Tese Ens Hist Boal e Freire

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Cleyton Machado

PRÁTICAS TEATRAIS NO ENSINO DE HISTÓRIA:


contribuições de Augusto Boal e Paulo Freire

Dissertação submetida ao
Programa de Mestrado
Profissional em Ensino de
História da Universidade
Federal de Santa Catarina
(ProfHistória – UFSC) para a
obtenção do Grau de Mestre em
Ensino de História.

Orientadora: Profa. Dra. Jane


Bittencourt

Florianópolis
2017
Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor
através do Programa de Geração Automática da Biblioteca
Universitária da UFSC.
AGRADECIMENTOS

São tempos difíceis para atores, educadores e sonhadores em geral,


que carregam em si toda a angústia de viver um momento onde dizer o
óbvio tornou-se um estopim, que tem dado início a explosões de
intolerância e indiferença. Desviando de políticas públicas nefastas e
vontades particulares de manutenção da moralidade retrógrada e
excludente, muitos tentam incansavelmente recolocar os tijolos partidos
nos escombros de uma democracia que começava a ganhar ares de
fortaleza.
É neste cenário que tantos estudantes não só aceitaram participar
deste projeto como fizeram muito mais sem nem perceber: continuaram
alimentando a esperança quanto à um presente melhor. Porque em suas
falas, olhares, seus sorrisos, comentários, ao longo desse processo, estava
a certeza de que eles já fazem a diferença. Fica o desejo de que continuem
essa caminhada, optando por olhar de forma empática para o caminho da
justiça, do respeito e da dignidade. Deixo aqui registrado o meu mais
sincero agradecimento por dividir o palco comigo ao longo de todas essas
semanas e abrilhantar esta pesquisa. Fica aqui também uma súplica:
apesar dos tempos difíceis, seja o tempo que for, continuem.
Acredito que essa caminhada seria muito mais tortuosa – para não
dizer impossível – sem outro grupo de pessoas, que outrora foram
estudantes, mas se tornaram além de amigos queridos, parte da minha
própria história e ainda hoje me ensinam mais do que mereceria aprender.
Agradeço eternamente ao Guiga, Anselmo, Luiza, Carol, Mia, Dani,
Fábio, Ana Terra, que em muitos momentos de desânimo e descrença na
profissão, foram responsáveis diretos para que eu continuasse
acreditando. Por mim e por eles, foram a minha consciência e coragem.
À Ana Terra ainda devo o agradecimento por ter me apresentado ao
ProfHistória, mas mais do que isso, por ter tido a honra de, mesmo
brevemente, ter compartilhado ideias como amigos e colegas de trabalho.
A todos os amigos e amigas que repartiram seus conhecimentos,
seu tempo e sua paciência, seja para dar dicas no trabalho, dividindo seu
lar ou uma mesa de bar – local onde as ideias germinadas têm o hábito de
florescer. Muitos destes foram responsáveis diretos, trazendo conforto e
ânimo para que este trabalho finalmente se concretizasse. São irmãos e
irmãs de coração que a gente reconhece ao longo da vida e a fazem ficar
muito mais colorida e cheia de significados.
Embora as atividades teatrais e ligadas ao ensino de História
tenham acontecido, a materialização desta dissertação não seria possível
sem uma pessoa em particular. As falhas que este trabalho possui, assumo
todas para mim, já os méritos, caso existam, dedico à minha orientadora.
Aos inúmeros colegas de caminhada no mestrado. Estes foram para
mim uma referência de profissionais exemplares, além de colegas muito
queridos e solícitos. Tantas leituras e trabalhos só foram possíveis de se
realizarem graças à sua presença tanto física, quanto virtual. Deixou aqui
meus agradecimentos e carinho por essa parceria.
Ao Colégio Cruz e Sousa por ter acreditado no projeto e confiado
no meu trabalho ao longo de tantos anos. Em particular à direção, às
coordenadoras que sempre apoiaram e incentivaram todas as iniciativas
em prol da educação, mesmo que as vezes o próprio sistema que permeia
a cultura escolar tenha dificuldade de entender os meandros e a beleza do
fazer escolar. Aos inspetores, às secretárias, ao pessoal da manutenção e
limpeza, que além da sua competência, trazem tanta leveza e simpatia ao
ambiente de trabalho, meu muito obrigado.
Aos meus inúmeros familiares da família Machado e família
Bento, tão queridos e compreensivos pelas faltas à churrascos, cafés,
aniversários, encontros, canastras e conversas. Eu não poderia ter outros
parentes mais maravilhosos, que, mesmo na distância física exigida pela
profissão e por esta dissertação, estiveram e estão sempre ao meu lado.
Aos meus irmãos. À minha irmã Elaine, que tem sido há muito
tempo um anjo da guarda na minha vida, sempre se fazendo presente,
preocupada com minha saúde, alimentação, tirando um tempo do seu dia
corrido para demonstrar todo o carinho do mundo. Te amo.
Em especial, logicamente, aos meus pais, Cláudio e Maria da
Graça. Sempre penso em vocês quando refaço os caminhos da memória,
da infância até aqui. Tenho certeza que as poucas qualidades que possuo
seriam drasticamente reduzidas se não fossem os seus esforços constantes
para nunca deixar espaços vazios na minha vida. Da comida no prato à
palavra de conforto, sempre foram e serão minha maior referência. Amo
vocês.
A injustiça caminha hoje com passo firme.
Os opressores instalam-se pra dez mil anos.
A força afirma: Como está, assim é que fica.
Voz nenhuma soa além da voz dos dominadores
E nas feiras diz alto a exploração: Agora é que eu começo.
Mas dos oprimidos dizem muitos agora:
O que nós queremos, nunca pode ser.
Quem ainda vive, que não diga: nunca!
O certo não é certo.
Assim como está, não fica
Quando os dominadores tiverem falado
Falarão os dominados.
Quem se atreve a dizer: nunca?
De quem depende que a opressão continue? De nós.
De quem depende que ela seja quebrada? Igualmente de nós.
Quem for derrubado, que se levante!
Quem estiver perdido, lute!
A quem reconheceu a sua situação, quem poderá detê-lo?
Pois os vencidos de hoje são os vencedores de amanhã
E do Nunca se faz: Hoje ainda!

Eugen Bertholt Friedrich Brecht


RESUMO

Entender como se processam as relações de opressão na sociedade,


através da prática educativa dialogal, como proposta por Paulo Freire,
implica em estabelecer uma relação constante e dinâmica entre os
sujeitos, no sentido de buscar a interação de diferentes conhecimentos
possíveis de vários lugares e épocas. Acreditamos que práticas teatrais
possam colaborar fundamentalmente com esse processo, por expandirem
as possibilidades de ação didática. O Teatro do Oprimido proposto por
Augusto Boal visa dar um sentido profundamente social para tais práticas,
em que o sujeito tem a oportunidade de questionar a si mesmo e o mundo,
tanto no presente quanto em relação ao passado. Quando direcionamos
esses subsídios ao ensino de História, percebemos o quanto a habilidade
de considerar a relação dos agentes históricos com os elementos do seu
tempo pode proporcionar uma rica integração das propostas dos autores
aqui discutidos, assim como oportunizar o diálogo com o conhecimento
histórico no processo educacional. Buscamos, através deste estudo prático
e investigativo, analisar as potencialidades de práticas teatrais associadas
ao ensino de História. Particularmente utilizamos a ditadura civil-militar
brasileira como base temática, e investigamos seu ensino tendo por base
o conceito de empatia histórica. Para tanto, no primeiro capítulo,
analisamos algumas contribuições de Augusto Boal e Paulo Freire que
serviram de base para este estudo; no segundo capítulo, apresentamos o
conceito de empatia histórica e discutimos suas possíveis ligações com as
práticas teatrais; no capítulo seguinte são discutidos os resultados das
práticas teatrais implementadas à luz das análises teóricas realizadas.
Com este estudo, além de entender como se processa o pensamento
histórico dos estudantes, partindo do tema proposto, buscou-se também
oferecer mecanismos para o seu aperfeiçoamento.

Palavras-chave: Relações de opressão, práticas teatrais, empatia


histórica.
RESUMEN

Entender cómo se procesan las relaciones de opresión en la sociedad, a


través de la práctica dialogística, como propuesta por Paulo Freire,
implica en establecer una relación constante y dinámica entre los sujetos,
en el sentido de buscar la interacción de distintos conocimientos posibles
de varios lugares y épocas. Creemos que prácticas teatrales puedan
colaborar fundamentalmente con ese proceso, por expandieren las
posibilidades de acción didáctica. El Teatro del Oprimido propuesto por
Augusto Boal, visa dar un sentido profundamente social para prácticas
tales, en la cual el sujeto tiene la oportunidad de cuestionar a sí mismo y
el mundo, tanto en el presente cuanto en el pasado. Cuando direccionamos
esos subsidios a la enseñanza de Historia, percibimos el cuanto la
habilidad de considerar la relación de los agentes históricos con los
elementos de su tiempo puede proporcionar una rica integración de las
propuestas de los autores aquí discutidos en el diálogo con el
conocimiento histórico en el proceso educacional. Buscamos a través de
este estudio práctico e investigativo analizar las potencialidades de
prácticas teatrales asociadas a la enseñanza de Historia. Particularmente
utilizamos la dictadura civil-militar brasileña como base temática,
mientras la investigación acerca de la enseñanza se ha dado a partir del
concepto de empatía histórica. Para ello, en el primer capítulo analizamos
algunas de las contribuciones de Augusto Boal y Paulo Freire que han
servido de base para este estudio; en el segundo capítulo, presentamos el
concepto de empatia histórica y sus posibles ligaciones con las prácticas
teatrales; en el capítulo siguiente son discutidos los resultados de las
prácticas teatrales a la luz de las análisis teóricas realizadas hasta el
momento. Con este estudio, más que entender cómo se procesa el
pensamiento histórico de los estudiantes, partiéndose del facto propuesto,
se buscó también ofrecer mecanismos para su perfeccionamiento.

Palabras-clave: Relaciones de opresión, prácticas teatrales, empatía


histórica.
ILUSTRAÇÃO

IMAGEM 1. A ÁRVORE DO TEATRO DO OPRIMIDO .. 34


LISTA DE TABELAS

TABELA 1. QUARTO DIA..................................................... 65


TABELA 2. QUINTO DIA ...................................................... 66
TABELA 3. PRIMEIRO DIA ................................................. 67
TABELA 4. SEXTO DIA......................................................... 70
TABELA 5. SEGUNDO DIA .................................................. 70
TABELA 6. OITAVO DIA ...................................................... 71
TABELA 7. TERCEIRO DIA ................................................. 74
TABELA 8. NONO DIA .......................................................... 77
TABELA 9. SÉTIMO DIA ...................................................... 88
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ..................................................................... 19
2 CONTRIBUIÇÕES DE AUGUSTO BOAL E PAULO
FREIRE..................................................................................... 27
2.1 A árvore do teatro do oprimido ............................................ 33
2.2 A educação estética em Boal ................................................ 38
2.3 Do espect-ator ao ator: repensando limites e possibilidades 40
2.4 Paulo Freire: contribuições da pedagogia do oprimido ........ 42
2.4.1 Conscientização................................................................. 44
2.4.2 Problematização ................................................................ 45
2.5 Relações possíveis entre Augusto Boal e Paulo Freire......... 48
3 EMPATIA HISTÓRICA E PRÁTICAS TEATRAIS ........ 51
3.1 Empatia histórica, práticas teatrais e o ensino ...................... 60
4 PRÁTICAS TEATRAIS E ENSINO DE HISTÓRIA:
INTERLOCUÇÕES ................................................................. 65
4.1 Máscaras............................................................................... 68
4.2 Pedagogia do oprimido e práticas teatrais ............................ 72
4.3 Práticas teatrais e empatia histórica...................................... 80
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................... 93
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................ 99
7 ANEXOS .............................................................................. 105
19

1. INTRODUÇÃO

O ensino de História praticado no Brasil e em diversos outros


países tem avançado no sentido de buscar novos mecanismos que nos
levem a entender como os estudantes, e mesmo os professores, pensam a
relação dos sujeitos no tempo. Busca-se um pensamento histórico que não
se limite à interpretação restrita das fontes, mas que seja entendido
enquanto narrativas construídas, refletidas e reconstruídas.
Diversos autores como Peter Lee (2000), Isabel Barca (2000),
Maria do Céu de Melo Esteves Pereira (2003) concordam que mesmo
alunos mais jovens têm a potencialidade de produzir raciocínios
históricos de forma elaborada, desde que sejam criadas condições
consideráveis de aprendizagem que favoreçam a aproximação entre os
conhecimentos dos sujeitos e aquele conhecimento escolar que se propõe
a analisar.
Para nós é fato notório que o ensino de História deve superar a
necessidade simplista de acúmulo de informações e de preocupar-se com
métodos motivacionais para a aprendizagem desses conteúdos. Dessa
forma, falar em uma educação histórica significa propor uma
problemática voltada para entender a forma como os alunos
compreendem a história e por que se deve aprender história. Por essa
razão, se faz essencial o esforço teórico e prático de partir dos
conhecimentos tácitos que os aprendizes possuem. Já que a postura de um
professor-investigador deve se direcionar não só para os conteúdos
próprios ao ensino, mas também como o professor instrui-se para ensinar
e, no caso deste estudo, como o estudante aprende. E a partir disso, buscar
mecanismos eficazes para o aperfeiçoamento deste aprendizado histórico.
O estudo prático/investigativo apresentado nesta dissertação teve
por objetivo analisar as potencialidades de práticas teatrais associadas ao
ensino de História. Para tanto, utilizamos a ditadura civil-militar brasileira
como base temática.
O trabalho é fruto de uma pesquisa realizada junto a um grupo de
dezoito estudantes do Ensino Médio da rede privada de Florianópolis.
Todos foram voluntários nesta empreitada, realizada em contraturno,
cujas atividades ocorreram ao longo de nove semanas, com um encontro
semanal que durava duas horas e meia.
As dinâmicas realizadas, que estão apresentadas na descrição de
procedimento (anexo A), variavam de acordo com os objetivos e as
temáticas para aquele encontro. Sendo que, além de exercícios teatrais,
20

no que tange ao conceito substantivo proposto, utilizamos também


recursos audiovisuais, textos, e mesmo aulas expositivas, quando se fez
necessário.
A instituição escolhida para o desenvolvimento das práticas foi o
Colégio Cruz e Sousa, onde atuamos há doze anos. Neste colégio já
desenvolvíamos atividades extracurriculares há alguns anos, contando
com grupos de estudantes desejosos por discutir temas gerais
relacionados à educação. A partir de 2010 realizamos debates, produção
de textos analíticos, apresentação das discussões à comunidade escolar,
além de um exercício de construção prática de aulas, através do qual se
estabeleceu disciplinas diferenciadas, criadas a partir de eixos temáticos
específicos e desenvolvidas simultaneamente por profissionais de
diferentes áreas. Este último projeto contou com a participação de cerca
de cento e cinquenta alunos, os quais se inscreviam nas disciplinas de
acordo com seus interesses e disponibilidade de vagas. Sua organização é
um reflexo direto do que se tornou o grupo naquele momento: todas as
propostas de ação eram analisadas em conjunto e, embora o conhecimento
teórico e prático do professor tivesse o seu peso respeitado, foi utilizado
o diálogo como base para efetivação da elaboração de propostas coletivas.
Foram momentos bastante ricos, pois pudemos perceber o crescimento de
todos os envolvidos.
Tais experiências, embora tenham proporcionado novas
perspectivas acerca das possibilidades do ensino, foram gradativamente
evidenciando a necessidade de um embasamento teórico mais específico
que pudesse nos direcionar para a compreensão mais precisa de seus
limites e possibilidades. Nesse aspecto o programa de Mestrado
Profissional no Ensino de História (ProfHistória) foi um espaço
fundamental para que essas reflexões pudessem ocorrer.
Entre tantos estudos realizados ao longo do pertencimento ao
programa, uma das abordagens mais importantes, que se fez mister à
realização deste trabalho, dizia respeito à valorização dos conhecimentos
já estabelecidos pelos estudantes. Mas ao invés da ideia da existência de
conhecimentos prévios, tornou-se mais apropriada a expressão
“conhecimentos tácitos”. Esta sutil distinção se faz necessária, na nossa
percepção, pois como estamos lidando com sujeitos que se formam a
partir da sua relação com fatos, valores, emoções, expectativas, entre
outros, entendemos que ao ter contato com o conhecimento formal,
apresentado na escola, estes estudantes manterão suas percepções acerca
do mundo, sendo estas transformadas, em maior ou menor grau, por
aquilo que o ensino formal venha a fornecer-lhes.
21

Conforme nos explica Márcia Elisa Teté Ramos (2013), tácito


significa algo que não é expresso de uma maneira formal, que se
subentende; enquanto prévio seria: “Que se faz ou diz antes doutra coisa;
preliminar1”. O conhecimento tácito não é absolutamente observável, pois
não é inteiramente pronunciável. Mesmo após aprender algo, o sujeito
continuará carregando em si aqueles elementos subjetivos, que
influenciarão o conhecimento assimilado. A professora Márcia Ramos
ainda cita um exemplo bastante elucidativo. Mesmo quando duas pessoas
partem da mesma receita para cozinhar (que seria o conhecimento
formal), terão que lidar com outros aspectos subjetivos que não estão ali
descritos e podem influenciar no resultado, embora não sejam
mensuráveis, como por exemplo, utilizar ingredientes à temperatura
ambiente, a ordem de mistura desses ingredientes e até mesmo o ritmo
que se usa para bater uma massa. Essas características pessoais, subjetivas
seriam o conhecimento tácito.
É nesse sentido que iremos apresentar a abordagem feita à visão de
mundo dos estudantes. Buscando entendê-la, para apresentarmos novas
perspectivas que poderão influenciá-los em maior ou menor grau. Sem,
no entanto, ter a pretensão de substituir tais conhecimentos, mas
enriquecê-los, por acreditar que este deve ser o caminho a ser percorrido
pelo ensino de História no momento em que vivemos.
Uma das categorias mais importantes para o ensino de História,
ligada à perspectiva apresentada até aqui, e que utilizaremos como base
para o desenvolvimento deste trabalho, é a empatia histórica. Ela nos
direciona para a capacidade de entender as motivações que levaram os
agentes históricos a proceder como agiram no passado, entendendo seus
valores, suas vontades, seus objetivos. E a compreender que os
acontecimentos não somente estão subordinados a uma relação de
causalidade por sempre haver influências que poderiam gerar um
contexto alternativo, mas também porque o passado não possui uma
verdade revelada.
Entretanto, como os diversos estudos analisados apontaram que, a
partir da apresentação de níveis diferentes de empatia histórica, é tarefa
difícil alcançar um alto grau desta empatia, visto que os indivíduos
precisam se apropriar de arcabouços de ideias que são diferentes dos seus.
Logo, o grande desafio reside no trabalho necessário para diminuir a

1
FERREIRA, A. B. de H. Minidicionário da língua portuguesa: 7. ed. Curitiba:
Positivo, 2008. p. 653.
22

concentração da atenção sobre o tempo presente, evitando análises


baseadas no senso comum.
No processo de ensino de história, aos conhecimentos tácitos dos
estudantes somam-se dois tipos básicos de conceitos: os conceitos de
segunda ordem, que tratam da base teórica e metodológica da história e
do conhecimento histórico, como por exemplo, explicação histórica,
fontes, evidência, imaginação histórica, narrativa etc.; e os conceitos
substantivos, que se referem aos conteúdos históricos propriamente ditos,
como por exemplo, Renascimento, Revolução Industrial, Revolução
Russa etc. (RAMOS, 2013). Nosso trabalho desenvolveu-se tendo como
base de análise os conceitos substantivos, mais especificamente a
Ditadura Civil-Militar no Brasil (1964-1985).
O contexto da Ditadura no Brasil sem dúvida influenciou o
surgimento e desenvolvimento de uma série de pensamentos contrários às
práticas adotadas pelo Estado e ao rumo que a sociedade estava tomando,
por estar se distanciando cada vez mais da reflexão sobre si própria e
sobre a possibilidade de um futuro mais justo. Nesse bojo, destacamos
dois pensadores fundamentais, pelas teorias desenvolvidas e pela
perspectiva de mudança que carregavam em si: Augusto Boal (1931-
2009), criador do Teatro do Oprimido (TO) ao longo da década de 1970;
e Paulo Freire (1921-1997), que publicou o livro Pedagogia do Oprimido
em 1974. Tanto a proposta teatral de Boal, quanto a obra de Freire serão
base para as reflexões e ações aqui propostas.
Segundo os preceitos apresentados em Pedagogia do Oprimido
(2014)2, não há aprendizado significativo sem o diálogo sincero, de
maneira que professor e aluno estejam abertos à possibilidade de aprender
mutuamente, problematizando o mundo a sua volta. O ato de aprender,
através desse processo contínuo de reflexão e ação, leva os sujeitos a
dialeticamente se perceberem no mundo e a entenderem como também
influenciam nele. Esse processo de percepção torna capaz a humanização
dos sujeitos, a qual, para ser mais abrangente, entendemos que se exige
que seja feita também em relação ao tempo: passado e presente em
constante diálogo.
No caso de Augusto Boal, inspirado também pelas próprias ideias
de Paulo Freire, a proposta é trabalhar relações de opressão a partir do
teatro. Porém, de uma forma que o espectador não seja passivo e possa
interferir nas ações, a partir das reflexões e provocações feitas pelos
atores. Desta forma, os sentidos, juntamente com o corpo, poderão

2
A primeira edição de Pedagogia do Oprimido ocorreu em 1968.
23

auxiliá-lo a repensar as possibilidades de ação na sua própria vida. Para


isso, Boal propõe uma série de modalidades dentro do Teatro do
Oprimido, configuradas a partir de uma estrutura que o autor chamou de
“Árvore do Oprimido”. Seu teatro parte de estratégias que visam preparar
os sujeitos, atores e não atores, para refletir sobre si e sobre o mundo, a
partir de jogos teatrais. Estes visam desmecanizar os corpos e os sentidos,
para desalienar os sujeitos de suas máscaras sociais, tornando-se
indivíduos mais sensíveis e humanos.
Tínhamos como ideia inicial uma abordagem geral sobre a
Ditadura Civil-Militar no Brasil, entre 1964 e 1985. Mas optamos por nos
concentrarmos na fase inicial, de 1964 a 1969, logo após a decretação do
AI-5. Com o exercício escrito realizado e as práticas teatrais, percebemos
que dado o tempo de realização das atividades, seria mais eficaz se
trabalhássemos algumas ideias essenciais para a compreensão do período
e suas conexões com o presente, tais como a participação dos militares no
golpe e a visão de homogeneidade entre as forças armadas. E para não
prejudicar o desenvolvimento das discussões acerca do pensamento de
Freire e Boal, concentramos as ações referentes ao ensino de História na
fase mencionada.
Desta maneira, passamos a apresentar como a análise das ideias
aqui expostas e da proposta acima mencionada estão organizadas neste
trabalho.
Tanto a educação discutida em Freire, quanto o teatro apresentado
por Boal possuem perspectivas muito semelhantes e serão objeto de
análise no primeiro capítulo. A princípio, apresentaremos os elementos
históricos do teatro brasileiro que proporcionaram a formação do TO; a
seguir, discutiremos os elementos teatrais propostos por Boal, que
serviram de base para as práticas teatrais realizadas com os estudantes;
passamos então a analisar as discussões propostas em Freire que
contribuíram fundamentalmente para levar as ideias de Boal
especificamente para o espaço escolar.
No segundo capítulo, dedicar-nos-emos à educação histórica,
nomeadamente à empatia histórica, por entender que esta se aproxima do
movimento proposto por Freire, através da necessidade de diálogo com
os conhecimentos tácitos e da prática da pesquisa como forma de
aprofundamento do conhecimento histórico. Assim, utilizaremos alguns
autores como referência ao tema, sobretudo Peter Lee e Maria do Céu de
Melo Esteves Pereira. Em suas pesquisas com estudantes, ambos criaram
níveis de empatia histórica que entendemos ser uma referência importante
para as análises que fizemos com o grupo de estudantes.
24

O terceiro e principal capítulo tem como objetivo apresentar a


análise dos dados qualitativos coletados dos estudantes ao longo dos
encontros. Como proposta organizacional, buscamos entender como os
encontros forneceram dados para ponderar as reflexões realizadas e ações
propostas a partir dos temas presentes nos capítulos anteriores. Assim, as
práticas teatrais e discussões serão refletidas à luz das ideias de Boal, de
Paulo Freire e das pesquisas sobre empatia histórica apresentada
anteriormente.
Durante a realização das práticas com os estudantes, havia muita
incerteza quanto ao que aconteceria a partir da orquestração política
daquele clima de polarização cada vez mais acentuado. A instabilidade,
que indicava a possibilidade de impeachment da presidenta Dilma Vana
Rousseff, trazia - através dos estudantes - as referências de noticiários e
redes sociais, os quais discursavam sobre a “ameaça comunista” que o
governo representaria naquele momento.
Diante desse clima, mas não apenas em virtude dele, adotamos um
procedimento metodológico que, apesar de exigir um esforço constante
de organização, ação, reflexão e reorganização, permitiu lidar
satisfatoriamente com o momento vivenciado. Por possuir uma estrutura
maleável, os conhecimentos tácitos apresentados pelos estudantes
enriqueceram as práticas e permitiram uma análise mais ampla dos
conceitos substantivos estudados.
Trata-se da perspectiva da pesquisa-ação. Esta é uma das
modalidades metodológicas presentes no ramo da investigação-ação e
configura-se enquanto uma “tentativa continuada, sistemática e
empiricamente fundamentada de aprimorar a prática” (TRIPP, 2005, p.
443). Ou seja, é um tipo de pesquisa que está entre a prática cotidiana e a
pesquisa acadêmica. Uma das características mais marcantes deste
método é o fato de que como sua aplicação está associada ao contexto, há
diferentes formas de desenvolvimento para diferentes situações, o que
dificulta uma definição precisa.
Segundo Franco (2005, p. 485), “se alguém opta por trabalhar com
pesquisa-ação, por certo tem a convicção de que pesquisa e ação podem
e devem caminhar juntas quando se pretende a transformação da prática”.
Porém, o direcionamento, o sentido e a intenção da transformação
pretendida, estarão à frente desta abordagem, definindo constantemente
seu caminho ao longo da pesquisa.
Ainda segundo o autor, no Brasil há três conceituações acerca do
trabalho em pesquisa-ação: a) a pesquisa-ação colaborativa: quando a
transformação é solicitada pelo próprio grupo pesquisado e o pesquisador
irá participar e cientificizar o processo; b) pesquisa-ação estratégica:
25

quando a transformação é planejada com antecedência, sem contar com a


colaboração dos indivíduos participantes, sendo que somente o pesquisar
terá acesso aos resultados de sua aplicação; c) pesquisa-ação crítica:
quando a transformação de alguns aspectos é percebida como necessária
desde o início do processo de pesquisa com o grupo, isso ocorre pela
valorização da construção cognitiva da experiência, que deve ser baseada
na reflexão crítica coletiva, objetivando a emancipação dos sujeitos a
partir daquilo que o grupo define enquanto opressivo.
Dada a natureza da nossa proposta, optamos por seguir esta última
linha, por entender que se aproxima inteiramente das discussões e
concepções dos autores utilizados. Já que
a condição para ser pesquisa-ação crítica é o
mergulho na práxis do grupo social em estudo, do
qual se extraem as perspectivas latentes, o oculto,
o não familiar que sustentam as práticas, sendo as
mudanças negociadas e geridas no coletivo
(FRANCO, 2005, p. 486).
Tripp (2005) concebe a ideia de que o campo da investigação-ação
se configura enquanto um processo que segue um ciclo, em que a prática
é aperfeiçoada pela alternância metódica proporcionada pelo movimento
entre a ação e a investigação a respeito dela. Tal ciclo, para o autor,
divide-se em quatro fases: planejar para melhorar a prática, agir para
implantar a melhoria planejada, monitorar e descrever os efeitos da ação,
avaliar os resultados da ação e assim sucessivamente.
Para que a pesquisa-ação aconteça, utilizaremos na ação conjunta
o seguinte processo estruturante geral: a) construção da dinâmica do
coletivo: para que a ação proposta seja coletiva e integrada ela precisa ser
compreendida e aceita pelos sujeitos, por isso se faz necessário um
processo de aquecimento, que varia de acordo com os objetivos; b)
ressignificação do processo cíclico: tanto para reavaliar o ponto inicial e
de chegada do ciclo, de acordo com as necessidades do momento, quanto
aos procedimentos adotados para isso, é fundamental um processo de
reflexão contínua; c) produção e socialização do conhecimento: por ser
coletivo, a transformação não se faz apenas pelo processo de
internalização dos conhecimentos, mas precisa ser pronunciado e
elaborado coletivamente; d) análise e redirecionamento das práticas: o
foco concentra-se nas práticas e não no processo de pesquisa, assim, esta
precisa ser constantemente revisitada a fim de aperfeiçoar as práticas; e)
consciencialização e transformação de sentidos: todo o processo deve
levar à ressignificação do que fazemos ou pensamos.
26

Urge ressaltar que optamos por tal procedimento dada a dinâmica


de nossa proposta, a qual exige no seu fazer a participação ativa dos
sujeitos, já que visa compreender os níveis de empatia histórica para
oferecer subsídios para seu aperfeiçoamento; pois entendemos que tal
procedimento não se dá sem buscar constantemente os seus
conhecimentos tácitos. Por isso, não caberia uma pesquisa fechada, sem
que os sujeitos participassem ativamente do processo.
Assim, no que diz respeito à ação diante da proposta específica
aqui apresentada, adotaremos o seguinte procedimento: a) levantamento
dos conhecimentos tácitos dos estudantes através de dinâmicas teatrais,
sobre as relações de opressão, no primeiro momento e sobre o conceito
substantivo no segundo; b) através de análises e práticas coletivas faremos
a abordagem de fontes documentais; c) reflexão coletiva sobre as
constatações a partir das dinâmicas; d) avaliações coletivas quanto às
contribuições da análise das relações de opressão bem como do
aprimoramento da empatia histórica dos sujeitos.
27

2. CONTRIBUIÇÕES DE AUGUSTO BOAL E PAULO


FREIRE

Durante os anos da Ditadura Civil-Militar brasileira, período de


maior repressão na história republicana brasileira, os artistas brasileiros
redobraram sua potencialidade criativa para entender e discutir aquele
momento. No caso específico de algumas modalidades teatrais, a relação
entre arte e política que já vinham se estreitando pelo menos desde a
década de 1940, fez-se muito mais presentes nas décadas de 1960 e 1970.
Ao longo desse período surgiu a modalidade teatral conhecida como TO,
um dos pilares para o desenvolvimento deste trabalho.
O TO, criado por Augusto Boal, é fruto de diversas experiências
vivenciadas pelo autor tanto no Brasil, quanto no seu exílio em países da
América do Sul e na Europa. Sua relação com o teatro e o trabalho social
nesses lugares forneceram subsídios para que ele enriquecesse a
modalidade teatral que desenvolveria ao longo de sua vida. Mas os
primeiros passos para a criação do TO se deram ainda nos anos de 1950,
quando Boal passou a fazer parte do Teatro de Arena (TA). Dele saíram
elementos fundamentais para o futuro estabelecimento do Teatro do
Oprimido. Dada sua relevância para o autor, faremos algumas
considerações a respeito de elementos que compõem o Arena.
Segundo Patriota (2008), já nos anos de 1940 temas como
nacionalismo crítico, modernização e conteúdos politizantes começavam
a ganhar cada vez mais espaço frente às demais categorias teatrais no
Brasil. Dentre os grupos surgidos nesse contexto com esse olhar político,
destaca-se o Teatro de Arena de 1956.
Em sua dissertação, Maria Christina da Silva (2008) estabelece o
diálogo entre política e arte, tendo como eixo central a ideia de que a
história TA é inerente à própria história do país naquele contexto. Além
de ter produzido importantes reflexões sociais durante aquele contexto.
Ainda segundo a autora, foi um momento em que, na maioria das vezes,
o fazer e o pensar, seja referente ao amor, comportamento, sexo ou
cultura, estavam submetidos ao político. E, por isso, muitas das
concepções artísticas, direta ou indiretamente, buscavam intervir na
sociedade.
Nascido da vontade de jovens formados na Escola de Artes
Dramáticas (EAD) de São Paulo, o Teatro de Arena surgiu com temáticas
e estéticas que se inspiravam em modelos europeus, muito mais populares
na época, embora levasse para o palco as temáticas nacionais. No TA
havia uma mobilidade muito maior por não ter um custo elevado, já que
28

as peças eram organizadas em espaços com formato de arena, não


dependendo de grandes casas de espetáculo. Assim, podendo ser
encenado em lugares não convencionais, como clubes, escolas e museus,
o TA conciliava a praticidade com a busca por temáticas no cotidiano do
povo brasileiro e buscava uma linguagem capaz de alcançar esse público.
Em sua primeira fase, ele surge como resposta ao teatro praticado
pelo Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) desde 1948, baseado em
moldes europeus, no luxo e ostentação e tendo como público principal a
classe média de São Paulo.
Focado nas finalidades do TA, Augusto Boal, utilizando o método
de Stanislávski3, cria o Laboratório de Interpretação para estudar técnicas
realistas de encenação, contando também com atores como Oduvaldo
Vianna Filho, Milton Gonçalves, Nelson Xavier, Flavio Migliaccio,
Gianfrancesco Guarnieri, entre outros. Através dos exercícios, práticas e
reflexões, os atores estavam cada vez mais próximos do público.
Isso os levou a constatar que o TA poderia estreitar sua relação
com a plateia, caso buscasse textos que retratassem características
específicas da realidade brasileira. Por isso foi criado então o Seminário
de Dramaturgia de São Paulo, inaugurando a fase da fotografia, que
duraria entre 1958 e 1962. Segundo Silva (2008), apesar de ter um
caminho diversificado, com peças de autores nacionais e estrangeiros,
nesse momento o TA se estabeleceu como uma companhia identificada
pelo texto nacional. Nessa fase surge uma das peças mais importantes do
TA e do teatro brasileiro, Eles Não Usam Black-Tie (1958), de
Gianfrancesco Guarnieri.
Mas esta fase também precisaria ser superada, pois, segundo Boal,
ainda que a encenação do cotidiano levasse o público para o teatro,
rapidamente verificaram que os espectadores estariam pagando para ver
suas próprias vidas no palco, em outras palavras, “consistia em reiterar o
óbvio” (BOAL, 2012, p. 248).
Naquele início dos anos de 1960, desenvolvia-se o momento mais
expressivo do Teatro de Arena, quando seu conteúdo se encontrou ainda
mais com a análise da política e da sociedade. Para isso direcionou seu
foco a um público que não era aquele acostumado à linguagem teatral,
buscando um diálogo com as periferias. Ocorreu assim o deslocamento

3
Constantin Stanislávski (1863-1938), teatrólogo, diretor e ator russo, criou um
sistema de procedimentos para interpretação que se tornou referência no mundo
todo, baseado em quatro eixos: atenção, imaginação, ação e relaxamento.
29

físico e comunitário do grupo para atingir o seu intento de acordo com as


suas visões políticas:
Coloca-se o público em um mesmo nível que os
atores em volta de uma arena circular, o que
dispensa cenários realistas, podendo ser criado pela
luz e pelo trabalho dos atores. Isso evidencia o
caráter econômico do Arena, o que levaria um
público ausente dos edifícios teatrais, devido ao seu
poder aquisitivo, para o teatro, na verdade um
teatro mais próximo, mais participativo
socialmente (MORAES, s/d, p.2).
Logicamente, tal inovação, ainda mais para um público não
habituado ao teatro, trouxe a cada apresentação desde uma pequena
inquietação a um desejo profundo de transformação. Mas é inevitável
pensar no impacto que esse novo público, com suas demandas, seus
sonhos e suas percepções daquela realidade encenada, teve sobre os
atores, produtores e sobre a própria peça.
Assim, nos anos de 1960 o TA assumiu uma postura mais
engajada, não apenas esclarecendo o povo de suas mazelas, mas também
mobilizando as classes trabalhadoras, a partir das demandas sentidas na
prática. Torna-se evidente nesse momento uma dupla preocupação:
manter o valor artístico e estruturar sua formulação política. É nessa busca
que ocorreu um processo de desespecialização dos grupos, pois, segundo
Julian Boal (2015), todas as funções do teatro passaram a ser exercidas de
forma coletiva.
Nesse movimento, a própria direção teatral também ganhava novas
práticas. Augusto Boal, por exemplo, ao dirigir uma peça, passou a não
se impor diante da atuação dos atores, mas questioná-los, provocá-los
para que analisassem suas escolhas. Os espetáculos eram, portanto,
construídos de forma mais coletiva, fazendo com que as ideias surgissem
da ação reflexiva conjunta. Através destas práticas que questionavam a
tradicional divisão de funções, o fazer teatral já continha na sua gênese
cotidiana o questionamento às estruturas sociais e a própria reflexão sobre
estas.
Em função dos problemas apontados no segundo momento, Boal
(2012) afirma que o TA teria entrado a partir daí na fase da
Nacionalização dos clássicos, em que se buscaram peças universais,
como Mandrágora (1503) de Maquiavel4, alterando muitas vezes sua

4
A montagem da peça feita pelo TA ocorreu em 1962.
30

estrutura, para discutir e interpretar a realidade política, social brasileira5.


Em outros casos, como em Tartufo (1664) de Moliére6, foi mantida a
estrutura original, já que esta ironizava a utilização da ideia de Deus nas
lutas terrenas, o que foi relacionado na época com a Marcha da Família
com Deus pela Liberdade.
Seguindo essa lógica explicativa, Boal (2012) conclui que se a
segunda fase trouxe à exaustão as singularidades da vida, mas por
pretender fazer a ponte entre uma realidade específica brasileira e as obras
seculares que escolhiam para encenar, as peças nesta fase acabavam se
tornando excessivamente universalista. Faltaria então um elo, uma síntese
ao processo. E esta seria buscada através dos musicais.
Estes não eram novos ao Teatro de Arena, pois às segundas-feiras
eram apresentados espetáculos do gênero, com o nome genérico de
Bossarena (BOAL, 2012, p. 252). Mas a partir de agora, os musicais
ganhariam o corpo dessa trajetória percorrida pelo TA até então.
Buscando posicionar-se diante da Ditadura Civil-Militar que
iniciara em 1964, os autores, com bastante frequência, utilizam a ironia e
as metáforas em suas montagens. Nessa fase, na qual o viés político fica
ainda mais latente, o grupo decide utilizar a linguagem dos musicais,
aliada a pesquisas históricas que poderiam dar embasamento a uma
personagem ou mesmo ao tema geral. E assim poderiam discutir ideias
gerais que fossem pertinentes ao contexto, como liberdade, democracia e
resistência política.
Nessa perspectiva, é criada, em 1965, com texto de Gianfrancesco
Guarnieri e Augusto Boal e músicas de Vinícius de Morais a peça Arena
Conta Zumbi, segundo o próprio Boal (2012), o maior sucesso do Teatro
de Arena. A peça traz para o palco o Quilombo de Palmares, buscando
ressignificar temas como liberdade e opressão. Por questionar as
estruturas sociais e do próprio teatro, propunha-se uma “sadia desordem”
tendo como base 4 pilares:
 A desvinculação ator-personagem, na qual estes últimos são
criados a partir de “vícios” de pensamento, linguagem, de
profissão, que criam “máscaras”, que se tornam as
personagens, podendo ser assumidas por qualquer ator ao
longo da peça;

5
Em O Melhor Juiz, o Rei (1963), por exemplo, Boal afirma que por ser uma
peça realizada no contexto da unificação das nações, exalta qualidades
absolutas do governante, o que poderia ser caracterizada, no Brasil, como uma
peça reacionária.
6
Sua montagem realizada pelo TA ocorreu em 1964.
31

 as personagens em grupo contavam a peça a partir de uma


perspectiva una, seguindo critérios coletivos, não vinculada
individualmente a cada personagem;
 a criação do caos: Através da mistura de gêneros e estilos na
mesma peça, “percorria-se o caminho que vai do melodrama
mais simplista e telenovelesco à chanchada mais circense
[...]” (BOAL, 2012, p. 259). No caso dos estilos, o
desentorpecimento do espetáculo era garantido pela jornada
do expressionismo ao realismo, passando pelo simbolismo e
surrealismo;
 o quarto pilar, a música, servia para preparar a plateia a curto
prazo para as transições entre cenas e estilos.
Logo em seguida, em 1967, seria a vez da peça Arena Conta
Tiradentes dar continuidade ao processo iniciado com Arena Conta
Zumbi, sendo propositiva quanto a uma estrutura básica e novas técnicas
que iriam servir de subsídio para repensar o teatro e sua função social.
Esta função coube ao coringa. “O Coringa paralisará a ação,
momentaneamente, a fim de que ele [a personagem] declare suas razões”
(BOAL, 2012, p. 282). No momento final da peça, é a vez do Coringa
fazer a Exortação, estimulando a plateia através de uma prosa declamada,
que pode ocorrer também com uma canção coletiva.
A partir da sua criação, o Coringa passa a ser elemento chave em
muitas modalidades que no futuro seriam propostas por Boal, podendo
ganhar maior ou menor liberdade em cada uma delas. Esta figura
dramática tem uma função infraestrutural na peça, isto é, mostrar o lado
de dentro das personagens, os bastidores, aquilo que normalmente não é
revelado ao público.
Sua importância está no papel de líder junto ao grupo. Pode
representar uma ponte entre palco e público, esclarecendo à plateia, entre
outras coisas, os mecanismos artísticos próprios ao teatro, que em outras
situações poderiam ser utilizados para ludibriá-lo. A estrutura básica do
Sistema Coringa deveria ser flexível o bastante para adaptar-se à
montagem de qualquer peça: “No Coringa pretende-se propor um sistema
permanente de fazer teatro (estrutura de texto e estrutura de elenco) que
inclua em seu bojo todos os instrumentais de todos os estilos ou gêneros”
(BOAL, 2012, p.262).
O coringa coordena, na peça, um processo chamado de Explicação:
“Dentro do sistema, as ‘Explicações’ que ocorrem periodicamente
procuram fazer com que o espetáculo se desenvolva em dois níveis
32

diferentes e complementares: o da fábula e o da ‘conferência’” (BOAL,


2012, p.267).
É nesse movimento constante que o processo alienante ao público
é desvelado, podendo servir não só para expor as técnicas, como também
as suas intencionalidades. E, em se tratando de análise histórico-social, o
Sistema Coringa nos fornece instrumentos para desmontar algumas
engrenagens ideológicas que se pretenda discutir tanto na peça em si,
quanto na sua construção. Existe uma condição intrínseca ao coringa que
é a prática democrática, já que a sua existência na peça se dá para ser um
mediador, um facilitador e constantemente, um provocador. Ele coloca
público e atores em um mesmo universo, compartilhando as mesmas
angústias e proporcionando a elaboração de soluções.
O coringa auxilia os indivíduos, tanto na
preparação, quanto na execução da peça, para que
percebam sua capacidade de agir, interagir,
solucionar problemas, através do
autoconhecimento e uma postura autônoma e
reflexiva. Há na aplicação do sistema coringa uma
visão otimista, que visa resolver as questões em
conjunto e compartilhar as vitórias. É
indispensável que todos estejam dispostos a
aprender e prontos para ensinar (MARQUES,
2012, p.73).
Embora a linearidade e até a naturalidade que o autor utiliza em
Teatro do Oprimido e outras poéticas políticas (2012) para apresentar a
transição entre as fases do TA seja questionada por alguns autores7, na
quarta e última fase, conseguiu-se imprimir ao teatro brasileiro uma
verdadeira convulsão dos padrões estéticos existentes.
O Teatro de Arena representou assim um capítulo essencial na
elaboração do Teatro do Oprimido. De modo geral, o teatro proposto por

7
Entre os estudos que procuram discutir esse aspecto, destacamos a dissertação
de Maria Christina da Silva que aponta no texto de Boal uma espontaneidade
nas fases do Teatro de Arena, nessa análise, acontecendo como um processo
evolutivo contínuo, até chegar ao seu ápice (SILVA, 2008, p. 160).
Acreditamos que a escrita da obra, com textos de referência produzidos entre
1962 e 1973, permitiu que o autor reorganizasse suas memórias a partir daquele
momento histórico que vivia o Teatro de Arena, na década de 1970,
preenchendo possíveis lacunas com a linearidade das fases apresentadas. O país
vivia o auge da repressão da ditadura e Boal encontrava-se no exílio, na
Argentina.
33

Boal visa ajudar na desalienação, podendo levar o indivíduo não só a


questionar quais são os reais espaços democráticos do qual faz parte,
como também a perceber que a constituição do seu pensamento sobre o
seu fazer cotidiano, seja ele familiar, profissional ou mesmo de lazer, é
carregado de questões políticas que podem influenciar toda a
comunidade.

2.1. A Árvore do teatro do oprimido

Quando nasce, um bebê é um corpo humano que


vem ao mundo. Passam a existir o corpo e o mundo
– o corpo no mundo. Esse corpo não traz consigo
nenhum preconceito, ideias inabaláveis, certezas
ou dúvidas ontológicas. Não torce por nenhum time
de futebol e não professa nenhuma religião – longe
disso. Não faz filosofia, nem compara valores –
desconhece valores: é apenas um corpo humano.
Augusto Boal – Estética do Oprimido

Tendo estudado dramaturgia na School of Dramatic Arts de Nova


York, em 1956, Augusto Boal (1931-2009), uma das figuras mais
importantes do Teatro Arena, contribuiu de forma significativa para o
desenvolvimento das questões estéticas e sociais daquela modalidade
teatral. E através deste processo, pode estabelecer os elementos do que
viria a ser o Teatro de Arena. Uma das obras mais importantes para a
compreensão dos elementos que compõe esta modalidade teatral é O
Teatro do Oprimido e Outras Poéticas Políticas (Boal, 2012), onde está
organizada uma série de ensaios e relatos de suas práticas entre os anos
de 1960 e 1970. Tais textos servem de referência para entender a proposta
do Teatro do Oprimido e também analisar esse importante momento do
teatro brasileiro.
Desde o Teatro de Arena, Boal dedicou-se a analisar o teatro e suas
potencialidades contra a opressão, refletindo não só sobre os
procedimentos cênicos que poderiam flexibilizar as práticas, mas também
– e, às vezes, principalmente – quão poderosos podem ser tais
instrumentos quando se visa provocar um movimento de reflexão-ação
nos sujeitos. Todos os seus estudos, reflexões e ações o levaram ao
desenvolvimento de uma nova metodologia, o Teatro do Oprimido.
Trata-se de um conjunto de técnicas e estratégias para discutir com
o público os meios de funcionamento do teatro e da sociedade. Sua
metodologia constitui-se como instrumento de produção do diálogo. Vale
34

ressaltar que o TO não é um teatro para, mas do oprimido. A imagem


abaixo representa os elementos do TO:

Imagem 1. A árvore do Teatro do Oprimido

Fonte: (BOAL, 2012, p. 17)

À medida que aborda diversas formas de opressão, o TO se


desenvolve, ampliando o alcance de suas raízes e mostrando que para que
o seu potencial transformador de fato se efetive, é preciso entrar em
contato com as opressões alheias: “A solidariedade entre semelhantes é
parte medular do TO” (BOAL, 2012, p. 16). Somente de forma recíproca
é que os sujeitos conseguirão compreender os mecanismos opressivos que
os afasta, fazendo com que estes passem a uni-los.
A estética do oprimido visa dar aos praticantes a habilidade de
entender o mundo através das artes, centralizando esse processo na
palavra, no som e na imagem. Para que a experiência com o TO floresça,
é necessário ter em mente durante a sua aplicação a dupla necessidade:
manter o olhar estético e social sempre aberto.
No Teatro do Oprimido, as técnicas não se fazem de forma isolada,
independentes, mas possuem total relação entre si, “e têm a mesma
origem no solo fértil da Ética e da Política, da História e da Filosofia, onde
a nossa Árvore vai buscar a sua nutriente seiva” (BOAL, 2012, p.15). Os
jogos, que se configuram como o tronco da Árvore do Oprimido, são
essenciais por possuírem dois elementos básicos na vida em sociedade: as
35

regras e a existência de liberdade criativa. Sem compreender as leis, a


vida em sociedade torna-se inviável e sem a liberdade de criar, refletir,
mudar, a obediência às leis torna a vida estéril, já que a mecanização dos
corpos e das práticas dificulta qualquer atitude original, tornando-os seres
autômatos, subservientes às estruturas econômicas, políticas, sociais
vigentes.
A desalienação dos corpos quebra a cadeia de ações cotidianas, em
quaisquer esferas sociais, que estabelecem máscaras musculares e
comportamentos estratificantes de emoções e pensamentos. Os jogos
interrompem essa cadeia. Neles acontecem diálogos sensoriais que,
dentro de regras específicas, proporcionam a desmecanização dos corpos,
por tirar os sujeitos de um estado pretensamente seguro e geralmente
acrítico.
Para lidar com esses desafios, Augusto Boal propõe uma série de
técnicas elaboradas e aperfeiçoadas ao longo de suas experiências no
Brasil, em outros países latino-americanos e na Europa. Passaremos então
a fazer uma breve explicação de suas características.
Teatro Jornal: suas práticas visam transformar textos jornalísticos
em práticas teatrais. Boal propõe, através do Teatro Jornal, utilizar as
imagens para desnudar pretensas verdades imparciais das notícias,
escondidas entre técnicas de ficção e mesmo de edição dos jornais, que
acabam por manipular não só a escolha das palavras como também o
posicionamento dos textos nos veículos de comunicação. As ações
teatrais provocam a reflexão no espectador, confrontando as efemeridades
da informação e a inserção de discursos ideológicos, velados por uma
pretensa imparcialidade, com um chamamento à postura crítica diante das
notícias.
Teatro Invisível: Como a busca do TO é a interpretação da
realidade, visando à ação direta e à desalienação dos oprimidos, a
estrutura física de um anfiteatro pode não alcançar algumas das suas
potencialidades. Nas ruas, por exemplo, o cotidiano vivido de forma não
refletida pode servir de palco e as pessoas, convidadas a se tornarem ao
mesmo tempo espectadoras e participantes da ação, sem nem o saberem,
estando no mesmo nível que os atores, isto é, têm a mesma capacidade de
dialogar e de mudar a situação. Trata-se do Teatro Invisível, desenvolvido
durante seu exílio na Argentina, entre 1971 e 1976, cuja trama ocorre
entre os sujeitos nos mais diversos lugares e buscam entrelaçar ficção e
realidade.
Teatro Imagem: Nesta modalidade, pensada juntamente com o
Teatro Fórum em sua passagem pelo Peru (1971), Boal busca dar espaço
para outros sentidos que costumam ficar à margem das palavras. Embora
36

seja o ponto de partida para práticas envolvendo fisionomias, distâncias,


cores, objetos, as palavras são utilizadas nas ações, o que expande a
percepção acerca dos elementos que integram um determinado conjunto
de signos e sinais que fazem parte de determinado sistema de
comunicação. Ou seja, amplia-se a riqueza da comunicação quando
sentido e significante podem ir além da linguagem simbólica presa por
determinadas palavras que se utilizam.
Teatro Fórum: esta é a técnica de TO mais utilizada no mundo, por
ser aquela que melhor discute, entre suas próprias práticas, as práticas
democráticas em si, tema tão caro para Boal. Além disso, suas ações
mostram-se elásticas por poderem se utilizar de outras modalidades do
TO. Mas o elemento mais marcante do Teatro Fórum é a relação entre
atores e espectadores (chamados pelo autor provocativamente de espect-
atores8). São espectadores e atores ao mesmo tempo, mas as personagens
que encenam são elas mesmas. Estes são instigados a participar
diretamente das cenas, interferindo no seu andamento, construindo
soluções para os problemas apresentados, sem, no entanto, ter que se
limitar a eles:
Quando o espectador diz: “Para!” e entra em cena,
nenhum dos participantes tem como prever qual
ação ele irá propor aos demais atores. Deste modo,
o que está em jogo no teatro-fórum e no Teatro do
Oprimido como um todo é justamente o ‘mundo
sensível’ do anônimo. (ANDRADE, 2011, p.12).
Ambos, atores e espect-atores, expõem os desejos, pensamentos,
gestos que podem representar os anseios daqueles que não tiveram a
oportunidade de se juntar à cena, mas que de alguma forma, vão embora
com a possibilidade da ação plantada em algum lugar de suas mentes.
Outro elemento do Teatro do Oprimido que compõe a copa da
Árvore do Oprimido são as técnicas de introspecção chamadas de Arco
Íris do Desejo: “O termo sugeria a análise de todas as cores do arco-íris,
recombinando-as de acordo com o desejo das pessoas com o objetivo de

8
O espectador da sessão de Teatro-Fórum não é um consumidor do bem cultural
e, sim, um ativo interlocutor que é convidado a assumir o papel do oprimido
e/ou de seus aliados para interagir na ação dramática de maneira a apresentar
alternativas para outros possíveis encaminhamentos ao problema encenado;
aquele que está na plateia na expectativa de atuar, aquele que entra em cena
trazendo sua alternativa para resolução do problema apresentado.
37

ressignificar as opressões internalizadas e conferir-lhes outras feições”


(OLIVEIRA, 2012, p. 342).
Por todo o seu histórico de ação crítica nos anos iniciais de
instalação da Ditadura Civil-Militar no Brasil, Boal é preso, torturado e
exilado inicialmente na Argentina no início dos anos de 1970. A partir
daí, tem uma fértil passagem pela América Latina, a qual lhe possibilitou
o desenvolvimento das modalidades analisadas até agora. Em seguida, vai
para a Europa, onde se depara com outro contexto de opressão, diferente
daquele vivenciado pelas populações latino-americanas.
Ao distanciar-se da realidade política vivenciada nas Américas, e
refletir em solo europeu sobre ideais como liberdade e democracia, Boal
percebe que no velho mundo, mesmo a aparente ausência de estruturas
físicas e institucionais repressoras podiam esconder certos dispositivos
opressores. Por lá, “Os policiais não eram como na ditadura, tangíveis,
mas estavam lá, dentro da cabeça das pessoas, influenciando suas atitudes
e dificultando seu desenvolvimento” (SANCTUM, 2011, p.10).
Amadurece assim, juntamente com sua esposa, a psicanalista
Cecília Thumim Boal, a ideia de que muitas opressões não são percebidas
de maneira tão direta, por serem internalizadas pelos indivíduos. Ou seja,
apesar de que na Europa as questões opressivas não eram
majoritariamente o analfabetismo, a procura por emprego, a falta de
infraestrutura, as condições precárias de trabalho etc., havia problemas de
ordem subjetiva, ligadas à solidão e ao medo, à possibilidade do fracasso
e à incapacidade de se comunicar. Boal percebe assim que o/a opressor/a
estava dentro da cabeça das pessoas e para trabalhar essa nova forma de
opressão, criou a ideia do “tira na cabeça (leflicdanslatête)” (Boal, 2012,
p. 19). Segundo ele, se há um policial na cabeça dos sujeitos, só pode ter
vindo de algum quartel e precisa ser revelado em conjunto, para que o
grupo perceba a recorrência de sua atuação em diferentes sujeitos ao
mesmo tempo. Logo, as condições sociais passariam a ser analisadas
enquanto potenciais responsáveis por sentimentos coletivamente
percebidos.
As combinações dos elementos de TO agora passavam mais
diretamente a preocupar-se não só com a compreensão dessa sociedade,
mas também com a capacidade dos sujeitos de perceberem-se imersos em
suas realidades. A plasticidade dos elementos estéticos do teatro seria,
portanto, uma ferramenta poderosa para que pudessem reinterpretar suas
histórias, colocando-se como ator e observador. Por esse motivo, Boal
passa a evidenciar sua predileção pelos processos de elaboração teatral
em detrimento do produto, o qual seria a peça em si.
38

Tais processos se voltam também para palavras e imagens, a fim


de expor teatralmente as opressões que estejam interiorizadas e possam,
através da ressonância no grupo, evidenciar a sua ligação direta com a
sociedade. Indo além da rememoração de fatos, estas técnicas buscam
trazer à tona as sensações que, levadas ao palco, podem ser reconstituídas
pelas pessoas envolvidas.
Teatro Legislativo: A experiência enquanto vereador do Rio de
Janeiro, eleito em 1992, rendeu a Boal elementos para desenvolver esta
modalidade, na qual ele procurou associar as técnicas do Teatro Fórum
com as práticas simbólicas de uma Câmara Legislativa. Através delas, os
eleitores incorporam a ação de legisladores, discutindo projetos que
posteriormente podem ser encaminhados às instâncias políticas formais a
fim de serem analisados e votados. Na edição de 2012 do livro Teatro do
Oprimido – e outras poéticas políticas (2012), consta que o Centro Teatro
do Oprimido, no Rio de Janeiro, utilizando-se dessa técnica, havia
conseguido aprovar 15 leis municipais e 2 estaduais.
O espírito do teatro de Boal mostra, assim, que “O teatro deve ser
um ensaio para a ação na vida real, e não um fim em si mesmo” (BOAL,
2012, p. 19). Os sentimentos de coletividade despertados pelas técnicas
representadas na Árvore do Teatro do Oprimido sugerem que seu fruto
maior é a capacidade de multiplicação das reflexões e ações, permitindo
que cada vez mais sujeitos se libertem das amarras que os impedem de
perceber os elementos opressivos que os afastam de seus semelhantes.

2.2. A educação estética em Boal

Em Teatro do Oprimido e outras poéticas políticas (2012), Boal


deixa claro que a condição de cidadania é uma condição de ação.
Independente da profissão, a escolha deve ser pela reflexão e não pela
omissão. E a forma mais coerente para que isso aconteça é encher a vida
de significado, dar sentido à sua existência individual e a partir desta,
tomar consciência da sua identidade coletiva. Tal reflexão vem ao
encontro de uma das inúmeras definições possíveis acerca do conceito de
estética9.

9
Essa palavra já existia na Grécia, como nota Houaiss: “Do grego aisthétós,ê,ón
– ‘perceptível pelos sentidos, sensível’ –, por oposição a noétós,ê,ón –
‘percebido pela inteligência’”. Eu afirmo que Estética e Noética sempre
estiveram unidas, e ambas são inteligentes; siamesas, uma não existe sem a
outra. Afirmo que a Estética também é inteligente, e a Noética, sensível (BOAL,
2008, p. 25).
39

A busca do Teatro do Oprimido é a busca, sobretudo por uma


educação estética, visando alcançar aquilo que é sensível ao ser humano.
Sendo esta indispensável ao pensar crítico, já que “a castração estética
vulnerabiliza a cidadania obrigando-a a obedecer a mensagens
imperativas da mídia, da cátedra e do palanque, do púlpito e de todos os
sargentos, sem pensá-las, refutá-las, sequer entendê-las!” (BOAL, 2009,
p.15). As sensações teriam, segundo o autor, dado origem ao ato de pensar
com palavras, mesmo que estas, ao longo do tempo tenham se
desprendido daquelas, caindo num abstracionismo que só é favorável
àqueles que detenham o monopólio do seu significado.
O autor vai além, entendendo que a alfabetização em leitura pode
limitar a ação dos indivíduos mascarando a alienação em certo nível, por
não haver uma preocupação mais séria e sistemática com o que ele chama
de “alfabetização estética”: um estudante necessita que os meios sensíveis
(aqueles que produzem arte), estejam integrados aos meios simbólicos
(que produzem palavras), para que sua capacidade de perceber o mundo
a sua volta o torne um cidadão mais completo e um indivíduo mais
realizado.
Sempre lamentamos que nos países pobres, e entre
os pobres dos países ricos, seja tão elevado o
número de pré-cidadãos fragilizados por não
saberem ler nem escrever; o analfabetismo é usado
pelas classes, clãs e castas dominantes como severa
arma de isolamento, repressão, opressão e
exploração.
Mais lamentável é o fato de que também não
saibam falar, ver nem ouvir. Esta é igual, ou pior,
forma de analfabetismo: a cega e muda surdez
estética. Se aquela proíbe a leitura e a escritura, esta
aliena o indivíduo da produção da sua arte e da sua
cultura, e do exercício criativo de todas as formas
de Pensamento Sensível. Reduz indivíduos,
potencialmente criadores, à condição de
espectadores (BOAL, 2009, p. 15).
Assim, segundo o autor (BOAL, 2009), imagem, som, palavras,
devem se articular através das possibilidades criativas que se estabelecem
ao serem oferecidos aos sujeitos estímulos à criatividade e desafios de
compreensão da sociedade à sua volta.
Somente a conjugação de esforços entre os meios simbólicos (a
palavra) e os meios sensíveis (sons e imagens) é capaz de libertar os
sujeitos da opressão, pois só assim se tornarão conscientes da sua
realidade e conceberão que tal estado de coisas não é o único possível. A
40

alienação estética impede a mudança da sociedade, enquanto esta se


mantiver alheia aos mecanismos simbólicos e também sensíveis de
transformação.
No entanto, trabalhar o pensamento estético associado ao
simbólico não garante por si só o criticismo necessário à educação e à
cidadania em si. Assim como no ensino jesuítico no contexto da ocupação
portuguesa da América, que usou largamente o teatro como forma de
conversão religiosa e cultural, práticas artísticas e científicas podem se
associar para alimentar uma lógica de dominação e reprodução de certa
visão de mundo. Como, por exemplo, encenações de datas cívicas e
exaltação de “grandes heróis nacionais”.
Por isso, as reflexões quanto à forma e conteúdo a serem abordadas
precisam contar com a participação ativa dos agentes responsáveis pelo
primeiro momento de criação, os atores. Cada exercício teatral proposto
por Boal tem como objetivo desmecanizar corpo e mente para que eles
possam colocar em prática uma das funções primordiais do TO: a
desalienação do público, ou espect-atores.

2.3. Do espect-ator ao ator: repensando seus limites e


possibilidades

Para o Teatro do Oprimido, metáxis é a habilidade do espectador


de assumir o papel de protagonista enquanto pessoa e personagem,
infringindo as práticas teatrais convencionais, para intervir na cena,
modificando-a. E desta maneira, criando um espaço autônomo da sua
própria realidade, o que representaria uma libertação capaz de permitir-
lhe usar o palco como um campo de testes para suas ações em
determinadas situações de sua vida.
O palco é tradicionalmente um espaço de verdades prontas, onde o
indivíduo acomoda-se confortavelmente para acompanhar o desenrolar de
uma situação, alienado do processo, ficando restrito a críticas posteriores;
embora em sua mente, diversas possibilidades e inúmeros
questionamentos possam surgir ao longo da peça. Ao subir a um tablado
para resolver uma situação opressiva, ele está também se questionando
acerca de suas respostas. Saindo da situação cômoda em que se
encontrava, o desafio se torna vivo e as verdades prontas em sua cabeça
podem deixar de ser tão naturais quanto se apresentavam. Ou seja, Boal
(2009) considera que o sentido de “oprimido” e espectador podem ser
análogos quando aquele que assiste a uma peça permanece
impossibilitado de dialogar, inerte como um objeto. Por mais crítica que
41

seja a temática apresentada, por mais que se proponha no palco uma


revolução das estruturas, esta se encerra com o fechar das cortinas.
Sendo assim, transformar, tanto o espectador quanto o oprimido
(ou mais além, a estrutura que o oprime), exigiria do teatro uma revolução
interna. No TO qualquer sujeito é um ator em potencial, pois Boal crê que
esta linguagem é inerente ao próprio ser humano. A criança começa a
aprender a viver no mundo “fazendo teatro”, nas brincadeiras coletivas
ou mesmo individuais. Com o tempo, a repressão social pode tolher esse
potencial imaginativo, fazendo com que ela deixe para trás esse
instrumento de comunicação e de conhecimento que é o teatro. Deste
modo, romper a ideia da necessidade de um profundo domínio técnico da
arte teatral seria a única forma de alcançar seu intento: tornar o teatro uma
ferramenta poderosa de educação para a cidadania e na cidadania. Neste
teatro, não se trata de democratizar a cultura, mas a produção cultural. Ou
seja, revelar os mecanismos da sua prática, tornando-a amplamente
acessível.
Na proposta dialógica de teatro, um problema levado para o palco
é um problema de todos, sejam atores ou espectadores e, como tal, precisa
ser resolvido por todos. Ao invés de dar lições e dizer o que se deve fazer
e pensar, o TO contribui para que o protagonismo seja dado aos
participantes a partir do questionamento: “O que devemos fazer?”
A mesma provocação ocorre no processo de criação das
personagens. No TO esse movimento passou a ser “de fora para dentro”,
atendendo em primeiro lugar à sua função social, evitando-se a busca por
uma essência, ou seja, não há uma realidade intrínseca a ser captada
isoladamente, mas um processo coletivo de reflexão, que atende aos
anseios da peça em primeiro lugar.
Essa proposta possibilita a não apropriação de um só personagem
por parte do ator, permitindo que todos os atores representem todos os
personagens, e garantindo também uma narração coletiva da história. A
representação de um personagem por vários atores é assegurada por meio
de uma “máscara”, isto é, um conjunto gestual associado a marcas
psicofísicas e históricas que caracterizava um determinado personagem.
Perceber a presença do indivíduo na construção da personagem é
compreender como os sujeitos estão inseridos na sociedade e interagem
com as estruturas sociais:
Cada ser humano forma seu próprio personagem na
vida real: ri da sua maneira própria, anda, fala, cria
vícios de linguagem, de pensamento, de emoções:
o enrijecimento de cada ser humano é o
42

personagem que cada um cria para si mesmo


(BOAL, 2012, p.251).
E quando se trata de analisar criticamente os elementos que
compõem essas máscaras, ao libertar-se de mecanizações cotidianas, no
espaço do teatro ou de uma escola, essa percepção sensível da realidade
amplia a sua capacidade de ver, sentir, ouvir, pensar e emocionar-se. O
sujeito que se insere nesse processo dificilmente passa incólume, sem
fazer conexões com sua própria vida e com a forma como percebe o
mundo em que está inserido.
Dentro dessa proposta, não se trata de criar um espaço definitivo
de empoderamento social e político, mas de mostrar, através do teatro, a
capacidade transformadora de cada indivíduo. Seja no palco, no público
ou na sala de aula.

2.4. Paulo Freire: contribuições da Pedagogia do Oprimido

O apontamento dos problemas, a compreensão de que a mais


particular das questões pode ser colocada como um tema geral, já que
somos seres sociais que sofremos o impacto e impactamos o mundo, a
abertura para a resolução das dificuldades a partir do diálogo compõe
elementos de um aparato poderoso no enfrentamento à desesperança e ao
pessimismo. Em muitas situações se propõe como natural as mazelas
sociais e humanas. Assim, consideramos que tal aparato, presente no
Teatro do Oprimido, é também a base do pensamento de Paulo Freire, em
sua Pedagogia do Oprimido (2014).
Segundo Freire (2014), aprender pelo diálogo exige uma relação
constante e dinâmica, que visa integrar diferentes conhecimentos
possíveis (de vários lugares e várias épocas) de forma a superar conflitos
de um dado momento e a criar novos antagonismos a partir da relação
entre os indivíduos e destes com o mundo: “Será a partir da situação
presente, existencial, concreta, refletindo o conjunto de aspirações do
povo, que poderemos organizar o conteúdo programático da educação ou
da ação política” (p. 120).
Ou seja, o sujeito que não se apropria criticamente da sociedade e
da história em que está inserido é incapaz de tomar consciência da sua
realidade, de pronunciar o mundo, tornando ineficaz qualquer proposta
de ação, pois sem consciência do mundo que o cerca, sua capacidade de
perceber a necessidade de mudança fica limitada ou mesmo equivocada.
Uma transformação social proposta poderia lhe gerar uma “sensação de
desmoronamento total do mundo” (FREIRE, 2014, p.32).
43

Tal efeito é provocado pela internalização da opressão nos


indivíduos, tornando inconcebível o empreendimento de tamanho projeto
de transformação social, já que se está inserido em um mundo onde o
“medo da liberdade” faz com que a realidade não seja percebida como
mutável. Porém, Freire deixa claro que tal temor se faz presente tanto no
oprimido quanto no opressor, embora em escalas diferentes: “Nos
oprimidos, o medo é o medo de assumi-la. Nos opressores, é o medo de
perder a ‘liberdade’ de oprimir” (FREIRE, 2014, p. 45).
Ao refletir sobre como enfrentar esse modelo social antagônico, o
autor alerta que atacar o opressor não implica em mudar o estado de coisas
que alimenta o sistema de opressão, já que o papel de opressor ou
oprimido não se aplica necessariamente a um indivíduo o tempo todo. Um
sujeito, que sofre exploração em seu trabalho, pode agredir sua esposa,
praticar atos racistas no seu cotidiano, por exemplo.
Através do processo dialógico, dever-se-ia superar a polarização
opressor versus oprimido, já que o caminho para ambos está no processo
de humanização do indivíduo, superar a estrutura que encarcera os
indivíduos numa máxima em que “vencer na vida” geralmente indica
tomar o lugar do opressor. E este, por sua vez, busca manter não só a sua
condição, mas também as estruturas que permitem a sua existência, já que
seria uma contradição se esperasse a luta por uma educação libertadora e
humanista.
Mas, ao interrogar o oprimido acerca da sua condição, somos
levados a averiguar onde ficaria o questionamento ao opressor. É
necessário ter o devido cuidado para que a culpa da opressão não recaia
sobre o oprimido, mas mesmo sem acusar o opressor pelos males
causados, é necessário levá-lo à reflexão.
Tal intento só é possível quando as relações de opressão se
evidenciam sobre, ao redor e dentro dos sujeitos. Opressor e oprimido
encontram-se unidos pela mesma relação de poder que não os permite
enxergar além da sobreposição de um sobre o outro. Pode-se, por
exemplo, desejar a reforma agrária para se tornar patrão de outrem, ou um
camponês querer tornar-se capataz e ser mais autoritário com os antigos
companheiros do que o seu antecessor (FREIRE, 2014, p. 45). Dessa
forma, problematizar a sua existência e percebê-la em relação aos outros
seria um passo importante para superar essa condição.
Decodificar essas estruturas torna possível ir do particular ao geral
e vice-versa, desvelando a teia opressora que pode transfigurar o cotidiano
dos sujeitos em uma relação de dominação. Não há mudanças que
comecem além dos recursos que existem fora de si e ao seu redor,
portanto, é fundamental que esse caminho comece a ser trilhado a partir
44

do universo particular dos oprimidos. Por isso Paulo Freire delega a eles
“a grande tarefa humanística e histórica […] – libertar-se a si e aos
opressores” (FREIRE, 2014, p. 41). O poder que opressores possuem não
lhes daria a força de libertação necessária. Quando estes a buscam, seria
para o autor apenas um mecanismo de conservação da injustiça. “A
‘ordem’ social injusta é a fonte geradora, permanente, desta
‘generosidade’” (FREIRE, 2014, p. 41). Daí emerge a importância de dar
cada vez mais significado ao mundo a sua volta: a libertação parte da
consciência de si no mundo.

2.4.1. Conscientização

Segundo Paulo Freire (2014), aos seres humanos existe a


possibilidade da humanização e da desumanização enquanto construção.
A primeira é vista por ele como uma vocação natural, afirmada na luta
pela justiça, liberdade, e contra a opressão. No caso da segunda, a vocação
é negada através da injustiça, da exploração, e da violência dos
opressores.
Para entender essa diferença, o sujeito precisaria tomar consciência
daquilo que o faz humano: a capacidade de conhecer-se, de pensar o seu
caminho até aquele momento, e a habilidade de projetar seu futuro e agir
para a sua construção. A exemplo de outros animais somos seres
inacabados, mas diferente deles, tomamos ciência dessa condição e por
isso buscamos conhecer. E como o passado é sempre mutável – porque
assim o somos enquanto indivíduos conscientes e enquanto sociedade – o
nosso futuro também exige a percepção da nossa constante
transformação.
Toda consciência é consciência de algo. Não há um espaço vazio a
ser preenchido por ela. É definida na sua intencionalidade, tendo sempre
um objeto diante de si – seja o mundo, seja ela mesma. Ela não é um
reflexo da realidade, mas possibilita a reflexão crítica desta. Essa
consciência permite ver a realidade vivida como uma possível
condicionante, mas não determinante da realidade, pela possibilidade de
refletir criticamente acerca da sua condição e modificá-la.
O ser humano se constitui a partir das relações que
estabelece no mundo e com o mundo. Tais relações humanas se
caracterizam pelo seu aspecto plural, crítico, causal e ligado a um
processo temporal. Ou seja, para Freire, consciência e mundo não se
fazem indissociáveis. O sujeito se reconhece e conhece o mundo a partir
daquilo que não é ele próprio, a partir dessa relação mútua. Dessa
maneira, a relação da consciência com a realidade é uma relação dialética,
45

pois para mudar a realidade é necessário estar consciente dela e ao mesmo


tempo, somos influenciados por ela no processo de formação da
consciência.
Logo, a conscientização é a única forma de modificar a realidade e
modificar-se, por permitir que se veja além dela. O constante vir a ser
exige esta atenção permanente e a obrigação de se estar aberto à mudança.
O modelo opressor jamais poderá provocar a conscientização para a
libertação, que seria o olhar mais crítico possível da realidade, que
permite o seu constante desvelamento, a partir da reflexão e ação diante
dela.

2.4.2. Problematização

Uma educação problematizadora, focada na relação dialógica entre


professor e aluno é a premissa de Paulo Freire, na sua busca pela
construção do processo de humanização dos indivíduos. Esta reconhece
os seres humanos como “seres que estão sendo, como seres inacabados,
inconclusos em e com uma realidade de que, sendo histórica também, é
igualmente inacabada” (Freire, 2014, p. 101-102). Por isso a relação entre
aprender e ensinar deve acontecer constantemente através da práxis:
“Para ser tem que estar sendo” (FREIRE, 2014, p.102).
O norte do caminhar na educação estaria em construir o melhor
caminho, já que um futuro pré-determinado é sempre estacionário,
reacionário e, portanto, não histórico, por não prever movimentos.
Através de um processo problematizador o ponto de partida é sempre o
próprio sujeito, a sua relação com o mundo e com a história passa a ser
dinâmica e inconclusa. Freire considera que “a realidade não pode ser
modificada, a não ser quando o homem descobre que é modificável e que
ele pode fazê-lo” (Freire, 2005, p. 46) e por isso o futuro pode surgir como
potencialmente revolucionário.
Na esteira da necessidade de localizar mecanismos eficazes para a
construção de uma educação problematizadora, está a necessidade de,
enquanto educador, perceber-se educando do seu educando. A
importância de tal prática iria muito além de um discurso voltado para
uma simples humildade ou prática socrática. Passa pela compreensão de
que a realidade onde ambos estão inseridos precisaria ser reinterpretada
conjuntamente, “permitindo que educador e educandos reflitam sobre tal
situação em suas próprias re-admirações e na re-admiração dos outros;
aprendendo a ler o mundo e expressar suas angústias, paixões, aflições,
questões em palavras” (PARANHOS, 2009, p.28).
46

A educação que não contribui para que o indivíduo problematize a


sua existência em relação à sociedade, acaba passando à margem das
condições de opressão existentes, e intencionalmente ou não, moldam os
indivíduos para que vivam verdades que não ajudaram a construir e que
nem mesmo puderam questionar. A esta prática educacional, Freire dá o
nome de educação bancária10.
Sua principal consequência é impedir que o sujeito seja agente da
própria existência, tornando-se um mero espectador, que nem
compreende tal condição:
A existência, porque humana, não pode ser muda,
silenciosa, nem tampouco pode nutrir-se de falsas
palavras, mas de palavras verdadeiras, com que os
homens transformam o mundo. Existir,
humanamente, é pronunciar o mundo, é modificá-
lo. O mundo pronunciado, por sua vez, se volta
problematizado aos sujeitos pronunciantes, a exigir
deles novos pronunciar.
Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na
palavra, no trabalho, na ação-reflexão (FREIRE,
2014, p. 108, grifo do autor).

10
Paulo Freire considera que educação bancária é aquela pautada na mera
transmissão de informações, que são depositadas no aluno. E nela:
a) o educador é o que educa; os educandos, os que são educados;
b) o educador é o que sabe; os educandos, os que não sabem;
c) o educador é o que pensa; os educandos, os pensados;
d) o educador é o que diz a palavra; os educandos, os que a escutam
docilmente;
e) o educador é o que disciplina; os educandos, os disciplinados;
f) o educador é o que opta e prescreve sua opção; os educandos, os que
seguem a prescrição;
g) o educador é o que atua; os educandos, os que têm a ilusão de que atuam,
na atuação do educador
h) o educador escolhe o conteúdo programático; os educandos, jamais
ouvidos nessa escolha, se acomodam a ela;
i) o educador identifica a autoridade do saber com sua autoridade funcional,
que opõe antagonicamente à liberdade dos educandos; estes devem adaptar-
se às determinações daquele;
j) o educador, finalmente, é o sujeito do processo; os educandos, meros
objetos (FREIRE, 2014, p. 82-83).
47

Conforme já discutimos, “os homens […] porque são consciência


de si e, assim, consciência do mundo, porque são um ‘corpo consciente’,
vivem uma relação dialética entre os condicionamentos e sua liberdade”
(Freire, 2014, p.125). Essa relação do sujeito com ele mesmo e com o
mundo torna a elaboração do seu olhar crítico uma das tarefas mais
difíceis do processo educacional em parte, pois as práticas narrativas em
sala de aula colocam o professor como sujeito da ação. Nesse fazer, o
peso daquilo que é tratado encontra-se nas palavras e não na construção
das formas, na análise das estruturas por onde essas formas possam
existir. Nessa lógica, ao aluno caberia acumular aquelas palavras, sem que
a criticidade seja de fato construída por ele, mas torna-se mais uma das
tantas sentenças que precisam ser ordenadas de alguma forma que façam
sentido aos olhos e ouvidos do professor.
Quando buscamos práticas voltadas ao ensino, Freire traz uma
interessante contribuição quando nos convida a elaborar um pensar sobre
educação em que se tornam indissociáveis a ação e a reflexão. Diz-nos o
educador que a palavra sem ação é inautêntica, sob as quais o mundo
permanece o mesmo, pois elas não têm compromisso com a
transformação.
Sem dialogar com o sujeito, a educação formal passa à margem de
suas intenções. Compõe-se como um emaranhado de palavras sem um
sentido passível de ser internalizado pelo indivíduo, já que este não
participa do processo de compreensão de sua importância e elaboração
dentro da sua realidade histórica.
Segundo Freire (2014), palavra sem ação e reflexão é oca, ação
sem palavra é mero ativismo. Em ambos casos se produzem formas
inautênticas de existir. É fundamental perceber que não se pode
prescrever aos sujeitos palavras transformadoras, mas propor que a
transformação parta da existência do diálogo.
Por isso, a práxis, esse pronunciar, nunca é para alguém. Não pode
ser um privilégio, um ato feito para, mas por indivíduos. Assim, o
primeiro grande movimento na educação é o de oportunizar o diálogo, o
encontro daqueles que querem dizer e fazer. É o ponto de partida para
quebrar as amarras desumanizantes que encarceram indivíduos e
fragmentam a sociedade.
Educar implica a profusão de conhecimentos que estão presentes
no seu fazer: o conhecimento elaborado pelo processo científico - que se
liga a elementos culturais, políticos, presentes no currículo; que recebe o
olhar individual de cada professor - a partir das estratégias estabelecidas
e da sua interpretação e seleção; mas que também deve dar o devido
48

mérito ao conhecimento prévio construído pelo estudante, sua forma


particular de enxergar o mundo e mesmo a importância que dá ao
processo proposto pela escola. Sua visão torna-se um filtro diante daquele
conhecimento apresentado, que foi criado e adaptado.
Por isso “a educação autêntica não se faz de A para B ou de A sobre
B, mas de A com B, mediatizados pelo mundo” (FREIRE, 2014, p.116).
Mundo este que precisa causar espanto, que pode impressionar que causa
dúvidas e anseios e cobra perguntas – mais do que respostas.

2.5. Relações possíveis entre Augusto Boal e Paulo Freire

Oprimidos e opressores não podem ser


candidamente confundidos com anjos e demônios.
Quase não existem em estado puro, nem uns nem
outros. Desde o início do meu trabalho com o
Teatro do Oprimido fui levado em muitas ocasiões,
a trabalhar com opressores no meio dos oprimidos,
e também com alguns oprimidos que oprimiam.
(BOAL, 2012, p. 23)
Teatro é movimento. É nesse movimento constante que o processo
alienante da sociedade deve ser desvelado ao público, podendo servir não
só para expor as técnicas de sua permanência, como também as suas
intencionalidades. E, em se tratando de análise histórico-social, o Teatro
do Oprimido pode nos fornecer instrumentos para desmontar algumas
engrenagens ideológicas que se pretenda discutir tanto na peça em si,
quanto no processo de sua construção. Existe uma condição intrínseca a
esta forma de pensar o teatro que é a prática democrática e educacional,
visto que propõe mecanismos que servem como mediadores,
facilitadores, e provocadores, como é o caso do coringa.
O TA é um teatro com objetivo muito claro: gerar o sentimento de
que a mudança é possível e esta é construída no diálogo. As propostas de
Boal visam contribuir para a conscientização, levar o indivíduo não só a
questionar quais são os reais espaços democráticos do qual faz parte,
como também a perceber que a constituição do seu pensamento sobre o
seu fazer cotidiano, seja ele familiar, profissional ou mesmo de lazer, é
carregado de questões políticas que podem influenciar toda a
comunidade. O sujeito tem a oportunidade de questionar a si mesmo e o
mundo que o cerca, fazendo da ação (seja no palco ou na interação com
os indivíduos não atores) o objetivo último de suas reflexões conceituais
prévias e posteriores a ela.
49

O Teatro do Oprimido pode colocar público e atores em um mesmo


universo, compartilhando as mesmas angústias e proporcionando a
elaboração de soluções. Sempre em conjunto os sujeitos são estimulados
a perceber sua capacidade de interagir, agir e buscar soluções através de
posturas autônomas e reflexivas. Por mais que partilhem uma visão crítica
de problemas seculares existentes na sociedade, tanto Freire quanto Boal
apresentam uma visão otimista, pois acreditam que se há disposição
mútua por ensinar e aprender, o diálogo é capaz de dissolver a realidade
apresentada como única e fadada a perpetuar um modelo social desigual.
Permitir que a humanização rompa essas estruturas opressoras é um
objetivo comum a ambos. Logicamente tal análise é possível em qualquer
prática social que se proponha integrar-se a um processo educacional
libertador.
50
51

3. EMPATIA HISTÓRICA E PRÁTICAS TEATRAIS

Considerando as ideias de Augusto Boal e Paulo Freire analisadas


anteriormente, procuraremos, neste capítulo, relacioná-las com o conceito
de empatia, particularmente a empatia história. A relevância deste
conceito se deve ao fato de que o sentido estético da arte, situado a partir
do conjunto de experiências socioculturais dos sujeitos, abarca
impressões, sentimentos e emoções. No caso da História, que também se
refere a experiências socioculturais apropriadas pelos sujeitos,
consideramos que estes fatores são igualmente importantes, haja vista
possibilitarem o estabelecimento de relações de ordem subjetiva entre
presente e passado. O conceito de empatia, mesmo se diferenciando do
conceito de empatia histórica, como veremos a seguir, já nos auxilia na
discussão proposta e ao mesmo tempo contribui para delimitar sua
utilização neste estudo acerca do ensino de História.
Empatia é definida no dicionário Aurélio como a “Capacidade de
identificar-se totalmente com o outro11”. Segundo Pereira (2014, p. 34),
tal definição, originária do termo grego empatheia, cujo sentido é “estado
de emoção”, tinha como finalidade caracterizar a capacidade do
espectador de arte de se projetar no objeto apreciado, sentindo-se no
objeto ou identificando-se com ele. Em tal perspectiva, empatia se
aproxima de imitação e daria condições para que nos sentíssemos, através
da observação, como o fenômeno com o qual nos relacionamos. A
empatia, de modo geral, é exatamente uma habilidade que considera a
disposição afetiva e emocional dos sujeitos, em sua capacidade de se
colocar no lugar do outro.
Na pesquisa em ensino de História, o conceito de empatia histórica
é utilizado por autores como Peter Lee, Rosalyn Ashby, Isabel Barca,
Marília Gago, entre outros. Tal categoria pretende “desenvolver no aluno
competências que lhes permitam perscrutar o mundo com os seus próprios
olhos para que possam percorrer o caminho munidos de ferramentas que
os auxiliem a compreender a sociedade que os rodeia” (GAGO, 2007,
p.55). O seu estudo nos leva a compreender de que maneira a relação
empática afeta a forma como os educandos analisam os fenômenos
históricos.

11
FERREIRA, A. B. de H. Minidicionário da língua portuguesa: 7. ed. Curitiba:
Positivo, 2008. p. 341.
52

Sobre esse aspecto, quando se refere aos estudos de Ashby e Lee,


Juliano Pereira (2014) destaca a importância fundamental da empatia
histórica no processo de ensino de História, por entender que este conceito
“funciona como um empreendimento, no qual alunos mostram a
capacidade de reconstruir os objetivos, os sentimentos, os valores e
crenças dos outros, aceitando que eles podem ser diferentes dos seus”.
Os estudos desta área, realizados com grupos de estudantes, são
feitos dentro de um determinado espaço geográfico, associado a
determinados elementos culturais. Embora a maioria desses estudos
estabeleça diferentes níveis de empatia histórica, não tem por objetivo
produzir modelos explicativos definitivos, mas apontar para a
necessidade de superação das manifestações presas ao presente (tanto
com relação ao pensamento, quanto aos sentimentos) no que concerne ao
passado.
No contexto da reformulação curricular na Inglaterra, entre as
décadas de 1960 e 1990, e transformação da História em disciplina
específica, é criado por Peter Lee e Rosalyn Ashby (1993) o projeto
CHATA (Concepts of History and Teaching Approaches12), que focou
seus esforços naqueles conceitos considerados de segunda ordem, ou seja,
aqueles que se situam em torno da natureza do conhecimento histórico,
como por exemplo, evidência, objetividade, explicação, tempo, mudança,
sem os quais os conceitos substantivos (aqueles que se configuram
enquanto objetos da História) não podem ser compreendidos, por serem a
base para tal entendimento.
Tal projeto de investigação, realizado na Universidade de Londres,
estrutura-se a partir da potencialidade da categoria empatia histórica para
evidenciar diferentes níveis de aprendizagem, sendo que tal categoria não
é considerada meramente como uma capacidade cognitiva, mas também
emotiva. Trata-se de colocar em funcionamento a imaginação histórica,
devidamente contextualizada, que suponha a reconstrução de contextos
históricos.
Conforme Rosalyn Ashby, o projeto CHATA evidenciou “o poder
de uma história detalhada, expansiva, estimulante ou mais longa, sobre
uma que era mais modesta e generalizada em suas afirmações e que não
apresentava riscos em relação ao que poderia ser afirmado com base na
evidência” (2006, p.155). Correr riscos nesse caso implica estar disposto
a perceber os movimentos próprios da história, o que exige colocar sua

12
O projeto CHATA, “Conceitos de História e Abordagens de Ensino”, em
tradução livre, foi desenvolvido com jovens entre 7 e 14 anos.
53

análise a partir de um ponto de vista dinâmico. Permanecer em uma falsa


zona de conforto, onde o fato existe por si só, pode ser confortável, mas
contribuiu para perpetuar determinada visão da sociedade. Considerar a
temporalidade do sujeito implica aceitar que o passado é mutável, ou seja,
somos ligados a um determinado momento histórico.
Entre os resultados analisados, Peter Lee destaca as limitações
mais comuns quanto ao grau de empatia histórica dos estudantes
pesquisados. O mais elementar foi o senso comum de que o passado
aparece de forma permanente, ou seja, só haveria um passado possível. E
isso é corroborado ora pela crença de que um livro contém a verdade, ora
pela associação entre a sua vida cotidiana e o conhecimento histórico.
Como o autor demonstra através da afirmação de uma das alunas
participantes da pesquisa: “Eu acordei hoje de manhã. Eu não estaria certa
se escrevesse que dormi. As coisas só acontecem de uma forma e ninguém
pode mudar isso” (LEE, 2006, p.137).
Outra consideração comum entre os estudantes, constatada por
Lee, é a de que o conhecimento sobre o passado só é acessível através da
experiência. Se não houver participação direta, não seria considerado
conhecimento real. No entanto, o próprio autor observa que, nesse caso,
os adolescentes estariam menos sujeitos a essa ideia já que estes partem
da premissa que, mesmo havendo testemunhas oculares, estas podem não
falar a verdade, ou distorcer os fatos para que haja algum tipo de
favorecimento (LEE, 2006, p.138).
Um terceiro aspecto, associado ao anterior, trata do fato de que
para que o estudante reconheça um evento, este precisaria ser formado de
ações muito específicas no tempo e no espaço, sendo assim descolado de
um contexto maior e estudado enquanto evento presenciável por agentes
históricos. E qualquer discussão que vise analisar mudanças lentas, por
exemplo, que ocorrem em um longo período, ficaria prejudicado sem um
apurado olhar historicamente empático.
Dessa maneira, entre os estudantes, verdade e passado caminham
juntos, na medida em que aprendem valores de certo ou errado a respeito
de acontecimentos pessoais. Estes são construídos a partir da ideia de um
passado fixo, no qual algo foi feito, testemunhado por eles e por isso, ao
ser cobrado, esses jovens seriam capazes de dizer a verdade, baseados na
sua participação.
O conhecimento histórico escolar, que é elaborado a partir do
conhecimento acadêmico, não favorece a distinção entre o acontecimento
histórico e a produção da narrativa histórica, por parte dos historiadores.
O que impera na produção de conhecimento histórico então não são os
fatos em si, mas as narrativas históricas produzidas pelos historiadores.
54

Nesse sentido, o autor acredita que o saber histórico escolar se torna


contra-intuitivo, já que caminha em contraposição ao senso comum e à
compreensão tácita cotidiana, utilizada pelos estudantes.
Assim, como eles não elaboram seus conhecimentos históricos a
partir do zero, possuindo certa compreensão baseada no senso comum, os
estudantes,
tal como os historiadores, têm de compreender por
que motivo as pessoas atuaram no passado de
determinada forma e o que pensavam sobre a forma
como o fizeram, mesmo que não entendam isto tão
bem quanto os historiadores” (LEE, 2003, p.19).
Assim, os historiadores precisam entender o jeito que as pessoas
do passado viam seu mundo em várias épocas e lugares e, desta forma,
entender o porquê de suas ações. Não obstante, aos alunos no exercício
do estudo da história, também é necessário entender a relação das pessoas
do passado com o mundo em que elas viviam:
Só quando as crianças compreendem os vestígios
do passado como evidência no seu mais profundo
sentido – ou seja, como algo que deve ser tratado
não como mera informação, mas como algo de
onde se possam retirar respostas a questões que
nunca se pensou colocar – é que a história se
alicerça razoavelmente nas mentes dos alunos
enquanto atividade com algumas hipóteses de
sucesso (LEE, 2003, p. 25).
Esta análise se estabelece da necessidade de criar narrativas que
deem significado aos fatos históricos, organizando-os juntamente com
outros, de forma a perceber mudanças e permanências. Por isso mesmo,
embora não sejam historiadores, para a aprendizagem histórica, os jovens
devem se apropriar desses mesmos mecanismos próprios àqueles.
Quando o professor de História leva em consideração os conceitos
trazidos pelos alunos, tem a oportunidade de trabalhar estes “pré-
conceitos” para que os alunos os ressignifiquem e não vejam o passado
como algo permanente, nem como uma verdade imutável. Isto ocorre
quando o docente permite a construção de pontes para que o estudante
consiga expandir sua capacidade de dar sentido ao conhecimento
histórico oferecido, associando-o àquilo que já havia construído
anteriormente e às ferramentas que lhe são oferecidas como produtoras
de algum diálogo com a História.
55

Destarte, a relação dos sujeitos com o tempo precisaria passar por


esse olhar mais qualificado e integrado às necessidades do presente. O
conhecimento histórico tem mais chance de ancorar na estrutura cognitiva
dos alunos quando parte de um lugar conhecido por ele, e dessa maneira,
através do conhecimento tácito, o estudante se torna capaz de não só
refazer os caminhos estabelecidos, como também se sentir responsável
pelas rotas a serem percorridas.
Na mesma direção, Maria do Céu de Melo Esteves Pereira (2003),
através de uma investigação realizada com alunos portugueses, pondera
que os professores devem indagar os conhecimentos tácitos dos alunos
antes de trabalhar um determinado conteúdo. Além de ter como
característica a natureza intuitiva, por ser construído em um nível
primário de abstração, o conhecimento tácito exige uma vinculação entre
nós e o meio, através das necessidades geradas por esse encontro
procurando buscar explicações com nossos conflitos, angústias, ou seja,
com a forma como sentimos o mundo.
A explicação dada a partir de um conhecimento tácito precisa ser
valorizada, vista além do possível equívoco, já que se faz a partir de
elementos explicativos estabelecidos da relação do sujeito com o mundo.
Existe uma elaboração deste conhecimento tácito a partir de núcleos de
significados, criados pelo sujeito, em torno de elementos que tenham peso
na sua composição semântica, como crenças, experiências e capacidades
de transformarem essa concepção em uma teoria pessoal que, para ele,
possui todas as lógicas necessárias, mesmo que para os olhos alheios,
possam ter graves falhas e lacunas.
Mas este deve ser somente o primeiro passo, uma vez que os
professores devem também propor tarefas que levem os alunos a terem
consciência de seu saber e consigam confrontá-los com os saberes
adquiridos posteriormente. Só assim haverá contribuição para mudanças
no modo dos alunos resolverem situações problemas, tanto na escola,
como na vida.
Devemos ainda levar em conta um aspecto importante apresentado
pela professora Maria do Céu Pereira (2003). Os professores podem
alimentar a resistência por parte dos estudantes ao supervalorizarem as
suas práticas didáticas e crenças educacionais e omitirem-se perante as
construções intencionais promovida pelos estudantes diante de situações
de conflito cognitivo, as quais possam acarretar mudanças significativas
acerca dos seus conceitos e visões de mundo.
Logicamente esse processo não se dá de forma única. Cada
indivíduo passa por diferentes ressignificações quando há o embate entre
aquele conhecimento já constituído pelo indivíduo e novos elementos que
56

se apresentam. E, nesse choque, o sujeito pode lançar mão de diversas


táticas:
A nova informação pode ser recusada, por ser
considerada como inútil, ininteligível ou
demasiada complexa; - Os indivíduos podem
assimilar a nova informação na estrutura semântica
já existente, mas ocorrendo apenas leves
modificações; - Se a nova informação for relevante
e significativa para o indivíduo ela pode provocar
mudanças quer na informação nova quer na pré-
existente; - Pode ocorrer mudança radical. Neste
caso, ela interfere não apenas num ou noutro
esquema mental ou núcleo, mas numa parte
significativa de toda a teoria pessoal do sujeito.
(PEREIRA, 2003, p.34).
Diante destas possibilidades de reação, a autora (Pereira, 2003,
p.36-37) destaca que os sujeitos podem adotar ações diversas:
 A adição, no caso em que a nova informação confirma o
conhecimento tácito ou traz novos fatos sem grande exigência de
adaptação, seleção ou adoção de outra tática;
 A procura de correspondências, quando o sujeito aciona o
conhecimento tácito para fazer pontes com o conhecimento
escolar, mas o processo sucessivo de encontrar tais ligações,
demonstram o seu caráter provisório e fragmentado;
 A procura de evidências confirmatórias, quando o indivíduo sente
o seu raciocínio e o seu conhecimento ameaçados, buscando nas
novas informações apenas os fragmentos que confirmem sua visão
do fato, descaracterizando-as;
 Uma variação da anterior é a seleção enviesada, quando o
estudante se depara com duas informações conflitantes e uma
concorda com o seu conhecimento tácito. Neste caso, ele tende a
olhar mais criticamente para aqueles dados que conflitam com os
seus;
 Outra forma de evitar conflitos seria considerar as novas
informações como particulares, ou seja, uma exceção à regra. Tal
tática é mais comum quando o seu conhecimento está disposto a
partir de considerações generalistas;
 A busca pela invenção de variáveis se faz pelo acréscimo criativo
de considerações a respeito das informações, que possam tornar
57

aceitáveis as “anomalias” confrontadas com o conhecimento


tácito;
 Uma saída mais radical seria o silêncio, um bloqueio que se faz
diante da nova informação, pela negação de testar seus
conhecimentos, considerados superiores aquilo que lhes é
apresentado.
Quando o estudante, por exemplo, apresenta dificuldade de
aperfeiçoar o senso crítico com o auxílio de novas informações, pode estar
apenas mantendo uma explicação de mundo que o conecta aos outros
indivíduos, ratificando a sua participação naquela comunidade. E por isso,
mudar poderia implicar na perda de laços com determinados grupos.
Assim, não se desfazer de tais visões dificulta a aproximação e
eventual transformação de lógicas organizacionais de fatos e conceitos
históricos. Mas ao tornar-se possível confrontar as percepções existentes
com novas possibilidades, outros significados podem ser criados a partir
daqueles já existentes, o que proporciona a modificação ou
reinterpretação do conhecimento.
Em estudo conduzido por Peter Lee (2003) com estudantes na faixa
de dez anos de idade, ele constatou a possibilidade de progressão das
ideias em História. Tanto no que diz respeito à concepção de evidência
histórica, quanto acerca dos agentes históricos, e dividiu tal progressão
em empatia histórica a partir de sete níveis:
Nível 1. Tarefa explicativa não alcançada: usou-se da redundância,
dizendo que as pessoas fizeram o que fizeram, e pensaram o que
pensaram.
Nível 2. Confusão: percebe-se a necessidade de explicações sobre
as questões, sem ver sentido nas ações e instituições do passado.
Nível 3. Explicação através da assimilação e déficit: são capazes
de reconhecer que as pessoas do passado pensavam como nós, mas
quando as ações fugiam da compreensão, os motivos apontados eram
associados à “falta de esperteza” e sensibilidade moral do tempo atual,
além da comparação pelo progresso tecnológico.
Nível 4. Explicação através de papeis e/ou estereótipos: embora
não haja parcialmente a relação entre passado e presente, como no nível
anterior, os alunos procuram explicar o passado a partir dos estereótipos
que lhes são próximos. Generais buscam a glória, padres não mentem,
políticos são mentirosos etc.
Nível 5. Explicação em termos da lógica da situação vista à luz do
cotidiano/presente: os alunos são capazes de perceber que determinados
atos estão ligados à época em que ocorreram, mas mesmo assim
58

procuraram nas especificidades das situações do passado a justificativa


para as ações realizadas, sem crer que fosse possível ter diferentes formas
de pensar.
Nível 6. Explicação em termos do que as pessoas naquele tempo
pensavam – empatia histórica: os alunos neste nível são capazes de
perceber que as pessoas no passado tinham as mesmas habilidades de
pensar e sentir que nós, mas não viam o mundo como nós vemos hoje.
Nível 7. Explicação em termos de um contexto material e de ideias
mais amplo: neste último nível, existe a percepção de que as ideias e os
valores das pessoas estão associados ao modelo de vida que têm, não
sendo apenas escolhas individuais. Chegar nesse ponto implica a
capacidade de analisar as condições materiais nas quais viviam, levando
em conta o impacto que este fato poderia ter nos padrões de
comportamento diários na sua forma de pensar e de sentir.
A partir deste estudo, podemos inferir que quando os estudantes
possuem sua empatia histórica bem desenvolvida, tornam-se capazes de
identificar as diferenças entre os sujeitos do nosso tempo e os agentes
históricos em diferentes tempos e espaços. Caso contrário, “a
consequência direta de os alunos não compreenderem o passado é que
este se torna uma espécie de casa de gente desconhecida a fazer coisas
ininteligíveis, ou então numa casa com pessoas exatamente como nós,
mas absurdamente tontas” (LEE, 2003, p. 19).
A dificuldade de compreensão nos últimos níveis de empatia
histórica, segundo o autor, é provocada no estudante a partir de duas
concepções ainda oriundas do senso comum: aquilo que é visto como
“normal” é sempre a partir do presente; e a ideia de “progresso”,
notadamente o tecnológico. Ou seja, na compreensão do passado, os
estudantes mesmo em elevado grau de empatia histórica, continuam
fazendo inferências à menor capacidade intelectual, em relação ao
passado.
Segundo Peter Lee (2003), de maneira geral, as investigações sobre
empatia histórica indicam apontamentos importantes para o processo de
ensino. Apesar de pensar os níveis a partir de grupos específicos, o autor
indica que as concepções prévias dos estudantes são a peça-chave para
concepções ulteriores. Por esse motivo, é fundamental estar alerta às
concepções usuais dos estudantes em sala de aula, em particular ele faz
três indicações básicas: a) a noção de um “passado deficitário”; b) a
apropriação das ações do passado e práticas sociais a partir de nossas
ações no presente; c) a ideia de que as pessoas no passado pensavam como
nós. Isto é, realizar atividades que levem os estudantes a construir
59

situações nas quais eles simplesmente “transportam-se” ao passado, pode


estimular estereótipos que partam do presente.
Se por outro lado, em uma atividade for assumida a possibilidade
de se trabalhar com ideias do presente (partindo, portanto, do olhar do
estudante), estas podem evidenciar o paradoxo entre a explicação
apresentada atualmente sobre um evento histórico e aquela fornecida pelo
estudante a partir de suas percepções. Tal paradoxo pode ser trabalhado a
partir de certos direcionamentos: a) as consequências pensadas; b) as
suposições em relação a finalidades; c) as formas de condutas aceitáveis
para um tempo particular e papeis particulares; d) quais as possibilidades
para a ação naquelas conjunturas. Estas estratégias permitem ao estudante
que ele não seja simplesmente obrigado a ignorar seus questionamentos
acerca do passado, por mais presos ao presente que estejam, mas ao
contrário, sirvam de ponto de partida para entender os mecanismos como
atuam aqueles agentes do passado.
Caso haja durante a formação histórica do indivíduo a simples
negação de sua visão sobre o passado, ele pode estagnar no processo de
compreensão da história, já que a decisão tomada para um determinado
fato lhes é apresentada como a única correta naquele momento,
dificultando a sua análise daquilo que foi feito no passado. E, dessa forma,
quebrando qualquer possibilidade de análise à luz da empatia histórica.
Outrossim, para que o ensino de História seja eficaz, dentro de uma
perspectiva baseada na empatia histórica, os estudantes precisam
construir uma relação com as fontes que vá além de um primeiro olhar,
tendo sempre em mente os fundamentos básicos para compreensão de
determinados conceitos a partir do seu tempo. É fundamental que
consigam compreender e explicar objetivos, valores, práticas, daquele
determinado momento histórico. Assim, seria possível confrontar
diferentes realidades no tempo, contrapor valores e analisar soluções para
os problemas sociais de certo momento histórico, partindo do seu
conhecimento tácito.
Pensar tais práticas com base na empatia histórica requer que os
alunos estejam próximos de diferentes documentos que contribuam para
repensar uma parte do passado e, utilizando a sua imaginação, possam
produzir narrativas a esse respeito. Segundo Pereira (2014), explicação,
interpretação, imaginação e narrativa são indissociáveis na constituição
da empatia histórica. Assim, é impossível tal empreendimento sem que a
imaginação seja constantemente estimulada. Novos ambientes,
indivíduos, situações e reações precisam ser organizadas e repensadas
constantemente, através de um diálogo constante entre as perguntas feitas
60

pelos próprios estudantes, documentos históricos e historiográficos, e


práticas que fomentem e provoquem.
A afirmação acerca do fato, partindo da interpretação de fontes,
precisa ter a clareza de que estas não se constituem em evidências, mas
tornam-se mais ou menos importantes a partir de reflexão a respeito das
relações entre as questões elencadas e aquilo que as fontes podem dizer a
respeito. Sobre esse aspecto, Ashby (2006, p.42) afirma que “a evidência
histórica se situa entre o que o passado deixou para trás (as fontes dos
historiadores) e o que reivindicamos do passado (narrativas ou
interpretações históricas)”.

3.1. Empatia histórica, práticas teatrais e o ensino

Associar o ensino de História com práticas teatrais permite a


imersão em vivências que transcendem e complementam as aulas que
“prendem os corpos à cadeira”, além de possibilitar assumir o lugar do
outro através de atitudes empáticas geradas pela sensibilização.
A discussão feita por Augusto Boal sobre a importância dos meios
simbólicos, auxiliada pela mediação com conhecimento científico acerca
da História, torna-se, assim, meios complementares de aprendizagem.
Assim, “o espaço estético é um Espelho de Aumento que revela
comportamentos dissimulados, inconscientes e ocultos” (Boal, 2011,
p.31). Estes podem assim repetir velhas práticas opressivas de forma
involuntária, mas podem também servir como espaço de reflexão e
reelaboração do pensar sobre a sociedade contemporânea e sobre a
maneira como o passado é reconfigurado nesse processo.
Esta por si só não contribui diretamente para a produção ou análise
do conhecimento histórico, na medida em que, segundo Peter Lee (2003),
lança os sentimentos sobre os agentes históricos, tal e qual estão
constituídos internamente e no presente, torna restrita a compreensão dos
valores, objetivos e ações destes agentes em seu tempo específico.
Como já havíamos discutido, de uma forma geral, empatia se refere
a uma habilidade que considera a disposição afetiva e emocional dos
sujeitos, em sua capacidade de se colocar no lugar do outro. No processo
educacional, e especificamente nas práticas teatrais desenvolvidas por nós
e associadas a tal processo, a empatia tem um papel importante, por
contribuir fundamentalmente no aprimoramento das relações
interpessoais. Buscar conhecer o outro é a forma de se estabelecer uma
relação de compreensão e respeito, o que é indispensável para uma prática
educacional baseada no diálogo. Nesse movimento, a multiplicidade de
pontos de vista torna-se importante para o movimento de reflexão e ação.
61

O ser humano, como ser social, busca através da arte expressar-se,


transgredir-se e transgredir o universo vivido. A experiência com o
exercício de linguagens teatrais permite ao indivíduo perceber que toda
mudança social parte de uma internalização da ideia de mudança, com a
possibilidade de encarar-se como sujeito e objeto dessa transformação.
Nesta perspectiva, não é possível consolidar uma nova percepção de
mundo que não se dê de dentro para fora, do individual para o global.
A educação estética, discutida por Boal, está estritamente ligada ao
conceito amplo de empatia, uma vez que ao pronunciar a necessidade de
que a educação dê ao pensamento sensível o mesmo mérito que dá ao
simbólico, o autor valoriza a importância de aprender a ver o mundo
através dos sentidos, visão esta que a arte busca recrutar através de
imagens, sons e movimentos.
Dentro da proposta do autor, não só a personagem se torna um
exercício de pensar o outro, como também toda a proposta teatral se
baseia na construção coletiva de figuras dramáticas, mas acima disso, na
constituição coletiva de valores, sentimentos, objetivos e ações que irão
permear o fazer teatral. Ao promover a comunhão de tais reflexões e
ações, os sujeitos conseguem percebem de uma forma mais nítida não só
os objetivos que existem entre si, mas também aqueles elementos que
estão em desacordo com uma determinada visão de mundo contrária aos
seus objetivos.
No que tange à relação entre professor e aluno, recrutar o
conhecimento tácito do estudante desempenha um papel importante no
processo de aprimoramento da empatia histórica. Como já tratamos, é
necessário entender que o seu método de análise precisa passar
necessariamente pela forma como o sujeito constituiu até aquele
momento a sua relação com o passado. Caso contrário, a impossibilidade
de produzir narrativas que sejam próximas da sua realidade fará com que
qualquer proposta de análise do passado lhe pareça uma ameaça ao mundo
que ele produziu até então. Portanto, a empatia visa, nesse caso, sintonizar
professor e estudante, de forma que os objetivos estejam claros e a
compreensão possa ser mais bem comunicada, para que haja uma mútua
reflexão e até mesmo críticas quanto ao processo. Fato este ainda mais
arraigado quando se pretende pensar o processo educacional a partir de
práticas teatrais no caso do Teatro do Oprimido, que exigem um social,
além do próprio olhar estético.
Outro elemento relevante para a análise das relações entre empatia
história e práticas teatrais se refere aos aspectos constitutivos que a
compõem, como citados anteriormente, isto é, a imaginação, a narrativa,
a interpretação e a explicação.
62

Estes aspectos, juntamente com ambientes, indivíduos, situações e


reações pertinentes ao estudo do passado, reorganizados pelo teatro,
possibilitam elementos que servem de suporte para gerar interpretações
individuais ou coletivas a serem refletidas na ação e na explicação do
processo. Neste sentido, o diálogo com as fontes nas práticas teatrais,
como desenvolvemos neste trabalho, possibilitou provocações e
questionamentos a partir das escolhas interpretativas dos estudantes.
Neste processo, a imaginação histórica foi constantemente recrutada na
elaboração das narrativas.
Vale frisar que a imaginação na análise do conhecimento histórico
escolar, não se refere a uma prática tipicamente ficcional e muito
particular dos indivíduos, em desacordo com o rigor científico exigido
pela História. A partir disso, vem o questionamento. Como trazer a
imaginação para o campo do conhecimento histórico servindo como mais
um agente de transformação da empatia histórica e não como um
elemento que rompe as barreiras entre ciência e ficção? Como a busca é
o conhecimento histórico com bases científicas, a narração histórica deve
se apropriar de elementos da imaginação seguindo determinados critérios,
destacados por Arrais (2009, p.4): “1. esteja situada temporal e
espacialmente; 2. mantenha uma coerência interna e com o mundo
histórico que está descrevendo; 3. estabeleça uma relação com as
‘provas’”.
Acrescenta-se ainda que o rigor da produção de conhecimento
histórico exige que a imaginação seja recrutada para analisar um
questionamento que busca criar uma coerência entre a análise histórica
realizada e aquilo que se sugeriu em relação à análise feita a partir da
imaginação histórica.
Por estas razões,
[…] o trabalho com a literatura dramática
possibilita uma aproximação com diferentes
imaginários e sociedades, uma vez que o texto
teatral constrói um discurso sobre a realidade de
uma determinada época e lugar, como qualquer
outro documento produzido em diferentes
instâncias. O que o distingue dos demais é a sua
linguagem estética, requisito imprescindível para
que este se apresente como tal (VASCONCELOS,
2007, p.6).
Sendo assim, na perspectiva da empatia histórica, a imaginação,
além dos fatores apontados até aqui, faz parte do conhecimento tácito dos
63

sujeitos e precisa ser levada em conta na elaboração de narrativas, assim


como na interpretação e na explicação de acontecimentos do passado.
A compreensão da sociedade a partir de uma linguagem artística
como o teatro permite que os sujeitos reconheçam as diferenças e
semelhanças, os conflitos e interesses comuns. E, na escola, essas
múltiplas possibilidades se constroem a partir do olhar interrogativo do
próprio aluno, que pode questionar sua realidade tanto passada quanto
presente.
A empatia histórica aplicada à educação configura-se como uma
atitude. É quando o entendimento adotado pelo professor compreende que
a educação significativa deve privilegiar a construção do conhecimento,
e para tanto, perceber que o estudante traz consigo uma série de valores e
verdades construídas e que não podem ser simplesmente negligenciadas
e descartadas, passa a ser fundamental. Ainda mais quando o objetivo é a
análise histórica, já que esta inclui o tempo como foco. E, ao propor não
só discutir um fato, mas também pensar quais eram os interesses e
necessidades de uma determinada época, o estudante tem mais um
elemento de crítica às suas verdades: o de que os valores não são absolutos
e fazem parte de interesses no tempo e no espaço. Portanto, a educação
histórica pautada na empatia histórica e em práticas teatrais, contribuiu
para que se conceba o conhecimento histórico enquanto construção
dinâmica e mutável e não uma mera reprodução do passado.
64
65

4. PRÁTICAS TEATRAIS E ENSINO DE HISTÓRIA:


INTERLOCUÇÕES

Desde o início deste trabalho as práticas teatrais desenvolvidas


visaram fundamentalmente levar a uma percepção de si mesmo já que, ao
se praticar, em particular, o Teatro do Oprimido, concluiu-se que o maior
objetivo não é aprender a entrar em um personagem ou mesmo construir
uma peça, mas desenvolver tal percepção. Esta, por sua vez, é construída
coletivamente através, por exemplo, de jogos teatrais conforme propostos
por Augusto Boal e realizados ao longo dos encontros. Este será o teor
principal desta análise, baseada em algumas modalidades do teatro do
oprimido, em seus aspectos mais significativos como a concentração,
memória corporal, máscaras, desmecanização e desalienação, presentes
no trabalho desenvolvido.
Esta análise também considera as contribuições do pensamento
freireano, particularmente as categorias da pedagogia do oprimido, que
auxiliaram no estabelecimento de elos entre as práticas teatrais e questões
diretamente pertinentes ao ensino.
Finalmente, a empatia histórica também faz parte desta análise, já
que esteve presente nos jogos teatrais, principalmente no que se refere ao
recorte realizado a respeito da Ditadura Civil-Militar brasileira.
Nos jogos teatrais em questão, um elemento chave foi a
concentração, dado que durante um jogo teatral ou uma peça muitas ações
acontecem ao mesmo tempo: a narrativa, as posturas corporais, os
diálogos, os improvisos. Desta forma, exercícios simples podem se tornar
de difícil execução, como constatamos com a sequência numérica
coletiva, praticada no quarto e quinto encontros. Neste caso, cada
integrante precisou estar atento durante a contagem numérica coletiva de
modo a não haver repetição. Este exemplo evidencia que o teatro é a arte
da presença, é estar imerso no aqui e no agora, muitas vezes em contraste
com o cotidiano, no qual as pessoas podem estar desatentas e
despercebidas do que ocorre a sua volta no momento.

Tabela 1. Quarto dia

Elementos desenvolvidos Exercícios Teatrais


 Exercícios de desmecanização do  Exercício 1. Caminhar em
corpo; velocidades diferentes;
 A relação opressor/oprimido;
66

 Experiência do Teatro-Imagem:  Exercício 2. Caminhar de


personagens personificam maneira não convencional;
conceitos, palavras, ideias,  Exercício 3. Sequência
sentimentos; numérica coletiva;
 Nas possibilidades de  Exercício 4: gato e rato
construção da peça, os (opressor/oprimido);
estudantes sugeriram montar  Exercício temático: palavras
cenas que fossem unidas pela que os remeteram à ditadura:
temática escolhida por meio de censura, autoritarismo, medo
palavras/imagens; e desigualdade; Formação de
 Discussão do conceito quatro equipes para criação
substantivo: Ditadura Civil- através do Teatro Imagem e
Militar no Brasil Teatro Fórum.

Tabela 2. Quinto dia

Elementos desenvolvidos Exercícios Teatrais


 Desmecanização do corpo;  Exercício 1. Caminhar de
 Concentração e atenção ao maneira não convencional;
outro;  Exercício 2. Sequência
 Aprofundamento do conceito numérica coletiva;
substantivo;  Exercício 3. Blablação;
 Aplicação de questionário:  Exercício temático: Cenas
percepção dos conhecimentos desenvolvidas a partir das 4
tácitos acerca do momento de palavras do encontro
implantação da Ditadura-Civil anterior: censura,
Militar no Brasil autoritarismo, medo e
desigualdade.

A percepção de si também se refere ao aprimoramento da memória


corporal, como foi realizado no primeiro encontro no exercício da mímica
e memorização. Neste, um gesto prático, como pegar uma garrafa ou
vestir uma camiseta foi realizado de fato uma primeira vez e repetido na
sequência sem a utilização de tais objetos, constatando-se um grau de
dificuldade acentuado, ao se tentar repetir cada movimento. Este
exercício simples permite a definição de gestos que podem contribuir no
processo de construção de personagens configurados a partir de aspectos
corporais próprios a cada um. Assim, no teatro, a memória corporal é um
elemento fundamental do autoconhecimento.
67

Tabela 3. Primeiro dia

Elementos Exercícios Teatrais


desenvolvidos
 Apresentação expositiva, com
auxílio de PowerPoint sobre a
vida e obra de Augusto Boal,  Exercício 1: “Boa tarde”;
ressaltando as características
gerais do Teatro do Oprimido
(TO), sobretudo a interação  Exercício 2: mímica e
entre atores e “Espect-atores”; memorização.
 Apresentação das ideias gerais
do pensamento de Paulo Freire
presentes no livro Pedagogia
do Oprimido (2014);
 Apresentação da peça Peso na
Mente, Peso nas
Costas13(2014), na modalidade
Teatro Fórum (Ocupação São
João – SP).

Outro elemento associado ao processo para a percepção de si é a


desmecanização do corpo, que se refere à tomada de consciência de
padrões corporais e da possibilidade de superação desses padrões. No
teatro proposto por Boal, a desmecanização começa pelo caminhar
ocupando o espaço disponível, o que foi realizado em diversos encontros.
Inicialmente, o exercício serviu como uma forma de relaxamento, no caso
dos estudantes, em contraposição à imobilidade do corpo, características
da forma habitual de ocupar a sala de aula.
Uma ação corriqueira e extremamente simples pode ser um ótimo
primeiro exercício teatral, como constatamos na prática. Atuar frente a
um colega e desejar-lhe “Boa tarde” não exige a criação de personagens,
mas foge do convencional, do que poderia ser dito naquele momento. A
dificuldade de realizar tal ação foi evidente por parte dos próprios

13
Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=NxregX3ZnZg> Acesso em: 28 fev.
2016
68

estudantes, que ficaram surpresos como seus gestos e sua voz acabaram
ficando mecanizadas e certas vezes caricatas.
Ao exercício de caminhar, realizado no início de cada encontro,
foram incorporadas, durante o quarto encontro, duas variações: andar de
maneira não convencional e criar um som que corresponda a este modo
de caminhar. Deste modo, cada um precisou se desapegar do seu
movimento comum e ser criativo. Os sons foram gradativamente se
aprimorando e sendo aperfeiçoados pelos movimentos. Através destes e
outros exercícios, os estudantes puderam aprender a integrar os meios
sensíveis, que neste caso se referem à expressão corporal, aos meios
simbólicos, ligados à palavra. Isto é relevante no que se refere à proposta
de alfabetização estética de Boal, como comentamos anteriormente, pois
as variações possibilitam aos estudantes a compreensão do papel do corpo
na comunicação e, consequentemente, na aprendizagem.

4.1. Máscaras

Este último exercício foi enriquecedor para que os estudantes


percebessem muitos padrões corporais que carregam consigo, ou seja,
como seus movimentos podem ser mecanizados de acordo com uma série
de fatores, que podem passar pela família, grupos de amigos, classe social
etc. A percepção, por parte dos estudantes, do gradativo desapego dos
trejeitos que os limitavam naquele espaço, isto é, que se configuravam
enquanto máscaras corporais que assumiam como estudantes, contribuiu
para ampliar a discussão posterior ao exercício. Nesta discussão, foi
analisado que a vida profissional, preocupação constante de muitos jovens
do Ensino Médio e daqueles ali presentes em particular, marca ainda mais
tais mecanizações: advogados, professores, policiais, auxiliares de
limpeza, têm, na sua expressão, modo de andar, falar, as marcas da sua
profissão, que moldam ainda mais essas máscaras corporais.
Conforme havíamos apresentado no primeiro capítulo, no contexto
do Arena Conta Zumbi (1965) e principalmente Arena Conta Tiradentes
(1967), ao propor “desordenar” os padrões do teatro brasileiro, Boal
estabelece como um dos seus pilares a desvinculação ator-personagem,
na qual a figura dramática é criada coletivamente a partir de “vícios” (de
pensamento, linguagem, profissão) – as máscaras já mencionadas – e
estas podem ser assumidas por qualquer um dos atores ao longo da peça.
Como nossa proposta está focada na contribuição dos jogos teatrais
para a reflexão social e histórica, entendemos que tais práticas
estabelecidas por Boal nos fornecem subsídios para que, no caminho do
autoconhecimento, a identificação e análise crítica de possíveis aspectos
69

negativos dessas máscaras – mesmo que estes não sejam os únicos que
existam – permitem libertar-se de mecanizações sensoriais cotidianas,
dissolvendo a cadeia que leva a comportamentos que estratificam
emoções e ideias. Não estamos afirmando que nossa expressão cotidiana
precisa ser necessariamente desconstruída, mas sim que a percepção
desta, e suas variantes em determinados espaços, grupos sociais e
instituições, possibilita aprimorarmos a consciência sobre nós mesmos:
como agimos diante do mundo e como este nos influencia, numa relação
dialética, conforme já nos apontava Paulo Freire.
Se o nosso objetivo foi promover a discussão a partir da reflexão e
das vivências, esta começou com os limites que podemos nos impor
cotidianamente, internalizando pequenos gestos e atitudes que poucas
vezes são confrontados por nós mesmos. Ao realizar uma ação teatral,
antes mesmo de agir, o estudante se coloca a pensar sobre como o outro
o verá. Essa inquietação inicial foi essencial para “se colocar no mundo”.
A reflexão sobre o mundo começa com uma reflexão sobre si. Houve
assim um primeiro movimento de libertar-se de certas máscaras
assumidas enquanto estudantes para buscar a construção de
especificidades que compõem as máscaras daquela personagem a ser
interpretada (seja um sujeito ou uma ideia).
Buscamos mostrar, ao longo das ações, como esses elementos que
fazem parte do ser estudante foram gradativamente sendo compreendidos
e não substituídos, mas somados a tantas outras máscaras que precisariam
compor nas ações. E tudo isso só se tornaria possível com a gradativa
consciência de si.
Dentro desta proposta que estabelecemos desmecanizar o corpo
deveria levar à desalienação dos sentidos. Em função disso, ao longo dos
encontros, buscou-se refletir sobre os sentimentos e sua relação com o
corpo. Como este o expressa diante daquele? O que comunica aos outros
sujeitos? O que pode proporcionar o recrutamento de determinados
sentimentos? E como eles seriam apresentados em uma ação dramática?
Por esse motivo, realizamos diversos exercícios como, por exemplo, no
sexto encontro, quando ao comando, os estudantes deveriam contrair-se
lentamente enquanto buscassem lembrar-se de sensações físicas e
emocionais ruins (dor de cabeça, angústia, falta de ar, solidão, medo etc.)
e logo depois deveriam fazer o movimento contrário, pensando em
sensações agradáveis (encontros com amigos, uma brisa fresca num dia
de sol, conquistas etc.).
70

Tabela 4. Sexto dia

Elementos desenvolvidos Exercícios Teatrais


 Desmecanização do corpo;  Exercício 1. Caminhar pela
 Atenção ao outro; sala sentindo a gravidade
 Aprofundamento do conceito mudar;
substantivo.  Exercício 2. Hipnotismo;
 Exercício 3: elaboração
física do sentimento:
contração (baixo) e
relaxamento (alto);
 Exercícios temáticos: Fluxo
contínuo de ideias.

Esta experiência pode mostrar-lhes mais uma vez a necessidade de


questionar o espaço da linguagem sensível e da linguagem simbólica.
Destacamos dois exercícios realizados com esse intuito. O primeiro,
chamado de “Blablação”, foi realizado logo no segundo encontro e
consistia em expressar ideias utilizando unicamente o corpo, as
expressões faciais e mesmo o tom da voz, sem, no entanto, usar palavras
compreensíveis. A utilização não intencional de palavras, ou a dificuldade
que tiveram em expressar-se sem elas foi objeto de discussão entre os
próprios estudantes. O segundo exercício, praticado no oitavo encontro,
visava criar diálogos abstratos utilizando números aleatórios.

Tabela 5. Segundo dia

Elementos desenvolvidos Exercícios Teatrais


 Apresentação expositiva das  Exercício 1: imitação de
diferentes modalidades do TO; dança;
 Desmecanização dos corpos;  Exercício 2: Blablação;
 Discussão: As máscaras sociais  Exercício 3: elaboração física
em Boal; do sentimento: contração
 Destaque para elementos do (baixo) e relaxamento (alto);
Teatro; Fórum: ausência de  Exercício 4: caminhar pela sala
cenários; diálogo e participação arremessando para o colega
do público; construção de um objeto imaginário.
personagens;
 Discussão: política atual.
71

Tabela 6. Oitavo dia

Elementos desenvolvidos Exercícios Teatrais


 Desmecanização do corpo;  Exercício 1. “Furar a parede”
 Máscaras sociais; com a voz;
 Aprofundamento do conceito  Exercício 2. Diálogo abstrato
substantivo. (com números);
 Exercício 3. Caminhar pela
sala e expressar com o corpo
duas situações: 1. Opressor;
2. Oprimido;
 Exercício 4. Máscaras
coletivas: construção de
discursos coletivos a partir de
elementos sugeridos pelos
colegas.

Desta vez o elemento que tornou a prática mais complexa foi que
os estudantes deveriam expressar sentimentos, indo de um
comportamento afável à expressão de raiva e retornando à calma.
Diferente do exercício de blablação, em que os estudantes ainda estavam
no início das atividades e por isso muito mais retraídos e presos à sua
mecânica corporal convencional. Neste jogo, tanto a construção
individual, quanto a integração entre os sujeitos, garantiu um claro
diálogo, muito mais desmecanizado.
Quais as vantagens de tal prática? Boal nos aproxima dessa
discussão por acreditar que o processo de desalienação do indivíduo passa
pelo domínio de si enquanto sujeito partícipe de uma ação. Nossa
experiência profissional indica que muitas vezes os estudantes falsamente
pensam o espaço escolar (aquele onde teorizam a respeito de
conhecimentos que nem sempre farão parte da “vida real”) descolado da
vida real (aquela na qual atuam e constroem a existência enquanto
sujeitos). Quando na verdade as ações dentro do espaço escolar muitas
vezes precisam apenas ser compreendidas como algo além de mera
discussão teórica. E para isso ocorrer desalienar-se é fundamental.
Logicamente a escola tem caminhado em direção a práticas muito
mais dialógicas do que décadas atrás. Por influência de diversos
educadores, como Paulo Freire, a valorização do conhecimento prévio
72

dos estudantes e o seu posicionamento diante de fatos históricos e como


estes afetam sua vida (no caso específico da disciplina de História) é algo
discutido na academia há décadas. Mas após as práticas teatrais pudemos
constatar que estas se configuram como um passo além no convite ao
estudante para que ele vivencie a construção do conhecimento.
À medida que os exercícios foram ficando mais complexos, a
percepção sensível das realidades analisadas de fato foi sendo ampliada.
A habilidade de ver, sentir, ouvir, pensar e emocionar-se, conforme já
havíamos mencionado, deram um impulso significativo às discussões.
No nosso caso específico, além de lidar com a construção de
personagens, conhecer a expressão corporal foi fundamental para associá-
la a diversos exercícios mais complexos. Destacamos aqueles que
discutiam a estrutura de um opressor e de um oprimido, ou na proposta
de se colocar enquanto agente do Estado ditatorial ou membro de grupos
que combatiam o regime civil-militar no Brasil. À vista disso, refletimos
sobre o fato de tais movimentos estarem ligados a aspectos particulares
de cada indivíduo e variarem de acordo não só com personalidade, mas
também estado de espírito, profissão, status social etc., sendo por isso
realizados de forma automática, mecanizada, sem ter sido construídos
mentalmente; e como determinados grupos constroem sua autoridade com
o auxílio de máscaras sociais.

4.2. Pedagogia do oprimido e práticas teatrais

Como já discutimos no capítulo 1, o primeiro passo para superar a


relação antagônica entre opressor e oprimido seria apropriar-se
criticamente da sociedade e da história que o circunda. Feito sem a
participação efetiva dos sujeitos, qualquer proposta nesse sentido corre o
risco de se tornar infecunda, por não ser efetivamente fruto da reflexão e
ação dos indivíduos integrantes do processo.
Assim sendo, problematizar um fato específico proporciona trazer
à tona a situação que pode fazer parte de um sistema muito mais amplo,
mas para que tal compreensão ocorra, é importante que essa reflexão parta
do sujeito que, de alguma maneira, a vivencia, e em seguida ser incluída
em um contexto global. Ou seja, dessa maneira, torna-se possível
pronunciar o mundo. Por isso é que destacamos anteriormente o fato de
ser fundamental que esse processo ocorra mediante uma relação
horizontal entre o mediador/professor e o estudante. Reconhecer os
méritos de ideias novas, fazer questionamentos ao invés de repreender
ideias consideradas erradas e admitir a ausência de respostas prontas em
determinadas situações, por serem fruto da real entrega do aluno à
73

atividade e por isso gerarem situações para além do previsto, estabelece


uma relação forjada verdadeiramente no diálogo.
Por mais opressor que possa parecer às características sociais nas
quais está inserido, questioná-las através do chamamento à reflexão
permite superar o falso antagonismo entre opressor e oprimido. Por lidar
com estudantes de classe média, nosso estudo procurou discutir a respeito
daquilo que Paulo Freire nos apresenta e Augusto Boal busca direcionar
para as práticas sociais: o fato de que o papel daquele que oprime e de
quem é oprimido não pertence a ele o tempo todo. Sendo assim, a reflexão
e a ação precisam se voltar ao estado de coisas que compõe o sistema
opressivo e não para os sujeitos que oprimem. Dessa maneira, pudemos
construir através dos jogos teatrais a percepção de que as relações
políticas, as instituições sociais e os aspectos culturais guardam em si esse
antagonismo.
Apesar de analisarmos alguns aspectos da Ditadura Civil-Militar
no Brasil como um tema norteador, os estudantes buscaram trazer à
discussão em grupo situações nas quais, por exemplo, indivíduos que
compartilham a mesma visão política libertária, podem reproduzir
práticas opressivas ligadas à questão de gênero. Ou ainda que a ausência
da reflexão sobre si possa fazer com que professores reproduzam tais
preconceitos, mesmo teorizando sobre seus malefícios em sala de aula.
Buscamos, assim, exercícios de complexidade gradativa, que
visassem discutir elementos físicos e conceituais que compõem as
relações de opressão, a princípio, independente do contexto histórico
atual ou remetendo à Ditadura Militar.
Em um jogo simples onde o gato deveria caçar o rato, observou-se
mais uma vez a questão da postura corporal, como cada personagem
deveria se portar perante sua personagem. Após a ação, o grupo analisou
que o caçador deveria manter uma atitude determinada, concentrada,
focada nos mínimos sons; a caça, de forma mais retraída, desconfiada,
assustada. Na repetição do exercício, uma nova dupla buscou aprofundar
aquilo que foi conversado. Em encontros posteriores, os jogos teatrais que
trataram dessa relação, tais posturas deste simples exercício puderam ser
recrutadas a retomada.
Quando se trata de seres humanos, tais posturas antagônicas já não
poderiam ocorrer. Um policial agindo em uma manifestação, por
exemplo, pode expressar medo, enquanto um guerrilheiro preso pode se
valer de sua ideologia para ter o mesmo olhar determinado diante de uma
eventual tortura.
Os encontros seguintes foram baseados em termos escolhidos
pelos estudantes, acerca do momento atual do país, no caso do terceiro
74

encontro, e ideias que eles julgavam pertinentes à compreensão da


Ditadura Civil-Militar no Brasil, no caso do quarto encontro.
No terceiro encontro a prática de Teatro Imagem levou um grupo
a questionar a sociedade atual através da ideia do “conflito”, termo
escolhido pelos estudantes. Segundo o estudante que interpretou um
policial, que deveria separar os intelectuais dos políticos e principalmente
do povo, o primeiro expressou medo de que os intelectuais influenciassem
o povo. Na discussão, foi analisado o fato de que, naquele contexto
encenado, os políticos estariam interessados em alimentar o conflito entre
a própria classe trabalhadora, para que esta não percebesse a possibilidade
de união contra a situação de opressão e precisasse do Estado. E, por isso,
os aparelhos do governo, como a polícia, teriam papel importante.

Tabela 7. Terceiro dia

Elementos Exercícios Teatrais


desenvolvidos
 Experiência do Teatro-  Exercício 1: pega bandeira;
Imagem: personagens  Exercício 2: aquecimento de
personificam conceitos, voz: inflar as costelas;
palavras, ideias, sentimentos;  Exercício 3: aquecimento de
 Nas possibilidades de voz: som forte e som fraco;
construção da peça, os  Exercício 4: aquecimento de
estudantes sugeriram montar voz: frequência;
cenas que fossem unidas pela  Exercícios temáticos na
temática escolhida por meio de modalidade teatro-imagem:
palavras/imagens. Palavra interpretada sobre o
contexto político atual. As ideias
expressadas foram: angústia,
medo, indignação, aflição,
cansaço.

No encontro seguinte, propôs-se um exercício empático com outro


termo elencado pelos estudantes, mas desta vez os aprendizes
selecionaram temas que os remetiam à Ditadura Civil-Militar no Brasil.
Houve um consenso em torno de quatro termos: censura, autoritarismo,
medo e desigualdade. A partir de então, foram divididas 4 equipes de 3 a
5 integrantes. Cada uma deveria construir uma imagem com uma das
palavras e em seguida, encenariam a partir da imagem.
75

Este jogo possibilitou a reflexão acerca da abordagem de Freire


(2014) a respeito da relação muitas vezes alienante entre opressor e
oprimido e a importância do processo de conscientização para superar o
embate entre os sujeitos aparentemente opostos. Pensando numa
hipotética vitória do oprimido, evitar que este se torne o opressor.
Mas tal resultado, como discutido anteriormente, parte do
movimento de reflexão e ação verdadeiramente dialogal. Boal destaca que
no TO, ao se levar uma questão para a cena, esta se torna um problema
coletivo, seja na apresentação à espect-atores, seja na própria construção
das ideias entre os participantes, através dos jogos teatrais. Isso
proporcionaria a elaboração de personagens coletivos, não encerrados no
processo individual do ator. Nesse sentido o grupo que elencou a palavra
“medo”, estruturou uma imagem onde três alunos sentaram-se no chão,
com expressão de medo, uma aluna colocou-se em cima de algumas
almofadas, para se pôr em um patamar superior e utilizou-se de outra para
simular agredi-los.
Nas discussões posteriores à apresentação da imagem, as outras
equipes concluíram que ela era o Estado, causando medo ao povo, a partir
da possibilidade de exercer força física sobre ele. A aluna que de fato
representava o Estado completou afirmando que ela também sentia medo
do povo e por isso acreditou precisar usar a violência para mantê-lo sob
controle.
Utilizando-se dos mecanismos do Teatro Fórum, os estudantes
foram convidados a modificar a imagem criada, dentro de uma
perspectiva que levasse a cena a uma conclusão que quebrasse a relação
entre opressor e oprimido. A primeira voluntária inferiu que as almofadas
simbolizariam o aparelho repressor do Estado, empurrando-o para longe
delas. Buscamos então provocar uma discussão sobre o que aconteceria
após esse ato. Alguém ocuparia aquele espaço? E o que faria para se
manter no poder? Ao final, perceberam que as estruturas poderiam
permanecer intactas, inclusive com os mesmos valores e mecanismos
opressores.
Outro estudante se juntou ao grupo que representava o povo e
convidou-o a cercar o Estado, mostrando-lhe que era maioria. Desta vez,
os observadores da cena questionaram qual seria a ação posterior à queda
do governo e não houve um consenso, já que o grupo se dividiu entre
elaborar em conjunto uma nova forma de poder ou manter a atual, porém,
com mecanismos claramente democráticos e participativos, presumindo
que o governo anterior havia sido eleito, mas não seguiu tais mecanismos.
Buscamos enaltecer a novidade ocorrida, com a busca por uma ação
76

conjunta do povo, o que iria requerer a superação do medo da repressão e


o reconhecimento do potencial transformador que possui o povo.
Partindo da proposta de Freire (2014), trouxemos a reflexão sobre
a forma como ocorreria a aproximação com o povo: quem faria? Quais os
objetivos? De que forma esse chamamento à ação ocorreria? O povo seria
ouvido? Como? São questões simples na sua elaboração, mas centrais
para a proposta de transformação social de Freire e Boal e logicamente
não esperávamos respostas definitivas, mas apenas provocar nos
estudantes a necessidade de reflexão constante quando fórmulas prontas
e até simples nos são oferecidas.
Tais questionamentos baseiam-se na necessidade manifestada pelo
autor da manutenção constante do diálogo e da reflexão como fatores
primordiais à ação. Já que, de outra forma, não se estaria incluindo o povo
no processo de mudança, mas desacreditando no seu potencial e
reproduzindo os mecanismos que o oprime; levando dessa forma ao
provável retorno à condição de submissão, já que em todo momento
estaria alienado da reflexão, sendo um mero braço da ação.
Com esse intento, segundo Freire,
A ação política junto aos oprimidos tem de ser, no
fundo, ‘ação cultural’ para a liberdade, por isso
mesmo, ação com eles. A sua dependência
emocional, fruto da situação concreta de
dominação em que se acham e que gera também a
sua visão inautêntica do mundo, não pode ser
aproveitada a não ser pelo opressor. Este é que se
serve desta dependência para criar mais
dependência (2014, p. 73).
Neste jogo ficou evidente o alerta de Freire para que o processo de
libertação não faça do oprimido mero objeto de ação libertadora de
outrem. Por outro lado, a Pedagogia do Oprimido (2014) deixa claro que
não há como se libertar sozinho. Então como evitar tais extremos?
O nono encontro foi pensado para retomar a relação com o corpo,
a partir da discussão sobre opressor e oprimido, incluindo nesse bojo um
aspecto particular referente à Ditadura Civil-Militar. Com esse intuito,
selecionamos o tema da tortura por entendermos que ele gerou sem dúvida
o exercício mais impactante do ponto de vista emocional durante o sexto
encontro. Nesta oportunidade entramos em contato com o ato em si, que
costuma provocar uma empatia instantânea quando se entra em contato
com os relatos daqueles que sofreram tal desumanidade.
77

Tabela 8. Nono dia

Elementos Exercícios Teatrais


desenvolvidos
 Desmecanização do corpo;  Exercício 1. Caminhar pela sala,
 Máscaras sociais; com variação de sentimentos;
 Relações opressor/oprimido;  Exercício 2. Diálogo abstrato
 Relações de opressão no (com números);
contexto da ditadura.  Exercício 3. Construção de cenas
em duplas sobre as relações de
opressão, a partir da situação
específica do ato da tortura.

À luz da proposta inicial, buscou-se analisar o tema sob uma outra


perspectiva: se há tortura, há um torturador, então quem é esse indivíduo?
No contexto da ditadura ele se percebia em um contexto macro, ou estava
mais ligado ao seu cotidiano? Até que ponto a ausência de
conscientização, como proposta por Freire (2014), poderia não só
naturalizar suas ações, mas também fazer a sociedade enxergá-las como
naturais e até necessárias dentro de um contexto ideologicamente
segregado de forma maniqueísta? Tal e qual a defesa da tortura, uma série
de outros discursos desumanizantes evidenciam que a humanização dos
indivíduos, que levaria à superação da relação entre oprimidos e
opressores, através da conscientização, tem a empatia como uma forte
aliada.
Estudar tal fato histórico a partir dessa ótica implica preparar os
sujeitos para colocarem-se enquanto partícipes de outro momento
histórico, mas que pode conter elementos semelhantes à ditadura. E por
tal escopo, a práxis freiriana, norteada pelo movimento constante de
reflexão e ação, tem nos jogos teatrais um aliado capaz de promover o
encontro entre empatia, conscientização e humanização.
Após os exercícios preparatórios, sugerimos a leitura do texto “A
Vida Profissional/2” (Galeano, 2007, p. 104). Em seguida a uma breve
discussão, na qual provocamos o encontro entre os elementos elencados
pelos estudantes com o pensamento freiriano sobre sociedade opressora.
Constataram inicialmente que o texto tratava sobre naturalização das
ações, como o indivíduo poderia ter faces diferentes em diferentes
contextos. O debate chegou em um ponto comum com nosso estudo, o de
que não é o opressor que cria o sistema opressivo, e esta não é uma
78

condição natural e nem monolítica. Ao ser incapaz de conscientizar-se e


humanizar-se, o indivíduo torna-se impossibilitado de perceber que o
mesmo sistema que o torna opressor em um espaço, pode fazê-lo
oprimido em outros. O texto de Galeano (2007) encerra-se inclusive com
uma referência a um torturador que se sentara ao lado do torturado,
tremendo de dor e ensanguentado, para lamentar sua vida familiar
suburbana e seu chefe no exército (anexo B).
Na prática teatral sugerida, os estudantes simularam a cena de
diálogo durante a tortura, buscando criar as personagens, tanto
fisicamente, quanto lhes dando uma história de vida, um conjunto de
crenças, sonhos, frustrações. Nosso foco era construir um conjunto de
reflexões e sensações que os levassem a reflexionar sobre as pessoas que
fazem a história. E sobre como até mesmo um ato hediondo como a
tortura, não existe por si só, é praticado por sujeitos que têm uma vida
para além daquele momento e podem, no cotidiano de sua existência
desumanizada, legitimar e naturalizar tal prática, tendo para ele sua
importância ainda mais diminuída pelo peso da memória.
No quinto encontro, a equipe que deveria articular uma cena sobre
a censura criou uma situação que envolveu diferentes espaços, tendo
como elemento comum a forma como a censura afeta na formação do
indivíduo. Uma jovem se dirige para a aula e encontra um mendigo, dois
policiais a interpelam e se referem ao indivíduo chamando-o de
vagabundo e perguntam se ele a incomoda. Intrigada, a menina pergunta
aos policiais, depois ao professor e, por fim, aos pais, o que é ser
vagabundo, sendo ignorada por todos eles, por ser uma criança.
Outro estudante interpretou um personagem subjetivo, que seria a
consciência alienada dos outros personagens. Ora ele lhes tapava os
ouvidos, ora impedia que alguém visse, inclusive afirmando ideias
prontas e clichês que limitariam o poder reflexivo dos personagens. No
fim, a menina é vencida por não ter tido nenhum espaço de
questionamento nos ambientes sociais e acaba também banalizando a
desigualdade e volta-se apenas aos seus problemas particulares.
No debate, a equipe afirmou ter buscado mostrar como a censura
pode ser mais fluida, atuando em cada sujeito e multiplicando-se na
sociedade pela ausência de prática reflexiva – alimentada por uma visão
determinista dos meios de comunicação e pelo próprio excesso de
informações – que poderia funcionar como uma espécie de censura – e
atingir de forma significativa todos os indivíduos, especialmente aqueles
em formação escolar.
Ao apresentar as cenas elaboradas previamente, o grupo que ficou
com a palavra autoritarismo, montou uma entrevista de emprego. O
79

empregador sentou-se em uma cadeira, enquanto os entrevistados


colocaram-se no chão. Entre aqueles que procuravam emprego, estava um
poeta, uma administradora, um jovem de classe abastada sustentando pela
família e uma mulher desempregada com três filhos.
Durante a entrevista, o empregador tratou-os de forma grosseira,
usando de ironia para rebaixar os postulantes à vaga, que nada poderiam
dizer por buscarem o emprego. Nas discussões com todo o grupo,
debateu-se o fato de ele se colocar numa posição superior, usando a
cadeira e o fato de olhar para baixo, enquanto os candidatos no chão
precisavam olhar para cima, criando uma hierarquia através da imagem.
Na fala do empregador, a ironia foi uma constante, a intenção da equipe
foi utilizá-la para estabelecer o poder.
Utilizando-se da complexidade das relações entre opressor e
oprimido, nas discussões os grupos que observavam a cena afirmaram que
a ironia poderia ser um artifício do empregador para aliviar as tensões da
sua própria condição de oprimido, já que o opressor de alguém é quase
sempre oprimido por outro e na necessidade de não se sentir submetido,
acaba perpetuando essa relação naqueles que considera mais frágeis em
determinado ambiente. O objetivo da cena era, segundo os próprios
integrantes, fugir do óbvio. A discussão caminhou no sentido de pensar a
repressão como algo diluído em todos os momentos da vida em sociedade,
em todas as esferas.
Até aqui, neste capítulo, discutimos como as práticas teatrais
contribuem para refletir sobre as condições sociais e nosso papel nesta
sociedade; e como na escola, as relações estabelecidas entre os sujeitos
devem levar à prática reflexiva associada à necessidade de agir para nos
transformar e modificar a própria educação. O diálogo proposto por Freire
(2014), como sendo a única forma sincera de estabelecer conexões que
levem ao aprendizado mútuo, foi fundamental para entender como os
estudantes compreendem a participação dos agentes históricos no seu
tempo.
O caminho, como já abordado anteriormente, é o diálogo
verdadeiro, o qual parta da crença de que o conhecimento produzido pelos
oprimidos pode participar ativamente do processo de mudança. E, se
partimos do princípio de que as relações de opressão transcendem os
atores do processo, acrescentaríamos a necessidade de incluir aqueles
considerados opressores na construção do diálogo. Até porque, segundo
Boal (2012), mesmo um sujeito de classe média, visto como opressor por
muitos, precisaria aprender a lidar com o seu “tira na cabeça”, reprimindo-
o e talvez o impedindo de ver o ser humano como tal, em primeiro lugar;
antes de enxergar nele um potencial agressor e uma ameaça à sua
80

segurança, como ocorre com presidiários ou pessoas que vivem em áreas


economicamente desfavorecidas.
Assim, não devemos “depositar” no oprimido uma “propaganda
libertadora”, doando para ele os mecanismos para sua libertação, mas
acreditar que tal objetivo seria alcançado enquanto fruto de sua
conscientização. Haja vista que esta mantém necessariamente a reflexão
enquanto movimento constante, já que a realidade é modificada quando
tomamos consciência dela, mas ao mesmo tempo, tal consciência nos leva
a crer que também somos influenciados por ela.
Dessa maneira, acreditamos que se teria sido infrutífero estabelecer
uma relação entre passado e presente sem acessar primeiramente os
conhecimentos tácitos dos sujeitos. Só foi possível promover o constante
diálogo entre a reflexão teórica e as experiências dos indivíduos com o
passado e o presente, por termos nos afastado das práticas bancárias
mencionadas por Freire (2014). É sobre como as práticas teatrais
contribuíram para entender e aperfeiçoar o grau de empatia histórica dos
estudantes, partindo do conteúdo proposto, que passamos a analisar neste
momento.
É por esse motivo que a empatia histórica alavanca tal discussão.
Ela não faz com que concordemos com um acontecimento histórico pelo
fato de conhecermos seus meandros, mas estabelece uma real conexão
entre os indivíduos no tempo.

4.3 Práticas teatrais e empatia histórica

Quando propomos a discussão a respeito do momento em que


ocorreu o golpe civil-militar no Brasil e seus desdobramentos nos anos
que seguiram à implementação do governo, havia certa dificuldade de
entender a ideia de ditadura ligada a outros grupos além dos militares.
Acreditamos que a força da expressão “ditadura militar”,
apresentada nas salas de aula e nos meios de comunicação, como sendo
um período repressor – diferente do atual –construído e executado
exclusivamente pelas Forças Armadas: a) dificulta a percepção da
influência decisiva de setores empresariais ao longo de todo o processo e
com setores da sociedade como latifundiários, Igreja, parte da classe
média, e mesmo influência estrangeira, no momento da derrubada do
governo João Goulart; b) torna o autoritarismo um fenômeno restrito ao
governo, jogando sombras sobre as práticas autoritárias e
discriminatórias, que já ocorriam em uma sociedade conservadora e
poderiam ser potencializadas por esse modelo de Estado, mas não
necessariamente nascida dele; c) pode inibir a percepção de que algumas
81

ações contrárias às práticas democráticas não são atreladas à Ditadura


Civil-Militar e, por conseguinte, não se encerraram com o seu fim.
A respeito do primeiro aspecto levantado, acreditamos que o
evento histórico pode ser visto como algo necessariamente ligado a
agentes históricos de um determinado fato, tirando-o de contexto mais
amplo. E como discutimos no capítulo anterior, esse grau de empatia
histórica dificulta consideravelmente a análise de processos históricos, na
qual houvesse mudanças mais lentas. Dessa maneira, o estudante ficaria
preso à relação de causa e consequência imediata, conforme se constatou
no exercício escrito realizado durante o quinto encontro (anexo C), no
qual os alunos responderam à questão: “Que fatores tornaram possível o
golpe de 1964”? Apesar da maior parte das respostas terem sido
genéricas, pudemos perceber claramente que quase todos os estudantes
consideraram o golpe como sendo fruto exclusivo da força militar
existente e/ou da ineficácia de uma contrarreação por parte dos grupos
opostos. Deixando de lado quaisquer relações com outros setores internos
que poderiam ter interesse, influências de outros países, além da
conjuntura mundial da Guerra Fria.
Nos estudos realizados em Portugal pela professora Maria do Céu
Pereira (2003) com estudantes entre 12 e 17 anos, a respeito da escravidão
na antiguidade, constatou-se que na faixa etária dos 14 e 15 anos as
mudanças ocorridas na história estão associadas a líderes ou grupos
específicos, sem ligação com o contexto vivenciado e as transições que se
processam de forma mais brandas.
Já entre estudantes de 16 e 17 anos, houve a percepção de que o
comportamento dos agentes históricos era obra do seu contexto social e
tempo histórico específico, mas que havia também a presença de
elementos idiossincráticos dos sujeitos.
Daí que reconhecem não apenas a existência de um
comportamento social padronizado, mas também a
coexistência deste com uma pluralidade de
comportamentos sociais que dependem por sua vez
do estatuto econômico e social dos atores
individuais. Reconhecem que para estas exceções
comportamentais existirem, é importante a história
pessoal e o tipo de atividade que aqueles
vivenciaram (PEREIRA, 2003, p.272).
Quando colocados diante de uma situação cênica durante o nono
encontro, consoante mencionado anteriormente, em que um torturador
deveria conversar com um sujeito que havia sido por ele torturado, houve
82

a busca, por parte da estudante que interpretou o torturador, pelo


estabelecimento de uma personalidade para além da função exercida.
Apesar de utilizar argumentos que legitimassem aquela prática, como por
exemplo, a ideia de que era sua profissão e que se ela não fizesse alguém
o faria, a discente procurou externar certo conflito em sua atuação,
demonstrando não estar certa naquela atitude. Tal fato é corroborado
quando ela aparenta querer o perdão do torturado.
Logicamente a prática da tortura é hedionda, mas ao tentar
compreendê-la a partir do ser humano responsável por sua prática, os
estudantes promoveram elementos de uma história pessoal, específica,
que poderia inclusive ter gerado em cena a possibilidade de exceção.
O momento levou um dos estudantes a questionar: “Quantos
militares não abandonaram a farda por não concordar com essas
práticas?” Diante do exposto, entendemos que durante as discussões desta
dinâmica teatral, percebemos que houve entre alguns alunos presença de
elementos que Peter Lee (2003) colocou em sua pesquisa como sendo o
mais alto grau de empatia histórica, por entender que neste ponto, o
indivíduo se torna capaz de avaliar as condições materiais experimentadas
pelos agentes históricos, tomando por base o impacto que o fato teria no
seu comportamento diário, na sua forma de pensar e de sentir.
Sobre o segundo ponto, ao realizarmos as práticas do teatro
imagem que envolviam a Ditadura Civil-Militar (no caso do quarto
encontro) e criação de cenas (no quinto encontro) os estudantes
utilizavam a força do Estado para retratar o autoritarismo. Em ambos os
encontros mencionados, percebeu-se que em praticamente todas as
palavras utilizadas no teatro imagem e nas cenas, a figura do policial foi
uma constante. Inclusive por parte de um dos grupos que, ao encenar a
desigualdade durante o quinto encontro, criaram um personagem em
situação de mendicância, a pedir esmolas e duas transeuntes de classe
média que conversavam indiferente à situação. Quando estas se sentiram
incomodadas pela abordagem, pediram ajuda a um policial. Durante a
discussão, afirmou-se que a figura do policial serviu de referência
histórica para o período da Ditadura Militar.
Percebemos que conforme apresentado por Peter Lee (2003),
mesmo o estudante tendo clareza sobre a relação entre passado e presente,
podemos explicar os eventos do passado a partir de estereótipos que lhes
parecem adequados. Neste caso, se há uma “ditadura militar”, parece
evidente que todo o autoritarismo do período foi praticado pelas Forças
Armadas.
Já a respeito do terceiro ponto levantado, a equipe que encenou a
ideia de autoritarismo, através de entrevista coletiva de emprego –
83

atividade já mencionada anteriormente – ao ser questionada pelos colegas


a respeito da ausência de referências à Ditadura Civil-Militar, afirmou que
a opção por fugir do óbvio seu deu para que fossem pensadas as relações
autoritárias para além das afinidades com o Estado.
Dessa maneira, segundo a equipe, o autoritarismo poderia aparecer
como algo diluído em todos os momentos da vida neste modelo social.
Em parte, reproduzindo as práticas repressivas que estão dispersas em
todas as esferas, passando por relações familiares e mesmo o próprio
Estado. Apesar da discussão prévia sobre a ditadura ter sido negligenciada
na cena realizada, o que daria subsídio para analisar sua relação com os
conceitos substantivos, destacamos aqui o esforço da equipe para analisar
as relações sociais possíveis a partir da ideia sugerida. Porém, entendemos
que quando se trata de analisar o grau de empatia histórica, não é possível
fazê-lo sem a referência clara ao evento analisado dentro do seu tempo.
Um estudo preliminar descrito por Peter Lee (2006), entre jovens
ingleses na faixa dos dezoito anos apontou dados que indicam que mesmo
em instituições de ensino consideradas de destaque, a elaboração
temporal sobre conceitos substanciais pode ser bastante deficitária. E
nesse mesmo movimento, houve uma considerável parcela de estudantes
que não conseguiu ver relevância no estudo de História para contribuir na
análise de uma eventual escolha eleitoral, por exemplo. Na situação
demonstrada anteriormente, a ausência do tempo na análise dificulta a
diferenciação entre os elementos que são próprios ao tempo e aqueles que
fariam parte de outro processo de longa duração.
Peter Lee (2006) ainda aponta no referido estudo que, mesmo os
estudantes conseguindo se orientar no tempo, pode não haver garantias de
que a educação histórica se dará de forma adequada e determinado
conhecimento histórico será incorporado à sua reflexão sobre o seu
cotidiano e o mundo fora da escola.
Durante os encontros 3, 4 e 5, os estudantes concluíram que havia
uma conexão entre os termos elencados para as cenas, por acreditarem ser
difícil, por exemplo, manter a desigualdade sem um tipo de autoritarismo,
ou que a censura poderia alimentar o medo. Entretanto, durante o quinto
encontro, um deles levantou a discussão de que isso poderia ocorrer
durante a ditadura, mas atualmente seria impossível fazer essa ligação,
visto que a desigualdade estaria muito menor do que na época, já que as
estruturas democráticas estariam garantindo não só o combate à
desigualdade, mas também a possibilidade de realização de
manifestações, sem a ocorrência de repressão. Ou seja, expressou dessa
maneira a crença de que a ausência de elementos autoritários praticados
na época da ditadura, seria a garantia da inexistência do autoritarismo.
84

Assim como ocorreu com o autoritarismo, a censura foi


desenvolvida no quarto encontro, através do teatro imagem e no quinto, a
partir de uma cena. No primeiro caso, dois alunos fizeram uma barreira,
dificultando a fala de outra aluna que estava atrás destes. Eles,
representando os meios de comunicação, colocaram-se com expressão
firme e forte para impedi-la de ser notada por outro estudante que se
colocou à frente, sentado com um controle remoto à mão.
Quando a aluna finalmente se liberta da mídia, ela cai de joelhos
diante do telespectador, que não sabe como agir. Segundo a equipe, a
proposta foi discutir como a censura não se limita à ação de impedir a
fala, mas muitas vezes distorcer o que é transmitido.
Após esta apresentação prévia, os estudantes foram convidados a
modificar a cena. A pessoa forçou passagem entre os alunos que
representavam os meios de comunicação para soltar a menina. Mas para
os membros do grupo uma parte importante do problema não foi
questionada: a condição do telespectador permaneceu inalterada.
Um segundo estudante ajudou o telespectador a se levantar e
convidou-o a se aproximar do que ocorria diante da mídia, tirando-o da
condição de imobilismo e levando-o a romper o “cerco da mídia” e indo
ao encontro da pessoa que sofria censura. Partindo da discussão do grupo,
chegou-se à conclusão de que um dos papeis da censura durante a
ditadura, foi o de impedir que setores populares reconhecessem uma causa
conjunta, fragmentando interesses e dificultando uma ação.
Em consonância com um dos estudos de Peter Lee (2003),
conforme apresentado no capítulo anterior, percebemos que em alguns
estudantes persiste a visão proveniente do senso comum que indicam uma
ideia de progresso, notadamente o tecnológico, compara sempre o
passado com o presente, e tratando os agentes históricos como sendo
menos inteligentes do que as pessoas no presente.
Assim como a discussão sobre autoritarismo apresentou o
momento atual como democrático e, portanto, livre de práticas
autoritárias ligadas ao Estado, ao discutir sobre a censura, um dos
estudantes afirmou concordar com a cena, caso as referências tratassem
exclusivamente da época da Ditadura Civil-Militar, mas não viu
possibilidade de existirem no tempo presente. Para tanto, ele citou o
advento da internet, que teria se tornado um empecilho para a
manipulação, já que se estaria livre para comprovar as informações e
chegar à verdade. Bem como impediria que os meios de comunicação
barrassem a tentativa de chegar ao espectador. Além de perceber o
passado como sendo incompleto em comparação ao presente, ele ainda
manifestou outra face do senso comum, geralmente atribuída a sujeitos
85

mais jovens: a possibilidade de se chegar à verdade através de


documentos.
Além do senso comum associado ao progresso, é preciso levar em
conta que, por estar em uma fase de formação da sua identidade, esse
jovem já possui conhecimentos históricos que precisam ser respeitados,
por fazerem parte de quem ele é naquele momento. No processo de
desenvolvimento da empatia histórica, pode ser necessário confrontar
valores que o estudante acredita ser parte estrutural da formação de seus
valores. E, por se tratar de elementos do senso comum, que segregam
passado e presente, a argumentação que se valha de processos históricos
para explicações de fenômenos do seu cotidiano, pode dificultar sua
compreensão.
Da mesma forma, a professora Maria do Céu Pereira (2003) afirma
que ao apresentar suas práticas didáticas em detrimento da visão de
mundo do estudante, o professor provoca um conflito cognitivo por
questionar tais visões. Entre as consequências possíveis, o sujeito pode
até recorrer a elementos fragmentados do passado, desde que estes
confirmem suas verdades já estabelecidas. No mesmo sentido, ao
confrontar seu conhecimento tácito com informações sobre o passado que
lhe seja antagonista, ele pode olhar para os novos dados apresentados de
maneira muito mais crítica do que em relação ao seu conhecimento.
Dessa maneira, à luz das pesquisas de Peter Lee (2006),
acreditamos que alguns desses jovens apresentaram em determinados
momentos um baixo nível de empatia histórica. De todas as análises do
autor que tivemos contato, um dos níveis mais elementares ponderava
sobre a incapacidade de utilizar-se de elementos do passado para
relacioná-los com o presente, como no caso em que foi apresentada a
temática da desigualdade, no quarto encontro. Uma estudante colocou-se
no chão, com um caderno em mãos e dois outros estudantes apontando
para ela, com olhar de desprezo e superioridade. A equipe que montou a
imagem e a cena mencionou que aquela no chão era uma poetisa e que
todos ali até poderiam ter um mesmo patamar econômico, mas a escolha
profissional dela a colocava num status inferior naquele ambiente. A
discussão se direcionou para formas de desigualdade (de oportunidades,
de escolaridade, de gênero, de etnia, de renda). Analisamos também a
quem atendia a reprodução de tais práticas e possíveis formas de superá-
la.
Nesse momento, dois dos alunos criticaram tal visão, por entender
que apenas em um passado muito remoto haveria a impossibilidade de
ascensão social. Mas hoje em uma sociedade liberal e capitalista, isso
seria fruto apenas da escolha pessoal e do esforço. Ao serem confrontados
86

pelo restante do grupo acerca de movimentos históricos que sobrepunham


alguns grupos sobre outros, eles valeram-se de exemplos pessoais para
justificar suas posições.
Faz-se, porém, necessário ressaltar que, nos estudantes que
percebemos isso, não constatamos a presença de tal grau de empatia
histórica em todas as discussões. Ficando restrita a situações em que
claramente seus valores haviam sido confrontados pelas cenas ou análises
posteriores. Nesses casos, ficava evidente a análise feita por Pereira
(2003), no que diz respeito a uma maior criticidade sobre os elementos do
passado que questionassem seus conhecimentos e à fragmentação do
passado como forma de retirar dele a legitimação para as suas verdades.
Apesar de facilmente questionável, a crença na existência da
verdade nas fontes históricas é bastante comum em indivíduos com baixo
grau de empatia histórica. E isto faz com que a discussão do professor se
transforme em “testemunho de segunda mão”, frente, a documentos que
lhes parecem muito mais confiáveis (LEE, 2006). De acordo com o
projeto CHATA, muitos estudantes agem a partir da forma como o
passado é construído no seu cotidiano, a partir de elementos que eles
possam ter em mãos naquele momento.
Quando trabalhamos com fontes históricas, utilizamos as práticas
teatrais como subsídio para que os estudantes recrutassem sua imaginação
e produzissem narrativas a partir daquele material referente à ditadura. Ao
longo do processo buscamos estimular os grupos na preparação das
práticas teatrais e nas discussões posteriores, para que questionassem os
documentos, de forma a perceber que ele é fruto de um determinado
contexto e atualmente estamos analisando suas informações a partir do
filtro daquilo que transcorreu desde o evento histórico até os dias de hoje.
Percebemos assim que as dinâmicas proporcionadas pelas práticas teatrais
deixaram claras que a análise do material proposto era o grande objetivo.
Com esse intuito, no sexto encontro, foram entregues recortes de
jornais da época favoráveis ao golpe de 1º de abril de 1964 (anexo D). As
equipes deveriam selecionar um ou mais textos para se apropriar dos
discursos acerca do contexto. O objetivo era se apropriar do teor da notícia
(imperativa, irônica, analítica etc.), sem reproduzi-la, imaginando ideias
que poderiam ser acrescidas. Cada um faria uma breve fala (uma frase,
uma ideia, um pensamento, uma postura corporal) e daria a vez para o
seguinte que continuaria a comunicação. O objetivo foi criar um fluxo de
pensamentos sobre o tema, no qual a fala de um influenciaria a do outro,
criando um “clima de opinião pública” que se estabeleceu em parte da
população naquele momento.
Entre as ideias construídas, destacamos:
87

- Finalmente. A direita está tomando o poder, não há


como negar.
- Eu não aguento mais, o que essas pessoas têm contra
a minha família, a minha Igreja? Chega de socialismo nesse
país.
- Esse João Goulart, esse comunista! Está muito
desleixado com o nosso país, ele não merece o lugar onde
está.
- Não merece? Não merecer é pouco! O comunismo
está aí, o socialismo está aqui, está em todos os lados! E ainda
dizem que é errado os militares assumirem o poder. É
errado?!
- Vejam o que está acontecendo com Cuba. Cuba está
dominada por comunistas!
- Já passou da época desse cara. Falar em socialismo,
comunismo, isso vai levar o Brasil para a frente? Me digam
se vai!
- Essa militância de esquerda tenta pegar o poder já faz
muito tempo. Acho muito bom o que está acontecendo.
- Esses comunistas não podem mandar na gente? Eu
não aturo mais isso. Vocês acham que o mundo atura? A gente
tem que pisar neles, para mostrar como a gente é.
- Nós estamos num regime ditatorial de esquerda. Não
há democracia com João Goulart!
- Essa tensão política. As pessoas na rua discutindo a
todo momento o que é certo e o que é errado. O que é certo se
chama exército!
Durante a análise, uma das estudantes afirmou que tanto as
notícias, quanto as encenações criaram um clima negativo que talvez
tenha aumentado por si só a crise naquele contexto. Outro estudante
destacou que a fala coletiva parecia de fato a opinião de uma única pessoa,
mas saída de vários indivíduos que provavelmente julgariam ter
autonomia e pensamento crítico. Diante dos questionamentos, um dos
estudantes lembrou o próprio peso dos meios de comunicação, que
cercavam a sociedade com respostas prontas e soluções aparentemente
fáceis. Procuramos destacar que, para além do juízo de valor sobre a
sociedade naquele momento, os textos jornalísticos criaram informações
que podem ser tomadas como verdade por muitos grupos.
88

No encontro seguinte, após analisarmos o conteúdo das Reformas


de Base proposta por João Goulart14 e da Marcha da Família com Deus
Pela Liberdade15, contrária ao governo, retomamos os discursos de
diversos jornais contrários ao presidente, analisados no encontro anterior.
Como fechamento da discussão, propomos um breve jogo teatral que
consistia em criar dois grupos antagônicos, um pró e outro contrário ao
governo. Estes grupos deveriam se encontrar enquanto manifestavam nas
ruas suas opiniões.

Tabela 9. Sétimo dia

Elementos Exercícios Teatrais


desenvolvidos
 Desmecanização do corpo;  Exercício 1. Movimentos
 Máscaras sociais; circulares – massagem;
 Aprofundamento do conceito  Exercício 2. Saltos e sons;
substantivo.  Exercícios 3. Caminhar a partir
das expressões: opressão, medo,
desigualdade, censura;
 Exercício 4. Alto e baixo status;
 Exercício 5. Cena:
manifestações pré-golpe de
1964.

Durante a atividade, a Marcha focou-se nos direitos individuais


como a propriedade privada que, segundo eles, estariam ameaçados. Já o
grupo favorável ao presidente João Goulart e as Reformas de Base,
buscaram argumentar que seria um equívoco por parte da Marcha
reivindicar apenas para si os valores da família, da religião e
principalmente da liberdade e que tal prática já demonstrava o caráter
autoritário e opressor do movimento contrário às Reformas de Base.

14
Texto base disponível em:
http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/Jango/artigos/NaPresidenciaRepublica/A
s_reformas_de_baseAcesso em: 25 mar. 2016
15
Texto base disponível em:
http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/Jango/artigos/AConjunturaRadicalizacao
/A_marcha_da_familia_com_Deus Acesso em: 25 mar. 2016
89

Os documentos não falam por si só e além de serem passíveis de


interpretações realizadas a partir do lugar da fala dos sujeitos (classe
social, profissional, institucional), também pode haver a inobservância,
proposital ou não, de outras fontes que confrontariam aquele pensamento.
Como já ressaltado anteriormente, a partir das pesquisas de Pereira
(2003), em um determinado grau de empatia histórica, os indivíduos
podem agir com profunda criticidade em relação a documentos que
discordem de seu conhecimento tácito e serem mais brandos com aqueles
que justifiquem sua visão de mundo.
Por isso, ao “vivenciar os documentos”, ou seja, agir com palavras
e com o corpo de maneira a dar vida às informações presentes nele, os
estudantes puderam experimentar possíveis incoerências e
inconsistências das informações, sobretudo quando confrontados pelos
próprios colegas, os quais lhes ofereciam contrapontos a seus discursos.
Quando se apropriaram das informações desta maneira, os alunos
estiveram muito mais sensíveis e alertas para o fato de que aquela verdade
descrita era apenas uma das percepções possíveis. Fato que pôde ser
comprovado pelos questionamentos e colocações nestes e em outros
exercícios.
Percebendo que o grupo estava muito mais disposto a debater do
que realizar jogos teatrais procuramos retomar o exercício escrito, em que
muitos, além de defenderem a visão de que a força dos militares foi a
única responsável pelo golpe, afirmaram que os militares obtiveram
sucesso pelo fato de serem um grupo homogêneo quanto às suas práticas
e valores, em contraposição àqueles contrários ao golpe. No encontro
anterior, quando houve o debate sobre a manifestação encenada, tal
argumento surgiu como fator que levaria à derrota dos apoiadores do
governo João Goulart.
Procuramos então analisar brevemente como o Estado ditatorial
estabelecido em 1964 sentiu a necessidade de intensificar os órgãos de
repressão e justificá-los a partir da necessidade de segurança nacional,
diante de constantes “atos subversivos”, contrários ao governo pós 1964.
Mesmo que tais medidas, ligadas ao AI-5 tenham sido tomadas em 1968.
Por isso, trouxemos o preâmbulo do Ato Institucional Nº5 (anexo E) e
alguns trechos de entrevistas (anexo F) com depoimentos de vítimas
militares da ditadura16, além de trechos do livro AI-5: a opressão no

16
Disponível em: <http://www.cnv.gov.br/todos-volume-1/654-
v%C3%ADtimas-militares.html> Acesso em: 28 mar. 2016
90

Brasil17 (CONTREIRAS, 2010), que foram lidos em conjunto para depois


serem discutidos.
A constatação da existência de forças internas antagônicas serviu
de munição para que os estudantes, gradativamente, desmascarassem os
discursos políticos que alimentam a simplificação de forças, colocando
frente a frente naquele contexto o Estado e as forças contrárias a ele. Tal
prática maniqueísta e, por vezes ufanista, acaba justificando quaisquer
atos em virtude da existência de um mal, representado pela esquerda e
pelo comunismo. A tentativa de se estabelecer uma uniformidade das
causas do Estado durante a ditadura pode servir também a determinados
grupos e indivíduos que almejam transmitir a ilusão de prosperidade e
harmonia das forças que fizeram parte daquele regime. E, confrontando o
conteúdo do AI-5 com o teor das entrevistas, os estudantes puderam pelo
menos questionar tal homogeneidade, na medida em que muitos militares
afirmam haver diversas discordâncias na alta cúpula do governo, além de
existirem depoimentos em que asseguram ter sido o próprio governo que
se utilizou do terror e medo, através de explosões, para alimentar a
insegurança do povo e legitimar tal ato.
Esta breve reflexão acima serve de subsídio para que entendamos
como o senso comum sobre o tema, estimula até hoje a fragilização da
educação histórica neste aspecto. O modelo de progressão proposto por
Peter Lee (2003), a partir da pesquisa realizada, apresenta no seu quarto
nível a categoria da empatia histórica em que “a tensão entre a assimilação
das crenças e práticas do passado e as dos nossos dias e a inovação de um
passado deficitário é (parcialmente) resolvida” (2003, p. 26). Neste
patamar, os estudantes conseguem compreender as ações e práticas dentro
de um tempo histórico diferente do seu. No entanto, utilizam estereótipos
como mediadores para o entendimento do passado. Mesmo sendo
variáveis entre os diferentes grupos de estudantes, “a questão é que os
alunos tendem a explicar o comportamento passado por referência aos
estereótipos disponíveis” (LEE, 2003 p. 26).

17
O livro, dividido em pequenos capítulos, contém um conjunto de relatos de
diversos episódios vivenciados pelo jornalista Hélio Contreiras, além de
entrevistas com personagens diretamente envolvidos. Na ocasião da análise
feita com o grupo, discutimos os trechos que comentavam a respeito da pressão
sobre Costa e Silva para decretar o AI-5, além de relatos de militares que
afirmaram não haver consenso, mesmo entre as forças militares, para
decretação do Ato. Nas palavras do Coronel Tito Avillez não havia a
necessidade “de levar o país a um novo retrocesso” (CONTREIRAS, 2010, p.
37).
91

Através do debate que se estabeleceu, pudemos perceber que o


grau de desenvolvimento da empatia histórica dos estudantes, dificultava
a compreensão dos embates existentes dentro das próprias Forças
Armadas, passando a imagem de um bloco conciso e harmônico. Isso
pode ser motivado por práticas recorrentes de padrões explicativos que
simplificam as estruturas de determinados fatos históricos. A respeito
disso, é importante ressaltar que tais padrões, associados a modelos
convencionais de ensino, podem se fazer necessários, por fornecer um
quadro geral para compreensão dos fatos.
Além disso, ícones sociais criados nas últimas décadas em torno
da Ditadura Civil-Militar no Brasil, que bombardearam os meios de
comunicação com a imagem de uma ditadura monolítica, sem variações
e enfrentamentos internos por parte dos grupos dirigentes, colaboram para
tal apreensão.
Por mais que pareça um detalhe mínimo dentro de um contexto
muito mais complexo, artifícios como este têm servido de arma para
aqueles que se aproveitam do passado, valendo-se de uma educação
histórica ainda deficitária, para manter sua hegemonia. É nesse sentido
que a empatia histórica pode dar valiosas contribuições para a formação
de sujeitos mais atentos ao seu passado e à sociedade em que estão
inseridos.
92
93

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proposta de trazer para o “palco” (seja no espaço teatral, na sala


de aula ou mesmo na rua) os espectadores por meio de uma prática
provocativa e desalienante das ações, exige que o grupo envolvido com
tal preparação, esteja integrado a todo o processo e muito atento para que
os improvisos necessários sigam os objetivos definidos. Assim, esse
método de fazer teatro lida com a elaboração de um corpo extra-cotidiano
para o ator, ou seja, um corpo que é preparado para atuar, mas ao mesmo
tempo não está protegido por situações coreografadas, lidando
diretamente com o cotidiano de espectadores que podem, ou não, saber
que estão participando de uma discussão cênica. Acreditamos que as
inseguranças para a realização do estudo, embora bastante presente nos
primeiros momentos, foram gradativa e rapidamente sendo vencidas.
Vale ressaltar que o grupo composto para este estudo contempla
estudantes que voluntariamente se colocaram à disposição para as práticas
teatrais, de uma forma mais ampla, e as discussões sobre ensino de
História mais especificamente.
O fazer teatral através de jogos tornou-se assim um desafio
assumido pelos estudantes desde o início, permitindo que possíveis
incompreensões quanto a práticas ou objetivos pudessem ser rapidamente
superados; de maneira que o andamento das ações pudesse realmente
ocorrer a partir do movimento inicialmente proposto, baseado na
organização, ação, reflexão e reorganização.
O vasto repertório de exercícios possíveis permitiu que os
estudantes se integrassem à proposta na medida em que foram adquirindo
segurança. No momento de discutir os resultados e introduzir as temáticas
pensadas para o dia, pudemos perceber que o exercício de experimentar
um fato específico e determinado ponto de vista a partir de documentos,
trouxe uma nova perspectiva para aqueles jovens. As informações
oferecidas ganharam significado a partir da incorporação dos seus
conhecimentos tácitos, da sua interpretação, ao produzirem narrativas.
A respeito do papel do professor no processo educacional, por mais
que este seja provocado a repensar suas práticas, é sempre um desafio
rever-se perante o processo educacional. E repensá-lo passa a ser
reconfigurar os papeis dos indivíduos nos locais de aprendizagem e na
própria sociedade. Para tal objetivo, o papel da metodologia adotada fez-
se fundamental, pois ela exigiu uma atenção redobrada em todos os
momentos do processo, já que previamente sabia-se que a organização
estabelecida seria inevitavelmente afrontada pela ação e demandando
94

novas reflexões que levassem à reorganização. Logo, sabia-se de antemão


que o repensar as práticas seria uma obrigação, gerando necessidade de
mudanças, a única certeza.
Partindo desse movimento realizado, ao refletirmos sobre as
dinâmicas cotidianas da sala de aula, tornou-se inevitável pensarmos no
quanto o excesso de informações pode se tornar uma obsessão nociva ao
ensino, seja para “vencer o conteúdo”, ou na busca por rendimento escolar
associado a resultados quantitativos. Para Jorge Larrosa Bondía (2002), o
saber da experiência não é o mesmo que saber coisas. Este último se
configura exatamente pelo acúmulo de informações, sem que criem
vínculos com quem as obteve, sem que tenha realmente acontecido algo.
As palavras tornam-se assim objetos ocos, sem sentido, sem forma e sem
propósito.
Aprender é diferente de adquirir e processar informações. Assim
sendo, falta de experiência é aquilo que, mesmo que tenhamos
presenciado, deixou de nos passar, deixou de tocar os sentidos. No
processo educacional, quanto mais se buscar mecanismos para facilitar o
acúmulo de informações, menos se preocupa em experienciar o vivido,
uma vez que experiência “é o que nos passa, o que nos acontece, o que
nos toca. Não o que se passa não o que acontece, ou o que toca”
(BONDÍA, 2002, p. 21). Aquilo que nos produz sentido nos produz
significado, adquire um sentido estético. Como a condição dos corpos na
sala de aula pode tender ao imobilismo, não se costuma dar importância
ao sentido estético, àquilo que se apresenta ali enquanto conteúdo,
habitualmente permanece vazio de significados e dificulta a construção
da experiência.
Para que a experiência exista e seja válida, é necessário que o
indivíduo esteja disposto a se expor. Nesse ponto de vista, o sujeito
precisa permitir-se, deixar-se atingir, afetar, ter seus sentidos tocados. A
experiência exigiria assim um ato de suspensão,
requer parar para pensar, parar para olhar, parar
para escutar, pensar mais devagar, olhar mais
devagar, e escutar mais devagar, demorar-se nos
detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo,
suspender a vontade, suspender o automatismo da
ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os
olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece,
aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a
arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se
tempo e espaço. (BONDÍA, 2002, p. 24)
95

Se nos propusermos a alcançar essa compreensão, devemos estar


e ser. Reconhecer-nos enquanto lugar, permitir-nos ser afetados por
aquilo que acontece, mas sem perder de vista a nossa localização.
Ter a sensibilidade de reconhecer e respeitar o papel dos saberes
tácitos dos educandos no processo de aprendizagem pode ser entendido
também como uma busca conjunta por significados àquilo que lhes toca
os sentidos ao longo da existência. Eis a importância do diálogo para
valorizar o conhecimento tácito e a partir deste, ampliar a percepção do
universo que o cerca, tanto espacial, quanto temporalmente.
É importante aqui constatar o óbvio: o saber da experiência é
sempre único. Não é possível aprender a experiência de outro indivíduo.
Não podemos, por exemplo, viver o sofrimento e as privações daqueles
que passaram pela Ditadura Civil-Militar brasileira, contudo podemos
recrutar elementos vivenciais que nos sensibilizem com relação a valores,
conceitos que precisariam ser compreendidos para conectar o passado
com o presente, respeitando os elementos constituintes daqueles
elaborados em seu tempo.
Através do trabalho realizado, percebemos que até esse momento
do seu aprendizado histórico, os estudantes alcançaram um satisfatório
desenvolvimento da empatia histórica, não incorrendo em muitos
equívocos relacionados ao senso comum, como a busca da verdade nas
fontes. O que buscamos fazer foi analisá-las e, a partir do que elas
apresentassem, criar deduções que levassem à interação através dos jogos
teatrais. Tal relação é possível quando se produz as narrativas históricas
tendo o processo imaginativo como elo. Entendemos que esse movimento
realizado em educação histórica exigiu que a imaginação histórica
estruturasse a construção da narrativa. Por isso o nosso cuidado ao refletir
junto aos estudantes sobre os resultados nas práticas, teve por objetivo
trazer das narrativas realizadas possíveis análises pertinentes e equívocos
quanto ao conhecimento histórico. Tal ação constante contribuiu para que
ela não se tornasse mero elemento decorativo.
Porém, percebemos que na faixa etária com a qual trabalhamos,
ainda houve alguns estudantes que apresentaram dificuldades em produzir
análises em que o presente não fosse o parâmetro de desenvolvimento.
Peter Lee (2003) classificou tal progressão empática como explicação
através da assimilação e déficit, devido ao fato do estudante conseguir
compreender as diferentes temporalidades, mas ter dificuldades para
entender ações que fugissem de sua compreensão, julgando o passado
como atrasado e menos capaz de lidar com determinadas situações.
Nas pesquisas sobre empatia histórica realizadas por Pereira
(2003), o tema da escravidão na Antiguidade foi analisado pelos
96

estudantes com uma forte presença de valores e crenças religiosas


(judaico cristãs) a ponto de se tornarem atemporais, ou seja, não fazendo
grandes distinções entre passado e presente. Esta limitação do
comportamento empático pode ser percebida, embora em menor
incidência, no trabalho aqui desenvolvido. Constatamos em alguns
momentos a avaliação do passado a partir de estereótipos que são próprios
ao presente. Neste caso, tanto no exercício escrito, quanto em algumas
práticas que foram analisadas, em alguns momentos os estudantes
associaram o autoritarismo como uma ação que necessariamente passava
pelos militares.
Avaliamos que a conexão entre essa constatação e a pesquisa da
professora Maria do Céu Pereira está nas constantes discussões acerca da
democracia e ao respeito às diferenças, realizadas durante e após as
atividades. Conforme mencionado anteriormente, o momento político
vivenciado pelo país levou muitos estudantes a tomarem uma posição
política definida, com relação a diversos aspectos da vida em sociedade,
como por exemplo, a utilização ou não de práticas autoritárias na busca
por uma harmonia social. Acreditamos que tais posicionamentos levaram
os estudantes a olharem a ditadura como uma forma de reafirmar sua
postura com relação a valores democráticos, perdendo, em alguns
momentos, a clareza quanto à distinção entre passado e presente.
Embora a organização conceitual e elaborações de narrativas
tenham sido sofisticadas, em algumas práticas, os estudantes estiveram
sujeitos a isolar particularidades que lhes fossem úteis na comprovação
de uma hipótese levantada, além de selecionar aspectos que legitimasse
tal recorte, ignorando os conflitos que as evidências, em sua totalidade,
puderam provocar.
Em sua pesquisa, Pereira (2003) asseverou a importância das
competências linguísticas e discursivas para o desenvolvimento cognitivo
e para o processo de meta-compreensão acerca dos caminhos da
aprendizagem, feitos pelo próprio estudante. Como nossa proposta tratou
fundamentalmente da linguagem corporal e oral, pudemos perceber que
de fato a presença desta desenvoltura, nos discursos produzidos a partir
dos documentos e pelas discussões posteriores às práticas, proporcionou
um significativo momento de aprendizagem coletiva. Os estudantes se
mostraram muito mais dispostos a argumentar sobre suas
intencionalidades nas ações e mesmo aqueles que apenas observavam,
sentiam-se capazes de interpretar a fala dos demais.
Nas análises dos processos desenvolvidos aferimos como os
elementos cognitivos buscaram, em maior ou menor grau, direcionar o
olhar sobre a compreensão dos valores, sentimentos e ações do passado.
97

Haja vista esse conhecimento ser fruto da relação entre as fontes e as


inferências dos historiadores, a interação está mediada pelas narrativas
criadas, a reflexão a partir da empatia histórica permitiu pensar todas
essas relações entre o passado estudado e o presente de quem o analisa.
Acreditamos que através deste trabalho, o ensino de História pode
estabelecer ancoragens significativas no processo cognitivo e emocional
dos indivíduos, a fim de produzir efeitos expressivos na formação do
conhecimento histórico dos estudantes. Por isso, identificar o que o
estudante pensa, sobre história e sobre os eventos estudados e trabalhar
essas noções a partir do seu conhecimento tácito, proporcionou conexões
entre o passado e presente a partir de suas reflexões objetivas e percepções
subjetivas.
O caminho para humanização, discutido por Freire (2014), passa
pela conscientização. Conhecer-se enquanto indivíduo em transformação
no tempo e no espaço permite notar que o mundo que nos cerca nos
influencia, e por nós é influenciado. Ademais, entender a mutabilidade do
passado implica em manter-se atento para todas as verdades construídas
sobre ele. Desta maneira, os sujeitos podem conceber um futuro também
em construção, indeterminado e passível de modificação.
Como meio para tal empreendimento, Boal (2009) nos apresenta a
importância de uma educação estética, através dos sentidos, que amplie
as possibilidades dos meios simbólicos (racionais) ao buscarmos
compreender para modificarmos determinados mecanismos opressores da
sociedade. Conforme acompanhamos nessa caminhada, os exercícios
teatrais propiciaram satisfatória aproximação entre o pensamento sensível
e o simbólico, permitindo que os indivíduos desenvolvessem ainda mais
sua aprendizagem cognitiva. Ainda, serviram de alerta para a importância
da constante reflexão sobre os mecanismos que nos envolvem e por nós
são construídos o tempo todo. Consideramos que este trabalho
desenvolvido se soma a tantas outras iniciativas que se fazem cada vez
mais necessárias à reflexão e ao aperfeiçoamento da educação de uma
forma geral e, em particular, do ensino de História.
98
99

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDRADE, B. G.; RODRIGUES Jr., G.; ARAÚJO, A. N.; PEREIRA, J.


S. Empatia Histórica em Sala de Aula: relato e análise de uma prática
complementar de se ensinar/aprender a história. História & Ensino,
Londrina, v. 2, n. 17, p. 257-282, jul./dez. 2011
ANDRADE, C. “Teatro-Jornal” de Augusto Boal e a Descoberta do
Teatro do Oprimido. In: SIMPÓSIO DA INTERNATIONAL BRECHT
SOCIETY, 14., 2013, Porto Alegre. Porto Alegre: UFRGS. 2013. p. 569.
Disponível em: <https://www.ufrgs.br/ppgac/wp-
content/uploads/2013/10/%E2%80%9CTeatro-jornal%E2%80%9D-de-
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105

7. ANEXOS

ANEXO A - Descrição dos Procedimentos

DESCRIÇÃO DO PRIMEIRO DIA

Inicialmente fizemos uma apresentação geral da proposta de


trabalho. Utilizando material elaborado em power point, expomos em
linhas gerais quais ideias de Paulo Freire, presentes no livro Pedagogia
do Oprimido, seriam utilizadas. Logo depois, com o mesmo recurso,
apresentamos as características do Teatro do Oprimido (TO).
Destacamos como tal prática teatral busca ser aberta a modificações e
construída de forma coletiva.
Para ilustrar uma das possibilidades do TO, assistimos à peça “Peso na
Mente, Peso nas Costas”, apresentada em julho de 2014 e coordenada
por Armindo Pinto. Nela observaram-se vários elementos do TO, como
a ausência de cenários, o diálogo e participação do público e a
construção de personagens a partir de ideias ou objetos, como a
máquina que move o indivíduo e que espera pela sua incorporação, o
relógio que determina as ações.
Passamos então a explicar sobre o tema que seria desenvolvido
analisado, a ditadura civil-militar no Brasil, e qual a relevância de tal
tema, quando se busca entender a construção da cidadania e
democracia no país.
Após esse momento, retomamos o TO através de algumas
dinâmicas introdutórias. O objetivo era mostrar como os corpos podem
ter dificuldade em realizar atividades que fujam da rotina do espaço em
que estão inseridos. No nosso caso, do espaço escolar.
No primeiro momento, foi solicitado que em círculo, se
dirigissem ao colega da esquerda e desejassem “Boa tarde”. Alguns
tiveram dificuldade em realizar tal atividade. Pedimos então que
tentassem lembrar-se dos movimentos que fizeram ou do tom de voz
que utilizaram, para então refletirmos sobre como muito de nossos atos
são mecanizados e como buscamos “zonas de conforto”, dentre aquelas
formas que utilizamos para nos comunicarmos cotidianamente. Ao
pensar em elementos teatrais e construção de personagens, tal
internalização se faz fundamental.
Passamos então a um exercício de memória, seguindo a
mesma discussão que a anterior. Cada um deveria apanhar no chão um
106

objeto, começando por um mais simples, como uma garrafa, um molho


de chaves, passando para uma camiseta que deveria ser vestida. Num
segundo momento, deveriam repetir os movimentos sem a presença do
objeto. Os estudantes que assistiam, puderam constatar como os
movimentos se diferenciavam, por termos dificuldade de construir
mentalmente essas atitudes feitas de forma automática. Refletimos
sobre a possibilidade de tais movimentos estarem ligados à aspectos
particulares de cada indivíduo e variam de acordo não só com
personalidade, mas também estado de espírito, profissão, status social
etc.

DESCRIÇÃO DO SEGUNDO DIA

Foi realizada inicialmente uma apresentação mais detalhada


das diferentes modalidades do TO. Buscamos discutir em grupo quais
daquelas poderiam ser mais utilizadas nos encontros. Foi sugerido
pelos estudantes que o Teatro Fórum e o Teatro Imagem seriam mais
práticos, embora alguns elementos de outras modalidades pudessem
ser aplicados, dependendo da dinâmica.
Aprofundamos a ideia da ação coletiva do TO, inclusive na
elaboração das personagens. Isso implica em observar não só a estética
das cenas, das expressões corporais e posicionamento, mas, sobretudo
construí-la a partir de temas discutidos em grupo.
Retomamos a peça exibida no encontro anterior para discutir
os elementos que foram utilizados no Teatro Fórum e quais as possíveis
variações poderiam ter sido exploradas.
Em seguida, discutiu-se a ideia de “máscaras sociais”,
presentes em Boal. E como o desconhecimento de tais mecanizações
poderia dificultar a construção de personagens. Passou-se então a
propor alguns exercícios.
Com uma música de fundo, os estudantes puseram-se em
círculo e um a um, foram convidados a ir ao centro elaborando algum
passo de dança. Na sequência, deveriam chamar outro colega que o
imitaria e construiria seu próprio passo.
No exercício seguinte, os estudantes deveriam criar
fisicamente os sentimentos que lhes fossem sugeridos. Começaram a
caminhar livremente e ao ouvirem um comando, deveriam se contrair
lentamente enquanto pensavam em sensações ruins (dor física,
angústia, falta de ar, solidão etc.). Após alguns segundos, deveriam
107

lentamente fazer o movimento contrário, buscando se expandir


enquanto pensassem em sensações boas (a proteção da família, uma
paisagem vista pela primeira vez, ar puro, uma vitória pessoal etc.).
Esse exercício foi repetido algumas vezes até que os estudantes
demonstrassem uma razoável entrega à prática.
O exercício de Blablação buscava desenvolver ideias
utilizando apenas expressões corporais e tom de voz. As palavras
seriam substituídas por bláblá. Em seguida outro estudante deveria
imitar os gestos e tom de voz, mas pronunciando as frases que julgasse
se encaixar com a “história” contada pelo primeiro aluno.
Após repetir as ações até houvesse participação de todos que
desejassem atuar, fizemos uma discussão sobre a situação política
naquele momento. Claramente os alunos queriam se expuser diante da
situação vivida no país naquele momento. Aproveitamos para, no final,
solicitar que escrevessem algumas palavras que associassem aquele
momento vivido.

DESCRIÇÃO DO TERCEIRO DIA

Após caminhar pela sala, foi realizado um exercício de


aquecimento. A turma foi dividida em duas equipes e cada uma recebeu
uma fita de cor diferente, que deveria ser presa à roupa. O objetivo era
pegar a fita da equipe adversária.
Na sequência foi realizada uma série de exercícios para
relaxar a voz e melhorar a respiração. Inicialmente realizamos um
exercício de respiração utilizando o diafragma. Logo depois fizemos
uma variação de sons, indo do mais forte ao mais fraco. Na sequência,
os estudantes deveriam emitir um som constante até alcançar uma
frequência semelhante.
Retomamos então as discussões do encontro anterior, em que
foram elencadas algumas palavras que os remetessem ao momento
atual. Dividiram-se em duas equipes e, através do Teatro Imagem,
deveria criar uma cena congelada associada a uma das palavras que
sugeriram. Foram selecionadas então: paranoia e conflito. A primeira
equipe retratou a paranoia. Pessoas sentadas no chão, com expressão
de desespero e preocupação e outras em volta, sem notá-las. Na
explicação disseram demonstrar pessoas com medo de estarem sendo
vigiadas. A outra equipe sugeriu ter visto a ideia de alienação. Abriu-
108

se então uma discussão entre as aproximações possíveis dessas duas


ideias no contexto social.
A outra equipe que ficou com a palavra “conflito” criou uma
cena onde alguns estudantes distribuíam dinheiro para pessoas que
desesperadamente tentavam alcançar. Ao fundo, um estudante parecia
aflito diante da cena (desigualdade). Ao lado, duas estudantes,
representaram intelectuais que escreviam sobre a situação, sem poder
se expressar, ao lado delas, um estudante representava um militar que
evitava a aproximação dos intelectuais, tanto dos políticos que
distribuíam dinheiro, quanto do próprio povo. Na discussão, foi
analisado o fato de que os políticos podem alimentar o conflito entre a
própria classe trabalhadora, para que esta não perceba a possibilidade
de união contra a situação de opressão. Além disso, foi discutido a
respeito da censura aos intelectuais e mesmo a proibição de reuniões e
a ação do Estado na vigilância de grupos.

DESCRIÇÃO DO QUARTO DIA

Durante o aquecimento, os estudantes foram convidados a


caminhar pela sala, ocupando os espaços, e andando em cinco
velocidades diferentes, de forma sequencial e de forma alternada. O
objetivo, sobretudo quando o caminhar era extremamente lento, era
sentir o próprio corpo, perceber cada movimento, cada músculo
recrutado ao caminhar.
Em seguida foi solicitado que criassem formas não
convencionais para caminhar pelos espaços. Dessa maneira, liberariam
mais o corpo dos padrões aos quais estavam convencionados e
recrutariam posturas, gestos que desconstruiriam os atos mecanizados
aos quais estavam habituados. A partir dos movimentos que haviam
adotado, tiveram que pensar em sons que representassem seus
movimentos.
Em seguida, em círculo, dois alunos representaram um gato e
um rato, ambos de olhos vendados num jogo que simulou uma caça.
Observou-se mais uma vez a questão da postura corporal e como cada
personagem deveria se postar: o caçador de forma determinada,
concentrada, focada nos mínimos sons; a caça, de forma mais retraída,
desconfiada, assustada.
109

Após os exercícios de aquecimento, uma conversa retomou as


discussões sobre o tema sugerido, a ditadura civil-militar no Brasil.
Quando questionados sobre quais palavras faziam referência aquele
contexto, houve um consenso em torno de quatro ideias: censura,
repressão, medo e desigualdade. A partir de então, foram divididas 4
equipes de 3 a 5 integrantes. Cada uma construiu uma imagem com
uma das palavras e em seguida, houve a ação da cena. Durante as
discussões dos significados visíveis, intenções, interpretações, os
outros grupos foram convidados a substituir um dos integrantes, para
reconstruir a cena a partir da sua reflexão. Logo depois havia nova
análise das ideias e da ação.
Ao final do encontro foi solicitado que os grupos criassem
cenas para apresentar essas mesmas ideias, para serem apresentadas na
semana seguinte.

DESCRIÇÃO DO QUINTO DIA

Após repetirem o exercício de caminhar de maneira não


convencional, os estudantes deveriam caminhar ocupando os espaços
da sala, e cada um, de maneira aleatória, deveria falar em voz alta um
número, até que chegassem à dez. Não poderia haver um intervalo
muito grande e dois alunos não poderiam falar juntos o mesmo número,
caso contrário, voltaria no início. O objetivo foi começar a desenvolver
a atenção ao outro e a concentração. Também repetimos o exercício de
blablação com a intenção de desenvolver atenção ao corpo, sem a
presença da fala.
Logo depois foi dado um tempo para as equipes se
organizarem na montagem das cenas, que buscaram aprofundar as
discussões sobre ditadura. Embora tenhamos constatado que as ideias
foram desenvolvidas de forma quase desassociada da ditadura. As
equipes que o fizeram, afirmaram que estavam buscando fugir do obvio
ao retratar o período.
Embora nas discussões, alguns estudantes fizeram menção ao
aparelhamento do Estado durante a ditadura, com os seus órgãos de
repressão e vigilância. Dentro do contexto das cenas, buscaram
relacionar as quatro palavras com a necessidade, por parte do Estado,
para que fosse construída e alimentada a massificação e alienação de
uma considerável parcela da população.
110

Alguns integrantes das equipes consideraram que mesmo não


se envolvendo com assuntos políticos, era possível reproduzir certos
discursos e práticas que alimentavam a lógica conservadora do regime.
Ao final foi aplicado um questionário discursivo com duas
perguntas sobre o momento do golpe e implantação da ditadura: 1. Que
fatores tornaram possível o golpe de 1964? 2. Por que os militares não
deixaram o poder após a deposição de João Goulart? Partindo do
questionário, procuramos direcionar os próximos encontros no que
tange o conceito substantivo.

DESCRIÇÃO DO SEXTO DIA

Foi solicitado que, ao andarem pela sala, fossem sentindo


como se a gravidade estivesse aumentando e logo depois diminuindo.
No segundo exercício, um estudante de frente para o outro deveria
colocar sua mão na frente do rosto do colega e este deveria ser guiado
pelo movimento da mão, como se estivesse o hipnotizado.
Baseando-nos na análise dos questionários e nas reflexões
sobre os conhecimentos tácitos dos estudantes acerca do conceito
substantivo utilizamos 50 minutos do encontro para desenvolvermos
uma aula expositiva, a fim de relembrar alguns aspectos da ditadura
civil-militar (anexo G). Cabe mencionar que solicitamos que os
estudantes chegassem mais cedo nesse dia. Tendo este encontro cerca
de uma hora a mais do que o habitual. Durante a exposição, procuramos
questionar os alunos a partir dos comentários feitos no questionário e
desenvolver o contexto do golpe dentro da sua complexidade.
Buscamos não extrapolar os primeiros anos, até 1968, em função da
atividade que seria desenvolvida nesse dia e pelo fato de que
delimitamos o assunto até o contexto do AI-5, que seria abordado no
próximo encontro.
Repetimos então o exercício realizado no segundo encontro,
de elaboração física dos sentimentos.
Na sequência foi entregue um texto com recortes de jornais,
com trechos de matérias e manchetes, que abordavam o contexto do
golpe que se deu em 1º de abril de 1964 (anexo D). As equipes
deveriam selecionar um ou mais recortes para se apropriar dos
discursos acerca do contexto.
111

Não reproduziram a notícia, mas o teor que possui (imperativa,


irônica, analítica etc.), cada um se colocava a frente e fazia uma breve
fala (uma frase, uma ideia, um pensamento, uma postura corporal)
dando a vez para o seguinte continuar sua ideia. O objetivo foi criar um
fluxo de pensamentos sobre o tema, onde a fala de um influenciaria a
do outro.
Ao final do encontro, foram distribuídos dois textos para a
semana seguinte, um recorte com entrevistas feitas pela Comissão
Nacional da Verdade (anexo F) e o preâmbulo do Ato Institucional
Nº5, de 13 de dezembro de 1968 (anexo E) e foi solicitada a leitura
para a semana seguinte.

DESCRIÇÃO DO SÉTIMO DIA

A prática iniciou em círculo, os estudantes foram convidados


a massagear o rosto, braços e pernas. Em seguida, passaram a dar saltos
e emitir sons para soltar o corpo.
Logo após, passaram a caminhar pelo espaço. Foram
questionados a respeito de como seria um sentimento, caso fosse
“fisicalizado”. Então, ao comando, pararam de caminhar e criaram
imagem com seus corpos, a partir das palavras: opressão, medo,
desigualdade, censura.
No exercício alto e baixo status, os estudantes tiveram um
número colado em suas costas, sem que pudessem identificar, e assim,
interagir com os demais integrantes colocando-se como se julgavam
diante do outro, se de maior ou menor status. Para isso, utilizaram
“máscaras sociais” da camada social que se achassem pertencentes
parareagir diante dos colegas.
Logo após o exercício, iniciou-se uma breve discussão a
respeito da relação opressor-oprimido, retomando-se as análises a
respeito de máscaras sociais. O exercício que buscou criar formas
sociais que contrastasse com o possível status do outro, levou os
estudantes a refletirem sobre a existência de características específicas
dentro das chamadas classes sociais.
Retomamos a atividade de fluxo de ideias do encontro
anterior, para discutir o impacto daquelas manchetes: quais grupos
sociais representavam? Quem eram os leitores dos jornais? Como esses
leitores poderiam afetar aqueles que não tivessem acesso aos jornais?
112

Quais eram esses meios de comunicação? Quem representavam? Qual


o impacto que aquelas notícias e manchetes poderiam ter na sociedade,
mesmo não sendo verdadeiras?
Juntamente com essas reflexões, pusemo-nos a discutir as
Reformas de Base, propostas por João Goulart no Comício da Central
do Brasil18. Propôs-se a criação de dois grupos antagônicos, um pró
governo João Goulart e outro apoiando a Marcha da Família com Deus
pela Liberdade.
Ao final, buscamos reforçar o clima que se instalara naquele
contexto do golpe (de 1964 a 1968) que, gradativamente, aparelhou o
Estado no sentido de aumentar e consolidar a repressão, tendo seu ápice
a partir da decretação do AI-5. Através da leitura do preâmbulo do Ato,
pode-se confrontar sua justificativa com a leitura de trechos de
entrevistas com alguns envolvidos naquele momento (CONTREIRAS,
2010). Desta maneira, pode-se combater a ideia de simplificação
maniqueísta das forças, defendida por muitos até hoje, e levantar outros
motivos possíveis para a criação do Ato, além daquele defendido pelo
governo.

DESCRIÇÃO DO OITAVO DIA

Primeiramente fizemos um exercício de aquecimento de voz.


Após um breve aquecimento através da pronúncia repetida de algumas
letras, todos virados para a parede, deveriam criar um som que
buscasse o tom do colega ao lado, até que todos chegassem a um tom
semelhante.
Na sequência, buscamos separar a expressão corporal da fala,
criando um diálogo onde os atores tiveram que se expressar com o
corpo, utilizando números aleatórios no lugar de frases concretas (este
exercício é semelhante ao de blablação, porém exige que se pense em
números, aumentando um pouco o grau de dificuldade).
No terceiro exercício, enquanto os estudantes ocupavam os
espaços, foram recebendo instruções sobre como se postar diante de
uma condição social: opressor ou oprimido. Na ocasião, foi solicitado

Na ocasião, utilizamos como referência o vídeo “Comício da Central do Brasil,


18

o Último Ato”. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=P-


LRa15wYP8> Acesso em: 20 de abril de 2016.
113

que pensassem em um determinado grupo social, profissional,


econômico, e como ele usaria seu status para através da expressão
corporal, se colocar acima dos outros.
No exercício seguinte, com o objetivo de cria uma máscara
coletiva, um grupo de três estudantes iniciava uma conversa e aos
poucos, cada um foi somando um elemento à sua expressão (trejeitos
físicos, gírias, tom de voz etc.) aos poucos, algumas dessas
características foram sendo incorporadas pelos demais. Quando isso
ocorresse, um novo integrante entraria na conversa, levando novos
elementos. Com isso, poderíamos criar personagens coletivos, que
poderiam ser interpretados por quaisquer integrantes, pois são obra de
uma construção coletiva.
Ao final, retomamos as discussões das manifestações
encenadas no encontro anterior para que os estudantes pudessem expor
quais as suas percepções sobre ser oprimido atualmente e as possíveis
diferenças entre as relações de opressão com a época da ditadura. Fez-
se um debate sobre um tema específico: a tortura. Muitos levantaram a
ideia de que mesmo esse tema não apresentaria grande diferença, já
que hoje essa prática ainda é utilizada, sobretudo com as camadas mais
pobres. Já os demais procuraram diferenciar os dois momentos,
partindo da ideia de que na ditadura havia uma institucionalização da
repressão, que deixava poucos canais possíveis de questionamento
àquelas práticas.

DESCRIÇÃO DO NONO DIA

Neste encontro, buscamos retomar as relações entre opressor


e oprimido a partir da expressão corporal e suas aproximações com a
ditadura civil-militar, mais especificamente, com relação as práticas de
tortura e como esta poderia ser pensada a partir das relações que
estabelecia.
Inicialmente buscamos preparar os estudantes através de um
exercício que visava criar expressões e posturas autoritárias e na
sequência, posturas submissas, ou amedrontadas, de dor etc.
O segundo exercício foi semelhante ao do encontro anterior,
mas desta vez as posturas no diálogo também deveriam ser
estabelecidas a partir de uma relação de dominação através dos gestos
e tom de voz, alternando entre os dois atores.
114

Em seguida, lembramos de alguns elementos gerais presentes


no pensamento de Paulo Freire, sobre a internalização da consciência
de opressão, bem como a ideia de “tira na cabeça”, de Boal. Para em
seguida, ler o texto de Eduardo Galeano “A Vida Profissional/2”
(GALEANO, 2007, p. 104) e debatermos a relação entre as ideias
anteriores e a temática possível do texto. Duas duplas de estudantes
aceitaram encenar um diálogo entre o torturador e o torturado, onde
ambos poderiam expor sua visão de mundo.
115

ANEXO B – A vida profissional/ 2

Têm o mesmo nome, o mesmo sobrenome. Ocupam a mesma casa e


calçam os mesmos sapatos. Dormem no mesmo travesseiro, ao lado da
mesma mulher. A cada manhã, o espelho lhes devolve a mesma cara. Mas
ele e ele não são a mesma pessoa:
— E eu, o que tenho a ver com isso? — diz ele, falando dele, enquanto
sacode os ombros.
— Eu cumpro ordens — diz, ou diz:
— Sou pago para isso.
Ou diz:
— Se eu não fizer, outro faz.
Que é como dizer:
— Eu sou o outro.
Frente ao ódio da vítima, o verdugo sente estupor, e até uma certa
sensação de injustiça: afinal, ele é um funcionário, um simples
funcionário que cumpre seu horário e suas tarefas. Terminada a jornada
extenuante de trabalho, o torturador lava as mãos.
Ahmadou Gherab, que lutou pela independência da Argélia, me contou.
Ahmadou foi torturado por um oficial francês durante vários meses. E a
cada dia, às seis em ponto da tarde, o torturador secava o suor da fronte,
desligava da tomada a máquina de dar choques e guardava os outros
instrumentos de trabalho. Então se sentava ao lado do torturado e falava
de sua mulher insuportável e do filho recém-nascido, que não o deixara
grudar o olho a noite inteira; falava contra Orã, esta cidade de merda, e
contra o filho da puta do coronel que...
Ahmadou, ensanguentado, tremendo de dor, ardendo em febre, não dizia
nada (GALEANO, 2007, p. 104).
116
117

ANEXO C – Questões discursivas

1. Que fatores tornaram possível o golpe de 1964?


2. Por que os militares não deixaram o poder após a deposição de
João Goulart?

Estudante 1
1. Pois a força militar era muito maior do que a força contrária ao
golpe, o poder dos militares de intimidar as outras pessoas era
muito grande e eles eram unidos por serem militares.
2. Para os militares era bom, pois eles foram patrocinados pelos
EUA e poderiam manter sua ideia de comandar o país e organizar
de sua forma.

Estudante 2
1. Enquanto terminava a Segunda Guerra Mundial houve uma
expansão do pensamento e da ação marxista, curiosamente viram
o avanço de alguns pelo mapa mundial.
2. Acredito que não conseguiram evitá-la, pois, as forças armadas
já estavam ideologicamente intoxicadas e também muito
radicalizadas.

Estudante 3
1. Porque eram muito mais fortes do que as forças contrárias.
2. Porque acreditavam que a ditadura poderia voltar.

Estudante 4
1. Porque havia mais pessoas a favor da ditadura do que contra, ou
seja, o menor número além de serem completamente oprimidos
e sem voz ainda estava em menor número e a tendência era só
diminuir.
2. Pois os militares deram um golpe de estado e tinham total poder
de persuasão com o povo, então eles permaneceram o máximo
que conseguiram sem intervenção.

Estudante 5
1. Pela quantidade do poder de fogo que os militares possuíam e o
fato de seguirem regras rígidas que os deixam unidos
118

ideologicamente. E a quantidade de pessoas ainda


conservadoras.
2. Financiamento de países que pressionavam ainda mais com o
mundo se encontrava.

Estudante 6
1. Porque a força militar era mais forte, assim a sociedade não tinha
vez para opinar, intimidando as pessoas e incentivando a se calar,
dividindo eles.
2. Para eles era mais favorável apoiar o golpe, pois os Estados
Unidos financiaram o golpe devido os “traços” socialistas, com
o objetivo de extinguir o comunismo no Brasil.

Estudante 7
1. A força militar naquele tempo predominava sobre as demais,
impondo medo aos habitantes civis.
2. O golpe militar veio com o pretexto de organizar nossa pátria
querendo tirar Jango do poder, porém quando isto se concretizou
eles não saíram, pois, sendo apoiados pelos Estados Unidos.

Estudante 8
1. Se a maior força do Brasil é o exército (força militar), a
população, lutando contra um líder que não possui comando e
somente suas ideias, não há como lutar, pois, como não há ajuda
do exército, que era mais fechado, a população não tem como
vencer.
2. Quanto mais poder é dado a alguém, mais corrupta ela ficará, e
mais em busca de poder ela irá, como as ideias que moveram o
golpe estão dispersas, foi um “intensificador” para continuar no
poder.

Estudante 9
1. Pois muitas pessoas, fora as que lutaram contra, não sabiam, ou
preferiam fingir não saber do golpe, já que o Brasil estava
crescendo economicamente na época, devido ao patrocínio
externo, para garantir o apoio do país ao capitalismo.
Concluindo, ser contra o golpe, era ser taxado de comunista, e
perder o “conforto”, que ser a favor do governo poderia
proporcionar. Então muitas pessoas não queriam o fim da
ditadura.
119

2. Pois ainda havia patrocínio dos Estados Unidos para o golpe,


então ainda tinha uma motivação para continuar com a ditadura.

Estudante 10
1. Porque eles estavam profissionalmente perplexos, sem saberem
que direção tomar, assim ocorrendo uma terrível perplexidade
militar.
2. Pois todos ainda estavam ideologicamente intoxicados, muitos
radicalizados. Assim quando Castelo assumisse, poderia
acontecer uma pequena tragédia interna. Assim os militares não
arriscaram sair do poder.

Estudante 11
1. Os que eram contra o golpe tinham receio de piorar tudo, pois o
governo (golpe) era forte demais e eles tinham poder e ser contra
o golpe poderia irritar o governo e eles serem perseguidos, piora
a opressão etc.

Estudante 12
1. As forças contrárias, mesmo querendo acabar com o golpe, elas
tinham um certo medo de lutar contra e acabar dando tudo errado
e a situação piorar. As forças militares eram fortes demais e
muito radicais, portanto permaneceram no poder.

Estudante 13
1. Não evitaram, pois, era acreditado pelos governantes que era
impossível de acontecer a intervenção militar.
2. Pois eles acreditavam que era necessário mais do que somente
tirar Jango do poder para trazer a ordem de volta ao Brasil, então
ficaram mais tempo do que as pessoas passaram a achar que iam.

Estudante 14
1. Os governantes também achavam pouco provável que o golpe
acontecesse.
2. Em maior parte, influências norte-americanas fizeram com que a
mentalidade das pessoas em relação à esquerda fosse corrompida.
Os Estados Unidos apoiavam a ditadura contribuindo até mesmo
com dinheiro, o que acabou se tornando uma motivação a tomar
o poder, e de luta contra a resistência.

Estudante 15
120

1. Pois o mundo se encontrava em uma disputa ideológica entre as


duas potências, EUA e URSS, capitalismo e comunismo, essa
disputa englobava muitos países, e o Brasil foi influenciado com
mais eficiência pelo capitalismo americano, que financiou o
golpe e o manteve com o objetivo de extinguir o comunismo no
Brasil, não importando os meios para fazer isso.

Estudante 16
1. Pois a força/impacto era muito grande e tinha muitos
provavelmente a maioria dos que atuavam no governo apoiavam
a ditadura.
2. Eles ficaram no poder, pois aplicaram um golpe de estado, pouco
se importando com a ideia ou pensamento da população, queriam
seus interesses e pronto.
121

ANEXO D – Manchetes jornalísticas

"À partir da tarde de ontem, principalmente depois que desceram os


tanques da Vila Militar, dez dos quais foram colocados em frente ao
Ministério da Guerra, onde também se encontram numerosos carros
blindados e de combate, a crise político-militar pareceu assumir aspectos
realmente perigosos, com a cidade sob o domínio de grande tensão e povo
como que à espera de uma revolução a qualquer momento.
Á margem dos preparativos da população como que para prevenir-
se, sacando nos bancos e adquirindo mantimentos, ocorreram diversos
incidentes entre populares e policiais, e dos quais o de maior gravidade se
verificou na Federação dos Estivadores, na rua Santa Luzia. Á esta altura,
em consequência da paralisação dos trens da Central e da Leopoldina,
respectivamente, às 17h30m e às 19h30m, a cidade parecia em colapso no
setor de transportes, com grandes filas se formando ao longo dos pontos de
ônibus e lotações para a Zona Norte e cidades fluminenses.
As sédes das ferrovias e os demais próprios federais passaram,
então, a ser guarnecidos por tropas do Exército. A tensão crescia à medida
que circulavam as notícias sôbre a situação em Minas, onde já se teria
iniciado a revolução. Tôda Minas, principalmente a capital e cidades como
Governador Valadares e Juiz de Fora, já anteriormente agitadas, estavam,
segundo os comentários, "pegando fogo". As rodas de populares discutindo
política se formavam e não eram poucos os incidentes registrados entre os
mais exaltados."
"A perspectiva mais alarmante da situação brasileira funda-se num
dado concreto que não é possível obscurecer. É o fato de que jamais em
nossa História, e até o presente, as esquerdas radicais - nomeadamente o
comunismo e suas clássicas correntes auxiliares - estiveram tão à vontade,
desfrutaram tanto prestígio e aproximaram-se tanto do êxito quanto no
momento atual.
Por mais que negaceie, tergiverse e dissimule, o Sr. João Goulart,
ninguém poderá negar - porque está à vista de todos, porque é público e
ostensivo - que os elementos chamados de "formação marxista" não
somente conseguiram infiltrar-se facilmente em todos os postos, como
também são os preferidos pelo govêrno para êsses postos, sobretudo os de
comando e de direção.
Atualmente, no presente govêrno, que ainda se diz democrata, a
ideologia marxista e mesmo a militância comunista indisfarçada
constituem recomendação especial aos olhos do govêrno. Como se já
estivéssemos em pleno regime "marxista-leninista", com que sonham os
122

que desejam incluir sua pátria no grande império soviético, às ordens do


Kremlin. (...)"
Diário de Notícias, 1 de abril de 1964
"Escorraçado, amordaçado e acovardado deixou o poder como
imperativo da legítima vontade popular o sr. João Belchior Marques
Goulart, infame líder dos comuno-carreiristas-negocistas-sindicalistas. Um
dos maiores gatunos que a história brasileira já registrou, o Sr. João Goulart
passa outra vez à história, agora também como um dos grandes covardes
que ela já conheceu.
Como não nos intimidamos na hora em que Jango e os comunistas
estavam por cima e amargamos até cadeia, não precisamos nem fazer a
demagogia da generosidade. Mesmo porque nào pode haver generosidade
nem contemplação com canalhas. E Jango, Jurema, Assis Brasil, Arraes,
Dagoberto, Darcy Ribeiro, Waldir Pires e toda a quadrilha que assaltou o
poder não passam de canalhas.
E além de canalhas, covardes. E além de covardes, cínicos. E além
de cínicos, pusilâmines. E além de pusilâmines, desonestos. Bravatearam,
fingiram-se machões, disseram que fariam isto e aquilo, mas aos primeiros
tiros sairam correndo espavoridos e ainda estão correndo até agora. Alguns,
como Aragão, como Assis Brasil, como Crisanto de Figueiredo, como
Arraes, como Cunha Melo, como todo o rebotalho comunista, não serão
encontrados tão cedo. (...)
Nunca se viu homens tão incapazes, tão desonestos e tão covardes.
Agora que o País se livrou do fantasma da comunização podemos repetir o
que vinhamos dizendo exaustivamente: todo comunista é covarde e mau
caráter. Os episódios de agora vieram provar que estávamos cobertos de
razão. (...)
O Povo brasileiro lavou a alma. O Carnaval que se comemorou
ontem em plena chuva só poderia mesmo ter sido feito por um povo que
estava precisando dessa desforra que lhe era devida precisamente há 30
meses. O povo que comemorou ontem a queda de jango foi o mesmo que
votou contra êle em 1960 e foi traído pela renúncia de Jânio. A
comemoração de hoje é pois uma revanche e uma recuperação.
Não se trata de vingança, nem estamos aqui defendendo o
esquartejamento dos derrotados. Mas quando o destino do País está em
jôgo, quando se trata de decidir da sorte dos que queriam comunizar o País,
não podemos ser generosos ou sentimentais. Para os civis, cassação dos
direitos políticos. Para os militares como Assis Brasil, Crisanto, Cunha
Melo, Napoleão Nobre, Castor da Nóbrega e para todos os comuno-
carreiristas das Fôrças Armadas, o caminho é um só e inevitável: a reforma
123

pura e simples. Não falavam tanto em reforma? Pois apliquemos a fórmula


a êles”.
Tribuna da Imprensa, 2 de abril de 196419

19
Disponível em: <http://www.culturabrasil.org/golpemilitar.htm> Acesso em:
05 mai. 2016
124
125

ANEXO E – Preâmbulo AI-5

ATO INSTITUCIONAL Nº 5, DE 13 DE DEZEMBRO DE 196820.

São mantidas a Constituição de 24


de janeiro de 1967 e as Constituições
Estaduais; O Presidente da
República poderá decretar a
intervenção nos estados e
municípios, sem as limitações
previstas na Constituição, suspender
os direitos políticos de quaisquer
cidadãos pelo prazo de 10 anos e
cassar mandatos eletivos federais,
estaduais e municipais, e dá outras
providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL,


ouvido o Conselho de Segurança Nacional, e
CONSIDERANDO que a Revolução Brasileira de 31 de março de
1964 teve, conforme decorre dos Atos com os quais se institucionalizou,
fundamentos e propósitos que visavam a dar ao País um regime que,
atendendo às exigências de um sistema jurídico e político, assegurasse
autêntica ordem democrática, baseada na liberdade, no respeito à dignidade
da pessoa humana, no combate à subversão e às ideologias contrárias às
tradições de nosso povo, na luta contra a corrupção, buscando, deste modo,
"os. meios indispensáveis à obra de reconstrução econômica, financeira,
política e moral do Brasil, de maneira a poder enfrentar, de modo direito e
imediato, os graves e urgentes problemas de que depende a restauração da
ordem interna e do prestígio internacional da nossa pátria" (Preâmbulo do
Ato Institucional nº 1, de 9 de abril de 1964);
CONSIDERANDO que o Governo da República, responsável pela
execução daqueles objetivos e pela ordem e segurança internas, não só não
pode permitir que pessoas ou grupos anti-revolucionários contra ela
trabalhem, tramem ou ajam, sob pena de estar faltando a compromissos que

20
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/AIT/ait-05-68.htm
Acesso em: 07 mai 2016
126

assumiu com o povo brasileiro, bem como porque o Poder Revolucionário,


ao editar o Ato Institucional nº 2, afirmou, categoricamente, que "não se
disse que a Revolução foi, mas que é e continuará" e, portanto, o processo
revolucionário em desenvolvimento não pode ser detido;
CONSIDERANDO que esse mesmo Poder Revolucionário, exercido
pelo Presidente da República, ao convocar o Congresso Nacional para
discutir, votar e promulgar a nova Constituição, estabeleceu que esta, além
de representar "a institucionalização dos ideais e princípios da Revolução",
deveria "assegurar a continuidade da obra revolucionária" (Ato
Institucional nº 4, de 7 de dezembro de 1966);
CONSIDERANDO, no entanto, que atos nitidamente subversivos,
oriundos dos mais distintos setores políticos e culturais, comprovam que
os instrumentos jurídicos, que a Revolução vitoriosa outorgou à Nação para
sua defesa, desenvolvimento e bem-estar de seu povo, estão servindo de
meios para combatê-la e destruí-la;
CONSIDERANDO que, assim, se torna imperiosa a adoção de
medidas que impeçam sejam frustrados os ideais superiores da Revolução,
preservando a ordem, a segurança, a tranqüilidade, o desenvolvimento
econômico e cultural e a harmonia política e social do País comprometidos
por processos subversivos e de guerra revolucionária;
CONSIDERANDO que todos esses fatos perturbadores da ordem são
contrários aos ideais e à consolidação do Movimento de março de 1964,
obrigando os que por ele se responsabilizaram e juraram defendê-lo, a
adotarem as providências necessárias, que evitem sua destruição,
127

ANEXO F – Trechos de Entrevistas

ENTREVISTA COM: DOM XAVIER GILLES (03/09/2013)21

A Sra. Glenda Mezarobba (Comissão Nacional da Verdade) – Qual é o


nome dele?
O Sr. Dom Xavier Gilles – José Antônio de Magalhães Monteiro.
A Sra. Glenda Mezarobba (Comissão Nacional da Verdade) – José
Antônio de Magalhães Monteiro. Um padre que foi torturado. Certo.
O Sr. Dom Xavier Gilles – Foi. Vivemos, trabalhamos juntos, viemos
juntos, o processo foi de nós dois. Então nós começamos um trabalho a
partir da Bíblia e no lugar de somente chegar nos povoados, a gente chegava
na véspera, chegava antes, lia a Bíblia e pedia um diálogo, uma partilha. Era
muito complicado porque o povo não era acostumado e o povo começou a
falar. A missa demorava muito porque aqui era a parte, era o diálogo... Na
hora a gente não se dava conta, despertamos no pessoal uma certa valorização
das suas capacidades. E começou nesta época o problema da terra no
Maranhão que foi extremamente grave.
A Sra. Glenda Mezarobba (Comissão Nacional da Verdade) – Essa
época que o senhor está dizendo, já depois do golpe ou ainda antes?
A Sra. Raíssa Ventura (Comissão Nacional da Verdade) – 1968.
A Sra. Glenda Mezarobba (Comissão Nacional da Verdade) – Na época
do golpe, no dia do golpe, um dia depois do golpe, o que o senhor viu na
rua, o que o senhor recebeu na Igreja, como as pessoas se sentiram?
O Sr. Dom Xavier Gilles – O que me lembro é que no Maranhão as coisas
chegavam sempre um pouco atrasado. A gente teve a impressão que no sul
se sabia, mas em primeira consequência, imediatamente, um certo medo,
medo mesmo, grande. Bastava ver uma farda militar. Depois foi transferido
imediatamente Dom Fragoso para Cratéus.

21
Disponível em:
<http://www.cnv.gov.br/images/pdf/depoimentos/testemulhas/Dom_Xavier_Gilles
_03.09.2013.pdf> Acesso em: 07 mai 2016
128

ENTREVISTA COM: Francisco Jesus da Paz – tenente (18/03/2013)22

Sra. Maria Rosa (Comissão Nacional da Verdade) – O senhor deu alguns


dados bastante relevantes aqui, perspectivas muito interessantes aqui sobre
determinadas questões, uma delas é a questão dos atentados, eu vou pedir
pro senhor só voltar um pouquinho, na verdade voltar muito.
Sr. Francisco Jesus da Paz – Muito.
Sra. Maria Rosa (Comissão Nacional da Verdade) – Se não me engano,
o senhor disse que era 68.
Sr. Francisco Jesus da Paz – 68.
Sra. Maria Rosa (Comissão Nacional da Verdade) – Atentados do
aparato da repressão que foram montados pra, como é que o senhor soube
disso? Quem o senhor acha que tava articulado com isso?
Sr. Francisco Jesus da Paz – Isso aí o, isso aí é articulado pela casa militar
do Costa e Silva, casa militar do Costa e Silva e aqui em São Paulo era
coordenado pelo Sábado Dinoto, era civil.
Sr. Francisco Jesus da Paz – Então esse grupo aqui em São Paulo tinha
os nomes que eu tenho vou passar pra Comissão, são nomes de, eram
Sargentos, né? Soldados e eles jogaram bomba no elevador do quartel
general da Polícia Militar, jogaram bomba no alistamento da Polícia Militar,
eles jogaram bomba no corpo de bombeiros, teve na escola de bombeiros,
teve um soldado que foi atingido, morreu, assaltaram bancos e deixa eu ver
onde foi mais, se não me engano no Estadão também, a bomba do Estadão,
puseram uma bomba ali perto do DOPS, na Praça General Osório e desse
grupo ligado ao, coordenado pela casa militar do Costa e Silva. O soldado
Jessé que fazia parte do grupo, ele estava em contato com ladrões comuns,
tratando de um assalto a banco, quando foi preso por um delegado de
Polícia que estava fazendo investigações então foi como o que chamam de
erro de percurso, eles cometeram um erro e esse delegado que, aparentemente
não sabia do que se tratava, não sabia que eram eles, prenderam por acaso,
foi uma prisão por acaso, aí ele denunciou os outros envolvidos, eles foram
presos, então tivemos o caso do Sargento, na época Sargento Davi Caxias,
tivemos o Sargento, inclusive era secretário na Associação dos Sargentos,
era o Sargento, fugiu e o Sargento Luís Daniel, vou ter aqui todos os nomes,
eu passo pra Comissão.

22
Disponível em:
http://www.cnv.gov.br/images/pdf/depoimentos/vm_Francisco_Jesus_da_Paz_000
92_000438_2013_39.pdf Acesso em: 07 mai 2016
129

Sra. Maria Rosa (Comissão Nacional da Verdade) – Tá ótimo, mas o


senhor acha que essa articulação dos atentados era pra amedrontar a
sociedade civil, não era especificamente contra as manifestações de dentro
da (ininteligível 00:20:32)
Sr. Francisco Jesus da Paz – Esses atentados eles visavam criar um pânico
na sociedade civil. O governo cada vez que acontecia um atentado desse, o
governo anunciava, fazia bastante, enfim, que eram os terroristas, que eram
os comunistas que estavam praticando atentado, praticando terror e que
precisava agir com mais rigor, porque na verdade o que aconteceu, o que
que nessa época, o Costa e Silva estava sendo questionado, tinha havido
uma, um racha entre a direita civil, que articulou o golpe com os militares,
Ademar de Barros, Governador Ademar de Barros, o Governador
Magalhães Pinto, de Minas Gerais e o Governador Carlos Lacerda, eles
estavam
rompendo com, assim já estavam rompidos com e já tinham também
muitos movimentos dentro dos quartéis de praças e oficiais, Generais,
Almirantes, Brigadeiros, Coronéis, um grande número de oficiais que não
estavam apoiando a ditadura militar, era o que a gente chamava de militares
pela democracia, militares da resistência democrática. E o governo estava e
tinha grandes manifestações populares, como a manifestação dos
estudantes em 1000 estudantes no Rio de Janeiro, né? Tivemos casos aqui
na rua Maria Antônia quando Mackenzie incendiou a USP e a filosofia da
USP, morte de estudantes, então é um momento muito delicado para a
(ininteligível 00:22:37) eu costumo dizer que está doente enfim, estava
enfraquecido e veio quando os 3 Ministros Militares ocuparam o governo,
era o triunvirato, que o, aliás o Deputado..
Sr. Paulo Cunha (Comissão Nacional da Verdade) – Ulysses
Sr. Francisco Jesus da Paz – Ulysses chamou dos 3 patetas. Então havia
um racha nos quartéis muito forte, muito acentuado, com muita gente e
havia necessidade de endurecimento do regime, inclusive foi o caso do AI-
5. Dizem os analistas políticos, dizem que o AI-5 veio exatamente para o
controle disso. Um ponto importante é que em junho de 68, dia 2 de junho
de 68 foram extintas as guardas civis e estaduais que eram forças policiais,
que faziam o policiamento em vários Estados e em São Paulo aqui a guarda
civil era guarda civil do estado, era uma força importante, que tinha cerca de
13 mil homens que faziam o policiamento nas principais cidades do Estado
e elas foram extintas, por ato do Governo Federal e foi criado também a
Inspetoria Geral das Policias Militares do Brasil, chefiada por um General.
Então houve o que, a militarização dos grupos, o regime militar, nesse
momento ele se militariza mais ainda para dar maior eficiência a repressão
e ao controle político.
130
131

ANEXO G – Plano de Aula

I. Tema:
- A ditadura civil-militar no Brasil
II. Objetivos:
Objetivo geral: compreender as características do governo João
Goulart que evidenciem o contexto do golpe e sua implementação.

Objetivos específicos:
 Analisar o conturbado contexto de posse de Jango através do
parlamentarismo
 Compreender os motivos que levam ao plebiscito de 1963
 Analisar os princípios da Reforma de Base, proposta pelo
governo Jango.
 Compreender o acirramento político e a polarização que
conduzem ao embate: Comício da Central do Brasil versus
Marcha da Família com Deus Pela Liberdade
 Conhecer as forças políticas favoráveis e contrárias à
deposição do governo Jango
 Compreender o aparelhamento institucional e ideológico do
golpe civil-militar
III. Conteúdo:
 Parlamentarismo
 Reformas de Base
 Organizações urbanas e rurais favoráveis ao governo Jango
 Latifundiários, industriais, imprensa contra Jango
 Implementação dos governos militares
IV. Desenvolvimento do tema:
Utilizando-se de trechos de documentários (“O Velho” e “O Dia que
Durou 21 anos”), discutir as características do governo Jango e como o
Brasil se encaminha para a ditadura após o golpe que depôs o
presidente.
V. Recursos didáticos:
 Documentários
 Material em power point
VI. Textos Auxiliares (utilização de fragmentos em sala de aula)
 Eleição de Jânio Quadros: GASPARI, Elio. A Ditadura
Envergonhada. Rio de Janeiro: Instrínseca. 2014. p. 49
132

 Renúncia de Jânio Quadros: CARVALHO, José Murilo de.


Cidadania no Brasil – O longo caminho. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2001. p. 135
 Manifesto militar contra a posse de Jango: Disponível em:
< http://www.gedm.ifcs.ufrj.br/upload/documentos/4.pdf >
 Versões do golpe: SCHWARTZ, Lilia Moritz. & STARLING,
Heloisa Murgel. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia
das Letras, 2015. p. 442

VII. Bibliografia:
 AQUINO, Maria Aparecida. Censura, Imprensa, Estado
autoritário. Bauru: EDUSC, 1999.
 CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil – O longo
caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001
 CHAUÍ, Marilena. Crítica e Ideologia. In: Cultura e
Democracia. São Paulo: Moderna, 1980.
 FAUSTO, Boris. História do Brasil. 11. ed. São Paulo:
EDUSP, 2003.
 GASPARI, Elio. A Ditadura Envergonhada. Rio de Janeiro:
Instrínseca. 2014.
 HOBSBAWN, Eric. Revolução Social. In: Era dos extremos.
Tradução Marcos Santarrita. São Paulo: Companhia das
Letras, 2009
 SCHWARTZ, Lilia Moritz. & STARLING, Heloisa Murgel.
Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015

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