade

social, ao promover por meio de seus valores e representações o homem do desempenho,

estes interferem na subjetividade, na sociabilidade, na afetividade, em suma, na relação


39

indivíduo consigo, com o mundo e com o outro ao promover uma diferenciação comparativa,

competitiva e, ao ser meritória (inclusão), também define o que não é meritório (exclusão).

Castel (2003, apud Zioni, 2006), considera que a desfiliação faz parte de

transformações nos sistemas de regulação social, “uma transformação gerada por uma nova

fase do capitalismo. Considerada, ainda, que parte importante dessa população ‘excluída’

seria composta por trabalhadores que foram inutilizados pela atual conjuntura tecnológica e

econômica” (p. 24). Martins (1997, apud Zioni, 2006) pontua que

a sociedade moderna está criando uma grande massa de população sobrante que tem

pouca chance de ser de fato reincluída nos padrões atuais de desenvolvimento

econômico [...] o período de passagem do momento da exclusão para o momento da

inclusão está se transformando num modo de vida, está se tornando mais do que um

período transitório (Martins, 1997, citado por Zioni, 2006, p. 33).

Neste trecho Martins aponta para um importante espaço ocupado pela meritocracia: o

mecanismo que dá uma explicação para a desigualdade com a promessa ideológica do “vir a

ser” incluído por meio da competitividade, do esforço e da aptidão. Esta é a promessa da

meritocracia, a de que há a possibilidade de inclusão caso se esforce e desenvolva habilidades,

sendo o modo de vida mencionado justamente identificado como o período de dedicação e de

desenvolvimento de humano, o que, como apontou Martins, acaba ocasionando uma não

inclusão permanente, ou seja, uma manutenção de repetidas tentativas de inclusão. Com isso,

o período transitório cria aspectos de constância e a exclusão se sobressai perante a inclusão.

Nascimento (1994) considera que a moderna revolução científico-tecnológica traz

consigo reformulações profundas não apenas nas relações de trabalho, mas na natureza

mesmo do mundo do trabalho. De acordo com o autor, há uma menor demanda por pessoas

para assegurar a reprodução ampliada da sociedade, constituindo um processo de substituição


40

(e ampliação) da inteligência, posto que a automação, a telemática, a biogenética e os novos

materiais tornam um contingente humano cada vez mais dispensável ao processo produtivo,

aumentando a desigualdade social em termos de renda per capita e estilo de vida.

Assim, ao abordar a exclusão social na atualidade torna-se imprescindível observar as

alterações no mundo do trabalho (desemprego e precarização) como problemas centrais

(Wanderley, 2001), posto que a precariedade de trabalho e renda passa a ser observada

enquanto um fato que pode conduzir à perda de vínculos sociais e a crises de identidade

(Zioni, 2006). Socialmente, observa-se que há uma maior demanda por habilidades

específicas, prevalecendo níveis acirrados de competitividade e uma exclusão social cada vez

mais multifacetada, a qual engloba indivíduos que fogem aos padrões da norma, assim como

aqueles que, de diferentes formas e níveis, são incluídos ou excluídos nas diversas camadas

sociais a partir de critérios de diferenciação e produtividade econômica.

A sociedade moderna é concebida como uma sociedade aberta, de grande mobilidade

social, em que os indivíduos se constituem como personagens centrais. Sua ideia fundante é a

da universalidade, ou seja, há uma igualdade jurídico-política, em que a lei única considera os

homens iguais. Se contrapondo a igualdade jurídico-política, há a esfera da desigualdade no

acesso aos bens materiais e simbólicos. Ainda que esta esfera seja pré-existente à sociedade

moderna, nesta ela é completamente reformulada (Nascimento, 1994)

Ainda de acordo com Nascimento (1994), a desigualdade social na sociedade moderna

tem várias conotações. Uma de suas conotações é positiva, na medida em que nela reside o

processo de concorrência e desenvolvimento, nela se situa o eixo da inovação tecnológica e

do dinamismo social e econômico (Nascimento,1994). Com isso, é justamente a existência da

desigualdade entre os indivíduos que garante a existência mobilidade social dinâmica, posto

que atribui-se ao indivíduo a responsabilidade pelo lugar que ocupa na escala social,
41

garantindo assim um espaço profícuo para o mecanismo meritocrático. Em sua faceta

negativa, a desigualdade se opõe ao ideário da igualdade, já que há uma desigualdade

dinâmica e constante, o que gera a existência de grupos sociais que são colocados no espaço

da pobreza absoluta e, sobretudo, na fronteira da sobrevivência (Nascimento, 1994).

No intuito de melhor delimitar a desigualdade social e a pobreza, Nascimento (1994)

traz que a primeira refere-se à distribuição diferenciada (numa escala de mais a menos) das

riquezas produzidas ou apropriadas por uma determinada sociedade, entre os seus

participantes. Já a pobreza, por sua vez, remete a situação em que membros de uma

determinada sociedade se encontram despossuídos de recursos suficientes para viver

dignamente ou que não têm as condições mínimas para suprir as suas necessidades básicas,

acrescentando ainda que vida digna e necessidades básicas constituem, sempre, definições

sociais e históricas, variando, portanto, no tempo e no espaço. Assim, Nascimento (1994)

aborda a pobreza enquanto uma destituição material, mas também simbólica. Neste sentido, as

possibilidades de ascensão por mérito tornam-se precárias, considerando que a destituição

material e simbólica impossibilitam a aquisição de um conhecimento tecnológico e intelectual

demandado por um mercado de trabalho competitivo.

Neste cenário a meritocracia opera como uma forma de regulação dos critérios de

mercado e mecanismos de distribuição social, interferindo na identidade dos indivíduos.

Como coloca Nascimento (1994), tais formas de inclusão/exclusão dão contornos de uma

cidadania fragmentada, hierarquizada, neste sentido, a meritocracia cumpre a função de

classificação dos sujeitos, distribuindo-os nas mais diversas camadas sociais a partir de

critérios de valorização do que é socialmente meritório para o mercado em dado momento

sociohistórico.
42

O processo de avaliação e distribuição meritocráticos repete-se, daí a ideia de haver

uma constância de novas demandas mercadológicas a serem correspondidas. Enquanto

mecanismo presente em diversos dispositivos sociais, o processo de avaliação meritocrático

repete-se mesmo para aqueles os quais foram bem avaliados, tendo de manter-se atentos para

alterações das habilidades demandadas, um constante desenvolvimento de si e de submissão

aos processos avaliatórios. O ápice do processo avaliatório meritocrático culmina nos

excluídos modernos, que são “um grupo social que se torna economicamente desnecessário,

politicamente incômodo e socialmente ameaçador, podendo, portanto, ser fisicamente

eliminado” (Nascimento, 1994, p. 47), ou seja, aqueles indivíduos que não conseguem

adequar-se as demandas do mérito.

Assim, a exclusão é um processo complexo e multifacetado, uma configuração de

dimensões materiais, políticas, relacionais e subjetivas. De um modo geral, o indivíduo que é

dito excluído não corresponde apenas às pessoas em condição de pobreza material, mas

também aqueles que são deixados à margem social por possuírem características que não

fazem parte da norma e que possuem seus vínculos sociais abalados. Em outras palavras,

aqueles sujeitos que são discriminados devido a sua etnia, raça, religião, nacionalidade,

gênero, sexualidade e afins (Zioni, 2006).

Nesse sentido, percebe-se a importância de considerar a exclusão de acordo com sua

complexidade para se pensar nas suas correlações com a meritocracia. Assim não se pode

dissociar a meritocracia de aspectos éticos e de desigualdade social, já que seus valores e

crenças se fazem presentes na estrutura social, nas empresas, no governo etc., como fora

pontuado por Barbosa (2003), de modo que se configura, enquanto sistema de ordenação

social, como um mecanismo que reforça desigualdade e interfere na subjetividade e na

alteridade.
43

Interessante ressaltar que tais aspectos que levam a exclusão social são aqueles os

quais são considerados como irrelevantes para ideologia do mérito, havendo um contra-

argumento por meio de seu discurso individualista, ou seja, entende-se que tais características

não se interpõe aos talentos, habilidades e esforços individuais. Entretanto, como se observa,

tais fatores interferem diretamente na desigualdade e, por sua vez, na mobilidade social. A

partir da perspectiva de Zioni (2006) o enfraquecimento da participação dos indivíduos nas

redes sociais fundamentais gera a exclusão social, que pode ser associada à pobreza, mas não

se reduz a ela, sendo que na sociedade atual existem mais desigualdades do que aquelas

produzidas pela sociedade industrial. Logo, compreende-se que a pobreza, a desigualdade e a

exclusão interferem nas possibilidades de ascensão social por mérito.

Um aspecto problemático que pode ser atribuído à meritocracia é que, enquanto

critério de seleção no social, esta demanda que haja desigualdade. Kreimer (2000) coloca que

o princípio seletivo a partir do mérito funciona enquanto uma forma de seleção e exclusão

social, posto que converte relações de conhecimento em relações de poder, transformando as

diferenças de classe em distinções de talento, inteligência e esforço, o que legitima as

diferenças de classes em nome da ciência e do capital cultural herdado. De Borba (2017)

complementa que enquanto um sistema de ordenação social como uma relação política, de

daquilo que é fruto da vida em sociedade, sendo válido ressaltar que com isto a meritocracia

preconiza e necessita da competitividade entre os sujeitos. Certo aspecto perverso da

competitividade meritocrática aparece quando Kreimer (2000) aponta que:

Os sistemas de seleção não apenas produzem “eleitos”, isto é, pessoas que - pelo

menos reconhecidamente - ocuparão posições de acordo com seu “mérito”. Sua função

produtiva se estende ao inumerável conjunto de excluídos que não foram vitoriosos

nos chamados testes de “capacidade”, ou que nem sequer concordaram com eles

(Kreimer, 2000, p. 11)


44

Com isso, há uma função produtiva da meritocracia ao excluir uma parcela da

população, não se tratando apenas de selecionar os melhores, mas de justificar um processo de

desigualdade social existente e impulsionar uma lógica de funcionamento baseada na

competitividade, como um impulsionador para que o indivíduo se mantenha produtivo. Ao

contextualizar socioeconomicamente o perfil de sujeito ideal preconizado pela meritocracia na

concorrência de livre mercado capitalista, nota-se que caberá a este angariar as qualidades

demandadas pelo mercado de trabalho.

Em sua qualidade autônoma, o indivíduo deverá exercer um empreendedorismo de si,

ou seja, possuir um foco no investimento de si, para que atinja os critérios competitivos que a

própria ideologia do mérito impõe a partir do seu princípio de seleção dos melhores. Tal

perspectiva conflui com o que se percebe atualmente no neoliberalismo. Littler (2018, p. 2)

pontua que este indivíduo serve como um álibi para a plutocracia e como uma chave

ideológica para a reprodução da cultura neoliberal, a qual proclama que há uma igualdade de

oportunidades inerente a todos. Discorre que:

Fomos encorajados a acreditar que, se nos esforçarmos o suficiente, podemos

conseguir: que raça, classe ou gênero não são, em um nível fundamental, barreiras

significativas para o sucesso. Para liberar nosso talento interno, precisamos trabalhar

duro e comercializar-nos da maneira certa para alcançar o sucesso10 (Littler, 2018, p.

2)

O neoliberalismo necessita desse indivíduo competitivo, consumidor, mas que também

se torna produto, objeto de consumo, incitado e respaldado pela meritocracia, pois, como

colocam Dardot e Laval (2016) parte do que constitui a dinâmica necessária ao neoliberalismo

recai sobre um de seus pilares: a concorrência. Para os neoliberais, a concorrência é

10 We have been encouraged to believe that if we try hard enough we can make it: that race or class or gender
are not, on a fundamental level, significant barriers to success. To release our inner talent, we need to work hard
and market ourselves in the right way to achieve success (Littler, 2018, p. 2)
45

importante não apenas pelo seu papel no funcionamento do livre-mercado, mas também pelo

seu efeito disciplinador como estímulo ao bom desempenho, e, ao contrário do que é posto

pelo pensamento liberal, não se dá de modo natural. Parte do que já foi apresentado sobre a

meritocracia a explicita enquanto um mecanismo que atua sobre a concorrência em sua dita

ideologia.

Resumindo, a meritocracia tem sua função na manutenção das relações de poder

presentes nas formas de organização social, estrategicamente se apresenta como um

mecanismo que regula a concorrência entre os indivíduos, ao dizer, caso a caso, quais serão os

critérios utilizados para determinar sua seleção ou exclusão. Com isso, a partir do que Dardot

e Laval (2016) colocam, percebe-se que o sistema de avaliação concorrencial proposto pela

meritocracia pode ser considerado um dos fatores que permeia o social e influencia nos

modos de subjetivação dos sujeitos ao glorificar os indivíduos bem-sucedidos e excluir os que

desistem ou não se enquadram nas demandas de desempenho.

Desta forma, como será apresentado na seção seguinte, há um a descrição de Barbosa

(2003) sobre como o sujeito meritocrático deve ser, quais habilidades e características deve

possuir. O esforço daqueles que instituem o trabalho como valor é determinado pela

competitividade, entretanto, a concorrência é que um dos pilares do sistema capitalista em sua

atualização neoliberal. Assim, a concorrência não é natural, avaliação de desempenho não é

necessária para existência dos sujeitos, é apenas um dos pilares do modelo de troca e

produção da vida na atualidade e, com isso, parece que fora necessária a estruturação de

tecnologias as quais produzissem não apenas estruturas correspondentes, mas também

sujeitos.
46

1.2.3 O indivíduo do mérito

Com isso, faz-se necessário questionar as formas que a ideologia meritocrática

constrói para que seja possível sustentar as engrenagens de tal dinâmica de poder que toma

características hegemônicas. Ainda que a aceitação social do discurso meritocrático não possa

ser generalizada, percebe-se que este é disseminado por estar presente no corpo de crenças e

práticas dos sujeitos em seu cotidiano. Logo, a consequente disseminação de seu conjunto de

crenças é um fator que interfere na constituição subjetiva dos indivíduos, delimitando valores

morais e éticos, habilidades e características de personalidade específicas e que compõe parte

do que Sawaia (2001) delimitou como sofrimento ético-político.

O sujeito proposto pela meritocracia deve possuir características que foram

denominadas por McNamee e Miller Jr (2014) como “Being Made of the right stuff”, ou na

tradução livre, “Ser feito da coisa certa”, que se refere a características como talento inato,

trabalho duro e atitude certa. Assim, na meritocracia o indivíduo para ser considerado digno

de mérito deve possuir características como inteligência, esforço e habilidade. É possível

fazer uma interlocução entre McNamme e Miller Jr. (2014) e o poder que os valores

meritocráticos são associados a partir do pensamento de Maquiavel (1532/1996).

Em linhas gerais, para Sadek (1999), Maquiavel no clássico “O Príncipe” propõe uma

reinterpretação do mito da deusa Fortuna que não abarca a moralidade cristã de sua época. Em

sua interpretação, a deusa, que simbolicamente representa a riqueza, o poder, bens e glória,

seria passível de ser conquistada pelo homem que fosse virtuoso, ao contrário da perspectiva

cristã de que os homens eram dominados por Fortuna. Virtude, neste caso, refere-se ao

homem que utiliza sua força para lutar pelo que almeja, sendo o poder fundado nesta força

que não apenas se refere ao físico, mas a sabedoria de uso.


47

A força explica o fundamento do poder, porém, sem virtude não há sucesso, sendo este

que possibilita a manutenção do poder, possuindo nas virtudes suas ferramentas (Sadek,

1999). Para Maquiavel (1532/1996) o príncipe não é apenas aquele que determina a ordem,

mas deve possuir virtudes exemplares e honrar “os homens virtuosos e os que se excedem em

alguma arte. Deve encorajar os seus cidadãos a acreditar que podem exercitar suas atividades

em calma, seja no comércio, na agricultura ou em qualquer outra” (p. 112). Ao pontuar sobre

a calma, Maquiavel (1532/1996) faz referência a apropriação de posses dos camponeses pelo

principado, ou seja, considerava ser necessário respeitar a propriedade construída pelo

cidadão. Para além, sua colocação também busca valorizar aqueles homens que apresentarem

talentos, estes devem ser bem quistos, devidamente bonificados e, com isso, o governante

poderá mais facilmente manter seu poder através da boa relação com seu povo (Maquiavel,

1532/1996).

Maquiavel (1532/1996) parte de uma lógica racionalista que busca a verdade concreta

para argumentar que à fortuna não deve caber manutenção do governo e que à sorte cabe uma

responsabilidade parcial (acontecimentos que podem não ser benéficos), enquanto que o livre

arbítrio cabe ao homem, o qual deve utilizá-lo de modo sábio. Maquiavel (1532/1996) expõe

que uma das virtudes do governante deve ser saber adaptar-se ao seu tempo, construindo as

mais variadas estratégias para manutenção e estabilidade de seu poder a partir das

necessidades postas, mesmo que isso signifique não ter posturas consideradas como boas

(como ser impetuoso), mas que se deve “aparentar possuir as qualidades valorizadas pelos

governados. O jogo entre aparência e essência sobrepõe-se à distinção tradicional entre

virtudes e vícios” (Sadek, 1999, p. 23).

A obra e o pensamento de Maquiavel (1532/1996) datam de 1532 e apresentam

aproximações com as características que autores hodiernos associam ao sujeito da

meritocracia. De acordo com Maquiavel (1532/1996), seja príncipe ou cidadão comum, o


48

homem deve possuir virtudes, um olhar sábio e estratégico para os contextos de seu tempo

que valorize seus talentos, que lhe trarão fortuna, logo, poder, bens, riquezas, sendo que não

se deve contar apenas com a sorte e com a estabilidade das estruturas e relações. Tais aspectos

confluem, em partes, com o que McNamee e Miller Jr. (2014) expõe como características

básicas do sujeito meritocrático.

Desta forma, o indivíduo virtuoso, ou seja, aquele dotado de talento, de uma atitude

certa pautada em um saber e que tem ações em prol da sua sociedade deve ser valorizado,

encorajado, ter sua liberdade e propriedade privada respeitadas, sendo devidamente

recompensado por suas virtudes com poder, bens e glória. É válido ressaltar que tais

caracterizações são postas a partir do olhar que caberia ao governante sobre os governados,

neste sentido, o jogo das aparências se sobressai ao das essências, priorizando uma arte de

governar que percebe a necessidade de estratégias para manutenção de estabilidade do

governo de um povo, ou seja, de seu controle, suas possibilidades de governança. O

governante deve, pelo menos, aparentar possuir as virtudes que reconhecerá e recompensará

nos governados. Logo, o modo de governar, no caso, absolutista, demonstra haver relações de

poder que agenciam os valores (virtudes) de uma dada época e que são determinantes para as

condutas dos indivíduos.

Das virtudes modernas relacionadas a meritocracia, McNamee e Miller Jr. (2014)

explicitam que “identificamos quatro ingredientes principais na fórmula americana para “ser

feito das coisas certas”: talento, atitude certa, trabalho duro e caráter moral”11 (p. 23).

Acrescentam ainda, que deve haver oportunidades para que o sujeito possa explorar o que a

combinação dos pressupostos meritocráticos pode trazer, posto que estes não bastam caso o

indivíduo esteja angariando possibilidades sozinho, ou seja, “não é a capacidade inata

sozinha, ou o trabalho duro sozinho, ou o estado de espírito adequado que faz a diferença.
11 We have identified four key ingredients in the American formula for being made of the right stuff: talent, the
right attitude, hard work, and moral character (McNamee & Miller Jr., 2014, p. 23)
49

Pelo contrário, é a combinação de oportunidades e esses outros fatores que faz a diferença”12

(p. 45).

De modo mais descritivo, Barbosa (2003) discrimina as características que o indivíduo

deve possuir para estar de acordo com os princípios da meritocracia, sendo estas:

Autônomo, competitivo, empreendedor, criativo, esforçado, tendo o trabalho como

valor central de sua existência, o self-made man por excelência do credo norte-

americano. Mais ainda, tal discurso põe sobre os ombros dos indivíduos a

responsabilidade exclusiva pelos resultados de suas vidas, ignorando quaisquer outras

variáveis. Por essa lógica, o progresso e o fracasso das pessoas são vistos como

diretamente proporcionais aos talentos, às habilidades e ao esforço de cada um,

independentemente do seu contexto (Barbosa, 2003, p. 26)

Com isso, a meritocracia não apenas se institui enquanto uma ideologia presente em

uma dinâmica de poder de dominação no qual o mérito individual serve de crivo para

avaliação da distribuição de ônus e bônus sociais, hierarquicamente. Para além institui um

sujeito específico, com condutas específicas, que deve ser correspondido. Não obstante, esse

sujeito se configura como o empreendedor de si do credo americano, Littler (2018) acrescenta

que a ideologia e o sistema social meritocráticos não podem ser separados de uma

compreensão de como ele funciona em relação às questões contextuais de redistribuição e

reconhecimento econômico e cultural e de como o sucesso social é demarcado e

recompensado financeiramente e culturalmente.

Ainda assim, meritocracia parece fazer parte do consenso aceito pelos indivíduos, ao

ponto de se manter quase implícita. Os indivíduos veem nela um sistema sedutor, uma

aristocracia de talentos, que, aparentemente, separa as antigas aristocracias baseadas no


12 It is not innate capacity alone, or hard work alone, or the proper frame of mind alone that makes a difference.
Rather, it is the combination of opportunity and these other factors that makes a difference (McNamee & Miller
Jr., 2014, p.45)
50

privilégio hereditário e as democracias atuais (Barbosa, 2003). Percebe-se que um aspecto

presente no discurso meritocrático é o enaltecimento do progresso e desenvolvimento social a

partir da recompensa individual e sua compreensão enquanto um critério justo para seleção

social, posto que tal discurso visa, supostamente, uma sociedade mais igualitária e com

oportunidades de mobilidade social. Littler (2018) complementa ao trazer que a meritocracia

nos dias de hoje envolve a ideia de que independentemente da sua posição social ao nascer, a

sociedade fornece oportunidades e mobilidade suficientes para a ascensão do talento daqueles

que se esforçam.

Littler (2018) diferencia a meritocracia enquanto um sistema social de seu discurso

ideológico. A meritocracia, enquanto sistema social, se baseia na ideia de que “indivíduos são

responsáveis por trabalhar duro para ativar seu talento e, portanto, poucos dentre a maioria

chegarão a posições sociais para as quais são adequados e adequadamente recompensados”

(Littler, 2018, pp. 24-25)13. O sistema tem como princípios básicos a mobilidade social e a

igualdade de oportunidades. Com isso, não é questionada a necessidade de meios mais

equitativos de distribuição econômica e cultural, pelo contrário, “aqueles que “alcançam”

passam mais privilégios para seus filhos, contribuindo assim para blocos sociais desiguais”

(Littler, 2018, p. 25)14, construindo um ciclo que pouco diz sobre a igualdade de

oportunidades, mas que interfere na mobilidade social.

Partindo dos diferentes momentos históricos do capitalismo e dando enfoque à

distribuição de renda, a desigualdade entre renda e capital e a formação de classes, Milanovic

(2020) argumenta como neste sistema de organização social uma das características que

interfere na distribuição de renda é a homogamia, ou seja, o acasalamento preferencial entre

pessoas ricas em uma renda que advém do capital de investimentos e ricas em renda do

13 Individuals are responsible for working hard to activate their talent and thus one in which the majority will
arrive at social positions for which they are suitable and appropriately rewarded (Littler, 2018, p. 24-25)
14 Those who ‘achieve’ pass on more privilege to their children, thus contributing to unequal social starting
blocks (Littler, 2018, p. 25)
51

trabalho, sendo esta última correlata, para o autor, ao capital humano. Em outras palavras,

pessoas que além de terem bons rendimentos de investimentos financeiros, também possuem

salários altos devido ao seu capital humano e passam intergeracionalmente seus privilégios

para seus filhos.

Com isso, percebe-se que a meritocracia tem uma dimensão individualista, o qual

culpabiliza os indivíduos por seus ônus e bônus e preconiza por um indivíduo específico, o da

produtividade e eficiência, virtudes da modernidade. Relacionando-se as virtudes individuais

ao poder e a ideologia, a meritocracia passa a ser um fator de ordenação social, logo, interfere

em fenômenos sociais, como a desigualdade, a mobilidade e a exclusão social. Assim, apesar

do foco individualista, Rivera (2015) ressalta a influência social da meritocracia, em que o

mérito é “uma construção social incorporada em crenças culturais de nível social sobre o que

vale a pena em um determinado tempo e lugar”15(p. 21). Nesse âmbito, as crenças culturais

trazidas com a meritocracia situam-se em um dado momento histórico que será determinante

para sua emergência, estruturação e funcionamento.

1.3 Breve desenvolvimento sociohistórico das características meritocráticas

Como foi explicitado, a alteração dos valores que caracterizava a distribuição dos

indivíduos dentro dos estratos sociais é possível ser historicamente situada. Seu início deu-se

a partir da transição da aristocracia hereditária, de sangue e com qualidades divinas, para a

aristocracia de talentos, do homem livre, em outras palavras, a aristocracia do denominado

antigo regime começa a decair com a ascensão da burguesia e da modernidade, no século

XVIII. Para além das alterações socioeconômicas, começa a emergir um novo sujeito e

15 A social construction embedded in societal-level cultural beliefs about what constitutes worth in a given time
and place (Rivera, 2015, p. 21)
52

identidade, o qual, de acordo com Hall (2006, p. 25) compreende o nascimento de um sujeito

a partir de sua esfera individual, o sujeito do iluminismo.

As transformações associadas à modernidade libertaram o indivíduo de seus apoios

estáveis nas tradições e nas estruturas. Antes acreditava-se que essas eram divinamente

estabelecidas; não estavam sujeitas, portanto, a mudanças fundamentais. O status, a

classificação e a posição de uma pessoa na ‘grande cadeia do ser’ – a ordem secular e

divina das coisas – predominavam sobre qualquer sentimento de que a pessoa fosse

um indivíduo soberano. O nascimento do ‘indivíduo soberano’, entre o humanismo

renascentista do século XVI e o iluminismo do século XVIII, representou uma ruptura

importante com o passado (Hall, 2006, p. 25)

De acordo com Kreimer (2000) o mérito na aristocracia antiga era “uma qualidade

ligada ao brilho do nascimento que se revela no valor em combate e na riqueza econômica”16

(p. 142). Como o mérito aristocrático remetia ao brilho do nascimento, a riqueza econômica e

o valor apresentado em combate (correlato a valorização da força física) estes eram

compreendidos enquanto consequência do nascimento, o que negativava a relação existente

entre riqueza material enquanto fonte de acesso ao poder, pois, na ordem da lógica

aristocrática a riqueza era condicionada ao nascimento (e não o inverso), em outras palavras:

“sou rico pois mereço isto dado o valor divino hereditário que possuo”, ao contrário de “sou

rico pois sou consequência de um monopólio hereditário dos bens econômicos e materiais”.

Com isto, dentro da hierarquia “socialmente justa” da aristocracia divina, o lugar do indivíduo

bom, virtuoso, era saber e respeitar o lugar de cada um, pois sua condição natural era

compreendida a partir de sua condição de nascença. Assim, “nas sociedades feudais, por

exemplo, o princípio do “direito por nascimento” e a ideia do “direito divino dos reis” foram

16 una cualidad vinculada al lustre de nacimiento que se pone de manifiesto en el valor en el combate y en la
riqueza económica (Kreimer, 2000, p. 142)
53

usados para justificar o poder e o privilégio da nobreza sobre plebeus e camponeses”17

(McNamee & Miller Jr., 2014, p. 3).

No intuito de melhor contextualizar sócio-historicamente a condição humana neste

período, Hobsbawm (2016) traz que, em 1780,

Qualquer que fosse seu status, as atividades comerciais e manufatureiras floresciam de

forma exuberante. O Estado mais bem sucedido da Europa no século XVIII, a Grã-

Bretanha, devia plenamente o seu poderio ao progresso econômico, e por volta da

década de 1780 todos os governos continentais com qualquer pretensão a uma política

racional estavam consequentemente fomentando o crescimento econômico, e

especialmente o desenvolvimento industrial [...] pois, de fato, o “iluminismo”, a

convicção no progresso do conhecimento humano, na racionalidade, na riqueza e no

controle sobre a natureza – de que estava profundamente imbuído o século XVIII –

derivou sua força primordialmente do evidente progresso da produção, do comércio, e

da racionalidade econômica e científica que se acreditava estar associada a ambos

(Hobsbawm, 2016, p. 47)

A filosofia iluminista do século XVIII traz que, com a razão, o homem sai de sua

“menoridade”. Para Kant (1784/1990), essa menoridade está associada a uma instituição da

racionalidade humana, ou seja, busca afirmar o indivíduo enquanto um ser, uma unidade, que,

por meio dos preceitos iluministas, tem a possibilidade de sair de sua dependência do

pensamento das instituições de poder do século XVIII e atingir a razão, a qual, supostamente,

lhe traria autonomia. Ao que parece, um ser racionalmente autônomo, uma máxima

individualista e uma racionalização da vida.

Tal discussão sobre o iluminismo se faz pertinente dada à gênese que representa sobre

tal imperativo da razão, da liberdade individual, sobre a culpa do sujeito perante uma
17 In feudal societies, for instance, the principle of ‘birthright’ and the idea of ‘the divine right of kings’ were
used to justify the power and privilege of the nobility over commoners and peasants (McNamee & Miller Jr.,
2014, p.3)
54

“inferioridade” caso não se porte de modo racional e a explicitação de um posicionamento

drástico sobre aqueles que não se moldam a partir da razão, intitulando tais indivíduos como

seres “preguiçosos e covardes” (Kant, 1784/1990).

Com isso, percebe-se que no século XVIII o mundo ocidental passava por uma série

de mudanças significativas em diversos âmbitos, como o social, científico, econômico,

cultural e na percepção do que é o indivíduo. Assim, a criação de formas racionais e

científicas de compreensão do humano e do social são preponderantes para se considerar a

constituição do homem moderno, o qual se pauta na perspectiva de liberdade e valorização

individual. Para esclarecer, Hobsbawm (2016) discorre que:

É significativo que os dois principais centros dessa ideologia [iluminista] fossem

também os da dupla revolução [francesa/burguesa e industrial]. [...]. Um

individualismo secular, racionalista e progressista dominava o pensamento

“esclarecido”. Libertar o indivíduo das algemas que o agrilhoavam era o seu principal

objetivo: do tradicionalismo da ignorante da Idade Média, que ainda lançava sua

sombra pelo mundo, da superstição das Igrejas (distintas da religião “racional” ou

“natural”), da irracionalidade que dividia os homens em uma hierarquia de patentear

mais baixas e mais altas de acordo com o nascimento ou algum outro critério

irrelevante. A liberdade, a igualdade e, em seguida, a fraternidade de todos os homens

eram seus slogans. No devido tempo se tornariam slogans da revolução francesa. O

reinado da liberdade individual não poderia deixar de ter as consequências mais

benéficas. Os mais extraordinários resultados podiam ser esperados – podia de fato já

ser observados como provenientes – de um exercício irrestrito do talento individual em

um mundo de razão (Hobsbawm, 2016, p. 48)

Por meio do que foi exposto pode-se situar neste momento histórico um palco social

no qual os valores que nos dias atuais sustentam a ideologia do mérito já se apresentavam. A
55

valorização do talento individual, da liberdade e igualdade, remontam então à instauração do

capitalismo e da modernidade, que se concretiza na revolução industrial enquanto modelo

econômico, ao iluminismo que se estrutura como filosofia racionalista de todo uma época e às

alterações sociais situáveis a partir da revolução francesa. Pode-se perceber que os primórdios

basilares da meritocracia se entrelaçam diretamente com uma proposta econômica e política,

aparentemente em um momento histórico específico. Hobsbawm (2016) respalda tal

proposição quando coloca que:

Não é propriamente correto chamarmos o “iluminismo” de uma ideologia da classe

média, embora houvesse muitos iluministas – e foram eles os politicamente decisivos

– que assumiram como verdadeira a proposição de que a sociedade livre seria uma

sociedade capitalista. Em teoria seu objetivo era libertar todos os seres humanos.

Todas as ideologias humanistas, racionalistas e progressistas estão implícitas nele, e de

fato, surgiram dele [...] embora os novos homens racionais o fossem por habilidade e

mérito e não por nascimento, e embora a ordem social que surgiria de suas atividades

tenha sido uma ordem capitalista e “burguesa” (Hobsbawm, 2016, p. 49)

Com a instauração desta compreensão de indivíduo, de uma ordem econômica pautada

no livre mercado, McNamee e Miller Jr. (2014) pontuam que “com o declínio do feudalismo e

a ascensão das economias de mercado, surgiram mercados livres. Os indivíduos poderiam

possuir suas próprias terras, ser seus próprios chefes e subir com base em seus próprios

esforços”18 (p. 9). Assim, o capitalismo preconiza pela liberdade econômica, sendo que um

livre mercado necessita de pessoas igualmente livres para poder sustentar sua proposta

(re)produtiva, ainda que, historicamente, tal percepção de controle e de liberdade individuais

tenham tomado características singulares.

18 With the decline of feudalism and the rise of market economies, free markets emerged. Individuals could
own their own land, be their own bosses, and move up on the basis of their own efforts (McNamee & Miller Jr.,
2014, p. 9)
56

Apesar desta idealização da liberdade econômica e individual, de Borba (2017) pontua

que com a ascensão da sociedade burguesa capitalista não houve uma desconsideração

perante a valorização de marcas e títulos, mas que na “nova” sociedade tais aspectos apenas

mudam de nome e classe detentora. Se antes os indivíduos eram divinamente castigados ou

abençoados a partir do nascimento (sendo este seu mérito individual), de sua capacidade em

combate e em suas riquezas econômicas, “se o católico venceu o céu com boas ações, o

cidadão moderno aspirará a “salvar-se” na terra, ocupando na sociedade um lugar que, em

princípio, parece determinado pela conjunção de conhecimento e eficiência, estritamente

referida ao universo do trabalho”19 (Kreimer, 2000, p. 5). Com o advento da racionalidade

iluminista, dos avanços industriais e científicos, da economia, da igualdade civil e da

liberdade individual do século XVIII, o mérito e demérito transmutam-se ética e moralmente,

posto que a salvação, o balanço das boas ações humanas em vida, passa a ser atribuído ao

âmbito do trabalho enquanto uma recompensa, tendenciosamente econômica.

Em “A teoria dos sentimentos morais”, Adam Smith (1999), filósofo e economista do

século XVIII, debruçou-se sobre os aspectos sociais de sua época no intuito de esclarecer a

natureza humana. Discorre que é merecedora de recompensa a ação, a conduta, que “se

ofereça como sentimento próprio e aprovado desse sentimento [a gratidão] que mais imediata

e diretamente nos incita à recompensa, ou a fazer o bem ao outro” (p. 82). Com isso, a

gratidão do outro, o reconhecimento externo, é que determinará se a ação é digna ou não de

recompensa. Smith (1999) ainda coloca que “recompensar é remunerar, devolver o bem pelo

o que se recebeu” (p. 82), sendo associado ao interesse do agente em gerar felicidade ao outro.

Para Smith (1999), o mérito é compreendido enquanto uma simpatia direta perante

conduta do agente, mas também pela simpatia indireta que gera, entendida enquanto a

identificação do indivíduo que recebe a ação para com a conduta do agente. Acrescenta ainda

19 si el católico ganaba el cielo con buenas acciones, el ciudadano moderno aspirará a ‘salvarse’ en la tierra,
ocupando en la sociedad un lugar que em principio parece determinado por la conjunción de un saber y de una
eficiencia referida estrictamente al universo del trabajo (Kreimer, 2000, p. 5)
57

que a perspectiva oposta (o ressentimento pelo outro) emergirá como merecedor de castigo,

ou seja, alguma forma de punição. De um modo geral, o pensamento da época correlacionava

a ideia de merecimento a recompensas (remuneração), reconhecimento social, gratidão e

felicidade às possibilidades de relações identificatórias entre os valores individuais, em outras

palavras, caso a conduta de um agente se assemelhasse aos valores daquele que recebe a ação

pode-se considerar que haveria uma maior probabilidade da ação ser percebida como digna de

recompensas.

Neste momento histórico, é possível observar que os valores econômicos capitalistas,

assim como os valores sociais de liberdade individual e da razão encontravam-se em

ascensão. Neste sentido, McNamee e Miller Jr. (2014) complementam ao pontuar que “Uma

investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das nações, foi adotada nos Estados

Unidos como a Bíblia informal do capitalismo de livre mercado americano. Enfatizou os

princípios do interesse próprio racional, da concorrência individual, da propriedade privada e

do laissez-faire”20 (grifos dos autores, p. 8).

Entende-se que a importância das obras de Adam Smith se encontra no fato de que o

economista percebe o futuro e o progresso da nação a partir do foco dado às ações individuais,

como se o futuro de si e dos outros que compartilham esta sociedade estivesse no

desenvolvimento deste indivíduo competente, talentoso, esforçado no trabalho, eficiente no

ganho de riquezas (materiais e imateriais) que, por meio de seu trabalho, tornam também o

livre mercado fonte de riquezas que podem ser compartilhadas e divididas a partir do mérito

de cada um. Com isto, cada indivíduo é remunerado com recompensas na medida em que se

esforça pelo desenvolvimento da sociedade como um todo, o qual tem seu espaço de

expressão no progresso do mercado econômico.

20 An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations, became adopted in the United States as the
informal bible of American free-market capitalism. It emphasized rational self-interest, individual competition,
private ownership, and laissez-faire principles (McNamee & Miller Jr., 2014, p.8)
58

Weber (2004) traz que há uma conexão entre a conduta humana, no caso a ética

racional da ascese protestante, e o desenvolvimento de um ethos do sistema econômico (um

espírito econômico) capitalista no ocidente, os quais interferem na estratificação social do seu

meio. Weber (2004) aponta como o ethos protestante foi racionalizador e contribuiu para a

evolução do capitalismo, a partir de uma ética que direcionava psicologicamente e

moralmente os indivíduos. Tal ética era pautada na valorização do trabalho e na recusa do

ócio e do luxo, desenvolvendo um ethos capitalista o qual determinava que ao ser eficiente em

um trabalho o indivíduo era considerado como um predestinado de Deus, habilidade que

determinaria sua vocação divina (Leme, 2006).

Diferentemente do feudalismo que associava o nascimento como algo divino para a

diferenciação dos indivíduos, o vínculo com o divino se mantém, mas agora é associado à

habilidade, talento e produtividade. Desta forma, como resume Bourdieu (2007) o ethos

burguês capitalista possui afinidade estrutural com sistemas éticos ou religiosos que conjuga a

ascese protestante e a estrutura socioeconômica capitalista, posto que há uma exaltação do

trabalho, tanto quanto do acúmulo de capital e no qual a salvação divina advém dos esforços e

das habilidades enquanto algo inato.

Tal inatismo possui suas bases no “divinismo” que é atribuído ao individuo por parte

da moral religiosa, de uma ética que embasa a conduta, e implica apenas o indivíduo no

processo de constituição de si e do que constitui sua vida, sendo associadas a perspectiva de

mérito, como o sociólogo coloca “se ele [o burguês] tornou-se pobre, foi por sua culpa; se

enriqueceu, atribui o mérito a si próprio. E face da divindade, ele estabelece suas próprias

responsabilidades” (Bourdieu, 2007, p. 10). Com isso, não apenas a pessoa divinamente nasce

melhor que as outras, de modo que suas habilidades são consideradas únicas, apresentando

resquícios da diferenciação de nascença presente no feudalismo. Para além, tais discussões

desconsideram as influências do social na constituição do sujeito e sobre como são produzidos


59

sociohistoricamente tais talentos e habilidades, sobre as influências hereditárias, familiares,

econômicas e afins.

Leme (2006) sintetiza as aproximações entre o ethos capitalista e a ética protestante ao

trazer que

Foi possível compreender o desenvolvimento do espírito do capitalismo por causa da

nova característica que foi introduzida ao mundo do trabalho, ou seja, há uma

fundamentação cujas origens são a moral religiosa, que por sua vez, influencia nos

estilos de vida e trabalho dos indivíduos refletindo diretamente na forma, no modo de

aplicação e de condução dos negócios (Leme, 2006, p. 22)

De acordo com Weber (2004), ainda que a burguesia, enquanto classe, tenha emergido

antes do capitalismo, esta se liga estreitamente à origem da organização capitalista do

trabalho, pois o capitalismo burguês se apropria, se associa a outras esferas de conhecimento

técnico produzido pelo homem, como a ciência, e fornece-lhes direcionamentos econômicos.

Ou seja, o uso dos conhecimentos passa a ter incentivos econômicos. Não obstante, sua

concretização também dependeu de alterações no sistema legal, ainda que o desenvolvimento

do racionalismo econômico é parcialmente dependente da técnica e do direito racionais, mas é

ao mesmo tempo determinado pela habilidade e disposição do homem em adotar certos tipos

de conduta racional prática (Weber, 2004).

Neste prelúdio de modernidade, nota-se que a passagem histórica da ética e moral

feudal para a ascese protestante no ocidente se dá devido à alteração de poder entre classes

sociais, ocorrida a partir das mudanças econômicas, políticas, filosóficas e sociais do século

XVIII, as quais imbuem o sujeito movido pela razão de uma maior autonomia perante sua

salvação e apropriação terrena de suas ações, principalmente por meio do trabalho. A

compreensão do que é meritório passa a ser determinada na relação entre os indivíduos e o


60

meio social, imbricada pelo conjunto de valores do ethos burguês. Este início do sistema

socioeconômico capitalista fornece um cenário fecundo para o florescimento das

características meritocráticas, posto que a responsabilização atribuída ao indivíduo, somada às

possibilidades de mobilidade social por meio de ganhos econômicos, implica que a partir de

suas próprias ações (que englobam esforço e habilidade) o indivíduo pode angariar

recompensas materiais e imateriais, sendo digno devido a sua própria razão.

Em outras palavras, os elementos que compõem a meritocracia possuem lastro

sociohistórico, esta pode ser percebida como a conjunção dos valores supracitados em um

arranjo de crenças, que influenciará na percepção de quais qualidades e ações individuais são

boas e dignas de recompensas. Esta é, nos dias atuais, utilizada de modo análogo ao “sangue

divino” feudal, ou seja, justifica as desigualdades sociais, de raça, de gênero e econômicas e

afins. Com isso,

A desigualdade é vista como justa, porque todos presumivelmente têm uma chance

igual (ou pelo menos adequada) de ter sucesso, e o sucesso é determinado pelo mérito

individual. O sistema supostamente funciona porque é visto como um incentivo

individual para alcançar o que é bom para a sociedade como um todo; isto é, aqueles

que são mais talentosos, os que trabalham mais e os mais virtuosos recebem e devem

receber mais recompensas21 (McNamee & Miller Jr, 2014, p. 4).

O discurso apresentado pela meritocracia traz que há justiça perante a seleção a partir

das desigualdades e que essa se dá na valorização e recompensa das características individuais

que são benéficas para a sociedade como um todo. Entretanto, como observado, o que de fato

se percebe é que a meritocracia se apresenta como uma das ferramentas que coopera para que

21 Inequality is seen to be fair because everyone presumably has an equal (or at least an adequate) chance to
succeed, and success is determined by individual merit. The system supposedly works because it is seen as
providing an individual incentive to achieve what is good for society as a whole; that is, those who are most
talented, the hardest working, and the most virtuous get and should get the most rewards (McNamee & Miller
Jr., 2014, p.4)
61

seja possível a uma classe que não possui os mesmos recursos da classe dominante imbua

seus pressupostos. Isso embasa a crença de possibilidade de ascensão econômica e mobilidade

social a partir da meritocracia.

No que tange à mobilidade social, Scalon (1999) traz que “uma sociedade pode ser

definida como [...] justa ou injusta, igual ou desigual, de acordo com o grau de fluidez de sua

estrutura de estratificação social, ou seja, de como são distribuídas as oportunidades de

alcançar posições sociais” (p. 18). Para a autora, é a partir das fraturas na estrutura social,

observáveis por meio do estudo da mobilidade social, que se percebe as desigualdades nas

oportunidades de “aquisição de bens e valores e estratégias de manutenção e reprodução das

posições sociais” (p. 18). Ademais, entende-se que a aquisição de riquezas e poder dependem

das condições sociais, “que não se restringem às qualidades pessoais” (p. 18), com isso, os

sucessos e fracassos podem ser observados a partir de seus padrões e sistematizações, sendo

estes últimos resultantes das realizações individuais (talento) e dos processos sociais.

Para além, os estudos de Pastore e Silva (2001) demonstram que não são apenas os

aspectos individuais e sociais que interferem na mobilidade social, além destes, percebe-se a

necessidade de pesquisas e estudos atentos perante fatores longitudinais, intrageracionais,

intergeracionais, culturais, tecnológicos, educacionais, políticos e econômicos, logo, a

mobilidade social se apresenta enquanto um campo de estudo complexo, sendo um disparate

reduzi-lo a aspectos individuais, como o esforço e a habilidade, ou mesmo produzir assertivas

fugazes como “é possível chegar lá” (ou seja, ter mobilidade socioeconômica) como é

propagado pelo discurso meritocrático.

No intuito de melhor ilustrar a dimensão da mobilidade social, Ribeiro (2000), ao

discutir os estudos de Pastore e Silva (2001) e Scalon (1999) em seu artigo, pontua que,

apesar de haver mobilidade social no Brasil, esta é rígida, “ou seja, as chances relativas de
62

mobilidade para as classes mais privilegiadas, não são, nem de longe, distribuídas igualmente

para indivíduos com origem nas diversas classes sociais” (p. 183) e que, em relação à

desigualdade existente em países europeus, os níveis brasileiros são exorbitantes. Esta

afirmativa coloca que, ao menos no Brasil, é possível avançar brevemente dentro da escala de

classes socioeconômica, mas, ser proveniente de uma classe baixa e ascender para uma classe

alta é pouco provável. A complexidade dos fatores interferentes na desigualdade de chances

ou de acesso as possibilidades de mobilidade social, como, por exemplo, as origens de classe

do indivíduo, possuem maior preponderância do que o esforço ou a habilidade.

Em seu estudo Scalon (1999) aponta as convergências e divergências das definições de

classe em Marx e Weber, considerando as transformações sócio-históricas e discorre que para

Weber classe é um conceito puramente econômico que “reconhece várias formas de

diferenciação social, que podem estar baseadas em status, prestígio e outros fatores adscritos,

tais como etnia, sexo, etc” (p. 33), sendo que Weber enfatiza a ascese protestante e sua

ideologia como determinantes para um estilo de vida que influenciou a ordem capitalista, pelo

menos nos EUA, o qual, como já fora mencionado, é um dos “berços” também da

meritocracia.

Já para Marx, Scalon (1999) esclarece que mesmo reconhecendo a existência de várias

classes, estas ainda aparecem como fragmentos entre a burguesia e o proletariado, não

refletindo a pluralidade de classes existentes na atualidade e que a especialização presente na

divisão social do trabalho provocou uma fragmentação da classe trabalhadora, “uma vez que

gerou diferenças tanto em termos de recompensas econômicas como em termos de autonomia,

estabilidade e condições de trabalho” (p. 35). Para além, a autora resume que enquanto as

relações de classes para Marx se distinguem no processo de produção, para Weber, estas

relações se distinguem pelas “chances de vida estabelecidas no mercado” (p. 36).


63

O mercado, para meritocracia, emerge enquanto um “espaço” no qual a distribuição de

indivíduos e bens é livre, natural, denominado por autores como Littler (2018) e McNamee e

Miller Jr. (2014) como “playing field”, onde ocorre um nivelamento natural, espontâneo, de

oportunidades, um “chão” que respeita o princípio da igualdade entre os homens. Como

Littler (2018) coloca “a ideia de igualdade de condições é significativa na medida em que

equivale ao ‘chão’[para todos] como igual, mas também é significativa na medida em que não

leva em consideração outras formas-chave de diferenciação”22 (p. 31). Assim, fica a cargo do

mercado naturalmente distribuir sujeitos, ativos econômicos, oportunidades que aderem às

crenças propagadas pela meritocracia.

Sobre o mercado, Foucault (1979/2008a) o delimita enquanto “um lugar e mecanismo

de formação da verdade” (p. 42) o qual emerge a partir do século XVIII e “deve-se deixá-lo

agir com o mínimo possível de intervenções [governamentais], justamente para que possa

formular a sua verdade” (p. 42). Com isso, o mercado é possuidor de mecanismos naturais

que regulam espontaneamente os valores dos produtos a serem consumidos em uma sociedade

capitalista, mais especificamente, em uma sociedade caracterizada pelo liberalismo na

qualidade de sistema socioeconômico. No que refere ao âmbito social, Foucault (1979/2008a)

esclarece ainda que o liberalismo interfere nos indivíduos “na medida em que eles próprios

estão ligados a essa naturalidade econômica, em que sua quantidade, sua longevidade, sua

saúde, sua maneira de se comportar se encontram em relações complexas e entrelaçadas com

esses processos econômicos” (p. 30)

A meritocracia, ao disseminar a crença de que o indivíduo conseguirá diversas

possibilidades de mobilidade social a partir de seu esforço e habilidades (adquiridas e inatas),

permite crer que o mercado regulará as recompensas, sendo que para meritocracia o produto é

o próprio indivíduo, o qual se torna passível de ser estipulado um valor correspondente às


22 the idea of the level playing field is significant in that it figures ‘the ground’ as equal [for everyone], but it is
also significant in that it does not take other key forms of differentiation into account (Littler, 2018, p. 31)
64

suas contribuições para a nova dinâmica da produção cotidiana da vida e da dinâmica

capitalista liberal.

Assim, a meritocracia se apresenta enquanto uma das estratégias de um sistema

socioeconômico, possuidora de uma lógica que dá estabilidade a uma estrutura desigual de

distribuição dos recursos materiais e imateriais entre diferentes estratos sociais. Deste modo

conflui mais para uma eventual cristalização da mobilidade social do que para uma maior

possibilidade de angariar melhores condições de vida, posto que, ao desconsiderar em sua

equação os fatores referentes às possibilidades de desenvolvimento do indivíduo, exclui do

cálculo as influências econômicas, familiares, educacionais, sociais e etc, mas perversamente

responsabiliza o indivíduo por seu valor para a lógica do sistema.

No que se refere à estratégia, Dardot e Laval (2016) a caracterizam de duas formas,

primeiro em seu sentido mais comum sobre os meios escolhidas para se atingir um objetivo,

uma finalidade. A segunda forma, os autores recorrem ao conceito de estratégia em Foucault

(1979/2008a), o qual coloca que “a lógica da estratégia tem por função estabelecer quais são

as conexões possíveis entre termos díspares e que permanecem díspares [...] A lógica da

estratégia é a lógica da conexão do heterogêneo, não é a lógica da homogeneização do

contraditório” (p. 58).

Dardot e Laval (2016) cooperam na contextualização histórica ao trazer que em 1980,

época em que governavam Reagan e Thatcher, ocorria uma série de mudanças, entendidas

enquanto uma “resposta política à crise econômica e social” (p. 189), as quais possuíam como

principais características a alteração dos modos de exercício do poder governamental, assim

como uma subordinação a uma “racionalidade política e social articulada à globalização e à

financeirização do capitalismo” (p. 190). Os autores discorrem ainda que a ocorrência de tais
65

alterações foi necessária para a implantação geral de uma nova lógica normativa capaz de

incorporar e reorientar duradouramente políticas e comportamentos.

É a partir desta necessidade de reorientação e implantação que a estratégia se torna

pertinente, posto que neste novo cenário socioeconômico e político as estratégias passam a ter

como objetivo a manutenção da lógica de mercado e da financeirização das práticas do Estado

e dos indivíduos, para que seja possível sustentar a concorrência necessária ao mercado, esta

já não sendo mais percebida como natural. Na contemporaneidade, a estratégia neoliberal,

para Dardot e Laval (2016), se caracteriza como “um conjunto de discursos, práticas e

dispositivos de poder visando à instauração de novas condições políticas, a modificação das

regras de funcionamento econômico e a alteração das relações sociais de modo a impor esses

objetivos [neoliberais]” (p. 191). Objetivos estes que necessitam “criar situações de mercado e

formar indivíduos adaptados às lógicas de mercado” (p. 191). Em outras palavras, a partir de

1980, “a concorrência se constituiu como nova norma mundial a partir de certas relações entre

as forças sociais e certas condições econômicas” (p. 192).

Ainda de acordo com Dardot e Laval (2016), estes explicitam que foi necessário

pensar em estratégias que buscaram a alteração da conduta humana, inclusive em sua

subjetividade, para que os indivíduos se engajassem em corresponder a esta nova demanda

capitalista, atingida por meio,

de técnicas e dispositivos de disciplina, isto é, de sistema de coação, tanto econômicos

como sociais, cuja função era obrigar os indivíduos a governar a si mesmos sob a

pressão da competição, segundo os princípios do cálculo maximizador e uma lógica de

valorização de capital [...] a progressiva ampliação desses sistemas disciplinares, assim

como sua codificação institucional, levaram à instauração de uma racionalidade geral,

uma espécie de novo regime de evidências que se impôs aos governantes de todas as
66

linhas como único quadro de inteligibilidade da conduta humana (Dardot e Laval,

2016, pp. 193)

Nesta lógica, o indivíduo meritocrático se caracteriza enquanto uma das

“engrenagens” da economia mercadológica, sendo assim, se transforma em uma fonte de

capital. Em outras palavras, há

um capital que é praticamente indissociável de quem o detém [...] a competência do

trabalhador é uma máquina, sim, mas uma máquina que não se pode separar do

próprio trabalhador [...] uma máquina entendida no sentido positivo, pois é uma

máquina que vai produzir fluxos de renda” (Foucault, 1979/2008a, pp. 308-309).

Assim, o indivíduo serve como máquina para a dinâmica capitalista. Foucault

(1979/2008a) acrescenta que essa máquina-indivíduo possui uma utilizabilidade,

obsolescência e duração de vida, afinal, o corpo humano tem uma existência finita. Para além,

a concepção de capital torna-se “concepção do capital-competência [...] de sorte que é o

próprio trabalhador que parece como uma espécie de empresa para si mesmo” (Foucault,

1979/2008a, p. 310).

Com isso, “a razão econômica aplicada a todas as esferas da ação privada e pública

permite eliminar as linhas de separação entre política, sociedade e economia”, assim, “a

concorrência introduzida pelos consumidores é a principal alavanca para a

“responsabilização”, portanto, para o bom desempenho dos assalariados nas empresas”. Nessa

sociedade do consumo de si, dos outros e das coisas, resta ao indivíduo ser “o único

responsável por seu destino, a sociedade não lhe deve nada; em compensação, ele deve

mostrar constantemente seu valor para merecer as condições de sua existência” (Dardot e

Laval, 2016, p. 213).


67

Sobre a meritocracia, Bell (1972) traz que o “guardião dos portões” da mobilidade

social e, por sua vez, da entrada no “playing field”, é a educação, que por meio do

desenvolvimento de habilidade técnicas e conhecimentos agrega valor individual com a

aquisição do que Gary Becker (1993) denominou de “capital humano”, o qual se refere ao

acumulo de conhecimentos acadêmicos e habilidade individuais, e considera que “educação e

treinamento são os investimentos mais importantes em capital humano”23 (p. 17). No que se

refere ao valor demonstrado pelo indivíduo, Foucault (1979/2008a) traz que a teoria do capital

humano possibilitou reinterpretar em termos econômicos todo um campo que “até então,

podia ser considerado, e era de fato considerado, não-econômico” (p. 302), como o

comportamento humano.

Ainda de acordo com Foucault (1979/2008a), para o liberalismo o indivíduo possuía

uma relação com o mercado caracterizada por uma parceria no processo de troca, sob esta

ótica, o indivíduo era considerado enquanto homo oeconomicus. Por sua vez, na perspectiva

neoliberal, o homo oeconomicus é um empresário de si mesmo. A leitura de Foucault sobre os

estudos de Becker (1993) coloca que o homem deixa de ser apenas um dos termos da troca em

uma relação monetária, mas passa a ser um produtor de sua própria satisfação a partir do

consumo.

Ao abordar a lógica social do consumo, Baudrillard (1995) discorre que a felicidade

constitui uma referência absoluta nesta sociedade do consumo, que se revela enquanto

equivalente da salvação, sendo correlato, na sociedade moderna, ao mito da igualdade. O

autor explicita que o mito da igualdade é uma transformação, herança da Revolução Francesa

e Industrial do século XVIII, e que sua força ideológica não deriva da capacidade natural de

cada indivíduo de realizar algo por si mesmo, mas sim de fatores sociohistóricos que

equiparam a felicidade a um bem-estar passível de ser mensurado por meio de signos e

23 Education and training are the most important investments in human capital (Becker, G., 1993, p.17)
68

objetos. Na sociedade do consumo, a felicidade “surge primeiramente como uma exigência da

igualdade” (Baudrillard, 1995, p. 48), devido a tal característica, a felicidade se funda em

princípios individualistas. Em outras palavras, traz que há uma transferência de “uma

igualdade real, das capacidades, responsabilidades e possibilidades sociais, da felicidade (no

sentido pleno da palavra) para a igualdade diante do objeto e outros signos evidentes do êxito

social e da felicidade” (Baudrillard, 1995, p. 48).

De acordo com o autor, se na aristocracia antiga existia a salvação pela graça do

nascimento, com o advento da sociedade burguesa a salvação passa a ser por meio de obras. A

legitimidade hereditária não deixa de possuir um valor (seja de sangue ou de cultura),

inclusive, faz parte do que Baudrillard (1995) denominou como “estatuto”, o qual se refere ao

“para além” das funções do objeto, ou seja, a sua capacidade única de simular a essência

social. Baudrillard (1995) traz que a lógica da sociedade de classes impõe a salvação por meio

dos objetos, ou seja, a salvação pelo consumo, que atinge um estatuto de graça pessoal, de

dom e predestinação, entretanto, “este ainda continua a ser privilégio das classes superiores

que, por outro lado, comprovam a sua excelência no exercício da cultura e do poder” (p. 59),

com isso, há uma manipulação da produção e dos significantes sociais.

Para Baudrillard (1995), o homo oeconomicus busca, acima de tudo, a própria

felicidade, os objetos que lhe proporcionarão o máximo de satisfação, sendo homem dotado

de necessidades que o impelem para o consumo de objetos, fonte de sua satisfação, só que “as

necessidades visam mais os valores que os objetos e a sua satisfação possui em primeiro lugar

o sentido de uma adesão a tais valores” (p. 69), logo, a escolha do consumidor por um estilo

de vida é inconsciente e automática, determinada por uma sociedade em particular.

Nesta sociedade neoliberal, o homem, consumidor-produtor, competência-máquina,

empresário de si mesmo, é o capital humano detentor das características que lhe fornecerão
69

recompensas econômicas a partir de seu mérito, do seu desempenho individual e detentor de

habilidades inatas e adquiridas. Correlacionando-se com o explicitado por Baudrillard (1995),

a felicidade deste homem reside também no consumo de si, já que adere a signos e objetos

que buscam impulsionar seu próprio desenvolvimento, como se dá, por exemplo, em

diferentes modos de educação e treinamentos.

A partir de Foucault (1979/2008a), que se debruçou sobre o conceito de capital

humano de Becker, entende-se que a formação de capital adquirido que produzirá renda

depende de investimentos educacionais, o que não se limita ao aprendizado educacional

formal ou formação profissional, mas também, por exemplo, pelo tempo de investimento dos

pais gasto para com os filhos. É válido notar que a forma de descrição da relação com filhos,

familiares, amigos, enfim, relações sociais de um modo geral, passam a ter descrições que

fornecem uma conotação econômica às relações que antes eram parte de relações não-

econômicas, ou seja, há uma “política de economização de todo um campo social de guinada

de todo campo social para a economia” (Foucault, 1979/2008a, p. 332).

Por fim, observa-se que a meritocracia se constituiu historicamente com o rearranjo de

valores da antiga aristocracia para a nova sociedade burguesa e que, com o desenrolar

sociohistórico e econômico das sociedades ocidentais, uma nova perspectiva de sujeito e

identidade emergiram. Com isto, aspectos como a liberdade, a igualdade, a razão e o ethos

protestante, pertinentes à ética e à moral vinculam-se a concepções de merecimento,

felicidade e salvação de modo financeirizado. No imperativo mercadológico da atualidade

pode-se observar a presença do conjunto de crenças meritocráticas, a qual, de um modo geral,

institui a associação entre o desempenho do indivíduo e a nova lógica concorrencial

capitalista, gerando uma percepção generalista entre as possibilidades de mobilidade social e

o capital humano apresentado pelo indivíduo. Logo, torna-se pertinente questionar de que
70

modo as aproximações entre o neoliberalismo e a meritocracia transparecem por meio dos

discursos e práticas cotidianas.

Desta forma, a ideologia da meritocracia se estrutura e é estruturada em conjunto com

outros elementos que propiciam a construção de uma perspectiva de quais habilidades os

indivíduos devem possuir para serem capazes de se estabelecer socioeconomicamente, assim

como delimita os talentos que devem ser valorizados dentro da sociedade e expõe que o

esforço,enquanto uma forma de ascetismo, é um fator preponderante para ser possível

alcançar o sucesso e ser bem-sucedido, ou seja, ser digno de mérito para não sofrer sanções

como exclusão social. A partir desta perspectiva, observa-se que a concorrência existente no

mercado de trabalho e a avaliação de desempenho, sendo assim, faz-se necessário uma maior

compreensão destas ferramentas e técnicas que foram socialmente construídas para

corresponder às novas demandas mercadológicas e criar este novo modelo de indivíduo que

corresponderá a tais demandas.

No presente trabalho, entende-se que a perspectiva de desenvolvimento humano

proposta pelo coaching emerge enquanto uma das formas de resposta ao cenário

concorrencial por meio de um aparato de técnicas que visa a construção deste indivíduo

produtivo e digno de mérito. Com isso, para ser possível compreender o fenômeno do

coaching, é preciso recorrer a pesquisas e estudos teóricos desenvolvidos por seus próprios

praticantes, os quais contextualizem e caracterizem sua prática em relação as estruturais

econômicas atuais.

1.4 O coaching

De acordo com Bachkirova, Cox e Clutterbuck (2010), em seus primórdios, na década

de 30, o termo coaching era utilizado para se referir ao treinador ou instrutor que propunha a
71

estruturação de um conjunto de atividades voltadas para o aprimoramento das habilidades

técnicas de atletas, restringindo-se a área esportiva. Ao longo do século XX, principalmente

entre as décadas de 60 e 70, a prática amplia-se para campos organizacionais, sendo utilizada

em processos específicos de treinamento em empresas e desenvolvimento das habilidades e

desempenhos dos indivíduos e equipes, principalmente com foco na formação de líderes.

Cerca de vinte anos depois, ao longo da década de 80, McLean (2012) acrescenta que

houve a real ascensão do coaching no meio organizacional e pontua que, na

contemporaneidade, a prática é reconhecida enquanto um empreendimento multimilionário,

dada a sua efetividade em ajudar o desenvolvimento de líderes, essenciais ao progresso

empresarial em todos os níveis organizacionais, assim como um meio de trabalhar com

indivíduos que se encontram em processos normativos de transição da vida.

Para Bachkirova, Cox e Clutterbuck (2010, p. 1), na atualidade o coaching é

compreendido como “um processo de desenvolvimento humano que envolve interação

estruturada e focada e o uso de estratégias, ferramentas e técnicas apropriadas para promover

mudanças desejáveis e sustentáveis em benefício do coach (o treinador) e coachee e

potencialmente para outras partes interessadas”24, sendo necessário acrescentar que o coachee

é a denominação atribuída àqueles indivíduos que se submetem ao processo de coaching.

Grant (2005), considerado um dos principais teóricos sobre a temática, compreende

que o coaching é,

Uma metodologia genérica usada para melhorar as habilidades, o desempenho e o

desenvolvimento de indivíduos. É um processo sistematizado pelo qual os indivíduos

são ajudados a explorar problemas, estabelecer metas, desenvolver planos de ação e,

em seguida, agir, monitorar e avaliar seu desempenho, a fim de alcançar melhor seus

24A human development process that involves structured, focused interaction and the use of appropriate
strategies, tools and techniques to promote desirable and sustainable change for the benefit of the coachee and
potentially for other stakeholders” (Bachkirova, Cox e Clutterbuck, 2010, p. 1)
72

objetivos, e o papel do treinador é facilitar e orientar o coachee por esse processo

(Grant, 2005, p. 4)25

A partir disto, o coaching pode ser considerado uma prática moderna, que emerge

como uma adaptação de perspectivas do treinamento físico de atletas que visavam o

desempenho em competições. É apresentado como uma metodologia sistematizada, composta

de estratégias, ferramentas e técnicas que propõem uma prática direcionada para o

cumprimento de metas e objetivos a partir da avaliação do que é problemático dentro da

perspectiva empresarial.

Para isso, o coach interage com o coachee estabelecendo um plano de ação objetivo e

estruturado buscando um aprimorando de habilidades, desempenhos e adaptabilidade dos

indivíduos a partir dos seus desejos ou do desejo das instituições que tenham interesse. Em

outras palavras, o desenvolvimento humano é percebido como um aprimoramento progressivo

e linear (como no desenvolvimento das habilidades de atletas) do que surge como demanda

pelas empresas e organizações.

Enquanto uma resposta a essas demandas, construiu-se um arcabouço de

conhecimentos pautados em outras disciplinas, sendo uma prática e teoria denominada por

seus estudiosos como interdisciplinar e multiteórica, com profissionais que advém de “uma

variedade de profissões”, os quais constantemente adaptam “conceitos, ideias e ferramentas

práticas” de outras áreas, como é exposto por Bachkirova, Cox e Clutterbuck (2010, pp. 1-2).

Ainda de acordo com os autores, ao profissional do coaching é demandado um amplo

conhecimento de diversas áreas e, preferencialmente, uma formação acadêmica anterior à

prática (Bachkirova, Cox & Clutterbuck, 2010). Nos dias atuais, há universidades que

possuem formações com titulação acadêmica em coaching, como a Florida Christian

25A generic methodology used to improve the skills and performance of, and enhance the development of,
individuals. It is a systemised process by which individuals are helped to explore issues, set goals, develop action
plans and then act, monitor and evaluate their performance in order to better reach their goals, and the coach’s
role is to facilitate and guide the coachee through this process (Grant, 2005, p. 4)
73

University, que oferece formações inclusive em nível de doutoramento26. Com isso, os

profissionais possuem variadas formações, como, por exemplo, Administração, Psicologia,

Educação etc., os quais articulam conhecimentos importados destas áreas para compor sua

prática e desenvolvimento de um corpo teórico. Brock (2012, apud Reis, 2014) identifica

como raízes que fomentaram o processo de formação do material teórico “educação,

psicoterapia, estudos de comunicação, movimento de autoajuda, teoria de sistemas sociais,

motivação atlética, teorias de desenvolvimento adulto, movimento holístico, administração e

liderança” (p. 26).

A interdisciplinaridade possibilitou que o coaching não se limitasse apenas ao meio

organizacional, ainda que, de acordo com Karawejczyk e Cardoso (2012, p. 48),

independentemente do modelo teórico, o processo visa atender a demandas de segmentos do

mercado ou ajustar-se a alguma aplicação. Assim, os tipos de coaching desenvolveram-se

para outras “áreas de trabalho”, como o “coaching de vida”, “coaching executivo”, “coaching

de equipe”, “coaching de carreira” e “coaching de liderança” (Karawejczyk & Cardoso 2012).

Com isto, o foco da prática amplia-se sobre questões subjetivas e comportamentais dos

indivíduos, tanto quanto sobre problemáticas do âmbito institucional e organizacional.

Torna-se necessário ao profissional que atuará neste meio corresponder às demandas

organizacionais, sobre tal aspecto Karawejczyk e Cardoso (2012) complementam que “o

profissional deve possuir o máximo de competências possíveis. [Sendo que] o

desenvolvimento de novas competências ocorre através de atualizações constantes, sejam

profissionais ou pessoais, por meio da aquisição de novas atitudes, habilidades e

conhecimentos” (p. 47).

Grant (2005) pontua que apesar de observar a interdisciplinaridade como algo

positivo, os programas de treinamento de coaches não possuem um corpo comum de

26 Informações recuperadas do veiculo de comunição oficial:


https://floridachristianuniversity.edu/en/deegres/bachelor/#toggle-id-3
74

conhecimento estruturado, posto que “atualmente, a maioria deles é baseada em sistemas de

propriedades idiossincráticas individuais e tem pouca ligação com as bases de conhecimento

mais amplas” (p. 9)27, acrescenta ainda que este também se torna um entrave para que o

coaching corresponda aos critérios necessários para vir a ser considerado uma profissão.

No que tange à interdisciplinaridade, Fazenda (2008) explicita que esta é expressa pelo

seu movimento, pela relação de metamorfose que pode haver entre duas disciplinas ou mais.

Descreve-a enquanto uma busca pelo conhecimento não dissociada da materialidade, do

cotidiano e de seus atores, posto que pretende compreender objetos sociais complexos em

seus pontos de encontro e desencontro.

A interdisciplinaridade é então um modo de produção de conhecimento pautado na

exploração das fronteiras entre as disciplinas e a interação entre elas (Satolo, Bernardo,

Lorenzani & Morales, 2019), o que mostra contundência na crítica feita por Grant (2005) ao

questionar a interdisciplinaridade presente em alguns programas de coaching. É válido

acrescentar que a estagnação e o fechamento de uma teoria infringem a caracterização de

interdisciplinaridade apresentada, o que compromete este princípio, caro à teoria do coaching,

e as possibilidades de atualização dos profissionais em questão, posto que suas ferramentas,

técnicas e conceitos provêm das diversas disciplinas supracitadas. Assim, o que se

compromete não são apenas as habilidades práticas do profissional, mas principalmente as

possíveis consequências, ainda desconhecidas, para aqueles que procuram tais serviços e se

deparam com uma metodologia de práticas adaptadas precariamente de outras áreas.

Japiassu (1976) aponta que a interdisciplinaridade surge como um protesto contra um

saber fragmentado, contra a construção de epistemologias que se apartam e setorizam a

dinâmica social concreta, avessa a um conformismo de ideias impostas e situações adquiridas.

Percebe-se que o desenvolvimento do coaching não surge enquanto pesquisa ou busca por

27 At present the majority of these are based on individual idiosyncratic proprietary systems, and have little
linkage to the broader established knowledge bases. This kind of training will be a major barrier to the
professionalism of coaching (Grant, 2005, p.9)
75

compreensão de um fenômeno social, político ou econômico, mas, ao contrário, conforma-se

com as ideias impostas pelas organizações e sistematiza uma adaptação conceitual e prática

com a finalidade de corresponder a compreensão mercadológica do que deve ser ampliado no

campo de atuação dos trabalhadores. Isso é perceptível a partir da afirmação de Reis (2014),

que explicita que a razão da ampliação do coaching para os meios organizacionais se deu

devido a necessidade de mudanças no papel do líder, com isso, programas de liderança

começaram a lidar com temas voltados ao coaching, pois “o novo líder precisava unir o

desenvolvimento organizacional com a psicologia” (p. 27).

Em suma, em conformidade com as necessidades postas pelas organizações, pode-se

afirmar que as bases do que é denominado coaching têm como propósito gerar mudanças, de

um modo geral, subjetivas e comportamentais, o que é difundido por meio de um discurso que

tem o “objetivo de ensinar as pessoas a aprenderem a partir de perguntas abertas que ajudam o

coachee a aumentar a percepção sobre o seu estado atual e sobre possibilidades para o futuro”

(Reis, 2014, p. 27). Ou seja, o processo de coaching determina que as “possibilidades para o

futuro” serão descobertas nas sessões de coaching por meio de perguntas sobre os desejos de

indivíduos que buscam concretizar, a partir daquilo que é determinado pelo indivíduo como

insuficiente.

Para isso, o coaching propõe um amplo espectro de técnicas, práticas e diferentes

abordagens, mas que possuem um objetivo comum: foco no aprimoramento de uma

performance direcionada para o alcance de resultados por meio de uma dedicação e esforço

por parte do indivíduo. Como colocam Bachkirova, Cox e Clutterbuck, (2010) o coaching é

“reconhecido como um meio eficaz para aumentar o desempenho, alcançar resultados e

otimizar a eficácia pessoal”28. A partir disto, observa-se que o crescimento de uma demanda

de mercado por um indivíduo mais produtivo pode ser correspondido por meio das técnicas de

28 recognized as a powerful vehicle for increasing performance, achieving results and optimizing personal
effectiveness (Bachkirova, Cox e Clutterbuck, 2010, p.1)
76

construção de habilidades e perspectiva de desempenho do coaching, instituindo assim uma

nova perspectiva de como os indivíduos devem desenvolver-se e quais devem ser seus

parâmetros de progresso.

Não obstante, “os consumidores de serviços de treinamento se tornaram

progressivamente mais sofisticados” (Grant & Cavanagh, 2004, p. 2)29. Oliveira-Silva,

Werneck-Leite e Carvalho (2018), ressaltam que a amplificação da prática nos EUA e na

Europa é acompanhada pelo desenvolvimento de estudos teórico-científicos na área, “porém,

no Brasil, este aspecto é ainda incipiente, uma vez que a prática tem crescido num ritmo mais

acelerado do que a teoria, de forma que produções nacionais sobre coaching ainda são

extremamente escassas” (p. 370).

A carência de produção científica da área no Brasil, somado ao não consenso de uma

definição do que concerne à prática, é entendido pelos estudiosos da área enquanto fase do

processo de desenvolvimento da mesma (como observado em Reis, 2009; Bachkirova, Cox e

Clutterbuck, 2010 & Grant & Cavanagh, 2004), porém, tal aspecto torna complexo delimitar a

confiabilidade da área e seus praticantes. Como colocam Oliveira-Silva et al. (2018) há a

“necessidade de relatos sobre um panorama do que é o coaching e como ele pode ser

analisado a partir de uma perspectiva acadêmica, de modo a se diferenciar das práticas

genéricas e comerciais que atualmente costumam representar o coaching no Brasil” (p. 364)

Desta forma, um aumento significativo da prática do coaching, a qual não acompanha

o desenvolvimento de um saber cientificamente confiável e delimitado, quando

correlacionado à ideologia do mérito, demonstra que ambos têm crescido sem estudos os

quais possibilitem tanto analisar suas possíveis correlações, quanto averiguar sua função e

influência sobre os sujeitos e a sociedade. Para além, a precariedade da confiabilidade teórica

29 Consumers of coaching services have grown progressively more sophisticated (Grant & Cavanagh, 2004,
p.2)
77

e possíveis comprometimentos de apropriações conceituais e técnicas demandam maiores

pesquisas.

Ao que parece, almeja-se um desenvolvimento humano voltado para produtividade e

competitividade que advém de uma demanda organizacional, a qual coloca no indivíduo a

responsabilidade por uma resposta a demandas político-econômicas que o mercado impõe as

empresas e instituições. Como coloca Ozelame (2017), no cenário político-econômico atual a

concorrência, a dinamicidade mercadológica, o avanço tecnológico e cultural, demandam que

haja perspicácia por parte das empresas, para que seja possível acompanhar as mudanças e

garantir sua manutenção no mercado, sendo que as empresas com melhores resultados são

aquelas que desenvolvem as habilidades de seus colaboradores em todas as áreas.

Assim, a necessidade de aprimoramento e desempenho não emerge do indivíduo, mas,

aparece no indivíduo como uma forma de sintoma das demandas concorrenciais e

aprimoramento tecnicista presentes no mercado neoliberal. Ou seja, parece que o desejo de

desenvolvimento empresarial produz um desejo de desempenho no individuo, pois, a não

produção de novas habilidades pode colocar em xeque suas possibilidades de permanência no

mercado de trabalho, logo, de manter suas condições de (re)produção vida. Compreende-se o

coaching enquanto uma ferramenta que tem cooperado para a responsabilização do indivíduo

e manutenção do modus operandi de um sistema socioeconômico pautado em uma

concorrência constante e desigual. Considerando a carência de pesquisas e desenvolvimento

teórico já apresentados, parece que tal prática do coaching está desenvolvendo-se sem uma

ciência de sua função perante a estrutura social.

Em consequência disso, empresas apresentam cada vez mais estruturas enxutas e

visam meios de alavancar seus resultados econômico-financeiros (Karawejczyk & Cardoso,

2012). Nesta esteira, um meio encontrado pelas empresas foi o aprimoramento do

desenvolvimento de habilidades dos colaboradores, sendo o coaching compreendido enquanto


78

uma ferramenta e metodologia que possibilita tal empreitada (Karawejczyk & Cardoso, 2012).

Sobre tal aspecto, é possível observar que a perspectiva da meritocracia se apresenta de modo

a corroborar para a mesma empreitada. Barbosa (2003, p. 81) coopera ao pontuar que “[...]

para a alta administração, a implantação da meritocracia é a solução imaginada para o

aumento dos resultados organizacionais e a sobrevivência no mercado”.

De acordo com Batista e Cançado (2017) “mais de 40% dos chief executive officers

(CEO) e 90% dos altos executivos americanos já usaram a técnica [do coaching]. Na

Inglaterra, segundo a Bristol University, 88% das organizações também são adeptas da

prática” (p. 27). Para além, discorrem que o coaching movimentou, em 2008, nos Estados

Unidos, 2,4 bilhões de dólares, o que demonstra a explicitação de McLean (2012) de que é

possível observar uma “explosão do coaching” desde os indivíduos ou instituições que

solicitam seus serviços quanto daqueles que o ofertam.

Com a demanda por melhores qualificações e habilidades no mercado de trabalho

nacional e internacional, o aumento de indivíduos que buscam formação em coaching, seja no

intuito de oferecer serviços de consultoria ou como um meio de agregar valor seu ao próprio

capital humano, demandado ao exercício de suas funções e manutenção de sua

empregabilidade. Resultados como os apresentados pelo Global Coaching Survey Report

(Frank Besser Consultant, 2009), corroboram para a afirmação supracitada, ao demonstrar que

em 2009 havia no Brasil cerca de 1000 coaches executivos, os quais frequentaram alguma

instituição de formação e/ou eram integrantes de associações da área.

Ainda que neste período o relatório tenha caracterizado o número de coaches no Brasil

enquanto baixo, discorre que a presença de associações “sugere que os órgãos de treinamento

estão moldando ativamente o desenvolvimento e a compreensão do treinamento de uma

maneira mais local” 30(Frank Besser Consultant, 2009, p. 10). No que tange ao cenário

30 suggests that coaching bodies are actively shaping the development and understanding of coaching in a more
local way (Frank Besser Consultant, 2009, p. 10)
79

mundial, a pesquisa trouxe que existiam por volta de 44.000 coaches, sendo que 80% destes

estavam localizados na Europa, Austrália e América do Norte (Frank Besser Consultant,

2009).

Um estudo apresentado pela International Coaching Federation (IFC) em 2012 trouxe

que existiam cerca de 47.500 coaches globalmente, enquanto que na América Latina

somavam-se 2.600 profissionais. A mesma instituição publicou uma nova pesquisa em 2016,

a qual aponta a presença de 64.100 sujeitos em âmbito global que atuam enquanto coaches,

destes 5.000 situavam-se na América Latina, apresentando assim um aumento de 34,94% em

um período de apenas cinco anos no mundo e um aumento de 92,3% na América Latina.

Torna-se válido ressaltar que a IFC é considerada a maior associação de coaching em

nível global, a qual desenvolve pesquisas e produções teóricas sobre a área no intuito de

melhor delimitá-la e fornecer credibilidade para o meio (The Association for Coaching, 2015).

Karawejczyk e Cardoso (2012) acrescentam que dadas as necessidades humanas de realização

e conquista, há uma previsão da Sociedade Brasileira de Coaching de que, até 2020, haja

cerca de 30 mil membros cadastrados no Brasil.

Ademais, a procura pelo coaching se justifica, de acordo com Oliveira-Silva et al.

(2018) devido as mudanças no mercado de trabalho que fazem com que as pessoas busquem

um melhor desempenho, assim como pela popularidade que o coaching ganhou em

decorrência dos resultados positivos gerados por meio de seus métodos de desenvolvimento

pessoal e organizacional. Entretanto, entende-se que estas demandas por mudanças se dão

devido ao grande avanço tecnológico e um aumento da competitividade gerada no mercado,

portanto “é capaz que o coaching esteja sendo visto como uma ferramenta capaz de auxiliar as

pessoas a lidar com esse novo contexto de trabalho” (Oliveira-Silva et al., 2018, p. 369).

Logo, observa-se que este tem se apresentado enquanto efetivo, ou seja, de fato gera

resultados almejados em termos de ganhos em relação ao desempenho e os resultados


80

necessários. O embasamento do coaching em disciplinas como a psicologia, educação e

desenvolvimento humano, somado a uma perspectiva mercadológica cada vez mais

competitiva e uma compreensão de produtividade que demanda um pleno engajamento por

parte dos colaboradores, coopera para que os valores de mercado e organizacionais

influenciem na vida dos indivíduos, assim há uma ampliação do âmbito empresarial para o

individual, uma incorporação de seus preceitos na vida cotidiana.

Em suma, a proposta prática do processo do coaching envolve diretamente o

aprimoramento de habilidades e desempenho que se iguala à ideologia do mérito por meio de

uma sistematização da demanda orientada para atingir os melhores resultados e delimita seu

foco no indivíduo. Como coloca Ozelame (2017)

É fundamental compreender sobre as ferramentas de coaching atualmente aplicadas

nas empresas, demonstrar o que se tem de novo no universo da gestão de pessoas,

identificar os seus benefícios, não somente para os líderes, mas também para os

colaboradores, cujo desempenho superior vem trazer melhores resultados econômico

financeiros às companhias (Ozelame, 2017, p. 2)

A partir de Loli e Treff (2018) tem-se que as reestruturações organizacionais e as

mudanças tecnológicas corroboraram para uma maior flexibilização das relações de trabalho,

ocorrendo um crescimento significativo da independência dos trabalhadores em relação aos

arranjos de carreiras tradicionais. Em outras palavras, atualmente a carreira não é mais apenas

compreendida como um desenvolvimento linear e limitada a um ou mesmo poucos empregos

ao longo da vida, mas como uma sequência de experiências que comporta alterações de

trajetórias, agregando demandas de adaptação do mercado.

A independência do trabalhador em relação à organização, disseminada de modo

discursivamente positivo pelos adeptos do coaching, coloca que este indivíduo tem de ser

constantemente um empreendedor de si e precise incorporar valores empresariais ao seu


81

cotidiano, posto que a dinamicidade das relações de trabalho, do mercado e das organizações

obriga o trabalhador a agregar em si as habilidades que serão valorizadas pelas instituições e

manejar seus riscos.

Bernardo e Pereira (2017) discutem que a própria denominação “colaboradores” pode

ser contextualizada historicamente enquanto um discurso contemporâneo do capitalismo, que

visa enfraquecer os instrumentos legais que protegiam minimamente os trabalhadores da

exploração. É fornecida uma conotação de independência ilusória ao trabalhador, posto que

este ainda depende da venda de sua força de trabalho para reprodução da vida cotidiana. Nesta

perspectiva, isto se dá por meio do compartilhamento de uma ideologia de que seria possível

para diferentes classes compartilharem interesses comuns, confluindo com o discurso

meritocrático de mobilidade social e sua característica de exclusão dos fatores

socioeconômicos e culturais ao discriminar o desempenho individual.

Para além, ainda de acordo com Bernardo e Pereira (2017) a incorporação de tal

discurso legitimou modelos de organização do trabalho pautados na desregulamentação das

relações de trabalho e na “flexibilidade dos contratos”. Pereira (2018) pontua que isso

corrobora com a busca das empresas por trabalhadores mais competitivos e eficientes e que

culmina em uma “volatilização dos salários, piora das condições laborais e desmantelamento

da proteção social, ao mesmo tempo em que se ampliam as exigências de produtividade, tanto

em quantidade como em qualidade” (p. 210).

Oliveira-Silva et al. (2018) pontua que o meio pelo qual o coach instrui o coachee é

por meio da denominada prática não-diretiva, pautada em perguntas abertas as quais visam

que o indivíduo que esteja passando pelo processo se responsabilize pelas suas mudanças,

sendo protagonista ao criar seu próprio plano de ação e estabelecer suas metas, assim o coach

é considerado enquanto um guia. Para os autores, essa perspectiva é o que distingue a

disciplina do coaching de um processo de aconselhamento e de treinamento instrucional.


82

O coachee, correlato ao sujeito meritocrático, caracteriza-se enquanto um sujeito

autônomo, o qual busca o serviço do coach para investir em seu próprio desenvolvimento,

empreendendo em si mesmo. Entende-se assim que o processo de coaching, ao visar o

desenvolvimento e apropriação de resultados por parte do coachee, corresponde enquanto

uma ferramenta, um conjunto de técnicas que propicia a construção de indivíduos que

correspondam à perspectiva da meritocracia.

Para além, Ozelame (2017) traz que,

Por ter como pontos principais o foco, a ação e resultados, o coaching faz com que os

componentes da equipe busquem as respostas aos questionamentos feitos pelo seu

líder (coach). O importante é que faça este colaborador (coachee) refletir, pensar,

pesquisar, estudar, investigar para obter a resposta e por consequência aprimorar e

expandir suas competências aumentando seu potencial (Ozelame, 2017, p. 2)

Posto que o coach é apenas o profissional que conduz o processo, que pode ser

individual ou em equipe, para Oliveira-Silva et al. (2018) “o próprio aprendiz é quem

organiza a agenda e ele mesmo é quem determina quais metas serão atingidas” (p. 365).

Observa-se assim um processo de instrução para o desenvolvimento de habilidades

necessárias à organização, mas que são compreendidas primordialmente sob a ótica do

investimento do trabalhador em si. O aprimoramento de seu desempenho é importante

também para o progresso e ganhos para organização, ainda que o discurso difundido priorize

os ganhos individuais dentro de uma perspectiva de trabalho flexível. Assim, esse indivíduo

pode ser considerado enquanto um sujeito meritocrático, pois terá as habilidades necessárias e

provará o seu esforço por meio do desempenho apresentado, sendo o coaching uma proposta

de ferramenta que coopera para a construção do sujeito meritocrático e manutenção de sua

ideologia.
83

Para reforçar tal afirmação, torna-se interessante observar as semelhanças existentes

entre o perfil almejado de profissional nos dias atuais e o sujeito meritocrático. No que tange

ao profissional que o coaching visa construir, Karawejczyk e Cardoso (2012) o descrevem

como segue:

Criativo, habilidoso, perceptível a novas situações, ágil nas respostas e ainda deve

manter o nível de conhecimento atualizado, buscando atividades complementares a

sua formação, ou seja, para ser um bom líder o profissional deve possuir o máximo de

competências possíveis. O desenvolvimento de novas competências ocorre por meio

de atualizações constantes, sejam profissionais ou pessoais, por meio da aquisição de

novas atitudes, habilidades e conhecimentos (Karawejczyk & Cardoso, 2012, p. 47)

Com isso, pode-se observar que a descrição do profissional almejado pelo coaching é

consideravelmente semelhante com o ideal de sujeito meritocrático já apresentado por

Barbosa (2003), ambos devem ser criativos, autônomos, habilidosos etc. Não obstante, ao

comparar os dois fenômenos, o do coaching e da meritocracia, percebe-se que os valores

trazidos pela ferramenta do primeiro são compreendidos enquanto uma proposta que visa

corresponder e responder da forma mais eficiente possível às perspectivas de organização

social concorrenciais, estabelecidas pelo segundo.

Outro aspecto que corrobora para que seja possível fazer as primeiras aproximações

entre a meritocracia e o coaching é a compreensão de que a primeira é uma proposta de

critérios para avaliação de indivíduos e uma perspectiva que entende o progresso a partir do

aumento da produtividade do desempenho, sendo que, como expõe Ozelame (2017) “o

coaching deve ser aplicado em situações diversas dentro das empresas, tais como: avaliação

de desempenho, breakdowns (colapsos), promessas quebradas, solicitações para coaching,

necessidades de novas competências e necessidades nos negócios, como, por exemplo, maior

qualidade e custos mais baixos” (p. 5)


84

Por fim, no presente trabalho buscar-se-á colaborar com o avanço dos conhecimentos

sobre o coaching e a meritocracia. Para isso, propõe-se a análise dos discursos, práticas e

conceitos da instituição de formação em coaching FEBRACIS, no intuito de melhor delimitar

como se dão os enunciados difundidos e suas possíveis implicações sociais. A escolha da

instituição enquanto objeto de estudo se deu considerando a diversidade de informações

públicas e seus suportes. No website institucional é possível ter acesso a informações sobre a

proposta metodológica e seu criador, assim como descrições dos cursos, a estrutura das

unidades institucionais, e-books gratuitos, podcasts, vídeos, entre outros. A instituição, tendo

seu criador como autor, ainda publicou livros sobre, por exemplo, o desenvolvimento

humano, liderança e seu método, os quais serão abordados na seção seguinte.

1.5 A FEBRACIS

Criada em 1998, a Federação Brasileira de Coaching Integral Sistêmico (FEBRACIS),

inicialmente denominava-se Instituto Paulo Vieira. Em seu vídeo institucional de 201931, esta

é descrita enquanto a maior instituição de coaching do mundo e Paulo Vieira, seu fundador,

como o criador do “Método CIS (Coaching integral sistêmico), o maior treinamento de

inteligência emocional de toda a América Latina” (Vieira, 2015, p. 15), “tido como o futuro

do coaching por conseguir, em um prazo muito menor, produzir resultados muito maiores e

efetivos do que o coaching tradicional”¹. Entretanto, ainda que se auto-intitule como uma

Federação compreende-se que esta é apenas constituída quando há a união de grupos,

organizações ou sindicatos antes autônomos, que mantém sua nomenclatura e passam a

possuir uma autoridade comum, com objetivos comuns, associados em uma unidade, a

Federação. No caso da FEBRACIS compreende-se que seu criador se apresenta como uma

31 Disponível em: https://www.febracis.com.br/sobre/. Acessado em 07/01/20.


85

autoridade máxima, e não a instituição apenas, e que, para além, construiu filiais de sua

empresa pelo país, não havendo uma associação entre organizações.

Ainda que não haja uma explicitação científica (ou de outra ordem) pertinente sobre

nenhum dos dados apresentados pela FEBRACIS, esta faz uso constante de superlativos

relativos de superioridade, conotando uma intensificação da imagem pública institucional e de

Paulo Vieira, como se observa também em “Paulo Vieira, o maior e mais experiente coach do

Brasil”¹. Percebe-se que há entre Vieira, suas publicações editoriais, a reprodução massiva de

sua imagem, e a instituição FEBRACIS uma vinculação que torna tênue a linha entre o

profissional de coaching e a instituição, ainda que esta seja descrita, novamente, enquanto

uma Federação.

Vinculação que apresenta utilidades, pois por meio de estratégias de marketing

alavanca a imagem comercial ora da instituição, ora do próprio Paulo Vieira, dando enfoque

aos livros escritos por Vieira, os cursos (ministrados pelo mesmo) e outros produtos

comercializados pela instituição. Outras formas de divulgação e captação de clientela podem

ser consideradas, como o canal de divulgação na plataforma YouTube com diversos vídeos

disponíveis, a exposição dos “Cases de Sucesso” e os meios de comunicação diretos, como

diários contatos via endereço eletrônico e telefônico para que efetuam cadastro na página

oficial da instituição.

Paulo Vieira, PhD em Master Coaching pela Florida Christian University, “com

formação em Gestão de Pessoas, Administração, Marketing, Programação Neurolinguística e

com mais de 8 mil horas de sessões de coaching de experiência, presidente da Federação

Brasileira de Coaching Integral Sistêmico (FEBRACIS)” (Taunay, Souza & Vieira, 2014, p.

7) descreve sua trajetória pessoal como uma “história de superação”, discorre que descobriu
86

ser seu próprio “sabotador” após “uma série de privações entre os 17 e 30 anos” e um

momento de “renascimento”, precedido por um acidente automobilístico.

Ao unir a visão de autossabotagem aos estudos desenvolvidos sobre “como a cabeça

humana funcionava”, Vieira pontua que, apenas um ano após iniciar práticas pautadas em tais

estudos, mudanças pessoais o possibilitaram alcançar os bens materiais que almejava, como

aquisição de imóvel particular, automóveis e “tudo isso de modo mais ou menos consistente,

bem consistente até”32, sendo tal história utilizada recorrentemente em vídeos de acesso

amplo. Descreve-se como um indivíduo “doentiamente persistente”, considerando este o fator

preponderante para o seu sucesso individual, confluindo com o que pontua ser seu lema: “tem

poder quem age”². Apesar do título de criador do método CIS, Vieira não se autointitula como

um “sujeito inteligente”, mas descreve que seu sucesso individual está intimamente vinculado

às trocas e trabalho conjunto dos indivíduos que compõem seu cotidiano profissional e

pessoal.

Pode-se observar que a descrição da trajetória individual de Paulo Vieira (PV) ilustra o

que fora apresentado por Barbosa (2003), McNamee e Miller Jr. (2014) e Littler (2018), ou

seja, PV se apresenta como um sujeito que possui uma inteligência, que se esforça

(doentiamente persistente), sendo competitivo e autônomo, posto que constrói uma narrativa

da sua história pessoal que apresenta as pessoas do seu entorno de modo secundário. É dado

enfoque ao poder, associado as suas ações individuais, responsabilizando-se pelos seus ônus e

bônus, e descrevendo sua história de superação como um self made man, o qual, após uma

série de dificuldades romantizadas consegue, meritocraticamente, alcançar o que almejava,

tornando-se uma pessoa de sucesso.

32 Material disponível em entrevista de Paulo Vieira para o canal “papo foda”. Disponível em sua mídia
de comunicação oficial na plataforma Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=XXIbFHEyFjI
87

Nessa empreitada de desenvolvimento material e humano, Vieira é autor dos best-

sellers o “Poder da ação” (2015), “Fator de Enriquecimento” (2016) e “Poder e Alta

Performance” (2017b) de acordo com o ranking de livros mais vendidos no ano de 2018 da

Revista Veja33. Em 2019, de acordo com a Nielsen-Publish News34, o livro “O poder da

autorresponsabilidade” (2017a) encontrava-se na 3ª posição entre os mais vendidos do ano e o

“Poder da ação” (2015) ainda ocupava o 5º lugar nesta mesma lista. Em termos quantitativos,

a FEBRACIS declara que foram mais de um milhão de exemplares vendidos, não

especificando o título. Ainda assim, é possível observar o alcance popular dos livros escritos

pelo autor do método CIS. Para além dos títulos citados, Vieira possui mais oito livros

publicados, como “Criação de Riqueza” (2019), “Foco na prática” (2017c) e “O Poder da

ação para crianças” (2018), escrito em parceria com o cartunista Maurício de Souza.

Além das publicações editoriais, na página oficial da instituição é possível ter acesso

gratuito a 20 e-books que abordam temáticas como a gestão de si, inteligência emocional,

vícios emocionais, liderança, foco e afins35, assim como testes sobre domínio e inteligência

emocional. Atualmente, a instituição FEBRACIS possui matriz em Fortaleza (CE) e outras 39

unidades em 22 Estados do território nacional e mais quatro unidades internacionais em

Luanda, Boston, Orlando e Lisboa. Em entrevista², Vieira pontua que no total possui cerca de

700 funcionários e seguirá ao longo dos anos, “dobrando de tamanho”.

De acordo com as informações disponíveis no website oficial, sua preponderância e

amplitude é demonstrada por meio de qualificações além da geográfica, dado que em termos

espaciais possui mais de 30 mil m². No que tange ao alcance da difusão de seu método e

formação de novos coach expõe que houve 300 turmas de formação, sendo 18 mil coachs

33Disponível em: https://veja.abril.com.br/entretenimento/os-10-livros-de-negocios-mais-vendidos-de-2018-


quantos-voce-leu/
34Disponível em: https://www.publishnews.com.br/nielsen/2/2019/12/1/0/0
35Disponível em: https://www.febracis.com.br/materiais-gratuitos/. Acessado em 11/02/2020
88

treinados com método CIS, mais de 310 mil sessões de coaching realizadas e mais de 600 mil

pessoas foram “impactadas pelo método CIS36”.

A FEBRACIS não disponibiliza apenas a formação em coaching por meio de seus

cursos e palestras, mas também apresenta o denominado “ecossistema de empresas”, formado

por dez empresas voltadas para o desenvolvimento do coach (incluindo a faculdade

FEBRACIS), o CISEducar (formação socioemocional para crianças e famílias), Geração de

Riqueza, CIS Assesment, entre outros, abarcando sua perspectiva integralista de ajudar seus

clientes a atingir a alta performance nas diversas áreas da vida.

Paulo Vieira descreve que inventou a “fórmula do sucesso. Infalível. É um binômio:

crescer e contribuir”. Explicita que criou uma matriz, por meio de um cálculo matemático o

qual “descreve como a pessoa é” (matriz de plenitude) e que por meio deste mapa é possível

observar quais são os “quadrantes de plenitude” que devem ser desenvolvidos pelo indivíduo

para que este alcance suas metas, enriqueça, mas que também “impacte a vida daqueles que

estão ao seu redor”. Assim, Vieira coloca que quando há o desejo de prosperar

demasiadamente em todos os âmbitos da vida e de contribuição para a sociedade, entra-se em

um “quadrante de plenitude”, o qual é descrito como um “estado de fluxo de realização onde

as coisas acontecem”.37

Vieira ainda explicita que dorme “pensando em como ganhar mais e prosperar” e em

como “ajudar pessoas”, para além, coloca que uma “dica” para indivíduos prosperarem é o

autoquestionamento, pois “se as coisas não estão dando certo é porque tem algo errado em

você, e não nos outros. Se você não tá ganhando dinheiro, tem algo errado em você e não nos

36Disponível em: https://febracis.com/. Acessado em: 11/02/2020

37Material disponível em entrevista de Paulo Vieira para o canal “papo foda”. Disponível em sua mídia de
comunicação oficial na plataforma Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=XXIbFHEyFjI. Minutagem:
8’25’’
89

outros. Se o seu casamento não tá bom, se alguma coisa não tá bem, se sua empresa não tá

bem, o problema não está nos outros, está em você”38.

No portal online, as informações são expostas de modo espetacularizado, como é

explanado pela FEBRACIS, seu objetivo é “impactar vidas”39, sendo isso feito por meio de

frases que remetem a grandiosas alterações na condição de vida dos indivíduos, seja

profissional, subjetiva ou relacional, como “FEBRACIS. Mudando vidas a partir do coaching

integral sistêmico”, ou mesmo “alcance os resultados que você busca em sua vida pessoal e

profissional”. Assim como as outras assertivas, a apresentação de dados quantitativos ocorre

sem fontes de referências que garantam sua validade científica, ainda que sejam explicitados

como diferenciais oferecidos pela instituição.

O discurso de grandiosidade, transformação e potencialidade com ares de

“extraordinário” não se limitam à descrição da instituição, metodologia e seu fundador.

Presentes também na missão e valores institucionais, a primeira possui como objetivo

“transformar e potencializar vidas e negócios, por meio da metodologia do coaching integral

sistêmico, construindo um mundo extraordinário e abundante”. Enquanto que os valores são

pautados em uma integridade e ética com princípios judaico-cristãos, descritos como

“autorresponsabilidade, crescer e contribuir: amor ao próximo e a si mesmo, entrega

extraordinária, lucro extraordinário”.

Ressalta-se que foi encontrado apenas um relatório de pesquisa (2014), publicado no

website da FEBRACIS e desenvolvido pela mesma, o qual não faz menção aos números

citados, apenas busca apresentar o método CIS, não tendo sido publicado em periódico

científico. Desenvolvida por Taunay, Souza e Vieira (2014)40, a pesquisa busca comprovar a

38Material disponível em entrevista de Paulo Vieira para o canal “papo foda”. Disponível em sua mídia de
comunicação oficial na plataforma Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=XXIbFHEyFjI. Minutagem:
8’56’’

39 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ckmWacRBBTo. Acessado em 07/02/20.


40 Estudo disponível em: https://febracis.com.br/arquivo/pesquisa-metodo-cis.pdf. Acessado em 11/02/2020
90

eficácia do método CIS, compreendido enquanto “uma metodologia de desenvolvimento

pessoal orientada à conquista de objetivos, desenvolvimento da inteligência emocional e

mudança de estilo de vida, baseado na metodologia de coaching e conhecimento de

neurociências, operando no âmbito do paradigma holístico (sistêmico)” (p. 2).

De acordo com os autores, o “paradigma holístico” pauta-se em estudos da física

moderna complementados com a perspectiva biomédica de atenção à saúde. Consideram a

ampliação do modelo biopsicossocial para o “biopsicossocialespiritual”, no qual “o biológico,

o psicológico, o social e o espiritual são dimensões distintas, dinâmicas e interativas do ser

humano” (Taunay, Souza & Vieira, 2014, p. 3). Vieira (2017a) acrescenta que o método CIS

busca expandir a visão do coaching tradicional a partir de enfoques relacionais e emocionais

do indivíduo.

A pesquisa desenvolvida pela instituição (Taunay, Souza & Vieira, 2014) fora de

caráter quantitativo, longitudinal e descritivo. Pautou-se na participação voluntária de 67

indivíduos que compuseram a turma 127 do método CIS. As aplicações de questionários

foram feitas em dois momentos distintos, o primeiro no início do curso e o segundo um ano

após a conclusão do mesmo. Com o objetivo de averiguar os impactos e eficácia do método

no bem-estar subjetivo, depressão e ansiedade, os questionários eram compostos por um

questionário geral sobre dados demográficos e socioeconômicos e outros dois instrumentos, a

Escala de Satisfação com a Vida e a Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão. De acordo

com os resultados obtidos, ainda que os autores discorram sobre a necessidade de maiores

estudos, concluiu-se que:

O curso Método CIS é capaz de viabilizar uma nova perspectiva de vida, libertadora e

instigante, que transforma não apenas a relação do sujeito consigo mesmo, bem como

suas relações sociais e afetivas. Esta iniciativa se faz necessária no contexto atual da
91

sociedade, tão precário na expressão e manutenção de sentimentos de amor ao

próximo e si mesmo, que está na base do elevado quadro atual de violência,

transtornos psiquiátricos, moléstias físicas, dependência química e pobres relações

familiares, sociais e trabalhistas, de modo que o curso pode ser importante não só para

a transformação do indivíduo e sua saúde física e mental, mas para a sociedade como

um todo (Taunay, Souza & Vieira, 2014, p. 13).

Assim, a partir da perspectiva de que tal método promove de “forma sustentada e

consistente melhor satisfação com a vida e redução de sintomas de ansiedade e de depressão”

(p. 14) para os indivíduos e sociedade, a FEBRACIS oferece cerca de 30 programas

distribuídos entre cursos e palestras para que os seus clientes atinjam tal nível de

desenvolvimento humano, estruturados pela área de interesse, como familiar, profissional,

financeiro e pessoal. Advertem ainda que sujeitos diagnosticados com “esquizofrenia,

transtorno de bipolaridade, surtos ou problemas de saúde somente poderão participar do

Método CIS mediante autorização médica por escrito. Reafirmamos essa informação, pois o

curso possui forte impacto emocional”41.

Os principais cursos oferecidos pela instituição são o “Poder da ação”, “Geração de

riqueza” e “Formações em coaching” e o “Método CIS”, o qual em 2014 possuía cerca de 600

participantes por edição (Taunay, Souza & Vieira, 2014). Os outros cursos oferecidos são:

foco na prática; formação em orientação vocacional; power business; jeito de viver família

para coaches; poder e alta performance para alunos; decifre e influencie pessoas; o poder da

autorresponsabilidade; jogos empresariais; coaching financeiro individual; mindfulness;

coaching individual; coaching pra metas; como prosperar em qualquer carreira e negócio;

como prosperar no mercado do coaching; como vender tudo com marketing digital; CIS

assessment; intercoaching; advanced executive coaching; money evolution; business

41Disponível em: https://www.febracis.com.br/cursos/. Acessado em 07/02/20


92

evolution; CIS evolution; formação de oradores e palestrantes; business high performance;

coaching for money.42 Ressalta-se a americanização dos termos, deflagrando uma influência

previsível, dada a formação norte-americana de Vieira.

Há ainda a formação completa em coaching, distribuída em duas modalidades de

treinamento, descritas enquanto a “maior formação em coaching da América Latina”, sendo

estes o “Green Belt”, composto por 452h e pelos seguintes cursos: método CIS, formação em

coaching integral sistêmico, business high performance, formação de oradores e palestrantes,

coaching for money, criação de riqueza e o CIS assessment. Já a segunda modalidade, o

“Golden Belt”, inclui todos os cursos da primeira modalidade e outros três, o advanced

excutive coaching, mindfulness, master coaching integral sistêmico, compondo, no total, 697h

de formação. Não obstante, é demandado ainda que os indivíduos invistam em sessões

individuais de coaching, produzam um TCC e façam sessões experimentais como coachings.

Observa-se que o caráter holístico não é perceptível pelos títulos dos cursos, que fazem

referência a aspectos empresariais, levando a concluir que este é o aspecto o qual se sobrassai

perante outras áreas da vida.

A instituição expõe constantemente que tais cursos e palestras são pautados em teorias

científicas, práticas e técnicas da neurociência, programação neurolinguística (PNL),

psicologia positiva, física quântica, pedagogia, administração, o treinamento de inteligência

emocional do método CIS, entre outros. De um modo geral, o discurso veiculado nos

materiais abordados (livros, sites, vídeos etc) é autointitulado como científico, ainda que

discorra sobre temáticas complexas de modo breve, superficial, com um uso indiscriminado

de jargões científicos que são mesclados com conceitos do método CIS. Tal aspecto é possível

de ser ilustrado a partir de uma fala de Paulo Vieira, o qual culpabiliza a vítima em uma

42 Disponível em: https://www.febracis.com.br/cursos/. Acessado em 19/09/21


93

palestra sobre relacionamentos abusivos por meio de um discurso individualista, como pode-

se observar no seguinte trecho:

é você quem tem de mudar [...] pessoas que são abusadas são abusadas

recorrentemente, é porque, em você, abusado, existe também uma fratura, e essa

fratura precisa ser corrigida, é um padrão emocional, é uma desestrutura emocional,

são crenças limitantes sobre quem você é. A nossa estrutura, a nossa formação, a nossa

psique, a formação do seu indivíduo é formado por três crenças primais [...] a base da

crença é identidade, é a crença primal, quem eu sou. A crença intermediaria é a crença

de capacidade, e última crença é de merecimento43.

Observa-se a recorrência de tais discursos em treinamentos e vídeos, como quando

Vieira pontua que no Brasil o suicídio é uma epidemia, sendo sua principal razão a

dificuldade, por parte do suicida, em lidar com a frustração e a sua falta de “músculos

emocionais”44. Vieira ainda considera que o número de casos de suicídio ocorre

preponderantemente na classe média brasileira, pois os pais não permitem que seus filhos se

frustrem, não falam “não” para estes, gerando pessoas “frágeis emocionalmente”. Observa-se

que o discurso propagado faz uso de assertivas dogmáticas pautadas em proposições

simplistas de causa e efeito as quais culpabilizam o indivíduo e oferecem ao público uma

solução por meio do método CIS, como em:

Ele perdeu o emprego por não saber trabalhar em equipe. Ela perdeu a família por não

conseguir abraçar o próprio filho. Ele perdeu a saúde por estar mergulhado em vícios.

Ela perdeu os amigos por nunca ter pedido perdão pelo o que fez. Ele perdeu a esposa

por não conseguir mais dizer eu te amo. Ela perdeu os pais por ser orgulhosa e cheia

de rancor. Ele perdeu grandes oportunidades de crescer na carreira por não ter foco e

43 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=JGKquPdeBPY&t=663s. Acessado em 13/02/20


44 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Yqs7JOieX2o&t=6s. Acessado em 13/02/20
94

nunca concluir o que começa. Eles perderam a vida inteira por nunca admitir que

precisavam de ajuda. O que mais você vai perder por não ter inteligência emocional?

Que oportunidades você ainda vai perder porque não aceita que precisa mudar? Seu

maior oponente é você mesmo! Método CIS, o maior curso de inteligência emocional

do mundo (FEBRACIS, 2017)45.

Para Vieira (2017a), indivíduos que possuam inteligência emocional (IE) são dotados

de uma “extraordinária capacidade de realizar seus sonhos pessoais e profissionais de maneira

equilibrada e consistente” (p. 11). O conceito de IE é importado dos estudos de Daniel

Goleman por Vieira (2017a), o qual explicita que a inteligência emocional se divide em dois

domínios principais, a competência pessoal e social. No que tange à primeira, entende-se que

se refere a “capacidade de se conectar consigo mesmo manifestando o melhor de si e, desse

modo, estando apto a crescer e desenvolver de maneira continua” (Vieira, 2017a, p. 41), já a

segunda, compreende a “capacidade de se conectar de maneira positiva e harmônica com as

pessoas à sua volta e, dessa maneira, contribuir com o crescimento delas” (p. 47).

Vieira (2017a) expõe que a IE é alcançada apenas quando o indivíduo for capaz de se

responsabilizar por todo seu crescimento nas mais diversas áreas da vida. No livro “O Poder

da autorresponsabilidade” (Vieira, 2017a), esta é descrita como um conceito basilar para

excelência e transformação humana, princípio ativo para potencialização de resultados, “é a

crença de que você é o único responsável pela vida que tem levado; sendo assim, é o único

que pode mudá-la” (Vieira, 2015, p. 65).

Não obstante, Vieira (2017a) entende que para o indivíduo ser autorresponsável e

“transformar a sua vida”, é necessário que possua consciência, caracterizada como a

“percepção ou entendimento que permite ao ser humano vivenciar, experienciar e

compreender os aspectos do mundo que o cerca e também do seu mundo interior [...] permite

45 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=aAKP2wnKju4. Acessado em 12/02/20


95

entender os “porquês”, as causas e efeitos do que acontece em nossas vidas” (Vieira, 2017a, p.

54). Em suma, pode-se compreender que o indivíduo, para possuir uma vida plena e feliz,

com altos índices de produtividade, deve obter “consciência” e enlaçar todos os âmbitos de

sua vida aos conceitos propagados pela instituição, sendo um dos principais a

autorresponsabilidade, ou seja, deve responsabilizar-se por todos os âmbitos do sua trajetória

pessoal e desenvolvimento.

O modo como a instituição e seu fundador foram apresentados pretendeu descrever

como os agentes veiculam suas imagens e falas para melhor ilustrar um discurso à ser

problematizado, dadas as confluências entre os valores e crenças meritocráticos e a instituição

FEBRACIS, como, por exemplo, ao ressaltarem a valorização e responsabilização no

indivíduo enquanto “capitão de seu destino”, no direcionamento massivo para o

desenvolvimento de habilidades por meio de técnicas fundamentadas no coaching e no foco

dado a produtividade e ao ajustamento social. Com isso, a FEBRACIS e seu fundador

apresentam-se como uma fonte de materiais profícuos para o aprofundamento dos estudos

referentes à meritocracia e a presença de seu discurso no âmbito social, considerando que a

amplitude da instituição demonstra também a capacidade de proliferação de uma proposta

meritocrática para compreensão do desenvolvimento social e humano.


96

1.6 Objetivos

1.6.1 Objetivo Geral

O objetivo geral do presente estudo é compreender de que modo a meritocracia

aparece em práticas e discursos por meio da análise de materiais de ampla distribuição de uma

instituição de ensino e prática de coaching.

1.6.2 Objetivos Específicos

Dentre os objetivos específicos busca-se: 1. Contribuir com a construção de

conhecimento científico sobre o fenômeno da meritocracia, ainda incipiente, por meio da

problematização uma instituição específica que se autodeclara meritocrática e que promove o

fenômeno socialmente, a FEBRACIS. 2. Utilizar a metodologia da análise documental para

estudar os discursos e práticas da instituição a partir dos materiais dos livros “O poder da

ação” (Vieira, 2015), “O poder da autorresponsabilidade” (Vieira, 2017a) e o website

institucional. 3. Discutir suas aproximações com alguns dos conceitos foucaultianos, como o

poder, mecanismos disciplinares, as práticas de exame e os processos de produção dos corpos.


97

2. Metodologia

2.1 Tipo de estudo

Considerando os objetivos, fora executada uma pesquisa qualitativa a partir do método

da análise documental (Cellard, 2012; Spink et al., 2014), associado à ferramenta da análise

temática apresentada por Souza (2019). Ambos os métodos foram escolhidos e associados por

compreender que se complementam, de modo a agregar na discussão e no aprofundamento do

material estudado, ambos caracterizam-se enquanto métodos voltados para exploração,

organização e descrição de documentos visando sua análise (Cellard, 2012; Souza, 2019).

Os materiais delimitados para análise são considerados enquanto documentos,

compreendendo-se que este é “tudo o que é vestígio do passado, tudo o que serve de

testemunho, é considerado como documento ou “fonte”” (Cellard, 2012, p. 296), mais

especificamente, na presente pesquisa foram utilizados apenas documentos públicos, que são

toda e qualquer matéria escrita produzida para a leitura e o uso pelo público em geral

ou para um público específico. Por escrita entende-se desde avisos escritos à mão e

disponibilizados publicamente, formulários diversos, panfletos, jornais, revistas, livros

e relatórios impressos, até páginas da internet, portais e todos os demais repositórios

eletrônicos onde o material pode ser livremente acessado e registrado e alguma

maneira. Usamos a expressão “documento” no sentido elástico de registro, de algo que

tem uma presença física; que fala sobre algo e é também algo (Spink et al., 2014, p.

207)

Ao exposto, Spink et al. (2014) acrescenta que podem ser utilizadas páginas

eletrônicas, ressaltando que o pesquisador deve se atentar para a descrição detalhada do

objeto, apontando seus pontos importantes e relatando o endereço da fonte acessada e o dia de

acesso. Como pode-se observar, neste trabalho tais informações são acrescidas como notas de

rodapé. Ademais, Spink et al. (2014) acrescenta que os documentos eletrônicos devem ser
98

gravados, de modo que foram tiradas fotos eletrônicas das páginas mencionadas no texto, as

quais seguem em anexo.

Optou-se enquanto material (fontes) de análise considerando-se os objetivos

propostos, os livros “O poder da ação” (Vieira, 2015) e “O poder da autorresponsabildiade”

(Vieira, 2017a), além do site institucional da FEBRACIS 46.

Delimitou-se o livro “O poder da ação”, pois este demonstrou ser propositivo no que

se refere à metodologia e técnicas operadas pela FEBRACIS, ao mesmo tempo em que

explica e aplica o método CIS. Já o livro “O poder da autorresponsabilidade” se debruça sobre

um dos principais conceitos (também denominado enquanto uma ferramenta) do CIS. No site,

o indivíduo tem acesso a diversos formatos de informações gratuitas diferentes, como vídeos,

podcasts e e-books, uma loja virtual com livros e souvenir, assim como inscrições para

palestras e cursos em 23 Estados do país e países no exterior, como Portugal, EUA e Angola.

Entende-se como pertinente a escolha deste material para uma análise dada à

contemporaneidade que o coaching e a meritocracia possuem, assim como a amplitude

geográfica, econômica e social da FEBRACIS, considerando a quantidade de indivíduos que

alcança e os fluxos de capital que movimenta. Posto isto, visando compreender e apreender os

discursos e práticas meritocráticas não se pode perder de vista sua inserção no atual sistema

socioeconômico e as funções que a FEBRACIS opera ao propor o desenvolvimento de um

sujeito moldado para a produtividade.

Sendo documentos públicos, livros e site, podem constituir-se enquanto materiais

relevantes, dado seu amplo alcance a população e facilidade de acesso, posto que para os

livros, “a única restrição de acesso é o fato de que alguém precisa comprá-lo [...] o conteúdo é

livre para ser descrito, comentado e referenciado para outros também tecerem suas opiniões”

(Spink et al., 2014, p. 208). Com isso, ressalta-se a fecundidade dos materiais, posto que

ideias, argumentos, sentidos e propostas estão sempre em circulação, sendo tal circulação o

46 Disponível em: https://febracis.com/. Acessado em: 23/09/2021


99

que fomentadora de seu debate a partir da visibilidade fornecida (Spink et al., 2014). O debate

é relevante dado que os de domínio público são produtos sociopolíticos de uma ideia radical,

os quais possibilitam discussão que se formam novas opiniões (Spink et al., 2014). Neste

sentido, considerando apontamentos de Cellard (2012), antes de se dar início aos

procedimentos (dimensões) pré-analíticos e analíticos, o primeiro passo para a pesquisa

documental consistiu na avaliação da credibilidade e representatividade dos documentos.

2.2 Procedimentos de análise

A análise documental mostra-se vantajosa, pois é um método que se vale de

documentos para possibilitar realizar alguns tipos de reconstruções, as quais unicamente a

partir da memória não seriam possíveis (Cellard, 2012). Para tais reconstruções e no que se

refere à análise temática, foram utilizados temas/categorias visando buscar por padrões,

recursividade, flexibilidade, uma homogeneidade interna e uma heterogeneidade externa entre

os temas (Souza, 2019). Ainda a partir de Souza (2019), entende-se que a análise temática não

é um método que deve ser utilizado isoladamente, mas de modo complementar a outros

métodos, como no caso, a análise documental. Com isso, esta será apresentada ao longo da

descrição que será feita sobre a análise documental.

Cellard (2012) recomenda uma etapa de pré-análise do material selecionado (fontes)

composta por cinco dimensões preliminares à análise propriamente dita: (1) no exame do

contexto social global no qual foi produzido o documento, (2) os autores, (3) a confiabilidade

do documento, (4) a natureza e os (5) conceitos chaves e a estrutura lógica do texto.

Dimensão 1: No que se refere ao contexto, Cellard (2012) discorre ser imprescindível

o exame do contexto social global no qual foi produzido o documento, em que está

mergulhado seu autor e aqueles a quem foi destinado, ou seja, é necessário abordar a
100

conjuntura social, política, econômica, e cultural que propiciou a escrita do documento

(Cellard, 2012).

Ao apresentar uma revisão bibliográfica nas seções introdutórias, visa-se abordar as

conjunturas que dizem sobre a meritocracia e a FEBRACIS, como fora pontuado por Cellard

(2012), delimitando assim o seu contexto. Para construção do referencial teórico sobre

meritocracia buscou-se pelo máximo de documentos disponíveis os quais abordassem

diretamente o fenômeno em diferentes idiomas (inglês, português e espanhol). Em seguida

fora feita uma filtragem dos materiais, visando delimitar as principais referenciais, ou seja,

documentos que trouxessem uma percepção geral da meritocracia e seus atravessamentos

econômicos, sociais, políticos, culturais. O mesmo procedimento lógico fora executado para o

aprofundamento sobre o coaching e a FEBRACIS em suas respectivas seções.

Dimensão 2: A segunda dimensão apontada por Cellard (2012), a do autor, pode ser

pensada a partir dos questionamentos de Spink et al. (2014), como em:

quem foi seu autor; quais as condições de sua escrita; qual era o contexto; em que e

com quem seu autor estava envolvido; quais eram seus valores e crenças? Sendo que,

ao mesmo tempo, nosso olhar também pode estar voltado para nós mesmos ao

questionarmos quais experiências, crenças, valores e em qual contexto estamos

envolvidos no momento dessa leitura (Spink et al., 2014, p. 225)

Cellard (2012) considera que elucidar a identidade do autor possibilita avaliar melhor

a credibilidade de um texto, a interpretação que é dada de alguns fatos, a tomada de posição

que transparece de uma descrição, as deformações que puderam sobrevir na reconstituição de

um acontecimento. Neste sentido, dentre os objetivos propõem-se estudar uma instituição,

entretanto, observa-se de antemão a relevância de Paulo Vieira, posto que é autor dos livros,

criador do método ofertado e presidente da FEBRACIS. Com isso, tal dimensão torna-se

relevante para presente análise, sendo necessário averiguar de que modo isto se dá. Não
101

obstante, corrobora para o primeiro passo da análise temática, a familiarização com os dados a

partir da leitura e releitura do material (Souza, 2019).

Dimensão 3: Por sua vez, a terceira dimensão, refere-se à autenticidade e a

confiabilidade do texto, sendo importante assegurar a qualidade das informações utilizadas, a

procedência do documento (Cellard, 2012). Cellard (2012) ressalta que é importante estar

atento à relação entre o autor e o que é descrito, questionando aspectos como: Ele foi

testemunha direta ou indireta do que relata? Ele reportou as falas de alguma outra pessoa? Ele

poderia estar enganado? Ele estava em posição de fazer esta ou aquela observação, de

estabelecer tal julgamento? (Cellard, 2012). Considerando que os livros foram adquiridos na

loja virtual do website institucional sua procedência é confiável. Já os questionamentos de

Cellard (2012) cooperarão para apontamentos que foram utilizados nos resultados e análise.

Dimensão 4: A quarta dimensão refere-se a natureza do documento, ou seu suporte,

posto que a estrutura do texto pode variar de acordo com contexto no qual ele é redigido

(Cellard, 2012), a saber entende-se que o por serem documentos públicos, os suportes livro e

website são relevantes ao considerar sue acesso.

Dimensão 5: A quinta dimensão da análise documental refere-se aos conceitos-chave e

a lógica interna do texto analisado, ou seja, ao sentido dos termos empregados pelo autor,

sendo necessário delimitar adequadamente os sentidos das palavras e conceitos utilizados a

partir de seu contexto, como, por exemplo, os jargões, e pensando na construção

argumentativa do documento (Cellard, 2012). É nesta etapa que as ferramentas da análise

temática foram principalmente necessários.

Na análise temática são seis os passos delimitados por Braun e Clark (segundo Souza

2019): I - familiarização com os dados; II -geração de códigos iniciais; III - busca por temas;

IV - revisão dos temas; V - definição e nomeação dos temas; VI - produção de um relatório

(Souza, 2019). É a partir do vaivém constante entre o banco de dados e a constituição destas
102

dimensões, acrescidas as perspectivas da análise temática, que serão extraídos os temas, ou

seja, os padrões a serem considerados para a produção das análises (Souza, 2019). A análise

temática fez-se presente em todos os processos metodológicos desenvolvidos, principalmente

no aprofundamento da dimensão sobre os conceitos-chave e lógica do texto.

A familiarização, primeiro passo apontado da análise temática, se encontra em todas

as dimensões da análise documental, pois demanda um contato repetitivo com o material a ser

analisado (Souza, 2019), tendo sido feitas leituras e consultas exaustivas ao longo de todo

processo metodológico. As etapas seguintes serão apresentadas de modo resumido, de modo a

explicitar seu uso. Considerando a aproximação com conceitos chave e com a lógica interna e

geral do texto analisado, na segunda etapa da análise temática, foram extraídos códigos

iniciais a partir de pedaços dos materiais e categorizados considerando os padrões observados

a partir da familiarização com o material, visando a posterior divisão nos temas (Souza,

2019). Neste momento foram produzidos os quadros auxiliares I (Apêndice 1), o qual contém

os principais pontos abordados em cada capítulo de cada livro e nas abas identificadas no site,

assim como foram assinalados os sites secundários que este direciona.

Em seguida, no terceiro passo, os extratos do texto e códigos são agrupados em temas

potenciais, de modo mais abrangente, Souza (2019) esclarece que alguns destes podem

desaparecer, enquanto outros podem tornar-se temas. Desta forma, considerando os quadros

auxiliares I (Apêndice 2), observou-se a prevalência de técnicas, conceitos e ferramentas na

construção dos materiais analisados, sendo estes três elementos utilizados enquanto crivo.

Delimitado o crivo, as informações dos quadros auxiliares I foram reorganizadas a partir de

códigos, palavras chaves as quais remetem aos elementos a serem analisados.

A quarta etapa consiste em um refinamento dos temas, devendo considerar-se se estes

apresentam um padrão observável e estão coerentes de acordo com o banco de dados (Souza,

2019). Com isso, a partir dos elementos elencados em ambos os quadros, fora possível
103

observar a recorrência de temáticas, tendo sido delimitados: Argumentos científicos;

Autorresponsabilidade; Tipo de indivíduo; Método CIS e suas ferramentas de modelagem;

Recursos discursivos e não discursivos para disseminação da FEBRACIS; Paulo Vieira;

Religião; Poder. Os temas foram pensados considerando os padrões, as repetições de

determinados dos elementos ao longo dos documentos. Para cada tema fora delimitada uma

cor e os respectivos trechos considerados equivalentes foram grifados ao longo dos dois

quadros auxiliares.

Já a quinta etapa consiste na definição e nomeação dos temas a partir dos

procedimentos anteriores, identificando a essência do que trata cada tema e produzindo os

resultados utilizados na análise. Ao se debruçar sobre os temas, pode-se ser que haja

subtemas, temas dentro de um tema, os quais podem ser úteis para estruturar um tema maior e

mais complexo, bem como para demonstrar a hierarquia de significados dentro dos dados

(Souza, 2019). Neste processo compreendeu-se que alguns dos temas apontados eram

abordados de modo associado a temas mais amplos, logo, os temas e subtemas delimitados

foram: tipo de indivíduo; os argumentos científicos; o método CIS, subtemas

autorresponsabilidade e poder; Paulo Vieira, subtema religião.

Compreendeu-se que o tema “recursos discursivos e não discursivos para

disseminação da FEBRACIS” se encontra pulverizado entre os outros temas, não tendo sido

utilizado nos temas finais. Com isto, produziu-se os resultados dos materiais analisados, que é

uma apresentação dos elementos destacados a partir das leituras da pesquisadora de modo

coerente, no intuito de fornecer uma visão geral do que se encontra nos materiais, do método

CIS e a percepção de mundo que a instituição passa, perpassando o crivo e os temas.

A sexta etapa, e última da análise temática, consiste na escrita da análise em si, o qual

precisa explicitar ao leitor a descrição da história que os dados contam, fornecendo evidências

destes, mas também uma narrativa analítica que vá além da descrição (Souza, 2019). É na
104

análise propriamente dita que se reúnem as dimensões anteriores, cabendo ao pesquisador

fornecer uma interpretação coerente, tendo em conta a temática ou o questionamento inicial,

considerando que, como todo o processo que levou a análise, a abordagem se caracteriza

como indutiva e dedutiva (Cellard, 2012). Neste processo o pesquisador desconstrói, tritura

seu material à vontade; depois, procede a uma reconstrução, com vista a responder seu

questionamento (Cellard, 2012).

Para chegar a isso, ele deve se empenhar em descobrir as ligações entre os fatos

acumulados, entre os elementos de informação que parecem, imediatamente, estranhos uns

aos outros (Cellard, 2012). É esse encadeamento de ligações entre a problemática do

pesquisador e as diversas observações extraídas de sua documentação, o que lhe possibilita

formular explicações plausíveis a partir do corpus documental e produzir uma interpretação

coerente e realizar uma reconstrução de um aspecto qualquer de uma dada sociedade, neste ou

naquele momento (Cellard, 2012).

Entende-se que as ligações foram produzidas a partir da leitura repetida do material e

do que foi possível extrair da análise temática, o que permitiu tomar consciência de suas

similitudes, relações e diferenças, capazes de levar a uma reconstrução admissível e confiável

da análise. Foram as combinações possíveis entre os diferentes elementos contidos nas fontes

que estabelecem relação com o contexto, à problemática, ou ao quadro teórico, devendo ser

ainda levado em consideração a posição teórica do pesquisador (Cellard, 2012). Considerou-

se ser importante formular, desde o princípio, algumas ideias diretrizes, propondo um quadro

teórico, mesmo restrito, a fim de orientar as análises minuciosas (Cellard, 2012).

É neste sentido que se recorreu aos escritos e conceitos de Foucault enquanto parte do

arcabouço teórico-conceitual para analisar os resultados, pois compreendeu-se que seus

estudos sobre o poder e, especificamente o poder disciplinar, contribuiriam para o


105

desenvolvimento da análise a partir dos temas delimitados e do direcionado dado pelo autor

(Paulo Vieira) e o método CIS.

2.3 Aspectos conceituais a partir de Michel Foucault

Para explorar discurso da meritocracia da instituição FEBRACIS pretende-se fazer uma

análise do material coletado a partir do livro “O poder da ação” (Vieira, 2015), “O poder da

autorresponsablidade” (Vieira, 2017a) e o website da instituição47, que são a fonte de acesso

mais direto a um público amplo e fornecem uma concepção geral da teoria e prática da

instituição. A trilha metodológica consistirá na análise do material tendo como norteador os

resultados apresentados, alinhavando-os a meritocracia, e aproximando-os a conceitos de

Michel Foucault e os outros teóricos já acionados ao longo deste trabalho, autores como

Dardot e Laval (2016), Elias (1994), Weber (2014) entre outros contemporâneos também irão

compor os debates que seguirão nas análises dadas suas contribuições para se pensar a

sociedade, o indivíduo e o neoliberalismo. Ressalta-se que o foco dado a Foucault nesta

metodologia se deve ao interesse em analisar as relações de poder entre sociedade e indivíduo,

ou seja, compreender de que modo mecanismos meritocráticos que veiculam, articulam,

exercem e movimentam os fluxos de poder se fazem observáveis na subjetividade atual e na

instituição FEBRACIS.

No presente trabalho pretende-se propor aproximações entre os estudos sobre o poder

disciplinar de controle dos corpos, problematizando as práticas e discursos da instituição

FEBRACIS. Foucault (1979/2019a) se detém sobre a questão do que é o poder, sem almejar

sua conceituação, como em uma teoria do poder, mas busca saber: quais são “em seus

mecanismos, em seus efeitos, em suas relações, os diversos dispositivos de poder que se

47 Disponível em: https://febracis.com/. Acessado em: 29/09/21


106

exercem em níveis diferentes da sociedade, em domínios e com extensões tão variadas?”

(Foucault, 1979/2019a, p. 272).

O poder é compreendido em sua característica microfísica, que permeia capilarmente

os corpos ao ponto de produzi-los, que não se encontra apenas em âmbitos institucionais, que

não se detém, não se troca, mas que “se exerce, só existe em ação, como também da

afirmação que o poder não é principalmente manutenção e reprodução das relações

econômicas, mas acima de tudo uma relação de força” (Foucault, 1979/2019a, p. 274). Com

isso o poder não é uno, mas sim múltiplo, são os poderes, em sua pluralidade, que permeiam

todos os corpos, todas as relações e todas as coisas.

Tais relações de força ocorrem microfisicamente na sociedade, de modo que o poder

se torna, para Foucault (1977/2006), coextensivo ao corpo social, como a “materialidade do

poder se exercendo sobre o próprio corpos dos indivíduos”, funcionando como malhas em

uma rede sem “praias de liberdades elementares”, sendo as relações de poder intrincadas a

outras formas de relação (como de produção, familiares, de sexualidade e etc.) em que

desempenham “ao mesmo tempo um papel condicionante e condicionado”, não respondem a

uma única forma de manifestação de poder, como o castigo ou a interdição, mas respondem a

múltiplas formas (Foucault, 1979/2019a, p. 235).

Foucault (1977/2006) não refuta a característica de dominação do poder, mas não a

compreende como em percepções clássicas sobre o poder. Explicita que este serve a relações

de dominação, como o interesse econômico, mas que não está “à serviço” de poderes

dominadores funcionando, como foi dito, a partir de estratégias e procedimentos

heteromorfos, dispersados e locais que são reajustados, transformados em estratégias mais

globais de exercício do poder e


107

que não há relações de poder sem resistências, que estas são tão mais reais e eficazes

quanto mais se formem ali mesmo onde se exercem as relações de poder; a resistência

ao poder não tem que vir de fora para ser real, mas ela não é pega na armadilha porque

ela é compatriota do poder. Ela existe tanto mais quanto ela esteja ali onde está o

poder; ela é, portanto, como ele, múltipla e integrável a estratégias globais (Foucault,

1977/2006, pp. 248-249)

As relações de poder interferem na produção dos corpos, de modo que “o domínio e a

consciência do próprio corpo só puderam ser adquiridos pelo efeito do investimento do corpo

pelo poder” (Foucault, 1979/2019a, p. 235), ou seja, o poder interfere diretamente na forma

do corpo, na sua expressão, interpretação e constituição, produzindo efeitos concretos e

subjetivos, como os comportamentos, pensamentos e condutas, mas não apenas por meio de

coerções e dominações punitivas. O poder é forte “porque produz efeitos positivos no nível do

desejo […] e também no nível do saber. O poder, longe de impedir o saber, o produz” (p.

239). O corpo responde a uma demanda de sujeito da sociedade atual, “resta estudar de que

corpo necessita a sociedade atual” (p. 238)

Para além da oposição “violência-ideologia” que comumente é atribuída ao poder,

Foucault (2014, p. 31) propõe uma análise dos investimentos políticos do corpo em suas

estratégias microfísicas. É no campo político que as relações de poder alcançam o corpo,

moldando-o. Por meio de complexas e recíprocas relações o investimento político do corpo

serve à sua utilização econômica e, enquanto força de produção, o corpo é investido por

relações de poder e de dominação, ainda que só se organize enquanto força de trabalho por

estar preso a um sistema de sujeição que torna a necessidade humana um instrumento político.

Com isso, “o corpo só se torna força útil se é ao mesmo tempo corpo produtivo e

corpo submisso, essa sujeição não é obtida só pelos instrumentos da violência ou da


108

ideologia” (Foucault, 2014, p. 29), pode ser uma sujeição direta, física, ou mesmo agir sobre

elementos materiais sem usar a força física, em suma, pode haver um controle sobre o corpo

que se constitui no que Foucault denominou como tecnologia política do corpo, uma

microfísica do poder que se apresenta por meio de estratégias, com seus efeitos e

mecanismos, que são postos em jogo pelos aparelhos e instituições. Assim, tal microfísica se

deve ser observada a partir de suas técnicas de funcionamento, em sua característica daquele

que se exerce, logo, se observa em seu movimento.

O corpo, mergulhado inerentemente em um campo político, é afetado diretamente

pelas relações de poder e de saber, “elas o investem, o marcam, o dirigem, o supliciam,

sujeitam-no a trabalhos, obrigam-no a cerimônias, exigem-lhe sinais” (Foucault, 2014, p. 29),

assim, o corpo é via de comunicação, elemento material e ponto de apoio para os

investimentos das relações de poder e de saber, fazendo do corpo um objeto de saber. Não se

limitando à interdição, como já foi observado, o poder interfere diretamente no nível do

desejo, faz com que queiram seguir determinadas condutas, acreditem e (re)produzam

determinados saberes. Logo, a alma torna-se prisão do corpo, um efeito e instrumento da

anatomia-política atravessada por poderes e que constituem uma subjetividade.

Assim, como coloca Ayub (2015) o poder se faz presente na produção de desejos,

gestos e comportamentos, no campo da ação e do subjetivo, atuando sobre a possibilidade de

agir dos indivíduos, conferindo-lhes um direcionamento. Por meio da produção de discursos

ocorre a produção de indivíduos normatizados, “adequados ao bom funcionamento das

instituições sociais. Isso implica o aumento conjunto da produtividade e eficiência econômica,

a obediência política dos indivíduos, produção de saberes, normas, instituições e etc.” (Ayub,

2015, p. 32-33)
109

Neste período de seu trabalho Foucault (1973/2002) compreende que a sociedade

contemporânea é disciplinar, dado que visa justamente o controle psicológico, moral, do

corpo do indivíduo, suas atitudes e comportamentos. Caracteriza-se assim como um controle

de virtualidades, de possibilidades do que o indivíduo possa vir a ser, pensar ou fazer e a

representatividade social que possa irromper. Assim, Foucault (1973/2002) situa que se criam

instrumentos, dispositivos, presentes na sociedade que visam à correção de tais virtualidades,

como uma forma de ortopedia social, representada principalmente pelo panoptismo, uma

vigilância que se exerce ao nível “não do que se faz, mas do que se é; não do que se faz, mas

do que se pode fazer” (Foucault, 1973/2002, p. 104), individualizando cada vez mais o autor

do ato e colocando em evidência para que seja possível uma constante vigilância, seja está por

parte do indivíduo ou dos outros, do ser ou estar bem sucedido de acordo com os padrões

determinados pelas normas. A disciplina

é a técnica específica de um poder que toma os indivíduos ao mesmo tempo como

objetos e como instrumentos de seu exercício [...] o sucesso do poder disciplinar se

deve sem dúvida ao uso de instrumentos simples: o olhar hierárquico, a sanção

normalizadora e sua combinação num procedimento que lhe é específico, o exame

(Foucault, 2014, p. 167).

A disciplina “fabrica” indivíduos por meio da produção de corpo dóceis, alvo e objeto

de poder que o manipula, modela, treina, torna-o hábil a partir de forças ininterruptas

especificadas por registros anátomo-metafísicos, objeto científico, e técnico-políticos,

“constituído por um conjunto de regulamentos militares, escolares, hospitalares e por

processos empíricos e refletidos para controlar ou corrigir as operações do corpo”. Com isso,

os “mecanismos de poder”, atuam como forças que permitem o controle minucioso das

operações do corpo (sua atenção ao detalhe, sua microfísica) e impõe uma relação de

docilidade-utilidade, compreendidas enquanto “disciplinas” (Foucault, 2014, p. 134).


110

É por meio de práticas de exame que se observam técnicas de uma hierarquia que

vigia e sanções que normalizam, “é um controle normalizante, uma vigilância que permite

qualificar, classificar e punir. Estabelece sobre os indivíduos uma visibilidade por meio da

qual eles são diferenciados e sancionados” (Foucault, 2014, p. 181), logo, podem ser

excluídos. O exame sanciona o aprendizado, a correspondência dos sujeitos para com a norma

estabelecida, ele avalia por meio de “provas” e valida aptidões, assim, “o exame supõe um

mecanismo que liga um certo tipo de formação de saber a uma certa forma de exercício do

poder” (Foucault, 2014, p. 183).

O exame então promove uma objetivação dos indivíduos, torna-os o foco e impõe sua

visibilidade, sendo justamente esta que “assegura a garra do poder que se exerce sobre eles. É

o fato de ser visto sem cessar, de sempre poder ser visto, que mantém sujeito o indivíduo

disciplinar” (Foucault, 2014, p. 183). Assim, para manter tal vigília, os corpos necessitam ser

acompanhados individualmente, documentados, sendo a acumulação de tais documentos a

matéria-prima para organizações que permitam classificar, formar categorias, estabelecer

médias e fixar normas, distribuindo uma “população” (Foucault, 2014).

Em 1973, Foucault veio ao Brasil e proferiu a conferência “A verdade e as formas

jurídicas” (1973/2002), na qual considera o panóptico uma forma de poder que repousa sobre

o exame, se apresenta como uma forma de vigilância permanente do indivíduo e que, ao

mesmo tempo que vigia, constitui um saber sobre os indivíduos. O exame serve assim para

vigiar como se deve ou não conduzir, se progride ou não, ordenando-se em torno da norma,

do que é normal ou não, do correto ou não de ser feito e, o angariar informações sobre os

indivíduos, se configura não apenas como uma prática de poder, mas de um mecanismo de

controle baseado em um saber-poder. Em suma, pode-se colocar que


111

o panoptismo é um dos traços característicos da nossa sociedade. É uma forma de

poder que se exerce sobre os indivíduos em forma de vigilância individual e contínua,

em forma de controle de punição e recompensa e em forma de correção, isto é, de

formação e transformação dos indivíduos em função de certas normas. […] vigilância,

controle e correção – parece ser uma dimensão fundamental e característica das

relações de poder que existem em nossa sociedade (Foucault, 1973/2002, p. 103)

Ao acumular informações, organizá-las e controlar os indivíduos, os dispositivos

disciplinares não os excluem, mas os “fixa[m] a um aparelho de transmissão de saber”

(Foucault, 1973/2002, p. 114), produzindo e fornecendo base para um processo de

normatização das condutas, dos corpos e do pensamento, garantindo assim a produtividade

dos homens em função de uma determinada norma.

Para Foucault (2014, p. 168), a disciplina implica a existência de um dispositivo, no

qual “as técnicas que permitem ver [a disciplina] induzam a efeitos de poder, e onde, em

troca, os meios de coerção tornem claramente visíveis”. Entretanto, a construção do conceito

foucaultiano de dispositivo encontra-se pulverizado em seu trabalho, período necessário à sua

construção, de modo que ao longo de suas grandes obras, como a “História da Sexualidade I –

A vontade de saber” (2019b), Foucault delimita os princípios do que é dispositivo e sua

indissociabilidade ao poder, sem, no entanto, apontar de modo direto uma conceituação.

Foucault traz uma descrição mais diretiva do que é dispositivo em entrevistas que

forneceu, dentre elas, a “Le Jeu de Michael Foucault” (1977), publicado no Brasil na

compilação de textos denominada “Microfísica do poder” (1979/2019a). Assim dispositivo é,

em primeiro lugar:

Um conjunto decididamente heterogêneo [de elementos] que engloba discursos,

instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas


112

administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas.

Em suma, o dito e o não dito são os elementos do dispositivo. O dispositivo é a rede

que se pode estabelecer entre esses elementos (Foucault, 1979/2019a, p. 364).

Tais construções sobre o dispositivo se mostraram necessárias ao longo de sua

passagem dos estudos da arqueologia do saber, que engloba as pesquisas de Foucault ao longo

da década de 60, para a genealogia do poder. Piovezani e Curcino (2014) situam a relevância

de tal passagem ao pontuar que

o enfoque, quando da abordagem do discurso, na fase arqueológica que se ocupava do

saber, dizia respeito às condições de possibilidade e controle do dizer. Quando do

emprego de dispositivo, na fase genealógica, o autor predominantemente focalizou o

poder e as condições de possibilidade e controle não apenas do dizer, como também

do fazer, do ver, logo, do ser (Piovezani e Curcino, 2014, p. 42, grifos dos autores).

Nas palavras do Foucault (2019b) “é justamente no discurso que vêm a se articular

poder e saber […] deve-se conceber o discurso como série de segmentos descontínuos, cuja

função tática não é uniforme nem estável” (2019b, p. 109), ou seja, é na prática discursiva que

é possível observar os caminhos exercidos pelas relações de força e que, ainda a partir do

autor, o discurso deve ser compreendido em sua multiplicidade de elementos que podem

entrar em estratégias diferentes. Por exemplo, considera-se a posição de poder de quem fala, o

contexto em que fala como parte de elementos que compõe um complexo jogo entre discurso

e poder em que

o discurso pode ser, ao mesmo tempo, instrumento e efeito de poder, e também

obstáculo, escora, ponte de resistência e ponto de partida de uma estratégia oposta. O

discurso veicula e produz poder; reforça-o mas também o mina, expõe, debilita e

permite barrá-lo (Foucault, 2019b, p. 110)


113

Em "A ordem do discurso", Foucault (1970/1999a) coloca que em toda sociedade há

uma produção de discursos que é "controlada, selecionada, organizada e redistribuída por

certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar

seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade" (Foucault,

1970/1999a, p. 9), assim, entende-se que há uma produção discursiva presente na sociedade

que é atravessada por procedimentos que são determinantes e determinados pelos jogos entre

forças do que é possível dizer (ou não), por quem, em que contexto e afins. Logo, o discurso

não é neutro, sendo objeto do desejo, tanto quanto aquilo que o oculta ou presenta, e

embrenha-se ao poder.

Dentre os procedimentos presentes no discurso da sociedade contemporânea, Foucault

(1970/1999a) pontua que existem os procedimentos de exclusão, os quais podem interditar as

possibilidades do dizer, separar o verdadeiro do falso de modo nada arbitrário e são

atravessados por uma vontade de verdade historicamente característica, a qual é reforçada e

reconduzida pelo modo como "o saber é aplicado em uma sociedade, como é valorizado,

distribuído, repartido e de certo modo atribuído" (Foucault, 1970/1999a, p. 17), sendo que a

tal vontade de verdade se apresenta como uma espécie de coerção e pressão sobre o discurso.

Assim, Foucault (1970/1999a) explicita que os procedimentos de exclusão presentes

no discurso, tão vinculados ao desejo e ao poder, se exercem do exterior do discurso, mas que,

para além, existem procedimentos internos, "visto que são os discursos eles mesmos que

exercem seu próprio controle [...] que funcionam, sobretudo, a título de princípios de

classificação, de ordenação, de distribuição" (p. 21) que deslocam o discurso, misturam-nos,

sendo que constroem novos discursos, resgatam o velho, e misturam velho e novo, operando

ali no que é dito. Há assim menos uma causalidade do discurso do que um controle do

mesmo. Foucault situa ainda que existe um terceiro grupo que possibilita o controle dos

discursos, "trata-se de determinar as condições de seu funcionamento" (p. 36), ou seja, de


114

impor aos indivíduos certas regras a serem seguidas para que entrem na ordem do discurso,

estipulando certos campos de apropriação social dos discursos que o limita a determinados

indivíduos.

É na relação entre discurso e poder que se podem observar os direcionamentos

normativos em voga em determinado momento histórico, os procedimentos de controle do

discurso são determinados e determinantes da construção de um saber que caracteriza uma

verdade sobre o mundo e sobre o homem, como esse deve ser, relacionar-se, o que deve

pensar e como deve cooperar para o desenvolvimento social. Veiga-Neto (2009) coloca que

é próprio da modernidade e principalmente do Iluminismo o entendimento de que

existe uma perspectiva privilegiada, áurea, perspectiva das perspectivas, a partir da

qual se compreenda o que é mesmo o mundo e se explique como ele funciona; em

outras palavras, uma posição a partir da qual se chegue às “últimas verdades” ou –

numa versão probabilística – se chegue cada vez mais perto das “verdades

verdadeiramente verdadeiras (Veiga-Neto, 2009, p. 88)

As “últimas verdades” concebem uma percepção de origem, como se fosse possível

apreender de modo totalitário o mundo, a sociedade e o indivíduo. Consagra uma supremacia

da razão humana em executar tal feito, construindo um ideal que se pauta nos conhecimentos

humanos produzidos (em nossa época principalmente o conhecimento científico) e que, de

modo conveniente, propõe um ideal de homem que cooperaria para alcançar tais poderes que

advém da “verdade verdadeira”.

Foucault (1979/2019a) compreende que a “verdade não existe fora do poder ou sem

poder” (p. 51), que esta é produzida devido a múltiplas coerções presentes no mundo e que

produz efeitos regulamentados de poder neste mundo. Foucault (1979/2019a) esclarece que

cada sociedade possui seu regime de verdade, uma política geral de verdade que emerge a
115

partir de tipos de discursos que são acolhidos e funcionam como verdades. Para isso,

necessita-se de mecanismos, instâncias, técnicas e procedimentos que diferenciam os

enunciados falsos dos verdadeiros.

A verdade enquanto “conjunto de regras segundo as quais se distingue o verdadeiro do

falso e se atribui ao verdadeiro efeitos específicos de poder” (Foucault, 1979/2019a, p. 53) e

enquanto “conjunto de procedimentos regulados para a produção, a lei, a repartição, a

circulação e o funcionamento dos enunciados” (p. 54) se faz presente e se dissemina por meio

de enunciados, veículos em sistemas de poder que a produzem e apoiam tal verdade. Para

além, a verdade se liga a efeitos de poder que ela mesma induz e que a reproduzem, criando

um regime de verdade. Foucault (1979/2019a) acrescenta ainda que, em nossa sociedade,

“esse regime não é simplesmente ideológico ou superestrutural; foi uma condição de

formação e desenvolvimento do capitalismo” (p. 54)

Retomando as aproximações entre discurso e dispositivo, Carvalho e Sargentini (2014,

p. 30) colocam que, em última instância, há uma estreita relação entre discurso e dispositivo,

na medida em que as práticas discursivas seriam os elementos produtores de diferentes

dispositivos. Com isso, o discurso tem uma função de produtividade tática, posto que produz

efeitos de poder e saber, e de uma integração estratégica, observada no contexto e nas

correlações de forças necessárias que são mobilizadas (Foucault, 2019b, p. 111). Com isso,

outra semelhança apontada é que tanto o discurso como o dispositivo

compartilham o princípio segundo o qual as ações dos sujeitos não são fruto das

escolhas de cada indivíduo nem da condição universal do humano […] abordam em

comum os modos e as razões pelas quais são estabelecidas continuidades e

descontinuidades dos saberes, das práticas e, consequentemente, dos modos de ‘ser

sujeito a’ e de ‘ser sujeito de’, ao longo da história (Piovezani e Curcino, 2014, pp. 41)
116

Para Fernandes, Conti e Marques (2013) o discurso possibilita a formação de objetos,

inclusive a produção da subjetividade e do sujeito, a construção da verdade por meio das

relações de poder. Carvalho e Sargentini (2014) acrescentam ainda que o dispositivo são

transformadores dos indivíduos e, por consequência, do discurso, sendo que se deve pensar o

dispositivo a partir do discurso, e não se sobrepondo a ele, coloca-se ainda que uma de suas

principais funções é a capacidade de atuar na produção de subjetivação. Assim, ambos

discurso e dispositivo se fazem presentes na rede de elementos por onde flui o poder e a

produção da subjetividade do indivíduo, construindo uma complexa estrutura de controle e

produção dos corpos.


117

3. Resultados

No intuito de fornecer uma visão ampla sobre o material em questão, em um primeiro

momento, buscar-se-á justificar a pertinência do material de análise e suas articulações, para

em seguida fornecer um panorama geral dos livros “O poder da ação” e “O poder da

autorresponsabilidade”, correlacionando-os com o website institucional. Dar-se-á enfoque as

técnicas, ferramentas e aspectos teóricos conceituais do método CIS, da FEBRACIS e de seu

criador, Paulo Vieira. Em um segundo momento, pretende-se propor um olhar para os

mecanismos que tangem a estruturação do discurso ao longo dos materiais, ou seja, serão

apontados a forma como Paulo Vieira constrói discursivamente uma prática que opera ao

longo do texto, aplicando o método CIS enquanto explicita o mesmo. A exposição se pauta no

intuito posterior de análise a partir da base teórico-conceitual proposta na metodologia da

presente pesquisa, em outras palavras, naquilo que concerne as relações e os efeitos de poder

que são operados pelo CIS e permeiam os corpos dos que buscam o método

3.1 Resumo dos materiais analisados

Em alguns momentos dos livros, Paulo Vieira menciona a importância da

disseminação de seu método e de que, para obter resultados extraordinários, o indivíduo deve

passar por todas as ferramentas do CIS, não apenas tendo dedicação na execução dos

exercícios propostos, mas também frequentando os cursos, as palestras e as sessões de

coaching individuais. Para comprovar a eficácia do CIS, o coach relata uma história na qual

uma aluna do seminário do CIS recorreu a sua ajuda em prantos após uma relação

extraconjugal por parte do marido e dificuldades profissionais, questionando se o seu caso

possuía possibilidades resolutivas, havendo a seguinte resposta:


118

Felizmente com a ajuda do método CIS, e de sessões de coaching integral sistêmico

individuais comigo, ela conseguiu um patamar de resultados melhores do que os que

tinha antes do trauma. Ela melhorou não só em termos conjugais como também nos

relacionamentos de amizade. Hoje está casada, tem filhos e foi promovida. (Vieira,

2015, p. 223)

O método CIS, primordialmente apresentado no livro “O poder da ação”, consiste em

uma proposta metodológica, uma tecnologia (Vieira, 2017a, p. 28) criada por Paulo Vieira em

sua pesquisa de doutorado executada na Florida Christian University, “nela, o coaching

tradicional é expandido para trabalhar os lados racional e emocional do ser humano” (Vieira,

2017a, p. 12), voltado para a alta performance em termos de produtividade e abundância em

diversas áreas da vida, sendo estas “espiritual, parentes, conjugal, filhos, social, saúde, servir,

intelectual, financeiro, profissional e emocional” (Vieira, 2015, p. 111). Por meio da

desconstrução de crenças, o método CIS traz em seu bojo um conjunto conceitual de técnicas

e ferramentas, que visa reprogramar as crenças dos indivíduos a partir de parâmetros de

sucesso, a saber: acorde, aja, autorresponsabilize-se, foque, comunique-se, questione e creia.

Vieira (2015, 2017a) compreende que a sociedade se constitui por meio de indivíduos

de sucesso, como aqueles que possuem reconhecimento social (por exemplo, Nelson Mandela

e Luther King), e que todos os seres humanos são dotados de um poder inato e destinados a

uma vida plena e abundante. Nesta visão, é o esforço, as habilidades e a dedicação individuais

que colocam em prática o poder inato humano, assim, os indivíduos de sucesso tornam-se

figuras primordiais para o avanço social pois são possuidores de habilidades que articulam tal

poder inato, o qual habita o homem. Paulo Vieira, que está apenas cumprindo sua missão

predestinada ao impactar vidas e desfrutar de seus sucessos profissionais e pessoais (Vieira,

2017a), constrói uma narrativa individualizante, em que a autorresponsabilidade atua como


119

um dos veículos de poder para mudança em prol de um sujeito específico, o da produtividade,

que pouco se parece com as figuras públicas mencionadas.

Por meio de um discurso emocionante, emocionado, culpabilizador, polarizado entre o

bem e o mal, o certo e o errado, e vasto em recursos espetacularizados que buscam mobilizar

os afetos dos indivíduos, Paulo Vieira faz amplo uso dos ditos bordões pessoais, conceitos

científicos, metáforas, fábulas e analogias para mobilizar as emoções do leitor, ao mesmo

tempo em que apresenta seu método em “O poder da ação”, aplicando-o por meio de suas

narrativas nos livros, cursos e no website. É interessante ressaltar que seu objetivo de

modelagem de indivíduos e de uma proposta “certa” de vida é explícita, havendo apenas um

caminho para a vida “dar certo”, como é exposto:

[...] não importa a cultura ou a época, a mudança e o progresso humano possuem

apenas um caminho, um fluxo. Aqui vou descrever e explicar cada passo do progresso

universal para que você possa trilhar sua jornada pessoal de mudança, crescimento e

conquistas. (Vieira, 2017a, p. 54)

Não obstante, constrói uma verdade que se diz científica e que deseja que seja

concretizada e absorvida por seus leitores, sendo esta verdade constantemente contraposta a

problemáticas da vida cotidiana, para as quais são propostas soluções que se pautam, parte em

um efeito “mágico”, parte em um esforço, planejamento, dedicação e aplicação aos exercícios

do método CIS. O indivíduo, por sua vez, pagará o preço, investirá, para que “suas fichas

caiam”, e seu desenvolvimento seja alcançado “por meio de temas que combinam

competências emocionais e autorresponsabilidade, descortinar as fragilidades e ineficiências

do leitor e fazer com que ele assuma total responsabilidade pelos seus resultados, sejam eles

quais forem” (Vieira, 2017a, pp. 11-12).


120

Paulo Vieira apresenta sua proposta de desenvolvimento humano por meio do método

CIS, principalmente em “O poder da ação” (2015), mediante sete passos compostos por

crenças a serem reprogramadas em capítulos (acorde, aja, autorresponsabilize-se, foque,

comunique-se, questione e creia) que visam impactar afetivamente o leitor para que este

desenvolva uma vida abundante e produtiva. De acordo com Vieira (2017a), crenças são as

lentes pelas quais enxergamos a nós mesmos e ao mundo, reflexos de nossas vivências

familiares, éticas, morais e dos valores que nos são transmitidos desde os primeiros anos de

vida, capazes de serem alteradas, haja vista que “toda crença é autorrealizável, portanto,

determinam os seus resultados” (Vieira, 2017a, p. 24).

Vieira (2015) expõe que seu objetivo é “produzir estímulos emocionais e cognitivos

suficientes para haver novas sinapses neurais, uma nova e diferente maneira de conectar os

neurônios [...] e o melhor disso é que todas essas mudanças acontecem depressa, muito

depressa” (p. 220). O coach argumenta que, ao longo de todo o livro “O poder da ação”, seu

intuito é produzir mudanças na programação de crenças que os indivíduos constroem ao longo

da infância e da puberdade, que, a partir do CIS, devem ser alteradas para que haja uma vida

abundante. Neste sentido, se você “está acordado, responsabilizando-se, comunicando com

precisão, focado e se questionando, então já está com boa e grande parte de suas crenças

refeitas, pode levantar a cabeça e sonhar com o que há de melhor dentro e fora de você”

(Vieira, 2015, p. 229).

Partindo da premissa de que “para o cérebro humano, real = imaginado” (Vieira, 2015,

p. 226), argumenta-se que existem indivíduos pobres que melhoram sua qualidade de vida,

pois são capazes de pensar e agir como pessoas ricas, mudando sua condição de vida. Assim,

neste viés argumentativo, um modelo de exceção daquele que consegue ter mobilidade social

é generalizado. Vieira (2015) argumenta que um dos diferenciais do método CIS, que

permitiu ao seu criador tornar-se professor nos EUA, fora sua capacidade de colocar em
121

prática os conceitos da neurociência de rede, sinapse e plasticidade neural por meio do poder

da ação presente em suas técnicas, que promovem forte impacto emocional e repetições que

dão início a um processo de reprogramação de crenças disfuncionais.

No intuito de correlacionar o método CIS ao discurso da neurociência, Vieira (2015,

2017a) apresenta aproximações, como ao propor uma prática a partir de tal área de saber, e

também recorre a citações aparentemente diretas, não fazendo as referências ou articulações

necessárias ao campo científico. Tal observação é recorrente, como é melhor ilustrado ao não

referenciar uma explicitação de Elenice Ferrari em ambos os materiais, de modo idêntico

(Vieira, 2015, p. 219; Vieira, 2017a, p. 25), ainda que seja feita uma ampla citação direta.

Para além, apresenta dois pressupostos da reprogramação neurolinguística os quais são

aplicados a partir do CIS, sendo o primeiro “todos temos os recursos que necessitamos para

prosperar e ser felizes” (Vieira, 2017a, p. 132) e o segundo “se alguém pôde, você também

pode” (p. 132)

Vieira (2015) ainda considera que

nosso lado humano, as emoções, a sociabilidade, os comportamentos, a moral, a ética,

os valores, e tudo o mais que um indivíduo é e se torna capaz de fazer, vêm do

aprendizado de tudo que ele viu, ouviu e sentiu principalmente ao longo da infância

[...] fundamentalmente, pais emocionalmente hábeis em educar seus filhos formarão

filhos capazes e vencedores não importando o meio em que estes vivem. E se o pai

está ou vive em um ambiente caótico é porque suas crenças atraíram e produziram

esse ambiente de caos. (p. 236)

O coach ainda evoca o teste ACE (Adverse Childhood Experiences), desenvolvido nos

EUA por Nadine Burke, que identifica dez tipos de traumas na infância, como, por exemplo,

o abuso infantil, dependência química parental, negligência física e emocional. É válido


122

ressaltar que o teste não é propriamente desenvolvido, a ferramenta é apenas disponibilizada

ao leitor e são apontados dados quantitativos referentes à pesquisas que fizeram uso desta.

Vieira (2015) convida o leitor a fazer seu próprio teste ACE, que consiste em

responder com “sim” ou “não” dez questionamentos e, posteriormente, pontuá-los, não

havendo referências que explicitem se tais questionamentos foram desenvolvidos por Vieira

ou padronizados a partir de Burke. Ademais, a pontuação obtida pelo indivíduo é apresentada

em correlação gráfica ao tabagismo, depressão crônica, comportamentos sexuais de

adolescentes, desempenho no trabalho, suicídio e alcoolismo, ou seja, associa traumas infantis

a “problemas e doenças físicas, emocionais, sociais e de comportamento” (Vieira, 2015, p.

237).

Tais construções traumáticas infantis são, para Vieira (2015), definidoras da

autoestima, que “é o bem querer que uma pessoa tem por si mesma” (p. 229). Assim, utiliza

tal conceituação de base para dividir os indivíduos entre aqueles que possuem crenças de

identidade, de capacidade e de merecimento. Para o coach, a crença do “eu sou” (Vieira,

2015, p. 231) e do seu potencial de realização são determinantes e determinadas para crença

de merecimento, ou seja, influenciam-se mutuamente, logo, “quando possuímos crença de

capacidade, naturalmente passamos a construir a crença de merecimento” (p. 234), sendo

salutar reprogramar as três crenças para que sejam alteradas as crenças disfuncionais geradas

por traumas infantis.

Neste sentido, o primeiro passo para o desenvolvimento (reprogramação de crenças) é

“conhecer o próprio estado atual em cada área da vida [...] o início de toda jornada e de todas

as mudanças” (Vieira, 2017a, p. 31). Associado ao acordar, visa uma “autoanálise profunda,

uma vez que o processo de transformação exigirá firmeza de pensamentos e de objetivos”

(Vieira, 2015, p. 22). Em outras palavras, refere-se a uma tomada de consciência por parte do
123

leitor, que deve “cair as fichas” (Vieira, 2017a, p. 73) e que será adquirida por meio de

questionamentos propostos pelo autor no intuito de definir o que faz o indivíduo feliz e aquilo

que o “derruba em sua vida cotidiana” (Vieira, 2017a, p. 22).

Trazendo perguntas retóricas sobre o corpo, o trabalho e a vida relacional, Vieira

(2015), com o intuito de proporcionar que “as fichas caiam”, questiona o leitor: “você tem

sido referência na empresa em que trabalha, gerando grandes resultados, desempenho

tremendo e, dessa maneira, conduzindo sua carreira e seu sucesso profissional?” (Vieira,

2015, p. 23). Descrito como um momento de dor intensa (fichas caindo), os questionamentos

devem cooperar ainda para o processo educativo e empático do reconhecimento de suas ações

e os prejuízos que estas podem trazer para si e para os outros ao seu entorno, ou seja, devem

possibilitar o reconhecimento dos próprios erros e desejo de mudança (Vieira, 2017a).

A consciência é tida como a parte divina que habita o homem, que o permite se

conectar consigo, com o outro e com o mundo, veículo de compreensão para as causas, efeitos

e os porquês dos acontecimentos que perpassam uma vida (Vieira, 2017a). De acordo com a

“jornada do progresso humano” (Vieira, 2017a, p. 55) e para o desenvolvimento da

Inteligência Emocional, a tomada de consciência é o primeiro passo a ser realizado. Em

seguida, deve-se adquirir autorresponsabilidade, uma visão positiva de futuro e, como último

passo, se apropriar de ferramentas poderosas de progresso, as “ferramentas certas para

conduzi-lo até sua visão positiva de futuro” (Vieira, 2017a, p. 87). Aspecto relevante, posto

que Vieira (2017a) dedica cerca de um dia ao binômio consciência-ciência e cerca de 14h

“apenas para trazer consciência aos alunos” (p. 71).

Para Vieira (2017a) a consciência é dividida em três níveis: a plena, a relativa e a

disfuncional. De modo sucinto, ter uma consciência plena tange a uma compreensão adequada

e produtiva do mundo, característica de indivíduos de sucesso. A consciência relativa e


124

imperfeita “torna imprecisa a avaliação de nós mesmos e do mundo ao nosso redor, causando

prejuízo a alguém” (Vieira, 2017a, p. 64), sendo indicado o processo de coaching integral

sistêmico. Já a consciência disfuncional é tida enquanto uma noção irreal e debilitada de

mundo, associada a pessoas mentalmente enfermas e indivíduos que tenham passado por

intensa dor ou trauma, sendo que apenas estes últimos não são passíveis de serem resgatados

pelo método CIS, os outros dois tipos de consciência podem ser regatados, caso estejam

dispostos a se autorresponsabilizar (Vieira, 2017a).

A partir da perspectiva do CIS, Vieira (2017a) traz que, para ser feliz deve-se possuir

Inteligência Emocional, sendo imprescindível para o seu alcance haver autorresponsabilidade.

Assim, ser feliz é possuir as aptidões “emocionais necessárias à arte de se conectar consigo e

com os outros de maneira harmoniosa, construindo redes de relacionamento e trabalho,

confiança, realizações e talentos que, no conjunto, constituem a sabedoria humana” (Vieira,

2017a, p. 11).

Almejando sempre os melhores resultados, os mais produtivos, a maior felicidade no

percurso para atingi-los e argumentando que “cada um tem a vida que merece” (Vieira, 2015,

p. 24), Vieira (2015) propõe ao leitor que seja um sujeito autônomo e voltado para a ação, que

pague “o preço das mudanças [e] desperte o gigante adormecido que existe em você” (p. 24).

Um dos preços é responder as denominadas “Perguntas Poderosas de Sabedoria” (Vieira,

2015, p. 23), ferramenta aparentemente desenvolvida pelo autor e presente nos dois livros

analisados. As “Perguntas Poderosas de Sabedoria” (PPS’s) trazem questionamentos

direcionados para tomada de consciência por parte do indivíduo a despeito de possíveis

aspectos que tangenciam as áreas do método CIS, como família, trabalho, oportunidades e

dificuldades.

Vieira (2015) convida


125

você a acordar e assumir sua real identidade, e garanto que este livro vai lhe ajudar a

descobri-la. Entre nessa viagem para conseguir trazer à tona uma nova atitude

desvencilhada dos resultados que você obteve no passado, assim como da autoimagem

que o gerou. (Vieira, 2015, p. 24)

Como se observa, a mobilização dos afetos sobre o leitor se faz por meio de uma

comunicação simples, direta e que busca implicar o indivíduo a atual condição de vida que

possa se encontrar, convocando-o a acordar, a olhar e a agir, retirando-o de uma posição tida

como passiva para uma posição ativa perante sua vida (Vieira, 2015, 2017a). Vieira (2015)

pontua que a mídia tradicional é a culpada por um distanciamento dos indivíduos da vida

abundante e por estarem anestesiados perante sua própria vida.

Para o coach, as telenovelas, os telejornais, a maioria dos filmes e diálogos dos

indivíduos veiculam conteúdos de “morte, dor, medo, perda, traição, tristeza, mentira,

vingança, ódio, violência, cobiça, inveja, inversão de valores, e assim por diante” (Vieira,

2015, p. 29) e que a mídia possui uma

alta precisão cognitiva no que deseja comunicar, vem também abarrotada de forte e

impactante conteúdo emocional, que atinge profundamente o ser humano nos dois

hemisférios cerebrais, no esquerdo cognitivo e no direito emocional. Fazendo com que

pela repetição incessante nosso cérebro passe a acreditar que todo esse lixo de

informações compõe uma vida normal. (Vieira, 2015, p. 29)

Assim, ao alienar o indivíduo, que recebe tais materiais com cada vez menos crítica,

estes passam a ser percebidos como normais e impeditivos para a vida abundante, tendo se

tornado fatos comuns na vida cotidiana, mas que não devem ser normalizados (Vieira, 2015).

Tais normalizações vão de encontro a perspectiva de vida abundante, neste sentido, Vieira

(2015) defende que “QUALQUER COISA DIFERENTE DE ABUNDÂNCIA É


126

DISFUNÇÃO” (p. 25, grifos do autor). Para isto, aponta referências bíblicas sobre a

predestinação humana para a abundância, ressaltando a inerência de “revezes, quedas e

problemas ao longo de nossa vida, isso é algo que não escolhe classe social, raça ou gênero,

as dificuldades existem para todos os seres humanos” (Vieira, 2015, p. 25). Acrescenta ainda

que

eu acredito que a nossa essência foi criada por Deus e é imutável, até porque é

perfeita, porém a criação que tivemos, a educação que recebemos, os ambientes que

frequentamos e a quantidade e qualidade de amor que nos foi dada, tudo isso nos

tornou pessoas distantes dos nossos sonhos e potenciais [...] podemos ser mais

motivados, mais alegres, mais amorosos, mais competitivos, mais vitoriosos [...]

podemos ser quase tudo o que quisermos. Isso é ser humano, ou seja, exercer de

maneira digna o livre-arbítrio que Deus nos deu. (Vieira, 2017a, pp. 34-35)

Vieira (2015) expõe o método CIS como uma “base teórica, filosófica, ferramental e

prática [que] busca em seus processos produzir abundância em todas as áreas” (p. 25),

tratando as “disfunções que devem e merecem ser tratadas” (p. 25), ou seja, aquilo que não se

encontra no campo da felicidade e da produtividade. Expõe, por exemplo, que não ter dinheiro

e não ter um corpo saudável demonstram falta de abundância na vida e que aquele indivíduo

que não possui “faltas”, ou seja, que consegue pagar as contas do mês e fazer algum exercício,

é egoísta, pois limita suas ações ao atendimento de suas próprias necessidades, já que

abundante seria ajudar ao próximo (Vieira, 2015).

Assim, convida o leitor constantemente a uma vida de riquezas e abundância,

argumentando que este não deve ser medíocre, mas sim visar a constante superação de seus

limites, conquistas e dificuldades. Em resumo, coloca que o estilo de vida abundante é quando

o indivíduo:
127

acorda cedo, vai malhar, faz amor logo de manhã cedo com o homem ou mulher da

sua vida, brinca com seu filho, deixa ele no colégio. Vai trabalhar, ama o trabalho e

gosta do que faz. E por isso faz com prazer, faz bem-feito, é reconhecido, ganha

dinheiro mais do que apenas o suficiente para sua sobrevivência. Despede-se dos

colegas de trabalho já com saudade deles. Vai dar uma corrida, encontrar com a

família, e ainda encontra os amigos para jantar em um bom restaurante. Depois vai

para casa, ama seus filhos, é amado por seu marido ou por sua esposa, dorme gostoso

e acorda no dia seguinte e grita: yes! […] um estilo de vida no qual tudo é abundante:

o dinheiro, o amor, a felicidade, a paz. (Vieira, 2015, p. 29)

Na mesma esteira de convidar o leitor a acordar, em “O poder da

autorresponsabilidade”, Vieira (2017a) relata uma vivência pessoal de repetidos fracassos e

um fatídico acidente automobilístico os quais possibilitaram ao autor se perceber, como

coloca “me percebi” (p. 20), ou seja, em seus termos, acordou. Tal acordar vem a partir do

encontro com um trecho do mito de Sísifo, presente em um livro de autoajuda o qual não

menciona o título, apenas seu autor, Roberto Shinyashiki. Acrescenta ainda que ao longo da

“busca por ferramentas, caminhos e métodos para mudar a minha vida, descobri o Coaching

[...] a partir das minhas mudanças, percebi que poderia contribuir com a vida de outras

pessoas” (Vieira, 2017a, p. 88)

Vieira (2017a) descreve como o mito de Sísifo possibilitou a percepção de que “tudo

aquilo que estava vivendo nos últimos treze anos não eram fracassos, mas, sim, os resultados

das minhas ações e atitudes. Cada resultado negativo era um alerta de Deus” (p. 22),

associando diretamente sua responsabilidade perante todos os acontecimentos de sua vida e

sua condição de fracasso, descrição que posteriormente desenvolverá no conceito de

autorresponsabilidade, e a necessidade de uma tomada de consciência por parte do indivíduo,


128

posto que, a partir da perspectiva individualista de autorresponsabilidade, o indivíduo é o

único que precisa mudar (Vieira, 2017a). Assim,

depois de ter consciência de que eu era o meu sabotador, as coisas foram acontecendo

como que por magia. As pessoas que conheci, os livros que li, os filmes a que assisti e,

até mesmo, esse acidente de carro me conduziram a um processo profundo de

transformação. (Vieira, 2017a, p. 24)

É interessante ressaltar que Roberto Shinyashiki é referenciado em ambos os livros da

presente análise, descrito enquanto fonte de inspiração para Paulo Vieira (Vieira, 2017a),

sendo autor do prefácio do “O poder da ação”, escritor de livros de autoajuda e proprietário da

editora Gente, responsável pela publicação de todos os livros de Vieira, ainda que este afirme

que não produz conteúdos de autoajuda, mas sim científicos, se autointitulando um cientista.

A partir da proposta de uma vida abundante, a qual não se limita a alegria passageira,

Vieira (2015) expõe a necessidade de se buscar potencializar todas as áreas da vida e afirma

que “sua vida não é o que você diz que ela é, e sim o que é percebido, visto e presenciado na

prática” (p. 37). Assim, coloca em cheque o saber que os sujeitos possam ter sobre si, a sua

visão de si mesmos e do mundo para convocá-los a desejar as mudanças propostas pelo CIS,

posto que “o que importa são nossos comportamentos e, em especial, os resultados gerados e

percebidos por todos” (p. 37). Para isto, o indivíduo deve agir, temática que explora enquanto

parte das crenças a serem reprogramadas.

A segunda crença abordada por Vieira (2015) são as que se referem a ação e o que

possivelmente pode impedi-la. Inicia seus argumentos com um provérbio bíblico no qual

explicita que aquele que dorme (que não age) é preguiçoso, para em seguida fornecer a

metáfora do tonel, no intuito de que o leitor desenvolva o que ele denomina como

“Representação Metafórica Interna” (p. 41), sem fazer referências de onde o conceito advém.
129

É relevante ressaltar que para Vieira (2015, 2017a) as metáforas são representações internas

que o indivíduo constrói de si e que podem ser alteradas a partir da introdução de outras

metáforas.

A metáfora consiste no leitor imaginar que uma pessoa querida se encontra em cima

de um tonel com uma substância fétida, associada a situações ou objetos que fazem mal ao

ente querido, como a falta de coragem, o álcool, as dores que tais ações podem gerar em entes

familiares e a perda da admiração e amor. Textualmente reproduz enunciados em primeira

pessoa, ou seja, como se estivessem sendo pronunciados pelo leitor, para posteriormente

propor um exercício de PPS’s em que o convoca a identificar o que Vieira (2015) denominou

como zona de conforto, sendo esta “o lugar que encontramos desculpas para não fazer o que

sabemos que devemos fazer” (p. 43) e que paralisam o indivíduo.

Deste modo, Vieira (2015) constrói uma perspectiva em que o leitor é posto em jogo

como o sujeito da metáfora, aquele que poderá agir em prol do outro, uma vez que souber,

mediante as PPS’s, de que modo é possível ajudar. Vieira (2015) expõe que, caso o indivíduo

não aja e saia de sua zona de conforto, seu destino se encontra fadado:

Afinal, não precisamos ser paranormais nem videntes para imaginar qual será o

destino daquela pessoa que nunca encarou a vida profissional. Não precisamos ser

muito inteligentes para acertar como será o futuro do alcoólatra ou como será a família

do adúltero. Ou como será a saúde do glutão sedentário ou a vida daquela mulher que

trocou os filhos pelos colegas de balada e seu futuro financeiro por bolsas e sapatos.

Certamente é bem mais fácil e cômodo dizer como será a vida das pessoas presas na

zona de conforto. (Vieira, 2015, p. 43)

Entendendo a vida enquanto uma jornada predestinada em que a natureza humana é a

abundância e, a partir do que Vieira (2015) qualificou como um de seus bordões e se


130

autocitando, traz que “tem poder quem age, e mais poder ainda quem age certo” (p. 44), o

coach afirma que

não é correto dizer que uma pessoa passou o dia em casa na frente da televisão,

deitada no sofá, tomando cerveja, sem fazer nada. A verdade é que ela fez algo;

porém, o que foi desnecessário e improdutivo [...] faça o que é bom, produtivo e

benéfico. (Vieira, 2017a, pp. 82-83)

Continua ao trazer que, caso o indivíduo não possua abundância, é porque este se

conta historinhas utilizadas para explicar seu fracasso e tolher sua autonomia (zona de

conforto), carecendo de autorresponsabilidade e tendo como consequência “o fato de essa

historinha ser interpretada como verdade pelo cérebro” (Vieira, 2017a, p. 45). Define por

historinhas

estruturas linguísticas, verbais e mentais que validam, explicam e justificam nossos

fracassos, nossas falhas e nossos insucessos. Uma maneira às vezes sutil e outras vezes

explícita de não nos responsabilizarmos por resultados, ações e comportamentos que

não deram certo em nossa vida. (Vieira, 2015, p. 45)

Em seguida, Vieira (2015) traz três casos de historinhas de mentiras, exageros e

verdades sobre indivíduos hipotéticos, que, ao final de cada uma, são categorizadas a partir do

comportamento que expuseram, dos resultados (primários e secundários) e do tipo de

historinha. A título de exemplo, tem-se o Caso 2 (p. 47), no qual descreve um empresário que

passa por dificuldades financeiras e utiliza como justificativa a instabilidade governamental

do país. Ainda que concorde com tal instabilidade, Vieira (2015) pontua que

entretanto, se o problema da empresa dele era apenas esse, então por que seu

concorrente, que na verdade começou bem depois dele e sem capital, está indo tão
131

bem e crescendo tremendamente apesar do governo e de todo o chamado Custo

Brasil? (p. 47)

Assim, o autor faz uso do argumento de concorrência mercadológica para contra

argumentar o indivíduo, culpabilizando-o e, na definição de Vieira (2015),

autorresponsabilizando-o. Os outros casos expostos redundam na mesma estrutura discursiva

do exemplo acima citado, permeando temáticas como o abuso do álcool e a obesidade.

Vieira (2015) afirma que “após 15 anos fazendo coaching […] percebi de forma

empírica, porém com muita consistência, que mesmo as mais simples mudanças

comportamentais eram impedidas pela contação de historinhas” (p. 49). Ainda que coloque

suas supostas averiguações empíricas em oposição a consistência, propõe que por meio do

método CIS é possível abandonar tais historinhas, trocando-as por histórias, tidas enquanto

“narrativas verdadeiras” (Vieira, 2015, p. 49) que colocam o indivíduo como dono de sua

trajetória, capitão de próprio barco, timoneiro de seu leme.

Após tal extensa exposição e desenvolvimento de exemplos que ilustram para o leitor

aspectos da vida cotidiana, associados ao fracasso e de modo demeritório, Vieira (2015)

discorre sobre a categorização feita ao fim de cada caso e solicita dedicação ao leitor para o

preenchimento do exercício posterior, em que as historinhas individuais devem ser

identificadas (PPS’s), categorizadas e depois alteradas, reescritas, de acordo com exemplos de

como, retomando o caso do empresário, deveriam ser pensadas e escritas:

Independentemente do governo, minha empresa é próspera, lucrativa e crescente.

Tenho a melhor equipe e minha liderança é supereficaz. Nos planejamos e executamos

com primazia. Minha empresa é a número 1 no seu segmento e eu sou reconhecido

pela gestão empresarial que aplico. (Vieira, 2015, p. 51)


132

Vieira (2015) pontua ainda que as PPS’s anteriores devem estar à mão e serem

repetidas com ênfase, “essa nova e profética história deve ser repetida cinco vezes por dia em

voz alta, até que, por repetição, ela seja uma verdade em seus comportamentos e resultados”

(p. 51). As PPS’s permeiam desejos futuros do leitor em torno de temáticas como sucesso,

relações familiares, corpo, profissão, vícios e a regulação de prazeres e obrigações. Vieira

(2015) aponta a importância do sonhar, ressaltando a necessidade da construção de metas e

complementando seu bordão ao pontuar que “o que importa é se você está indo na direção

certa, com os comportamentos certos e se vai na melhor velocidade possível” (p. 58), afinal,

“o fato é que qualquer um pode” (p. 59) e atingir objetivos depende apenas de ações massivas

e consistentes.

Vieira (2015) aborda ainda o fator sorte, descaracterizando sua relevância em

detrimento das habilidades e do esforço. Para isto, relata uma história pessoal em que se

encontrava com dificuldades de atingir suas metas financeiras anuais. Textualmente traz

pensamentos mais positivos e enfáticos do que sua esposa, dando a entender que há sorte,

como ao correlacionar o ganho posterior de um carro no valor de 120 mil reais e crescimentos

empresariais inesperados em um curto espaço de tempo (4 meses) a algo inesperado em

dimensão, ainda que compreensível quando se considera o esforço dedicado. Com isso,

ressalta que o crescimento da FEBRACIS não se deu por sorte, mas sim devido ao

aproveitamento e dedicação que soube dar aos seus talentos e dedicação ao trabalho. Assim,

apresenta sua sorte como uma naturalidade advinda do esforço e das habilidades. Ou, como

expõe:

Veja bem, que não nos tornamos a maior instituição de coaching da América Latina

por sorte. A verdade é que agimos com precisão, eficácia e diligência. Atribuir à sorte

o crescimento do CIS seria como negar que em 2008 eu já tinha mais de cinco mil

horas de sessões de coaching. Seria negar que a cada ano a FEBRACIS faz uma
133

revolução no contexto de inovações e gestão. Acredito que quanto mais trabalho com

dedicação, quanto mais aprendo e mais inovo, mais sorte eu tenho. (Vieira, 2015, p.

60)

Ao que parece, o espaço fornecido à sorte dentro do desenvolvimento de si é derivado

do esforço e das habilidades, como um prêmio, retomando o exemplo do carro. Para que as

ações dos indivíduos sejam direcionadas e acertadas, Vieira (2015) solicita ao leitor escrever

novamente (como no exercício supramencionado) quais ações serão mudadas e fornece uma

ferramenta denominada plano de ação convencional ou plano de ação modelo 5W 2H,

ferramenta que não fornece maiores explicações, apenas relata que esta se encontra no

website.

Ao consultar o referido material na plataforma online, tem-se que se trata de uma

ferramenta para planejamento e organização de metas pautadas nas questões: O que? (qual

ação), Quando?, Por que?, Onde?, Quem?, Como?, e Quanto?. É fornecido um modelo de

tabela em branco a ser preenchido pelo leitor, não sendo aprofundados quaisquer detalhes,

referências ou mesmo uma contextualização da ferramenta em questão.

Dando prosseguimento ao desenvolvimento de crenças que necessitam ser

reprogramadas, Vieira (2015) apresenta seu conceito de autorresponsabilidade, basilar para a

proposta do método CIS e que fornece maior enfoque a meritocracia. O livro “O poder da

autorresponsabilidade” expõe como objetivo a propagação de um conceito sobre excelência e

transformação humana (de tudo o que precisa ser mudado em sua vida), uma ferramenta a

qual potencializa resultados (Vieira, 2017a). Para explicitar o conceito, recorre a uma

autocitação:

Você é o único responsável pela vida que tem levado. Você está onde se colocou. A

vida que você tem levado é absolutamente mérito seu, seja pelas suas ações
134

conscientes ou inconscientes, pela qualidade de seus pensamentos, seus

comportamentos e suas palavras. Por mais doloroso que seja, foi você que levou a sua

vida ao ponto em que está hoje. Sendo assim, só você poderá mudar essa

circunstância. (Vieira, 2015, p. 64)

Vieira (2017a) afirma ainda que após 10.800 horas de sessões de coaching individual,

pôde “comprovar essa receita infalível: o ato de se responsabilizar por tudo o que acontece em

sua vida traz a certeza de realização e plenitude” (p. 12). O argumento religioso, de que “de

Deus não se zomba. O que você plantou isso sim é o que você vai colher” (Vieira, 2017a, p.

83), é aliado a argumentos científicos para construção de um perfil de pessoas de sucesso,

como o fez ao se apropriar de falas e histórias de figuras públicas como Nelson Mandela e

Gandhi (Vieira, 2015, 2017a). Neste intuito, faz referência, por exemplo a pesquisa de Amy

Cuddy e, sem discorrer sobre a pesquisa, mas citando Harvard como a instituição de onde está

provém, argumenta que Cuddy, psicóloga e pesquisadora, afirma que pessoas de sucesso

sabem utilizar sua estrutura mental e linguagem corporal de modo mais eficiente.

Vieira (2015) constrói uma perspectiva em que, para se ter sucesso, o indivíduo deve

comportar-se como autor de sua própria história, timoneiro de seu barco, acreditando que,

desta forma, poderá “se colocar em qualquer outro lugar, poderá escrever e reescrever seus

caminhos e suas escolhas” (p. 66), já que “você tem se colocado onde quer que esteja, de

forma consciente ou inconsciente” (p. 66), fazendo uma referência descontextualizada a

conceitos primordiais da Psicanálise.

Descreve repetidamente o perfil da pessoa de sucesso, necessariamente

autorresponsável por seus resultados, que são aqueles “sabem utilizar sua estrutura mental

para colher resultados e, quando os resultados são ruins, aprendem com eles, com
135

responsabilidade, optando por uma estrutura mental correta - passam a falar, pensar e se

comportar de modo diferente” (Vieira, 2017a, p. 101)

Ainda que diga que não possua a intenção de parecer culpabilizar o indivíduo (Vieira,

2017a), o coach guia o leitor a reformular seus comportamentos, pensamentos e ações de

modo a se debruçar sobre seus erros como fatores nocivos e ruins para sua vida, impeditivos

para tornar-se uma pessoa de sucesso. Em contrapartida, o indivíduo deve perceber os

acontecimentos de sua vida com autorresponsabilidade, como apresenta ao exemplificar de

que modo o este deve pensar e complementar: “não trabalhei bem, não dei o meu melhor e fui

demitido. Contudo, hoje, reconheço onde errei, afirmo que não vou mais cometer essa falha, e

por isso quero muito essa oportunidade para…” (Vieira, 2015, p. 67). O erro é tido enquanto

algo do indivíduo exclusivamente e desqualificador de suas ações.

Para Vieira (2017a) “as pessoas que não possuem a crença da autorresponsabilidade,

optam por criticar, reclamar e se esconder atrás dos outros, elas estão à margem da própria

vida” (p. 160). O discurso aponta para uma perspectiva de submissão do trabalhador perante a

empresa, já que o indivíduo autorresponsável assume a posição socioeconômica em que se

encontra, mesmo que a empresa não reconheça o valor que acredite possuir, como coloca

os autorresponsáveis são otimistas e motivados, independentemente das

circunstâncias. Mesmo que não estejam sendo remunerados a contento, eles dão seu

melhor; mesmo que não sejam tão valorizados, continuam sendo produtivos e alegres

[…] optam por não reclamar, não criticar, muito menos culpar a empresa ou os

dirigentes por se sentirem como se sentem. Eles buscam em si a solução e, se não a

encontram, eles simplesmente vão em busca de seus objetivos e de maneira ética

pedem licença para fazer seu caminho e criar responsavelmente sua história – e, com

certeza, uma história de sucesso. (Vieira, 2015, p. 75)


136

Acrescenta-se ainda que o indivíduo “autorresponsável não julga o outro, mas sim a

atitude dele” (Vieira, 2017a, p. 154), proliferando a visão de que há um olhar externo julgador

sobre as ações individuais. Vieira (2015) pontua que para ser um indivíduo autorresponsável

deve-se avaliar e desenvolver seu nível de maturidade emocional e, ao fazer isto, o indivíduo

aumentará sua capacidade de realização, garantindo “a certeza de possuir uma crença que

valida todas as outras crenças fortalecedoras que você possui” (p. 69).

Em seguida, Vieira (2015, 2017a) faz referência a uma pesquisa que aborda a

mudança, feita pelo psicólogo e professor Daniel Goleman, trazendo apenas dados

conclusivos para argumentar que existem indivíduos os quais são líderes e guiam a

humanidade (os que produzem mudança), enquanto há outros que são guiados, não sendo

possível discernir se tais argumentos provêm da pesquisa de Goleman ou de sua percepção,

dada a falta de aprofundamento sobre os dados apresentados. Vieira (2015) frisa ainda que a

capacidade de obter mudanças não se refere a classe social, cultural ou econômica,

considerando que os indivíduos que detém a capacidade de mudar se encontram em todas as

classes, assim como os incapazes.

Caso, a partir de sua proposta de modelagem por meio do CIS, mudanças não venham

a ocorrer, Vieira (2015) fornece duas possíveis soluções: pode-se fazer uso da

autorresponsabilidade ou culpar os outros por suas falhas, polarizando a possibilidade de

escolha entre ser autorresponsável ou vitimar-se. Na esteira da mudança, retoma seu jargão

sobre a necessidade de ação, de o indivíduo não se limitar ao campo das ideias, posto que as

pessoas de sucesso geram boas ideias, “talvez não sejam as melhores ideias, talvez nem sejam

suas -, porém são capazes de colocá-las em prática, de fazê-las acontecer” (Vieira, 2017a, p.

109). Recorre aos conceitos de QI (quociente intelectual) e QE (quociente emocional),

supostamente utilizados por Goleman e Jill Bolte Taylor, para argumentar que o indivíduo
137

próspero e vitorioso faz uso de ambos os hemisférios cerebrais, ainda que considere não ser

possível fazer um uso pleno e igualitário de ambos os hemisférios, como segue:

o hemisfério esquerdo é o lado do cérebro responsável pela lógica, pela memória, pela

sistematização e reflexão. É aí que reside toda a nossa capacidade de elaborar ideias, e

também é aí que residem nossas habilidades de planejar, criar e compreender. É onde

está o tão falado Quociente de Inteligência (QI). O hemisfério esquerdo é o lado

matemático, classificador, exato, linear, analítico, estrategista, prático e realista, além

de ser o responsável pela linguagem. Já o lado direito do cérebro é o responsável pelas

emoções, pelos sentimentos, pelos pensamentos involuntários, pela inconsciência, pela

intuição e pelas crenças. É o lado responsável pela nossa capacidade de realização. É

onde reside o atualmente famoso Quociente Emocional ou Inteligência Emocional

(QE). (Vieira, 2015, p. 73)

Em contrapartida, ainda que se aproprie de argumentos da neuropsicologia, Vieira

(2015) descaracteriza argumentos de Marx, Newton, Einstein e Rousseau, qualificando-os

enquanto teorias intelectuais que “reforçam que somos meros espectadores e que não

podemos mudar ou reescrever nossa história” (p. 74). O autor traz tal fala ilustrando um caso

verídico de uma professora universitária que discorda do conceito de autorresponsabilidade. A

descreve enquanto uma pessoa aparentemente capacitada que cita tais autores e é refutada por

Vieira a partir de uma suposta citação de Einstein em que há a crítica da exaltação do

conhecimento intelectual. Posteriormente “ela me confidenciou: ‘Talvez a solução dos meus

problemas existenciais esteja por aí…’” (Vieira, 2015, p. 74).

A mesma história, citações e argumentos repetem-se em “O Poder da

Autorresponsabilidade” (Vieira, 2017a, p. 113-114), entretanto, acrescenta que a palestra

ocorreu em uma instituição de ensino e,


138

quando essa professora tinha discordado, uma outra tentou puxar aplausos junto aos

outros participantes [...] chegou com uma postura totalmente reativa, não participou de

nenhuma dinâmica e manteve sua postura e fisiologia corporal em sinal de rejeição à

instituição e ao momento. É certo que, para aquelas duas professoras, suas vidas não

estavam sob seus controles e as coisas não estavam como desejavam. Talvez elas

continuem assim, até que se tornem capazes de se responsabilizar por seus destinos -

até que parem de achar culpados para seus insucessos e frustrações [...] eliminando a

atitude de autocomiseração (Vieira, 2017a, p. 115)

Dando continuidade a um discurso que visa não apenas a apresentação conceitual, mas

também o convencimento do leitor no que tange a autorresponsabilidade e a eficácia do

método CIS, Vieira (2015) traz outro caso da vida real para exemplificar o conceito e fornece

seis leis (práticas linguisticas e comportamentais) necessárias à obtenção da

autorresponsabilidade. As leis repetem-se em ambos os livros analisados e são amplamente

descritas, mas passíveis de compreensão a partir da seguinte exposição, sendo estas:

As seis leis para a conquista da autorresponsabilidade:

1) Se for criticar as pessoas… cale-se.

2) Se for reclamar das circunstâncias… dê sugestão.

3) Se for buscar culpados… busque a solução.

4) Se for se fazer de vítima… faça-se de vencedor.

5) Se for justificar seus erros… aprenda com eles.

6) Se for julgar alguém… julgue a atitude dessa pessoa. (Vieira, 2015, p. 80)

Vieira (2015) pontua que ao seguir tais leis haverá uma mudança dos hábitos diários e

o surgimento de uma nova pessoa, oportunidades e possibilidades. Os indivíduos “perceberão


139

que coisas muito boas estão acontecendo sem explicações […] perceberá que a mágica da

autorresponsabilidade chegou” (Vieira, 2015, p. 81). Cada seção descritiva sobre as leis

mantém a mesma linha argumentativa, ao descrever suas percepções pessoais sobre

comportamentos e pensamentos de pessoas de sucesso e aqueles que acarretarão o fracasso,

associando-os a argumentos bíblicos, conceitos científicos, seus jargões pessoais e a

construção de um caminho (por meio do CIS) para que seja possível atingir a verdade de uma

vida plena.

Em seguida, Vieira (2015, 2017a) pontua que o leitor deve imprimir as leis e deixá-las

em lugares de fácil acesso e rotineiramente frequentados para que haja uma manutenção

constante da atenção sobre as mesmas, afinal, “com um pouco de esforço racional e

disciplina, você pode começar a mudar tais hábitos, mas, para isso, aconselho que imprima as

seis leis em papel e cole nos lugares que você mais frequenta” (Vieira, 2017a, p. 158). Para

além, convida o leitor a disseminar tais leis, exemplificando como foram executadas em uma

empresa (Vieira, 2015, 2017a).

É interessante ressaltar que a seção sobre autorresponsabilidade em “O poder da ação”

e ao longo do livro “O poder da autorresponsabilidade” ocorrem menos exercícios e PPS’s,

dando enfoque ao desenvolvimento de ideias do autor. Ainda assim, Vieira (2015) solicita, ao

final do capítulo, que o leitor assine um termo de compromisso, onde declara que seu sucesso

e felicidade estão diretamente conectados a autorresponsabilidade, a cópia de suas leis e a

imaginação de resultados que serão colhidos, acrescentando que “depois de escrever você

deve decorar sua declaração e verbalizá-la em voz alta por trinta dias seguidos ao acordar”

(Vieira, 2015, p. 98) e, assim, haverá a transformação de crenças. O mesmo termo e

exercícios se repetem ao final do livro “O Poder da Autorresponsabilidade” (Vieira, 2017a, p.

184)
140

Vieira (2015) aborda ainda o fator oportunidade, considerando-o como algo que é

construído individualmente. Com isso, “gerenciando todos os seus comportamentos,

pensamentos, sentimentos e as suas atitudes, os resultados positivos simplesmente

acontecerão, e as oportunidades aparecerão […] isso é poder pessoal ao seu alcance” (p. 93),

neste sentido, oportunidades não ocorrem ao acaso, não são fatores externos e distribuídos na

e pela humanidade, pois

pessoas de sucesso não esperam as oportunidades aparecerem, muito menos reclamam

quando não aparecem, pois sabem que estão no comando do barco de suas vidas,

sabem que as coisas não acontecem simplesmente mas são criadas consciente ou

inconscientemente. Sabem que nada acontece por acaso, que a nossa atitude diante da

vida trará resultados, e que tudo, absolutamente tudo, é resultado dos nossos

pensamentos, sentimentos e comportamentos (Vieira, 2017a, p. 165).

Após isto, acrescenta um relato pessoal no qual se depara com um conhecido, que

passava por dificuldades familiares e financeiras, e oferta gratuitamente seu curso do método

CIS. Relata que o conhecido não aproveitou a oportunidade oferecida pelo destino e, ao

encontrá-lo anos depois, o mesmo se mantinha com as mesmas questões. Logo, “pessoas sem

autorresponsabilidade culpam a falta de oportunidade como fator imobilizante e responsável

pela mediocridade de suas vidas e dizem: “se eu tivesse dinheiro...”” (Vieira, 2017a, p. 122).

Entende-se que o indivíduo sem autorresponsabilidade não será capaz de se apropriar, ou

mesmo enxergar, as oportunidades que constrói.

Na seção sobre foco, tal a capacidade é posta como essencial para o alcance dos

objetivos e metas, logo, para o desenvolvimento a partir do CIS. Foco é definido como “a

capacidade de aproveitar as condições naturais disponíveis a qualquer um e produzir poder ao

concentrar atenção em um único ponto […] com força suficiente para produzir mudanças e
141

realizações rápidas” (Vieira, 2015, p. 102), definição que é textualmente reproduzida duas

vezes seguidas.

Compreende-se que as condições naturais disponíveis são as habilidades e

oportunidades dos indivíduos, que devem ser alteradas, melhor enfocadas, a partir do

direcionamento de energia em um único ponto. A partir da proposta holística do CIS, Vieira

(2015) compreende que o foco deve ser múltiplo para que haja o desenvolvimento equilibrado

em todas as áreas da vida. No intuito de que isto ocorra, deve-se identificar primeiro os

problemas e as limitações existentes. Já a atenção à potencialização se dá com o movimento

de instigar o leitor a expor aquilo que deseja conquistar.

Para subsidiar sua afirmação de que pessoas de sucesso não se distraem como os

outros indivíduos, Vieira (2015) recorre a Goleman, afirmando que a capacidade de focar está

diretamente associada a maturidade emocional, equivalente ao QE. No intuito de que o leitor

identifique suas distrações, Vieira (2015) fornece uma tabela com fatores “de distração mais

comum relatados por nossos alunos no método CIS” (p. 106), os quais devem ser avaliados de

0 à 10. A título de exemplo, são listados fatores como telejornais, bebida, jogos de azar,

Facebook, maconha, relacionamentos amorosos improdutivos, hobbies e vitimização. Tais

comportamentos são descritos enquanto problemáticos, sendo “responsáveis por destruição de

relacionamentos, carreiras profissionais estagnadas, dependência financeira, contas atrasadas,

filhos órfãos de pais vivos, empresas quebradas, acidentes e muitos outros danos” (pp. 106-

107).

Mais explorado em “O poder da autorresponsabilidade”, o conceito de Inteligência

Emocional (IE) de Goleman, é utilizado por Vieira (2017a) em um exercício que faz uso de

duas subcategorizações da IE, as competências sociais e pessoais, as quais, aparentemente,

foram pesquisadas por Goleman, mas coube a Vieira transformá-las em exercícios. Em tal
142

exercício é dada uma nota pela qual o indivíduo avalia suas capacidades produtivas, por

exemplo, deve avaliar sua capacidade de superação de desempenho antes e depois de ler o

livro e elencar seus prejuízos anteriores à mudança.

Ao explicitar o que considera ser nocivo para a capacidade de foco, logo, para o

sucesso individual, Vieira (2015) fornece uma nova tabela ilustrativa para que o leitor

exercite-se, elencando, primeiramente, o que é relevante para si em cada área explorada pelo

método CIS. Em segundo, a distração associada a esta e a ação para eliminar a distração,

seguindo sempre o modelo de fornecer exemplos e respostas adequadas para as problemáticas

que o próprio autor coloca.

Para que haja uma rotina focada, ou seja, com excelência produtiva, é fornecida outra

ferramenta do CIS, a Agenda da Vida Extraordinária, a qual consiste em uma agenda semanal,

não de tarefas, “e sim um estilo de vida abundante […] é como um mapa que conduzirá a

resultados realmente extraordinários em muito pouco tempo” (Vieira, 2015, p. 109), que

inclui o ócio criativo aos finais de semana. Um modelo desta ferramenta se encontra

disponível no website e são feitos questionamentos intimidadores ao leitor para que faça uso

da ferramenta, como segue:

E você, como está a sua rotina de vida? Onde você tem conseguido colocar seu foco e

sua atenção? Você vem tendo uma vida extraordinária e realmente feliz, ou você vive

tentando compensar sua vida limitada com alegrias passageiras em festas badaladas?

Que tal você montar a sua Agenda da Vida Extraordinária agora? Que tal você acordar

para a vida, agir e agir certo, focando o que de fato é bom, proveitoso e valoroso para

você e para os seus? No endereço www.febracis.com.br/opoderdaacao, você pode

fazer o download de todas as ferramentas contidas neste livro. Então, vamos lá e


143

monte agora sua Agenda da Vida Extraordinária e produza a melhor de todas as

rotinas: a sua rotina de excelência. (Vieira, 2015, p. 114)

Para além, não basta ao leitor utilizar ambas as ferramentas supracitadas, este deve

desenvolver a capacidade de foco múltiplo criado por Vieira, a qual consiste em ter três tipos

de foco: visionário, comportamental e consistente. Para provar a efetividade de sua técnica,

Vieira (2015) apresenta um “estudo de caso” de um “cliente de coaching que em oito meses

saiu de um salário/pró-labore de 15 mil reais para 180 mil reais por mês” (p. 119). Neste

exemplo, o indivíduo que profissionalmente se encontrava em uma condição subalterna,

empreende, tornando-se proprietário de sua própria empresa.

Tal trajetória teve início a partir da identificação das metas (curto, médio e longo

prazo), os objetivos de cada meta e a definição de prazos para atingi-las (foco visionário). O

foco comportamental consistiu na produção de energia necessária “para mudar sua

mentalidade e suas crenças internas, como também ele moveu quanticamente o mundo ao seu

redor, criando uma gama de acontecimentos não planejados, porém benéficos, que

culminaram com a realização de suas metas” (Vieira, 2015, p. 121).

O foco comportamental consiste em falar, escrever e agir em direção às metas, assim

como fazer ensaios mentais fortes e constantes sobre estas, englobando na rotina materiais

diversos que cooperem para sua efetivação. A partir do exemplo, descrito enquanto um estudo

de caso, ao incorporar diversos materiais, o indivíduo em questão “ao entrar no carro, ele

ouvia todos os meus [de Vieira] CDs de sucesso financeiro, vendas, negociação e

reprogramação mental” (Vieira, 2015, p. 122). O foco consistente refere-se a manutenção

contínua dos outros dois até que os objetivos sejam realizados, sem haver um prazo

determinado.
144

Para Vieira (2015), caso as metas não aconteçam, provavelmente deve ter ocorrido

uma falha no processo de imersão ou os indivíduos “não aprenderam nada com a experiência”

(p. 123), sendo, do modo que é exposto, um sintoma individual. Neste sentido, aponta a

influência da inteligência foco-temporal, perspectiva a qual possibilita entender

com toda a clareza o sucesso de pessoas que vieram de baixo e o fracasso das pessoas

que vieram de cima e tinham aparentemente tudo. Como também entendemos a

depressão de pessoas que vivem em um contexto superpositivo e entendemos a

felicidade e a plenitude de pessoas que vivem cercadas de graves problemas e aflições.

(Vieira, 2015, p. 125)

Assim, a partir do foco-temporal, o passado é descrito como constituidor das

memórias boas e más, o presente como momento efêmero que comporta a ação e o futuro

enquanto “uma sequência de cenas criadas nos nossos circuitos neurais do que queremos que

aconteça ou do que não queremos que aconteça” (Vieira, 2015, p. 126). Tal visão de um

futuro possui “enormes poderes sobre o indivíduo e o mundo real que o cerca […] é a base da

consciência humana. É a nossa porção divina, é o que chamamos de fé” (Vieira, 2015, p.

126), sendo que o autor afirma que tais perspectivas advém da física quântica.

Quanto a inteligência foco-temporal, Vieira (2015) afirma que “existem três tipos de

pessoas: as depressivas, as ansiosas e as bem-sucedidas” (p. 127). Resumidamente, “a pessoa

depressiva vive do passado e tende a se cercar de negatividade” (Vieira, 2015, p. 127). Nesta

perspectiva, é o indivíduo que produz energia física e psíquica de desesperança e mantém-se

estagnado no passado, obtendo apenas os resultados de suas próprias ações.

Neste momento, aborda um questionamento trazido por um conhecido sobre como

manejar o sofrimento ocasionado pela violência e desigualdade social, Vieira (2015) responde

com uma metáfora reflexiva que exprime a ideia de que se deve fazer o que está ao alcance
145

individual, não desistindo de suas metas, não duvidando dos objetivos, mantendo o foco nos

aspectos positivos, nas vitórias. Já os indivíduos ansiosos possuem também um foco em um

passado ruim e dedicam-se em demasia ao futuro, desperdiçando sua energia produtiva e

produzindo insegurança.

Em contrapartida, o modelo ideal de sucesso, formulado a partir da entrevista de mais

de mil pessoas e construído para ser reproduzido como padrão de sucesso, propõe que haja

pouca dedicação ao passado, assim, as memórias ruins devem ser utilizadas para gerar

mudanças positivas, e a maior parte da energia psíquica e física deve ser dedica a ação

produtiva, enquanto que ao futuro cabe criar imagens do extraordinário (Vieira, 2015).

Vieira (2015) afirma ao leitor que, a partir do que expôs sobre foco-temporal, “muitas

fichas caíram e você está entendendo o porquê de muitos dos seus resultados bons e ruins” (p.

130) e que o modelo apresentado “não permite que o mundo determine seu padrão mental

[…] você é autorresponsável e o comandante do barco da sua vida” (p. 131), referindo-se a

autonomia que supostamente proporciona. Como de praxe, após tais exposições, Vieira

(2015) propõe um exercício pautado em PPS’s, que remetem a identificação, a avaliação e a

incorporação do processo de foco-temporal.

Considerando que a ação é um dos pontos primordiais de desenvolvimento do método

CIS, Vieira (2015) dedica-se amplamente na apresentação de técnicas e ferramentas que

reprogramem as crenças e alterem as ações individuais. Com isso, há um enfoque sobre a

comunicação individual, visto que Vieira (2015) afirma que “existe grande poder nas palavras

ditas como também na estrutura linguística […] as palavras e suas estruturas são ferramentas,

armas poderosas 100% disponíveis a qualquer um que esteja disposto a usá-las” (p. 141). É

importante ressaltar que para o autor, o poder, recorrentemente utilizado em toda a sua

perspectiva do método CIS, é definido como uma energia que “está inalienavelmente dentro
146

de todos os seres humanos” (Vieira, 2015, p. 144) e é capaz de criar e alterar a realidade a

partir da palavra, a qual engloba sua perspectiva de ação.

No que se refere a comunicação, Vieira (2015) pontua que a linguagem é “o meio pelo

qual exprimimos nossas ideias, nossos sentimentos, nossas vontades a nós mesmos e a outras

pessoas” (p. 141). Assim, caracteriza que uma comunicação (a linguagem eficiente), definida

pelo autor como a perfeita linguagem, é possível a partir do método CIS, o qual proporciona o

que denominou enquanto uma linguagem neurológica, ou seja,

uma completa e profunda reprogramação de suas crenças através unicamente de uma

nova maneira de se comunicar interna e externamente, verbal e não verbalmente. E,

quando falo de reprogramação de crenças, eu me refiro a novas sinapses neurais,

novos programas mentais, um novo estilo de vida e conexão humana. E o resultado

dessa nova forma de comunicar é a abundância financeira, abundância familiar, saúde

física e muito mais. (Vieira, 2015, p. 141)

Neste sentido, Vieira (2015) refere-se ao poder transcendente da palavra, recorrendo a

diferentes saberes, como

religiões milenares como hinduísmo, budismo, judaísmo e outras são unânimes em

ratificar o poder transcendente das palavras. A mesma ideia se percebe cada vez mais

também nos meios científico e acadêmico, como na Física Quântica, na Psicologia, na

Neuropsiquiatria e na própria Medicina moderna. Todas concordam que as emoções

derivadas de nossa comunicação são decisivas na saúde física e emocional, como

também definidoras até dos acontecimentos supostamente aleatórios. (Vieira, 2015, p.

143)

Apesar de manifestar basear-se na Psicologia, Vieira (2017a) descaracteriza seus

saberes e prioriza as tecnologias e saberes da neurociência moderna ao trazer que


147

o método tradicional de desenvolvimento humano passa por uma compreensão da

mente de modo muito subjetivo. Contudo, as novas tecnologias e os saberes revelados

pela neurociência trazem uma forma mais clara e objetiva de entender o ser humano,

seus sentimentos e pensamentos (Vieira, 2017a, p. 84).

No que tange a Física Quântica, Vieira (2015) diz basear-se em Frijtof Capra para

embasar a perspectiva sistêmica do CIS, pontuando que “tudo está conectado; assim o que

penso, falo e sinto cria uma realidade ao meu redor” (p. 145). Para trazer validade sobre seus

argumentos, Vieira (2015) recorre a exemplos como a conhecida citação bíblica onde Deus

pronuncia que “haja luz” e assim houve luz.

Fornece ainda outro exemplo, em que Zacarias e Mussum, do programa televisivo “Os

trapalhões”, tiveram sua morte profetizada em um episódio gravado em 1983, pois este

abordava o falecimento de ambos, tendo movido quanticamente os acontecimentos e

fornecendo uma materialização. Com isso, Vieira (2015) afirma que “toda palavra é na

verdade uma profecia autorrealizável” (p. 146). Neste momento é citado um vídeo que se

encontra disponível no website, entretanto, o arquivo referente ao mesmo se encontra

danificado, não tendo sido possível visualizá-lo ou mesmo localizá-lo na plataforma de vídeos

YouTube.

De acordo com a proposta de reprogramação mental do método CIS, deve ser proposto

um novo padrão linguístico, abrangendo aspectos verbais e não verbais. Neste sentido, Vieira

(2015) mantém o mesmo padrão de escrita no qual explicita suas percepções com

embasamentos ditos científicos, bíblicos e de seu cotidiano, associando-os a exercícios, como

os de PPS’s. Para Vieira (2015), padrão linguístico é a “repetição sistemática do mesmo

conjunto de palavras, frases e falas que dizemos audível e verbalmente, como também as falas

e os pensamentos que mentalizamos como verdades sobre nós mesmos e sobre o mundo que
148

nos rodeia” (p. 147). Desta maneira, cada indivíduo possui seu próprio padrão linguístico,

sendo uma expressão de sua identidade.

A perspectiva ultrapositiva de alteração dos padrões baseia-se na identificação dos

padrões negativos de linguagem, seu “conjunto de frases amaldiçoadas” (Vieira, 2015, p.

147), sua posterior cessação e alteração, buscando remediar as problemáticas que emergirão

devido às palavras já pronunciadas, de modo que os exercícios propõem que tais

identificações e alterações sejam exercitadas, como a condução de um “tratamento que não só

anulará o que já foi dito e os resultados ruins como também produzirá novas crenças e

programações mentais capazes de mudar sua existência” (p. 150).

Para isto, deve-se identificar o estilo linguístico, ou seja, todo o conjunto de atitudes e

comportamentos que acompanham a palavra dita e reprogramá-los a partir de padrões de

gratidão e da perfeita linguagem do amor. No que tange a gratidão, Vieira (2015) ressalta que

é um fenômeno amplamente estudado pela Psicologia Social e Positiva, citando, sem maiores

explicitações, pesquisas de ambos os campos teóricos que comprovam associações entre a alta

performance, a felicidade, a ativação de potencial e a prosperidade por meio de um estilo de

vida permeado por falas e comportamentos de gratidão. Há ainda PPS’s propostas para o

desenvolvimento de tal postura, voltadas para o passado, presente e futuro (ser grato pelo o

que se deseja, mas ainda não se é).

Vieira (2015) frisa que tais reprogramações não devem ser mecânicas, ou seja, sem

afeto. Pelo contrário, deve haver também um engajamento afetivo por parte do indivíduo em

cada atividade para que estas produzam os efeitos almejados, sendo, desta forma, que se

atinge uma vida abundante e repleta de sentido. Nesta esteira, a perfeita linguagem do amor,

apesar do enfoque verbal, permeia todo o conjunto comportamental, fornecendo comandos

internos e externos. Em outras palavras, afeta o indivíduo e muda o mundo, assim, Vieira
149

(2015) afirma que tal linguagem “além de mudar a sua sorte (literalmente), pode blindar você

e a sua família, seus negócios e a sua carreira” (p. 163).

Ao considerar que os acontecimentos são compreendidos enquanto manifestações

quânticas, o conteúdo da perfeita linguagem deve comunicar ao outro sentimentos de

pertença, importância, significado e distinção. Em outras palavras, deve propiciar uma

comunicação em que o indivíduo se sinta único, importante e que pertença, aproxime seus

interlocutores. Entretanto, caso o amor não funcione, deve-se manter a perfeita linguagem

acrescida da autorresponsabilidade. Para ilustrar a perfeita linguagem, Vieira (2015) traz um

caso verídico em que, após o método CIS e a aprendizagem de uma linguagem que reflete

amor, um pai

usou seu novo estilo de comunicar para resgatar o filho das drogas [...] o amor

comunicado em atos e palavras. O amor comunicado verbal e não verbalmente. O

amor comunicado que altera a psique, a matéria e a própria realidade ao redor de quem

o comunica. (Vieira, 2015, p. 165)

Parte do tratamento criado por Vieira (2015) consiste na execução do mais longo

exercício do livro “O poder da ação”, no qual são propostos sete passos para reprogramação

de crenças negativas verbais. Primeiramente, é fornecido um extenso exemplo de padrões

linguísticos negativos os quais o leitor é orientado a se identificar e acrescentar por escrito

mais dez possíveis padrões (passo dois) que não foram listados. Em seguida, os padrões

identificados devem ser novamente escritos e acrescidos de seus prejuízos (passo três). O

passo quatro consiste em, de acordo com a orientação, reescrever cada um dos 10 padrões de

modo ultrapositivo a partir dos exemplos fornecidos, ainda que tal reescrita contenha frases

irreais.
150

No passo cinco propõe-se que, por neuroassociação, um reforço negativo deve ser

fornecido ao se repetir os padrões linguísticos negativos, assim, um elástico deve ser colocado

no pulso e o indivíduo deve repetir verbalmente cinco vezes, os cinco piores padrões descritos

anteriormente e, para cada repetição, deve-se esticar o elástico e soltá-lo, produzindo uma dor

fina e intensa (Vieira, 2015), ou seja, o indivíduo deve punir-se 25 vezes. O passo seis do

tratamento consiste na reprogramação propriamente dita destes padrões. Para isto, cada um

dos 10 novos padrões ultrapositivos precisam ser reescritos 50 vezes, “até que seu cérebro por

estímulos repetitivos substitua o padrão antigo pelo novo [...] serão 500 linhas de

reprogramação de crenças. É importante que cada vez que você escrever um padrão, diga-o

em voz alta pelo menos 4 vezes” (Vieira, 2015, p. 151), resultando em 2.000 verbalizações.

Orienta-se (passo sete) que, após este exercício, caso o indivíduo volte a repetir os padrões,

deve, imediatamente, fazer uso do elástico para punir-se.

Vieira (2015) repetidamente afirma ainda que o indivíduo tem que estar disposto a

pagar o preço da mudança. E, de modo intimidador e irônico, visando à execução do exercício

supracitado, caso haja resistência, coloca que:

Talvez você esteja preso à zona de conforto e pouco disposto a dedicar tempo e

energia mental para cumprir os passos 5 e 6. Se esse é o seu caso, procure ver se neste

momento não está criando historinhas para não realizar parte do tratamento.

Historinhas de arrogância, como: “Eu não preciso escrever 50 vezes isso”, ou “não sou

idiota para soltar um elástico no meu braço e sentir alguma dor”. A quem pensa assim,

vou só dizer uma frase que sempre repito em ocasiões como essa: “Fica tranquilo. Está

tudo certo. Cada um tem a vida que merece”. Se você não quer cumprir esses passos,

não tem problema, porém, não acredite que terá todos os ganhos e as mudanças

propostas. Não se engane achando que um hábito linguístico de muitos anos será

substituído apenas pela conscientização intelectual. (Vieira, 2015, p. 152)


151

No que se refere a comunicação não verbal, ainda que esta já tenha sido anteriormente

associada por Vieira (2015) à comunicação verbal, como explicitado na perfeita linguagem do

amor e da gratidão, esta é resumida como “todos os maneirismos gestuais, posturais,

entonação vocal e expressões faciais etc” (p. 177), o que confere ao indivíduo um padrão

linguístico não verbal e deve ser alterado para obtenção de melhores resultados. Vieira (2015)

baseia-se amplamente nos estudos da neurociência, trazendo pesquisadores como Amy Cuddy

e Robert A. Emmons, para argumentar que a comunicação não verbal influencia na produção

(ou não produção) de hormônios, os quais interferem diretamente na mente humana, logo, nos

resultados produzidos.

Como de costume, Vieira (2015) recorre a exemplos de casos ocorridos em suas

palestras do método CIS. Desta vez, relata como uma senhora de 65 com diagnóstico de

depressão e baixa produção serotoninérgica (hormônio da felicidade) curou-se após mudar sua

postura com o CIS e o uso de uma ferramenta, o colete elástico corretor, “já no dia seguinte

pela manhã, percebeu mudanças na sua atitude e no seu humor. No segundo dia, ela estava se

sentindo mais disposta. No quarto dia ela ressurgiu das cinzas” (Vieira, 2015, p. 183).

Acrescenta-se ao caso o argumento da neurociência, “afinal, o que todos os experimentos e

todas as pesquisas da Neurociência mostram é que podemos definir nossa performance e

nossos resultados apenas regulando a postura e a comunicação não verbal” (Vieira, 2015, p.

184).

Cada postura e comunicação não verbal produzem, para Vieira (2015), o que fora

denominado enquanto moléculas de emoção (MDEs), “que são um composto químico ou uma

combinação de compostos químicos [...] neuropeptídeos, são cadeias de aminoácidos

proteicos fabricados” (pp. 184-185). Assim, produzir comportamentos adequados é necessário

para impulsionar a produção de bons hormônios, caso contrário, serão sustentados vícios

emocionais. Vieira (2015) “faz uma relação dos principais vícios emocionais que tenho
152

encontrado nesses quase vinte anos de profissão” (p. 186). A lista fornecida se equipara aos

padrões linguísticos negativos anteriormente mencionados, a diferença é que, neste momento,

listam-se sentimentos, afetos, os quais remontam as mesmas frases do padrão negativo. Para

Vieira (2015)

todo ser humano, independentemente de origem, raça, escolaridade, cultura,

nacionalidade, inteligência, idade ou genética, possui vícios trazidos do passado, e

cada vício pede uma comunicação ou um estilo linguístico não verbal específico, que

por sua vez produz a química do vício e o ciclo se reinicia novamente. (Vieira, 2015,

pp. 188-189)

A proposta do método CIS é eliminar os vícios emocionais a partir de exercícios

repetitivos que produzam novos MDE’s, que combatem “com absoluto sucesso os sintomas

dos vícios emocionais, [e] tem tido também resultados extraordinários no combate ao vício

em drogas lícitas e ilícitas” (Vieira, 2015, p. 190). A proposta do CIS, ou melhor, de Vieira

(2015) por meio do CIS, é substituir emoções ruins e sabotadoras por emoções positivas e

fortalecedoras. Para isto, deve-se exercitar com intensa emoção e repetidamente os padrões

capazes de produzir cinco emoções curativas primárias, sendo estas a vitória, o poder, a paz, a

alegria/entusiasmo e o amor.

Para cada padrão, Vieira (2015) fornece imageticamente as posturas a serem feitas

pelo leitor, apresentando os hormônios que são produzidos a partir dos estudos

neurocientíficos, as emoções sabotadoras que combatem e por quanto tempo, quantas vezes e

de que modo os exercícios devem ser executados. Ressaltando por fim que “nossa observação

e nossa modelagem empírica partiram de centenas e centenas de clientes, tanto de coaching

individual como do seminário do método CIS” (Vieira, 2015, p. 199).


153

Vieira (2015) ressalta a importância do leitor questionar-se a despeito das falas e

conselhos que podem atravessá-lo em seu cotidiano, frisando a necessidade de se fornecer

maior relevância àqueles que possuem competência para discursar. Conclama a atenção do

leitor para a qualidade das perguntas feitas e hierarquiza os indivíduos de acordo com aqueles

que não questionam, os que pouco questionam e os super-humanos. Os super-humanos,

indivíduos de sucesso, são descritos enquanto os que ouvem multidões de conselheiros, e,

primordialmente, fazem os melhores e verdadeiros questionamentos, que são, por definição,

sugestivamente associados às PPS’s fornecidas e exercitadas pelo método CIS.

Partindo da premissa que “sua mente responderá a todos os questionamentos que você

lhe fizer” (Vieira, 2015, p. 203) a partir do instante que forem feitos de modo verdadeiro,

Vieira (2015) aborda relatos pessoais, ressaltando quanto tempo perdeu e as dores que sofreu

ao ter “verdades absolutas” (p. 204), as quais poderiam ter sido amenizadas caso ele soubesse

saber fazer as perguntas certas, que “direcionam o nosso querer e nos fazem pedir o que é de

fato certo [aquelas que] vão nos mostrar os propósitos e os valores por trás do que queremos e

de como pensamos em realizar” (p. 204).

Institui como questão social que “as pessoas não param para pensar por que agem,

como agem ou por que querem o que querem […] ora aceitando as verdades de outras

pessoas, ora se guiando pelas suas” (Vieira, 2015, p. 205), e afirma que tais indivíduos se

encontram na base da pirâmide de maturidade emocional. Vieira (2015) ainda pontua que não

está “dizendo que suas verdades [do leitor] ou as verdades de outras pessoas sejam ruins ou

boas. Só estou questionando a validade delas para o seu momento presente” (p. 205). Deste

modo, convida o leitor a questionar o que lhe é dito, trazendo exemplos de como estes

questionamentos devem ser, pontuando que “o bom senso diz que primeiro precisamos

confiar na intenção de quem nos aconselha e depois na competência da pessoa na área”

(Vieira, 2015, p. 206).


154

Assim, o indivíduo que se encontra no topo da pirâmide de maturidade emocional,

aqueles que possuem uma vida abundante, “os verdadeiros super-humanos sabem questionar a

si mesmos a ponto de descobrir seus propósitos e seus porquês. Eles descobrem seus valores

pessoais e sua missão de vida, que estão por trás do que pensam, sentem e fazem” (Vieira,

2015, p. 208), estes fazem constantes PPS’s para prevenir a disfuncionalidade em sua vida,

sendo que

como nada é por acaso, uma pessoa que havia feito o método CIS surgiu de repente e

começou a falar de suas experiências e suas mudanças após o evento. Era como se

Deus estivesse dizendo pra ela que suas perguntas também tinham respostas. Ela e o

marido fizeram o curso, e as mudanças foram imediatas e continuaram acontecendo. O

marido, que era um bom pai, tornou-se um ainda muito melhor. O casamento, que era

pacífico, ficou ainda melhor. A empresa de Engenharia do marido, que há dois anos se

mantinha com a corda no pescoço, sempre no limite, recentemente faturou em um mês

20% a mais do que nos doze meses do ano anterior. Muitas coisas mais aconteceram

em todas as áreas da vida daquela família. (Vieira, 2015, p. 209)

Abordando Luther King e aspectos religiosos, Vieira (2015), mais uma vez, convida o

leitor a identificar e elencar seus limites ao questionar o que há de ruim em sua vida e o que

falta para ser um super-humano. Para o empresário, as PPS’s possuem, enquanto critério,

serem orientadas para o futuro, a ação, a reflexão, a solução, as metas e os objetivos e para a

autorresponsabilidade, assim, este garante que perguntas poderosas gerarão plenitude e

abundância na vida (Vieira, 2015). O coach cita ainda mais uma técnica que desenvolveu, o

denominado autocoaching, que consiste em seguir nove passos resumidos a partir da

capacidade de
155

questionar as possibilidades como estilo de vida. É perguntar “por que não”. É um

processo profundo que usa como base as PPS’s normalmente focadas em um objeto

específico, visualizável, temporal e desafiador. O objetivo desse exercício é promover

autorresponsabilidade, clareza de propósitos e um pacote de ações e decisões

consistentes na direção do objetivo. Como você já sabe, tem poder quem age, e mais

poder ainda quem age corretamente. (Vieira, 2015, p. 216)

Após a exposição dos materiais em questão, torna-se possível situar, resumidamente, o

discurso geral propagado por Vieira por meio da FEBRACIS, tanto quanto expor a estrutura

que embasa o método CIS. De um modo geral, o método é uma proposta de reprogramação de

crenças, o qual pauta suas técnicas e ferramentas, primordialmente, nos saberes da

neurociência, ainda que traga outras áreas de saber, como a Psicologia social e a Psicologia

positiva. Paradoxalmente, também aborda fontes de informação que diz negar, como a

autoajuda.

Um primeiro aspecto interessante de ser ressaltado é que, discursivamente, Vieira

coloca a FEBRACIS, como a própria sigla delimita, enquanto uma federação. Uma federação,

caracteristicamente, é composta por mais de uma instituição, assim como seu escopo de

práticas e filosofia devem englobar ideias que vão além de um único pensador. Em

contrapartida, o que se observa não é uma aproximação de saberes que advém de diferentes

indivíduos, mas sim a aglutinação de saberes de outras áreas em torno e por meio de Paulo

Vieira.

Tal afirmação é possível, considerando que todos os livros da instituição são escritos

por Vieira, assim como os cursos e as palestras são ministrados por ele, não havendo

informações nos livros ou mesmo no website sobre a participação de outros coaches enquanto

palestrantes ou contribuintes do método CIS, pelo contrário, afirma-se que este fora
156

desenvolvido enquanto tese de doutoramento de Vieira. Tal aspecto não apenas torna a

denominação de Federação questionável, mas também aponta a centralização que dá em torno

de Vieira e seu nome, sua pessoa em específico. Isto o torna detentor e disseminador deste

discurso, assim como coloca Paulo Vieira enquanto um dos indivíduos de sucesso que busca

construir e disseminar por meio do método CIS, exemplo que é utilizado em seus espaços de

comunicação.

No que se refere às apropriações do discurso científico, principalmente a neurociência,

textualmente, considerou-se não ser possível delimitar de modo claro os limiares de seu uso,

posto que, como fora apresentado, são feitas referências a técnicas e ferramentas em que não é

possível discernir de onde estas provém, como no caso do plano de ação 5W 2H. Em outros

momentos, observa-se ainda citações indiretas dos estudos e pesquisas de autores como

Goleman e Burke, não sendo possível diferenciar em que momento as construções deixam de

fazer referência às pesquisas, dado que isto não fora claramente delimitado na construção

textual. Em outras palavras, a separação entre os conteúdos importados das pesquisas e o

pensamento de Vieira não fica textualmente explícito em dados momentos dos livros.

O método CIS propõe que sejam desprogramados vícios mentais, traumas infantis,

hábitos, comportamentos e pensamentos no que se refere a áreas da vida humana que dizem

sobre a relação consigo, com o outro e com o mundo, dando ênfase a sua característica

sistêmica. O que se pode observar discursivamente é que os aspectos familiares, religiosos e

profissionais são priorizados, emergindo com maior preponderância nas histórias, historinhas,

metáforas e analogias. Estes aspectos são também pontos que o CIS busca reprogramar para

que o indivíduo tenha um desenvolvimento voltado para produtividade e alta performance.

Majoritariamente ocorrem críticas nos exemplos fornecidos no que tange a pensamentos e

comportamentos que possam intervir na produtividade humana, a qual é correlacionada a uma

perspectiva de vida abundante e feliz.


157

Nesta esteira, constrói-se um pensamento em que crenças específicas devem ser

reprogramadas para que emerja um tipo igualmente específico de indivíduo, o indivíduo de

sucesso, ou, como também é descrito, o super-humano. Vieira reitera em seu discurso a

capacidade do CIS em desenvolver este indivíduo, mas, explicita ainda o quanto as

possibilidades disto estão diretamente atreladas ao próprio indivíduo. Assim, o indivíduo deve

desejar mudar seu comportamento, deve questionar-se sobre si e sobre o mundo (mas apenas

as perguntas corretas), deve propor alterar suas ações e comportamentos compreendendo que

apenas ele é quem tem o poder de modificar sua condição de vida.

Para que seja possível alterar suas crenças e modificar a si, e por consequência

quântica o mundo, tal indivíduo deve se esforçar no desenvolvimento do foco e da

comunicação, habilidades imprescindíveis aos super-humanos, pois os torna capazes de

atingir suas metas e objetivos. Com isto, fica claro que o método CIS compartilha sua

perspectiva de desenvolvimento com características basilares da meritocracia, como o foco

individualista, posto que atribui as possibilidades e os fracassos apenas aos indivíduos, assim

como sua perspectiva de que é apenas por meio do esforço, da repetição e do contato com o

sofrimento que o sucesso pode, e será, alcançado (como é garantido por Vieira).

A autorresponsabilidade se apresenta como a única possibilidade deste caminho de

sucesso e que possui certa mágica, modificando a vida de um indivíduo. Conceito descrito

enquanto atemporal, se sobressai perante aspectos sociais, históricos, econômicos, genéticos,

de gênero e afins. Equiparável ao que é apresentado na ideologia do mérito, a qual também

desconsidera a relevância de tais aspectos em detrimento das habilidades e esforços

individuais. Inclusive, argumenta-se que advém da reprogramação neurolinguística, a crença

de que se alguém pode, todo mundo pode, diretamente associável à meritocracia.


158

Os argumentos científicos de Vieira são utilizados recorrentemente para hierarquizar

os indivíduos, assim como é função da meritocracia, referindo-se às diferenças individuais em

relação aos campos da produtividade e da competitividade. Isto se dá, por exemplo, ao

distribuir os indivíduos em categorias progressivas entre aqueles possuidores de crenças de

identidade, capacidade e merecimento. A mesma lógica ocorre ao discernir os indivíduos

entre os possuidores de uma consciência plena, relativa ou disfuncional. Observa-se um

padrão de categorias progressivas, ou seja, em que se pode progredir de uma categoria

descrita enquanto nociva para uma superior, assim, hierarquizando os indivíduos entre

melhores e piores, aptos ou inaptos.

Vieira engendra uma narrativa em que o desejo de abundância é correlato ao sucesso

produtivo em diversas áreas relacionais humanas, cabendo ao indivíduo construir suas

oportunidades e desenvolver suas habilidades e talentos. Fornecendo suporte ideológico a tal

método de reprogramação humana, Vieira apresenta ao longo dos materiais sua filosofia e

teoria. Estas colocam em prática valores éticos e morais meritocráticos, cristãos e neoliberais

os quais buscam alterar os corpos, normatizando-o a partir de seus padrões. Exemplo disto é

que Vieira não busca intervir apenas por meio de seus cursos e livros, mas busca ampliar sua

presença na rotina individual. Logo, ainda que declare o discurso da mídia enquanto alienante,

Vieira faz uso dos mesmos recursos culturais para veicular suas ideias e perspectivas de vida.

Por meio de um discurso que se dá de modo disciplinador e punitivo e dando ênfase a

função da linguagem no processo de modelagem do homem, o método CIS almeja gerar

afetos que produzam um indivíduo ultrapositivo, superprodudivo, empreendedor, amoroso e

grato. Neste sentido, para a análise que segue, pretende-se explorar as relações de poder que

se exercem no discurso de Paulo Vieira e dos efeitos de poder que interferem na

subjetividade, nos corpos, a partir das práticas do CIS em correlação ao ensejo

socioeconômico de nossa época.


159

4. Análise

4.1 Sobre o indivíduo

Entendendo-se que o foco do discurso FEBRACIS se encontra na reprogramação

mental, a presente análise dará enfoque ao tipo de indivíduo que busca ser construído a partir

dos modelos propostos pela instituição, aprofundando-se no modo em que o método CIS

executa tal reprogramação. Para isto, primeiro será abordado o indivíduo de sucesso, seguido

pela explanação dos discursos e das práticas que compões o processo de modelagem. Dos

discursos entendeu-se ser de suma relevância analisar o discurso religioso e científico e a

função da figura de Paulo Vieira. Quanto as práticas, haverá um aprofundamento nos

procedimentos do método CIS. O caminho percorrido retoma os teóricos desenvolvidos no

intuito de se pensar as relações de poder que permeiam a definição e constituição do indivíduo

de sucesso a partir do mérito e a meritocracia.

Neste sentido, buscar-se-á compreender como o método CIS funciona enquanto um

mecanismo disciplinar, a partir de procedimentos e técnicas de mesma ordem, fabricando

corpos dóceis voltados para produtividade (Foucault, 2014). Por mecanismos disciplinares,

entende-se técnicas voltadas para a gestão dos homens, para “controlar suas multiplicidades,

utilizá-las ao máximo e majorar o efeito útil de seu trabalho e sua atividade, graças a um

sistema de poder suscetível de controlá-las” (Foucault, 1979/2019a, p. 180).

Logo, os mecanismos disciplinares propõem uma arte de distribuição espacial dos

homens voltada para sua máxima eficácia, exercendo um controle mais sobre o

desenvolvimento do que sobre o resultado, visando gestos mais adaptados, decompondo-os no

tempo para apreendê-los (Foucault, 1979/2019a). Isto implica uma vigilância perpétua,

demandando práticas de exame, ou seja, um registro contínuo (individual e individualizante)

que classifica, distribui, mede, julga e localiza os indivíduos (Foucault, 1979/2019a). Desta
160

forma a individualidade é utilizada como um elemento pertinente para o exercício do poder

(Foucault, 2014).

Ressalta-se que apesar de Vieira (2015, 2017a) discorrer amplamente sobre resultados

individuais, o seu foco e objetivo da FEBRACIS por meio do CIS é fornecer uma proposta

para o desenvolvimento de um indivíduo de sucesso, o super-humano. Logo, compreende-se

que a FEBRACIS é uma instituição disciplinar que detém procedimentos e técnicas que

possibilitam um controle microscópico do corpo por meio de um aparelho de observação, de

registro e treinamento que se apropria do espaço e do tempo dos indivíduos (Foucault, 2014).

Por procedimentos compreende-se que a instituição possui uma proposta linearizada

de desenvolvimento (Foucault, 2014), o “caminho universal do progresso humano” (Vieira,

2017a, p. 53), o qual institui um único caminho para um progresso que é serial, orientado e

cumulativo, em que há um tempo evolutivo que é controlado (Foucault, 2014), ou seja, são

instituídas etapas em sequência que devem ser progressivamente cumpridas e expandidas para

todas as áreas da vida. Já as técnicas revelam uma serialização dos indivíduos, uma gestão de

seu tempo para torná-lo útil por meio de exercícios semelhantes a exercícios militares,

religiosos e universitários (Foucault, 2014). Por exemplo, Vieira (2015, 2017a) faz uso de

exercícios pradonizados de escrita e verbalização prezando por sua repetição enquanto

técnicas de reprogramação mental.

Com isso, os procedimentos e técnicas analisados são aqueles adotados pelo método

CIS, que é formado por uma “base teórica, filosófica, ferramental e prática [que] busca em

seus processos produzir abundância em todas as áreas” (Vieira, 2015, p. 25). Em outras

palavras, possui procedimentos e técnicas os quais observam, registram e treinam os corpos,

sendo a “. Logo, compreendeu-se que o método CIS pode ser dividido em duas partes, a

saber: seus discursos e práticas.


161

Entende-se que os aspectos conceituais e filosóficos abarcam os discursos, sendo os

basilares: o do próprio método, o religioso e o científico. Permeando tais discursos, observa-

se a presença de outras duas temáticas recorrentes, a do poder e a do posicionamento de Paulo

Vieira na instituição. No que tange às práticas, estas se encontram nos exercícios,

questionários, testes retirados de fontes científicas, nas ferramentas, e nas técnicas como a

repetição escrita e oral dos exercícios, os modelos, a rotinização (planejamento do tempo) e o

direcionamento discursivo que fornecido ao leitor para acrescentar conteúdos do CIS ao

cotidiano por meio de impressões dos exercícios, atividades de lazer e a utilização de

conteúdos da instituição, como podcasts, livros, vídeos e afins em momentos em que o tempo

não estiver sendo utilizado de modo produtivo.

A título didático, práticas e discursos serão abordados separadamente, assim como se

buscará discernir os pontos delimitados em cada um. Isso se dá para que seja possível

explicitar ao leitor o pensamento desenvolvido. Entretanto, nos materiais analisados essa

separação não ocorre, o que se observa é uma articulação estratégica, ou seja, a partir de

Foucault (1977/2006), há uma organização de procedimentos e técnicas dispersados,

heteromorfos e locais de poder. O coach Paulo Vieira promove a articulação do heterogêneo

por meio de práticas e discursos do seu método. A articulação do heterogêneo significa que

em seu discurso Vieira (2015, 2017a) fornece um entrecruzamento que delineia fatos gerais de

dominação (Foucault, 1977/2006) ao englobar o discurso científico, religioso, pessoal e

institucional. Isto se dá de um modo em que o leitor tenha delimitações sobre como se

comportar, pensar e sentir, que acompanha ferramentas para fabricação de corpos produtivos.

Dessa forma, a separação entre práticas e discursos se dá apenas para melhor explicitação ao

leitor.

Antes de aprofundar os discursos e as práticas do método CIS, compreende-se ser

necessário explanar sobre o modelo de indivíduo que é almejado, posto que as relações de
162

poder que se fazem presentes em seus procedimentos e técnicas voltam-se para constituição

de um indivíduo específico. Em outras palavras, primeiro será exposto o que é o indivíduo do

sucesso, quais são suas características, para em seguida explicitar como os discursos e práticas

o atravessam e constituem.

O método CIS fornece ao seu leitor uma visão de mundo e de diversas áreas da vida

em que traz leis, regras de uma norma, de como as pessoas devem pensar, agir e ser, definindo

o que é certo e o que é errado, em outras palavras, o que traz sucesso e o que não traz. Assim,

o objetivo é fornecer um caminho ao leitor sobre como ser um super-humano, um indivíduo

de sucesso, que possui como propósito de vida obter conquistas de modo prazeroso, posto que

a felicidade não pode ser adiada (Vieira, 2015). O super-humano, aquele que “deixa um

legado na Terra” (Vieira, 2015, p. 208), é descrito a partir de histórias de indivíduos

específicos, como, por exemplo, o próprio Vieira (2015, 2017a), Gandhi, Luther King e

Nelson Mandela.

Tomando a trajetória de Mandela como exemplo, Vieira (2015) descreve que 27 anos

de prisão, muitos em solitária e o apartheid, não foram impeditivos para ele se preparar para

ser o primeiro presidente negro da África do Sul. Ele “estudou Administração Pública,

aprofundou-se em Direito Internacional e Direito Penal e em muitas outras matérias

importantes para seu futuro, e tudo isso enquanto estava encarcerado” (Vieira, 2015, p. 71),

acrescenta ainda que “ele se considerava o único responsável por seus sentimentos, seus

pensamentos e suas atitudes” (Vieira, 2015, p. 71).

Como se observa, o indivíduo de sucesso descrito por PV a partir de sua interpretação

da história de Mandela é resiliente, sobrevive a difíceis e adversas situações com foco no

futuro e no esforço produtivo. Vieira (2015, 2017a) aponta que tais indivíduos são pessoas

que possuem um estilo de vida abundante em, pelo menos, nove das áreas delimitadas pelo
163

CIS, sendo estas: espiritual, parentes, conjugal, filhos, social, saúde, servir, intelectual,

financeiro, profissional e emocional (Vieira, 2015).

Dessa forma, para Vieira (2015), o indivíduo de sucesso é aquele feliz, que deve

potencializar tais áreas. Isso significa aumentar a abundância, a produtividade. O indivíduo

tem de se ater aos seus objetivos e questionar os resultados (bons e ruins) de modo

autorresponsável, “questionam tudo o que pode de alguma maneira ser melhor” (Vieira, 2015,

p. 210) para assim serem capazes de mudar a si e agir da melhor forma possível na velocidade

mais rápida e, ainda que seja um longo caminho, sem atalhos. Assim, a sociedade é

constituída por indivíduos de sucesso neste perfil.

Elias (1994) situa que considerar a sociedade enquanto formada por indivíduos pode

ser uma visão errônea, mas disseminada por alguns. Visão que se faz atual, posto que pode ser

observada no discurso de Paulo Vieira. Elias (1994) explicita uma possível concepção de

sociedade em que indivíduos abordam as formações sócio-históricas como se tivessem sido

concebidas, planejadas e criadas, tal como agora se apresentam ao observador retrospectivo,

por diversos indivíduos. Acrescenta que esse modelo conceitual de criação de uma obra por

pessoas individuais resulta de um pensamento racional e deliberado.

Nessa perspectiva, as ações individuais se encontram no centro do interesse e qualquer

fenômeno que não seja explicável como algo planejado e criado por indivíduos mais ou

menos se perde de vista, entretanto, “permanece obscuro as ligações existentes entre os atos e

os objetivos individuais e essas formações sociais” (Elias, 1994, p. 15). Elias (1994) aponta

que nesta visão de sociedade construída por indivíduos, há um ramo científico que pensa as

funções psicológicas a partir do indivíduo singular como algo que pode ser isolado e

independe de suas relações com as demais pessoas, sendo necessário apenas elucidar a

estrutura de suas funções psicológicas.


164

Com isso, Vieira (2015, 2017a) dá enfoque à formação de tais funções psicológicas. O

coach parte do princípio de que todos os indivíduos são predestinados a uma vida abundante,

caso contrário, não estão valorizando de modo adequado os talentos, dons e o livre-arbítrio

dados por Deus e são disfuncionais. Por disfuncional, Vieira (2015) explicita, por exemplo,

que é não ter dinheiro para fazer investimentos, é não ter um corpo saudável e forte

independentemente de sua idade, corpo o qual deve trazer prazer e ser funcional para alcançar

objetivos. Disfuncional ainda é aquele que mantém níveis medíocres e estagnados de

desenvolvimento profissional, aquele que não possui amor, afeto, respeito, paz e proximidade

nas relações familiares e de amizade (Vieira, 2015).

Para Vieira (2015, 2017a) a tomada de consciência das disfunções acima mencionadas

deve vir acompanhada da percepção de que estes são resultados das ações individuais e que

pessoas de sucesso optam pela correção de seus erros a partir de uma estrutura mental correta.

Neste sentido, o indivíduo deve pagar o preço da mudança, seja este material ou imaterial, e

não deve “culpar seus pais, o ambiente em que vivem ou até o governo” (Vieira, 2015, p.

218), mas ser o único responsável pela sua condição de vida, como é caracterizado na

autorresponsabilidade. Metaforicamente, o “pagar o preço” a que Vieira (2017a) se refere é o

do esforço necessário perante o processo de mudança ofertado pelo CIS, como se observa em:

Muitas pessoas estão buscando formas rápidas e fáceis de ganhar dinheiro. Elas

esperam que, por um passe de mágica ou um golpe de sorte, de repente, se vejam com

todo o sucesso que sempre sonharam. Não seja ingênuo: ninguém chega no topo por

atalho. Para subir a montanha, você vai ter que trilhar o caminho e pagar o preço da

escalada (Vieira, 2017a, p. 93).

Neste sentido, Vieira (2015) afirma “o fato é que qualquer um pode” (p. 59),

apontando para uma igualdade entre os indivíduos e para reafirmar seu bordão de que o poder

está na ação. Para além, a “abordagem é muito simples; cada um tem a vida que merece”
165

(Vieira, 2015, p. 24). Dessa forma pode-se observar que há aproximações entre o indivíduo do

mérito, da meritocracia, e o indivíduo de sucesso almejado pelo método CIS. No que se refere

às articulações com o indivíduo do mérito, pode-se observar que este deve fazer bom uso de

seu livre-arbítrio e se esforçar para o desenvolvimento de seus talentos e habilidades.

Retomando Young (1958) e McNamee e Miller Jr (2014), o indivíduo da meritocracia,

assemelhando-se às perspectivas apresentadas do método CIS, é igual civilmente, é livre e

autônomo. Logo, assim como no conceito de autorresponsabilidade (Vieira, 2015, 2017a),

cabe ao indivíduo se esforçar para desenvolver seus talentos e habilidades por meio de

técnicas voltadas para produtividade. Entretanto, McNamee e Miller Jr. (2014) afirmam que

“não é apenas a capacidade inata, ou apenas o trabalho árduo, ou apenas o estado de espírito

adequado que faz a diferença. Em vez disso, é a combinação de oportunidade e esses outros

fatores que fazem a diferença”48 (p. 55).

Ademais, a proposta do método CIS de abarcar diversas áreas da vida de um indivíduo

se aproxima do afirmado pelos autores ao entender-se que é necessário haver uma relação

dinâmica entre fatores como o esforço, as habilidades, os talentos e as oportunidades que são

conjugados entre as áreas descritas pelo CIS para o desenvolvimento. É necessário ressaltar

que McNamee e Miller Jr. (2014) desenvolvem ainda análises sobre, por exemplo, as

correlações entre o racismo, sexismo e heranças e os limites do mérito individual (McNamee

& Miller Jr., 2014), acrescentando que tais fatores não podem ser desconsiderados ao se

analisar a meritocracia.

Porém, tais fatores são desconsiderados pelo método CIS, como também se observa na

faceta negativa da meritocracia apresentada por Barbosa (2003), na qual há uma

desconsideração de privilégios hereditários e origem socioeconômica, em detrimento de

fatores políticos, sociais e econômicos que possam ser determinantes para os privilégios

48 It is not innate capacity alone, or hard work alone, or the proper frame of mind alone that makes a
difference. Rather, it is the combination of opportunity and these other factors that makes a difference
(McNamee & Miller Jr.., 2014, p.55)
166

individuais, e a favor de uma perspectiva individualista moderna, a meritocracia e o método

CIS baseiam-se na valorização das virtudes.

Como apontou Maquiavel (1996) e Sadek (1999), a virtude (força e sabedoria) pode

dominar a fortuna, ou seja, é o livre-arbítrio e as ações possíveis a partir deste que

demonstram virtudes que conquistam bens, glória, honra e riqueza. Ao contrário da

perspectiva cristã de predestinação adotada por Vieira (2015, 2017a), entende-se que para

Maquiavel (1996) o livre-arbítrio é natural do homem, o qual deve lutar com sabedoria pelo

que almeja, sendo tais virtudes necessárias para a manutenção das conquistas de sucesso e do

poder.

Por sua vez, Vieira (2015, 2017a) se diferencia de Maquiavel (1996) ao considerar a

predestinação, já que o livre-arbítrio e os talentos são concedidos por Deus, porém, se

aproxima do filósofo ao acrescentar que se encontra no homem o poder para executar o livre-

arbítrio, ou seja, a possibilidade de conquistar bens, riquezas e honra dependerá de suas ações

individuais e do reconhecimento que estas possam ter. Com isso, Vieira (2015, 2017a) ainda

se aproxima de Maquiavel (1996) ao ter se adaptado as condições de sua época para

manutenção de seu poder. Dessa forma, constrói um discurso em que se mantém a origem

divina do homem ao mesmo tempo em que torna possível afirmar que o poder se encontra

neste mesmo homem.

Tanto o indivíduo descrito pelo CIS quanto o apresentado por Barbosa (2003) devem

ser autônomos, criativos, esforçados, produtivos, detentores de uma responsabilidade

exclusiva por suas vidas, por seus fracassos e progressos, tendo o trabalho como ponto

central. Vieira (2015, 2017a) vai além da meritocracia, pois este detalha outras características

ao indivíduo de sucesso, como a linguagem positiva, permeada por amor e gratidão, assim

como expõe quais os comportamentos, pensamentos e afetos são reprováveis, associando-os

ao insucesso.
167

Para Vieira (2015) o normal é a abundância e “tudo diferente disso é anormal,

disfuncional e medíocre” (p. 35), em outras palavras, o coach delimita uma divisão entre o

normal e o patológico em que indivíduos que não são de sucesso estão doentes e demandam

tratamento. Ao longo dos livros analisados Vieira (2015, 2017a) fornece modelos de

características, ações, pensamentos e falas sobre fatores que são impeditivos para o

desenvolvimento do sucesso e patologizados. Por exemplo, a falta de empatia, falta de caráter

(adultério, promiscuidade, mentira, egoísmo), consumos excessivos (álcool, drogas, compras,

lazer, comida), falas que apresentem afetos negativos (rancor, raiva, tristeza, magoa, medo),

arrogância, vaidade, preguiça e autocomiseração (Vieira, 2015, 2017a).

A partir de Vieira (2015, 2017a) as recompensas e os reconhecimentos advindos do

mérito abarcam um sentimento de abundância e plenitude na relação com os filhos, com o

cônjuge, com a saúde, o trabalho, com a religiosidade, com a rotina etc. Já as características

entendidas como demeritórias nessas mesmas áreas são apresentadas como disfunções. Com

isso, o discurso de Vieira (2015, 2017a) se aproxima da percepção de mérito apresentada a

partir de Smith (1999), na qual há um reconhecimento a partir do outro, uma percepção de

gratidão perante as benesses que a ação trouxer, construindo uma relação de reconhecimento

que não abarca apenas a remuneração, mas ainda o reconhecimento social.

Entretanto, Vieira (2015, 2017a) não apenas afirma o indivíduo como responsável

pelos seus bônus e ônus. Ele também patologiciza aqueles que não correspondem às

perspectivas de abundância apresentadas por seu discurso, dividindo os indivíduos entre os

que correspondem à norma e os desviantes, sendo que há uma necessidade de corrigir os

últimos a partir de uma estrutura mental correta. Assim como a meritocracia é um processo de

diferenciação entre os indivíduos a partir de seus ônus e bônus (Kreimer, 2000), o discurso de

Vieira (2015, 2017a) propõe uma mesma diferenciação em todas as áreas da vida.
168

Entende-se que isso é possível dada a função de adestramento presente no poder

disciplinar, poder este que liga forças para multiplicá-las e utilizá-las. Não se trata de tornar

uma massa de indivíduos em algo homogêneo, mas de separar, analisar, diferenciar por meio

de processos de decomposição até as singularidades necessárias e suficientes (Foucault,

2014). Ademais, o sucesso do poder disciplinar se dá devido ao uso de instrumentos como o

olhar hierárquico, a sanção normalizadora e a sua combinação a partir do procedimento de

exame (Foucault, 2014), como se entende que funciona o método CIS. Com isso, torna-se

necessário explorar o discurso e as práticas anteriormente delimitadas para melhor discernir

qual a norma instituída por Vieira.

De acordo com Foucault (1978/2008b), as técnicas de normalização disciplinar se

constituem a partir de uma lei que tem por papel e função codificar a norma em suas

prescrições. Entende-se que a lei remete a um poder soberano que, no caso do método CIS, é

um código que se pauta primordialmente na ciência e na religião para prescrição das normas.

Há assim um arcabouço de leis que normalizam por meio de técnicas que analisam,

“decompõe os indivíduos, os lugares, os tempos, os gestos, os atos, as operações” (Foucault,

1978/2008b, p. 74), que é o método CIS.

Nesse sentido as técnicas se dividem em quatro aspectos. Primeiro, o intuito é que seja

possível perceber os indivíduos, identificá-los; em segundo lugar deve-se classificar os

elementos identificados em função de objetivos determinados (Foucault, 1978/2008b). Os

dois primeiros passos ocorrem no processo de tomada de consciência e de

autorresponsabilidade (considerando que ambos possuem práticas que os constituem), posto

que ambos se voltam para identificação e classificação (categorização) dos indivíduos a partir

de sua produtividade.

Em terceiro lugar, são estabelecidas as sequências, ou as coordenações ótimas, ou seja,

entende-se que se determina o que os indivíduos devem fazer e qual sequência de


169

procedimentos devem seguir para atingir o objetivo (Foucault, 1978/2008b), de modo a

corresponder à proposta de uma visão positiva de futuro (Vieira, 2017a). O quarto aspecto

refere-se a procedimentos de adestramento progressivo e de controle permanente,

estabelecendo a “demarcação entre os que serão considerados como inaptos, incapazes e

outros. Ou seja, é a partir daí que se faz a demarcação entre o normal e o anormal” (Foucault,

1978/2008b, p. 75). Deste último aspecto, pode-se ressaltar a relevância das diversas práticas

(exercícios, modelos, testes, etc.) que classificam e hierarquizam os indivíduos em aptos e

inaptos, normais ou desviantes.

Assim, a normalização disciplinar visa colocar um modelo construído em função de

certo resultado. Por sua vez, suas operações consistem em tornar as pessoas, os gestos e os

atos conforme o modelo, sendo normais apenas aqueles indivíduos que estiverem aptos a

corresponder (Foucault, 1978/2008b). Para se compreender como o método CIS exerce

poderes que visam concretizar tais procedimentos no corpo do indivíduo em prol dos

resultados almejados buscar-se-á apresentar de que modo Vieira (2015, 2017a) delimita o

caminho universal do progresso. Para isso, primeiro será analisada a função de Vieira na

instituição FEBRACIS, dando enfoque ao papel exercido pelo coach e suas aproximações

com o discurso religioso.

4.2 Dos discursos

4.2.1 A religião e o presidente da instituição

Dar-se-á início às explicitações sobre o discurso a partir das considerações necessárias

a despeito do papel e função de Paulo Vieira na constituição do método. Isso ocorre pois,

ainda que o objetivo geral seja estudar o discurso de uma instituição, o que se observou é que

seu criador detém funções singulares e centralizadas desde a constituição discursiva até

execução prática da proposta do método, estando presente em todas as etapas.


170

Observa-se que, contraditoriamente à descrição de uma Federação, Vieira (2017a)

afirma que a FEBRACIS é a sua empresa de sucesso, abordando ainda seu viés religioso e

descrevendo como sua missão de vida é impactar as pessoas através da FEBRACIS. Vieira

(2017a) vende sua própria história ao leitor como um exemplo de possibilidades de mudanças

oferecidas pelo método que ele mesmo criou, ressaltando ainda suas qualificações

acadêmicas, posto que se formou e criou o método a partir de um programa de pós-graduação

em uma universidade católica norte-americana.

Vieira (2015) ensina e compartilha com seus alunos e leitores suas descobertas sobre

as possibilidades de mudanças a partir da reprogramação de crenças, guiando os indivíduos,

exercendo um poder sobre estes ao apontar os desvios e caminhos. Isso pode ser ilustrado a

partir de um exemplo trazido por Vieira (2017a), em que este autorresponsabiliza um

vendedor de carros pelo seu insucesso e aponta sua autocomiseração, afirmando que após isto:

Presenteei-o com um livro de minha autoria e, em pouco tempo, pude apreciar e me

deleitar com uma nova pessoa surgindo, um novo profissional, um cabedal de

mudanças que redirecionaram a vida dele: familiar, conjugal, social e, até mesmo, a

saúde e a aparência física (Vieira, 2017a, p. 134)

Outro elemento que demonstra a dificuldade de separação entre Viera e a FEBRACIS

se faz presente no título do seu canal no Youtube: Paulo Vieira – Febracis49, o qual apresenta

de modo conjunto a instituição e seu fundador. Vieira é o presidente internacional da

FEBRACIS50, a principal face e voz da instituição e do método CIS, sendo que seu currículo

enquanto coach é mais destacado nos materiais analisados do que a instituição em si. Isso se

observa a partir da correlação entre as menções que vangloriam a instituição como “a maior

instituição de coaching do mundo51” e aquelas que dão enfoque à quantidade de horas

exercidas por Vieira em sessões de coaching, a criação do CIS e sua formação, como ocorre

49 Disponível em: https://www.youtube.com/channel/UCrXwk3lBrIw36KOsxUcon0g. Acessado em: 21/07/21


50 Disponível em: https://febracis.com/equipes/. Acessado em: 21/07/21
51 Disponível em: https://febracis.com/. Acessado em: 22/07/21
171

na aba “quem somos nós” 52, na página inicial7, na aba “instituto Paulo Vieira”53 e na aba

“quem é Paulo Vieira”54, todos disponíveis no website.

Logo, ainda que o método CIS seja compreendido enquanto uma prática da

FEBRACIS, é necessário ressaltar que não é possível discernir claramente entre a imagem de

Paulo Vieira e a instituição, pois também se observa que a empresa possui vínculos estreitos

com Vieira e sua família. Afirma-se isso dado que Camila Saraiva (esposa de Vieira) é

mencionada em exemplos dos livros analisados, é diretora-geral da FEBRACIS55, e, de modo

específico, da unidade de Fortaleza (CE)56. Camila ainda é palestrante e possui diversos

vídeos no canal institucional na plataforma Youtube57, fato que não ocorre com diretores de

outras unidades.

O casal possui três filhos que são mencionados de modo geral, já que uma das áreas

abordadas pelo método CIS é a família e Vieira faz uso de relatos pessoais em seus livros. Em

um documentário sobre o método CIS, sua filha mais velha fornece um depoimento que é

transmitido no curso. Neste, a filha de Vieira elogia amplamente o pai, verbaliza que a família

é imperfeita, traz o discurso religioso e afirma o quanto a família, enquanto grupo, evoluiu. A

filha ainda se coloca como aquela que tem um legado a assumir e construir, dados os

empreendimentos do pai a partir da FEBRACIS. Após o depoimento são emitidas imagens da

família inteira andando de bicicleta e depois em um lago, próximo ao fim da tarde (com

música ao fundo), logo em seguida Vieira faz um discurso emocionado sobre sua família e um

momento amoroso compartilhado58.

52 Disponível em: https://febracis.com/sobre/. Acessado em 22/07/21


53 Disponível em: https://febracis.com/instituto-paulo-vieira/. Acessado em 22/07/21
54 Disponível em: https://febracis.com/sobre-paulo-vieira/. Acessado em 22/07/21
55 Disponível em: https://febracis.com/equipe/camila-saraiva/. Acessado em: 21/07/21
56 Disponível em: https://febracis.com/equipes/. Acessado em: 21/07/21
57 Disponível em: https://www.youtube.com/playlist?list=PLqhCb-FgTbjkGvaUmHKjUA4Pu0t3E2Ivw.
Acessado em: 21/07/21
58 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=s0-2cFrZ2b4&t=3673s. Tempo: 37’12’’- 42’10’’.
Acessado em: 21/07/21
172

McNamee e Miller Jr. (2014) e Milanovic (2020) ressaltam a relevância de uniões

afetivas na perpetuação da herança como um fator não meritocrático que interfere no

desenvolvimento humano e no acumulo de bens econômicos. Dessa forma, considerando a

empresa FEBRACIS, percebe-se que prevalece a homogamia, na qual há um acasalamento

preferencial, ou seja, uma correlação direta entre os rendimentos do marido e da esposa,

garantindo a transmissão de vantagens adquiridas para os filhos, em especial a riqueza e o

capital humano (Milanovic, 2020).

A herança é apenas uma das vantagens que as crianças de pais ricos e bem formados

desfrutam, Milanovic (2020) discorre que há uma correlação entre o acasalamento

preferencial e o crescimento de investimento para com os filhos, de modo que os pais passam

a propiciar uma atmosfera de desenvolvimento dos estudos, de experiências culturais,

atividades físicas e ainda tem a possibilidade de ter um maior tempo passado com as crianças.

Dessa forma, pode-se afirmar que Vieira se declara como um empreendedor de

sucesso, proprietário de uma empresa a qual possui a intenção de ter sua continuidade no

meio familiar, sendo uma herança familiar para seus filhos. A presença que sua família possui

na instituição traz características de uma empresa familiar, passada entre gerações e com seus

membros atuando nesta, de algum modo. Para além, Vieira não se posiciona apenas como o

presidente de uma empresa, mas como exemplo a ser seguido, missionário (quase divino) de

mudanças na terra que se deleita ao observar as alterações dos indivíduos que seguem suas

palavras e método.

O destaque dado à figura de Vieira ainda é observável na autoria dos livros

comercializados pela instituição, posto que este é o único autor. Dos livros analisados,

percebe-se que Vieira (2015, 2017a) situa para o leitor seus bordões e os menciona repetidas

vezes. Pode-se afirmar que Vieira promove sua própria imagem enquanto um indivíduo de

sucesso. De modo estratégico, no primeiro capítulo de “O poder da autorresponsabilidade”,


173

Vieira (2017a) relata brevemente sua história de vida anterior ao método CIS, trazendo um

relato de fracasso, tendo renascido para uma vida extraordinária. Como coloca:

Após um ano desse renascimento, me vi dono de um negócio próspero, casado, com

um patrimônio crescente, viajando o mundo inteiro cumprindo minha missão de

impactar vidas e desfrutando o sucesso pessoal e profissional. Eu venci! Aos 29 anos

iniciei a minha caminhada para a vitória – caminhada essa que continuo e continuarei

por toda a vida. Hoje, meu casamento é ainda melhor do que há vinte anos, também

me sinto mais saudável fisicamente (já corri quatro meias maratonas), tenho mais e

melhores amigos e a minha empresa – onde eu também aplico e ensino a

autorresponsabilidade aos meus parceiros e funcionários – já está presente em todo o

Brasil e também em outros países da América do Sul e da América do Norte.

Atualmente, consigo impactar milhões de pessoas ao ano com o Método CIS®

(Coaching Integral Sistêmico), curso criado por mim e que se tornou o maior

treinamento de inteligência emocional das Américas – as turmas mensais chegam a

mais de 3.500 pessoas. E o melhor de tudo, minha relação com Deus está mais

próxima e mais forte, hoje consigo chamá-lo de Pai – meu Pai (Vieira, 2017a, pp. 27-

28).

Vieira se autodeclara enquanto cristão e deixa explicita a devoção por Deus em

diversos momentos de seus livros, isso se observa a partir da gratidão que demonstra em

“Deus, que me concedeu e me permitiu ter as crenças e os valores necessários para trilhar essa

jornada, que me dão energia e entusiasmo para alçar voos ainda maiores e crescer e contribuir

imensamente mais” (Vieira, 2017a, p. 5). Tal crescer e contribuir envolve o método CIS, o

qual guia os indivíduos para mudança e evidencia ainda nos valores da FEBRACIS sua base

judaico-cristã59 e sua devoção a Deus por meio do CIS.

59 Disponível em: https://febracis.com/sobre/. Acessado em 19/07/21


174

Foucault (1978/2008b) desenvolve a metáfora do pastor e analisa a moral judaico-

cristã a partir da perspectiva dos procedimentos e técnicas de condução das condutas

existentes na relação entre pastor e seu rebanho, ou seja, um modo de governo sobre os

homens pelos homens, uma arte de conduzir coletiva e individualmente. Logo, se Deus é o

pastor de todos os homens, o indivíduo-pastor será seu subalterno direto e assim como um

médico, pedagogo e um professor de ginástica (Foucault, 1978/2008b), Vieira (2015) se

coloca na posição daquele que oferece um método de aprendizagem (reprogramação), um

treinamento e um tratamento, guiando os indivíduos.

Para Foucault (1978/2008b), o pastor é um gerenciador, um administrador de

trajetórias, circuitos e reviravoltas. Tais circuitos e reviravoltas pauta-se em um cálculo

econômico dos méritos e deméritos dos indivíduos que visa, necessariamente, o caminho da

salvação, da garantia da abundância dos meios de subsistência (Foucault, 1978/2008b). A

partir da metáfora do pastorado, a relação entre pastor e ovelhas não é global (igual para com

todos) e a salvação deve ser integral, ou seja, todos que compõem o rebanho devem ser

salvos. Nesse sentido, também a relação coach e coachee é uma relação singularizada, que se

dá por meio de sessões para o aprofundamento do indivíduo que busca o serviço (Reis, 2014).

Ademais, o método CIS é descrito por seus resultados, como se observa em algumas das

histórias de sucesso dos mais de 1 milhão de pessoas impactadas pela metodologia60.

Vieira (2015) considera que ao impactar pessoas por meio do CIS está cumprindo sua

missão, seu destino designado por Deus, ao apresentar um método que pode fornecer

abundância e ganhos extraordinários, de méritos dignos do reconhecimento divino, logo, de

salvação. Assim como apontado por Foucault (1978/2008b), o pastor, é um devoto que cuida

daqueles que pastoreia e deve prestar contas a Deus, posto que Deus “não governa no modo

pastoral. Ele reina soberanamente sobre o mundo através de seus princípios” (Foucault,

1978/2008b, p. 314), de suas leis universais, simples e inteligíveis, as quais são seguidas por

60 Disponível em: https://febracis.com/historias-de-gigantes/. Acessado em: 23/08/21.


175

Vieira. Acrescenta-se que o pastor não é a lei, nem um representante dela, pois sua figura não

se aproxima da de um juiz, mas sim de um médico, que cuida e que se encontra submetido às

mesmas instâncias de ordem.

O coach acrescenta que ““...só Deus pode julgar os vivos e os mortos” (Vieira, 2017a,

p. 156). A nós só compete julgar as atitudes e ações, “e de preferência começando por julgar

as nossas próprias” (p. 156). Assim, observa-se que há um julgamento primordial, uma

avaliação entre o bem e o mal que é feita por Deus e ao indivíduo cabe julgar apenas ações e

atitudes de outrem, mas estar constantemente atento a um autojulgamento, sendo que o

mesmo cabe ao pastor, o qual apenas prescreve as leis de Deus (Foucault, 1978/2008b), dessa

forma, considerando a onipresença de Deus, a vigilância deve ser permanente.

Assim, a partir de Foucault (1978/2008b) o pastor deve prestar contas a Deus sobre

suas ovelhas por meio de uma distribuição numérica e individual. Por sua vez, Vieira (2015,

2017a) sinaliza os indivíduos ao adotar, em alguns de seus exemplos, uma abordagem direta

por seus nomes e sobrenomes, além de contabilizar quantas pessoas participam de seus

cursos. Desta forma, Vieira (2015) utiliza-se de depoimentos reais em que apresenta os

resultados do CIS para dar credibilidade ao método.

Exemplo disso é o caso de Vânia Barroso, a qual declara em depoimento registrado

por Vieira (2015), ter mudado sua vida após o CIS, tendo conseguido perceber que não estava

sendo uma boa mãe, demitindo a babá (agradecendo por seus serviços), passando a acordar

cedo, e organizar a rotina dos filhos para a escola . No relato apresentado, Vânia ainda declara

ter se tornado uma empreendedora, dona de uma gelateria e pontuando que “sempre falo para

as pessoas que Deus usa anjos, e Ele usou o Paulo Vieira na minha vida e na da minha família.

Sou muito grata” (Vieira, 2015, p. 19). Assim, Vieira (2015) aproxima a sua pessoa e o

método CIS a Deus, que é divino, por meio do depoimento de pessoas que impactou e dos

resultados em seus relatos.


176

Ao explorar os princípios do pastorado, Foucault (1978/2008b) explicita que o pastor

compartilha dos méritos e deméritos de todas as ovelhas, por um princípio de transferência

exaustiva e instantânea, assim como deve se dispor ao sacrifício pelo seu rebanho, ou seja, os

ônus e os bônus são responsabilidade do pastor e este deve se perder por seu rebanho.

Entretanto, caso as ovelhas sejam indóceis, o pastor será absolvido, “e, inversamente, pode-se

dizer que as fraquezas do pastor podem contribuir para a salvação do rebanho, assim como as

fraquezas do rebanho podem contribuir para salvação do pastor” (Foucault, 1978/2008b, p.

227). Desta forma, o cálculo dos méritos e deméritos para salvação implica a submissão às

ordens de Deus, uma obediência pura.

Entende-se que nessa perspectiva o pastor é responsável pelos resultados de cada

ovelha, porém, estes mesmos resultados podem reverberar na salvação de uma das partes e

não da outra, caso haja uma condução adequada a partir das leis de Deus. Nesse sentido, os

erros do pastor não devem gerar ônus ao rebanho, mas “o exemplo do pastor é fundamental,

essencial para virtude, o mérito e a salvação do rebanho” (Foucault, 1978/2008b, p. 227), do

modo como Vieira fora descrito nos exemplos acima.

Porém, ainda que Vieira (2015, 2017a) se coloque enquanto um exemplo a ser

seguido, como aquele que conduz ao caminho da salvação e se paute nas leis de Deus, este

não se responsabiliza pelos deméritos dos indivíduos; ao contrário, seu conceito de

autorresponsabilidade delega ao indivíduo a completa responsabilidade por todos os seus

resultados, não devendo culpar ninguém (inclusive Deus). Entretanto, mantém-se a

perspectiva de um cálculo dos méritos e deméritos, de uma distribuição das recompensas e

das punições, posto que Vieira (2015) se apropria dos méritos dos indivíduos, já que os bons

resultados são utilizados para divulgar o método CIS e o caminho para o sucesso que oferece

enquanto produto, os chamados casos de sucesso.


177

Dessa forma, instaura-se por meio do método CIS um sistema de distribuição das

punições e das recompensas, dos méritos e dos deméritos, posto que haverá nos exercícios

uma série de avaliações por notas e níveis de formação diferentes a depender dos cursos já

executados no CIS, assim, "a todo momento se pune e se recompensa, se avalia, se classifica,

se diz quem é o melhor, quem é o pior" (Foucault, 1973/2002, p. 120). A hierarquização que

opera no CIS se dá a partir de uma distribuição dos indivíduos de acordo com sua capacidade

produtiva, seus resultados, logo, as punições operam por meio de representações que

exprimem a ideia de uma dor, do sofrimento, de um desprazer, não agindo necessariamente

sobre o corpo, mas dizendo também sobre este (Foucault, 2014).

Os cálculos dos méritos e deméritos articulam as forças que mobilizam as

representações, Vieira (2015, 2017a) faz isso por meio de metáforas, analogias ou mesmo

falas diretas para discorrer sobre as punições, os deméritos, que podem sofrer aqueles que não

busquem a abundância em todas as áreas, como se observa em:

Afinal, não precisamos ser paranormais nem videntes para imaginar qual será o

destino daquela pessoa que nunca encarou a vida profissional. Não precisamos ser

muito inteligentes para acertar como será o futuro do alcóolatra ou como será a família

do adúltero. Ou como será a saúde do glutão sedentário ou a vida daquela mulher que

trocou os filhos pelos colegas de balada e seu futuro financeiro por bolsas e sapatos.

Certamente é bem mais fácil e cômodo dizer como será a vida das pessoas presas na

zona de conforto. Afinal, estamos de fora, analisando suas ações e as consequências de

seus atos e de suas omissões (Vieira, 2015, p. 43)

Por meio de uma passagem metafórica bíblica em que um senhor concede seus bens

(dons e talentos) aos seus servos, Vieira (2015) explicita como o senhor puniu um dos servos

por este não ter feito o talento prosperar, multiplicar-se, tendo lançado “o servo inútil nas
178

trevas exteriores, ali haverá choro e ranger de dentes” (Vieira, 2015, p. 61). Em seguida Vieira

(2015) acrescenta

e você, o que tem feito com seus dons e talentos? Tem agido e aproveitado? Ou tem

ficado estático, inerte e acomodado? E suas ações e seus comportamentos são cheios

de dedicação e esforço? Ou você age de qualquer maneira sem se preocupar com a

qualidade ou o resultado? [...] pague o preço, aja na direção certa e vá na maior

velocidade possível [...] nós estamos falando de ação. Só tem poder quem age (Vieira,

2015, p. 61)

Deste modo, pode-se observar que a essência humana, seus poderosos talentos, foram

concedidos por Deus e devem ser aproveitados (produtivo) e desenvolvido de modo

autorresponsável; caso contrário, é como negar a lei Deus e correr o risco de sofrer punições.

A partir de Kreimer (2000) pode-se observar que Vieira (2015, 2017a) se afasta de uma

proposta judaico-cristã, pois sua ética não visa apenas alcançar a salvação eterna e o

reconhecimento de Deus; para o coach a gratidão pela criação humana advém de ações que

são reconhecidas em terra, que trazem ganhos materiais e imateriais neste plano. Como se

observa por meio do exemplo, os talentos devem ser valorizados através de ações,

principalmente pelo trabalho, aproximando-se de uma perspectiva protestante.

Kreimer (2000) aponta que a transição do mérito católico para o mérito protestante se

deu com a passagem para o mundo moderno em que o pecado passa a ser entendido como

erro e o trabalho passa a ser ponto central na vida de um indivíduo. Considerando a

perspectiva holística do método CIS (referente a toda as áreas da vida) entende-se que a razão

da vida do indivíduo proposto por Vieira (2015) não é necessariamente o trabalho, mas este se

apresenta enquanto ponto preponderante nos exemplos e essencial para o sucesso. No mais,

Vieira (2015) ainda orienta o leitor sobre a importância do erro e da aprendizagem, posto que

para haver desenvolvimento deve-se aprender com seus resultados e se questionar: “o que eu
179

devo fazer de modo diferente para que da próxima vez os resultados sejam melhores?”

(Vieira, 2015, p. 67). Tal questionamento é seguido por uma descrição sobre a

responsabilidade individual daqueles que buscam recolocar-se no mercado de trabalho.

Weber (2004) esclarece que, de um modo geral, mas não generalizável, a ascese

católica não priorizava o fomento das atividades econômicas, focalizando a salvação divina,

ao contrário da racionalização da conduta de vida da ascese protestante, a qual se atenta ao

mundo espiritual e material, compreendendo a vocação profissional enquanto uma missão que

glorifica a Deus e também está a serviço da “vida intramundana da coletividade” (p. 99),

devendo ser um indivíduo útil ao gênero humano.

Não obstante, protestantes ainda partem do princípio da predestinação, segundo o qual

há os eleitos e não eleitos por Deus em suas qualidades, seus talentos, aptidões, sendo que o

destino de cada indivíduo já foi previamente traçado, não havendo uma consideração dos

méritos ou deméritos terrenos, ao indivíduo cabe apenas gerenciar os bens que lhe foram

dispensados por Deus (Weber, 2004). Logo, o que Weber (2004) traz é que “torna-se pura e

simplesmente um dever considerar-se eleito e repudiar toda e qualquer dúvida como tentação

do diabo, pois a falta de convicção, afinal, resultaria de uma fé insuficiente e, portanto, de

uma atuação insuficiente da graça” (p. 101, grifo do autor), assim, deve-se conquistar na luta

do dia a dia a confiança para a eleição divina por meio do trabalho profissional sem descanso,

valorizando suas aptidões, reconhecendo o que Deus lhe concebeu.

Para além, Foucault (1973/2002) complementa que o

trabalho não é absolutamente a essência concreta do homem, ou a existência do

homem em sua forma concreta. Para que os homens sejam efetivamente colocados no

trabalho, ligados ao trabalho, é preciso uma operação ou uma série de operações

complexas pelas quais os homens se encontram efetivamente, não de uma maneira

analítica, mas sintética, ligados ao aparelho de produção para o qual trabalham. É


180

preciso a operação ou a síntese operada por um poder político para que a essência do

homem possa aparecer como sendo a do trabalho (Foucault, 1973/2002, p. 124)

Neste sentido entende-se que Vieira (2015, 2017a) agrega argumentos judaico-cristãos

(por declarar-se enquanto tal) a protestantes e constrói seu próprio arcabouço teórico-

conceitual que será ainda associado a argumentos científicos para construção de um discurso

do indivíduo produtivo, ligando os indivíduos a aparelhos de produção, ao trabalho. Desta

forma, pensando a partir de Foucault (1999b), Vieira (2015, 2017a) parte de princípios de uma

lei, no caso, divina, a qual exerce um poder e se articula ao discurso científico e gera efeitos

de verdade, a produção de uma verdade, observáveis na relação de poder pastoral entre coach

e coachee. Ademais, a FEBRACIS é suplantada pela figura de Vieira, considerado enquanto

um pastor a partir da metáfora foucaultiana apresentada. Ao se dispor enquanto um

gerenciador do caminho da salvação, o coach exerce poderes por meio de argumentos

religiosos (cristão e/ou protestante) ao propor um caminho do progresso, sendo este caminho

também regulado pelas leis divinas as quais estão preservadas no método CIS.

4.2.2 Sobre a ciência

Outro aspecto que embasa o método CIS é a ciência, considerando que a veracidade e

a eficácia pautam-se em argumentos que partem da Neurociência, da Física Quântica, da

Psicologia Social e da Psicologia Positiva para explicitar os erros e o direcionamento da

correção que os indivíduos devem tomar. Ao que parece a escolha de Vieira (2017a) por tais

áreas, principalmente a neurociência, se dá devido à possibilidade de obter informações

objetivas sobre o ser humano, cooperando para a construção de técnicas que possibilitam a

mudança de comportamento. Vieira (2017a) ainda pontua que o “método tradicional de

desenvolvimento” (p. 84), não mencionando especificamente ao que se refere, possui uma

compreensão da mente de forma muito subjetiva,


181

contudo, as novas tecnologias e os saberes revelados pela neurociência moderna

trazem uma forma mais clara e objetiva de entender o ser humano, seus sentimentos e

pensamentos. Para o Coaching Integral Sistêmico, o pensamento não é algo subjetivo,

mas uma dualidade por imagens mentais e um diálogo interno mental, e, por isso, é um

poderoso ingrediente de geração de consciência, reprogramação de crenças e mudança

de comportamento (Vieira, 2017a, p. 84)

Desta forma, a proposta corretiva para o sucesso consiste em um método com práticas

concretas voltadas para reprogramação mental das crenças individuais, tais práticas se dão por

meio de discursos que recorrem a saberes das áreas supracitadas, exercícios originais e

menções religiosas para mobilizar os afetos de seus adeptos e criar um campo fértil para

propagar seu discurso de mudança pautada no progresso. Nas palavras de Vieira (2015)

meu objetivo com este livro é produzir estímulos emocionais e cognitivos suficientes

para haver novas sinapses neurais, ou seja, uma nova e diferente maneira de conectar

os neurônios. E o melhor disso tudo é que as mudanças ocorrem depressa, muito

depressa (Vieira, 2015, p. 220)

Ao que parece a aproximação entre o método e a ciência é algo de suma importância

para Vieira (2015). De modo complementar, Anthony Portigliatti (presidente da FCU) pontua

que “o livro O poder da ação apresenta ampla investigação científica resultante da dedicação

de Paulo Vieira ao longo do seu programa de doutorado em coaching, realizado na Florida

Christian University (FCU)” (Vieira, 2015, p.13, grifos do autor). Sobre o mesmo livro, Vieira

(2015) instrui o leitor que

o encare não apenas como uma leitura racional e explicativa, e sim como um manual

prático para alta performance e grandes conquistas. Aqui, além de um conteúdo

profundo, moderno e embasado cientificamente, você encontrará muitos exercícios,

questionários e testes. E para que você tenha os melhores e maiores resultados, peço
182

que sublinhe e marque tudo o que achar necessário, mas, sobretudo, que você faça e

responda dedicadamente cada um dos exercícios propostos. Desejo uma ótima leitura e

grandes mudanças (Vieira, 2015, p. 21)

Em suma, Vieira (2015, 2017a) aglutina diversos discursos, como o religioso, o da

autoajuda e de sua própria história, mas, o principal discurso a que recorre para afirmar a

eficácia de seu método, é o científico. Paulo Vieira não apenas se pauta em saberes científicos,

mas busca se afirmar discursivamente como alguém que teve uma formação acadêmica que

lhe proporcionou tais conhecimentos. Como coloca:

Eu faço mestrado, doutorado, pós-doutorado, pro cara vir me chamar de motivador?

Não, eu não sou motivador. Eu sou coach, eu sou um treinador, eu sou um

pesquisador, pode-se até dizer que eu sou um cientista. Mas, com todo respeito,

motivador eu não sou, nem sou esotérico, nem sou autoajuda. [...] se autoajuda é uma

forma pejorativa que não está baseada na ciência, não, não sou. Tudo meu é científico.

No método CIS, hora após hora, eu dou uma base bibliográfica, uma base científica,

eu digo o autor, eu digo o cientista, digo o livro, eu mostro o vídeo dos cientistas. Todo

tempo trazendo uma base científica, eu não falo nada que eu não traga o embasamento

científico profundo. As pessoas saem de lá com mais de trinta citações de livros, onde

eu tenho meu escopo de estudo, de pesquisa. As pessoas saem com, pelo menos, sete

vídeos de cientistas, que balizam toda a minha pesquisa, onde o método CIS está

inserido. Então, é ciência, o método CIS é ciência.61

O que se compreende é que Vieira discursivamente ressalta, por exemplo, aspectos

como títulos acadêmicos, conceitos neurocientíficos (especificamente a inteligência

emocional, que será abordada) e instituições de origem dos cientistas que menciona, visando

da credibilidade ao seu discurso. Porém, para Vieira, a prova da cientificidade do CIS e sua

61 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=s0-2cFrZ2b4&t=2536s. Minutagem: 53’15’’-55’03’’.


Acessado em: 14/09/21
183

contribuição se detêm na aplicabilidade que fornece aos saberes científicos, sendo presente

nos exercícios, palestras, cursos e sessões de coaching. Entende-se que seu objetivo

primordial é apropriar-se dos conhecimentos que forem necessários apenas para propor meios

de alterar os indivíduos, corrigir suas ineficiências, seus erros e os aspectos que possam

afastá-lo de uma produtividade constante.

Assim, observa-se que Vieira (2015) busca dar embasamento científico às ferramentas

que propõe no método CIS, entretanto os exercícios são os principais aspectos ressaltados

para reprogramação mental. É necessário pontuar que, apesar de negar o vínculo com a

autoajuda, Vieira (2017a) situa que sua trajetória teve início a partir de um livro dessa

temática, com autoria de Roberto Shinyashiki (proprietário da editora Gente). Afirma que foi

a partir deste “que minha vida começou a mudar de forma extraordinária. Ali, a minha chave

ligou, os faróis se acenderam e comecei a andar; porém, daquela vez, na direção certa”

(Vieira, 2017a, p. 17).

Logo, ainda que a presença da autoajuda não seja associada diretamente ao método,

entende-se que por esta ter feito parte das leituras de Vieira e ainda possuir presença em sua

vida (posto que o editor de seus livros é o autor do livro que o impactou) infere-se que esta se

faz presente em seu método de modo indireto, já que é um elemento que o impactou

afetivamente. Não obstante, isso ainda pode ser afirmado ao ser observável citações de

Napoleon Hill, autor de livros classificados como de autoajuda, ao final de capítulos (Vieira,

2017a, p. 52 e p. 162)

Entende-se que, apesar de contraditório, Vieira (2015, 2017a) apresenta uma trajetória

que se assemelha tanto ao intelectual universal quanto ao específico caracterizados por

Foucault (1979/2019a). Para o filósofo, o intelectual universal faz uso de seu saber, de sua

competência, de sua verdade, portador de significações e valores em que todos podem se

reconhecer, já o intelectual específico, contemporâneo (ao contrário do universal, que fora


184

ultrapassado), remete ao cientista-perito (Foucault, 1979/2019a). Foucault (1979/2019a)

discorre sobre como a biologia e a física foram, de maneira privilegiada, as zonas de formação

desse novo personagem, de modo que a extensão das “estruturas técnico-científicas na ordem

da economia e da estratégia lhe deram sua real importância. A figura em que se concentram as

funções e os prestígios do novo intelectual não é mais do “escritor genial”, mas a do ‘cientista

absoluto’” (p. 50).

Com isso, considerando o que fora exposto a partir de Vieira (2015, 2017a), como o

método CIS abrange diversas áreas da vida e se refere a problemáticas cotidianas

(dificuldades familiares, falta de dinheiro e afins), as quais podem ser reconhecidas por

diversas pessoas, Vieira (2015, 2017a) faz uso de seus saberes e de sua competência enquanto

treinador, assemelhando-se ao intelectual universal. Do que se refere ao intelectual específico,

Vieira privilegia os conhecimentos da física e da biologia, colocando-se como um perito (e

criador) no treinamento que fornece, como um cientista que, pelo menos pretende e, de algum

modo, faz parte da estrutura técnico-científica.

Foucault (1979/2019a) adverte que seria perigoso desqualificar o intelectual específico

em sua relação com um saber local,

sob pretexto de que se trata de um problema de especialistas que não interessa às

massas (o que é definitivamente falso, pois não só elas têm consciência deles como

também neles estão implicadas) ou de que ele serve aos interesses do capital e do

Estado (o que é verdade, mas mostra, ao mesmo tempo, o lugar estratégico que ele

ocupa) ou ainda de que ele veicula uma ideologia cientificista (o que nem sempre é

verdade e tem apenas uma importância secundária com relação ao que é primordial: os

efeitos do discurso verdadeiro) (Foucault, 1979/2019a, p. 51).

Vieira (2015, 2017a) tem por objetivo impactar as pessoas, as massas, veiculando uma

ideologia cientificista ao apoiar este caminho como o do progresso em detrimento de outros


185

modos de pensar (como explicita ao discorrer sobre outras teorias) e ocupando um lugar

estratégico que ser aos interesses do capital e do Estado ao estimular uma produtividade e

ganhos constantes. A verdade que Vieira (2015, 2017a) busca veicular é a da ciência, tendo a

neurociência como a principal fonte, da qual se ressaltam os conceitos de Inteligência

Emocional (IE), QI e QE (quociente de inteligência e quociente emocional).

O conceito de Inteligência Emocional de Daniel Goleman é um conceito entendido

como essencial ao CIS, posto que é utilizado como parte do título “Método CIS® (Coaching

Integral Sistêmico), curso criado por mim [Vieira] e que se tornou o maior treinamento de

inteligência emocional das Américas” (Vieira, 2017a, p. 28).Vieira estabelece tais

aproximações fornecendo a conotação de que o CIS é científico, pois aplica e dissemina um

conceito científico de um profissional formado em uma instituição mundialmente renomada.

Vieira (2017a) associa seu método a conceitos científicos, entretanto, as citações se

dão de modo livre, o conceito de Goleman não é desenvolvido ou mesmo melhor explicitado

ao leitor. É válido ressaltar que na aba de referência científica do método apontado pelo

website62 enquanto uma pesquisa sobre o CIS, não há uma conceituação de IE, mas menções

sobre o CIS. Como em: “uma metodologia de desenvolvimento pessoal orientada à conquista

de objetivos, desenvolvimento da inteligência emocional e mudança de estilo de vida, baseado

na metodologia de coaching e conhecimento de neurociências, operando no âmbito do

paradigma holístico (sistêmico)” (Taunay, Souza & Vieira, 2014, p. 2).

Assim, ainda que Goleman seja um Psicólogo, pode-se afirmar suas aproximações

com o discurso neurocientífico, sendo este também mencionado enquanto uma das bases

científicas do método CIS. A neurociência é abordada nos materiais de análise

majoritariamente como disciplina, de modo amplo, utilizando apenas a palavra em si e

eventuais menções por parte de Vieira (2015, 2017a) a neurocientistas e seus estudos. Por

exemplo, o estudo desenvolvido pelo “doutor Rene Hurlemann” (Vieira, 2015, p. 198) que

62 Disponível em: https://metodocis.com/referencia-cientifica/. Acessado em: 26/07/21.


186

visou averiguar a relação entre homens heterossexuais, o hormônio ocitocina e fidelidade

conjugal. Entretanto, o estudo mencionado não é referenciado ao final do livro.

A partir de Vieira (2015), a Inteligência Emocional abordada por Goleman é

equivalente ao conceito de Quociente Emocional, “localizado” no hemisfério direito do

cérebro e

é o responsável pelas emoções, pelos sentimentos, pelos pensamentos involuntários,

pela inconsciência, pela intuição e pelas crenças. É o lado responsável pela nossa

capacidade de realização. É onde reside o atualmente famoso Quociente Emocional ou

Inteligência Emocional (QE), assunto tão abordado hoje em dia pelo famoso

psicólogo, Ph.D. de Harvard, Daniel Goleman e muitos outros cientistas e

pesquisadores pelo mundo. O hemisfério direito é o lado criativo, que desenvolve a

arte e a poesia. É o lado que sente paixão, saudade, tristeza, além de ser o responsável

pela imaginação (Vieira, 2015, p. 73).

Do conceito de Goleman, Vieira (2015) atém-se ao aspecto de que a IE está associada

a capacidade de realização, logo, ao seu bordão e foco do método, tem poder quem age,

afirmando que: “se eu tivesse de escolher entre ter grandes ideias e reflexões ou ser realizador,

eu elegeria o hemisfério direito e a capacidade de realização, mesmo que fosse um realizador

de ideias medíocres” (Vieira, 2015, p. 73). No intuito de fornecer o caminho para a ação, para

se adquirir IE, Vieira (2017a) vincula tal conceito ao de autorresponsabilidade, afirmando que

a “inteligência emocional só será atingida quando o indivíduo for capaz de se responsabilizar

pelo seu crescimento nas mais diversas áreas da vida” (Vieira, 2017a, p. 12).

Assim como coloca Vieira (2015) sobre as conceituações de QI e QE, ser inteligente,

ter talento e esforço não bastam para atingir seus objetivos, como apontam McNamee e Miller

Jr. (2014). Estes elementos devem ser cultivados e treinados a partir das oportunidades, mas

ressaltam que nem todo treinamento é uma opção amplamente acessível de formação. Ao
187

priorizar a capacidade de realização, a criatividade e as emoções Vieira (2015), se aproxima

do que McNamee e Miller Jr. (2014) denominaram enquanto talento bruto a ser desenvolvido,

entretanto, para os autores, por mais que os talentos sejam fatores relevantes, a complexidade

da questão se centra em saber de que modo a interação entre fatores inatos e fatores

ambientais influenciam nos resultados individuais.

Confluindo com McNamee e Miller Jr. (2014), Vieira (2015), também considera que a

inteligência, o QI, isoladamente não é um fator que por si só pode trazer sucesso para vida do

indivíduo, considerando a interação holística entre todas as áreas da vida. Entretanto, Vieira

(2015) desconsidera fatores ambientais em prol de um foco sobre o desenvolvimento

individual, sobre os quais McNamee e Miller Jr (2014) afirmam que

a maioria dos cientistas sociais e neurocientistas agora concluem que tentar isolar os

efeitos da “natureza” da “criação” ao prever as probabilidades de resultados na vida é

uma perseguição inútil; em vez de um ou outro, o que importa é uma combinação de

ambos e como esses fatores interagem de maneiras complexas. É claro, entretanto, que

a capacidade inata por si só não conta para nada (McNamee & Miller Jr., 2014, p.

28)63.

A partir de Foucault (1979/2019a) entende-se que este o discurso científico, cuja

especificidade está ligada às funções gerais do dispositivo de verdade em nossa sociedade, é

um portador de valores universais, e possui uma economia política da verdade que tem cinco

características historicamente importantes:

a “verdade” é centrada na forma do discurso e das instituições que o produzem; está

submetida a uma constante excitação política e econômica (necessidade de verdade

tanto para a produção econômica, quanto para o poder político); é objeto, de várias

63 most social scientists and neuroscientists now conclude that trying to isolate the effects of “nature” from
“nurture” in predicting the probabilities of life outcomes is a wild goose chase; rather than one or the other, what
matters is a combination of both and how those factors interact in complex ways. It is clear, however, that innate
capacity alone accounts for nothing. (McNamee & Miller Jr., 2014, p.28)
188

formas, de uma imensa difusão e de um imenso consumo (circula nos aparelhos de

educação ou de informação, cuja extensão no corpo social é relativamente grande, não

obstante algumas limitações rigorosas); é produzida e transmitida sob o controle, não

exclusivo, mas dominante, de alguns dos grandes aparelhos políticos ou econômicos

(universidade, exercito, escritura, meios de comunicação); enfim, é objeto de debate

político e de confronto social (as lutas “ideológicas”) (Foucault, 1979/2019a, p. 52)

Com isso, é ao se apropriar do discurso científico por meio de conceitos como o de

Goleman que Vieira busca se aproximar de tal verdade, colocando-se no papel de seu

reprodutor ao propor um treinamento a partir desenvolvimento de IE como se dá no método

CIS a partir de sua aplicabilidade por meio de exercícios. Por exemplo, em um exercício,

Vieira (2017a) propõe ao leitor adquirir IE ao aplicar a autorresponsabilidade, para isso este

deve avaliar suas competências pessoais e sociais, conceitos de Goleman.

De acordo com Vieira (2017a), competência pessoal refere-se à capacidade de

conectar-se consigo, já a competência social diz respeito à capacidade de conectar-se com o

outro de modo harmônico. Ambos são necessários para desenvolvimento de aptidões. O

intuito do exercício é evidenciar pontos frágeis e prejuízos do indivíduo para que este possa

corrigi-los, a depender da pontuação avaliada poderá ser um indicativo de que “você poderia

estar fazendo e produzindo muito mais, mas não está. Como consequência sua vida

provavelmente carece de realizações e conquistas” (Vieira, 2017a, p. 44).

Associando diretamente o saber ao poder, ao pontuar que não é possível dissociar a

constituição do saber sem considerar os efeitos e ensejos do poder, Foucault (2014) aponta

que "não há relação de poder sem constituição correlata de um campo de saber, nem saber que

não suponha e não constitua ao mesmo tempo relações de poder" (p. 31). Nesse sentido, ainda

que não se situe no campo científico propriamente dito, ao estabelecer um arcabouço

conceitual (de algum modo), um método, uma instituição e uma forma de reprodução daquilo
189

que denominou como uma proposta de desenvolvimento humano de inteligência emocional,

Paulo Vieira e a FEBRACIS se situam no campo de um saber o qual, por meio de suas

técnicas, exerce e produz efeitos de poder.

Assim, os autores e pesquisas resgatados por Paulo Vieira, são condizentes com sua

trajetória americanizada e cristã de formação, estes (os autores resgatados) são de áreas

científicas como a neurociência, a psicologia positiva, psicologia social e afins. Tais áreas de

conhecimento e uso descontextualizado de seus saberes são constantemente articulados por

Paulo Vieira às demandas produtivas do mercado e a flexibilidade que esta almeja do

indivíduo. Não obstante, o público ao qual se direciona em seu discurso são indivíduos

inseridos em empresas ou proprietários de empresas, com famílias heteronormativas em um

espaço urbano, possuidores de recursos materiais e inseridos em redes de sociabilidade que os

possibilita ter acesso aos cursos e materiais fornecidos pela instituição.

4.2.3 O método CIS

Pensando a partir de Foucault (2014), enquanto um arcabouço conceitual que se

integra a uma verdade, entende-se que especificamente o método CIS funciona de modo a

produzir um saber e exercer um poder sobre o indivíduo, posto que é uma prática de exame

que combina técnicas disciplinares, ou seja, uma hierarquia que vigia e uma sanção que

normaliza,

é um controle normalizante, uma vigilância que permite qualificar, classificar e punir.

Estabelece sobre os indivíduos uma visibilidade através da qual eles são diferenciados

e sancionados. É por isso que, em todos os dispositivos de disciplina, o exame é

altamente ritualizado. Nele vêm-se reunir a cerimônia do poder e a forma da

experiência, a demonstração da força e o estabelecimento da verdade (Foucault, 2014,

p. 181)
190

Dessa forma, o método é uma proposta de reprogramação mental que visa adquirir

informações sobre os indivíduos e que tem por objetivo controlá-los integralmente, seja

abordando o passado, o presente ou o futuro, configurando um modo de vigilância posto que

há uma visibilidade fornecida pelas informações e um olhar constante sobre estas, como se

observa nas práticas e exercícios que devem ser executados a partir de etapas ou mesmo

considerando o processo de desenvolvimento humano um todo. O método também é descrito

enquanto uma

abordagem biopsicossocioespiritual de atenção à saúde e o paradigma sistêmico de

compreensão do homem, utilizando conceitos derivados de pesquisas em ciências

biológicas, incluindo neurociências e genética, e psicologia positiva e cognitiva. Trata-

se de um conceito promissor de reformulação de hábitos de vida e reprogramação de

crenças disfuncionais com resultados considerados rápidos e consistentes, segundo

relatos de inúmeros usuários desta metodologia (Taunay, Souza & Vieira, 2014, p. 12)

O método CIS consiste em uma proposta de correção dos desvios dos indivíduos que

se debruça sobre aspectos biopsicossocioespirituais, ou seja, sua subjetividade, sociabilidade,

seu corpo e suas crenças religiosas, para isso recorre a saberes principalmente da Psicologia e

da Neurociência. Sendo o CIS posto enquanto uma abordagem de atenção à saúde, Vieira

(2015), posteriormente à pesquisa citada, coloca o método enquanto um tratamento,

evidenciando sua proposta corretiva. O CIS se debruça sobre o tempo, o corpo, os gestos e as

atividades de todos os dias, “a alma também, mas na medida em que é sede de hábitos”

(Foucault, 2014, p. 127).

Como colocam Dardot e Laval (2016), “diferentes técnicas, como o coaching,

programação neurolinguística (PNL), análise transacional (AT) e múltiplos procedimentos

ligados a uma “escola” ou um “guru” visam a um melhor “domínio de si mesmo”, das

emoções, do estresse” (p. 339). Assim, os coaches têm por objetivo fortalecer o indivíduo ou
191

adaptá-lo melhor à realidade, utilizando saberes psicológicos, metodologias particulares,

modos de argumentação de feição empírica e racional para aplicação de técnicas de

transformação do indivíduo utilizadas para a condução das condutas individuais, sendo suas

metodologias um objeto de comércio intenso (Dardot & Laval, 2016).

Nessa perspectiva, Vieira (2015) considera que o indivíduo é como um disco-rígido de

computador, um hard disk (HD), que necessita ter espaço liberado para novas informações e

saberes entrarem por osmose, enquadrando o ser humano em possibilidades mecânicas de

existência por meio de programações mentais, colocando tal corpo como “máquina no seu

adestramento, na ampliação de suas aptidões, na extorsão de suas forças, no crescimento

paralelo de sua utilidade e docilidade, na sua integração em sistemas de controle eficazes e

econômicos” (Foucault, 2014, p. 150).

Entende-se que o corpo visado e constituído pelo método deve possuir em suas

técnicas e procedimentos um cálculo, uma economia, voltada para eficácia e organização dos

movimentos internos, havendo uma sujeição que impõe relações de docilidade-utilidade, uma

“manipulação calculada de seus gestos e comportamentos” (Foucault, 2014, p. 135), voltadas

para o aumento de aptidões. Para isto, é proposta a jornada do progresso humano (Vieira,

2017a), que se divide em quatro etapas: consciência, autorresponsabilidade, visão positiva de

futuro e ferramentas poderosas de progresso.

Consciência

Assim como descrito na meritocracia, todo o foco é posto nas ações individuais, sendo

o sucesso determinado pelo mérito individual, o que apresenta um individualismo enraizado

nas tradições políticas, culturais, religiosas e econômicas (McNamee e Miller Jr., 2014). Tais

tradições deixam como herança para o indivíduo uma ética e moral protestante voltada para o

trabalho, principalmente o esforço; uma política de liberdade individual regulada por um


192

Estado, ou seja, igualdade civil; uma economia capitalista pautada no livre mercado,

enfatizando a competitividade, a propriedade privada, e o interesse próprio; e a uma cultura

que crê ser possível alcançar objetivos ao tê-los como metas (Mcnamee e Miller Jr., 2014).

Logo, a meritocracia recorre apenas a características dos indivíduos para explicar o que

acontece com estes (McNamee e Miller Jr., 2014).

Vieira (2015) discorre que Deus habita o homem por meio de uma voz que convida o

indivíduo a acordar (tomar consciência), conectando-se com sua parte divina, explicitando

que não há sorte, há a recompensa de Deus pelos esforços em criar abundância. Assim, para

Vieira (2015), o indivíduo deve ter ações voltadas para um posicionamento autônomo por

meio de perguntas poderosas de progresso (PPS’s), autoquestionamentos que visam identificar

quem é o timoneiro do barco de sua vida e em quais áreas se localizam seus prejuízos. É por

meio destas questões, que são feitas e refeitas por um tempo indeterminado, que há um modo

de vigilância, dado que há uma visibilidade que individualiza constituindo um saber e

assegurando o poder que se exerce sobre os indivíduos (Foucault, 2014).

Ainda Vieira (2015, 2017a) dê relevância da autonomia, é o coach que traz definições

de sucesso e que se coloca em uma posição daquele que explicita a verdade dos fatos, que

fornece o caminho para tratar as disfunções a partir de modelos de questionamentos, como:

“Os resultados que você tem colhido na sua vida estão de acordo com o que você gostaria de

ver para si mesmo?” (Vieira, 2015, p. 24).

Retomando o poder pastoral, este volta-se ainda a consciência, a qual, na prática do

pastorado nem sempre é voluntária, podendo ser obrigatória e necessariamente deve ocorrer

de modo permanente, ou seja, deve haver um exame permanente da consciência (Foucault,

1978/2008b). Um dos aspectos que o pastorado identifica enquanto meritório é a capacidade

de haver uma obediência integral, de submissão, de um indivíduo para com outro, assim a

ovelha deve ser capaz de ter humildade e renunciar às suas próprias vontades, entendendo-se
193

que estas são ruins (Foucault, 1978/2008b). Neste sentido, no pastorado há um modo de

individualização que demanda a anulação do eu, posto que o pastor atua a partir da verdade,

ou seja, sua função é mostrar a direção correta da conduta cotidiana, passando por uma

observação, uma vigilância e uma direção exercida a cada instante. Como coloca Vieira

(2015)

Então, fique alerta. Sua vida não é o que você diz que ela é, e sim o que é percebido,

visto e presenciado na prática. Não adianta você dizer que é um bom pai e que seus

filhos são felizes se você não dedica tempo, e tempo de qualidade, a eles. Não adianta

dizer que você é um bom pai, se seus filhos não são fortes emocionalmente, vigorosos

e felizes. Então, não importa o que eu ou você dizemos, não importa nossa visão, às

vezes até nossas certezas sobre o que acontece no dia a dia. O que importa são nossos

comportamentos e, em especial, os resultados gerados e percebidos por todos (Vieira,

2015, p. 37)

Com isso, o poder que opera nesta relação coach e coachee, pastor e ovelha, busca no

exame da consciência individual a modelagem e um discurso de si que converge com a

verdade postulada pela abundância divina, sucesso material e imaterial, e resultados

individuais em todas as áreas da vida. A partir de Foucault (1999b) entende-se que “somos

forçados a produzir a verdade pelo poder que exige essa verdade e que necessita dela para

funcionar; temos de dizer a verdade, somos coagidos, somos condenados a confessar a

verdade ou a encontrá-la” (p. 29). Entende-se que tais autoquestionamentos exercem um

poder de coação e submissão a tal verdade, devendo segui-la enquanto parte de uma norma.

Ainda pensando a partir de Foucault (1999b), a solicitação divina e de Vieira para a

tomada de uma consciência por meio de questionamentos e modelos exerce no indivíduo um

poder que indaga para apontar o desvio. Há um registro escrito da identificação resultante dos
194

questionamentos das áreas da vida que estão produtivamente insuficientes, ou, ao menos, não

funcionando de acordo com a sua possibilidade de máxima produtividade e corrigi-las.

Compreende-se que o indivíduo deve “estar disposto a construir um padrão de vida

baseado em uma rotina de excelência” (Vieira, 2015, p. 36). Logo, entende-se que tal verdade

se atrela ao explicitado por Foucault (1999b), para o qual: “temos de produzir a verdade

como, afinal de contas, temos de produzir a riquezas, temos de produzir a verdade para

produzir riquezas” (p. 29). Desta forma, a tomada de consciência é apresentada por meio de

padrões que variam entre a excelência e a disfunção, visando concretizar a primeira e

identificar a segunda. A título de ilustração, segue abaixo a descrição de Vieira da rotina do

indivíduo abundante, de excelência:

Ele dorme cedo com uma sensação de preenchimento, de completude, de que sua vida

vale a pena ser vivida. No dia seguinte, acorda cedo, pensa em seus planos e sonhos

futuros, vai fazer atividade física e depois saboreia um saudável café da manhã com

boa parte da família. Depois vai trabalhar com entusiasmo e energia. Como isso é

maravilhosamente normal. Ao chegar à empresa, ele entra de maneira triunfal.

Cumprimenta cada colega de trabalho com olhar sorridente, sorriso sincero e palavras

de otimismo. Ele é solícito e apoiador, querido, respeitado e reconhecido por todos

como um perito no que faz. Esse homem sente enorme prazer em trabalhar e produzir.

Ao acabar sua jornada de trabalho, ele é invadido por uma sensação gostosa de dever

cumprido, de um dia superprodutivo. E, antes de sair do trabalho, despede-se dos

colegas e sai com um sorriso no rosto e ávido para chegar em casa, sabendo que

existem pessoas que esperam por ele no aconchego do seu lar. Isso é de fato normal.

Quando ele chega em casa, tudo se repete, de maneiras diferentes, mas com a mesma

qualidade emocional, com os mesmos sentimentos (Vieira, 2015, p. 36)


195

A verdade que Vieira (re)produz é a da ação produtiva, esta diz sobre o indivíduo que

deve ser produtivo e como este deve ser. Com isso, é importante ressaltar a função da ação,

pois com a tomada de consciência é necessário que se aja, que o indivíduo faça algo a respeito

da sua condição, saia da zona de conforto improdutiva e de narrativas que justifiquem sua

improdutividade ou insucesso por versões aprimoradas e positivas, prontas para mudança

comportamental, como Vieira (2015, 2017a) coloca (repetidas vezes) em seu bordão: “TEM

PODER QUEM AGE E MAIS PODER AINDA QUEM AGE CERTO E MASSIVAMENTE”

(Vieira, 2015, p. 55, destaques do autor).

Para Foucault (1999b) o poder se exerce no nível de intenção ou da decisão, ou seja,

no pensamento ou na ação, inteiramente concentrado em práticas efetivas, desta forma se

aproxima de Vieira (2015, 2017a) até certo ponto, posto que ambos percebem nas ações

individuais um espaço em que o poder é possível de ser observado e exercido. Porém,

distanciam-se neste mesmo ponto, posto que para Foucault (1999b) o poder se dá

necessariamente nas relações, não sendo um fator detido pelo indivíduo ou mesmo substância

divina. Assim, por mais que as ações individuais façam parte da percepção de poder em

Foucault (1999b), entende-se que tais elementos devem ser analisados a partir de suas

relações com outros elementos, considerando a função que exercem dentro de mecanismos de

poder. Para Foucault (1999b) o poder deve ser analisado como

uma coisa que circula, ou melhor, uma coisa que só funciona em cadeia. Jamais ele

está localizado aqui ou ali, jamais está entre as mãos de alguns, jamais é apossado

como uma riqueza ou um bem. O poder funciona. O poder se exerce em rede e, nessa

rede, não só os indivíduos circulam, mas estão sempre em posição a ser submetidos

por esse poder e também de exercê-lo. Jamais eles são o alvo inerte ou consentidor do

poder, são sempre seus intermediários. Em outras palavras, o poder transita pelos

indivíduos, não se aplica a eles (Foucault, 1999b, p. 35)


196

Logo, para Foucault (1999b) o poder transita pelo indivíduo, sendo este ao mesmo seu

constituidor (por meio do corpo) e intermediário (seu efeito), considerando-se que “o domínio

e a consciência do próprio corpo só puderam ser adquiridos pelo efeito do investimento do

corpo pelo poder” (Foucault, 2019b, p. 235). Em contrapartida, Vieira (2015, 2017a) constrói

sua perspectiva de “poder” de modo a exercer um poder sobre o indivíduo (a partir de

Foucault, 2019b).

Ao dizer que o indivíduo detém o “poder de criar e alterar drasticamente a realidade

também está em pessoas comuns, independentemente de idade, grau de instrução, poder

aquisitivo” (Vieira, 2015, p. 144), o coach delega aos indivíduos o poder de mudar sua

realidade, independentemente de fatores externos. Com isso, a responsabilidade é apenas do

indivíduo por seus ônus e bônus, assim como no discurso meritocrático de que cabe o

indivíduo ter as ações necessárias para alterar sua realidade, anulando a possibilidade de se

considerar outros fatores.

Como coloca Littler (2018), a meritocracia proclama a igualdade de oportunidades

independentemente de suas origens socioeconômicas, gênero, raça, já que tais fatores não são

barreiras para o sucesso, basta que o indivíduo libere seus talentos interiores por meio do

esforço, do desenvolvimento de habilidades e da forma como indivíduo se publiciza. Ainda a

partir da autora, é no talento e na inteligência, fatores considerados inatos para meritocracia e

para Vieira (2015, 2017a), que reside a possibilidade de desenvolvimento a partir dos

esforços, ou seja, da ação, assemelhando-se a definição do coach de poder. Em outras

palavras, há poder na ação que acompanha o aprimoramento das habilidades, sendo

imprescindível a tomada de consciência para isto.

Para além, o poder exercido busca guiar o indivíduo para um caminho sempre positivo

e produtivo, como se a essência humana fosse esta, como se observar em:


197

nossa essência foi criada por Deus e é imutável, até porque é perfeita, porém a criação

que tivemos, a educação que recebemos, os ambientes que frequentamos e a

quantidade e qualidade de amor que nos foi dada, tudo isso nos tornou pessoas

distantes dos nossos sonhos e potenciais [...] podemos ser mais motivados, mais

alegres, mais amorosos, mais competitivos, mais vitoriosos, mais entusiasmados, mais

felizes, enfim, podemos ser quase tudo o que quisermos. Isso é ser humano, ou seja,

exercer de forma digna o livre-arbítrio que Deus nos deu. Acredite, você pode optar

por uma vida muito melhor, mais farta de amor, conquistas e realizações (Vieira,

2017a, p. 35)

Assim, a abundância da essência humana, inata, se faz presente, entretanto é o mundo

que construímos que deturpa o potencial humano, como se a sociedade fosse necessariamente

nociva e o livre-arbítrio concedido devesse ser utilizado para vitória, competitividade e

sentimentos positivos. Com isso, considera-se o poder exercido enquanto coercitivo, mas

também em sua positividade, pois possui efeitos positivos no nível do desejo e do saber,

produzindo um saber sobre o indivíduo que visa à produção de corpos (Foucault, 2019b). Em

outras palavras, o ser humano é bom, vitorioso e competitivo por natureza, é a própria

sociedade que, contraditoriamente construída por humanos, nos deturpa. Para obter tal

abundância, o indivíduo deve desenvolver autorresponsabilidade, compreendendo que “você é

o único responsável pela vida que tem vivido” (Vieira, 2017a, p. 82)

Autorresponsabilidade

Com a identificação consciente dos elementos ressaltados nos exercícios do método

CIS, os indivíduos devem necessariamente partir do princípio da autorresponsabilidade para

se apropriar de seus ônus e seus bônus, ou seja, todas as suas ações e pensamentos, assim

como suas reverberações são mérito ou demérito próprio. A autorresponsabilidade é um


198

conceito basilar criado e disseminado no método CIS e pela FEBRACIS, que também é uma

ferramenta, configurando-se como uma prática e discurso, que tem por intuito explícito a

modelagem do indivíduo produtivo (de sucesso) a partir de um arcabouço de ideias e ações

voltadas para que este compreenda a si enquanto força motriz de mudanças e das

consequências de suas ações.

Como colocam Dardot e Laval (2016) “a partir do momento que o sujeito é

plenamente consciente e mestre de suas escolhas, ele é plenamente responsável por aquilo que

lhe acontece” (p. 344). Entende-se que tanto os procedimentos voltados para examinar a

consciência quanto os referentes à autorresponsabilidade configuram-se como procedimentos

de confissão, pois ao responder as questões sobre si há a produção de uma verdade que é

reconhecida por outrem, ou seja, é na confissão que há o reconhecimento das ações e

pensamentos individuais (Foucault, 2014), logo, do que é meritório ou não. Evidenciam-se as

insuficiências e se constrói um saber sobre o indivíduo, pois também se identifica quais

elementos o indivíduo possui.

Em outras palavras, a autorresponsabilidade e a consciência primordialmente exercem

poderes que “extraem dos indivíduos um saber e extraem um saber sobre estes indivíduos

submetidos ao olhar e controlados [...] se forma um saber extraído dos próprios indivíduos, a

partir de seu comportamento” (Foucault, 1973/2002, p. 121) e se identifica o saber que tais

indivíduos carregam. Assim,

confessam-se os crimes, os pecados, os pensamentos e os desejos, confessam-se

passado e sonhos, confessa-se a infância; confessam-se as próprias doenças e misérias;

emprega-se a maior exatidão para dizer o mais difícil de ser dito […] fazem-se a si

próprios, no prazer e na dor, confissões impossíveis de confiar a outrem. Confessa-se –

ou se é obrigado a confessar (Foucault, 2014, p. 66)


199

Entende-se que a autorresponsabilidade é possível apenas “depois de viver o prejuízo

e a dor, e sem ter o que fazer, [o indivíduo] reconhece seus caminhos errados, se arrepende e

muda” (Vieira, 2017a, p. 73), isto é responsabilizar-se pelos seus erros, aceitar suas punições.

Como ainda acrescenta em um de seus relatos sobre experiências reais, Vieira descreve como

ele fez a dor aparecer no intuito de “experimentar mentalmente as consequências dos seus

atos” (Vieira, 2017a, p. 80). Nos exemplos utilizados como frases modelo de

autorresponsabilidade, observa-se que fatores socioeconômicos (ou de qualquer outra ordem)

devem ser desconsiderados, assim como aponta para submissão as demandas de produtividade

e à empresa, como se observa em:

Houve um corte por causa da crise e, por não estar batendo minhas metas, eu fui

demitido. A partir de agora, estou disposto a fazer tudo de modo diferente, alcançar

minhas metas e ser motivo de orgulho para as pessoas que me amam (Vieira, 2015, p.

68)

Entende-se que Vieira e o CIS têm como parte do método se colocar na posição de

quem gera punições ao indivíduo, gera a dor, e em seguida fornece a norma, a solução e um

modo de expiação para tal sofrimento. Neste sentido, a autorresponsabilidade parte

necessariamente da culpabilização do indivíduo, entretanto, o que se pode pontuar a partir do

próprio conceito é que, ao compreender que tudo é responsabilidade individual, Vieira (2015)

é apenas aquele que expõe um fato, não considerando tais posturas como culpabilizadoras.

O conceito, enquanto parte de uma norma, estabelece parâmetros de avaliação, como

as “seis leis da autorresponsabilidade” (Vieira, 2015, Vieira, 2017a), estas definem como o

indivíduo deve conduzir suas ações e pensamentos para ser autorresponsável. De um modo

geral, descrevem que o indivíduo não deve criticar e julgar os outros, reclamar de suas

circunstâncias, buscar culpados, se fazer de vítima, julgar ou mesmo justificar seus próprios

erros, pois, caso o faça, o indivíduo estará criando historinhas e sendo improdutivo.
200

Observa-se que as ações consideradas enquanto não produtivas, como a crítica, a

reclamação, o julgamento e afins, são explicitados de modo a dizer para o leitor o que este

deve ou não fazer, o foco em que deve direcionar suas ações (objetivos e resultados) e de que

modo deve ater-se a ações pacíficas e positivas, afinal, argumenta-se que o indivíduo deve

buscar a solução, dar sugestão, ter postura de vencedor e aprender com seus erros (Vieira,

2017a).

Como exemplo, são abordadas três diferentes historinhas em que o indivíduo é obeso,

possui hábitos sedentários e não possui bons ganhos econômicos, exemplos do cotidiano que

tangenciam relações domésticas e de trabalho para ilustrar maus hábitos (não produtivos) para

que posteriormente o leitor identifique e avalie (nos exercícios) quais são os seus. Tal discurso

é compreendido enquanto uma técnica utilizada pela FEBRACIS, pois o indivíduo se

documenta de modo específico, se associa a este discurso, já que coloca todas as suas ações,

pensamentos e afetos que não cooperam para uma maior produtividade.

Vieira (2015) descreve que os “autorresponsáveis são otimistas e motivados,

independentemente das circunstâncias. Mesmo que não estejam sendo remunerados a

contento, eles dão seu melhor, mesmo que não sejam tão valorizados, continuam sendo

produtivos e alegres” (Vieira, 2015, p. 75). A partir disto, observa-se que seu conceito se pauta

em perspectivas individualistas para apontar que o sucesso, a abundância e a capacidade de

desenvolvimento de habilidades estão associadas diretamente ao movimento disciplinado e

consciente por parte do indivíduo em compreender que sua vida é um resultado direto apenas

de suas ações, devendo conformar-se com seus resultados, sem esta percepção, pontua-se que

a pessoa será incapaz de atingir o sucesso.

De modo semelhante, McNamee e Miller Jr. (2014) descrevem o indivíduo que de

sucesso econômico enquanto aquele que possui habilidades cognitivas, como a inteligência,
201

diversas atitudes e traços comportamentais específicos, resumidos pela expressão “ter atitude

certa” (p. 29), como descrevem em:

Ter a atitude certa está associado a qualidades como ambição, energia, motivação e

confiabilidade. Também pode envolver traços mais sutis como bom senso, senso de

responsabilidade pessoal, disposição para adiar a gratificação, persistência diante da

adversidade, disposição para assumir riscos, conviver com os outros, assertividade,

independência e assim por diante. Por outro lado, a falta de atitudes adequadas,

conforme evidenciado por preguiça, falta de movimento, indolência, autodisciplina

deficiente, falta de confiabilidade, disrupção e assim por diante, está associada ao

fracasso em conseguir (McNamee & Miller Jr., 2014, p. 29)

McNamee e Miller Jr. (2014) ainda acrescentam que as atitudes corretas podem

cooperar no progresso individual, tanto quanto as atitudes erradas são impeditivas do

progresso, assemelhando-se ao que Vieira (2015, 2017a) descreve a partir da

autorresponsabilidade. Assim, a autorresponsabilidade organiza suas leis de modo a incluir

determinados indivíduos (os positivos, produtivos) e exclui, no próprio local, outros

indivíduos por meio de um “isolamento no interior do espaço moral, psicológico, público,

constituído pela opinião” (Foucault, 1973/2002, p. 82).

Desta forma, ao descrever os indivíduos obesos, que não ganham muito dinheiro e que

não fazem exercícios físicos enquanto aqueles que não possuem um estilo de vida abundante

Vieira (2015) os desqualifica. Tal desqualificação pode ser compreendida como uma forma de

vergonha, de humilhação, sendo este um modo de culpar, de punir, o indivíduo por suas

características (Foucault, 1973/2002).

Isto pode ser exemplificado a partir da 4ª lei da autorresponsabilidade, que traz que

caso a pessoa se vitime isso se dá devido a traumas infantis, uma falta de amor e atenção por

parte dos pais ao longo do seu desenvolvimento, que culminam em comportamentos de


202

autocomiseração quando adultos (Vieira, 2017a). Não obstante, Vieira (2015), ao discorrer

sobre o teste ACE, associa os traumas infantis à depressão, ansiedade, comportamentos

sexuais na adolescência, tabagismo e alcoolismo.

Caso este venha a ser o tipo de conduta do indivíduo, o mesmo deve constituir

autorresponsabilidade e executar os exercícios para reprogramar suas crenças, seus traumas

infantis, tomando consciência destes e responsabilizando-se (Vieira, 2017a). Pode-se observar

que a autorresponsabilidade é um conceito que visa à correção dos desvios e estabelece um

modo de punição ao colocar que o indivíduo que escapa a norma é detentor de uma disfunção,

sendo esta sua responsabilidade e é ofertada uma solução para corrigir, no caso do exemplo,

seus traumas, caso contrário, o indivíduo não obterá o sucesso (Vieira, 2015).

Com isso, o método CIS se adéqua a arranjos panópticos de funcionamento, posto que

é um modo de poder que se “exerce sobre os indivíduos sobre forma de vigilância individual e

contínua, em forma de controle de punição e recompensa e em forma de correção, isto é, de

formação e transformação dos indivíduos em função de certas normas” (Foucault,

1973/2002). Assim ocorre uma vigilância, um controle e uma correção (bases do panóptico)

no nível mais simples e no funcionamento quotidiano de instituições que enquadram a vida e

os corpos dos indivíduos (Foucault, 1973/2002), como na FEBRACIS.

Ao propor um acompanhamento coletivo (curso e palestras) e individual (sessões de

coaching) e fornecendo uma estrutura que conta com profissionais formados pela própria

instituição, material didático e uma estrutura arquitetônica que possui salas de treinamento,

cafeteria, biblioteca e salas de sessões individuais64 entende-se que a instituição possui

aparatos que possibilitam uma vigilância que individualiza o autor dos atos, ou seja, dá foco,

uma visibilidade, ao indivíduo.

Em outras palavras, os indivíduos são tomados em sua singularidade e serão

integrados à coletividade que compõe a instituição, formando um grupo (Foucault,

64 Disponível em: https://febracis.com/centro-de-coaching-febracis/. Acessado em 03/09/21


203

1973/2002), assim, “é justamente por ser um indivíduo que ele se encontra colocado em uma

instituição, sendo esta instituição que vai construir o grupo, a coletividade que será vigiada”

(Foucault, 1973/2002), ligando-os a um aparelho de correção e de normalização, sendo que no

fundo, trata-se de garantir a produção ou os produtores em função de uma determinada norma,

a qual pode operar uma inclusão por exclusões (Foucault, 1973/2002).

No que se refere à operação de uma inclusão por exclusão, Sawaia (1999) discorre que

o indivíduo “é constantemente incluído, por mediações de diferentes ordens, no nós que o

exclui, gerando o sentimento de culpa individual pela exclusão” (p. 9). Nessa análise

psicológica há uma inversão da noção de inclusão social, desatrelando-a da noção de

adaptação e normatização para ligá-la a mecanismos de coerção que culpabilizam o indivíduo,

desconsiderando que a operação inclusão/exclusão é condição de transmutação da

desigualdade prevalecente na ordem social (Sawaia, 1999).

Nesse sentido, considera-se que há um sofrimento ético-político, uma exclusão que

opera a partir da afetividade, utilizando-se dos sentimentos negativos, como a vergonha e a

culpa, sentimentos morais generativos e ideologizados com a função de manter a ordem social

excludente, de forma que a vergonha das pessoas e a exploração social constituem duas faces

da mesma questão (Sawaia, 1999). Entende-se que Vieira (2015, 2017a) opera a partir desta

perspectiva, posto que faz uso deste conceito para diferenciar os indivíduos entre aqueles de

sucesso e os desqualificados, inferiores e subalternos.

A autorresponsabilidade opera como um modo de coerção que compõe um mecanismo

de mesma ordem, o método CIS. Esse aparelho de correção e de normalização inclui os

indivíduos a partir de sua aproximação com os discursos de Paulo Vieira e os excluí em

diferentes camadas hierárquicas a partir do momento que não correspondem a norma. Dessa

forma, a autorresponsabilidade opera a partir de exclusões progressivas de modo à


204

culpabilizar o indivíduo ao responsabilizá-lo por todos os seus resultados, sendo estes

resultados os elementos avaliados para hierarquizar os indivíduos.

Considerando que para o método CIS a oportunidade é um dos fatores que expressa o

resultado individual, Vieira (2015, 2017a) discorre que o indivíduo não deve aguardar as

oportunidades. Pelo contrário, parte das mudanças e perspectivas positivas de futuro

rementem a construção de suas próprias oportunidades, sendo um fator relacionado ao

desenvolvimento de si, ao, como já fora mencionado, “plantar sementes” para colher

oportunidades. Como o coach coloca: “acredite, estamos plantando a todo instante. Se estou

ereto e alegre, certamente estou plantando tais sementes. E com pensamentos, sentimentos e

palavras positivas colherei alegrias e conquistas” (Vieira, 2017a, p. 165).

Vieira (2017a) ainda acrescenta que ao gerenciar de forma consciente todos os

pensamentos, atitudes e sentimentos “os resultados positivos irão simplesmente acontecer, as

oportunidades aparecerão” (Vieira, 2017a, p. 166). Observa-se também que os discursos da

neurociência e da mágica emergem em uma mesma sentença, já que Vieira (2015, 2017a)

associa posturas físicas à produção hormonal e desassocia, contraditoriamente, ao próprio

plantar sementes e ao gerenciamento de si, expondo que oportunidades simplesmente

emergirão.

Por sua vez, para McNamee e Miller Jr. (2014) a oportunidade envolve dois fatores

não meritocráticos, o capital social e cultural. Os autores discorrem que a oportunidade não é

um fator individual, ou seja, em que a partir das habilidades o indivíduo seja capaz de

construir oportunidades, como expõe Vieira (2015, 2017a). Para McNamee e Miller Jr.

(2014), ainda que a oportunidade não seja dissociada de fatores como as capacidades

individuais, esta depende de fatores como quem o indivíduo conhece, suas relações

interpessoais e familiares (capital social), que garantem um acesso a oportunidades

diferenciadas. Assim, “as conexões sociais individuais e familiares medeiam o acesso a


205

oportunidades educacionais, ocupacionais e econômicas”65 (p. 77). Já o capital cultural se

refere a

ao conhecimento das normas, valores, crenças e modos de vida dos grupos aos quais

as pessoas pertencem. É a informação, muitas vezes esotérica, especializada, cara e

demorada para acumular, que, como o capital social, medeia o acesso à oportunidade.

É um fator de mobilidade social porque, à medida que as pessoas entram em diferentes

segmentos da sociedade, precisam adquirir os recursos culturais para viajar em

diferentes círculos sociais. Em essência, o capital cultural é um conjunto de

credenciais culturais que certificam a elegibilidade para associação a grupos sociais

que conferem status (McNamee & Miller Jr., 2014, p. 77)66

Ambos os capitais mencionados são constituídos primordialmente por fatores que não

são passíveis de controle individual, posto que se referem aos espaços e indivíduos que se tem

acesso e a adequação as normas, valores, crenças de determinados grupos para que seja

possível navegar em determinados círculos sociais. Ambos os fatores inferem nas

oportunidades e logo, na mobilidade social, mais do que as capacidades individuais tem de

fazer surgir oportunidades, como coloca Vieira (2015, 2017a), pois demandam uma

adequação aos valores de grupos determinados, as regras e normas para ser possível ter acesso

ao meio. Nesse sentido, as oportunidades assemelham-se mais aos privilégios, da sorte e das

demandas de mercado, do que a construção de oportunidades por meio do desenvolvimento

de si, em outras palavras:

Os grupos de classe, status, gênero, raça e etnia têm acesso diferente ao capital social

por causa de suas posições estruturais favorecidas ou desfavorecidas e redes sociais

65 Individual and family social connections mediate access to educational, occupational, and economic
opportunity (McNamee & Miller Jr., 2014, p.78)
66 knowledge of the norms, values, beliefs, and ways of life of the groups to which people belong. It is
information, often esoteric, specialized, costly, and time consuming to accumulate, that, like social capital,
mediates access to opportunity. It is a factor in social mobility because as people move into different segments of
society, they need to acquire the cultural wherewithal to travel in different social circles. In essence, cultural
capital is a set of cultural credentials that certify eligibility for membership in status-conferring social groups
(McNamee & Miller Jr., 2014, p.77)
206

associadas. Indivíduos com origens socioeconômicas mais altas têm maior

probabilidade de acessar melhores recursos sociais nas redes sociais ou de encontrar

contatos com melhor posição social (McNamee & Miller Jr., 2014, p. 83)67

Littler (2018) discorre que a meritocracia endossa um sistema competitivo, linear e

hierárquico, no qual, por definição, algumas pessoas ficam necessariamente para trás. A partir

de Scalon (1999) entende-se que há diferenças nas oportunidades de aquisição de posições

dentro do sistema de estratificação, do modo de distribuição dos bens e valores, as posições

dos atores sociais e as relações que os constituem. Entende-se que tais relações de

competitividade influenciam não apenas ao acesso a melhores recursos sociais e materiais,

mas também nas possibilidades de ter acesso a oportunidades que permitam a mobilidade

social.

Compreende-se que a mobilidade social opera enquanto um mecanismo que alivia as

tensões e as pressões suscitadas pelas diferenças, pelas desigualdades, logo, também é seu

grau que explicita as distribuições de oportunidades (Scalon, 1999). Assim, Scalon (1999)

discorre sobre a função da mobilidade social na distribuição apropriada de talentos, a qual

assegura a eficiência e a ordem mediante o bom desempenho dos indivíduos, sendo que, o que

garante uma alocação eficaz dos talentos. Por exemplo, instituições de treinamento e

organizações profissionais, como se observa na FEBRACIS, tais instituições testam,

selecionam e distribuem os indivíduos segundo suas habilidades (Scalon, 1999). É justamente

a necessidade de mão de obra qualificada, a partir do que o mercado demanda, que favorece a

mobilidade baseada nas habilidades individuais.

Com o foco dado ao indivíduo por Vieira (2015, 2017a), este desconsidera fatores não

meritocráticos, externos ao indivíduo, para se pensar a oportunidade e vai além. A partir da

67 Class, status, gender, racial, and ethnic groups have different access to social capital because of their
advantaged or disadvantaged structural positions and associated social networks. Individuals with higher
socioeconomic origins are more likely to access better social resources in social networks or to find contacts
with better social standing (McNamee & Miller Jr., 2014, p.78)
207

metáfora que remete ao cultivo de sementes ainda aproxima a autorresponsabilidade de

perspectivas religiosas cristãs, mas apresentando a faceta punitiva da oportunidade.

Ao se referir aos indivíduos improdutivos e preguiçosos, de um modo ameaçador,

Vieira (2017a) pontua que “como diz na Bíblia: “De Deus não se zomba. O que você plantou

isso sim é o que você vai colher [...] então faça o que é bom, produtivo e benéfico” (p. 83).

Novamente, entende-se que no discurso culpabilizador da autorresponsabilidade as punições

não são distribuídas por Vieira (este se coloca apenas como articular do discurso punitivo,

dissociando-se enquanto autor da punição), mas sim por Deus ou por Jesus Cristo, utilizadas

para responsabilizar o próximo por meio da verdade, como coloca:

Ele [Jesus Cristo] de fato era completamente autorresponsável, não criticava, não

reclamava, não buscava culpados, não se fazia de vítima, de modo algum julgava os

outros; entretanto, Ele confrontava as pessoas e as situações com a verdade, era

genuíno. Não fugia, nem se calava diante da mentira (Vieira, 2017a, p. 180)

Apesar disto, Vieira (2015) pontua que não deve responsabilizar a Deus por sua

condição de vida, que este não está trabalhando contra os indivíduos e não deve ser

responsabilizado pelo azar e erro alheio, mas, considerando a metáfora do semear, pode-se

inferir que Deus também recompensará o indivíduo a partir do que este plantar, com as

oportunidades que aparecerão. Entende-se assim que caso o indivíduo plante a

improdutividade, será punido com falta de abundância, consequência de seus próprios atos e

distribuída por Deus, sendo apenas os resultados das ações do indivíduo. Com isso, Vieira

utiliza indiretamente o argumento de que Deus é onipresente, mas as consequências do que é

feito com seus presentes são responsabilidades individuais.

Nessa perspectiva, o indivíduo deve estar constantemente vigiando e avaliando a si,

seus pensamentos, afetos e comportamentos para que seja possível mudar, reconhecendo suas

zonas de conforto e alterando as “historinhas” (mentiras que conta para si, mas que são
208

verdades para o cérebro) e construindo novas histórias (novas verdades sobre si) com uma

visão positiva de futuro (Vieira, 2015). Logo, ao se debruçar sobre seus erros, historinhas e

ineficiências o indivíduo entra em contato com a verdade, faz uso de sua autonomia, se

esforça e direciona suas habilidades para mudanças que tragam a plenitude e a produtividade,

não reclamando e colocando-se como timoneiro de sua vida de modo sempre positivo, não

ocupando o lugar de vítima (Vieira, 2015).

Assim, a autorresponsabilidade sustenta determinadas ações, trazendo a ideia de que a

abundância (ligada a uma vida extraordinária) só é possível de ser alcançada caso haja uma

consciência e uma responsabilização por parte do indivíduo de todos os resultados em sua

vida, característica e caráter, inerentes aos indivíduos de sucesso. Compreende-se que seu

intuito é evidenciar as ineficiências dos indivíduos, sua falta de produtividade, para que, por

meio do poder que o habita este altere seus comportamentos ao se assumir enquanto o único

responsável por onde se encontra hoje, e o único que deve mudar, para isto ser possível, Vieira

(2017a) construiu a FEBRACIS, ou seja, institucionalizou tais mecanismos disciplinares.

Ao configurar práticas e discursos que visam a vigilância individual, que demandam

uma confissão, uma culpabilizam de si e ferramentas para o planejamento (controle) das horas

do dia pode-se observar que, enquanto uma instituição disciplinar, a FEBRACIS sequestra o

tempo e produtividade do indivíduo por meio de jogos de poder e de saber, poder múltiplo e

saber que interfere e se exerce simultaneamente na instituição (Foucault, 1973/2002). Com

isso, procura-se que “o tempo da vida se torne tempo de trabalho, que o tempo de trabalho se

torne força produtiva; tudo isto é possível pelo jogo de uma série de instituições” de sequestro

(Foucault, 1973/2002, p. 122), tendo como objetivo “fazer do tempo e do corpo dos homens,

da vida dos homens, algo que seja força produtiva” (Foucault, 1973/2002, p. 122).
209

Visão positiva de futuro

A partir do método CIS (Vieira, 2017a), para mudar não basta apenas a consciência e a

autorresponsabilidade para o embasamento das ações individuais. É necessário possuir uma

visão positiva de futuro, terceira etapa do progresso humano. Nesta, Vieira (2017a) aponta a

importância do pensamento a partir do discurso da Neurociência e questiona o leitor sobre

quais imagens têm sido cultivadas, “imagens de paz, amor, prosperidade e felicidade, ou de

dor, medo, angústia, frustração, perda e tristeza?” (Vieira, 2017a, p. 86). Para o coach é

necessário reprogramar tais imagens negativas e construir uma visão positiva de futuro bem

definida por meio das ferramentas ofertadas pelo CIS, como o foco.

Ao pontuar que se deve agir massivamente e na direção certa, Vieira (2015) afirma

que apenas o esforço não basta, é necessário que também haja um planejamento, um conjunto

de metas e objetivos a serem delimitados entre coach e coachee estruturando-se um foco. Tal

foco é tido como uma expressão do poder que advém das capacidades individuais que

necessitam ser aprimoradas, como Vieira (2015) coloca “é a capacidade de aproveitar as

condições naturais disponíveis a qualquer um e produzir poder ao concentrar atenção em um

único ponto” (p. 102).

Entende-se que tal expressão de poder que remonta ao planejamento, metas e objetivos

aproveitando-se as condições naturais remete ao esforço, considerado por McNamee e Miller

Jr. (2014) enquanto um dos fatores essenciais para o sucesso, posto que se refere a efeitos de

atitudes, como motivação, laboriosidade e ambição. Porém, McNamee e Miller Jr. (2014)

ressaltam que para além de atitudes isoladas é necessário haver um conjunto de

comportamentos coordenados, planejados, que remonte ao esforço, aspecto também

ressaltado por Vieira (2015). O coach discorre que o esforço por si apenas não basta, aspecto

ilustrado por McNamme e Miller Jr. (2014), os quais afirmam que aqueles que trabalham mais

duro não são especificamente os mais bem remunerados, como colocam:


210

O trabalho duro é importante, mas em termos de remuneração, o que as pessoas fazem

é muito mais importante do que o quão “duro” elas o fazem. Quando as pessoas citam

o trabalho árduo como um fator para progredir, elas realmente significam trabalho

árduo em combinação com outros fatores, especialmente oportunidades e habilidades

adquiridas, ambos os quais estão mais relacionados à origem social do que às

capacidades individuais (McNamee & Miller Jr., 2014, p. 36)68

O intuito da concentração de poder em um único ponto é que a mudança seja

produzida de modo rápido para “potencializar a vida em todas as suas nuances” (Vieira, 2015,

p. 103). Para isso, é necessário que o indivíduo identifique quais são os fatores que o afastam,

que o distraem de seus objetivos. Entende-se que tais fatores referem-se a momentos de lazer,

hábitos, relações e pensamentos, planejados ou não, mas que não possuem um propósito

produtivo. Em um exercício, cabe ao leitor identificar e pontuar de 0 a 10 quais são os fatores

de distração que precisam ser regulados, como, por exemplo, festas, televisão, jogos, redes

sociais, drogas lícitas e ilícitas, pornografia, dedicação a igreja, amizades e relacionamentos

amorosos improdutivos, insegurança, depressão e “só fazer o que dá prazer” (Vieira, 2015, p.

106).

Vejo ainda com frequência pessoas que assistem apenas uma “novelinha” todas as

noites. Isso quer dizer que essa pessoa passa mais de uma hora por dia na frente da TV.

Sete horas por semana, trinta horas por mês, 360 horas por ano. Em termos de tempo,

é a mesma duração de uma pós-graduação (Vieira, 2015, p. 107)

Vieira (2015) promove um discurso em que tais comportamentos não são apenas

inibidores da produtividade, mas ainda são comportamentos “responsáveis por destruição de

relacionamentos, carreiras profissionais estagnadas, dependência financeira, contas atrasadas,

68 Hard work matters, but in terms of compensation, what people do matters much more than how “hard” they
do it. When people cite hard work as a factor in getting ahead, they really mean hard work in combination with
other factors, especially opportunity and acquired skills, both of which are more related to social background
than individual capacities (McNamee & Miller Jr., 2014, p.36)
211

filhos órfãos de pais vivos, empresas quebradas, acidentes e muitos outros danos” (p. 106).

Com isso, constrói-se uma perspectiva em que o lazer, atividades prazerosas e as relações

devem ser constantemente regulados e pensados a partir da capacidade produtiva que

fomentam. Cada atividade deve ser necessariamente avaliada a partir da possibilidade de

desenvolvimento que proporciona, como na citação acima, em que ver 1 hora de novela por

dia é um fator improdutivo que poderia ser substituído por uma pós-graduação.

Como fora pontuado, o mecanismo da FEBRACIS necessita que o tempo dos homens

seja oferecido ao aparelho de produção, para que possa utilizar “o tempo de existência dos

homens. É para isso e dessa forma que o controle se exerce […] é preciso que o tempo dos

homens seja colocado no mercado, oferecido aos que querem comprar, e comprá-lo em troca

de um salário” (Foucault, 1973/2002, p. 116).

O tempo sequestrado não é apenas o do dia de trabalho, mas o da vida como um todo;

no caso da FEBRACIS, inclui o tempo cotidiano como um tempo e o passado, presente e

futuro, ou seja, controla-se o corpo em todas as instâncias possíveis. Isso “implica uma

disciplina geral da existência que ultrapassa amplamente as suas finalidades aparentemente

precisas” (Foucault, 1973/2002, p. 118).

O intuito é “de controlar, de formar, de valorizar, segundo um determinado sistema, o

corpo do indivíduo” (p. 119), posto que na modernidade industrial o corpo deve “adquirir

aptidões, receber um certo número de qualidades, qualificar-se como corpo capaz de

trabalhar” (Foucault, 1973/2002, p. 119). Assim a função da FEBRACIS é controlar o tempo e

formar o corpo para o trabalho, todo o tempo possível deve ser em prol desenvolvimento de

aptidões em todas as áreas da vida, considerando principalmente o aspecto produtivo.

Nesse sentido, o foco múltiplo (visionário, comportamental e consistente), conceito

aparentemente do CIS, acompanha a perspectiva para construção de uma rotina de excelência,

utilizando-se de ferramentas como a “agenda da vida extraordinária” (Vieira, 2015, p. 112),


212

que define, em um exemplo, quais atividades devem ser feitas a cada hora, isto entre as 7h e

as 23h, sendo que o único dia que não possui uma rotina é o domingo. As atividades

delimitadas na ferramenta são: trabalho, refeições, estudos, atividades físicas, leituras bíblicas,

organização financeira, trabalhos caritativos, contato com a família extensa e tempo com a

família nuclear.

Delimitadas as áreas que devem compor a rotina do indivíduo Vieira (2015) apresenta

argumentos e ferramentas que controlem, se apropriem, do tempo cotidiano, do presente,

desta forma, a vida é então repartida de acordo com um horário absolutamente estrito, sob

uma vigilância ininterrupta posto que cada instante do dia é destinado para alguma coisa,

prescrevem-se atividades e implica-se obrigações (Foucault, 2014). Constrói-se um saber

sobre o indivíduo, já que se têm informações sobre toda sua rotina.

Ademais, o foco ainda deve ser múltiplo (visionário, comportamental e consistente)

engloba um discurso que demanda a construção de uma visão do futuro pautada em metas

produtivas, no controle comportamental (considerado como o dito, sentido e feito) somados à

consistência, ou seja, necessidade de repetição até que o objetivo tenha sido alcançado

(Vieira, 2015). O saber documentado individualiza, toma conhecimento das condutas, dos

hábitos, assim como sobre o passado e as possibilidades de repetições futuras, de suas

virtualidades, para discernir onde é necessário operar para sua alteração (Foucault, 2014). Há

uma apropriação do tempo do indivíduo não apenas em seu aspecto cotidiano, mas ainda, se

apropria e cria ferramentas para manutenção do controle dos corpos em suas histórias e

virtualidades, ou seja, seu passado, presente e futuro.

Enquanto exemplo de foco, Vieira (2015) aborda um caso acompanhado por ele em

que o indivíduo passou de um pró-labore de 15 mil reais para 180 mil reais em 8 meses.

Primeiro (foco visionário) o coach apresenta as metas e a visão que indivíduo construiu,

estipulando metas mensais, anuais e de empreendedorismo, como se observa em “2ª meta:


213

fechar o ano com uma renda de 50 mil por mês. Visão: mostrando para a esposa o

contracheque de 50 mil referente a suas vendas” (Vieira, 2015, p. 120).

A segunda etapa, o foco comportamental, consistiu em treinamentos e na utilização de

instrumentos para falar, escrever, agir, pensar, refletir, ler, ouvir, assistir e imaginar sempre em

prol das metas (Vieira, 2015). A terceira, o foco consistente, visava cumprir uma agenda

programada, construída com o Paulo Vieira, para dar continuidade aos outros dois tipos de

foco até que a meta final tenha sido cumprida (Vieira, 2015).

Com isso, ao partir dos sonhos, da visão de futuro almejada pelo indivíduo, o coach

faz uso de instrumentos coercitivos, esquemas de limitação aplicados e repetidos, “exercícios,

e não sinais: horários, distribuição do tempo, movimentos obrigatórios, atividades regulares,

mediação solitário, trabalho em comum, silêncio, aplicação, respeito e bons hábitos [...] o

treinamento do comportamento pelo pleno emprego do tempo, a aquisição de hábitos”

(Foucault, 2014, p. 128). O que se propõe explicitamente no discurso de Vieira (2015, 2017a)

é o que de fato suas técnicas podem proporcionar, ou seja, a formação de indivíduos

submissos, adestrados, voltados para produtividade.

Pensando a partir de Foucault (2014), tais indivíduos possuem seu tempo capitalizado

e controlado através de processos que dividem serialmente as etapas, como no modo como

divide o tempo e que propõe formações que vão além do método CIS e se combinam segundo

uma complexidade crescente e uma demanda de avaliação do longo de todo o processo,

caracterizando uma série de atividades sucessivas e todo um investimento da duração pelo

poder. Como fora apresentada na seção FEBRACIS, há uma proposta de desenvolvimento

integral do indivíduo com formações voltadas para todas as áreas abordadas pelo CIS, seja

executando a formação completa Green e Golden Belt ou mesmo desenvolvendo-se por meio

de cursos separados e específicos, como o Criação de Riqueza69

69 Disponível em: https://febracis.com/cursos/. Acessado em 08/09/21.


214

Outro aspecto abordado que se refere à visão positiva de futuro é a linguagem, que

busca modificar a comunicação verbal e não verbal. Vieira (2015) parte do princípio da

abundância e da neurociência para propor exercícios que reprogramem novas sinapses

neurais, produzam hormônios específicos, que comuniquem a perfeita linguagem do amor e

da gratidão. Não obstante, as posturas e aparência física devem comunicar poder, paz, vitória,

amor, alegria e entusiasmo. “O resultado dessa nova forma de comunicar é a abundância

financeira, abundância familiar, saúde física e muito mais” (Vieira, 2015, p. 141).

A proposta de reprogramação de crenças de Vieira (2015) baseada na neurociência

afirma o indivíduo deve produzir uma nova maneira de se “comunicar interna e externamente,

verbal e não verbalmente […] me refiro a novas sinapses neurais, novos programas mentais,

um novo estilo de vida e conexão humana” (Vieira, 2015, p. 141). Ao caracterizar esta nova

linguagem neurológica, Vieira (2015) pretende que o leitor aprenda a produzir “o comando

perfeito que seu cérebro entenderá e prontamente obedecerá” (Vieira, 2015, p. 142).

Vieira (2015, 2017a) visa o controle dos discursos individuais. Como coloca Littler

(2018), discurso significa

um conjunto de significados compartilhados em uma "formação discursiva"

historicamente específica, e poderia ser transmitido por meio de instituições, imagens

e comportamento, bem como linguagem. Discursos particulares reivindicam a verdade

e atuam por meio de instituições para estabelecer os limites do comportamento

aceitável (Littler, 2018, p. 10)

Observa-se que se visa um controle do que se diz e como se diz, principalmente no

que pode se referir aos desejos dos indivíduos. A partir de Foucault (1999) o discurso opera,

também, por meio de procedimentos de exclusão, como a interdição, em que se entende que

todos os indivíduos não têm direitos iguais sobre o que se pode falar ou em qualquer

circunstância, nem sobre qualquer assunto. Interdições estas que evidenciam a ligação entre
215

desejo e poder, posto que o discurso “não é simplesmente aquilo que manifesta (ou oculta) o

desejo; é também aquilo que é objeto de desejo” (Foucault, 1999, p. 10).

Em vez de evidenciar sobre a separação entre o verdadeiro e o falso, no caso, o certo e

o errado a ser dito, Foucault (1999) discorre sobre a vontade de verdade, que se apoia em um

aparato institucional, sendo reforçada e reconduzida por um conjunto de práticas que

dependem do modo como o saber é aplicado em uma sociedade, como é valorizado,

distribuído, repartido e que exerce uma forma de coerção. Ao abordar tal aspecto, Foucault

(1999) pontua que “as práticas econômicas, codificadas como preceitos ou receitas,

eventualmente como moral, procuraram desde o século XVI, fundamentar-se, racionalizar-se

e justificar-se a partir de uma teoria das riquezas e da produção” (p. 18), assim, neste discurso

a verdade se encontra no próprio enunciado, no seu sentido, na sua forma, no seu objeto, na

sua relação a sua referência.

Com isso, a proposta de Vieira (2015, 2017a) de produção de programação de novas

sinapses neurais consiste em alterar os valores éticos e morais do indivíduo sobre o mundo ao

seu entorno a partir da modificação de como este se comunica por meio da linguagem verbal e

comportamental, assim como o que pensa e sente. Para abordar aspectos específicos à

linguagem verbal, Vieira (2015) vincula os argumentos neurocientíficos a exercícios do CIS a

pesquisas da Psicologia Social e da Psicologia Positiva que associam a produção da felicidade

em indivíduos a partir de uma comunicação que transmita a gratidão. A título de exemplo,

Vieira (2015) aponta que na pesquisa de Emmons e Michael E. McCullough “a gratidão tem

papel fundamental na ativação do potencial e da performance humana, como também é

impossível atingir um alto nível de felicidade sem tê-la como estilo de vida” (Vieira, 2015, p.

154).

Observa-se que a alta produtividade e performance em todas as áreas da vida está

associada a felicidade, sendo vinculadas intrinsecamente, assim seu discurso faz uso de
216

argumentos científicos para afirmar que sem um alto nível de produtividade não haverá a

felicidade. No que se refere à comunicação não verbal, Vieira (2015) pontua que esta “inclui

todos os maneirismos gestuais, posturais, entonação vocal e expressões faciais etc” (Vieira,

2015, p. 177) e acrescenta ainda que “o que todos os experimentos e todas as pesquisas da

Neurociência mostram é que podemos definir nossa performance e nossos resultados apenas

regulando a postura e a comunicação não verbal” (Vieira, 2015, p. 184).

Assim, a partir de argumentos científicos, religiosos e pessoais, Vieira (2015) discorre

que para o desenvolvimento de um novo padrão linguístico, o indivíduo deve eliminar falas

que contenham palavras, expressões ou entonações negativas e em seguida deve-se corrigir

tais falas, instalando um novo padrão ultrapositivo o qual produzirá os hormônios necessários.

Para Vieira (2015) as palavras são proféticas, logo, mesmo uma situação que não seja

benéfica ao indivíduo deve ser manejada de modo positivo, caso contrário o mesmo sofrerá os

efeitos nocivos de sua fala. Observa-se que os discursos mencionados produzem uma

compreensão em que os indivíduos devem ser necessariamente pacíficos, positivos, otimistas

e que apenas assim poderão ter abundância, que equivale a uma vida produtiva, com isso, o

indivíduo produtivo é dócil, já que, nesta perspectiva, ações negativas não são autorizadas.

Para Foucault (1999) a “disciplina é um princípio de controle da produção no

discurso” (p. 36), dessa forma há uma produtividade, já que há uma multiplicidade de

discursos que são produzidos, não deixando de haver uma coerção, tratando-se de determinar

suas condições de funcionamento, como se observa no ritual. Entende-se que o ritual define a

qualificação que os indivíduos falantes devem possuir, devendo ocupar determinada posição e

formular determinado discurso, este

define os gestos, os comportamentos, as circunstâncias, e todo conjunto de signos que

devem acompanhar o discurso; fixa, enfim, a eficácia suposta ou imposta das palavras,

seu efeito sobre aquele os quais se dirigem, os limites de seu valor de coerção […]
217

determina para os sujeitos que falam, ao mesmo tempo, propriedades e papéis

preestabelecidos (Foucault, 1999, p. 39)

O enfoque dado às palavras é contundente com o discurso de reprogramação de

crenças do CIS, posto que este possui exercícios (verbais e escritos) que se debruçam

primordialmente sobre as palavras, considerando que “são ferramentas, armas poderosas

100% disponíveis a qualquer um que esteja disposto a usá-las” (Vieira, 2015, p. 141). Não

obstante, a dimensão do pensamento é tida enquanto um aspecto que pode ser alterado pelos

comportamentos. Vieira (2015) cita diretamente (em itálico e com recuo no parágrafo) Amy

Cuddy, psicóloga de Harvard, que demonstra que posturas produzem hormônios, como,

especificamente a postura do poder, e isso altera a mente humana.

Sabemos que nossa mente muda nosso corpo, o que não sabíamos é que nosso corpo

muda nossa mente ainda mais rápido. Como também fazer poses ou posturas de poder

por alguns minutos pode realmente mudar sua vida de maneira significativa,

aumentando o nível de testosterona e diminuindo o cortisol. (Amy Cuddy) (Vieira,

2015, p. 178)

De um modo geral, Vieira (2015) entende que “quando gerenciamos nosso estado

presente (comportamentos, pensamentos, palavras e sentimentos), nós nos tornamos capazes

de direcionar com grande margem de acerto nossa vida ao alvo desejado. Isso é poder pessoal

ao seu alcance” (Vieira, 2015, p. 93). Tal citação ilustra a percepção geral de poder

disseminada por Vieira, assim, tem-se que o poder é algo associado à conexão divina do

homem com Deus e que foi descoberto como utilizá-lo através da ciência. Percebe-se que

quem não fizer uso do poder poderá ser punido e perder este, mas que aqueles que o fizerem

terão sucesso, serão reconhecidos por seus dons e talentos e (de acordo com o bordão) serão

detentores do poder.
218

Dessa forma, o corpo como objeto de representação é atravessado por técnicas de

correção individualizantes, estabelecendo uma relação de apossamento do corpo por meio de

instrumentos que utiliza para transformá-lo (Foucault, 2014). Compreende-se que a força do

poder se dá

porque produz efeitos positivos no nível do desejo – como se começa a conhecer – e

também no nível do saber. O poder, longe de impedir o saber, o produz. Se foi possível

constituir um saber sobre o corpo, foi através de um conjunto de disciplinas militares e

escolares. Foi a partir de um poder sobre o corpo que foi possível um saber

fisiológico, orgânico (Foucault, 1979/2019a, p. 239)

É isso que permite que o poder se mantenha e que seja aceito, este não é simplesmente

uma força que diz não, mas que de fato permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber,

produz discurso (Foucault, 1979/2019a). Deve-se considerá-lo como uma “rede produtiva que

atravessa todo o corpo social muito mais do que uma instância negativa que tem por função

reprimir” (Foucault, 1979/2019a, p. 45). Desta forma, ao caracterizar como o indivíduo deve

pensar, agir e ser limitando isto a aspectos positivos e produtivos, Vieira (2015, 2017a) produz

discursos que devem ser reproduzidos pelos indivíduos, cooptando seus desejos.

4.3 Das práticas: Ferramentas poderosas de progresso

A última etapa do progresso humano corresponde às ferramentas poderosas de

progresso (Vieira, 2017a), sendo o método CIS “um composto de ferramentas que leva o

cliente a resultados extraordinários em tempo recorde, porque consegue modificar

profundamente as crenças enraizadas” (p. 89) e aplicar sua visão positiva de progresso. Dessa

forma, Vieira (2015, 2017a) fornece um arcabouço prático próprio para construir a trajetória e

características do indivíduo de sucesso, que apenas será alcançado pela reprogramação do

método CIS e, ao mesmo tempo, traz o método como uma etapa final da jornada do
219

desenvolvimento humano, compreendendo-se que este é separado das outras três etapas,

sendo estas sobrepostas aos outros discursos utilizados por Vieira. Nesta etapa o enfoque é

dado aos exercícios e treinamentos, logo, faz-se coerente abordá-la no tópico que se refere às

práticas.

Entende-se que o treinamento proposto é um modo de aprendizagem, de transmissão

de um saber, assim, McNamee e Miller Jr. (2014) pontuam que a “educação identifica e

seleciona indivíduos inteligentes, talentosos e motivados e fornece treinamento educacional

em proporção indireta ao mérito individual” (p. 101)70. Os autores continuam que os tipos e a

quantidade de treinamentos recebidos são utilizados para contabilizar o mérito e enquanto

critério de elegibilidade para ocupações e recompensas materiais, que são parte da chave do

sucesso (McNamee & Miller Jr., 2014).

Associando processos de aprendizagem à demanda que surge a partir do

desenvolvimento tecnológico e científico, McNamee e Miller Jr. (2014) situam que novas

oportunidades emergem com novos caminhos para o sucesso, sendo imprescindível na

modernidade haver um processo educacional para inclusão no atual mercado, para ter

oportunidades e ser recompensado pelas capacidades que apresentam, sendo o mérito

individual, um modo de subir as escadas da mobilidade social a partir do capital humano

desenvolvido. Assim, a educação envolve fatores meritocráticos e não meritocráticos, pois diz

sobre as capacidades individuais desenvolvidas, mas também sobre as possibilidades

materiais e imateriais de frequentar espaços de formação profissional.

Vieira (2015, 2017a) utiliza o discurso da Neurociência para argumentar que por meio

de exercícios repetitivos e diversificados, assim como pela implementação de determinados

recursos culturais no cotidiano do indivíduo, possa haver a reprogramação de crenças. Nesta

70 education identifies and selects intelligent, talented, and motivated individuals and provides educational
training indirect proportion to individual merit (McNamee & Miller Jr., 2014, p.101)
220

perspectiva, a linguagem (pensada ou falada) e as posturas corporais são produzidas a partir

dos exercícios, interferindo diretamente na produção de hormônios que compõe parte

essencial do processo de mudança. Para Foucault (2014) o exercício é

a técnica pela qual se impõe aos corpos tarefas ao mesmo tempo repetitivas e

diferentes, mas sempre graduadas. Dirigindo o comportamento para um estado

terminal, o exercício permite uma perpétua caracterização do indivíduo, seja em

relação aos outros indivíduos, seja em relação a um tipo de percurso. Assim, realiza,

na forma da continuidade e da coerção, um crescimento, uma observação, uma

qualificação (Foucault, 2014, p. 158)

A partir de Foucault (2014), entende-se que há no método CIS uma organização linear,

continuamente progressiva dos exercícios, nestes existem etapas a serem executadas, as quais

rememoram os exercícios rigorosos propostos pela vida ascética, tornando-se tarefas de

complexidade crescente que marcam a aquisição progressiva do saber e do bom

comportamento, tarefas que demandam um esforço voltado, no caso, para abundância

(salvação), e que determina um concurso constante entre os indivíduos que se classificam e

buscam produzir aptidões, tornando-se mais competitivos.

De um modo geral, ao observar as técnicas e ferramentas aplicadas nos materiais de

análise (Vieira, 2015, 2017a), o processo prático de re(programação) de crenças do CIS

percorre o seguinte caminho: primeiro há a identificação dos elementos que pretendem ser

modificados, estes são categorizados e postos em comparação a modelos da norma

apresentada pelo CIS. Em seguida o que fora identificado e categorizado deve ser escrito e

reescrito com os prejuízos que acarreta.

A primeira alteração de escrita deve ser a correção em si dos desvios apresentados a

partir dos modelos, tal alteração da escrita ainda aciona os desejos e imaginação de futuro dos

indivíduos (Vieira, 2015, 2017a). Com o emparelhamento a partir da norma há uma avaliação
221

dos prejuízos e hierarquização do indivíduo em relação aos modelos, seguido por técnicas que

acrescentam os resultados ou modelos de exercícios ao cotidiano, havendo novamente uma

repetição, mas que se diferencia da repetição na escrita.

A primeira etapa consiste em Vieira (2015) guiar discursivamente o leitor para

identificar, dar visibilidade, a seus aspectos nocivos e positivos, tanto por meio de exercícios

com questões, como as perguntas poderosas de sabedoria (PPS’s), os autoquestionamentos na

tomada de consciência, autorresponsabilidade, foco, enfim, todas as etapas demandam que o

indivíduo identifique seus pontos positivos, mas principalmente seus pontos negativos em

relação à abundância. Entende-se que as PPS’s são um modo de vigilância de si que se pauta

em uma documentação constante que fixa e acumula conhecimentos sobre os indivíduos,

sempre retomando os parâmetros estabelecidos pela norma presente nos modelos fornecidos

(Foucault, 2014). A escrita e a reescrita que englobam o processo mantém suas características

documentárias e as expandem, já que passam a compor um ritual (Foucault, 2014).

A título de exemplo, no exercício 4 do livro “O poder da autorresponsabilidade”

(Vieira, 2017a, p. 99), o leitor deve reescrever em primeira pessoa e com suas palavras três

vezes a seguinte frase: “Autorresponsabilidade é a crença de que você é o único responsável

pela vida que tem levado, sendo assim, é o único que pode mudá-la” (Vieira, 2017a, p. 99).

Temos aqui um modelo direcionado a partir da norma. Este é seguido pelo exercício 5, que

solicita ao leitor responder as questões: “o que você gostaria de ter, ser ou fazer? Quais são

seus sonhos mais ousados (pense nisso sem críticas e sem limitar suas possibilidades)?

Apenas escreva a visão da sua vida extraordinária” (Vieira, 2017a, p. 105).

Exercícios com as mesmas questões repetem-se em “O poder da ação” nas páginas 66

e 70 (Vieira, 2015), respectivamente. Para além destes dois exercícios, em ambos os livros se

faz presente o termo de responsabilidade (Vieira, 2015, 2017a), nestes o leitor deve declarar

que é responsável por seu sucesso e felicidade, reescrevendo novamente as respostas


222

fornecidas nos dois exercícios mencionados. Não obstante, outros exercícios sobre a

autorresponsabilidade solicitam ao indivíduo identificar: “em que áreas da minha vida me

percebo na zona de conforto? Como será minha vida se continuar, por ação ou omissão, na

zona de conforto?” (Vieira, 2015, p. 43).

Em seguida as respostas de tais questionamentos são utilizadas para categorizar,

separar as diferentes zonas de conforto, dividindo as historinhas mentirosas, verdadeiras (mas

que culpam o outro) e brincadeiras (que impossibilitam enxergar o problema), para cada

elemento deve-se identificar o comportamento que o acompanha, seus resultados primários e

secundários (Vieira, 2015).

Vieira (2015, 2017a) preenche seus textos com exemplos que apontam hábitos,

pensamentos e falas que são criticados como ações improdutivas e que “validam, explicam e

justificam nossos fracassos, nossas falhas e nossos insucessos” (Vieira, 2015, p. 45), as

historinhas. Com isso, entende-se que há uma acumulação de documentações sobre o

indivíduo, sua “seriação, à organização de campos comparativos que permitam classificar,

formar categorias, estabelecer médias, fixar normas” (Foucault, 2014, p. 186), sendo que o

registro geral de fixação das normas são os padrões do indivíduo de sucesso.

Além das PPS’s e outros exercícios do método CIS existentes ao longo dos materiais

analisados, são abordados testes como o “ACE” (Vieira, 2015, p. 239) e o “5W2H” (Vieira,

2015, p. 63). Essas ferramentas são propostas como científicas, sendo que o teste 5W2H visa

atuar como um “plano de ação convencional” (Vieira, 2015, p. 63) por meio da identificação e

categorização para construção de um planejamento em prol de metas. Já o teste ACE (o qual

são apenas mencionadas pesquisas, mas não os autores) visa a identificar e avaliar (por nota)

os traumas infantis, associando-os a modelos de tabagismo, depressão, comportamentos

sexuais em adolescentes, indicadores de desempenho no trabalho, suicídio e alcoolismo.


223

Como se observa, com a identificação, os elementos que emergem são categorizados,

ou seja, o que fora identificado é subdividido a partir de critérios que melhor delimitam os

prejuízos, sendo que outros exercícios ainda separam o que é o comportamento prejudicial do

pensamento prejudicial. A partir dessa categorização são fornecidas listas com modelos de

comportamentos, pensamentos e ações, assim como exemplos de casos reais, histórias

bíblicas, histórias de pessoas de sucesso, enfim, modelos de uma norma para serem seguidos.

Neste processo o indivíduo é instruído a avaliar a si, isso significa observar seus

comportamentos, falas e pensamentos e compará-los aos modelos, é instruído a estar também

atento a avaliação externa, dado que é ressaltada a importância do feedback, a interpretação

pelo outro dos resultados do indivíduo. Ou seja, instrui-se sobre a necessidade de vigilância

de si e do outro.

Vigilância que busca controlar microscopicamente o comportamento, esta observa,

registra e treina, decompondo as instâncias “para aumentar sua função produtora” (Foucault,

2014, p. 171). Entende-se que a vigilância está integrada a uma relação de treinamento,

havendo uma fiscalização de si e também podendo haver por parte de outro indivíduo, no caso

o coach. Como coloca Foucault (2014) o que se dá na vigilância é uma divisão segundo as

classificações ou os graus, exercendo um duplo papel disciplinador de “marcar os desvios,

hierarquizar as qualidades, as competências e as aptidões; mas também de recompensar e

castigar […] a disciplina recompensa unicamente pelo jogo das promoções que permitem

hierarquias e dos lugares; pune rebaixando e degradando” (p. 178).

Vieira (2017a), ao aplicar o conceito de Inteligência Emocional, desenvolve quatro

exercícios em que o indivíduo deve identificar e avaliar por nota quais são suas competências

pessoais e sociais, acompanhados de seus prejuízos. Para as competências pessoais estabelece

categorias como autoconsciência emocional, autoavaliação precisa, autoconfiança,

autocontrole emocional, superação, iniciativa, transparência, adaptabilidade e otimismo.


224

Esse exercício é seguido por outros dois exercícios do mesmo modelo, os quais

identificam e avaliam as competências sociais e seus prejuízos, mas desta vez a partir das

categorias empatia, consciência organizacional, serviço, liderança inspiradora, influência,

desenvolvimento dos demais, catalisação de mudanças, gerenciamento de conflitos e trabalho

em equipe (Vieira, 2017a). Como se observa, o conceito de Inteligência Emocional é utilizado

ainda para construir modos de controle e vigilância por e no indivíduo já que este, de um

modo geral, deve se autocontrolar positivamente, produtivamente e fazer o mesmo no que se

refere às suas relações de trabalho, otimizando seu serviço em prol da organização, que

implica abdicar de afetos, percepções e opiniões para construção de um pensamento positivo e

submisso em relação à organização.

Assim, a avaliação compara os resultados individuais à norma e/ou ao grupo que for

utilizado como referência. Essa comparação serve para hierarquizar os indivíduos entre si,

sendo exercida uma diferenciação entre seus resultados. No caso da FEBRACIS, a

produtividade, desempenho e eficiência é sempre o fator-critério para diferenciação. O

processo de avaliação é recorrente, não se dá apenas uma vez, mas é o mecanismo que

justifica, altera ou evidência novos elementos, é o modo de funcionamento que garante a

dinamicidade do mecanismo de exame (Foucault, 2014), presente no método CIS, faz com

que o processo de avaliação não tenha fim.

Desta forma o mecanismo de exame funciona de modo a relacionar os atos, os

desempenhos, os comportamentos singulares a um conjunto, que é ao mesmo tempo

campo de comparação, espaço de diferenciação e princípio de regra a seguir.

Diferenciar os indivíduos em relação uns aos outros e em função dessa regra de

conjunto – que se deve fazer funcionar como base mínima, como media a respeitar ou

como o ótimo de que se deve chegar perto. Media em termos quantitativos e

hierarquizar em temos de valor as capacidades, o nível, a “natureza” dos indivíduos.


225

Fazer funcionar, através dessa medida “valorizadora”, a coação de uma conformidade

a realizar […] compara, diferencia, hierarquiza, homogeniza, exclui. Em uma palavra,

ela normaliza (Foucault, 2014, pp. 179-180)

O processo de avaliação e hierarquização do método CIS distribuem e organizam os

resultados individuais ou os próprios indivíduos, mas o processo de modelagem em si remete

a repetições e rotinização, o qual demanda sua interação integral por meio de técnicas verbais,

de escrita, de escuta, de execução. Para além, há ainda exercícios que demandam a repetição

da reescrita com as alterações a partir do modelo e outros que solicitam a repetição oralmente,

assim como a impressão de conceitos, ferramentas e exercícios para visualização e repetição

ao longo da rotina cotidiana (Vieira, 2015, 2017a). As técnicas em questão não são

necessariamente utilizadas em conjunto ou nesta ordem, observa-se que sua utilização se dá

de acordo com as demandas do procedimento executado.

Um exemplo de repetição demandada pelo método CIS se resume a partir do mais

extenso exercício presente no “O Poder da Ação” (Vieira, 2015), composto por sete passos.

No intuito de modelar um novo padrão linguístico, Vieira (2015) afirma que as falas negativas

devem cessar e tem-se de impedir os efeitos das palavras negativas já ditas, em seguida é

necessário substituir, corrigir, o antigo padrão linguístico por um novo, ultrapositivo,

permeado por amor, gratidão.

O primeiro passo consiste na identificação de padrões negativos a partir de modelos

listados, como “nada dá certo pra certo pra mim” (Vieira, 2015, p. 148). Segundo, deve-se

identificar mais dez padrões negativos não listados e escrevê-los. No terceiro passo o

indivíduo precisa escolher dez padrões mais negativos e prejudiciais anteriormente

identificados, escrevendo-os, para cada um deve-se também escrever abaixo os respectivos

prejuízos.
226

O quarto passo consiste em “conduzir o tratamento que não só anulará o que já foi dito

e os resultados ruins como também produzirá novas crenças e programações mentais capazes

de mudar a sua existência” (Vieira, 2015, p. 150), ou seja, entende-se que, para Vieira, é a

partir desse momento que a modelagem começa. Neste passo, a partir de um modelo, Vieira

(2015) solicita ao leitor escrever novamente os dez padrões dos passos um e/ou dois e

reescrevê-los de modo ultrapositivo.

No quinto passo Vieira (2015) utiliza o argumento da neuroassociação para justificar

um exercício de reforço negativo, ou seja, punitivo. O exercício consiste em gerar uma dor

fina e intensa ao puxar e soltar um elástico sobre o pulso cinco vezes para cada repetição dos

padrões negativos. No sexto passo Vieira (2015) orienta o leitor a escrever, pelo menos, 50

vezes cada um dos dez novos padrões, sendo que cada linha escrita tem de ser verbalizada, em

voz alta, quatro vezes. O último passo consiste em manter o elástico no pulso e utilizá-lo

imediatamente sempre que padrões negativos forem verbalizados. Vieira (2015) ainda adverte

que:

Talvez você esteja preso à zona de conforto e pouco disposto a dedicar tempo e

energia mental para cumprir os passos 6 e 7. Se esse é o seu caso, procure ver se neste

momento não está criando historinhas para não realizar parte do tratamento.

Historinhas de arrogância, como: “Eu não preciso escrever 50 vezes isso”, ou “não sou

idiota para soltar um elástico no meu braço e sentir alguma dor”. A quem pensa assim,

vou só dizer uma frase que sempre repito em ocasiões como essa: “Fica tranquilo. Está

tudo certo. Cada um tem a vida que merece”. Se você não quer cumprir esses passos,

não tem problema, porém, não acredite que terá todos os ganhos e as mudanças

propostos. Não se engane achando que um hábito linguístico de muitos anos será

substituído apenas pela conscientização intelectual (Vieira, 2015, p. 152)


227

Pensando a partir de Foucault (2014) percebe-se que o exercício possui um ritual,

etapas que devem ser seguidas a partir de uma determinação sancionada pela norma e

operando de modo a tornar penalizáveis as frações mais tênues da conduta, como punições

disciplinares. Como o tempo, caso o indivíduo não faça o exercício ou atrase ao puxar o

elástico, assim como a atividade, se esta for feita sem zelo e com desatenção. Ademais, ainda

se penaliza a maneira de ser, os discursos e o corpo, posto que o indivíduo não pode ser

grosseiro ou desobediente, não deve falar de modo negativo e precisa se comportar de modo

coerente a esta fala (Foucault, 2019b).

Assim, de modo disciplinar, o método CIS penaliza “tudo que está inadequado à regra,

tudo que se afasta dela, os desvios” (Foucault, 2014, p. 176). A repetição tem relevância

enquanto procedimento de controle dentro destas técnicas, sendo uma forma de relação de

poder em que a visão da FEBRACIS se baseia. É pela repetição que as relações de poder se

reforçam, reproduzem e, logo, se mantém. Compreende-se que sua função é reduzir os

desvios de modo essencialmente corretivo por meio de exercícios que produzem um

aprendizado intensificado, multiplicado, muitas vezes repetido, tornando-se uma obrigação

(Foucault, 2014).

Com isso a correção se dá a partir da expiação e do arrependimento, configurando um

sistema de gratificação-sanção, operante no treinamento e na correção, de modo a qualificar

os comportamentos e desempenhos a partir de valores opostos entre o bem e o mal (Foucault,

2014). É por meio dessa microeconomia das penalidades e das recompensas (Foucault, 2014)

que, por exemplo, os indivíduos são avaliados a partir de seus padrões linguísticos,

necessitando ter uma linguagem ultrapositiva para haver a recompensa e um arrependimento

das palavras nocivas já ditas.

Para isso, não basta haver uma repetição nos exercícios e nos livros, mas essa deve

estar presente na rotina do indivíduo. Deve fazer parte de sua rotina nos exercícios impressos,
228

nas mentalizações, nas ferramentas de organização dos horários das pessoas, nos hábitos que

determina (escutar podcasts, ler, incrementar as atividades da FEBRACIS no lazer), enfim, há

uma apropriação do tempo da pessoa, seu tempo é controlado e dito como deve ser utilizado,

distribuído, os elementos que devem compô-lo; há uma vigilância, mas também um

gerenciamento de si.

Com isso, a partir de Foucault (2014) há um controle do horário por meio de processos

que estabelecem as cesuras (como na Agenda Extraordinária de progresso), obriga ocupações

determinadas e regulamenta os ciclos de repetição. Assim como fora apresentado sobre o

foco, o tempo deve ser integralmente útil, pautado em metas, voltado para eficiência e para

rapidez, visando a composição de um corpo mecânico, penetrado pelo tempo e com este todos

os controles minuciosos do poder (Foucault, 2014).

Não obstante, observa-se que o controle do corpo também se dá no campo dos gestos,

seja de uma coletividade ou apenas do indivíduo. Posto que Vieira (2015), ao abordar os

exercícios de comunicação não verbal, fornece imagens e orienta ao leitor a execução de

posturas específicas que geram MDE’s (moléculas de emoção) de vitória, paz, amor, poder,

felicidade, alegria e entusiasmo, produzindo de modo rápido tais emoções. O leitor deve, por

exemplo, praticar a felicidade abraçando durante 40 segundos indivíduos importantes e dar

brados de alegria em forma de yes 30 vezes seguidas, repetindo tais movimentos 10 vezes ao

dia (Vieira, 2015).

Os mesmos exercícios são executados por um público de cerca de 600 pessoas nos

cursos do método CIS, como se observa no vídeo institucional71, no qual os indivíduos se

movimentam de modo coordenado a partir dos comandos de Vieira. Compreende-se que há

um ritmo coletivo e obrigatório, tanto quanto um esmiuçamento do ato, o qual é controlado do

seu interior no desenrolar de suas fases, sendo “definida a posição do corpo, dos membros,

71 Disponível em: https://febracis.com/sobre/. Acessado em 08/09/21.


229

das articulações; para cada movimento é determinada uma direção, uma amplitude, uma

duração” (Foucault, 2014, p.149).

Tendo exposto os modos de modelagem do método CIS, pode-se observar que seus

discursos e práticas voltam-se para constituições de um corpo produtivo em todas as áreas da

vida por meio de mecanismo de coerção e de controle. Corpo individual que deve estar apto e

desenvolvido para a competitividade existente na sociedade. Porém, McNamee e Miller Jr.

(2014) apontam que há, pelo menos nos EUA, uma crescente de desemprego dos jovens

diplomados, entretanto, “nessas condições, muitos alunos percebem que obter uma educação

universitária não os ajudará tanto quanto a falta de uma educação universitária os prejudicará”
72
(p.14), fazendo com que os profissionais busquem formações profissionalizantes, além de

graduações universitárias, para tornarem-se mais competitivos.

Ainda que o treinamento do método CIS não seja um curso profissionalizante,

entende-se que sua proposta visa o aprimoramento profissional de modo a tornar os

indivíduos mais competitivos no mercado de trabalho, mais produtivos, mas o que se observa

é um descompasso entre a quantidade de profissionais qualificados e a capacidade do mercado

em absorver tais indivíduos.

Como McNamee e Miller Jr. (2014, p. 38) colocam, ao adquirir habilidades,

conhecimento ou experiência os indivíduos passam a deter capacidades (o capital humano) as

quais podem ser trocadas no mercado de trabalho. O capital humano é comumente incluído na

fórmula do mérito para o sucesso, sendo um modo de investimento em si mesmo que visa o

acúmulo de aprendizados e treinamentos, fatores que supostamente vão aumentar as

habilidades e a capacidade produtiva (McNamee e Miller Jr., 2014). Os autores ainda

ressaltam que não basta desenvolver as habilidades do interesse individual, estas devem estar

alinhadas a demanda de quais habilidades o mercado necessita.

72 under these conditions, many students perceive that getting a college education will not help them so much as
the lack of a college education will hurt them (McNamee & Miller Jr., 2014, p.14)
230

Após a explanação do processo de modelagem do método CIS, pode-se observar que

Vieira (2015, 2017a) visa justamente o desenvolvimento de capital humano que melhor de

adapte e flua com as demandas de mercado. Porém, como ressaltaram McNamee e Miller Jr.

(2014), por mais que o processo de seleção dos indivíduos a partir de suas habilidades possa

selecionar a partir do mérito, a hierarquização dos selecionados provavelmente será parcial ao

definir o mais meritório entre eles, posto que se será selecionado aquele que melhor

corresponda à demanda da empresa, não necessariamente aquele que seja o melhor de todos.

Tal indivíduo corresponde, é produzido e produz, a partir das demandas do

neoliberalismo. Para Dardot e Laval (2016), o neoliberalismo é mais do que um sistema

socioeconômico, este é uma racionalidade que estrutura e organiza não apenas as ações dos

governantes, mas até a própria conduta dos governados, tendo como principal característica a

generalização da concorrência como norma de conduta e da empresa como modelo de

subjetivação.

Nesse sentido há uma atomização “das pessoas como indivíduos que devem competir

entre si para ter sucesso, estendendo o comportamento empreendedor para os cantos e

recantos da vida cotidiana73” (Littler, 2018, p. 2). É por meio de narrativas como essa e

práticas como a da FEBRACIS que se argumenta sobre a mobilidade social ser acessível a

todos e um fator que depende do indivíduo. Ainda pensando a partir de Littler (2018), para

que haja tal mobilidade é inerente que haja desigualdade e que os indivíduos interajam de

modo competitivo pelos espaços no mercado. Littler (2018) afirma que:

a meritocracia hoje, em sua forma neoliberal, tende a endossar um sistema competitivo

e linear de mobilidade social e a funcionar como um mito ideológico para obscurecer

as desigualdades, incluindo o papel que esse próprio discurso da meritocracia

73 atomise people as individuals who must compete with each other to succeed, by extending entrepreneurial
behaviour into the nooks and crannies of everyday life (Littler, 2018, p. 2)
231

desempenha na restrição efetiva da mobilidade social. Seu mito da mobilidade é usado

para criar a ideia de um campo de jogo nivelado que não existe (Littler, 2018, p. 50)74

Como colocam Dardot e Laval (2016), para que tal indivíduo competitivo tenha se

tornado possível foram necessárias técnicas e dispositivos disciplinares, “sistemas de coação,

tanto econômicos como sociais, cuja função era obrigar indivíduos a governar a si mesmos

sob a pressão da competição, segundo os princípios do cálculo maximizador e uma lógica de

valorização de capital” (p.193). Consequência disto é a capitalização da vida individual, “cada

sujeito foi levado a conceber-se e comportar-se, em todas as dimensões da vida, como um

capital que devia valorizar-se” (Dardot & Laval, 2016, p. 201), como investir na sua própria

educação e profissionalização, o indivíduo é responsável por seu desenvolvimento.

O discurso da autorresponsabilidade pode ser compreendido como um modo de

culpabilizar que coaduna com o discurso neoliberal. Littler (2018) observa que:

No entanto, notavelmente, são as pessoas que enfrentam uma perda significativa de

poder em termos da extensão de seus recursos e da gama de opções disponíveis que

são mais intensamente incitadas a construir um eu neoliberal meritocrático [...] Os

constituintes menos privilegiados são então posicionados como particularmente

receptivos a um discurso meritocrático de empoderamento, tornando-se “eus

empreendedores”, enquanto, ao mesmo tempo, esses constituintes continuam a

enfrentar dificuldades muito maiores em termos de reconhecimento e redistribuição

(Littler, 2018, p. 70)75

74as we have seen, meritocracy today, in its neoliberal form, tends to endorse a competitive, linear system of
social mobility and to function as an ideological myth to obscure inequalities, including the role this discourse of
meritocracy itself plays in actually curtailing social mobility. Its myth of mobility is used to create the idea of a
level playing field that does not exist (Littler, 2018, p.50)

75Yet notably it is often people who face significant disempowerment in terms of the extent of their resources
and the range of available choices who are most intensely incited to construct a neoliberal meritocratic self. [...]
Less privileged constituencies are then positioned as particularly amenable to a meritocratic discourse of
empowerment by becoming ‘entrepreneurial selves’, whilst, at the very same time, these constituencies continue
to face far greater difficulties in terms of both recognition and redistribution (Littler, 2018, p. 70)
232

O homem neoliberal é necessariamente o homem competitivo, empresa de si mesmo,

indivíduo calculador e trabalhador produtivo, com um corpo apto a funcionar no grande

circuito da produção e do consumo (Dardor & Laval, 2016). O objetivo do controle que é

exercido é a produção de maior felicidade, “a lei da eficácia é intensificar os esforços e os

resultados e minimizar os gastos inúteis. Fabricar homens úteis, dóceis ao trabalho, dispostos

ao consumo” (Dardot & Laval, 2016, p. 325).

Para os autores, a grande novidade do neoliberalismo reside na modelagem que torna

os indivíduos aptos a suportar as novas condições que lhe são impostas, enfim, são produzidos

sujeitos empreendedores que reproduzirão e ampliarão as relações de competição, o que

exigirá um processo de autorrealização em que os indivíduos se adaptam subjetivamente a

condições cada vez mais duras que eles mesmos ajudam a produzir (Dardot & Laval, 2016).

No neoliberalismo empresarial, a responsabilidade individual e o autocontrole não são

considerados faculdades adquiridas uma verdade por todas, mas vistas como

resultado de uma interiorização de coerções. O indivíduo deve governar-se a partir de

dentro por uma racionalização técnica de sua relação consigo mesmo. Ser

“empreendedor de si mesmo” significa conseguir ser o instrumento ótimo de seu

próprio sucesso social e profissional (Dardot & Laval, 2016, p. 350)

Por fim, pode-se concluir que o corpo modelado pelo método de Vieira (2015, 2017a)

é um corpo coagido, disciplinado, controlado a ser empreendedor de si mesmo. Corpo

docilizado que deve aprender a gerenciar a si mesmo nos mínimos detalhes de seu tempo. O

indivíduo deve estar constantemente atento e vigilante a seus pensamentos, comportamentos e

afetos, assim como em suas relações. Deve medir-se, limitar-se e construir seus desejos a

partir da produtividade, da abundância, em suam, um instrumento do neoliberalismo.


233

5. Considerações Finais

Considerando o objetivo geral do presente trabalho, buscou-se apresentar

aproximações entre o discurso meritocrático e a prática do coaching. Entende-se que a partir

dos materiais selecionados fora possível delimitar de que modo uma instituição específica, a

FEBRACIS, propõem um método de modelagem por meio de treinamentos voltados para a

modificação do indivíduo. Dentre os objetivos específicos entende-se que ao abordar uma

instituição a qual propõem um método com valores meritocráticos contribui-se com os

estudos que abordam tal temática.

Assim, entende-se que ao ter abordado a “jornada do progresso humano”,

contemplando as quatro etapas do desenvolvimento, fora possível esclarecer quais os

discursos e práticas que são veiculados para modelagem do indivíduo de sucesso almejado.

Neste sentido foi possível observar de que modo mecanismos disciplinares, principalmente

por meio de práticas de exame, produzem um corpo docilizado, voltado para produtividade.

Ainda que o objetivo consistisse primordialmente em analisar uma instituição e seu

discurso, dentre as contribuições do trabalho, pode-se observar que a FEBRACIS não ocupa a

principal posição na construção das práticas e dos discursos disseminados. Em outras

palavras, não é um grupo de indivíduos ou mesmo um conjunto de instituições que constroem

as técnicas, escrevem os livros ou ministram os cursos oferecidos pela instituição, posto que

quem ocupa esse papel, primordialmente, é Paulo Vieira. Por meio do método de

desenvolvimento construído pelo coach e empresário foi possível observar qual indivíduo

meritocrático é almejado na atualidade, quais as características e resultados são necessários

para que o indivíduo seja considerado enquanto alguém de sucesso, o indivíduo produtivo.

Considera-se que a principal contribuição do presente trabalho tenha sido evidenciar o

funcionamento de um método que vigia, controla, avalia, hierarquiza e corrige os corpos,

padronizando-os a partir de uma norma que se volta para a produtividade. Produtividade esta
234

que ao encontro do indivíduo empreendedor de si mesmo, preconizado pelo neoliberalismo.

Com isso, compreende-se a partir do aprofundamento no método CIS fora possível

compreender de que modo são constituídas as técnicas e métodos disciplinares que exercem

poderes sobre os indivíduos.

Dentre os limites da pesquisa, entende-se que o foco dado foi ao método e aos

mecanismos que o atravessam; entretanto, compreende-se que o discurso acessado fora

apenas veiculado pela instituição e por Paulo Vieira, não tendo sido analisados percepções

desvinculadas destes. Isto se deu pois os materiais selecionados para análise impuseram tais

limitações. Para que fosse possível analisar as outras percepções sobre o método CIS seria

necessário ter acesso a informações, falas ou materiais que discorressem sobre este, mas que

não tenham sido produzidos pela FEBRACIS ou por Paulo Vieira, pois, como pode ser

observado, na maioria dos materiais constavam apenas os casos de sucesso, exemplos que

elogiavam e vangloriavam a instituição, Vieira e/ou o método. Ressalta-se que os materiais

analisados são públicos, de amplo acesso e fornecidos pela instituição, fatores relevantes para

sua escolha, mas que também implicam limitações, como o acesso à diversidade de

informações pontuadas.

No que tange à especificamente instituição e ao coaching, no presente trabalhou

estudou-se apenas a FEBRACIS, mas como foi apresentado na seção sobre o tema, o

fenômeno é amplo, havendo outras instituições, como o Instituto Brasileiro de Coaching76 e a

Sociedade Brasileira de Coaching77. Ambas são empresas que oferecem produtos semelhantes

ao da FEBRACIS. Como o processo de coaching envolve necessariamente um treinamento

voltado para o aprimoramento de habilidades, compreende-se que outras instituições podem

constituir-se a partir de técnicas e procedimentos disciplinares, logo, sendo mecanismos

disciplinares. Considera-se que seria relevante pesquisar sobre a multiplicidade de instituições

76 Disponível em: https://www.ibccoaching.com.br/. Acessado em: 22/09/21


77 Disponível em: https://www.sbcoaching.com.br/. Acessado em: 22/09/21
235

de coaching e de que modo as relações de poder agenciadas podem referir-se a mecanismos

de segurança, seus dispositivos e a governamentalidade neoliberal.


236

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248

7. Apêndices
7.1 Apêndice 1

Quadros-auxiliares 1 – Estrutura das fontes


Legenda: Argumentos científicos - Azul ; Autorresponsabilidade – Vermelho;Tipo de indivíduo – Amarelo; Método CIS e suas
ferramentas de modelagem - Verde ; Recursos discursivos e não discursivos para disseminação da FEBRACIS – Purpura; PV –
Laranja; Religião – Cinza; Poder - Verde Limão
(A) Resumo da estrutura de capítulos do livro “O poder da ação”

Escrito por Shinyashiki, apresenta o livro trazendo os principais aspectos que Viera aborda para construção de um
Prefácio
homem de sucesso
Apresentação Escrito pelo presidente da FCU (instituição do doutorado); Formação de Vieira; Apresentação dos capítulos
Repete formação; depoimentos de pessoas que superaram adversidades na vida com o CIS; instruções e
Introdução
comunicação direto com o leitor sobre as transformações do livro
Como fazer autoanálise/tomada de consciência (fichas caem); exercícios para apropriação do próprio discurso;
Cap. 1 – Acorde abundância como estilo de vida (dinheiro, desempenho, corpo, casamento, trabalho, tudo); mediocridade como
tudo aquilo que se opõe a abundância; retórica para o leitor questionar pontos específicos que devem ser mudados
Metáforas e PPS’s (perguntas poderosas de sabedoria) sobre a zona de conforto (aquilo que impede a ação);
negação dos problemas e a representação de si; casos para exemplificar e exercícios de categorização; exercícios de
Cap. 2 – Aja reprogramação para o sucesso (PPS’s); tem poder quem age rápido, com metas e massivamente; qualquer um pode,
difícil é pagar o preço da abdicação dos prazeres; argumentos bíblicos sobre dons e talentos e supostamente
científicos (teste 5W 2H)
Cap. 3 – Autorresponsabilize- Reconhecimento de si enquanto responsável por tudo que compõe a sua vida, seja do passado, presente e futuro,
se assim como sentimentos, pensamentos e comportamentos; exercícios para apropriação da responsabilidade e
alteração das crenças; perfil das pessoas de sucesso (autorresponsável), maturidade emocional (QI e QE) e
argumentos científicos; sociedade de grandes indivíduos; comunicação com o leitor por meio de casos; associações
bíblicas, deus lhe deu o livre-arbítrio; retórica de culpabilização e oferta de uma solução (o CIS) para o sucesso; as
seis leis da autorresponsabilidade (novo padrão discursivo); repetição das técnicas, incorporação das ferramentas ao
249

cotidiano; oportunidade se constrói; cuidado ao autorresponsabilizar os outros, mas faça; contrato de compromisso
Definição das metas e objetivos para eliminar os problemas a partir do foco; mudanças rápidas e intensas; exercício
para identificar o que afasta o foco; conceito científico (Inteligência emocional) e o sucesso; prazeres, vícios e
excessos são distrações; exercícios para identificação e eliminação dos prejuízos para o foco; foco deve ser usado
na rotina de excelência, sucesso e produtividade; ferramenta agenda vida extraordinária; conceito de foco múltiplo
Cap. 4 – Foque
(visionário, comportamental e consistente); estudos de caso; conceito inteligência foco-temporal (passado/presente/
futuro e a reprogramação de crenças ruins); foco é poder; utilização dos conceitos de foco para apresentar três
perfis de pessoas (ansiosas, depressiva e de sucesso); exercícios (PPS’s) para pessoa aplicar os conceitos e teoria a
sua vida; casos reais (exemplos dos resultados que focar no ruim traz e do focar no bom, regra 10/90)
Maior cap. do livro, muitos exercícios; dividido em duas partes, a saber: comunicação verbal e não verbal;
reprogramação de crenças como estruturação de novas sinapses; conceito de linguagem; a perfeita linguagem (do
amor e gratidão) /comunicação verbal; metáforas bíblicas associadas a conceitos científicos; palavras tem o poder
de criar realidades (profecia autorrealizável); parece mágica mas não é, é ciência (física quântica); novo padrão
linguísticos (identificar o que é ruim, parar de dizer e mudar pra um padrão ultrapositivo, corrigido e aperfeiçoado
[sic]), exercícios repetitivos (exemplos de padrões p/ corrigir, identificação, associação com prejuízos, alteração
com nova escrita); exercício com punição; conceito de estilo linguístico, gratidão, amor e argumentos científicos;
defeitos que inibem a perfeita linguagem; não se pode só falar, tem que de haver afeto (impacto) sempre
envolvidos para as técnicas funcionarem; exercícios para identificar seus inibidores e alterar para linguagem de
amor e gratidão; fundamentos e exemplos da perfeita linguagem (conteúdo + afeto) deve gerar pertencimento,
Cap. 5 – Comunique-se
importância, significado e distinção; tabela linguagem x pessoas da vida; comunicação de luz e trevas; quando o
amor não funciona, usar autorresponsabilidade; argumento científico para avaliar matematicamente os resultados
de qualquer relacionamento;
Comunicação não verbal (comportamentos, roupas, voz, expressão) como tudo que não é verbal; discurso da
neurociência, produção hormonal e os comportamentos; exercícios para identificação de posturas, expressões
faciais, associações a psicopatologias e correções com ferramentas (colete corretor); vícios emocionais, moléculas
de emoção (MDE’s); exercícios de identificação dos seus vícios; CIS como solução pra reprogramação mental de
tais vícios (resolve o vício em drogas e a depressão; seis padrões comportamentais que liberam boas MDE e
alteram os vícios (poder, vitória, felicidade, alegria e entusiasmo, paz e amor); como práticas os padrões:
necessidade, intensidade e repetição (repetição, afeto e rotinização); estresse inibe um bom desenvolvimento
Cap. 6 – Questione Questionar as suas verdades; mente humana como um HD que absorve coisas por osmose; tem que saber fazer boas
perguntas (aquelas que apresentam seus valores e propósitos); perguntas tem poder, principalmente as PPS’s; três
250

tipos de pessoas, os questionadores, os +- e os que não questionam (perspectiva linear, de pirâmide); qualificar as
perguntas é avaliar as informações que chegam do outro, contextualizar a fala a partir dos objetivos e necessidades;
a verdade está na ciência; exemplos de perguntas são voltados para produtividade, alcance de objetivos e metas;
super-humanos (grandes indivíduos, de sucesso) usam PPS’s, como Mandela, Ganghi, Einsteins; perguntas devem
ser para o futuro, para questionar o presente e para solucioná-lo; autocoaching
Conceito de crença (circuito neural), reprogramação graças a sinapses e plasticidade neural; objetivo do CIS é
produzir fortes estímulos emocionais e cognitivos para reprogramação, aprendizagem de novas crenças; conceitos
são associados a esperança e liberdade; ser rico e ser pobre é algo que se aprende; o CIS resolve os problemas, e
depressa; a fixação está na repetição; funciona porque o nosso cérebro entende que “real = imaginado”; crenças
Cap. 7 – Creia
devem mexer com a percepção de si, existem três (merecimento, capacidade e identidade) que são associados a
tipos de comportamento (ter, fazer, ser); exercícios para identificação; homofilia (relação entre pessoas que se
parecem); reprogramação de crenças (traumas) infantis, identificação de doenças física, emocionais,
comportamentais e sociais a partir do teste ACE; associação entre traumas e problemas na vida adulta
Resumo do que foi apresentado resgatando alguns conceitos e afirmando que agora o processo de mudança para o
Mensagem Final
desenvolvimento começou; comunica-se com entusiasmo característico
Referências Não são referenciados todas as citações do texto

(B) Resumo da estrutura de capítulos do livro “O poder da autorresponsabilidade”

Justifica-se que o motivo para ler o livro se encontra na importância da Inteligência Emocional (IE) para ser feliz e
Introdução ter aptidões; não se tem IE sem autorresponsabilidade, que também traz abundância; poder está dentro de você; a
jornada da vida deve ser direcionada para direção certa;
História de trajetória pessoal de sucesso do PV; cita encontro com livro do Shinyashiki; mito de Sisífo (castigo e
punição pra quem não “paga o preço” do esforço e trabalho duro; mas o que o PV diz é que o mito o acordou,
porque ele percebeu que se importava mais com o esforço do que com as conquistas (faltava foco), foi um recado
Cap. 1 – Como tudo começou de Deus; descreve como se impactou, começou a mudar, estudou, adquiriu autorresponsabilidade e em um curto
espaço de tempo mudou toda a sua vida, virando um individuo de sucesso; repete citação do poder da ação sobre
plasticidade neural; neurociência ajudou a mudar sua vida; o CIS é apenas o PV cumprindo seu destino de vida; no
CIS há um caminho e tecnologias para reprogramação de crenças
Cap. 2 – Identificando seu Objetivo da vida são suas conquistas; trajetória tem que ser prazerosa; há a necessidade de consciência,
251

identificação do estado atual de sua vida; PPS’s para identificar; essência humana é criada por Deus, somos
predestinados a abundância, se você não tem isso, falta Deus e mais esforços; você tem que desenvolver seus
potenciais para ser mais competitivo, vitorioso e feliz, fazer valer o livre-arbítrio dado por Deus; PPS’s para
estado atual
identificar o que você é, o que tem e o que faz para alterá-las em padrões de futuro, das metas, sonhos e objetivos;
avaliar (dando uma nota a partir de modelo) sua competência emocional e social (antes e depois) e elencar seus
prejuízos
Descarta trajetória socioeconômica, cultural e histórica para afirmar que existe apenas um caminho pro progresso,
que se dá em 4 etapas; 1º é a consciência, compreensão e interpretação individual do mundo, parte de conexão
com Deus e se subdivide em plena, relativa e disfuncional; PPS’s para identificação do seu nível de consciência e
associação dos três níveis a comportamentos produtivos, improdutivos e prejudiciais; CIS traz a consciência e as
dores necessárias para “cair as fichas”; impeditivos para ativação de consciência são associados ao “mau
caratismo” (adultério, vícios e afins); 2º autorresponsabilidade é compreendida como livre-arbítrio ou a
Cap. 3 – O caminho universal
responsabilidade individual por tudo que acontece em sua vida; PPS’s de autorresponsabilidade e; 3º Visão
do progresso humano
positiva de futuro: métodos clássicos de desenvolvimento (não cita o que são) são subjetivos demais, agora o que
vale é a neurociência; pensamento não é subjetivo, é só um dialogo interno que precisa ser utilizado para
reprogramação de crenças e mudança comportamental, por isso tem-se que ter uma visão positiva de futuro; 4º
ferramentas poderosas de progresso é um mindset que vai te trazer uma visão positiva de futuro, o coaching é uma
delas, mas insuficiente, por isso o PV criou o CIS; As armadilhas que dificultam as mudanças são a zona de
conforto, arrogância, vaidade e busca de atalhos
Tudo é mérito individual (ônus e bônus); PPS’s para autorresponsabilizar; se autorresponsabilizar traz liberdade
para mudar seu futuro, pessoas de sucesso usam sua estrutura mental para ter os melhores pensamentos e
comportamentos; pessoas de sucesso assumem seus resultados; gera desenvolvimento de maturidade emocional;
Cap. 4 - Autorresponsabilidade PPS’s para sonhar sobre desejos; história real de autorresponsabilidade (do Mandela); não se deve achar culpados;
pessoas de sucesso usam os dois lados do cérebro (QI + QE); pessoas de sucesso são sempre positivos e motivos,
não importa o que esteja acontecendo; exemplos de casos reais (traz 1 caso, fecha o capitulo e continua no
próximo com o caso 2)
Falar que não existem oportunidades é falta de autorresponsabilidade; caso 2 (método cis resolve os problemas
Cap. 5 – Usando metáforas
que impediam a autorresponsabilidade); caso 3; pressupostos da reprogramação neurolinguistica (se alguém pode,
para mudar a si mesmo
eu também / todos temos os recursos para mudar)
Cap. 6 – As seis leis para 1ª não critique, fique calado (os padrões de linguagem tem que ser positivos e o foco no acerto); 2ª não reclame,
conquista da dê sugestão (metáfora bíblica / quem reclama está fugindo da autorresponsabilidade e não focando nas soluções);
autorresponsabilidade 3ª não culpe, busque solução (culpar evita a autorresponsabilidade e a mudança, vitoriosos criam as soluções e
252

oportunidades); 4ª não seja vítima, seja vencedor (vítimas querem atenção e amor e repetem comportamentos
infantis); 5ª não justifique erros, aprenda com eles (errar faz parte da aprendizagem, logo, são resultados,
utilizados pro progresso por pessoas de sucesso); 6ª só julgue as atitudes e comportamentos das pessoas (julgar a
atitude do momento e não usa isso pra desmoralizar a pessoa), traz analogia da bíblia
Deve-se começar a optar pelo o que faz bem, fazer uso do racional, ter disciplina e esforço para mudar hábitos ; a
Cap. 7 – Como usar as leis da repetição é primordial, as leis devem estar coladas em lugares de fácil acesso para serem lidas todos os dias;
autorresponsabilidade analogia sem muitas explicitações para justificar a responsabilização e a não usar o outro imaginário como
desculpa pros seus erros
Falta de oportunidade não pode ser usado como justificativa para o insucesso, isso é falta de
Cap. 8 – Ah, se eu tivesse autorresponsabilidade; pessoas de sucesso plantam oportunidades; o livro vai te ajudar a ver as oportunidades
oportunidade (resultados) brotarem a partir do gerenciamento de pensamentos, comportamentos e atitudes; não é que as
oportunidades não existem, as pessoas é que estão cegas por causa de suas crenças limitantes;
Cap. 9 – Mudando minha Se você mudar a si mesmo (for autorresponsável) não precisa se preocupar em mudar o outro e nem deve
existência sem mudar as preocupar-se com isso (é infrutífero e improdutivo), porque a partir da mudança de si mesmo seu entorno também
pessoas se alterará
Jesus (grande inspiração de Vieira) confrontava os outros com a verdade, era genuíno e não presenciava uma
Mensagem final –
mentira sem se manifestar. O mesmo vale para os autorresponsaveis, que devem ser alegres e não temer a verdade.
confrontando a si e aos outros
Afirma que não somos jesus e temos que tomar cuidado com a confrontação, resgatando as seis leis da
com a verdade
autorresponsabilidade
É o mesmo contrato que aparece no poder da ação, você deve colocar seu nome e declarar para todos os fins que
Exercício final seus sucessos e felicidade dependem só de você, acrescendo uma cópia das seis leis; parabeniza o leitor por ter
começado sua mudança. Obs: o livro não possui referências, nem notas de roda pé referenciando as citações
253

(C) Resumo da estrutura do website (abas/conteúdos)


Datas de acesso: 04, 05 e 06 de Junho de 2021
Home - https://FEBRACIS.com/ - anúncio publicitário da venda de uma nova ferramenta
(caderno de capa preta) para escrever suas metas e objetivos;
- apresentação de números e palavras que engrandecem a
instituição como de sucesso. Ex: maior instituição de
coaching do mundo, mais de 30 mil coaches formados e
afins;
- caixa para cadastrar seus dados e receber informações;
- apresentação de breve calendário dos próximos cursos;
- apresentação do PV como o maior coaching do Brasil;
- certificações green e Golden belt para formação em
coaching (saiba mais direciona para respectiva aba);
- presença em 3 continentes;
- publicidade do método CIS a qual direciona para outro site
específico do método;
- destaques de notícias FEBRACIS;
- topo da página tem botões para acessar as abas: home, quem
somos, cursos, agenda, blog, loja virtual e dúvidas
- final da página tem telefones de contato, CNPJ, horários de
atendimento e links para redes sociais e direcionamento para
outros links de acesso que se encontram em 4 colunas (cada
uma com suas respectivas divisões): Sobre a FEBRACIS;
Nossos Cursos; Material Gratruito; Outros. Cada um se
segmenta da seguinte forma:
- Sobre a FEBRACIS: Instituto Paulo Vieira; Quem é
Paulo Vieira?; Nossa Equipe; Depoimentos; Encontre
seu Coach; Trabalhe conosco; Referências científicas
- Nossos Cursos: Agenda de Cursos; Método CIS;
Historia de Gigantes; Curso de Coaching; Green Belt
e Golden Belt; Monitoria
- Material Gratuito: Materiais Ricos; Artigos; Podcast;
254

O que é Coaching?; O que é Coach? O Guia


Definitivo
- Outros: Unidades FEBRACIS; Loja Virtual; Centro
de Coaching; Seja um Franqueado; Sistema de
Coaching; Autenticidade de Certificados
- vídeo institucional de 2020; texto de apresentação
“mudando vidas a partir do CIS” (contém informações
quantitativas sobre a instituição, quantas pessoas impactou,
Quem somos - https://FEBRACIS.com/sobre/
quantos coaches formou, em quantas cidades está e sobre o
PV e sobre o CIS); apresentação dos valores e missão da
instituição; seção “resultados em números”
Cursos - https://FEBRACIS.com/cursos/ - cursos: Advanced executive coaching; Business evolution;
Business high performance; Business high performance com
Paulo Vieira; CIS evolution; Coaching individual; Coaching
para metas; Como prosperar em qualquer carreira e negócio;
Como prosperar no mercado de coaching; Como vender tudo
com marketing digital; Criação de riqueza; Decifre e
influencie pessoas; Foco na prática; Formação de oradores e
palestrantes; Formação para oradores e palestrantes com
Paulo Vieira; Formação em coaching de carreira; Formação
em coaching integral sistêmico; Formação em gestão de
perfil comportamental CIS assessment; Geração de riqueza;
Green e golden belt; Independência financeira; Intercoaching;
Jeito de viver família; Jogos empresariais; Master coaching
integral sistêmico; Método CIS; Mindfulness; Money
evolution; O poder da ação com Paulo Vieira; O poder da
ação para coaches; O poder da autorresponsabildade; Power
business
- cada curso tem um botão “saiba mais” que direciona para
respectivas páginas, as quais contém descrições, carga
horária, benefícios, especificidades agregadas a formação dos
coaches, diferenciais do curso, objetivos e perguntas
255

frequentes.
- plataforma específica para a venda dos produtos
Loja Virtual - https://www.lojaFEBRACIS.com.br/?utm_source=Febracis.com FEBRACIS; são vendidos livros, acessórios, roupas,
produtos de casa e escritório e cursos apenas online
- a aba “artigos” no menu da parte inferior direciona para
página blog
- são artigos gerais sobre as temáticas abordadas pela
FEBRACIS; as vezes possuem vídeos e uma versão em áudio
Blog - https://FEBRACIS.com/blog/ da matéria (acessível apenas mediante inscrição com e-mail);
possuem também vínculo com os posts das redes sociais
- na página inicial há 12 artigos, no total são cerca de 310
artigos, mas, ao tentar acessar as páginas o site não funcionou
(tentei em dois navegadores diferentes)
- aba com botões que respondem perguntas sobre aspectos
Dúvidas? - https://FEBRACIS.zendesk.com/hc/pt-br financeiros, pedagógicos, plataformas online, cursos online,
cursos e a loja online
- abre-se um formulário para preenchimento de dados
Solicitação de atendimento pessoais, curso de interesse, unidade mais próxima e
necessidade (aquilo que a pessoa busca)
- é a pesquisa que eu usei na seção FEBRACIS da dissertação
(eles que fizeram, não tem vínculo com revistas, instituições
Referências Científicas - https://metodocis.com/referencia-cientifica/ nem nada), não existem tantos detalhes descritivos e não foi
publicada em lugar algum, é uma pesquisa sem avaliação dos
pares e sem possibilidade de verificação dos dados trazidos
Agenda de cursos - https://FEBRACIS.com/eventos/ - a aba possui duas formas de acesso diferentes. Uma no
menu superior, simplesmente como “Agenda” e outra na
parte inferior, como “Agenda de cursos”
- os cursos se alteram com o tempo, no momento o ofertado é
“Formação de oradores e palestrantes”, serão 39 cursos,
ministrados em cidades diferentes, em um mesmo dia (04/08)
- cada curso possui um acesso de link para “saiba mais” no
qual cada uma informa o telefone de contato de cada cidade
256

para ter mais informações do curso e vários botões para


solicitar atendimento;
- há uma descrição breve do curso informando que o Paulo
Vieira irá mostrar técnicas e ferramentas (então acho que é
ele que dá o curso) e ocorrerá ao vivo e online;
- é informado ainda os diferenciais do curso, o que será visto,
objetivos, carga horária (3 dias, 33h), o que será ensinado,
ferramentas e metodologia;
- tem um vídeo sobre inteligência emocional em que ele fala
o que é abordado principalmente nos cap. 5 e 7 do poder da
ação (no vídeo faz exercícios guiados)
- direciona para outra plataforma, específica do curso do CIS;
- nela constam as datas do próximo curso (Junho/2021); o site
Método CIS - https://metodocis.com/ tem informações diversas sobre o curso (mas não o preço),
descrição do Paulo Vieira e vários depoimentos (de pessoas
famosas também)
- aba interativa onde você pode escolher assistir vídeos de
histórias das experiências de indivíduos que fizeram os
cursos da FEBRACIS;
- os vídeos podem ser escolhidos a partir de temáticas como
financeiro, carreira e negócios, emocional, relacionamentos e
saúde;
Histórias de Gigantes - https://FEBRACIS.com/historias-de-gigantes/ - tem ainda vídeos com depoimentos categorizados a partir de
cursos específicos, como o método CIS, formação em
coaching integral sistêmico, golden e green belt e eu vou te
decifrar
- +- 50 vídeos
- há uma caixa para que você entre em contato caso queira
compartilhar sua história também
- descrição do curso formação em coaching, como
Curso de coaching - https://FEBRACIS.com/curso/curso-de-coaching/ apresentado ao final da descrição acima das “agendas do
curso”, acrescida de 6 depoimentos
257

- video de apresentação do Green e Golden Belt – imagens da


festa de gala de formação, do JEEP que é presenteado ao
final, do PV e sua esposa posando pra foto, dos troféus e
canudos de formação; info maior formação de coaching;
imersão no CIS; infos sobre horas de certificação; imagens de
todos comemorando felizes e música emocionante
- apresentação de todos os cursos do que compõem a
Green e Golden Belt - https://FEBRACIS.com/curso/green-belt-e-golden-belt/
formação com respectivas abas “saiba mais”
- cursos Green Belt: Método CIS; Formação em Coaching
integral sistêmico; Business High Performance; Formação de
oradores e plestrantes; Independência financeira; Criação de
Riqueza; CIS Assesment;
- cursos Golden Belt: os do green belt + Advanced Executive
Coaching; Master Coaching Integral Sistêmico; Mindfulness
- aba em que as pessoas podem se inscrever para ser monitor
voluntariamente nos eventos da FEBRACIS
Monitoria - https://FEBRACIS.com/monitoria-FEBRACIS/
- formulário breve com questões sobre localidade, cursos
FEBRACIS que já fez, dados pessoais e mensagem
- aba em que se encontram as ferramentas citadas nos livros,
a pesquisa anteriormente mencionada na aba “referências
científicas”, e-books, guias e testes
Materiais Gratuitos - https://FEBRACIS.com/materiais/
- as temáticas são sobre relações, emoções, gestão
empresarial e gestão de si, liderança, foco, sucesso, vícios
emocionais, inteligência emocional
- direciona para outra plataforma com diversas playlist sobre
Podcast - https://soundcloud.com/FEBRACIScast
as diversas temáticas abordadas pela FEBRACIS
- aba com conteúdo sobre o processo que o coaching propõe,
aborda: origem; coaching pessoal; coaching profissional;
coaching integral sistêmico; definições de coaching; razões
O que é coaching? - https://FEBRACIS.com/o-que-e-coaching/
para se fazer a formação; como funcionam as sessões;
cuidados ao procurar um coaching; diferença entre coaching
e mentoring; coaching não é autoajuda; benefícios do
258

coaching; benefícios profissionais; onde pode se qualificar


para ser coaching
- ao final da página há um formulário para ser preenchido se
a pessoa quiser mais informações sobre cursos
- aba com conteúdo sobre o profissional coach, contém: O
que significa coach?; Diferença de coach e coachee;
Definições de Coaching?; O que faz um coach?; Como se
O que é o coach? O guia definitivo - https://FEBRACIS.com/o-guia-completo-
tornar um coach?; Nichos de atuação do coach; Requisitos
sobre-o-que-e-coach/
para ser um coach
- ao final da página há um formulário para se inscrever no
curso formação em coaching
- Aracaju (SE); Belém (PA); Belo Horizonte (MG);
Blumenau (SC); Boston (MA); Brasília (DF); Campo Grande
(MS); Campinas (SP); Campina Grande (PB); Curitiba (PR);
Chapecó (SC); Caruaru (PE); Foz do Iguaçu (PR);
Florianópolis (SC); Fortaleza (CE); Juiz de Fora (MG);
Goiânia (GO); Joinville (SC); Maceió (AL); Luanda (AO);
Lisboa (PT); Mossoró (RN); Manaus (AM); Maringá (PR);
Orlando (FL); Natal (RN); Niterói (RJ); Porto Velho (RO);
Unidades - https://FEBRACIS.com/unidades/
Palmas (TO); Porto Alegre (RS); Rio de Janeiro (RJ); Recife
(PE); São José dos Campos (SP); Ribeirão Preto (SP);
Salvador (BA); Teresina (PI); Santo André (SP); São Luís
(MA); São Paulo (SP); Uberlândia (MG); Vitória (ES)
- cada unidade possui uma aba específica que contém
informações sobre a unidade, fotos, telefone, endereço e link
para o maps; não há uma uniformização dos textos das
unidades, algumas não possuem texto (como Aracaju)
- aba em que é apresentado a estrutura e suporte das unidades
FEBRACIS, sendo estes: salas de treinamento equipadas;
Centro de coaching - https://FEBRACIS.com/centro-de-coaching-FEBRACIS/
salas para sessões de coaching; café; livraria
- há uma galeria de fotos e um botão para conhecer os cursos
Seja um franqueado - https://FEBRACIS.com/seja-um-franqueado/ - aba em que a FEBRACIS é apresentada como uma
259

franquia, um investimento
- trazem informações de artigos como da revista Fortune para
argumentar sobre a posição da empresa no mercado
- explicam “o negócio” que consiste na apresentação dos
cursos: o método CIS; formação em coaching integral
sistêmico; master coaching integral sistêmico; team coaching
life and business
- explicitam a estrutura do negócio (descrição das unidades)
- apresentam as vantagens e requisitos (um deles é ter feito o
golden belt)
- há 2 depoimentos (diretores de Brasília e Curitiba)
- no final da página tem um formulário com um pré-cadastro
- portal específico com o software para o desenvolvimento do
Sistema de coaching - https://www.scisapp.com/
trabalho dos coaches e coachees integrais sistêmicos
Autenticidade dos certificados - - direciona para uma plataforma da TOTVS para emissão de
http://apps.FEBRACIS.com.br/Corpore.Net/Source/Rpt-GeradorRelatoriosNet/ certificados
RM.Rpt.Reports/Anonymous/RptFindReportByGuid.aspx
260

7.2 Apêndice 2
Quadro-auxiliar 2 – Recortes das três fontes quanto a técnicas, ferramentas e aspectos teórico-conceituais
Aspectos/ Livro “O poder da
Livro “O poder da ação” Website
Fontes autorresponsabilidade”
Técnicas - método CIS - metáforas e mitos - apresentação de vídeos promocionais dos
- autoanálise - descrição de PV da sua história de cursos, da instituição, do método CIS com efeitos
- autorresponsabilidade sucesso sonoros, visuais e de roteiro que visam o impacto
- metáforas e analogias - autoanalise afetivo*
- identificação de problemas, prejuízos, - método CIS - apresentação de vídeos dos depoimentos de
falta de produtividade, vícios e afins - momentos de reflexão* pessoas que fizeram o(s) cursos da FEBRACIS
- exemplificação para execução dos - páginas do livro exclusivas para - apresentação de informações quantitativas sobre
exercícios, de modos corretos de pensar, destaque de texto a instituição (pessoas impactadas, unidades,
agir e sentir - questões reflexivas (sem espaço coaches formados, etc)
- estímulo do sonhar para resposta) - uso da imagem do Paulo Vieira (suas
- apresentação de histórias de indivíduos - imagens descritivas da jornada do qualificações técnicas como coaching e formação)
de sucesso (casos reais) progresso humano e das etapas da e sua família
- apresentação de histórias problemáticas consciência - seção "resultado em números", da aba quem
(casos reais) - figura representativa dos somos*
- as seis leis da autorresponsabilidade estímulos negativos dos três níveis - apresentações detalhadas dos cursos pelos
- gerenciamento de si de consciência botões "saiba mais" contemplando uma
- repetição massiva de frases dos - estímulo ao sonhar e desejar diversidade de informações
exercícios, do termo de compromisso, das - apresentações de histórias - acesso facilitado para redes sociais garantindo a
leis e etc problemas e histórias de sucesso disseminação de informações em diversos
- reprogramação de crenças, hábitos e - aceitação da dor veículos*
comportamentos - questões para ativação da - disponibilidade de acesso geográfico as
- modelagem humana consciência unidades*
- foco - autorresponsabilização do - franqueamento da empresa FEBRACIS
- foco Múltiplo (visionário, indivíduo
comportamental e consistente) - argumentação científica
261

- regulação e organização do tempo - reprogramação de crenças


- definição de metas e objetivos - citações de outros autores ao final
- identificar e cessar padrões linguísticos dos capítulos (estilo epígrafes) *
negativos - autocitação do PV
- substituição para um padrão - repetição
ultrapositivo e aperfeiçoado - histórias de pessoas de sucesso
- produção de afetos intensos - desqualificação de outras áreas de
- comunicação da perfeita linguagem: saber*
gerar afetos de pertencimentos, - questionamentos para
importância, significado e distinção autorresponsabilizar o indivíduo
- experiência da caneta na boca para - seis leis da autorresponsabilidade
apresentar as alterações faciais - modelos de falas que impedem a
- articulação entre discurso autorresponsabilização
neurocientífico (hormônios) e as posições - utilização de textos de terceiros
corporais: argumenta sobre o que as como metáfora*
posturas combatem
- repetição (exercício) dos novos padrões:
necessidade (incluir no dia a dia);
repetição com intensidade emocional
- aprimoramento das perguntas feitas
- ponderação do que as outras pessoas
falam
- exemplos de casos reais em que houve o
desenvolvimento de pessoas
questionadoras
- descrição das etapas do autocoaching
- rememoração de impactos emocionais;
causar estímulos sensoriais (auditivos,
visual e sinestésico)
- tabela da relação entre crenças de
merecimento, identidade, capacidade e o
comportamento associado
262

- identificação dos traumas infantis


- gráficos que associam traumas infantis
ao tabagismo, depressão crônica,
comportamentos sexuais de adolescentes e
desempenho no trabalho
- sessões de coaching individuais
Ferramentas - perguntas Poderosas de Sabedoria - método CIS - vídeos
(PPS’s) - escrita da autoanalise dos - e-books
- questionário de categorização das seguintes campos da vida no - podcasts
historinhas (estruturas linguísticas) momento atual: familiar, - produtos e materiais
- plano de ação convencional 5W2H profissional, saúde, social, - livros impressos
- reescrita das historinhas (PPSs + financeiro e emocional - caixas de cadastro dos indivíduos para maiores
categorização) - escrita da autoanalise do que se informações sobre os cursos, livros, para contar
- reescrita de ações antigas tem (bens), é e faz sua história
- reescrita do que não se responsabilizou - avaliação (por nota) e - calendário dos cursos
- escrita dos desejos (sonhos), identificação das competências - plataforma para inscrição nos cursos
responsabilidades, objetivos emocionais e sociais a partir de - plataforma para trabalhar na FEBRACIS
- escrita de aspectos problemáticos, modelo fornecido - site e software de coaching integral sistêmico
prejuízos, erros e afins - escrita e reprodução da nota dos - certificações de coaching e certificados
- impressão (dos exercícios, das leis, do prejuízos trazidos pelas falhas em - cursos em si são ferramentas*
termos de compromisso) competência emocional e social - loja virtual para que as pessoas tenham acesso
- termo de compromisso - coaching facilitado aos produtos FEBRACIS*
- tabela de avaliação (por nota) dos fatores - escrita das armadilhas que - vídeos de casos reais que apresentam os
de distração (que tiram o foco) impedem o progresso, a área que se resultados dos cursos, livros e método
- tabela de identificação dos pilares da relaciona, o comportamento - vídeo de apresentação da festa de formatura do
vida negativo e a ação positiva para green e golden belt*
- agenda da vida extraordinária modificá-la - inscrição de monitores voluntários*
- planejamento (projeto) das metas e - escrita do conceito de - disponibilização de materiais gratuitos e
objetivos em curto, médio e longo prazo; autorresponsabilidade a partir da ferramentas dos livros
escrever, falar e agir na direção da meta; adaptação de modelo - centros de coaching FEBRACIS
refletir, ouvir, assistir e ler sobre a meta; - escrita da visão extraordinária de
imaginar constantemente a realização das futuro
263

metas; repetir tais ações até a meta dar - descrições de casos reais
certo - metáforas como ferramenta para
- tabela de qualificação da inteligência mudar a si
foco-temporal - termo de compromisso
- lista modelo de padrões linguísticos
negativos
- escrita dos padrões linguísticos
negativos do indivíduo
- reescrita dos padrões negativos e escrita
dos seus prejuízos
- modelo de reescrita dos padrões
negativos para ultrapositivos
- reescrita ultrapositiva dos padrões
negativos individuais
- repetição verbal dos padrões linguísticos
negativos seguidos por punição com
elástico no pulso
- reescrita repetitiva do padrão linguístico
negativo
- tabela modelo dos estilos de gratidão e
não gratidão
- lista de frases para avaliação (por nota)
da gratidão
- lista de frases para avaliação (por nota)
dos impeditivos para gratidão
- listagem do que se é grato por
- tabela de avaliação (nota) da
comunicação com pessoas próximas
- tabela para avaliação de comunicação
entre luz ou trevas
- Escrita dos afetos que surgem a partir do
modelo de posturas corporais
264

- lista para avaliação (nota) de vícios


emocionais
- escrita para identificação de 5 vícios e
seus respectivos 3 prejuízos
- apresentação imagética de modelos de
padrões comportamentais de: poder,
vitória, paz, alegria/entusiasmo e amor
- descrição de modos de contato físico
para comunicar determinados afetos
- lista de questões modelo para qualificar
a fala de outrem
- lista de modelos para questões de acordo
com a hierarquia entre super
questionadores, bons questionadores, mal
questionadores, não questionadores
- escrita das verdades de si a serem
questionadas*
- escrita de 10 questões a partir de um
questionamento geral
- questão de evento impactante com data
específica
- questões para identificação das crenças
de merecimento, capacidade, identidade
- teste ACE
- sessões de coaching individuais
- livros
Aspectos - método CIS - inteligência emocional - presentes nos artigos: inteligência emocional;
teórico- - autoanálise (com PPS’s) - aptidões emocionais coaching online; coaching; riqueza; autoanálise;
conceituais - PPS’s - autorresponsabilidade gratidão; resultados
- metas e objetivos (sonhos e desejos) - poder como algo do indivíduo - presentes no vídeo institucional da aba "quem
- desempenho - autossabotagem somos": vida extraordinária (abundante);
- sucesso - crenças coaching integral sistêmico;
265

- crença - programações mentais autorresponsabilidade; método CIS; sessão de


- crenças limitantes - plasticidade neural coaching; desenvolvimento humano; alta
- reprogramação de crenças - método CIS performance
- modelagem humana - metas e objetivos - valores e missão da FEBRACIS
- super-humano (indivíduo de sucesso) - essência humana é divina - aba agenda: inteligência emocional
- autorresponsabilidade - livre-arbítrio é fornecido por Deus - aba materiais gratuitos: foco, sucesso, vícios
- poder (na ação, na pessoa, no - competência emocional e social emocionais, inteligência emocional
pensamento, no comportamento) - consciência (plena, relativa e - aba o que é coaching: coaching integral
- autoimagem disfuncional) sistemico; coaching pessoal; coaching
- estilo de vida abundante (extraordinária) - visão positiva de futuro profissional; mentoring; autoajuda;
- oportunidades (possibilidades) - ferramentas poderosas de - aba o que é coach: coach; coachee; coaching
- representação Metafórica Interna progresso
- zona de conforto - jornada do progresso humano
- historinhas (estruturas linguísticas) - estímulos traumáticos
- história (narrativas verdadeiras e - produtividade e eficiência
autorresponsáveis) - mudanças rápidas
- todo humano é igual e divinamente - outras técnicas de
criado desenvolvimento humano são
- dons e talentos subjetivas demais
- sorte - reprogramação de crenças
- consciente/inconsciente - programação mental (mindset)
- maturidade emocional - sucesso
- quociente de inteligência (QI) e - zona de conforto
quociente emocional (QE) - armadilhas que impedem a
- as seis leis da autorresponsabilidade jornada do progresso humano
- resultado (erros, aprendizagem) - consciência / inconsciência
- foco - pessoas de sucesso
- inteligência Emocional - resultados (erros)
- rotina de excelência - maturidade emocional
- foco Múltiplo (visionário, - quociente de inteligência (QI) e
comportamental e consistente) quociente emocional (QE)
- inteligência foco-temporal - oportunidade
266

- modelo de depressão, ansiedade e - programação neurolinguística


sucesso - seis leis da autorresponsabilidade
- perfeita linguagem (amor e gratidão) - impeditivos para
- comunicação verbal autorresponsabilidade
- estruturas linguísticas - se for confrontar alguém com a
- linguagem verdade, use a
- programação neurolinguística autorresponsabilidade e o elogio
- tudo é sistêmico (física quântica)
- palavras são profecias autorrealizáveis
- padrão linguístico
- neuroassociação
- reforço negativo
- estilo linguístico
- gratidão
- aspectos que impedem a pessoa de ser
grata
- amor
- comunicação não verbal
- associação da postura a depressão e uso
de colete corretor para cura
- vícios emocionais
- moléculas de emoção (MDE’s)
- CIS ajuda em ser manter abstinente de
drogas
- emoções curativas primárias:
comunicadas através de posturas corporais
vitória, paz, poder, alegria/entusiasmo e
amor
- associação dos padrões a estímulos
cerebrais
- estresse não coopera na reprogramação
- hierarquização das pessoas a partir da
267

qualificação de suas perguntas (super


questionadores, bons questionadores, mal
questionadores, não questionadores)
- fundamentos das PPS’s
- autocoaching
- circuitos neurais
- plasticidade neural
- sinapses neurais
- aprendizagem da pobreza e da riqueza
- trauma
- estímulos auditivos e visuais
- programação mental
- autoestima (combinação de três crenças:
merecimento, capacidade. Identidade)
- homofilia (relacionamento entre pessoas
parecidas)
- autossabotagem
- crenças/traumas infantis

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