2015 AruaSilvaDeLima VOrig
2015 AruaSilvaDeLima VOrig
2015 AruaSilvaDeLima VOrig
SÃO PAULO
2015
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
SÃO PAULO
2015
Aos meus pais,
Agradecimentos
This work is result of an investigation about the relationship established between communists
and black organizations in the United States and Brazil between 20s and 30s of the 20th
century. It was studied the double path on which communists ideas transited towards black
organizations and how these very organizations influenced the communist political agenda
regarding racial issues. It was possible to conclude that the political shifts in the Communist
International with regard to the black question obeyed to internal criterias within national
Communist Parties as well as to the political fluctuations in the Soviet Union.
1 Introdução
Quando este trabalho foi iniciado, seu objetivo central era identificar os mecanismos
de atuação dos comunistas face à questão racial no Brasil e Estados Unidos nas décadas de 20
e 30 do século XX. Havia a esperança de achar linhas diretas de comunicação entre
comunistas brasileiros e norte-americanos a respeito da questão negra. Aos poucos, o curso
foi ajustado e o tema acabou se alargando. O movimento empreendido pelos comunistas tinha
pretensões globais e se articulou em âmbito mundial. Quando da elaboração do projeto de
pesquisa, o desprezo deste aspecto possibilitou o subdimensionamento do tema e, portanto, de
seu objetivo, que foi corrigido apenas a partir das primeiras incursões em arquivos. Caso não
tivesse havido uma correção de curso, não teria sido possível entender a atuação dos
comunistas no Brasil e nos Estados Unidos e a dinâmica de suas relações com os comunistas
soviéticos e entre estes consigo mesmos. Por conseguinte, foi inevitável investigar o círculo
soviético ele mesmo. Ao fim do trabalho, é possível reposicionar, portanto, seu objetivo:
trata-se de um exame das transformações das posições dos comunistas e das organizações e
seus intelectuais negros vinculados ao comunismo face à questão racial.
O caminho que levou a esta formulação teve que percorrer a lógica interna de
funcionamento dos aparatos políticos do movimento comunista internacional. Por isso, alguns
debates antigos reaparecem neste texto, ora subliminar ora explicitamente. A maioria da
historiografia brasileira sobre o Partido Comunista do Brasil (PCB) evitou questões
organizativas, entendidas ipsis litteris tais como o funcionamento prático das comunicações;
pouco se perguntou como a organização atual do acervo da Internacional Comunista (IC)
pode explicar, mesmo que parcialmente, seu próprio funcionamento. Ainda que não conste
por extenso neste trabalho, foram esses os exercícios realizados cujos intuitos foram não
sobredeterminar os aspectos organizativos das divisões e subdivisões da Internacional
Comunista na definição programática da organização.
A questão racial foi apenas um pequeno aspecto da militância comunista internacional,
o que, paradoxalmente, não deve ser entendido como sinônimo de desimportância. É possível,
sim, elencar outras ênfases ao longo dos quase 25 anos de existência da Internacional
Comunista. No entanto, dada a grandiosidade da IC e da agenda política dos comunistas, isto
não significa que pouca coisa tenha sido feita a respeito da questão negra e racial, tampouco
que relegar a um plano secundário tenha sido obra de racismo ou, ainda, que não fosse
possível combater o racismo a partir do manancial teórico e ideológico comunista.
12
1
WEISS, Holger. Framing a Radical African Atlantic: : ming a Radical African Atlanticialto não significa que
pouca coisa tenha sido feita signittee of Negro Workers ming a Radical African Atlanticialto não significa que
pouca coisa tenh
13
na década de 1920 entre grupos organizados negros e comunistas, como ocorreu nos Estados
Unidos. Está claro que a opinião dos comunistas em sua totalidade não deve ser confundida
com a política definida pelo PCB, fruto de uma decisão majoritária. Foi especialmente difícil
identificar a minoria derrotada que pode ter expressado outra visão a respeito das questões
negra e indígena no Brasil. A identificação de alguma tendência que aproximou algum
fragmento da esquerda, neste caso os comunistas, e grupos definidos em termos raciais, a
saber, indígenas e negros, data da primeira metade da década de 1930. Na Bahia, alguns
comunistas passaram a articular-se em consonância com agenda racial de Moscou.
Precisamente neste ponto reside o argumento principal a respeito da relação entre agenda
política e seu cumprimento: os comunistas brasileiros, na quase totalidade do tempo de
existência da IC, não cumpririam as diretrizes cominternianas sobre a questão racial. A
respeito dessa questão, os capítulos 4 e 6 são essenciais.
O caso dos Estados Unidos requer a mesma atenção. Conforme apontado, houve
imbricações entre movimentos negros radicais e o movimento comunista nos Estados Unidos.
Essa história, mais bem documentada e conhecida, leva, necessariamente aos ramos
internacionalistas do movimento negro. No campo da esquerda, esse movimento se confundiu
com a ampla atividade anti-imperialista sem a qual é impossível compreender a atividade
desse espectro do radicalismo negro. Esse conjunto de questões está nos capítulos 3 e 5.
Em todo caso, faz-se necessário um rápido balanço sobre o estado da arte nos Estados
Unidos. O ponto de partida da primeira crítica historiográfica estadunidense sobre as
esquerdas e, mais especificamente, sobre a história do comunismo nos Estados Unidos foi a
prevalência das análises das diretrizes partidárias em detrimento das práticas cotidianas da
militância. Por motivações distintas, intelectuais entenderam os resultados das reuniões de
direção e de congressos como sinônimos da atuação partidária.2 Theodore Draper fez um dos
primeiros estudos documentais sobre a atividade comunista nos Estados Unidos. Seus livros
“The Roots of American Communism”, publicado em 1957, e “American Communism and
2
Cf. FOSTER, William Z. History of the Communist Party of the United States. Nova York: International
Publishers, 1952; DRAPER, Theodore. The Roots of American Communism. Nova York: The Viking Press,
1957; KLEHR, Harvey. Communist Cadre: The Social Background of the American Communist Party.
Stanford: Hoover Institution Press, 1960. A primeira obra foi escrita por um comunista que passou a maior parte
de sua trajetória política ocupando cargos de direção na estrutura do movimento comunista internacional. Assim,
a narrativa obedece à ideia central de que o movimento encontrou seu auge nos Estados Unidos, quando se
colocou sob os auspícios da liderança soviética. Os dois últimos, obedecendo também a critérios argumentativos
distintos entre si, defendem a tese de que a experiência comunista era exógena aos Estados Unidos e, por isso,
deveria ser enfrentada como questão de segurança nacional. No fundo, o elemento interpretativo que organiza as
explicações sobre “os comunistas nos Estados Unidos” deriva da assunção que Moscou deteve a liderança do
processo.
14
3
Cf. DRAPER, Theodore. American Communism and Soviet Russia: The Formative Period. Nova York:
Viking, 1960.
4
DRAPER, Theodore. The Roots of American Communism. Nova Jersey: Transaction Publishers, 2003. p.
XIX.
15
5
Cf. WALTZER, Kenneth. The Party and the Polling Place: American Communism and an American Labor
Party in the 1930s. Radical History Review, Nova York, n. 23, p. 104-129, 1980; WALTZER, Kenneth. The
American Labor Party: Third Party Politics in New Deal-Cold War New York, 1936-1954. 1977. Tese
(Doutorado em História)–Harvard University, Cambridge, 1977; SOLOMON, Mark. The Cry Was Unity:
Communists and African Americans, 1917-36. Jackson: The University of Mississippi Press, 1998.
6
ISSERMAN, Maurice. Which side were you on: the American Communist Party during the Second World
War. Middletown: Wesleyan University Press, 1982. p. xii. “The generation of communists who joined the CP in
the early years of the Depression and remained in it until 1956”.
7
WASHINGTON, Mary Helen. Disturbing the Peace: What Happens to American Studies If You Put African
American Studies at the Center? American Quarterly, Baltimore, v. 50, n. 1, p. 1-23, mar. 1998; NELSON,
Cary. What happens when we put the left at the Center? American Literature, Durham, v. 66, n. 4, dez. 1994.
16
8
Cf. MAXWELL, William J. New Negro, old left: African-American writing and Communism between the
Wars. Nova York: Columbia University Press, 1999; MULLEN, Bill V. Popular Fronts: Chicago and African-
American Cultural Politics, 1935-46. Urbana; Chicago: University of Illinois Press, 1999; MULLEN, Bill;
SMETHURST, James Edward. Left of the Color Line: Race, Radicalism, and Twentieth-Century Literature of
the United States. Chapel Hill: The North Carolina Press, 2003; NAISON, Mark. Communists in Harlem
during the Depression. Champaign: The University Illinois Press, 2005; SOLOMON, 1998; KELLEY, Robin
D. G. Hammer and Hoe: Alabama Communists during the Great Depression. Chapel Hill: The North Carolina
Press, 1990.
9
Cf. STORCH, Randi. Red Chicago: American Communism at its Grassroots, 1928-35. Champaign: University
of Illinois Press, 2007.
17
do dia. Foi preciso cotejar a documentação e destrinchar sua lógica, que, na maior parte dos
casos, transbordava de sua própria internalidade.
A circunscrição espacial da pesquisa flutuou em diferentes dimensões. Na análise das
ideias e da agenda política, o espaço dilatou-se, especialmente quando o tema foi o
imperialismo e racismo. Por outro lado, quando se buscou amealhar as organizações
antirracistas e suas expressões no movimento comunista, os locais protagonizaram a narrativa:
Salvador, Nova York, Moscou, Paris, Chicago, Birmingham e outros.
A ideia de uma história global e transnacional permeia este trabalho muito mais como
um procedimento de trabalho que propriamente uma noção de história à parte.10 Se está clara
a função de uma história transnacional para combater versões provincianas da história dos
Estados Unidos, exageradamente autocentradas em variantes do “excepcionalismo”, em
estudos de caso essencialmente transnacionais, como este, não está claro outro benefício para
seu uso senão possibilitar a própria execução do trabalho. Não foi possível encontrar outro
caminho senão deixar-se seguir pelo próprio movimento desenhado pela documentação, uma
vez que foram reconstruídos os meandros, as idas e vindas do processo de construção de
agendas para a questão negra no decorrer da existência da Comintern.
Uma protagonista desta história é a Internacional Comunista. Sua genealogia, do
ponto de vista factual, relativa à sua fundação e inspirações políticas já foi objeto de amplo
debate historiográfico sobre o qual pouco será acrescentado. No entanto, é preciso realçar o
lugar de escrita deste texto em relação ao tema.
Em março de 1919, quando a IC foi fundada, completava-se um ano da assinatura do
Tratado de Brest-Litovski com as potências ocidentais envolvidas na Grande Guerra.
Alemanha, Bulgária (então chamada a Prússia dos Bálcãs), Turquia e o Império Austro-
Húngaro, por um lado, e a Rússia, por outro, acordaram na cessão de territórios do antigo
Império Russo e na renúncia de dívidas de guerra, de acordo com o artigo IX. Dessa maneira,
o esfacelamento do Império Russo se deu, sobretudo, na sua borda Oeste, onde Ucrânia,
Estônia, a região da Livônia e a Finlândia deixariam de estar sob soberania russa. O objetivo
dos bolcheviques era evitar a sangria dos já escassos recursos caso fosse preciso pagar dívidas
de guerra. Além disso – e não menos importante – vigeu na política externa bolchevique, por
10
Ver debate: MCGERR, Michael. The Price of the “New Transnational History”. The American Historical
Review, Durham, v. 96, n. 4, p. 1056-1067, out. 1991; VEYSEY, Laurence. The Autonomy of American History
Reconsidered. American Quarterly, Baltimore, n. 31, p. 455-77, outono 1979; IRIYE, Akira. The
Internationalization of History. The American Historical Review, Durham, v. 94, n. 1, p. 1-10, fev. 1989;
TYRRELL, Ian. American Exceptionalism in an Age of International History. The American Historical
Review, Durham, v. 96, n. 4, p. 1031-1055, out. 1991.
18
algum tempo, uma sincera política pela autodeterminação dos povos, exercida sem
relativizações.
Para este trabalho, um aspecto fundamental da relação que a Comintern manteve com
seus militantes em todo o mundo foi o papel de arregimentadora de vontades coletivas. A
fundação da Internacional Comunista, ou a Terceira Internacional, aconteceu num momento
raro de confluência de fenômenos e processos que desafiariam qualquer teleologia ou
previsibilidade histórica. Por esse mesmo motivo, não parece frutífero pensar as elaborações
de bolcheviques e socialistas destes curtos anos pós-1917 em termos de ilusões psicanalíticas.
A IC disputou corações e mentes e venceu muitos deles. A utopia alastrada pela Comintern
sob a aura da Revolução de 1917 e o sonho moderno de liberdade e igualdade plenas não
podem ser diminuídos em nenhuma análise a respeito do movimento comunista internacional.
Aldo Agosti afirma que os aspectos ilusórios que existiram nas primeiras análises não
ignoraram a base que fundamentava a estratégia global da Revolução Bolchevique: a dupla
necessidade, ao mesmo tempo, de expandir o processo revolucionário e defender a “fortaleza
bolchevique”. 11 A dimensão necessariamente global de toda a estratégia bolchevique
culminou no conceito de partido mundial da revolução (sobre isso já há bibliografia).
Curiosamente,
Se analisarmos os documentos e os debates do primeiro ano de vida do Comintern,
com efeito recolhemos a impressão de que – precisamente quando era mais viva a
confiança na iminência da revolução mundial e maior era o peso que ela tinha no
horizonte estratégico do movimento comunista – o conceito de partido mundial da
revolução era mais impreciso e mais indeterminado. Decerto, há diversas razões que
explicam essa anomalia. As condições objetivas (isolamento da Rússia através do
cordão sanitário, inconsistência e debilidade das frações ou dos partidos comunistas
na maior parte dos países, impossibilidade para o Comintern de influir diretamente
no curso dos eventos em situações que se apresentavam como revolucionárias)
fizeram com que, durante todo o ano de 1919, o Comintern não fosse absolutamente
aquele “estado-maior da revolução mundial” em que aspirava a se converter, mas
sim o restrito núcleo de uma organização que devia ainda, em grande parte, ser
criada: bem mais uma idéia-força do que um organismo em funcionamento.12
11
AGOSTI, Aldo. As Correntes Constitutivas do Movimento Comunista Internacional. In: HOBSBAWM, Eric
et al. O marxismo na época da Terceira Internacional: da Internacional Comunista de 1919 às Frentes
Populares. São Paulo: Paz e Terra, 1988. p. 104.
12
Ibidem, p. 105-6.
19
13
DEGRAS, Jane. The Communist International, 1919-1943. Londres/Nova York: Oxford University Press,
1959. v. 2. p. 355.
21
dimensionar os termos em que as questões raciais foram discutidas por comunistas latino-
americanos anos depois, sob a rígida influência dos soviéticos. Pelo mesmo motivo, neste
capítulo será apresentada a moldura em que Josef Stalin operou sua ideia de
autodeterminação, que o alçou ao posto de formulador de política para “os povos coloniais”
mesmo antes de se tornar a figura central do regime soviético.
14
Cf. BENNER, Erica. Really existing nationalisms: a post-communist view from Marx and Engels. Oxford:
Oxford University Press, 1995. p. 171-208.
15
Os antecedentes desse debate se encontram introduzidos em: LÖWY, Michael. O Sonho Naufragado: a
Revolução de Outubro e a questão nacional. Revista Lutas Sociais, São Paulo, v. 7, mar. 2011.
16
O processo de bolchevização teve início a partir do II Congresso da IC, quando as 21 condições foram
impostas para que os partidos de todo o mundo pleiteassem participar da Comintern. Em outubro de 1924, o
comunista estadunidense James Cannon escrevia: “O Congresso achou que todos os partidos da Internacional,
com exceção do Partido Russo, estão distantes dos requerimentos para serem considerados como um Partido
Bolchevique” (CANNON, James Patrick. James P. Cannon and the Early Years of American Communism:
Selected Writings and Speeches, 1920-1928. Nova York: Spartacist Publishing Co., 1992. p. 233). Sobre as
polêmicas em torno do processo de bolchevização: DEUTSCHER, Isaac. Trotski: o profeta armado (1879-
22
1921). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005a; DEUTSCHER, Isaac. Trotski: o profeta desarmado (1921-
1929). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005b; PIATNITSKY, Ossip. The Bolshevization of the
Communist Parties by eradicating the social-democratic traditions. Manchester: Co-operative Printing
Society, [s.d.]; FREYMOND, Jacques (Org.). Contribuitions a l’Histoire du Comintern. Genebra: Droz, 1965.
(Publications de l’Institut Universitaire de Haute Études Internationales, 45); WOHL, Robert. French
Communism in the Making, 1914-1924. Stanford: Stanford University Press, 1966; LINDEMANN, Albert S.
The Red Years: European Socialism Versus Bolshevism, 1919-1921. Los Angeles: University of California
Press, 1974; LAPORTE, Norman; MORGAN, Kevin; WORLEY, Matthew. Bolshevism, Stalinism and the
Comintern: Perspectives on Stalinisation, 1917-1953. Nova York: Palgrave MacMillan, 2008. Para uma versão
online das 21 condições (em inglês): MINUTES of the Second Congress of the Communist International:
Seventh Session – July 30. Marxists Internet Archive. [s.d.]. Disponível em:
<http://www.marxists.org/history/international/comintern/2nd-congress/ch07.htm>. Acesso em: 20 set. 2012.
17
O fracasso das “revoluções” europeias foi creditado a uma “bolchevização inadequada” (ELEY, Geoff.
Forging Democracy: The history of the Left in Europe, 1850-2000. Oxford: Oxford University Press, 2002. p.
254). Como consequência das derrotas da esquerda europeia, o modelo bolchevique ascendeu como principal
referência no campo da esquerda e, em função disso, materializou-se durante o V Congresso da IC, em 1924,
uma certa acepção de “bolchevização”, a qual postulava que o termo “significava estrito centralismo da
organização; respeito disciplinado às diretivas da Comintern; e teoria ‘Leninista’” (Ibid., p. 251).
18
Stalin era o único não russo entre os principais componentes do Partido Comunista da União Soviética. Havia
nascido na Geórgia submetida ao antigo Império Russo Czarista. Ainda em 1913 escrevera uma crítica ao
Partido Social Democrata Trabalhista Russo em razão de uma relativização do conceito de autodeterminação,
que obliterara o sentido internacionalista das formulações da Liga Caucasiana que, por sua vez, era integrante do
Partido. Cf. STALIN, Josef V. On the road to nationalism. Marxists Internet Archive. 2008. Disponível em:
<http://www.marxists.org/reference/archive/stalin/works/1913/01/12_2.htm>. Acesso em: 14 out. 2012.
Defenderia a autonomia regional das nações pertencentes ao Império ao mesmo tempo em que adotava o
internacionalismo como saída para o problema da divisão dos trabalhadores em torno do nacionalismo: “O único
meio de evitar isso [a fragmentação do Partido] é a organização segundo os princípios do intemacionalismo”. E
insiste no exemplo dos caucasianos como organização internacionalista (STALIN, Josef V. O marxismo e o
problema nacional e colonial. São Paulo: Ciências Humanas, 1979. p. 60.) Josef Stalin não apresentaria
23
discordâncias profundas com outros bolcheviques a respeito do internacionalismo até o início do chamado
“segundo período”, que durou de 1924 a 1928.
19
Sob o argumento de que havia uma sublevação comunista em curso e que o Exército Vermelho apenas
aumentaria as chances contra os mencheviques, Stalin enviou, com o apoio de Lênin e do politburo, em fevereiro
de 1921, destacamento do II Exército Vermelho para invadir a Geórgia e expulsar o governo. Cf. CARR,
Edward Hallett. “Self-determination in practice” e “The balance-sheet of self-determination”. In: ______. The
Bolshevik Revolution (1917-1923). Nova York: MacMillan Company, 1985. v. 1. p. 286-379.
20
Este é obviamente um tema polêmico sobretudo porque se trata de um país cuja independência não completou
sequer 100 anos e sua historiografia ainda é parte de um esforço que ajuda a moldar uma dada identidade
nacional. Os eventos da Segunda Guerra Mundial, a chamada “Guerra do Inverno”, promoveram uma imagem
da independência finlandesa que não corresponde necessariamente à realidade. A participação decisiva de Stalin
na concessão soviética é obliterada, por exemplo, da grande narrativa de fundação da Finlândia. Lênin, ao
contrário, é visto como decisivo. Diferentemente de Deutscher, parte significativa da historiografia finlandesa
entende a iniciativa de Lênin como um ato deliberado de concessão do poder aos que seriam sovietes
finlandeses. Tendo em vista o fracasso da iniciativa, os soviéticos teriam insuflado uma guerra civil que, embora
curta, deixaria cicatrizes na memória histórica daquele país e ajudaria a forjar uma ponte com o dorso da Europa:
a Alemanha (MEINANDER, Henrik. A History of Finland. Londres: C. Hurst & Co., 2011. p. 124-135).
Mesmo nesse ato de concessão e aplicação de suas formulações longamente trabalhadas desde 1912 sobre
autodeterminação, Stalin já se mostra hesitante.
21
DEUTSCHER, Isaac. Stalin: uma biografia política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. p. 206.
24
22
Ibid., p. 206-7.
23
DEUTSCHER, 2006, p. 208.
24
A partir de 1928, Stalin defenderia uma tese variante do federalismo para a Rússia.
25
Essa tese está em Isaac Deutscher: “Nos anos imediatamente seguintes [ao colapso do comunismo alemão em
1923], o destino do Komintern permaneceria em aberto. Embora Stalin julgasse a organização mais ou menos
inútil como instrumento da revolução, não podia dissociá-la do partido dominante russo – os laços entre
bolchevismo e Komintern eram muito fortes para permitir tal dissociação. O Komintern, por outro lado, estava
inspirado pelo sentimento de missão. Representava apenas a minoria da classe operária européia, mas tratava-se
de minoria ampla e importante que incluía os elementos mais ativos, ardorosos e idealistas do proletariado
ocidental. Sua atividade não podia deixar de perturbar a diplomacia soviética. Eis um dos motivos que levaram a
tentar domesticar a indisciplinada organização. Naqueles anos, os dirigentes comunistas europeus, embora
aceitassem a orientação dos bem-sucedidos especialistas bolcheviques em revolução, ainda falavam com eles de
igual para igual e davam como óbvio o próprio direito de opinar sobre as questões russas. A maioria deles,
inicialmente, tomou partido de Trotski contra Stalin, dos bolcheviques de orientação européia contra a
25
Comissariado de Assuntos Internacionais, viria a ter ligação com o papel do PCUS como
articulador da revolução mundial; esta, por sua vez, submetida à proteção do novo estado
soviético. A chamada “russificação” da Comintern, cujo ápice foi a centralização da IC pelo
PCUS, é um indício da imbricação da política externa soviética com o alastramento da
revolução pelo globo onde a agenda desta se encontra submetida à daquela.
Até meados da década de 1920, em que pese o paulatino aparelhamento da Comintern
em relação aos organismos russos da administração estatal, a IC conseguiria pautar questões
próprias, mas, a partir do VI Congresso, em 1928, quando se concretizou o pleno domínio
staliniano, já havia uma preponderância da política externa soviética sobre as formulações da
IC. As teses que incentivariam a secessão política em países com minorias “raciais” oprimidas
seriam aplicadas, como no Peru, Cuba e Estados Unidos. Assim, apesar do pretenso
radicalismo do chamado “terceiro período”, iniciado no VI Congresso, da “classe contra
classe”, a aplicação da tese aprofundou a noção da autodeterminação como sinônimo virtual
de nacionalismo distanciando-se do internacionalismo propugnado na década de 1910 na
medida em que recrudesceram os espaços locais de identificação e de pontes de solidariedade.
Quando as diretivas que ordenavam secessão política baseada em aspectos raciais
chegaram às seções partidárias da IC, instalaram-se nelas crises intestinas e, na maior parte
das vezes, as diretrizes separatistas não foram seriamente consideradas pelos comunistas.26
Não foram raros os confrontos entre uma militância comunista intelectualizada e autóctone
contra um setor centralizado às determinações de Moscou. Parte desses dissensos tinham
como epicentro a interpretação da questão racial como fragmento explicativo das realidades
nacionais. O peso dado à questão faria variar as elaborações sobre o imperialismo e,
consequentemente, as ações anti-imperialistas. Como já foi dito, um choque se estabeleceu
pós-1928 entre os comunistas alinhados a Moscou e aqueles guiados majoritariamente pela
realidade nacional. Trata-se precisamente do problema fulcral entre os comunistas
estadunidenses quando confrontados com a tese do Cinturão Negro (Black belt thesis) e,
surpreendentemente embora em menor grau, é também o problema de comunistas brasileiros
e no restante da América Latina, que terminaram por recusar, uns com mais vigor, outros com
estabilizada hierarquia russa de secretários. Desse modo, tanto por motivos domésticos quanto diplomáticos,
Stalin não podia deixar de estender ao Komintern, ainda acostumado à interação de variadas correntes, tradições
e pontos de vista, os métodos com os quais reformulava o partido russo como partido ‘monolítico’”
(DEUTSCHER, op cit., p. 419-420).
26
Cf. WEISS, Holger. The Road to Hamburg and Beyond: African American Agency and the Making of a
Radical African Atlantic, 1922-1930. Part One. Turku: Abo Akademi, 2009. p. 10. Disponível em:
<http://www.abo.fi/institution/en/media/7957/cowopa16weiss.pdf>. Acesso em: 2 set. 2012; JOHNS, Sheridan.
The Comintern, South Africa and the Black Diaspora. The Review of Politics, Notre Dame, v. 37, n. 2, abr.
1975; KELLEY, 1990; NAISON, 2005; MULLEN; SMETHURST, 2003; SOLOMON, 1998.
26
menos, as diretrizes vindas de Moscou. É possível atribuir essa resistência também ao modus
operandi da comunicação entre os comunistas de todo o mundo e a III Internacional.
***
27
YAMANOUCHI, Akito. The Early Comintern in Amsterdam, New York and Mexico City. Journal of
History, Fukuoka, v. 147, p. 102, 2010. Disponível em: <https://qir.kyushu-
u.ac.jp/dspace/bitstream/2324/16911/1/pa099.pdf>. Acesso em: 14 ago. 2012. Atualização em jan. 2015:
<http://catalog.lib.kyushu-u.ac.jp/handle/2324/16911/pa099.pdf>.
27
Ainda que cético do real papel cumprido pelo Bureau de Amsterdã, Pierre Broué
reconhece o fato de que se tratava de um posto avançado e que “visava ao Novo Mundo, à
Grã-Bretanha, à França e de maneira geral ao Extremo Ocidente”.30 A ligação com Louis
Fraina, importante líder do movimento socialista americano, por parte do encarregado Sebald
Justinus Rütgers, é identificada pelo próprio Broué. Em dezembro de 1919, um relatório da
inteligência britânica também aponta para essa ligação entre holandeses e a propaganda
comunista internacional:
As autoridades holandesas estão cientes que agentes bolcheviques estão entrando na
Holanda com propósitos de propaganda externa. Eles chegam via Winschoten e
Nieuweschans e então procedem a Roterdã, onde eles embarcam em navios que
saem do porto como membros das tripulações ou como intrusos. É prevista para
logo a chegada de emissários bolcheviques americanos carregando altas somas. Eles
podem viajar via Inglaterra.
[...] É confiável o relato de que agentes alemães estão fazendo esforços ainda
maiores para espalhar a propaganda bolchevique no Reino Unido e também na Índia
e no Japão. Uma organização para esse propósito foi estabelecida na Holanda e os
capitães e tripulações de embarcações holandesas são subornados para transportar
agentes bolcheviques a Suez, onde eles devem desembarcar.
[...] É também relatado que Sneevliet, que foi recentemente expulso das Índias
Holandesas Orientais e que está no presente momento trabalhando no “Tribune”, um
28
“6) To commission [the Section] to establish connections with all the countries. 7) To empower the Section in
Holland in exceptional cases, without giving time, to come out independently by the name of the Third
International.” YAMANOUCHI, 2010, p. 106.
29
“Rutgers, the Dutch delegate to the first congress, was instructed to set up a west European bureau of the
Comintern in Holland, because of Moscow's isolation. The bureau was established at the end of 1919 in
Amsterdam. The west European secretariat, also set up in the autumn of 1919, had its seat in Berlin and included
Paul Levi among its members. It had been started by Thomas, a Bavarian, and Bronsky, a Pole who had served
with the Soviet trade mission in Berlin.” DEGRAS, Jane (Ed.). The Communist International, 1919-1943,
Documents. Londres: Frank Cass and Company; Oxford University Press, 1955. v. 1. p. 6-7. Tradução livre.
30
BROUÉ, Pierre. História da Internacional Comunista: a ascensão e a queda (1919-1943). São Paulo:
Sundermann, 2007. v. 1. p. 115.
28
jornal comunista editado por Wynkoop, irá brevemente aos Estados Unidos da
América e ao Japão.31
31
CAB/94/95. A Monthly Review of Revolutionary Movements in Foreign Countries, Directorate of
Intelligence (Home Office), p. 17-18, dez. 1919. “The Dutch authorities are aware that Bolshevik agents are
entering Holland for foreign propaganda purposes. They arrive by way of Winschoten and Nieuweschans and
then proceed to Rotterdam, where they board outward-bound ships either as members of the crews or as
stowaways. American Bolshevik emissaries with large funds at their disposal are said to be due to arrive in
Holland shortly. They may travel via England.
[…] It is reliably reported that German agents are making further efforts to spread Bolshevik propaganda in the
United Kingdom and also in India and Japan. An organisation for this purpose has been established in Holland
and the captains and crews of Dutch vessels are bribed to convey the Bolshevik agents to Suez, where they are to
disembark.
It is also reported that Sneevliet, who was recently expelled from the Dutch East Indies and who is at present
working on the ‘Tribune’, a Communist newspaper edited by Wynkoop, is shortly going to the United States of
America and Japan.” Não foi possível cotejar os pseudônimos.
32
Órgão ligado ao “Home Office”, criado em 1919 para efetuar atividades “contrassubversivas”. ANDREW,
Christopher. The Inter-War Years. [s.d.]. Disponível em: <https://www.mi5.gov.uk/home/mi5-history/mi5-
between-the-wars/the-inter-war-years.html>. Acesso em: 14 out. 2012. “It is confirmed that the Amsterdam sub-
Bureau of the Third Internatioual has not been closed down.” CAB/24/112. A Monthly Review of
Revolutionary Movements in Foreign Countries, Directorate of Intelligence (Home Office), p. 12, set. 1920.
33
YAMANOUCHI, 2010, p. 107.
29
34
“Quando ouvimos como se difundiu rapidamente a ideia dos Sovietes na Alemanha e mesmo na Inglaterra,
para nós isto é uma importantíssima prova de que a revolução proletária vencerá. Só por breve tempo será
possível deter a sua marcha.” LENINE, Vladimir. I Congresso da Internacional Comunista: Teses e Relatório
sobre a Democracia Burguesa e a Ditadura do Proletariado. In: ______. Obras Escolhidas. 2. ed. São Paulo:
Alfa-Omega, 2004. v. 3. p. 87.
30
enviado à América Latina por Lênin. Ela reconstrói a biografia comumente aceita de Mikhail
Markovic Gruzenberg, o Borodin: nascera em 1884, se tornaria um revolucionário desde os
16 anos e iniciara sua participação na Revolução de 1905 apenas para ser preso e exilado.35
Em 1906, já nos Estados Unidos, ele estudaria direito na Universidade de Valparaiso, no
estado de Indiana, e tomaria parte no Socialist Party of America. De acordo com Spenser,
apenas em julho de 1918 ele retornaria a Moscou:
E foi recrutado para trabalhar no Comissariado para Assuntos Externos e ao mesmo
tempo na Comintern. Nessa empreitada dupla, Lênin enviou Borodin ao Novo
Mundo para apoiar economicamente a missão comercial Soviética estabelecida em
Nova York em 1918 e, usando o México como uma base de operações, organizar e
financiar os partidos comunistas na América Latina.36
35
CABALLERO, Manuel. Latin America and the Comintern 1919–1943. Cambridge: Cambridge University
Press, 1986; SPENSER, Daniela. The Impossible Triangle: Mexico, Soviet Russia and the United States in the
1920s. Duke; Londres: Duke University Press, 1999; SPENSER, Daniela. Stumbling its way through Mexico:
the early years of the Communist International. Tuscaloosa: University of Alabama Press, 2011; FREYMOND,
1965.
36
SPENSER, 1999, p. 39-40.
37
Cf. JEIFETS, Victor; JEIFETS, Lazar. Michael Borodin: The First Comintern-emissary to Latin America (Part
1). The International Newsletter of Historical Studies on Komintern, Communism, and Stalinism, v. 2, n.
5-6, p. 145-149, 1994-1995; JEIFETS, Victor; JEIFETS, Lazar. Michael Borodin: The First Comintern-emissary
to Latin America (Part 2). The International Newsletter of Historical Studies on Komintern, Communism,
and Stalinism, v. 3, n. 7-8, p. 84-88, 1996.
38
ULDRICKS, Teddy J. Diplomacy and Ideology: The origins of Soviet Foreign Relations, 1917-1930.
Londres; Bervely Hills: Sage Publications, 1979. p. 167.
31
limitando os poderes da Internacional nesses primeiros anos. Para além deste problema, a
biografia de Borodin indica uma quantidade de feitos que nem historiadores nem serviços de
inteligência conseguiram traçar, seja porque ele, de fato, não deixou rastros seja porque talvez
ele não tenha sequer saído dos Estados Unidos antes de fins de 1918.39
Mikhail Borodin, amigo ou não de Lênin, teve a tarefa de apoiar tanto a missão
Martens, em Nova York,40 como a efetivação de um braço bolchevique no México. Sua
chegada a este país, em meados de 1919, é um dos elementos mais controversos na
historiografia do Partido Comunista Mexicano (PCM).41 Primeiro, porque se envolveu na
história de perda de joias dos Romanov.42 Segundo, porque no México seria acompanhado
pelo militante anticolonial Manabrenda Nath Roy, com quem, junto com americano José
Allen, fundaria o Partido Comunista do México. Terceiro, porque José Allen era, na verdade,
informante da inteligência militar estadunidense. 43 Por fim, porque Borodin ganharia
rapidamente capacidade de inserção em setores governamentais assim como no núcleo da
classe trabalhadora urbana mexicana.
As missões de Borodin dividiam-se entre a IC e o Narkomindel. Ao mesmo tempo que
recebera ordens para organizar sindicatos do mundo do trabalho urbano no país, tinha como
missão garantir o reconhecimento da URSS por parte do México. Este país aparecia como
estratégico entre os comunistas. Em que pesem a organização dos trabalhadores argentinos
ligados à fundação do Partido Internacional Socialista que já havia pedido filiação à
Comintern em abril 1919 e a influência que esse partido passaria a ter entre trabalhadores
chilenos e uruguaios, segundo Jeifets e Jeifets, os soviéticos avaliavam que:
O México pareceu ser o único país latino-americano que não cortou relações
diplomáticas com Moscou depois que os bolcheviques chegaram ao poder. (O
México apenas retardou por um tempo.) Mas a principal razão, talvez, era que o
México sofria com eventos similares com aqueles que a Rússia sofria: a revolução, o
conflito com “o vizinho imperialista” (os EUA), e certo isolamento do mundo.
Moscou considerou o México como “o nó latino-americano das contradições” e
como o centro natural do movimento revolucionário continental. O movimento dos
trabalhadores mexicanos estava conectado de maneira próxima ao americano e isto
39
A história dos primeiros emissários soviéticos ainda é objeto de informações desencontradas. As especulações
são comuns haja vista as dificuldades de se realizarem pesquisas em Moscou. Nos últimos 20 anos tem havido
um esforço no sentido de produzir relatos mais confiáveis. Cf. JEIFETS; JEIFETS, 1994-1995, p. 145-149.
40
No próximo capítulo.
41
ROY, Manabrenda Nath. M. N. Roy’s Memoirs. Bombay: Allied Publishers, 1964. p. 177.
42
A história remete à perda de diamantes por parte de Gruzenberg, o Borodin. Enquanto ele tentava
contrabandear as pedras para financiar o movimento comunista nos Estados Unidos e América Latina, terminou
pedindo ajuda a um viajante a quem confiou uma pasta de fundo falso contendo as pedras. As joias só
retornariam à Rússia em 1948 após terem ficado sob posse irlandesa, já que à época os diamantes serviram de
garantia para um empréstimo concedido pelo primeiro-ministro daquele país. Cf. DRAPER, 1957, p. 235-243;
JEIFETS; JEIFETS, 1994-1995, p. 147.
43
CARR, Barry. Marxism and Anarchism in the Formation of the Mexican Communist Party. The Hispanic
American Historical Review, Durham, v. 63, n. 2, p. 294, mai. 1983.
32
Por outro lado, há quem aponte motivos mais pragmáticos para ida de Borodin ao
México. Barry Carr sugere que suas primeiras ações no México seguiram mais as diretrizes
diplomáticas que cominternianas. Baseado nos relatos do indiano Manabrenda Nath Roy, Carr
sugere que trocas comerciais estavam na agenda tanto quanto uma ajuda para recuperar as tais
joias, mas:
Borodin estava também interessado em assegurar apoio mexicano e possivelmente
até mesmo um reconhecimento diplomático para o novo governo Soviético.
Carranza estava deveras impressionado com a declaração russa acerca do apoio de
seu governo à luta dos povos latino-americanos contra o colonialismo e
imperialismo e, se deveríamos acreditar no relato de Roy, autorizou Borodin a usar
os canais diplomáticos mexicanos para estabelecer comunicação com a Comintern
na Europa.45
O cenário descrito por Carr está situado numa obra autobiográfica do indiano
Manabrenda Nath Roy. Tal qual tantos outros militantes comunistas, a biografia de Roy é
recheada de lacunas. Ele era um ajudante dos alemães durante a Primeira Guerra Mundial que
trabalhava para desestabilizar o império britânico na Índia e se descreve como o responsável
pela aquisição de dinheiro e armas para a luta pela independência indiana. Isso foi feito via
Comitê Revolucionário Indiano em Berlim nos idos de 1914. Saíra da Índia e circularia a Ásia
em busca de armas para ajudar o movimento de libertação nacional em seu país de origem.
Após o fracasso da independência e uma longa viagem pelo Pacífico, desembarcou em San
Francisco no verão de 1916 “com uma bíblia na mão”. Depois de dois meses na costa oeste,
Nath Roy iria a Nova York: “Eu tinha vindo à América na verdade como um emissário do
‘nacionalismo revolucionário’ em aliança com a Alemanha na luta contra o Imperialismo
britânico”.46 Seu plano inicial era ir à Alemanha, via Estados Unidos. Logo percebera que
seria difícil chegar ao destino, já que não recebia contato de alemães e não imaginava como
fazer a travessia do Atlântico sem apoio, seja de alemães seja de indianos do Comitê
Revolucionário. Permaneceu nos Estados Unidos, mais precisamente na costa leste. A
Primeira Guerra chegara aos Estados Unidos e Roy teria que fugir rapidamente para o
44
JEIFETS; JEIFETS, 1994-1995, p. 146. “Mexico appeared to be the only Latin American country which didn't
break diplomatic relation with Moscow after the Bolsheviks had come in power. (Mexico just held it up for a
time). But the principal reason, perhaps, was that Mexico endured the events similar to Russia's ones: the
revolution, the conflict with ‘the imperialist neighbour’ (the USA), and certain isolation in the world. Moscow
considered Mexico as ‘the Latin American knot of contradictions’ and as the natural centre of the continental
revolutionary movement. Mexican workers’ movement was closely connected to American one, and that was
reinforced by the presence in Mexico of the large group of American socialists, anarchists and IWW members; a
lot of Latin Americans lived or worked in the USA.”
45
CARR, 1983, p. 302.
46
ROY, 1964, p. 22.
33
México, posto que procurado pela polícia. O México já era um destino vislumbrado como
plano de fuga em razão de contato com socialistas nova-iorquinos. Em seu próprio relato,
após chegar ao México, conseguiu uma audiência com o Ministro da Guerra e ouviu deste
homem de Estado que sua liberdade naquele país estava garantida, não obstante a intimação
que havia recebido pelo Ministro das Relações Exteriores.47 Começava então a relação do
indiano com setores dirigentes do Estado mexicano, e a partir disso ele colocaria Borodin em
contato com altos funcionários do governo mexicano.48
A ida de Borodin ao México se desenhou por meio do Bureau de Amsterdã e foi
orientada com o fito de patrocinar o movimento comunista nos Estados Unidos.49 Foi uma das
poucas ações de sucesso do breve bureau. De acordo com Broué:
[Os membros do Bureau de Amsterdã] Conseguiram fazer partir, de seu país para o
continente americano o russo-americano Gruzenberg, dito Borodin, com cerca de
500 mil dólares para o movimento comunista americano.50
47
ROY, 1964, p. 177.
48
ROY, op. cit., p. 3-60.
49
Cf. Nota 22 e Jeifets e Jeifets (1994-1995, p. 146).
50
BROUÉ, 2007, p. 115.
51
YAMANOUCHI, 2010, p. 109-110. Os investigadores britânicos conseguiram rastrear indícios de mudanças
no sistema de comunicação dos comunistas, a partir de uma maior descentralização dos subcomandos, já que as
responsabilidades, dali em diante, seriam individualizadas. “Enquanto isso os arquivos do sub-Bureau da
Terceira Internacional em Amsterdã e outras cidades holandesas serão aumentados, e um novo sistema de
correio entre Viena e a Inglaterra, via Holanda, será inaugurado a fim de que Bronsky, o chefe da missão
Soviética não oficial na Áustria, possa estar mais perto com a Missão russa na Inglaterra.” “Meanwhile the
archives of the sub-Bureau of the Third International in Amsterdam and other Dutch towns are to be enlarged,
and a new courier system between Vienna and England, via Holland, is to be inaugurated, so that Bronsky, the
34
head of the unofficial Soviet Mission in Austria, may be in closer touch, with the Russian Mission in England.”
CAB/24/112, 1920.
52
Tim Davenport sugere que a Agência Pan-Americana era, na verdade, a Agência Americana (AA) que teve
“originalmente o papel de unificar o fraturado movimento comunista americano e estabelecer partidos
comunistas no Canadá e México. Com a emergência da Internacional Sindical Vermelha (ISV), a AA foi
rapidamente transformada em ‘Agência Pan-Americana’ da ISV”. “[...] originally had the task of uniting the
fractured American communist movement and establishing Communist Parties in Canada and Mexico. With the
emergence of the Red International of Labor Unions, the AA was briefly transformed into the ‘Pan-American
Agency’ of RILU.” (DAVENPORT, Tim (Ed.). Roger Baldwin Raps Haywood’s “Desertion”. Corvalis: 1000
Flowers Publishing, 2007. Disponível em: <http://www.marxisthistory.org/history/usa/unions/iww/1921/0429-
leader-baldwin.pdf>. Acesso em: 30 jul. 2012.) Cf. AKERS, David. Rebel or Revolutionary? Jack Kavanagh and
the Early Years of the Communist Movement in Vancouver, 1920-1925. Labour/Le Travail, Toronto, v. 30, p.
36, outono 1992; YAMANOUCHI, 2010, passim.
53
SPENSER, 1999, p. 58-62, p. 88-89. Há também indícios de que o México era utilizado como caminho para
correspondências diplomáticas entre a União Soviética e outros Estados, sobretudo os escandinavos.
35
54
DEGRAS, 1959, p. 94.
55
Cf. MAZZEO, Antônio Carlos. Sinfonia inacabada: a política dos comunistas no Brasil. São Paulo:
Boitempo, 1999; BROUÉ, 2007; CLAUDÍN, Fernando. The Communist Movement: from Comintern to
Cominform (part two). Nova York; Londres: Monthly Review Press, 1975. Os autores são unânimes em
posicionar o Congresso de Baku, em setembro de 1920, como ponto transformador dos interesses
cominternianos na Ásia.
56
Roy fundou uma escola de formação para Comunistas da Ásia Central na atual Tashkent, Uzbequistão, no
decorrer de 1920. Sete anos depois tomaria parte na missão soviética na China, reencontrando Borodin. No
interregno entre 1920 e 1922, Borodin trabalharia no Partido Comunista da Grã-Bretanha (CPGB). Em agosto de
1922, Borodin seria preso em Glasgow. Interrogado e provavelmente em posse de documentos da Comintern, a
inteligência britânica dissecaria o movimento comunista daquele país. CAB/24/138. Report on Revolutionary
Organisations in the United Kingdom. The National Archives, 24 ago. 1922. Depois de quase um ano preso,
36
voltaria a Moscou em junho de 1923 e relataria a situação britânica. Foi para a China em setembro de 1923
começar os trabalhos que resultariam no fracasso do Kuomitang em 1927. LAZIC, Branko M.;
DRACHKOVITCH, Milorad M. Biographical dictionary of the Comintern. ed. rev. Stanford: Hoover
Institution Press, 1986. p. 39. Para um balanço das atividades cominternianas no CPGB na década de 1920, cf.
MCILROY, John; CAMPBELL, Alan. ‘Nina Ponomareva's hats’: the new revisionism, the Communist
International, and the Communist party of Great Britain, 1920-1930. Labour/Le Travail, Toronto, n. 49, p.
147-187, primavera 2002.
57
Entre 1921, saída da última missão cominterniana no México, e 1924, fundação do Secretariado Sul-
Americano, a única rotina de comunicação entre a América Latina e Moscou foi estabelecida pelos comunistas
argentinos.
58
CAB/24/116. The Second Congress of the Third International-July-August 1920: Special Report.
Directorate of Intelligence (Home Office), n. 19, p. 10, nov. 1920. “The debate on colonial and national
questions, which seems to have aroused considerable interest, was marked by a long speech by Lenin. He stated
that capitalist rule in all colonies would be overcome if only the all-powerful proletariat would carry on its
propaganda among the oppressed natives; but he was unable to state exactly what measures the communists
proposed to adopt in order to induce the proletariat to take the necessary action. However, he assured his
audience that time and experience would show them clearly the kind of policy most likely to gain their ends, and
that meanwhile the soviet idea must be utilized everywhere and adapted to local conditions. There was an
unlimited field for propaganda. A resolution was carried to the effect that the capitalist regime in Europe and in
the United States of America would be crushed at once if the various countries were to lose their colonial
possessions, in view of the fact that the colonies supplied the home governments with large revenues.”
37
Seria sob essa conjuntura que em finais de 1920 e início de 1921 três comunistas
desembarcariam no México para criar uma organização comunista na América Latina, a partir
daquele país. Sen Katayama, Louis Fraina e Charles Phillips. Esses três homens, sob a
liderança do japonês septuagenário, defrontaram-se com um partido comunista que existia
apenas virtualmente sob o comando de José Allen, que, como já informado, era agente
infiltrado do Inteligência Militar dos Estados Unidos. Tornando públicos os 21 pontos
necessários para filiar-se à Internacional Comunista e angariando organizações sindicais
interessadas em fazer parte da nova Internacional Sindical, os três tiveram seus trabalhos
facilitados pela transferência de fundos da Comintern. De qualquer sorte, pouco puderam
fazer para estabelecer um legado organizativo permanente: o governo Obregón recrudesceu a
59
Cf. AGOSTI, Aldo. Il partito mondiale della rivoluzione: Saggi sul comunismo e l'Internazionale. Milão:
Unicopli, 2009; TOSSTORF, Reiner. Profintern: Die Rote Gewerkschaftsinternationale, 1921-1937. Paderborn:
Schoeningh Ferdinand, 2004.
60
“El Congreso se abstuvo de cualquier pronunciamiento sobre la creación de una Internacional sindical – quizá
porque no hubiese sido fácil el obtener una mayoria. Pero mientras el Congreso estaba en sesión, un grupo que
representaba a las delegaciones rusa, italiana y búlgara, algunos miembros de la delegación británica y un solo
delegado francés de la extrema izquierda, pretendiendo dudosamente hablar en nombre de ocho millones de
trabajadores organizados, decidieron crear un Consejo Sindical Internacional (Mezhsovprof) cuya principal
función sería la de organizar un ‘congresso internacional de sindicatos rojos’. Lozovski se convertió en
presidente del nuevo consejo, con Tom Mann y Rosmer como vicepresidentes. La dependencia del Mezhsovprof
con respecto al IKKI se puso de manifiesto cuando se propuso que el IKKI hiciese un llamamiento a ‘todos los
sindicatos del mundo’ denunciando ‘la Internacional amarilla de Amsterdam’ e invitándolos a unirse a la nueva
Internacional sindical.” CARR, 1985, p. 220.
38
repressão a partir de meados de 1921, deportou Phillips para Guatemala, e, como este era o
único dos três que sabia falar espanhol, a militância se tornou mais difícil. Ainda que antes
tenham criado mecanismos de propagação de informação como a editora Biblioteca
Internacional e efetivado contatos com unidades sindicais antes mesmo da fundação da
Profintern, o resultado da atuação de Katayama e Fraina não respondeu às expectativas da
Comintern. Ao fim de outubro de 1921, Katayama já havia embarcado de volta a Moscou, e
Fraina, além de sugerir a vinda de comunistas soviéticos experientes, teria também sido
incumbido de realizar uma prospecção na América do Sul para avaliar as possibilidades de
organização do movimento.61
61
SPENSER, 1999, p. 49.
62
A política de Frente Única estabelecida desde 1921 encontraria seu fracasso na Europa em novembro de 1923
quando os comunistas do KPD (Kommunistische Partei Deutschlands) foram derrotados e o partido proibido de
funcionar por seis meses. A Frente Única consistia numa aliança com a “pequena-burguesia” e suas organizações
que, no caso alemão, era o Partido Socialdemocrata Alemão (SENA JÚNIOR, Carlos Zacarias. Frente Única,
Frente Popular e Frente Nacional: anotações históricas sobre um debate presente. In: COLÓQUIO
INTERNACIONAL MARX-ENGELS, 5., 2007. Anais eletrônicos... Campinas: Unicamp, 2007. Disponível
em: <http://www.unicamp.br/cemarx/anais_v_coloquio_arquivos/arquivos/comunicacoes/gt7/sessao3/Carlos_
Zacarias.pdf>. Acesso em: 14 out. 2012.) Com este último fracasso, alguns comunistas tiveram o argumento
necessário para, em finais de 1924, defender a retração revolucionária e instalar o “segundo período”, tempo em
que fora defendido o socialismo num só país. Cf. CARR, Edward Hallett. Socialism in One Country. Nova
York: MacMillan, 1958. (History of Soviet Russia, n. 5).
39
63
BROUÉ, 2007, p. 365.
64
Há, aqui, uma controvérsia cronológica uma vez que Daniel Campione afirma, em seu livro, que “los primeros
pasos del Partido Socialista Internacional, agrupación politica fundada en enero de 1918 como desgajamiento del
Partido Socialista de la Argentina, que se convirtió, en diciembre de 1920, en Partido Comunista, como Séccion
Argentina de la Internacional Comunista” (CAMPIONE, Daniel. El comunismo en Argentina: sus primeros
pasos. Buenos Aires: Ediciones del Centro Cultural de la Cooperación Floreal Gorini – CCC, 2005. p. 3.). A
base para a citação no corpo do texto provém do seguinte trecho: “En el II Congreso del PSI reunido los días 19
y 20 de abril de 1919 es reelegido miembro del CE con el cargo de legado a los congresos internacionales. En
ese mismo año preside el I Congreso Extraordinario del partido, reunido los días 25 y 26 de diciembre, en el que
se adopta el nombre de Partido Comunista de la Argentina y se aceptan las 21 condiciones para adherer a la III
Internacional contenidas en la Circular Zinoviev” (verbete “Penelón, José Fernando”, em TARCUS, Horacio
(Ed.). Diccionario Biográfico de la Izquierda Argentina: de los anarquistas a la “nueva izquierda” (1870-
1976). Buenos Aires: Emecé, 2007. p. 499). Há, no entanto, um entendimento de continuidade entre o PSI e o
PCA em que pese a mudança de nome, já que não se alterou a composição partidária. (CAMPIONE, Daniel;
MAIER, Bárbara; CANTERA, Mercedes Fernanda López. Buenos Aires-Moscú-Buenos Aires: los comunistas
argentinas y la Tercera Internacional, primera parte (1921-1924). Buenos Aires: Ediciones del CCC, 2007. p.
23.)
40
65
DEGRAS, 1955b, p. 282. “EXTRACTS FROM A MANIFESTO OF THE ECCI ON THE CONCLUSION
OF THE THIRD COMINTERN CONGRESS. 17 July 1921. The first meeting of the Executive after the third
congress admitted the Communist Party of Argentina, which was asked to set up a propaganda bureau for Latin
America.” Os vínculos inicias dos comunistas no México e na Argentina se davam diretamente com Moscou. A
IC não prescindia da centralização do processo de formação das redes de comunicação entre a Rússia e América
Latina.
66
Cf. verbete “Ghioldi, Rodolfo José” em Tarcus (2007, p. 252).
67
A Argentina teria sido mais fácil de compreender em função de suas semelhanças com a Europa e, talvez por
isso, passou a ocupar, rapidamente, uma posição de liderança na América do Sul. Durante a vigência da III
Internacional, Rodolfo Ghioldi e Victorio Codovilla foram as lideranças mais estáveis e duradouras. Cf.
CABALLERO, 1986, p. 45. Caballero ainda levanta outros dois motivos que teriam atraído o interesse dos
estrategistas soviéticos para a Argentina. Não há acordo com as proposições do autor, posto que: 1) os conflitos
de classe e suas condições só se assemelhariam às europeias em Buenos Aires, os conflitos no campo tinham
características “latino-americanas”; e 2) havia imigrantes em outros países da América Latina que poderiam
exercer a tarefa de tradução (do alemão, russo, francês e inglês) para fomentar as atividades de propaganda.
68
LENINE, Vladimir. O Imperialismo, fase superior do capitalismo. In: ______. Obras Escolhidas. 3. ed. São
Paulo: Alfa-Omega, 1986. v. 1. p. 575-671.
41
estrutura sobre a qual se assentava o conflito capitalista mais relevante para aquele momento:
o anglo-americano em “Economic Basis of Imperialism in the U.S. of North America”,
publicado em 1921. Sua tese central era a existência de um conflito interimperialista entre
Estados Unidos e Inglaterra, tese posteriormente partilhada na segunda metade da década de
1920 por Astrojildo Pereira para uma interpretação do imperialismo na América Latina e
defendida desde 1924 por Otávio Brandão em “Agrarismo e Industrialismo”.69
Há poucos trabalhos produzidos no Brasil acerca dos vínculos latino-americanos do
movimento comunista internacional. Os escritos repetem-se, tanto nas fontes como nos
argumentos. A aparição do PCA serve habitualmente para justificar o enredo sobre o
Secretariado Sul-Americano e a influência da Comintern sobre o PCB. A direção do PCA tem
sido analisada sob a égide do alinhamento a Moscou.70
69
KAREPOVS, Dainis. A esquerda e o parlamento no Brasil: o Bloco Operário e Camponês (1924-1930).
2001. Tese (Doutorado em História Social)–Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de
São Paulo, São Paulo, 2001. p. 611. Eugen Varga escreveu em 1921 “Economic Basis of Imperialism in the U.S.
of North America”. Varga concluía: “Nós presumimos que o ponto alto da crise já foi alcançado, sintomas de
melhora das condições econômicas estão para ser observados. Alguém pode dizer com certeza que, dada a
colossal riqueza do país, o capitalismo imperialista será capaz de lidar efetivamente com a crise. Mas, apesar de
toda essa riqueza, não obstante a eficácia da política que procura compensação na América do Sul e na China
pelas perdas dos mercados europeus – a restauração da economia pública americana é impossível se a quebra do
capitalismo europeu continuar no ritmo anterior. O futuro precisa levar inevitavelmente a uma colisão entre as
três potências – os Estados Unidos, Inglaterra e Japão – uma colisão que é provocada em razão dos esforços de
cada um desses países em adquirir posse dos, até agora saudáveis, elementos da economia pública mundial. Essa
segunda guerra mundial provocará então uma crise dos países capitalistas similar a esta que no presente começa
a ter efeitos na Europa continental”. Texto original: “We presume that the highest point of the crisis has been
attained already, symptoms of improvement of the economic conditions are to be observed. One may say with
assurance that, owing to the colossal wealth of the country, imperialist capitalism will be able to cope with the
crisis. But, notwithstanding all this wealth, in spite of the efficacy of the policy which is seeking in South
America and China compensation for the loss of the European markets—the restoration of American public
economy is impossible if the breakdown of European capitalism should continue at the former rate. The future
must lead inevitably to a collision between three world Powers—the United States, England and Japan—a
collision which is called forth by the efforts of each of these countries to acquire possession of the, as yet
healthy, elements of the world public economy. This second world war will call forth then a crisis of the
capitalist countries similar to the one which has at present taken hold of continental Europe.” (VARGA, Eugen.
Economic Basis of Imperialism in the U.S. of North America. Marxists Internet Archive. 2010. Disponível em:
<http://www.marxists.org/archive/varga/1921/x01/x01.htm>. Acesso em: 18 set. 2012). Trotski, em 1921,
participou da escrita junto com Varga do seguinte texto: “The International Situation: a Study of Capitalism in
Collapse” (In: Marxists Internet Archive. 2010. Disponível em:
<http://www.marxists.org/archive/varga/1921/x01/x02.htm>. Acesso em: 18 set. 2012). Em 1925, o mesmo
Trotski defenderia a tese do choque imperialista entre Inglaterra e Estados Unidos: PINHEIRO, Paulo Sergio.
Estratégias da ilusão: a revolução mundial e o Brasil (1922-1935). São Paulo: Companhia das Letras, 1991. p.
154.
70
Autores argentinos afirmam que os comunistas argentinos não se alinharam à IC de maneira inquestionável.
“Uma análise mais pormenorizada revela que ao PC argentino não faltavam totalmente iniciativa e opiniões
próprias. Nesses primeiros anos se costumava discutir duramente com os próprios representantes da
Internacional no país, e inclusive com pedido à IC de seu deslocamento [...]. Não existia, porém, a atitude de
reverência invariável pelo que vinha do ‘centro’, que se materializou anos depois.” “Un análisis más
promenorizado revela que el PC argentino no carecía totalmente de iniciativas y opiniones propias. En estos años
primeros se solía discutir duramente con los propios representantes de la Internacional en el país, e incluso pedir
a la IC su desplazamiento [...]. No existía todavía la actitud de reverencia invariable hacia lo que venía del
‘centro’, que se materializaría años después.” (CAMPIONE; MAIER; CANTERA, 2007, p. 24). Seguem
42
exemplos de trabalhos de gerações distintas que fazem uso de arsenal documental parecido: SEGATTO, José
Antonio. Breve História do PCB. São Paulo: Ciências Humanas, 1981; PANDOLFI, Dulce. Camaradas e
Companheiros: Memória e História do PCB. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1995; SENA JÚNIOR, Carlos
Zacarias. Os impasses da estratégia: os comunistas, o antifascismo e a revolução burguesa no Brasil, 1936-
1948. São Paulo: Annablume, 2009. O último exemplo se aproxima dos outros pela eleição dos documentos
partidários como fonte primordial para a história dos comunistas e do PCB.
71
ROJAS, Gonzalo Adrián. Os socialistas na Argentina (1880-1980): um século atuação política. Tese
(Doutorado em Ciência Política)–Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006. p. 130. Rojas sugere que desde
1912 os socialistas argentinos já se digladiavam em torno de uma formação partidária, o Partido Socialista, e ao
observar a composição do PSI e do PCA é possível depreender que na Argentina não havia dependência de
militantes estrangeiros.
72
Sobre a Argentina: Cf. CAMARERO, Hernán. A la conquista de la clase obrera: Los comunistas y el mundo
del trabajo, 1920-1936. Buenos Aires: Siglo XXI, 2007; LOBATO, Mirta. Rojos: Algunas reflexiones sobre las
relaciones entre los comunistas y el mundo del trabajo en la década de 1930. Prismas, Revista de história
intelectual, Bernal, n. 6, 2002. Sobre o México: Cf. CARR, Barry. La izquierda mexicana a través del siglo
XX. México DF: Ediciones Era, 1996; e VERDUGO, Arnoldo Martínez. Historia del Comunismo en México.
México: Grijalbo, 1985rijalbo, 1985ão Enlace)o
73
PINHEIRO, 1991, p. 31.
43
74
KHRUSHCHEV, Nikita; KHRUSHCHEV, Sergei (Ed.). Memoirs of Nikita Khrushchev: Commissar (1918-
1945). University Park: The Pennsylvania State University Press, 2005. v. 1. p. 20-23.
75
HOLTHOON, Frits van; LINDEN, Marcel van der. Internationalism in the Labour Movement, 1830-1940.
Leiden: E. J. Brill, 1988. v. 2. p. 125.
76
“F.495,op.65a,d.863” é o número de chamada do arquivo pessoal de Abramson e nele nada consta. Sabe-se a
partir da organização do RGASPI que seu arquivo pertence ao setor da “Administração” da IC.
77
VISHNYAKOVA-AKIMOVA, Vera Vladimirovna. Two Years in Revolutionary China, 1925-1927.
Cambridge: Harvard University Press (Harvard East Asian Monographs), 1971. p. 250.
78
FRAINA apud SPENSER, 1999, p. 49.
44
79
JEIFETS, Victor. Die Komintern und Argentinien in den Jahren 1919-1922. Die Kommunistische Partei
Argentiniens gegen die “argentinischen Lenins”. The International Newsletter of Communist Studies,
Mannheim, v. 15, n. 22, p. 137-147, 2009. passim.
80
Centro de Memória (UNESP) – 495.029.005, bobina 3, identificação 107. Arquivo digital: ic-0107.pdf.
81
Centro de Memória (UNESP) – 495.029.009, bobina 3, identificação 111. Arquivo digital: ic-0112.pdf.
82
Centro de Memória (UNESP) – 495.029.005, bobina 3, identificação 105. Arquivo digital: ic-0105.pdf.
83
Não há indicações precisas sobre as construções dessas informações antes de 1928. A questão que se impõe é:
se os dados compilados são apresentados em reuniões periódicas em 1928, trata-se de um indicativo de que
haviam sido construídos antes. Infelizmente o autor desconhece trabalhos realizados no Brasil ou em qualquer
45
outro lugar sobre os estudos realizados na Escola Leninista Internacional e na Universidade Comunista dos
Trabalhadores do Oriente, fundadas em 1926 e 1921, respectivamente.
84
CABALLERO, 1986, p. 27-33. A forma por meio da qual a Comintern se relacionou com os comunistas
latino-americanos modificou-se ao longo da década de 1920, e as transformações de bureau para secretariado
são indicadores dessas alterações. Em que pese o argumento factível de que houve desinteresse da Comintern em
relação à região durante a primeira metade da década de 20, a ascensão do stalinismo modificou tal posição. A
estruturação do Secretariado, conduzida pelo suíço Jules Humbert-Droz – bukharinista de primeira ordem – é um
indicador do argumento. A queda de Humbert-Droz e ascensão de Guralsky, um zinovievista, para refundar o
Secretariado sob a forma de um bureau também pode ser lida como indicativo de que o movimento comunista na
América Latina passou a responder em sincronia às vibrações políticas provindas de Moscou. Caballero, no
entanto, entende o contrário. Para ele houve falta de interesse da burocracia stalinista na região, por isso
designou Guralsky, de modo que o bureau foi liquidado silenciosamente e pouco se ouviria falar dele até o fim
da IC, em 1943. Ele relaciona uma possível queda do bureau também à perda do quartel-general da IC na
Alemanha a partir de 1932. Já Eudocio Ravines, antigo comunista que escreveu e teve livro publicado com
financiamento da CIA (ver WORLDWIDE propaganda network built by the CIA. The New York Times, Nova
York, 26 dez. 1977. Disponível em:
<http://jfk.hood.edu/Collection/Weisberg%20Subject%20Index%20Files/C%20Disk/CIA%20Reporters%20Ne
w%20York%20Times%20Series%2012-25-77/Item%2007.pdf>. Acesso em: 26 ago. 2014), sugere o oposto.
Para ele, em finais da década de 1920, “En la America del Sur había comenzado a actuar un selecto grupo de
comunistas de diversas nacionalidades, constituyendo el Bureau Sud-americano de la Internacional Comunista y
laborando, por primera vez, bajo la dirección inmediata y el comando personal de guías soviéticos, de
bolsheviquis expertos en las tareas revolucionarias.” RAVINES, Eudocio. La Gran Estafa: la penetración del
Kremlin en Iberoamérica. México: Libros y Revistas, 1952. p. 163. Cf. MUÑOZ CARRILLO, Gabriel. Disputa
por el comunismo en Chile: estalinistas y oposicionistas en el partido de Recabarren (1924-1934). Informe de
Seminario (Licenciatura em História)–Facultad de Filosofía y Humanidades, Universidad de Chile, Santiago,
2014.
85
Em documento de data incerta (possivelmente 1928-1929), em uma reunião do grupo executivo do Bureau
Sul-Americano (não aparece o nome “Secretariado”) surge a seguinte posição: “É preciso recordar que no último
congresso da ISV [Internacional Sindical Vermelha], os delegados sul-americanos, de Argentina, Chile, Uruguay
e Brasil, têm sempre estado em acordo; estas delegações de países onde existe um verdadeiro movimento
operário estavam formadas por operários. Os delegados dos partidos do Norte formavam coalizão contra os sul-
americanos. Os companheiros do México, lamento dizê-lo, estão completamente desviados e têm iniciado uma
verdadeira luta contra os companheiros e Partidos dos Sul. É preciso evitar essas lutas esclarecendo bem as
coisas.” “Hay que recordar que en el ultimo Congreso de la I.S.R., los delegados sudamericanos, de Argentina,
Chile, Uruguay y Brasil, han estado siempre de acuerdo; estas delegaciones provenientes de países donde existe
un verdadero movimiento obrero, estaban formadas por obreros. Los delegados de los países del Norte,
formaban coalisión contra los sudamericanos. Los compañeros de México, lamenta decirlo, están completamente
desviados, y han iniciado una verdadera lucha contra los compañeros y los Partidos del Sur. Hay que evitar esas
luchas aclarando bien las cosas.” RGASPI (Arquivo Estatal Russo de História Sócio-Política), F. 503, op. 1 , d.
62.
46
86
MATUSEVICH, Maxim. An exotic subversive: Africa, Africans and the Soviet everyday. Race and Class,
Londres, vol. 49, n. 4, p. 60, abr. 2008.
47
87
Seria um dos inspiradores do “People’s Party”, partido que vigeu nos Estados Unidos entre 1892 e 1896, cuja
plataforma se caracterizava por um certo populismo agrário, já que suas hostes eram constituídas por pequenos
proprietários de terra e, mais que isso, se opunham à abertura de estradas de ferro e à organização econômica em
torno de bancos e indústrias.
88
Para mais sobre a formação dessa intelectualidade russa, ver: BERLIN, Isaiah. Russian Thinkers. Londres:
Penguin Books, 1994.
89
MATUSEVICH, 2008, passim.
48
90
CHERNYSHEVSKY, Nikolay. What’s to be done? Boston: Benj. R. Tucker Publisher, 1886. p. 208.
91
Ibid., p. 180.
92
Ibid., p. 207.
93
“Em 1915, um grupo de socialistas e sindicalistas revolucionários romperam com o Partido Trabalhista da
Africa do Sul em razão de seu apoio à Primeira Guerra Mundial e formou a Liga Internacional Socialista (LIS).
[...] A LIS criticou intermitentemente os apelos racistas do Partido Trabalhista da África do Sul assim como seu
jingoísmo e, em seus primeiros manifestos de propaganda e eleitorais, a LIS transferiu uma ênfase sem
precedentes na necessidade de solidariedade inter-racial face aos conflitos com empregadores. A liga era
fortemente influenciada pelos primeiros grupos de imigrantes britânicos, um número os quais tinha absorvido
ideias sobre a necessidade de um sindicalista de massa livre das divisões de cor do filósofo marxista americano,
Daniel DeLeon, e a radical Industrial Workers of the World (IWW)”. “In 1915, a group of revolutionary
socialists and trade unionists split from South Africa's Labour Party over its support for the First World War and
formed the International Socialist League (ISL). […] The ISL intermittently criticised the South African Labour
Party's racist appeals as well as its jingoism and, in its early propaganda and electoral manifestos, the ISL carried
an unprecedented emphasis on the need for interracial solidarity in the face of conflicts with employers. The
League was strongly influenced by the early cohort of British immigrant syndicalists, a number of whom had in
turn absorbed ideas about the necessity of colour-blind mass unionism from the American Marxist philosopher,
Daniel DeLeon, and the radical Industrial Workers of the World (IWW).” JOHANNINGSMEIER, Edward.
Communists and Black Freedom Movements in South Africa and the US: 1919-1950. Journal of Southern
49
encontrara um problema concreto. Nem Lênin nem outros bolcheviques tinham acesso a
informações.94 Mesmo que ele não tenha se aventurado em nenhuma análise sistemática sobre
a questão racial, ele se colocaria como entusiasta do estudo da questão.
Uma elaboração mais específica sobre a questão negra no movimento comunista
internacional só se tornaria pública a partir da pressão realizada por organizações como a ISL
(ou LIS, em português) e por outras, vindas dos Estados Unidos. Se houve simpatia em
relação à Revolução Bolchevique dentre os diversos grupos oprimidos no mundo, por outro
lado houve um duplo movimento de “oportunismo”, por parte tanto da Internacional
Comunista quanto dos diversos grupos subalternizados organizados. De todo modo,
O novo regime viu claramente seu triunfo como uma precondição necessária para
uma eventual emancipação das massas exploradas não europeias. O sucesso da
vitória bolchevique presumidamente criou um tipo de ponte histórica ligando os
destinos do proletariado nas colônias com aqueles do novo proletariado na Rússia.
Esse sentimento se encontrou numa das primeiras canções populares soviéticas
Moia Afrika (“Minha África”). O poeta Boris Kornilov descreveu uma curiosa
história na qual um oficial da cavalaria africana (provavelmente um tirailleur
Sénégalais), que lutou contra os inimigos da revolução durante a guerra civil russa e
foi tido como morto em 1918, liderou o ataque dos Vermelhos contra os Brancos
perto de Voronezh “para golpear os capitalistas africanos e a burguesia”.95
A Comintern debateu a questão racial desde seu início. Com relação aos negros, John
Reed provavelmente foi o primeiro a fazê-lo no II Congresso, em julho de 1920. No III
Congresso a delegação sul-africana propôs que o CEIC considerasse a questão negra, e a
proposta foi aceita. 96 Em julho de 1924 foi constituída uma Comissão Negra com a
participação “dos partidos da França, Bélgica e Inglaterra para realizar propaganda entre
African Studies, v. 30, n. 1, p. 157, mar. 2004. Special Issue: Race and Class in South Africa and the United
States.
94
Em novembro de 1920, Lênin faria um pedido via Londres do livro de Davidson Don Tengo Jabavu: “The
Black problem. Papers and Addresses on various native problems”. Tratava-se, possivelmente, do primeiro livro
publicado por um negro sul-africano. Cf. DAVIDSON, Apollon; FILATOVA, Irina; GORODNOV, Valetin;
SHERIDAN, Johns (Orgs). South African and the Communist International: A documentary history.
Londres, Portland: Frank Cass Publishers, 2003. v. 1 (Socialist pilgrims to Bolshevik footsoldiers). p. 3.
95
MATUSEVICH, 2008, p. 59. “The new regime clearly saw its triumph in Russia as a necessary precondition
for the eventual emancipation of the exploited non-European masses. The success of the Bolshevik takeover
presumably created a kind of historical bridge linking together the destinies of the proletariat in the colonies with
those of the new proletariat state in Russia. This sentiment found its way into a popular early Soviet ballad ‘Moia
Afrika’ (‘My Africa’). The poet Boris Kornilov described an odd story in which an African cavalry officer
(probably a tirailleur Sénégalais) who fought the enemies of the revolution during the Russian civil war and
reportedly died in 1918, led the Reds’ attack against the Whites near Voronezh ‘in order to deal a blow to the
African capitalists and the bourgeoisie’.” Paralelamente a isso, é preciso destacar que “O entusiasmo e
admiração de comunistas sul-africanos pela Rússia Soviética e pela Comintern não significou, no entanto, que o
CPSA [Partido Comunista da África do Sul] aceitasse todas as decisões da Comintern como sendo
imediatamente aplicáveis na África do Sul.” “The enthusiasm and admiration of the South African communists
for Soviet Russia and the Comintern did not mean, however, that the CPSA accepted all the decisions of the
Comintern as immediately applicable in South Africa.” (JOHNS, 1975, p. 206).
96
Cf. DEGRAS, 1955b, p. 398-401.
50
negros”.97 Mas o VI Congresso da IC, em 1928, marcou uma posição das mais importantes no
que diz respeito ao debate sobre os negros.
Nesse caso, e da hoje chamada diáspora africana, a África do Sul e os Estados Unidos
tiveram uma proeminência nas preocupações cominternianas. Os primeiros interesses
soviéticos na questão negra e no racismo são resultado de reflexões acerca da África do Sul.
No que tange as organizações da Comintern e os protagonistas do movimento comunista
internacional que refletiram sobre a questão, Apollon Davidson afirma:
O fundador da Comintern, Vladimir Ilich Lenin, mostrou interesse nos eventos da
África do Sul. Em diferentes tempos e diferentes circunstâncias, conhecidos líderes
da Comintern estiveram de uma maneira ou de outra conectados com a África do
Sul ou tiveram que lidar com os problemas do movimento comunista da África do
Sul. Entre eles estiveram Nikolai Ivanovich Bukharin, Grigori Yevseievich
Zinoviev, Dmitri Zakharovich Manuilsky, André Marty, Georgi Dimitrov, Willi
Münzenberg e Solomon Abramovich Lozovsky.
[...] Está claro, porém, que os departamentos que mais proximamente se envolveram
na África do Sul em diferentes momentos foram o Secretariado do Oriente e o
Secretariado Anglo-Americano. Ambos respondiam ao Secretariado Político e ao
Presidium – os corpos mais altos do Comitê Executivo da Internacional Comunista
(CEIC).
[...] Além desses corpos permanentes, existiram inúmeras comissões temporárias e
ad hoc que lidaram com a África do Sul. As mais importantes entre elas foram a
Comissão Sul-Africana (a então chamada “Comissão Marty”, nomeada em razão do
seu chefe, o comunista francês André Marty) e a Comissão Negra. As afiliadas da
Comintern, como a Internacional Sindical Vermelha (ISV), a Internacional
Camponesa (Krestintern) e o Socorro Vermelho, também estiveram envolvidas com
assuntos sul-africanos.98
O interesse de Lênin na África do Sul, citado por Davidson, guardava relação com o
recrudescimento das relações raciais naquele país e sua aparente semelhança com o caso
estadunidense. Em 25 de janeiro de 1921 houve um encontro do CEIC para discutir um
relatório encaminhado pela ISL à Comintern. O teor do relatório, escrito por J. Bakker e S.
Barlin, era basicamente um detalhamento das condições dos trabalhadores sul-africanos e de
sua disposição de luta junto à IC. Findada a leitura do relatório, houve uma breve discussão,
segundo a ata:
97
DEGRAS, 1959, p. 164.
98
DAVIDSON; FILATOVA; GORODNOV; SHERIDAN, 2003, p. 3-4. “The founder of Comintern, Vladimir
Ilich Lenin, showed much interest in events in South Africa. At different times and in different circumstances,
many well-known Comintern leaders were in one way or another connected with South Africa or had to deal
with problems of South Africa’s communist movement. Among them were Nikolai Ivanovich Bukharin, Grigori
Yevseievich Zinoviev, Dmitri Zakharovich Manuilsky, André Marty, Georgi Dimitrov, Willi Münzenberg and
Solomon Abramovich Lozovsky.
[...] It is clear, however, that the departments of the Comintern most closely involved in South Africa at different
times were the Eastern Secretariat and the Anglo-American Secretariat. Both reported to the Political Secretariat
and to the Presidium – the highest bodies of the Executive Committee of the Communist International (ECCI).
[...] Besides these permanent bodies there were several temporary and ad hoc commissions that dealt with South
Africa. The most important among theses were the South African Commission (the so called ‘Marty
Commission’, named after its head, the French communist André Marty) and the Negro Commission. The
Comintern’s affiliates, such as the Red International of Labour Unions (RILU), the Peasant International
(Krestintern) and the International Red Aid (IRA), were also involved in South African affairs.”
51
Zinoviev: Eu acho que é conveniente organizar uma comissão para estudar a questão
sobre os negros. Essa questão foi discutida superficialmente duas vezes, mas por
causa da ausência dos camaradas da África não se chegou a nenhuma conclusão. Eu
peço que se planeje um documento sobre esse assunto e que se discuta a questão da
África do Sul juntamente com os camaradas.
Um camarada finlandês de Estocolmo: Eu gostaria de propor unidade de todos os
partidos da África, Austrália que estão subordinados a Inglaterra em um Comitê
Central e colocá-lo sob o Comitê Executivo. Este deveria, no entanto, ser transferido
para outra cidade europeia já que Moscou é muito longe desses camaradas.
Zinoviev: Eu proponho Quelch, Jansen, Varga para essa comissão.
Quelch: Eu proponho o quarto, camarada Roy.
Zinoviev: A proposta foi aceita. Ambos os camaradas africanos estão convidados a
trabalhar nessa comissão. Então a questão foi resolvida para o momento.99
Algum tempo antes, em 1920, a questão negra foi parte de um debate sobre a “questão
nacional e colonial” no II Congresso da IC. As reflexões sobre os Estados Unidos
preponderaram durante as discussões. Um ano depois, no III Congresso, David Ivon Jones,
militante do PC da África do Sul, levantou a questão negra mais uma vez.100 No decorrer da
década de 1920, as interpretações redundariam em organizações como a League Against
Imperialism fundada em 1927.101 Na IC, portanto, havia um debate sobre a questão racial
relativa aos negros nas colônias, nas Américas e na Europa. Ainda que difusamente
apresentadas, as formulações de comunistas se articulavam com ditames leninianos de
combate ao imperialismo.
Como em outras áreas de atuação da Internacional, a efetividade da ação no que tange
às questões negra e africana foi relativa. Um exemplo é o chamado Bureau Negro da
Profintern, a Internacional Sindical Vermelha. O bureau foi organizado em novembro de
1928, após decisão do Secretariado Político do CEIC e também depois do VI Congresso da
IC. Esse bureau teria sido fundado por uma iniciativa dos “camaradas negros” e o
Secretariado Político aproveitaria a chance para reiterar uma crítica feita anos antes aos
partidos comunistas da França, Inglaterra, Bélgica e de outros países colonialistas em razão da
99
DAVIDSON; FILATOVA; GORODNOV; SHERIDAN, 2003, p. 62-63. “Zinoviev: I think that it is expedient
to organise a commission to study the question about the Blacks. This question has been superficially discussed
twice but because of the absence of comrades from Africa this has not led to any conclusions. I ask to devise a
document on this issue and to discuss the South Africa question together with comrades.
A Finnish comrade from Stockholm: I would like to propose to unite all Parties in Africa, Australia which are
subordinate to Britain in one Central Committee and to place it under the Executive Committee. It should,
however, be transferred to another European city for Moscow is too far removed from these comrades.
Zinoviev: I propose Quelch, Jansen, Varga for this commission.
Quelch: I propose the fourth, Comrade Roy.
Zinoviev: The proposal is accepted. Both African comrades are invited to participate in the work of this
commission. So the question is settled for the moment.”
100
DREW, Allison. Bolshevizing Communist Parties: The Algerian and South African Experiences.
International Review of Social History, Amsterdam, v. 48, p. 167-202, 2003.
101
PETERSSON, Fredrik. In Control of Solidarity? Willi Münzenberg, the Workers’ International Relief and
League against Imperialism, 1921-1935. CoWoPa 8/2007. Disponível em:
<http://www.abo.fi/institution/media/7957/cowopa12petersson.pdf>.Acesso em: 9 out. 2012.
52
102
“Reference to Negro (sub-) Commission is to a special ad hoc group which was formed to investigate a
certain topic or aspect which was discussed at the World Congresses.” WEISS, 2009, p. 10.
103
Nessa breve apreciação da abordagem da questão negra pelos comunistas, deixei de lado propositadamente os
Estados Unidos e o Caribe, já que eles constituirão um próximo capítulo.
104
Cf. ZAIDAN FILHO, Michel. O PCB e a Internacional Comunista: 1922-1929. São Paulo: Vertice, 1988.
p. 36.
105
Cf. SENA, Caridad Massón. Comintern y comunismo en Cuba: Una reflexión crítica. Revista Izquierdas,
Santiago, ano 3, n. 7, 2010. Disponível em: <http://www.izquierdas.cl/revista/wp-
content/uploads/2011/07/Masson.pdf>. Acesso em: 14 set. 2012. Atualização em dez. 2014:
<http://www.izquierdas.cl /images/pdf/2011/07/masson.pdf>.
53
Uma outra chave teórica para a Comintern foi o conceito de raça, que, conquanto não
tenha sido explorado, aparece nas diretivas da IC. “Raça” aparece relacionada a aspectos
como idioma, fenótipo e posição no mundo do trabalho. No caso dos Estados Unidos, os
comunistas da IC também avaliavam, a partir de 1928, que a condição específica do negro
naquela sociedade de classes, especialmente no Sul dos Estados Unidos, não se apresentava
propensa à formação de uma classe trabalhadora unificada, sem barreiras raciais. Assim,
tendo em vista a segregação racial existente em sua própria classe, a existência de vasta
população distribuída geograficamente numa região específica e a afinidade idiomática, os
comunistas perceberam aspectos formativos de uma nação. No caso dos indígenas e da África
– exceção feita à África do Sul – a avaliação fazia preponderar ora o aspecto linguístico ora o
critério “geográfico”. Em alguns casos ambos os critérios coincidiam, como no caso do
Secretariado Anglo-Americano, cuja jurisdição abrangia, além do óbvio, as colônias
britânicas, inclusive o Caribe anglófono, Canadá,106 África do Sul107 e Austrália.108 Algumas
versões das muitas comissões negras eram subordinadas ao Secretariado do Oriente, este
como um sinônimo de “Secretariado dos povos coloniais”. No caso dos indígenas na América
do Sul e Central, as análises identificavam, por vezes, grupos raciais tipificados
linguisticamente a partir da raça maior, a “indígena”. O caso da Bolívia em abril de 1929 é
analisado da seguinte maneira:
Os indígenas compõem na Bolívia o que em outros lugares se denomina
campesinato porque trabalham fundamentalmente com os labores do campo.
Existem dois grupos raciais principais: o aimará e o quechua, diferenciados seu
caráter, sistema de vida e costumes.109
106
“Minutes of the Anglo-American Colonial Group of the Communist International. 1922.” RGASPI, F. 495,
op. 72, d. 2.
107
DAVIDSON, 2003, p. 166.
108
LOVELL, David; WINDLE, Kevin. Our Unswerving Loyalty: A documentary survey of relations between
the Communist Party of Australia and Moscow, 1920-1940. Canberra: The Australian National University Press,
2008. p. 281.
109
LA CORRESPONDENCIA Sudamericana, Buenos Aires, n. 10, p. 6, 30 abr. 1929. “Los indígenas componen
Bolivia lo que en otras partes se denomina el campesinato porque trabajan fundamentalmente en las labores del
campo.
Existen dos grupos raciales principales: el aimará y el quíchua, diferenciados en su carácter, sistema de vida y
costumes.”
110
PAREDES, Ricardo. El movimiento obrero en el Equador. La Internacional Sindical Roja, n. 1, p. 77, ago.
1928. Disponível em: <http://www.yachana.org/earchivo/comunismo/paredes-isr-agosto28.pdf>. Acesso em: 27
set. 2012. “La mayor parte de los trabajadores son los representantes de una raza mitigada; los indios puros no
54
son los más numerosos más que en las regiones de algunas provincias. La clase obrera está, pues, sometida a un
doble yugo: opresión de raza (prejuicio de la ‘raza inferior’) y opresión económica.”
111
LA CORRESPONDENCIA Sudamericana, Buenos Aires, n. 9, p. 15, 1º abr. 1929.
112
DEGRAS, 1959, p. 497. “Recognition of the right of all nations, regardless of race, to complete self-
determination, i.e. going as far as political secession.”
55
113
CERDAS CRUZ, Rodolfo. La Hoz y el Machete: La Internacional Comunista, América Latina y la
Revolución en Centro América. Málaga: Eumed, 1986. p. 167.
114
PROBLEMA de las razas. La Correspondencia Sudamericana, Buenos Aires, n. 15, p. 28, ago. 1929.
“Creemos que, en este momento, no se puede y no se debe plantear el problema de la auto-determinación
nacional de las razas india y negra en la parte continental de la América Latina pero podemos opinar que su
derecho de determinar su propio destino como nación lo conseguirán tan sólo mediante la alianza revolucionaria
con el proletariado blanco y mestizo latino-americano y de la metrópolis.”
115
Caballero considera que o resultado do congresso foi uma espécie de derrota para Mariátegui. A discordância
de Mariátegui com a criação de um Partido Comunista no Peru é contrastada com proposituras como o fomento à
criação de federações étnicas, como feito por Ghioldi (CABALLERO, 1986, p. 58). A essa altura Stalin já se
tinha convencido da estruturação do estado soviético em uma federação de estados “autodeterminados”, ainda
que praticamente centralizados.
56
116
Ibid., p. 28. “Por lo expuesto se desprende que existe un problema racial íntimamente ligado al proceso
económico de la producción y por onde de (sic) una potencialidad revolucionaria extraordinaria. El proceso de la
lucha contra el imperialismo, contra la burguesia nativa, por las reivindicaciones de la revolución democrática
burguesa FORMA PARTE LA LUCHA DE LOS INDIOS POR LA REIVINDICACION DE SU
NACIONALIDAD OPRIMIDA. Esto no significa que pretendemos obligar a los indios a buscar su propia
nacionalidad, sino por intermedio de todas nuestras palabras de orden debemos hacerles llegar la absoluta
convicción de su derecho a determinar su propio destino como nación y que esto lo conseguirán tan sólo
mediante la alianza revolucionaria con el proletariado blanco y mestizo latino americano y de la propia
metrópoli.”
117
PROBLEMA..., 1929, p. 26. A questão negra será debatida posteriormente.
118
Ibid., p. 29. “El proyeto de tesis no diferencia el problema racial del nacional. Ello puede ser exacto para los
negros que han perdido su idioma, sus costumbres, y sus nacionalidades primitivas, porque han adquirido una
nueva nacionalidad que provoca en el seno de la raza negra rivalidades y luchas artificialmente creadas por el
imperialismo. Pero los indios vienen de tribus muy diferentes, cuya lengua, costumbres y tradiciones son
diversas; constituyen una raza pero muchas nacionalidades, al mismo tiempo que del problema social que es
fundamental, porque la posesión de la tierra une a todos los indios contra los que la ocupan y exploran.”
57
Este capítulo tem como objetivo apresentar o percurso da agenda negra e antirracista
nas organizações de esquerda nos Estados Unidos de maneira a subsidiar uma compreensão
dos conflitos políticos que tiveram lugar nos anos de 1920 e 1930. Na esquerda, negros e
brancos simpáticos à causa do antirracismo debateram e forjaram agendas, criando defecções
e cindindo grupos políticos. O roteiro traçado prevê uma apreciação da relação que o Partido
Socialista, embrião dos comunistas, manteve com a agenda negra e racial, um exame das
relações que os comunistas estadunidenses mantiveram com os bolcheviques e, por fim, uma
análise das teses do Partido Comunista dos Estados Unidos (CPUSA) e de suas organizações
afiliadas a respeito da temática.
119
FOSTER, 1952, p. 91. “At its foundation in 1900-01 the Socialist Party, which was eventually to give birth to
the Communist Party [...].” “Quando de sua fundação em 1900-01, o Partido Socialista, o qual na verdade viria a
fazer nascer o Partido Comunista [...].”
59
Por sua vez, Morris Hillquit, antigo dirigente do Socialist Labor Party, assumiu a tarefa de
conduzir a direita do partido.120
Até 1915 a divisão entre esquerda e direita do partido foi testada em função de três
questões, a saber, a escolha do modelo sindical a ser seguido pelos socialistas, a II
Internacional e a posição do partido em relação à Primeira Guerra Mundial. A primeira se
materializou em função do conflito entre a American Federation of Labor (AFL) e a Industrial
Workers of the World (IWW). Em 1905, quando Bill Haywood e o próprio Eugene Debs
fundaram a IWW, sob forte inspiração anarco-sindicalista, estava construída uma alternativa
por fora do status quo, já que os “wooblies”, como eram chamados os membros da IWW,
praticavam ações diretas e eram favoráveis às sabotagens e ao uso da violência para fins
políticos, ao contrário da AFL. Esse foi um dos pontos de dissenso entre a esquerda e a direita
socialistas no PS.121 A segunda questão está, obviamente, atada à última, qual seja, a posição
do PS em relação à Primeira Guerra Mundial. As hesitações da II Internacional terminaram
por levar o movimento socialista internacional à fratura. A predominância dos alemães do
Partido Social Democrata levou parcela significativa da II Internacional ao esforço de guerra.
Essa tensão a respeito da posição dos socialistas sobre a Primeira Guerra Mundial chegou ao
PS nos Estados Unidos, ainda que a manifestação desse conflito tenha sido assentada por
sobre questões endógenas do Partido.
Assim o padrão americano na guerra não foi o mesmo que o europeu. A fração em
favor da guerra veio do movimento socialista americano, aquela contrária à guerra
do europeu. O movimento americano inteiro era oficialmente contra a guerra,
superficialmente se aproximando da Esquerda europeia. Mas, num exame mais
cuidadoso, existiu a mesma clivagem fundamental no partido americano apesar da
fratura no grupo pró-guerra. Ainda se manteve um grupo militante contra a guerra e
um outro pró-guerra encoberto. Havia o mesmo processo de diferenciação na
Europa, mas não era tão agudo e claro.
A posição extremista contra a guerra constituiu o primeiro capital político possuído
pela Esquerda.122
Um importante momento dessa tensão foi o “Manifesto de St. Louis”, um libelo contra
a Primeira Guerra Mundial e crítico quanto à participação estadunidense no conflito. Foi
defendido pela esquerda socialista e ratificado pela maioria do Partido em convenção nacional
120
Cf. GIRARD, Frank; PERRY, Ben. Socialist Labor Party, 1876-1991: A Short History. Filadélfia: Livra
Books, 1991.
121
Cf. FOSTER, 1952, p. 100-1; DRAPER, 1957, p. 41-8.
122
DRAPER, ibid., p. 96. “Thus the American pattern in the war was not the same as the European. The prowar
wing fled from the American Socialist movement, the antiwar wing from the European. The entire American
movement was officially antiwar, superficially lining it up with the European Left Wing. But, on closer
examination, there was the same fundamental cleavage in the American party despite the break away of the open
prowar group. There still remained a militant antiwar and a covert prowar group. There was the same process of
differentiation as in Europe, but it was not so sharp or clear.
The extremist antiwar position constituted the first political capital possessed by the Left Wing.”
60
em abril de 1917. Nesse mesmo período, um golpe desferido pela polícia e serviço de
inteligência retirou da esquerda socialista a possibilidade de hegemonizar o Partido Socialista,
uma vez que praticamente todos os militantes foram presos.
A resolução de St. Louis contra a guerra também deu ao governo sua principal arma
legal para processar líderes socialistas e suprimir a imprensa socialista. Depois que a
Lei de Espionagem foi aprovada em junho de 1917, autoridades locais e nacionais
demonstraram pouca discriminação. [...] Este amplo leque de vítimas, do pró-guerra
Berger ao anti-guerra Engdhal, teve um efeito que o governo não pretendia. Retirou
da esquerda [do Partido] o monopólio dos mártires antiguerra. Entre as quase duas
mil pessoas julgadas sob a Lei de Espionagem havia mártires suficientes para
todos.123
A partir desse momento, quando foram presas lideranças da IWW e, com isso,
redefinidos os contornos da política sindical da organização, houve um distanciamento
sensível entre o PS e as organizações do mundo do trabalho. O contato seria retomado a partir
de 1919. Foi entre o final de 1918 e 1919 que a pedra angular de uma das teses centrais sobre
o desenvolvimento do movimento comunista nos Estados Unidos encontraria guarida.124 A
questão internacional ascenderia em importância paulatinamente em função do avançar da
Primeira Guerra Mundial.
No inverno de 1917, uma reunião da esquerda socialista acontecia no Brooklyn.
Trotski, Bukharin e outros três russos em exílio tomaram parte, juntando-se a Rutgers, o
holandês, Louis Fraina e Sen Katayama. Durante o encontro Bukharin defendera a tese de que
a esquerda socialista do PS deveria romper e fundar uma organização em separado. Trotski
sugerira que, conquanto a esquerda do PS permanecesse no partido, fosse criado um órgão
específico para que a opinião da corrente fosse exprimida. A proposta de Trotski foi
vencedora, e a fração de esquerda continuou no PS.125 A influência da Revolução Russa
começaria, a partir desses anos, a se fazer valer de maneira efetiva.
O caminho mais evidente e direto para subscrever à Revolução Russa nos Estados
Unidos era, primeiro, aderir ao Partido Socialista, e, segundo, aderir à Esquerda do
Partido Socialista. De 80.739 em 1917, os membros do partido passaram para
104.822 em 1919, o segundo ponto mais alto da sua história. Mas esse aumento
acentuado foi acompanhado por uma curiosa e reveladora desproporção, a qual
denuncia o fato de que alguma coisa fora do Partido Socialista e dos Estados Unidos
era imensamente responsável pelo influxo.
123
DRAPER, 1957, p. 94. “The St. Louis antiwar resolution also gave the government its chief legal weapon to
prosecute Socialist leaders and suppress the Socialist press. After the Espionage Act was passed in June 1917,
national and local authorities demonstrated little discrimination. [...] This assortment of victims, from the prowar
Berger to the antiwar Engdahl, had one effect the government did not intend. It deprived the Left Wing of a
monopoly of antiwar martyrs. Among the approximately two thousand persons tried under the Espionage Act
were martyrs enough for all.”
124
A referência feita é à tese da heteronomia da militância estadunidense.
125
Ibid., p. 81.
61
126
Ibid., p. 137. “The clearest and most direct way to subscribe to the Russian Revolution in the United States,
was, first, to join the Socialist Party, and, second, to join the Left Wing within the Socialist Party. From 80,739
in 1917, the membership of the party increased to 104,822 in 1919, the second highest point in its history. But
this marked increase was accompanied by a curious and most revealing disproportion, which betrayed the fact
that something outside the Socialist Part and the United States was largely responsible for the influx.
The trouble was most clearly visible in the growing ratio of the foreign-language federations to the total Socialist
membership. From about 35 per cent in 1917, the federations rose to 53 per cent in the middle of 1919.”
127
ZUMOFF, Jacob Andrew. The Communist Party of the United States and the Communist International,
1919-1929. 2003. Tese (Doutorado em História)–University College, Londres, 2003. p. 168. “In 1908, 71 per
cent of SP members were native-born Americans and an additional 17.5 per cent were from Northern or Western
Europe; by April 1919, 53 per cent of the SP’s 108,000 dues-paying membership belonged to one or another
language federation.”
62
128
ZUMOFF, 2003, p. 168. “The federations had not always been on the left-wing of the SP, although they were
often closer to orthodox Marxism due to their European origins.”
129
DRAPER, 1957, p. 65.
130
Ibid., p. 147. “The Americans still welcomed the Russian Revolution because they imagined that it vindicated
the ideas most native to them. The Russian influence was still far away. Except for a hadful of returning
travelers, and a few articles and pamphlets, mainly by Lenin and Trotsky, communications between Russia and
the United States remained extremely difficult and spasmodic. The Americans still had to think almost entirely
for themselves.”
131
Ibid., p. 154.
63
Reed e Ben Gitlow, tendo sido rechaçados da Convenção partidária, se uniram aos outros
delegados da esquerda socialista também expulsos dela e fundaram no dia 30 de agosto de
1919 o Communist Labor Party. A outra ala de esquerda, mais significativa
quantitativamente, havia convocado uma reunião para 1º de setembro, sob a liderança da
federação de línguas, de acordo com Draper, mais especificamente dos russos, a fim de
organizar uma convenção de fundação do Communist Party of America.132 Assim, no final de
agosto e início de setembro de 1919, dois partidos foram fundados: o Communist Labor Party
of America (CLPA) e Communist Party of America (CPA). Draper sugere que os dois
partidos foram fundados por uma discordância simples: “quem deveria controlar o novo
partido, os ‘americanos’ ou os ‘estrangeiros’?”133 Para Glenda Gilmore, o fato central residia
no atrelamento do CLPA à organização sindical IWW e até mesmo à AFL.134 Os comunistas
do CPA argumentavam que era necessário fundar sindicatos comunistas.
Esquerdistas americanos como Ruthenberg, Reed e Cannon apenas participaram da
mesma causa que as federações na ruptura de 1919 porque as federações estavam
entre os mais ardentes apoiadores dos bolcheviques. Assim as sementes do
bolchevismo americano foram plantadas por organizações que não eram nem
americanas na composição de seus membros nem bolcheviques em seus métodos
organizativos.135
132
DRAPER, 1957, p. 159-176.
133
DRAPER, ibid., p. 179. “who was to control the new party, the ‘Americans’ or the ‘foreigners’?”
134
GILMORE, Glenda. Defying Dixie: The radical roots of Civil Rights, 1919 – 1950. Nova York; Londres: W.
W. Norton & Company, 2008. p. 36.
135
ZUMOFF, 2003, p. 169. “American leftists such as Ruthenberg, Reed and Cannon only made common cause
with the federations in the 1919 split because the federations were amongst the most ardent supporters of the
Bolsheviks. Thus the seeds of American Bolshevism were sown by organisations that were neither American in
their membership composition nor Bolshevik in their organisational methods.”
136
DRAPER, ibid., p. 203. “Over 700 policemen and special agents swooped down on headquarters and
meetings, carried away tons of papers and literature, and hauled off such well-known Communists as Benjamin
Gitlow and James J. Larkin (of the Communist Labor Party) and Charles E. Ruthenberg, I. E. Ferguson, and
Harry M. Winitsky (of the Communist Party).
[...] The High point of the anti-alien drive was the deportation of 249 Russians aboard the Buford, otherwise
known as the ‘Soviet Ark’.”
64
137
DRAPER, 1957, p. 204. “A warning signal that the entire Communist movement throughout the country
faced the same fate as the New York organizations came from Chicago on January 1, 1920. From four p.m. until
far into the night, raiding parties brought in prisioners, mostly Communists and I.W.W.’s – real or suspected.
[...] On the night of January 2, the [Mitchell, attorney General, Democrat] Palmer raids went off as scheduled in
thirty-three cities from coast to coast. A second round-up was staged on January 5. Over 5000 arrests were made.
For the next two years, so many Communists were indicted as a potential political prisioner or fugitive from the
law.”
138
RGASPI, F. 515, op. 1, d. 17, ll. list. 1-3.
139
Cf. BERCUSON, David Jay. Syndicalism Sidetracked: Canada's One Big Union. In: VAN DER LINDEN,
Marcel; THORPE, Wayne. Revolutionary Syndicalism: an International Perspective. Aldershot: Scolar Press,
1990. p. 221-236.
140
Cf. INTERNATIONAL UNION OF WOODWORKERS. In commemoration of the twenty-fifth
anniversary of the founding of the International Union of Woodworkers, 1904-1929. Amsterdam:
International Union of Woodworkers, 1929.
65
141
“The necessity of immediate unification is further dictated by the fact that to a certain extent the two parties
represent different aspects of the communist movement in America, and can, therefore, complement each other.
In the Communist Party of America there are to be found chiefly the foreign elements organized in the so-called
national federations. The Communist Labour Party of America represents primarily American or English-
speaking elements. If the first party has a better theoretic training and closer connexions with the traditions of the
revolutionary struggle of the Russian working class, it is at the same time less closely connected with the mass
movement and the mass organizations of the American workers, who are gradually finding their way to the class
struggle. If the second party has not yet had such a theoretic training it has, on the other hand, this colossal
advantage, that through it the communist party can more easily exert an influence on the broad masses of the
native American workers, who in the forthcoming decisive class struggle will have the most important part to
play. One party is better at propaganda, the other at agitation... (4) While promoting in every way the splitting of
the American Federation of Labour and other similar craft unions, the party must work to establish the closest
possible relations with those industrial organizations of the working class which represent the tendency towards
industrial unionism (IWW, OBU, IUW, and unions which split off from the AFL)... (7) The increasing
persecution of communists in America raises the question of illegal work. The congress of the Communist
International in March 1919 expressed itself quite clearly on this point. Illegal work is essential because
throughout the world the bourgeois democracies are in fact placing communist workers in a state of siege. Two
or three years ago the idea of working illegally in a free country like England seemed ridiculous to our English
comrades. Now the revolutionary English workers have learnt to do illegal work also... Every smallest
possibility of legal action must be exploited. At the same time we must learn to issue illegal leaflets, to organize
illegal groups, if necessary create illegal factory committees, have an illegal central direction, etc.”
“Extracts from a letter from the ECCI to the Central Committee of the Communist Party of America and the
Central Committee of the Communist Labour Party of America” In: DEGRAS, Jane (Ed.). The Communist
International, 1919-1922, Documents. Londres: Royal Institute of International Affairs, 1955a. v. 1. p. 102-3.
O termo “illegal” foi traduzido como “ilegal” apenas para apresentar uma uniformidade na tradução dos
documentos. No entanto, considerado o contexto, o termo em português que melhor se aproxima da ideia
externada nos documentos de comunistas é “clandestino”.
66
142
“For the American CP, Bolshevisation had three official purposes: educate the membership in basic Marxism-
Leninism; reorganise the Party on the basis of shop nuclei; and end the Party’s reliance on foreign-language
federations. Given the political backwardness of the American working class, the federal nature of the Party, and
internecine factionalism, Bolshevisation seemed attractive to many Communists.” ZUMOFF, 2003, p. 159.
143
“Military Intelligence Department Undercover Surveillance Report of the Communist Labor Party [events of
Dec. 30, 1919 to Jan. 3, 1920]”. Document in DoJ/BoI Investigative Files, NARA M-1085, reel 931, file
313846.
67
144
MAKALANI, Minkah. For the liberation of Black people everywhere: the African Blood Brotherhood,
black radicalism and pan-African liberation in the New Negro movement, 1917-1936. 2004. Tese (Doutorado
em História)–Universidade Illinnois, Urbana-Champaign, 2004. p. 32-3. “[...] public review of the Party’s
approach to racism and organizing among African Americans came form (sic) a Jewish Socialists (sic). Writing
as I. M. Robbins, I. M. Rubinow’s ‘The economic aspects of the Negro problem’, a series of International
Socialist Review articles that spanned from February 1908 to June 1910. Seeing racism as rooted in captalism, he
still felt it was more than merely an economic problem. The relationship between racism and class oppression
was ‘not a simple mechanical one, but organic and extremely complex’. Accordingly, he advocated approaching
racism on its own terms, which would push Socialists past their reductionist approach to race and their
insufficient attention to the social, political, and educational aspects of racial oppression.”
145
MAKALANI, 2004, p. 33.
146
Ibid., p. 33.
147
Ibid., p. 38. “Unfortunately, Harrison’s impression on the Socialist Party was less than favorable, as his
writings produced no noticeable changes in its program. More important, his continued support for and
relationship with the IWW created problems with the SP’s right wing leadership that was still aligned with the
AFL. After this leadership expelled the IWW from the Party in 1913, they charged Harrison with contempt for
protesting the expulsions and suspended him for three months in 1914. Harrison responded by leaving the Party,
convinced, like several black Socialists before him, that it would neither bring about socialism nor contribute to
black liberation. Still, his writings and organizational activities had an indelible affect on young black radicals.”
68
Cyril Briggs;148 os dois últimos posteriormente tomariam parte numa organização chamada
Africa Blood Brotherhood.
As organizações negras que enfrentaram a segregação não se resumiram às de
esquerda. Aquelas mais influentes e mais representativas quantitativamente não estavam
dispostas, necessariamente, no campo político da esquerda. A National Association for
Advancement of Coloured People (NAACP) e a Universal Negro Improvement Association
(Unia) se caracterizaram por assumir posições no campo do debate étnico-racial oscilando
entre esquerda e direita.149
Ambas, por meios distintos, tinham inserção entre os grupos mais organizados dos
negros norte-americanos. Em maio de 1921, Du Bois escreveu um editorial no jornal The
Crisis, órgão do NAACP conduzido por ele mesmo. Ele demonstrava desconfiança com as
organizações da classe operária branca norte-americana e, de algum modo, mostrava-se
relutante quanto às possibilidades de uma união entre negros e brancos.150 Claude McKay, por
seu turno, então militante da African Blood Brotherhood (ABB)151 e em pleno vigor de sua
atividade comunista, responderia a Du Bois nos termos que marcariam o debate entre
movimentos antirracistas nos EUA. Se, de um lado, McKay defendia a necessidade de os
negros se espelharem nas conquistas da Revolução Russa ao retratar a inserção social judaica
na Rússia soviética, algo que não acontecia no período czarista; do outro, a resposta de Du
Bois foi peremptória: “o trabalho imediato do negro americano se encontra na América e não
na Rússia”. 152 O debate orbitava em torno da Revolução Russa e como os negros,
organizados, se colocariam face à classe operária. Ou seja, em que medida seria a pauta negra
do antirracismo uma pauta dos trabalhadores em sua luta contra a exploração econômica?
Consolidando a centralidade da vinculação entre as lutas raciais e de classe, McKay
reafirmaria as diversas maneiras a partir das quais o racismo se manifestava em mecanismos
148
Todos eles conviveram com Harrison.
149
A NAACP teve como um de seus fundadores William Edward Burghardt Du Bois em 1909. Ele foi um dos
mais importantes intelectuais norte-americanos do século XX, com uma obra marcante e uma trajetória longa de
luta antirracista. Descendente de africanos e holandeses, nasceu na Nova Inglaterra e estudou na Universidade de
Fisk, no Tennessee, em Harvard e na Universidade de Berlim. Marcus Mosiah Garvey fundou a Unia na Jamaica
em 1914. As duas organizações citadas aparecerão no presente texto apenas como peças narrativas coadjuvantes,
embora o leitor não deva depreender disso qualquer intenção de negligenciá-las.
150
DU BOIS, W. E. B. Opinion. The Crisis, Nova York, p. 5-9, maio 1921.
151
O único estudo específico sobre a African Blood Brotherhood (ABB) é de Minkah Makalani. O radicalismo
negro teve na ABB sua primeira expressão antissistêmica. Os limites da ABB não se restringiram ao Harlem;
seus ideólogos foram, sobretudo, afro-caribenhos. Assim, além de uma parcela significativa do comunismo
norte-americano ter nascido em permanente diálogo com o radicalismo negro, este, por sua vez, é tributário de
uma série de experiências diaspóricas entre o Caribe, antigo Sul escravista e os ghettos do Norte.
152
FONER, Philip S.; ALLEN, James S. (Org.). American Communism and Black Americans: a documentary
history (1919-1929). Philadelphia: Temple University Press, 1987. p. 14.
69
153
FONER; ALLEN, 1987, p. 13.
154
Ibid., p. 14.
70
155
STEVENS, Margaret. The Red International and the Black Caribbean: Transnational Radical
Organizations in New York City, Mexico and the West Indies, 1919-1939. 2004. Tese (Doutorado)–
Departamento de American Civilization, Universidade Brown, Providence, 2004. p. 59.
156
STEVENS, 2004, p. 64.
157
MAKALANI, 2004, p. 132-3.
158
Ibid., p. 145-6.
71
cidades importantes dos Estados Unidos, como Memphis, Chicago, Detroit, Nova York e
Nashville.
Além de McKay, Cyril Briggs, o mais importante dirigente da ABB, era caribenho.
Nascera na Ilha Nevis, parte das Antilhas Britânicas, em 1888. Acompanhando o fluxo
migratório de caribenhos que rumavam a Nova York logo no início do século XX, chegaria à
cidade em 1905. Em 1912 escreveria no New York Amsterdam News e “já naqueles anos
assinalava o núcleo de suas emergentes ideias radicais: uma ligação inseparável entre
‘orgulho de raça’, ‘direitos de masculinidade’, solidariedade racial e partidarismo
proletário”.159
Desde os primeiros momentos em que a discussão sobre o negro teve lugar, ainda no
antigo Partido Socialista, foi no bairro do Harlem, em Nova York, que as ações da esquerda
mais se imbricaram com o radicalismo negro. Os habitantes do Harlem se viram, desde o
início da década de 1920, diante dos comunistas, imersos em outro conjunto de questões:
revolução/reforma, integração/nacionalismo e ações legais/protestos/clandestinidade. Por
outro lado, os partidos comunistas também se viam forçados a uma nova noção de alteridade,
já que se tornaram palco de uma abrangente formação multiétnica. A partir de então e ao
longo dessa década, o Partido tornaria, vagarosamente, a agenda negra sua própria. Tinha
como desafio inserir essa nova pauta numa perspectiva abrangente de luta contra o capital
com base em amplas frentes, como a organização da cultura, ocupação de espaços em
sindicatos e em disputas por ganhos setoriais diante do Estado e do capital. A própria
transformação para o comunismo por parte de socialistas estadunidenses é tributária da
atividade de afro-caribenhos e seu radicalismo político.
De todos os cinco primeiros comunistas do Harlem, todos com exceção de
Huiswoud foram recrutados da African Blood Brotherhood, uma “ordem secreta
revolucionária” fundada em 1919 que enfatizava a autodefesa, orgulho de raça e a
autodeterminação dos negros em nações onde eles fossem maioria. Foi o anti-
colonialismo da Revolução Bolchevique que atraiu sua atenção, e não os sucessos
organizativos dos comunistas americanos. 160
159
SOLOMON, 1998, p. 5.
160
NAISON, 2005, p. 5.
72
Ben Davis graduou-se em Harvard em 1930. Partiu para as hostes comunistas depois
de defender Angelo Herndon, 162 que havia sido acusado de conspirar no sindicato dos
trabalhadores rurais. O caso de Ben Davis, embora extemporâneo, ajuda a compor as
possibilidades que a militância negra tinha face às leis de segregação. O caso de Davis é
especialmente relevante porque denota a capilaridade social que o movimento comunista
adquiriu entre negros estadunidenses ao fim da década de 1920 e inícios de 1930 uma vez que
se tornara capaz de agregar até mesmo substratos de certa elite negra.
Se Horne está certo quanto à existência de um ambiente propício para a forja de
militantes negros orientados para a esquerda, têm-se um quadro dos mais complexos no que
diz respeito à formação de tradições políticas desse campo. Nesse caso, o já citado debate
entre Claude McKay e W. E. B. Du Bois sobre os rumos da luta antirracista nos EUA é
indicativo dos termos e dos contornos objetivos da orientação de esquerda desses intelectuais.
O próprio Du Bois, em 1926, após dois meses em Moscou e ponderando sobre se o que vira
era de fato realidade, escrevera: “se o que vi com meus olhos e ouvi com meus ouvidos na
Rússia é bolchevismo, eu sou um bolchevique”.163
Gerald Horne analisou as idas e vindas do processo de radicalização na trajetória de
Du Bois. Primeiro, fez parte do Partido Socialista na década de 1910 saindo em pouco tempo
para apoiar Woodrow Wilson. A NAACP, fundada em 1910, terminou por, ao combater a
“infiltração” comunista nas comunidades negras, se alinhar às políticas do pós-1947, do
período de Guerra Fria. A avaliação de Du Bois era que a NAACP havia quebrado as alianças
entre brancos e negros no plano interno:
A pressão para apoiar o Plano Marshall, iniciada em 1947, foi importante para
explicar a adesão da liderança da NAACP aos ditames da Guerra Fria. [...] Estava
fortemente expresso que aqueles euro-americanos que mais se opunham ao regime
Jim Crow e ao racismo eram comunistas e deveriam ser cuidadosamente vigiados no
grupo. 164
161
HORNE, Gerald. Black liberation/red scare: Ben Davis and the Communist Party. Londres; Mississauga:
Associated University Press, 1994. p. 27.
162
Herndon tinha 19 anos e era filiado ao CPUSA quando foi preso, em 1932, na cidade de Atlanta, sob a
acusação de “tentar incitar uma insurreição”.
163
DU BOIS apud GILMORE, 2008, p. 49.
164
HORNE, Gerald. Black and red: W.E.B. Du Bois and the Afro-American response to the Cold War 1944-
1963. Albany: State University of New York Press, 1986. p. 64.
73
De 1919, quando uma onda de linchamentos acirrou a luta antirracista nos EUA, aos
anos de 1930, muito havia mudado nas estratégias políticas dos negros norte-americanos. Em
janeiro de 1934, seis mil pessoas se reuniram em torno do Coliseum Hall, em Chicago, para
homenagear Lênin. Divididos em duas partes, eram imigrantes europeus de primeira e
segunda geração e negros diaspóricos. Em Nova York, Howard “Stretch” Johnson, líder
comunista no Harlem, disse sobre a participação negra no PC: “Minha memória e
conhecimento dá conta de que 75% das figuras da cultura negra tinham filiação ou
mantiveram contato significativo com o Partido”.165
Os dados, ajustados para mais ou para menos – este último parece ser o caso –
sugerem uma relação que transcende objetivos geopolíticos que a Internacional Comunista
terminou por consolidar em sua cruzada pelo socialismo num só país. As agendas mais
agressivas contra o racismo surgiram mais do pensamento radical de esquerda do que
geralmente tem-se lhe atribuído.
Uma das principais consequências desse pensamento radical negro foi a Renascença
do Harlem. O termo não é exatamente contemporâneo ao movimento. Alain Locke chegou
próximo ao sentido do termo, em 1925, quando organizou a coletânea “The New Negro: an
interpretation” onde constava um balanço crítico da produção cultural afro-americana desde o
fim da Primeira Guerra Mundial. Essa obra situa-se como basilar para qualquer tentativa de
fundamentação da cronologia do movimento. Em 1925, Locke dizia que o movimento era a
“nossa Declaração de Independência espiritual”.
O idealismo filosófico embutido na assertiva denuncia parte de sua formação como
filósofo, cujo aprendizado em Oxford, no College de France, e na Universidade de Berlim lhe
permitiu contato com a filosofia idealista alemã e europeia. Decorre desse envolvimento com
165
NAISON, 2005, p. 193.
74
166
LOCKE apud STEWART, Jeffrey. The Critical Temper of Alain Locke. Nova York: Garland Publishing,
1984. p. 258.
167
LOCKE apud STEWART, 1954, p. 28.
168
Apenas entre 1916 e 1919, 500 mil negros fizeram o percurso rumo ao Norte, e um milhão seguiu o mesmo
rumo na década seguinte. TROTTER, Joe William (Org.) The Great migration in historical perspective: new
dimensions of race, class & gender. Bloomington; Indianapolis: Indiana University Press, 1991. p. 85;
HARRISON, Alferdteen (Org.) Black Exodus: The Great Migration from the American South. Jackson:
University Press of Mississippi, 1991; HIRSCH, Arnold R. Making the Second Ghetto: Race and Housing in
Chicago, 1940-1960. Nova York: Cambridge University Press, 1983.
169
HIRSCH, op. cit., 1983.
75
A perspectiva “psicológica” apontada por Magee viria a ser palpável no tempo das
frentes populares nos anos de 1930. Até lá não se deve exagerar seu papel. A novidade estava
na abertura de uma nova trincheira na luta contra o racismo e segregação racial. Locke e Du
Bois aceitavam, tal qual Booker T. Washington, o mundo das ideias, a partir de parâmetros
brancos, como espaço de disputa ideológica.
O exercício de uma arte reformada sob medida para os embates sociais não prescindia,
para os comunistas, de uma organização efetiva. Por isso, é preciso compreender a
organização que permitiu aos comunistas participar e influenciar esse conjunto de fenômenos
antirrascistas.
170
MAGEE, Jeffrey. Cambridge History of American Music. Cambridge: Cambridge University Press, 1998.
p. 15-16.
171
Ludwig Christian Alexander Karl Martens. Também aparece como Ludwig Karlovich Martens.
76
172
“to acquire and work sources of raw materials and to transport and deliver said materials where they can be
most usefully employed,” to “develop the coal, iron, steel, oil, chemical, cotton, and other industries,” to
“inaugurate improved services of communication and transport including railway, rivers, harbors, roads, posts
and telegraphs,” and ultimately to “provide technical, financial and material assistance to vital and urgent
municipal, commercial and industrial undertaking.” The authors of the draft of deed and settlement of the
corporation stated that it was going to be “incorporated under Russian law,” and that as soon as a Russian
government is formed it was going to be fully recognized by the several governments, and the corporation will
take steps to become formally incorporated in Russia and Siberia under the provisions and requirements of the
law of said Russian government. GINZBURG, Lyubov. Confronting the Cold War legacy: the forgotten
history of the American colony in St. Petersburg. 2010. Tese (Doutorado em American Studies)–University of
Kansas, Lawrence, 2010. p. 194.
173
BRASKÉN, Kasper. The revival of international solidarity: the Internationale Arbeiterhilfe, Willi
Münzenberg and the Comintern in Weimar Germany, 1921-1933. 2014. Tese (Doutorado em História)–Abo
Akademi, Turku, 2014.
174
“In public announcements Mr. Martens stated that the object of opening his Bureau was to re-establish trade
relations between the United States and Soviet Russia. This was undoubtedly a very important part of the
program he was to carry out, it being obviously necessary for the Russian Soviet regime to obtain many raw
materials and manufactured products available only in this country, in order to supply the wants of the Russian
people, to reestablish transportation facilities in that country, and to reconstruct industry. These things being
essential to the consolidation of the Soviet regime and the perpetuation of that form of government, it was
77
obvious that Mr. Martens' first duty was to attempt to re-establish such trade relations.” ACTIVITIES of Russian
Soviet Regime. In: STEVENSON, Archibald E. et al (Ed.). Revolutionary Radicalism: Its history, purpose and
tactics with an exposion and discussion of the steps being taken and required to curb it being Report of the Joint
Legislative Committee Investigating Seditious Activities, filed april 24, 1920, in the Senate of the State of New
York – Part I. Albany: J. B. Lyon Company Printers, 1920. v. 1. p. 643. Disponível em:
<https://archive.org/details/cu31924052844218>. Acesso em: 5 nov. 2012.
175
Cf. FINK, Carole. The Genoa Conference: European Diplomacy, 1921-1922. Chapel Hill: University of
North Carolina Press, 1984.
176
MCFADDEN, David W. Alternative Paths: Soviets and Americans, 1917-1920. Nova York; Oxford:
Oxford University Press, 1993. p. 5.
177
Robins era da Cruz Vermelha e, conquanto tenha se resguardado das influências bolcheviques, parece ter
tentado, desde o início de sua missão na Rússia, restabelecer as relações diplomáticas. Cf. MCFADDEN, 1993,
p. 79-124.
178
“They reached agreements on a number of issues, which were accepted by both the American and Soviet
governments. Robins concluded purchase agreements on behalf of the U.S. War Department for Russia's
remaining supplies of strategic platinum, thus denying them to the German war effort. Lenin agreed, after
78
A atividade de Martens nos Estados Unidos e, mais que isso, sua sincronização com
outras missões ao redor do globo fizeram com que as atividades contrarrevolucionárias
numerous importunities by Robins, to an exemption from Bolshevik nationalization decrees for a number of
United States corporations, including Singer, International Harvester, and Westinghouse. The critical operations
of the American Red Cross in Russia were extended and expanded by the Robins-Lenin agreement, including the
distribution of milk and surplus food, the provision of scarce farm implements and equipment, and the continued
importation of medical supplies and devices.” Ibid., 1993, p. 4.
179
“Substantial economic and technical contacts were established with American businesses that later resulted,
in the 1920s, in the first blossoming of American scientific, technical, and economic interchange with Bolshevik
Russia.” MCFADDEN, 1993, p. 5.
180
Leonid Krasin, entre 1918 e 1920, foi a Estocolmo e Londres. Tentou vistos para entrar nos Estados Unidos,
sem sucesso. Argumentou com o politburo que era fundamental abrir negociações comerciais com Berlim (Ibid.,
p. 270). A inteligência britânica, em julho de 1920, descreve parte do conteúdo de uma das negociações de
Krasin: “Before Krassin originally left Copenhagen for England he was concerned in some discussion of a loan
to be raised by the Frankfurt bankers in conjunction with Siemens-Schuckert. No positive agreement had been
arrived at, but the proposal was to be deferred until after the more important business of getting a connection
with England had been achieved.” CAB/24/111. Revolutionary Movements in British Dominions Overseas
and Foreign Countries, Directorate of Intelligence (Home Office), n. 21, p. 32, jul. 1920.
181
Gyorgy Chicherin foi Comissário do Povo para Assuntos Externos da União Soviética entre 1918 e 1930.
182
“We well understand the tactics which we all the time have been pursuing with respect to the U.S.—namely,
in all matters that the U.S. remains the capitalist country in which there is hope for breaking through the
blockade.” MARTENS, 1919 apud MCFADDEN, 1993, p. 267.
183
“By 1920, the Martens mission's experience with American businessmen had replaced the blockade as the
economic talking point for Bolshevik appeals. In one of the major Bolshevik peace initiatives of this period,
relayed through the Foreign Minister of the Swedish government in February 1920, Chicherin stressed in detail
Martens' successful contacts with "American commerce and industry" and talked of the ‘gigantic role’ the
United States could play in reconstruction. He then concluded with an appeal for negotiations.” Ibid., 1993, p.
268.
79
A maneira como foi montado o relatório do Lusk Committee não deixa margem para
interpretações quanto aos seus propósitos. Logo depois do documento de Domingo, uma carta
de David P. Berenberg191 a Francis Pelegrino, de 16 maio de 1919,192 é exposta na íntegra.
Parte do conteúdo segue:
188
STEVENSON, 1920, v. 2, p. 1489.
189
“[...] this attitude on the part of American radicals is because of the fact that they are Americans and share the
typical white American psychology towards negroes. If this is so, then their radicalism is not genuine and is
deservedly doomed to failure. For anyone to think the negro (sic) unworthy of consideration is for that one to fly
in the face of history. [...] Perhaps a few ominous and startling facts from history may disabuse the minds of
those in doubt and sober the blind enthusiasm of the fanatical theorists. These facts contain lessons that even
white radicals who are still under the influence of the American psychology which thinks in terms of races, not
class, may well heed.” Ibid., v. 2, p. 1509.
190
“These are but a few examples showing that capitalists, or rather governments, do not discriminate as to the
weapons they employ to achieve their ends; they also show that unless instructed, negroes, in their present state
of ignorance of the real aims of Socialism, are liable to be willing tools of the plutocracy.” Ibid., v.2, p. 1510.
191
Membro do Partido Socialista e responsável por cursos a distância de Ciências Sociais da Rand School of
Social Science.
81
Eu estou enviando os informes sobre os cursos. Claro, eu sei que eles não são tudo
aquilo que você gostaria de ter, mas eu acho que seria mais inteligente se você me
fizesse perguntas que eu possa então responder.
Há uma grande necessidade de trabalho missionário entre todas as pessoas e
especialmente entre as pessoas de cor. Nós temos aqui um grupo muito ativo de
camaradas – entre eles os camaradas Chandler Owen e Domingo – que têm nos
advertido que a menos que aceleremos nosso caminho junto aos negros, os
capitalistas podem usá-los no tempo da revolução social como os tchecoslovacos
estão sendo usados na Rússia.193
192
Nascido em Birmingham, Reino Unido, em 1876, foi para a África do Sul em data desconhecida. Segundo
relatos também incertos, proferiu em 1900 uma palestra intitulada “The Manners and Customs of the Natives of
South Africa: their religion and superstitious beliefs” na Cidade do Cabo. Em 1920 já estaria nos Estados
Unidos. SHERWOOD, Marika. Origins of Pan-Africanism: Henry Sylvester Williams, Africa, and the African
Diaspora. Nova York: Routledge, 2012. p. 258.
193
“I am sending you the bulletins covering the courses. Of course, I realize that they are not all that you would
like to have, but I think it would be wiser for you to ask me questions which I could then answer.
There is great need for missionary work among all people and especially among colored people. We have here a
very active group of comrades— among them Comrades Chandler Owen and Domingo— who warn us that
unless we make headway with the negroes, the capitalists may use them in time of a social revolution much as
the Czechoslovaks are being used in Russia.” STEVENSON, 1920, v. 2, p. 1511.
194
“We have quoted at considerable length from the various radical revolutionary negro publications above
referred to, in order to clearly bring out the type of propaganda that is being disseminated among the people of
this race as well as to show the mental calibre of the leaders of the radical movement among negroes. This
movement is being cleverly fostered by the Socialist Party and by the Rand School of Social Science.
We believe that much of this propaganda falls on fertile soil, by reason of lynchings, Jim Crow legislation and
the abridgment of the right of franchise to negroes in many states. Instead of seeking to remedy these conditions
in lawful manner, as we firmly believe they should be remedied, they are made the basis for an appeal to class
consciousness. This propaganda seeks to make the negro believe that the only way in which his lot can be
bettered is by the abolition of our form of government and the substitution therefor of a system of government
similar to that of Soviet Russia and by the institution of the co-operative Socialist Commonwealth.” Ibid., v. 2, p.
1519-20.
82
O(s) autor(es) do relatório aponta(m) para o solo fértil encontrado pela propaganda
radical em função da segregação racial, dos linchamentos e do conjunto de leis
discriminatórias. A posição explícita no escrito é que se deveria apelar à justiça comum, aos
direitos constitucionais e não à “consciência de classe” para solucionar possíveis problemas
sociais.
A exposição feita da propaganda entre afro-americanos levou em consideração todas
as organizações negras achadas pela investigação nos Estados Unidos e em Nova York. A
African Blood Brotherhood (ABB) não foi citada em nenhum dos quatro volumes. A aparição
de Cyril Briggs, Richard Moore e Claude McKay, quando ocorre, é puramente episódica. Por
outro lado, a investigação periódica que os britânicos faziam constatava a existência da ABB,
mas eles não pareceram dar maiores atenções à organização. Ao relatar o crescimento da
campanha de propaganda entre afro-americanos, o relatório informa:
“Nem todo o poder da Europa nem a Liga das Damnations será capaz de frear a
investida por liberdade”, para citar as palavras do “The Crusader”, um jornal que
também anuncia a formação de uma outra organização de cor, “a Irmandade do
Sangue Africano para Liberação e Redenção Africana”, a filiação para a qual é
limitada aqueles “que estão dispostos a ir ao limite”.195
195
“‘Not all the might of Europe or the League of Damnations will be able to stop the onslaught for freedom’ to
quote the words of ‘The Crusader’ a newspaper which also announces the formation of yet another coloured
organisation, ‘The African Blood Brotherhood for African Liberation and Redemption’, the membership of
which is limited to those ‘who are willing to go the limit’”. CAB/24/95. Revolutionary Movements in British
Dominions Overseas and Foreign Countries, Directorate of Intelligence (Home Office), p. 28, dez. 1919.
196
GILMORE, 2008, p. 34.
83
O ano de 1919 marca uma clivagem narrativa. O quadro geral inclui os conflitos
raciais sangrentos nesse ano, a fragmentação do Partido Socialista, os dois Partidos
Comunistas – o Communist Party of America e o Communist Labor Party –, o radicalismo
negro e suas organizações e, por fim, a vigilância repressiva do Estado. Por outro lado, inclui
a internacionalização da chamada questão negra e a criação da Comintern.
O segundo e o terceiro congressos da IC, em 1920 e 1921 respectivamente, já
constavam de apoios específicos pela emancipação de colônias. No II Congresso, John Reed
realizou duas falas sobre a situação dos negros nos Estados Unidos.
Se nós consideramos os negros como povos escravizados e oprimidos, então eles
nos põem duas tarefas: por um lado um forte movimento racial e por outro um forte
movimento dos trabalhadores proletários, cuja consciência de classe está
rapidamente crescendo. Os negros não demandam independência nacional. Um
movimento que procura por uma existência nacional separada, como por exemplo o
movimento “de volta a África” que poderia ser observado alguns anos atrás, nunca é
bem-sucedido entre negros. Eles se consideram antes de tudo americanos, eles se
sentem em casa nos Estados Unidos. Isso simplifica as tarefas dos comunistas
consideravelmente.
A única política correta para os Comunistas americanos em relação aos negros é
tratá-los acima de tudo como trabalhadores. Os trabalhadores agrícolas e pequenos
proprietários do Sul impõem, a despeito do atraso dos negros, as mesmas tarefas que
aquelas que temos em relação ao trabalhador branco do campo. A propaganda
comunista pode ser conduzida entre negros que estavam empregados como
trabalhadores industriais no Norte. Em ambas as partes do país nós precisamos nos
esforçar para organizar os negros nos mesmos sindicatos que os brancos. Essa é a
melhor e mais rápida maneira de acabar com o preconceito racial e acordar a
solidariedade de classe.
Os comunistas não podem situar-se distantes do movimento negro que demanda sua
igualdade política e social e no momento, num tempo de rápido crescimento da
consciência racial, está se espalhando rapidamente entre negros. Os comunistas
precisam usar esse movimento para expor a mentira da igualdade burguesa e
enfatizar a necessidade da revolução social a qual irá não apenas liberar todos os
trabalhadores da servidão mas é também a única maneira de libertar o povo negro.198
197
“While several men and women joined the Socialist Party or attended the Rand School, it was not until
Harlem became their community and the Twenty-first district branch formed that they could participate
collectively in a neighborhood unit. Thus the development of Harlem provided opportunity for African
Caribbeans to join with African Americans to help forge a cohesive organizing arm that would extend in a more
structured way from uptown to downtown.” TURNER, Joyce Moore. Caribbean Crusaders and the Harlem
Renaissance. Champaign: University of Illinois Press, 2005. p. 53.
198
“If we consider the Negroes as an enslaved and oppressed people, then they pose us with two tasks: on the
one hand a strong racial movement and on the other a strong proletarian workers’ movement, whose class
consciousness is quickly growing. The Negroes do not pose the demand of national independence. A movement
that aims for a separate national existence, like for instance the ‘back to Africa’ movement that could be
observed a few years ago, is never successful among the Negroes. They hold themselves above all to be
Americans, they feel at home in the United States. That simplifies the tasks of the communists considerably.
The only correct policy for the American Communists towards the Negroes is to regard them above all as
workers. The agricultural workers and the small farmers of the South pose, despite the backwardness of the
Negroes, the same tasks as those we have in respect to the white rural proletariat. Communist propaganda can be
carried out among the Negroes who are employed as industrial workers in the North. In both parts of the country
we must strive to organise Negroes in the same unions as the whites. This is the best and quickest way to root
out racial prejudice and awaken class solidarity.
84
Até uma resolução específica sobre a questão negra, no entanto, seriam necessários
mais dois anos. No IV Congresso da IC, Otto Huiswoud e Claude McKay participariam da
elaboração de uma versão preliminar das “Teses sobre a Questão Negra”. Foi o primeiro
trabalho da primeira Negro Commission, criada especificamente para elaborar políticas para a
população negra. Pouco seria tratado acerca da África Colonial. A inspiração para elaboração
das teses provinha da realidade estadunidense, em que pese a tentativa de formular uma
política “atlântica” de combate ao racismo. Lidas por Huiswoud, as formulações parciais das
Teses eram:
O IV Congresso considera essencial apoiar todas as formas de movimento negro as
quais objetivem minar ou enfraquecer o capitalismo e imperialismo ou prevenir suas
expansões. [A Comintern lutará pela igualdade racial entre brancos e negros, nos
planos econômico, social e político.] A Comintern fará todo o possível para forçar
sindicatos a aceitarem negros onde quer que a admissão seja legal. Em casos onde
não for admitido por lei, iniciará uma campanha para tal fim. Caso a iniciativa se
prove sem sucesso, a Comintern organizará os negros em seus próprios sindicatos
com este fim. Feito isto, organizará “Frentes Únicas” para obter a aceitação dos
sindicatos de trabalhadores. A Comintern se comprometerá a organizar um
congresso negro internacional em Moscou.199
Para chegar até essa conclusão, foram apresentadas as similitudes entre a situação dos
negros nos Estados Unidos com as populações submetidas pelo colonialismo e imperialismo
na América Central, Ásia e África. Foi definida após o congresso a criação de um Bureau
Negro para organização de uma Conferência Mundial Negra (World Negro Conference).
Huiswoud então permaneceria em Moscou para organizar a Conferência até dezembro de
1922, quando receberia uma carta do CEIC transferindo-o para o Secretariado do Oriente com
The Communists must not stand aloof from the Negro movement which demands their social and political
equality and at the moment, at a time of the rapid growth of racial consciousness, is spreading rapidly among
Negroes. The Communists must use this movement to expose the lie of bourgeois equality and emphasise the
necessity of the social revolution which will not only liberate all workers from servitude but is also the only way
to free the enslaved Negro people.” REED, John. Minutes of the Second Congress of the Communist
International: Fourth Session, July 25 – Discussion, America and the Negro question. Marxists Internet
Archive. [s.d]. Disponível em: <http://www.marxists.org/history/international/comintern/2nd-
congress/ch04.htm#v1-p121>. Acesso em: 19 out. 2012.
199
“The Fourth Congress considers it essential to support all forms of the black movement which aim either to
undermine or weaken capitalism and imperialism or to prevent their further expansion. The Communist
International will fight for the racial equality of blacks and whites, for equal wages and equal social and political
rights. The Communist International will do all it can to force the trade unions to admit black workers wherever
admittance is legal, and will insist on a special campaign to achieve this end. If this proves unsuccessful, it will
organise blacks into their own unions and then make special use of the united front tactic to force the general
unions to admit them. The Communist International will immediately take steps to convene an international
black conference or congress in Moscow.” FOURTH Congress of the Communist International: The Black
Question, 30 nov. 1922. Marxists Internet Archive. [s.d]. Disponível em:
<http://www.marxists.org/history/international/comintern/4th-congress/blacks.htm>. Acesso em: 19 out. 2012.
85
ordens para trabalhar com Sen Katayama e utilizar-se do aparato daquele Secretariado para
resolver todos os assuntos pertinentes à questão negra.200
A criação do Bureau Negro ficaria, portanto, em suspenso. A organização da
Conferência, pensada inicialmente para ser sediada em Moscou, fracassaria no curto prazo.
No decorrer do IV Congresso, o segundo ponto, entre colchetes, não constava na versão lida
por Huiswoud, que terminou sendo reprovada pela plenária. O segundo ponto era, na versão
original: “o trabalho entre negros deve ser feito principalmente por negros”.201 Terminou
sendo retirada da versão final depois de uma intervenção. O tema da integração estaria em
definitivo na pauta da Comintern e obedeceria à mecânica revolucionária cominterniana que
advogava a luta de trabalhadores negros e brancos contra o capitalismo e imperialismo.
***
200
VAN ENCKEVORT, Maria Gertrudis. The Life and Word of Otto Huiswoud: professional revolutionary
and internationalist (1893-1961). 2000. Tese (Doutorado em História)–The University of West Indies, Kingston,
2000. p. 76.
201
Protokoll des IV Kongresses, p. 697 apud VAN ENCKEVORT, 2000, p. 71.
202
NEMZER, Louis. The Soviet Friendship Societies. The Public Opinion Quarterly, v. 13, v. 2, p. 271,
primavera 1949.
86
A história dessa organização em cada país que presenciou sua existência é específica e
difícil de ser generalizada, uma vez que ela não obedeceu às diretrizes cominternianas. Na
maior parte dos casos, os “Amigos” dos soviéticos criaram diferentes nomes, mas estiveram
atrelados inicialmente à Ajuda Internacional dos Trabalhadores e depois ao Socorro
Internacional, este sim, vinculado à IC. A fórmula de ajuda internacional baseada na
solidariedade dos trabalhadores de todo o mundo, capitaneada pelas células comunistas nos
respectivos países, é tida como obra do alemão Willi Münzenberg. Essas organizações eram
necessariamente de Frente e continham, como condição sine qua non para o seu
funcionamento, tendências não faccionais. Foi este o caso da FSR nos Estados Unidos. A
melhor explicação para o surgimento dessas organizações ainda se encontra em Edward Carr,
quando sugere que, em sendo a Sindical Vermelha e Internacional Comunista da Juventude
organizações comunistas, elas fracassaram no propósito de
[...] criar um canal de aproximação de simpatizantes não comunistas. Tal abordagem
foi, no entanto, necessária; e depois do fim do terceiro Congresso uma tentativa foi
levada a cabo por meio de uma série de organizações livremente conectadas com o
partido por objetivos comuns, mas livres dos mesmos compromissos com a ação
revolucionária e livres dos mesmos requerimentos rigorosos da doutrina e disciplina.
[...] O primeiro impulso parece ter vindo, quase acidentalmente, da emergência da
fome russa. Sob a liderança do engenhoso e ambicioso Münzenberg, uma Sociedade
Internacional de Socorro aos Trabalhadores (MPR) foi fundada em Berlim em 12 de
setembro de 1921. Seu propósito inicial era prover a esquerda com um contrapeso
para o generoso suprimento de ajuda enviado para a Rússia Soviética pela ARA
(Administração da Ajuda Americana) e outras agências burguesas para mitigar os
horrores da fome.203
203
CARR, Edward H. A History of Soviet Russia: The Bolshevik revolution, 1917-1923. New York: The
MacMillan Company, 1953. v. 3. p. 404. “of providing a channel of approach to non-communist sympathisers.
Some such approach was, however, necessary; and after the end of the third congress an attempt was made to
effect it through a series of organizations loosely connected with the party by common aims, but free from the
same commitments to revolutionary action and from the same stringent requirements of doctrine and discipline.
[...] The first impulse seems to have come, almost accidentally, from the emergency of the Russian famine.
Under the leadership of the ingenious and ambitious Münzeberg, an International Workers’ Aid Society (MPR)
was founded in Berlin on September 12, 1921. Its initial function was to provide a Left-wing counter-weight to
the generous relief supplies sent to Soviet Russia by ARA (American Relief Administration) and other bourgeois
agencies to mitigate the horrors of the famine.”
87
204
Berlin was Münzenberg’s main operative centre, where several of the activities instigated and managed
through his hands functioned as a geographical hub for a variety of movements either officially or unofficially
connected to the WIR (League against Imperialism, the Friends of Soviet Union, publishing, movie distribution
etc.). Fredrik Petersson “In Control of Solidarity? Willi Münzenberg, the Workers’ International Relief and
League against Imperialism, 1921-1935” PETERSSON, 2007, p. 9.
205
Kathleen Brown e Van Gosse defendem que a militância em organizações de Frente obedeceu a cotidianos
diferentes daqueles praticados por militantes unicamente dedicados à organização do Partido. Chegam a afirmar
que as mulheres comunistas militaram, sobretudo, nessas frentes partidárias e organizações auxiliares. A história
de Ella Reeve Bloor é estudada por Brown numa biografia histórica que revela uma militante obediente às
ordens do partido, que viajou de costa a costa tentando organizar mineiros e angariar membros para as
organizações de frente (FSU, International Labor Defense, National Council for Protection of Foreign Born, etc.)
e fundos para os jornais do partido, tais como o Daily Worker. O trabalho de Brown demonstra quão difícil era,
para o militante, separar o trabalho de frente do trabalho partidário e como essa tensão era responsável tanto por
aproximar quanto por distanciar simpatizantes. BROWN, Kathleen A. Ella Reeve Bloor: The Politics of the
Personal in the American Communist Party. 1996. Tese (Doutorado)–Universidade de Washington, Seatle, 1996.
p. 4, 69-70, 178, 227, 228.
88
Tendo em vista essa dispersão que poderia resultar num conglomerado de questões
nacionais a serem resolvidas, John Reed disse, a respeito dos afro-americanos, que eles se
sentiam, antes de tudo, americanos.207 Dessa maneira, em início dos anos de 1920 toda
tentativa visava dirimir os pontos de divergência para unificação das ações antirracistas sob a
direção dos comunistas, preferencialmente.
Ao propor com tamanha ênfase uma unificação, o Messenger tornava pública a
fragmentação organizativa dos “partidos” negros. Havia um conflito em um nível tal que
impossibilitava uma integração. Alianças estáveis entre as três organizações que foram citadas
até aqui, a saber, a Unia, a NAACP e a ABB, não eram possíveis. Um dos aspectos
componentes dessa dificuldade em trabalhar a unificação de pautas talvez tenha obedecido à
questão da nacionalidade – “eles se vêem antes de tudo como americanos”, segundo John
Reed – que pareceu dotar a tradição socialista estadunidense com traços nacionalistas que
nem sempre se encontrou entre congêneres europeus e latino-americanos.
Sabe-se que o movimento demográfico que afetou Nova York e a Renascença do
Harlem, para Glenda Gilmore, poderia ter se chamado de Raleigh Renaissance, haja vista que
“tantos negros da Carolina do Norte se mudaram para Nova York com apenas poucas quadras
entre eles”.208 Os imigrantes do Caribe, ao chegar no Harlem e, genericamente, em Nova
York, tenderam a enfrentar resistências à migração negra por parte de alguns grupos
nativistas, tais como os representados por Marcus Garvey e Fred R. Moore, que advogavam a
206
“Shall We Remain Slaves, or Become free Men?
Negroes of the West Indies and America, Unite!
West Indian negroes, you are oppressed. American negroes, you are equally oppressed. West Indians, you are
black. Americans, you are equally as black. It is your color upon which white men pass judgment, not your
merits, nor the geographical line between you.” STEVENSON, Archibald E. et al, 1920, v. 2, p. 1.484.
207
“The Negroes do not pose the demand of national independence. A movement that aims for a separate
national existence, like for instance the ‘back to Africa’ movement that could be observed a few years ago, is
never successful among the Negroes. They hold themselves above all to be Americans, they feel at home in the
United States. That simplifies the tasks of the communists considerably.” REED, [s.d]. Acesso em: 31 out. 2014.
208
GILMORE, 2008, p. 5. “so many black North Carolinians settled within a few blocks of one another in New
York”.
89
volta dos negros à África e não a permanência e integração nos Estados Unidos.209 Por parte
dos afro-americanos, havia desencontro de hábitos, costumes e, fundamentalmente, uma
sensação de permanente desalojamento em razão da chegada de novos imigrantes. Certa
ambivalência relativa aos processos migratórios que faziam chegar levas de afro-caribenhos
ao Harlem, por exemplo, tinha raízes nos medos da competição e na possibilidade de
deslocamento.210 Em finais da década de 1910, a fraqueza política do Harlem, comparada ao
south side de Chicago, foi explicada também em razão de dissenso entre afro-americanos e
afro-caribenhos.211
Um dos mais claros exemplos da complexidade da questão é a greve de metalúrgicos
de 1919. Em resumo, os trabalhadores tentavam tornar permanentes os ganhos do período de
guerra. Durante esse movimento paredista, afro-americanos furaram a greve e substituíram
trabalhadores nas fábricas. Tratou-se de uma série de boicotes que metalúrgicos negros
impuseram às greves da classe organizadas em 1919 e 1921.212 As motivações são complexas,
mas o CPUSA, na figura de William Z. Foster,213 assistiu ao fato de que “a maior parte deles
parecia ter entusiasmada satisfação em roubar os trabalhos dos homens brancos e destruir sua
greve”.214 Para Mark Solomon, “Foster via o problema da união entre negros e o movimento
de trabalhadores como uma batalha contra as políticas racistas dos trabalhadores organizados
e contra o sentimento antissindical da comunidade negra.”215
As definições provenientes da IC a partir do IV Congresso constituíram uma
sinalização de que a questão negra, em países onde ela era parte não integrada de uma classe
trabalhadora sedimentada, casos de Estados Unidos e África do Sul, impactaram a postura
tradicionalmente comunista que definia a luta de classes a partir da posição dos sujeitos em
relação aos meios de produção – Foster já dizia que “a expressão racial do negro é
simplesmente a expressão de sua exploração econômica e opressão, uma intensificando a
209
WATKINS-OWENS, Irma. Blood relations: Caribbean immigrants and the Harlem community, 1900-1930.
Bloomington: Indiana University Press, 1996. p. 28.
210
WATKINS-OWENS, 1996, p. 172.
211
Ibid., p. 87.
212
MORENO, Paul D. Black Americans and organized labor: a new history. Baton Rouge: Lousiana State
University Press, 2006. p. 132-3.
213
Foster ainda não era o maior líder do movimento comunista estadunidense. Em 1924 ele seria o candidato a
presidente do Workers Party, braço legal do CPUSA e expressão da política de Frente Única da Comintern. A
“History of the Communist Party of the United States”, escrita por William Z. Foster e publicada em 1952,
tratou a questão enquanto movimento da burguesia e de grupos pequeno-burgueses da comunidade negra que se
opunham à unificação da classe. Em que pese essa tentativa, Foster reitera o sucesso da empreitada comunista na
unificação da classe.
214
“most of them seemed to take a keen delight in stealing the white men’s jobs and crushing their strike”
FOSTER apud MORENO, 2006, p. 132.
215
“Foster viewed the problem of unity between blacks and the labor movement as a battle against both
organized labor’s racist policies and anti-union sentiment in the black community.” SOLOMON, 1998, p. 45.
90
outra. Isso complica o problema negro, mas não altera seu caráter proletário”.216 Passava-se a
admitir a desigualdade de condições mesmo dentro de um grupo social definido em termos de
classe. O próprio Foster afirma que:
Nas eleições nacionais de 1924, William Z. Foster, candidato a presidente do Partido
dos Trabalhadores, apresentou o programa comunista sobre a questão negra em
muitas cidades do Sul Profundo. E daqueles anos até o presente tempo não houve
convenção ou campanha de massa do Partido Comunista na qual a questão negra
não estivesse na linha de frente das considerações.217
216
FOSTER, 1952, p. 173.
217
“In the national elections of 1924, William Z. Foster, presidential candidate of the Workers Party, presented
the Communist program on the Negro question in many cities of the Deep South. And from those years right
down to the present time there has been no convention or mass campaign of the Communist Party in which the
Negro question has not been in the front line of consideration.” FOSTER, 1952, p. 233.
218
Organização sindical revolucionária influenciada pela Industrial Workers of the World (IWW) e formada em
1915 em oposição à Primeira Guerra Mundial e às políticas conservadoras e racistas do apenas branco Partido
Trabalhista Sul-Africano e dos sindicatos que o apoiavam.
219
SOUTH African Communist Party Documents, 1917: International Socialism and the Native – No Labour
Movement without the Black Proletariat. Marxists Internet Archive. [s.d]a. Disponível em:
<http://www.marxists.org/history/international/comintern/sections/sacp/1917/native.htm>. Acesso em: 13 dez.
2010.
91
220
MANTZARIS, Evangelos. The promise of the impossible revolution: the Cape Town industrial socialist
league, 1918-1921. In: ______. Labor Struggle in South Africa: the forgotten pages 1903-1921. Disponível
em: <http://www.sahistory.org.za/pages/library-resources/online%20books/labour-struggles/chapter-1.htm#14>.
Acesso em: 22 abr. 2011. Atualização em jan. 2015: <http://www.sahistory.org.za/archive/chapter-1-promise-
impossible-revolution-cape-town-industrial-socialist-league-1918-1921>.
221
SOUTH African Communist Party Documents, 1928: The South African Question. Marxists Internet
Archive. [s.d]b. Disponível em:
<http://www.marxists.org/history/international/comintern/sections/sacp/1928/comintern.htm>. Acesso em: 20
set. 2011.
222
“[...] the Party had by no means adopted an uncompromising, consistent antiracist posture. Its efforts to build
a base in the black mainstream had yielded little.” SOLOMON, 1998, p. 36-7.
223
“By stating that blacks were fighting for their “liberation”, the new Party breached a simplistic class analysis;
in stressing the issue of discrimination, the WP (Workers Party, a legal arm of Communists) was edging toward
accepting the special dimensions of the assault on blacks; by blaming the labor movement for black hostility, the
Party was attempting to distinguish victims and victimizers in a way that had never before been done by a radical
group in relation to unions. Finally, by establishing a Negro Commission under Huiswoud, Party appeared to be
giving organizational substance to its ideological claims.” Ibid., p. 21.
92
224
Comunistas da Inglaterra e da França participaram timidamente das discussões preliminares.
225
A África do Sul, conquanto sob domínio colonial, possuía, na interpretação cominterniana, uma burguesia
consolidada.
226
GILMORE, 2008, p. 58.
227
Ibid., p. 58.
93
internacional, e forças políticas distintas alterariam suas posições nos postos de tomadas de
decisão da IC. O processo de descenso político de Whiteman, acompanhado pela ascensão
daqueles que ele próprio trouxe ao partido no decorrer da primeira metade dos anos de 1920,
é indicativo de inflexões programáticas da IC com alcance global. Na prática, é sobre essas
transformações e suas implicações práticas na militância comunista negra que tratará esta
tese.
Whiteman tinha se atribuído, entre os anos de 1924 e 1926, a tarefa de cooptar negros
para cerrarem fileiras comunistas e, ao mesmo tempo, selecioná-los para a Universidade para
os Povos Orientais.228 Assim, ele se comunica com o então diretor e descreve o procedimento
que tem utilizado para escolher os estudantes que iriam para União Soviética estudar na
KUTV.
Os estudantes negros estão sendo selecionados com o maior dos cuidados (sic) eles
são sete homens e três mulheres todos ainda em seus vinte no que diz respeito à
idade. Eu estou dando preferência aos membros do partido e àqueles que têm estado
em contato comigo em meu trabalho. Eles são pessoas sinceras, enérgicas e
inquestionavelmente devotadas à causa. Eu espero que eles estejam na Rússia até a
última parte de agosto ou a primeira de setembro.229
228
Curiosamente é assim que Fort-Whiteman se refere à KUTV, abreviatura da Universidade Comunista dos
Trabalhadores do Leste.
229
“The Negro students are being selected with the uttermost care (sic) they will be of seven men and three
women all yet in their twenties in respect to age. I am giving preference to party members and those who have
been associated with me for some time in my work. They are persons, who are sincere, energetic and
unquestionably devoted to the Cause. I hope to have them in Russia by the latter part of August or the first of
September.” RGASPI, F. 495, op. 155, d. 33, list. 8.
230
Cf. HAYWOOD, Harry. Black Bolshevik: Autobiography of an Afro-American Communist. Chicago:
Liberator Press, 1978. p. 5-148; DRAPER, 1960, p. 332-5.
94
Sindical Vermelha e a Internacional Camponesa.231 Ainda era preciso convencer uma parcela
hegemônica dos militantes do CPUSA acerca da importância da questão negra para a
totalidade do partido. Não por acaso, o “chauvinismo branco” seria uma expressão
onipresente na documentação referente aos negros do partido entre 1924 e 1928. Whiteman
foi um dos principais articuladores desse mote e, desde o início de sua militância no Partido,
assim como os mais proeminentes militantes do CPUSA, articulou-se de fora para dentro.
Mais precisamente, tentou envolver o partido com sua causa a partir de apoio externo
utilizando-se do centralismo democrático que se impunha de Moscou. Sempre que necessário,
os militantes negros recorreriam às resoluções vindas da URSS para se impor às direções
partidárias do CPUSA. Portanto, essa era a natureza da disputa em que se encontrava
Whiteman.
Whiteman avaliava que os espaços de tomadas de decisão do partido não eram
compostos por negros, tampouco as estratégias delineadas pelo partido sofriam o impacto das
formulações de intelectuais negros esperado pela militância negra. Whiteman procurou
recrutar negros ao Partido e, finalmente, formar uma intelectualidade negra capaz de disputar
os rumos partidários a partir de Moscou.
Essa atitude de Whiteman encontrava respaldo, em mais de uma maneira, do Comitê
Executivo da Internacional Comunista. O Secretário Político do CEIC enviou, em 1925, uma
circular aos Partidos Comunistas da Grã-Bretanha, França, Alemanha, Estados Unidos, Itália,
Bélgica e Holanda advertindo que:
Nas universidades das capitais e cidades da Europa e América existem dezenas de
milhares de estudantes de países coloniais e semicoloniais do Oriente. Eles estão lá
primeiramente para se preparar para as variadas profissões intelectuais (medicina,
engenharia, direito etc.), mas parcialmente é o desejo de adquirir o conhecimento da
ciência europeia e o movimento de libertação que os levam até lá. Aqueles
estudantes dos países orientais (chineses, indianos, japoneses, coreanos, árabes,
afegãos, turcos, persas, negros, marroquinos etc.) diferem imensamente dos
estudantes ocidentais que agora são uma expressão da deterioração ideológica e
política da burguesia ocidental. Os jovens intelectuais orientais estão experienciando
a luta pela libertação de seus respectivos países contra o imperialismo. As
inclinações de muitos desses estudantes orientais estão inteiramente com os grupos
de revolucionários nacionais de seus países e por meio de um trabalho sistemático
muitos deles podem ser trazidos para a influência do comunismo.232
231
GILMORE, 2008, p. 45.
232
“In the universities of the capitals and towns in Europe and America there are tens of thousands of students
from the colonial and semi-colonial countries of the East. They are there primarily to prepare themselves for the
various intellectual professions, (medicine, engineering, legal etc.) but partly it is the desire to acquire a
knowledge of European science and the liberation movement which brings them there. Those students from the
Eastern countries (Chinese, Indians, Japanese, Koreans, Arabians, Afghanistans, Turks, Persians, Negroes,
Moroccans etc.) differ greatly from the West European students who are now an expression of the ideological
and political deterioration of the Western bourgeoisie. The young Eastern intellectuals are experiencing the
liberation struggle of their respective countries against imperialism. The inclinations of many of these Eastern
95
Dentre as sugestões mais relevantes que o Secretariado Político da CEIC fez aos
Comitês Centrais dos partidos dos países citados anteriormente, estão: 1) formação de um
comitê dirigido pelo Agitprop com participação do Departamento de Organização a fim de
elaborar um plano de trabalho para as organizações dos estudantes orientais; 2) organização
de palestras e aulas para os estudantes, de acordo com seus grupos nacionais; e 3) organização
da distribuição de livros para os estudantes, com especial ênfase para aqueles que lidam com
movimentos de libertação colonial.
Se por um lado a direção política da IC não propunha transferir esses estudantes para
as universidades soviéticas, por outro entendia que eles fariam o papel de realizar a disputa
ideológica por dentro dos países imperialistas. Militantes comunistas de “países coloniais e
semicoloniais” com amplo conhecimento da ciência europeia e imersos nos modos de vida
students are entirely with the national-revolutionary groupings of their countries and by systematic work many
of them could be brought under the influence of Communism.” RGASPI, F. 495, op. 155, d. 32, list. 41 a 43.
233
“On the other hand, it must be taken into consideration that of late a social and political disorganisation is
noticeable in the national liberation movements of many of the Eastern countries (China, India, Egypt etc.). The
right wing of these movements, sections of the national bourgeoisie, are now definitely entering into agreements
with the imperialist oppressors. The presence in Europe of tens of thousands of students, who are being moulded
by bourgeois professors may, under the existing circumstances, bring about partial demoralisation of their
revolutionary consciousness and strengthen the positions of the treacherous elements in the liberation
movements in the East.” RGASPI, F. 495, op. 155, d. 32, list. 41 a 43.
234
“ASSIST IN MOULDING THEIR[STUDENTS] REVOLUTIONARY IDEOLOGY, GIVE THEM
SYSTEMATIC INFORMATION ABOUT THE STRUGGLES OF THE EUROPEAN PROLETARIAT AND
COMINTERN AND THE RELATION OF THESE STRUGGLES TO THE LIBERATION MOVEMENT OF
THE EASTERN PEOPLES.” RGASPI, F. 495, op. 155, d. 32, list. 41 a 43.
96
ocidental imporiam, no médio prazo, um golpe aos países imperialistas na chamada “luta
ideológica”.
Na comemoração do quarto aniversário da KUTV, Stalin, em discurso, disse:
Ao analisar a composição do corpo estudantil da Universidade dos Trabalhadores do
Oriente, não se pode deixar de notar uma dualidade. Essa Universidade une
representantes de não menos que cinquenta nações e grupos nacionais do Oriente.
Todos os estudantes dessa Universidade são filhos do Oriente. Mas essa definição
não dá uma clara ou completa noção. O fato é que existem dois grupos principais
entre os estudantes da Universidade, representando dois tipos de condições
totalmente diferentes de desenvolvimento. O primeiro grupo consiste de pessoas que
chegaram aqui do Oriente soviético, de países onde o domínio burguês não mais
existe, onde a opressão imperialista foi derrubada, e onde os trabalhadores estão no
poder. O segundo grupo de estudantes consiste de pessoas que vieram para cá de
países coloniais e dependentes, de países onde o capitalismo ainda reina, onde a
opressão imperialista ainda está em pleno vigor, e onde a independência ainda
precisa ser conquistada a partir da expulsão dos imperialistas.
Assim, nós temos dois Orientes, vivendo vidas diferentes, e se desenvolvendo sob
diferentes condições.
Não é preciso dizer, essa dualidade na composição do corpo de estudantes não pode,
senão, marcar o trabalho da Universidade dos Trabalhadores do Oriente. Isso explica
o fato de que essa Universidade localiza-se com um pé em solo soviético e outro no
solo das colônias e países dependentes.
Por essa razão as duas linhas de atividade da Universidade: uma linha tem como
objetivo criar quadros capazes de servir às necessidades das repúblicas Soviéticas do
Oriente, e a outra linha tem como objetivo criar quadros capazes de servir aos
requerimentos revolucionários das massas trabalhadoras nos países coloniais e
dependentes do Oriente. 235
Esse cenário analítico deu a Whiteman a chance de construir uma prerrogativa anterior
aos outros militantes para escolher quais estudantes enviar à União Soviética. Dentre eles
estariam Harry Haywood (antigo Heywood Hall), James Ford, William Patterson, Otto
Huiswoud e Cyril Briggs, para ficar apenas entre aqueles que ocuparam cargos de direção. Ao
contrário de Whiteman, a formação política dos homens citados obedeceria aos cânones
comunistas, com a notável exceção de Cyril Briggs.
235
“Analysing the composition of the student body of the University of the Toilers of the East, one cannot help
noting a certain duality in it. This University unites representatives of not less than fifty nations and national
groups of the East. All the students at this University are sons of the East. But that definition does not give any
clear or complete picture. The fact is that there are two main groups among the students at the University,
representing two sets of totally different conditions of development. The first group consists of people who have
come here from the Soviet East, from countries where the rule of the bourgeoisie no longer exists, where
imperialist oppression has been overthrown, and where the workers are in power. The second group of students
consists of people who have come here from colonial and dependent countries, from countries where capitalism
still reigns, where imperialist oppression is still in full force, and where independence has still to be won by
driving out the imperialists. Thus, we have two Easts, living different lives, and developing under different
conditions.
Needless to say, this duality in the composition of the student body cannot but leave its impress upon the work of
the University of the Toilers of the East. That explains the fact that this University stands with one foot on Soviet
soil and the other on the soil of the colonies and dependent countries.
Hence the two lines of the University's activity: one line having the aim of creating cadres capable of serving the
needs of the Soviet republics of the East, and the other line having the aim of creating cadres capable of serving
the revolutionary requirements of the toiling masses in the colonial and dependent countries of the East.”
STALIN, Josef V. The Political Tasks of the University of the Peoples of the East. Marxists Internet Archive.
2005. http://www.marxists.org/reference/archive/stalin/works/1925/05/18.htm Acesso em: 13/08/2013.
97
236
SOLOMON, 1998.
237
“Ethnography and anthropology were distinct disciplines in Russia. While Soviet ethnographers studied
nationalities and national cultures, Soviet and German anthropologists affiliated with a new German-Russian
Racial Institute began to conduct medical-anthropological studies of ‘races’ and ‘racial types’ throughout Soviet
Union. HIRSCH, Francine. Race without the Practice of Racial Politics. Slavic Review, Urbana, v. 61, n. 1, p.
31, primavera, 2002.
98
era compreender melhor a ampla plêiade de povos que responderiam, obedecendo aos
critérios do direito de autodeterminar-se, dali por diante, pela alcunha de soviético.
Nacionalidades foram construídas entre 1917 e 1939, e não simplesmente de
maneira metafórica. Instituições e indivíduos de diferentes regiões trabalharam
conjuntamente (e às vezes uns contra os outros) para pesquisar os entendimentos
locais de identidade; esboçar listas de tribos, nacionalidades e idiomas de
localidades específicas; e concluir com um abrangente quadro conceitual.238
A partir dessa efervescência dos estudos das questões nacionais, têm-se uma outra
chave para o entendimento da propositura da autodeterminação do cinturão negro no sul dos
Estados Unidos: Nikolai “Charlie” Nasanov, um siberiano que passara dois anos (1925-1927)
naquele país organizando a Juventude Comunista Internacional. O documento que segue trata
de uma tentativa datada de 1929, por parte de Nasanov, de abordar a questão a partir de uma
crítica interna à atividade comunista entre os negros nos Estados Unidos. As questões colonial
e nacional se confundiam com a questão racial. Aparentemente a IC consentia essa imprecisão
a fim de permitir uma maior maleabilidade na aplicação das táticas definidas nos plenos. O
238
“Nationalities were constructed between 1917 and 1939, and not simply in the metaphorical sense.
Institutions and individuals from different regions worked together (and sometimes against each other) to
research local understandings of identity; draft lists of tribes, nationalities and languages for specified localities;
and come up with a comprehensive conceptual framework”. HIRSCH, Francine. The Soviet Union as a Work-in-
Progress: Ethnographers and the Category Nationality in the 1926, 1937, and 1939 Censuses. Slavic Review,
Urbana, v. 56, n. 2, p. 275, verão 1997.
239
“By 1926, the ethnographers began to discuss national self-determination and the right of individual citizens
to choose their own national identities as related ideas. At a joint session of ethnographers, statisticians and
representatives of the Soviet of Nationalities at the Fourth All-Union Statistical Conference in February 1926,
ethnographers made a strong case that nationality was not ‘biologically’ determined and could not be defined by
‘objective traits’.” Ibid., p. 260.
99
referido documento tem as características de um artigo. Não se sabe quando foi publicado ou
se, de fato, o foi. Trata-se, visivelmente, de um rascunho. Levando em consideração essas
observações, Nasanov realiza duras críticas ao PC estadunidense por suas deliberações de
abril de 1928 e sua inabilidade em desenvolver trabalho entre os negros. Um ano antes, em
relação à questão negra, o partido havia decidido que:
No espírito de todas as decisões da Comintern, A PRINCIPAL POLÍTICA DO
PARTIDO É:
a) A questão negra é UMA QUESTÃO RACIAL e é incumbência do Partido
Comunista lutar pelos negros como uma raça oprimida;
b) O principal dever do partido é defender a causa e organizar ALGUNS
ELEMENTOS ENTRE TRABALHADORES NEGROS como líderes do
movimento racial negro e como parte do proletariado americano na luta contra o
capitalismo.240
Na medida em que havia reduzido o problema negro à raça, como nunca tinha sido
feito por socialistas e/ou comunistas, o partido, para Nasanov, se eximia de abordar o
movimento revolucionário negro, por exemplo. Nasanov avaliava que o Comitê Central do
CPUSA reafirmava posições chauvinistas de brancos ao não ampliar o trabalho dos
comunistas entre negros, já que restringia o partido àqueles.
O significado d[a] questão racial é difícil de entender, já que reduz a questão Negra
a um problema etnográfico[lógico] (e a ideia de raça é principalmente uma ideia
etnográfica[lógica]). Reduzir essa questão a uma definição etnográficalógica
significa subestimar a questão negra como uma questão nacional e nossa relação
com os negros enquanto povo oprimido. Em toda a resolução, nenhuma palavra é
dita sobre a atitude do partido em relação ao movimento revolucionário negro, ao
passo que essa é a chave para a questão negra.241
Ao garantir esse tipo de posição, para Nasanov, o CPUSA não conquistava a confiança
da comunidade negra uma vez que não havia um enfrentamento do chauvinismo.
E ainda essa questão é primeira premissa para o trabalho entre Negros, para ganhar
sua confiança e treinar novos quadros de trabalhadores negros. A esse respeito as
coisas não estão como deveriam no Partido Americano. [...] Muitos dos camaradas
negros nas fileiras do Partido estão insatisfeitos com a atual atitude do Partido em
relação a eles como negros.242
240
“In the spirit of all Comintern decisions THE MAIN POLICY OF THE PARTY IS:
a) The Negro question is A RACIAL QUESTION and it is incumbent on the Communist Party to struggle for
the Negroes as an oppressed race.
b) The foremost duty of the Party is to champion and organise SOME ELEMENTS AMONG NEGRO
WORKERS as leaders of the radical Negro movement and as part of the American proletariat in the struggle
against capitalism.” RGASPI, F. 495, op. 155, d. 59, list. 86.
241
“The meaning of [the] racial question is difficult to understand, for it reduces the Negro question to an
ethnographical[logical] problem, (and the idea of race is mainly an ethnographical[logical] idea). To reduce this
question to an ethnographicallogical definition means under-estimating the Negro question as a national question
and our relation to Negroes as an oppressed people. Throughout the whole resolution not a word is said about the
attitude of the Party to the revolutionary Negro movement, whereas this is the key to the Negro question.” Ibid.
242
“And yet this question is the main premise for work among Negroes, for gaining their confidence and training
new cadres of Negro workers. In this respect things are not as they should in the American Party. [...] Most of
the Negro comrades in the ranks of the Party are dissatisfied with Party’s present attitude to them as Negroes.”
Ibid.
100
243
Refere-se à Negro Commission que se preparou para o VI Congresso. HAYWOOD, Harry. “Self-
determination: the fight for a correct line”. In: HALL, Gwendolyn M. (Ed.). A black communist in the
freedom struggle: the life of Harry Haywood. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2012. (Versão
Kindle, posição 2293). “As I recall, the subcommittee consisted of Nasanov and five students: four Blacks
(including my brother Otto and myself) and one white student, Clarence Hathaway, from the Lenin School. In
addition, there were some ex-officio members: Profintern rep Bill Dunne and Comintern rep Bob Minor. They
seldom attended our sessions. James Ford, who was then assigned to the Profintern, also attended some
sessions.”
244
TURNER, 2005. p. 156.
245
SOLOMON, 1998, p. 64-5.
101
terminaram substituídos por trabalhadores. Uma parte significativa deles terminou ocupando
cargos de direção e/ou de produção de inteligência em Moscou. Foi o caso dos quatro homens
citados anteriormente.
negros em torno da luta de classe. Por fim, o bureau deveria, no final de 1929, publicar um
boletim especial e preparar um congresso internacional dos trabalhadores negros.250
Em 1929 havia duas comissões negras: uma ligada ao Secretariado Anglo-Americano
e outra ao Secretariado Oriental da CEIC. Numa clara disputa de espaços, uma carta-proposta
enviada por um militante do Secretariado Anglo-Americano diz:
As deficiências, como eu as vejo, são – a Comissão Negra do Departamento Oriental
tem despendido muito de seu tempo na América, fazendo o trabalho no Congo,
África e América Latina sofrer. Também isso não tem deixado nada para a nossa
subcomissão [Negra] Anglo-Americana fazer e ela não tem de fato funcionado.
Eu faço as seguintes propostas para remediar isso:
1. Todas as questões e materiais americanos devem primeiro ser considerados pela
Subcomissão Anglo-Americana antes de serem abordadas pelas comissões em
conjunto. [...]
3. Eu proponho que as forças do trabalho [do Secretariado] Oriental sejam
fortalecidas, trazendo representantes de países que estamos negligenciando –
representantes do Partido Francês e da América Latina, também da Bélgica.
4. As duas comissões devem trabalhar juntas e ser vistas como uma grande
comissão para ação final em todas as questões americanas.251
250
RGASPI, F. 495, op. 155, d. 53, list.1.
251
“The shortcomings as I see them are – the Eastern Department Negro Commission has spent too much of its
time on America, making the work in the Congo, Africa and Latin America suffer. Also this has left nothing for
our Anglo-American subcommission to do and it has hardly funcioned at all.
I make the following proposals to remedy this:
1. All American questions and materials shall first be considered by the Anglo-American Subcommission
before being taken up by the combined commissions. [...]
3. I propose that the forces for Eastern work be strengthened by bringing in representatives of the countries
we are neglecting – representatives of the French Party and Latin America, also Belgium.
4. The two commissions should join together and be regarded as one big commission for final action on all
American questions.” RGASPI, F. 495, op. 155, d. 70, list. 101.
104
autonomia para desenhar sua política em consonância com as diretrizes cominternianas. Era
necessário o crivo do Secretariado Anglo-Americano e do Secretariado Político.
De acordo com Weiss, o resultado de todas as idas e vindas foi:
A divisão do trabalho foi feita efetivamente em função dessa reorganização: a seção
negra do Secretariado Oriental deveria focar na África Sub-Saariana (excluindo a
África do Sul) e o Caribe, a Sub-Comissão Negra do Secretariado Anglo-Americano
nos Estados Unidos e África do Sul. A separação das duas unidades sublinhou a
divisão geográfica do foco da questão negra e colonial.252
252
“As a consequence, the division of labour was made effective by this reorganization: the Negro Section of the
Eastern Secretariat was to focus on Sub-Saharan Africa (excluding South Africa) and the Caribbean, the Negro
Sub-Commission of the Anglo-American Secretariat on the USA and South Africa. Put in other words: the
separation of the two units underlined the geographical division of the focus of the Negro and the colonial
question.” WEISS, 2013, p. 127.
253
“Although the African American members were able to provide valuable insights in the plight of the
oppressed African American working class, much less, if anything, was known about the situation in the
Caribbean or in Africa. Therefore, one of the first decisions in January 1929 was to order an impressive amount
of newspapers, magazines and journals. The list included US American, African and European periodicals,
among others the African World, West Africa, L’Afrique Française, The South African Worker, The Workers’
Herald (SA), Uganda News, Gold Coast Nation, Lagos Records, A.P.O. (Official Organ of African People’s
Organisation, SA).215 In addition, the Bureau ordered an impressive amount of African American journals,
including the Negro Champion, Opportunity C., Journal of Negro Life, Journal of Negro History, Crisis,
Chicago Defender, Pittsburgh Courier, Afro-American, Associated Negro Press Agency, and the Negro Year
Book. One month later, Harry Haywood sent a letter to Cyril Briggs in New York, asking him to supply the
Negro Bureau with news clippings from The New York Times, The New York World and The New York American
appertaining to the Negro Question in the USA. The clippings were to be sent regularly to Moscow; his expenses
were to be paid by the Negro Bureau, Haywood promised Briggs.” WEISS, 2013, p. 128-9.
105
Era setembro de 1920. Octávio Brandão, pela primeira vez, ía a São Paulo. Foi avaliar
o movimento operário paulista. Não menos importante, queria também conhecer Monteiro
Lobato. Fora a Santos, ao interior paulista e esteve em assembleias com trabalhadores.
Identificou os problemas com “camponeses espanhóis e italianos [...] enganados pela
propaganda do serviço de imigração do Brasil”. Àquela altura, “cheio de lirismo dionisíaco”,
ainda via-se filiado ao anarquismo e, talvez por isso, sua avaliação quando da escrita de
“Combates e Batalhas”, era que sua estada em São Paulo “saiu às avessas”: “São Paulo vivia
preocupado com o preço e a Bolsa do café” e “Lobato e Octávio Brandão não
aproximaram”.254
Durante a visita, cuja duração é desconhecida, escapou-lhe o processo de periferização
da cidade de São Paulo, que já se encontrava em momento derradeiro de seu primeiro ciclo, o
qual enviou contingentes populacionais negros aos bairros da Zona Norte. 255 Deixou-se
esquivar da existência de reações negras às diferentes formas que a segregação e a
discriminação racial assumiram naquela cidade e localidades vizinhas. Ignorou, portanto, os
expressivos setores das comunidades negras que organizaram empreendimentos jornalísticos
diversos. Desconheceu que de modo não necessariamente coordenado diferentes periódicos
pautaram a questão racial e ficaram conhecidos como “a imprensa negra paulista”.
No mês seguinte à visita de Brandão a São Paulo, mais precisamente a 2 de outubro de
1920, em Salvador, o semanário de inspiração anarquista A Voz do Trabalhador,256 vinculado
ao Sindicato dos Pedreiros, Carpinteiros e Demais Classes, dedicou, ao seu modo, parte de
seu espaço à questão racial. Numa charge que enfatizava os lábios grossos, o desenho do nariz
e os cabelos crespos, o semanário identificou as características fenotípicas da classe
trabalhadora baiana. O curto trecho escrito abaixo da charge descreve os esforços materiais e
físicos empreendidos pelos trabalhadores – negros – para aparecerem bem-vestidos e
elegantes tal qual os burgueses.
254
BRANDÃO, Octávio. Combates e Batalhas: memórias. São Paulo: Alfa-Omega, 1978. v. 1. p. 186.
255
ROLNIK, Raquel. A Cidade e a Lei: Legislação, Política Urbana e Territórios na Cidade de São Paulo. São
Paulo: Studio Nobel; Fapesp, 1997. p. 90.
256
O semanário pode ter circulado pelo menos até 1922. CASTELLUCI, Aldrin. Agripino Nazareth e o
movimento operário da Primeira República. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 32, n. 64, p. 84, 2012.
107
Nós recebemos sua circular sobre a Conferência dos Negros, mas nós não
recebemos a primeira circular sobre a qual se referiram:
108
Fraternalmente,
Octávio Brandão,
Secretário do Exterior.257
Enquanto Brandão negava a existência de uma questão negra no Brasil, em São Paulo,
três meses depois, Jaime de Aguiar e José Correia Leite fundariam O Clarim da Alvorada.
Continuador da tradição iniciada por O Menelique,258 de 1915, o então recém-fundado jornal
aprofundaria os pleitos de setores negros paulistanos.
A afirmação sublinhada por Brandão é sintoma de certa posição interpretativa e
prescritiva acerca da sociedade brasileira. Sua posição foi uma das quais se deixaram ofuscar
pelo surgimento das “primeiras publicações da imprensa negra com uma abordagem
predominantemente combativa”259 a partir da década de 1920. Brandão plasmou uma posição
específica de certos círculos economicistas do socialismo assim como de algumas influências
intelectuais caras aos primeiros comunistas brasileiros.260
Os eventos anteriormente descritos exemplificam algumas das possibilidades mais
comuns de atuação política acerca da questão do negro no Brasil em diferentes espectros
políticos associados à esquerda e às comunidades negras. Tendo em vista essas possibilidades
de enfrentamento (ou não) da questão negra no Brasil, o propósito deste capítulo é analisar a
relação entre os comunistas brasileiros e a questão negra vis-à-vis o movimento comunista
internacional, neste caso circunscrito à Comintern. Será foco também uma análise do modus
257
“Nous avons reçu votre circulaire sur la Conférence des Nègres, mais nous n'avons pas reçu la première
circulaire dont vous parlez dans celle-ci:
Nous vous enversons (sic) un rapport sur les nègres aux Brésil et la Commission Central Exécutive de notre Parti
va penser sur la possibilité d'envoyer un delegué à la Conférence. Il y a au Brésil des nègres. Mais il n'y a pas au
Brésil une question nègre.
Frenternellement,
Octavio Brandão
Secretaire pour l'extérieur”
RGASPI, F. 495, op. 029, d. 011 [ic-0124.pdf]. Os grifos são do próprio documento. A Conferência em questão
refere-se à resolução do IV Congresso da Comintern a qual determinou, dentre outras coisas, a realização de um
Congresso Mundial do Negro organizado pela própria IC. Tal Congresso viria a ser realizado apenas no início da
década de 1930, resultado de outro encadeamento de fatos. DEGRAS, 1955b, p. 401.
258
Cf. FERRARA, Miriam Nicolau. A imprensa negra paulista (1915-1963). 1982. Dissertação. (Mestrado em
Ciências Sociais)–Faculdade de Filosofia e Ciência Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1986;
FRANCISCO, Flávio Thales Ribeiro. Fronteiras em definição: identidades negras e imagens dos Estados
Unidos e da África no jornal O Clarim da Alvorada (1924-1932). 2010. Dissertação (Mestrado em História
Social)–Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.
259
FRANCISCO, Ibid., p. 23.
260
Dentre eles é possível incluir Euclides da Cunha, Raimundo Nina Rodrigues e Tavares Bastos.
109
261
FRANCISCO, 2010, p. 79-81.
262
GOMES, Flávio. Negro e política (1888-1937). São Paulo: Jorge Zahar, 2005. p. 46.
263
A Frente Negra Brasileira foi heterogênea politicamente, demonstrou certa capilaridade entre meios negros
em cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul (notadamente na cidade de Pelotas) no início da
década de 1930, tendo sido fechada em 1937 quando da implantação do Estado Novo. ALBUQUERQUE,
Wlamyra R.; FRAGA FILHO, Walter. Uma História do Negro no Brasil. Salvador: Centro de Estudos Afro-
Orientais; Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2006. p. 265-271.
264
A transformação da Frente Negra em partido político foi noticiada pelo “The New York Times”.
“Brazilian Negroes Form Party
Special Cable to The New York Times.
Rio de Janerio, Sept. 11. - A civic society formed by Negroes was transformed today into a militant political
party when the Superior Electoral Tribunal accepted its charter under the name, Brazilian Black Front. There is
no color line in Brazil, but Negro leaders contend there has been discrimination against them.” 12 set. 1935.
122.jpg. MURPHY Collection Records on International Communism, compiled 1958-1958, documenting the
period 1917-1958 – Brazil. National Archives at College Park. Record Group 263: Records of the Central
Intelligence Agency, 1894-2002. Entry number: A1 18, caixa 201, ARC Identifier: 7403114.
110
265
José Correia Leite foi um importante militante do movimento negro brasileiro. Fundou e foi redator de “O
Clarim da Alvorada”. ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p. 261. “José Correia Leite foi um dos
fundadores da FNB, mas devido a divergências ideológicas entre ele e Arlindo Veiga dos Santos, deixou a
entidade para fundar a Frente Negra Socialista, com estatutos publicados no Diário Oficial do Estado de São
Paulo no dia 21/06/1933.” GOMES, Arilson. A formação de oásis: dos movimentos frentenegrinos ao Primeiro
Congresso Nacional do negro em Porto Alegre - RS (1931-1958)”. 2008. Dissertação (Mestrado em História)–
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008. p. 48.
Cf. RIBEIRO, Esmeralda; BARBOSA, Márcio. Frente Negra Brasileira: depoimentos. São Paulo:
Quilombhoje, 1999. BASTIDE, Roger. A Imprensa Negra no Estado de São Paulo. In: ______. Estudos Afro-
Brasileiros. São Paulo: Perspectiva, 1983. (Coleção Estudos, 18). FERNANDES, Florestan. A Integração do
Negro na Sociedade de Classes. São Paulo: Ática, 1978. FERRARA, 1986. GUIMARÃES, Sérgio Antônio.
Notas sobre raça, cultura e identidade na imprensa negra em São Paulo e no Rio de Janeiro, 1925 e 1950.
Revista Afro-Ásia, n. 29/30, p. 247-269, 2003.
266
União dos Trabalhadores Gráficos. Não é possível precisar a data da reunião. É possível apenas especular que
ela provavelmente aconteceu entre 1934 e 1935, já que foi um período em que a questão negra se manteve em
debate no movimento comunista internacional e coincide com o período de feitura do quadro em questão, o qual,
por sua vez, foi pintado por Diego Rivera, em 1934, e se chama “O homem controlador do universo”.
267
MOREIRA, Renato Jardim; LEITE, José Correia apud FERNANDES, Florestan. A integração do negro na
sociedade de classes. São Paulo: Globo, 2008. v. 2. p. 23-4.
111
268
“to raise the question of connecting it with the African colonies, and particularly with South Africa, Liberia,
Angola, Kennia, West Indies, Phillipines and Brazil.” RGASPI, F. 495, op. 155, d. 32, list. 30.
112
269
RGASPI, F. 495, op. 029, d. 014, fol 4. Cedem/Unesp, ic-0136.pdf. “AU COMITE EXECUTIF DE L'IC -
NOTE SUR LA ELABORACION DUN PROGRAMME D'ACTION DU P.C. BRESILIEN - PAR LES
DELEGUÉS DU PARTI BRESILIEN A MOSCOU 1924”. “3. L’esclavage de la race noire. Cause de
l’importation des africains. Leur niveau intellectuel et moral. Régime politico-social (sic) sous lequel ils vivaient
en Afrique. Dans quels travaux ils étaient employés, dans le carrière, dans les champs d’élevage du bétail ou
dans les exploitations agricoles? Dans quelle échelle se faisaient les importations? La proportion entre la
population noire e les populations indigéne et européene. Régime de travail au quel étaient soumis les esclaves.
Moyens disciplinaire employés. Transformation éprouvée avec le changement du milieu. Intervention des
prêt[r]es comme facteur de répression des esclaves. Le travail esclave dans l’agriculture et dans les industries.
Dans quelle mesure collaboraient l’élément esclave et l’élément technique. 5. L’abolition de l’esclavage. Quelles
sont les causes qui on porté à la libération des esclaves. Si on compte des subluations [sublevation] des masses
réduites à l’esclavage. Comment s’effectua [sic] la transformation du travail esclave en travail salarié? Les
conséquences dans la vie des industries et de l’agriculture. S’il y a eu des dislocations dans la composition
démographique. Sobrevivence d’ordre economique, moral et politique de la période l’esclavage [sic]. Comment
se pose la question des races au Brésil et de quelle manière est-il possible faire coincider les revendications de
classe avec celles de race?”
270
A bibliografia a respeito das relações entre o PCB e a IC nos estudos mais amplos sobre o vínculo entre a
América Latina e a Comintern não hesitam em pontuar que até 1928 os interesses da Internacional Comunista no
continente eram rarefeitos e descontínuos. Até o presente momento não há evidência para afirmar o contrário.
Isso explicaria parte do pouco interesse dos comunistas brasileiros em adentrar no programa.
271
RGASPI, F. 495, op. 155, d. 56, list. 45 (August 2nd, 1928) “comrades from Brazil, South America, England,
France and the U.S. should make reports to this commission”.
113
negros eram mais explorados que a maior parte dos trabalhadores brancos. Por esse segundo
motivo, os negros constituíam uma força revolucionária de primeira classe e deveriam ser
alvo de propaganda intensiva.272
O PCB apresentou um relatório ao VI Congresso da IC praticamente em
concomitância à diretiva da Comissão Negra da Internacional Camponesa, já que ambos os
documentos foram escritos, despachados e analisados nos meses de julho e agosto de 1928.
No relatório, o PCB não faz menção a qualquer questão racial no país salvo por dois
momentos em que tangencia a questão ao se debruçar sobre a constituição populacional
brasileira e ao discorrer sobre a história do Brasil. O relatório responde a inúmeras das
perguntas levantadas em 1924.
RELATÓRIO SOBRE A SITUAÇÃO NO BRASIL NO VI CONGRESSO DA IC
População
A população do Brasil se elevou em 1926 a 36.870.900 habitantes. As raças que
habitam o país são: a raça branca na proporção de cerca de 35% da população total,
a negra na proporção de 7% a 8%, a raça indígena, na proporção de 3% a 4%. O
restante da população é formado por uma mistura de raças branca, negra e indígena.
Na parte norte, a população se acha formada em grande parte por uma mistura de
brancos, de negros e de indígenas; nas partes leste e central, de Pernambuco ao Rio
de Janeiro se acha uma grande quantidade de negros. Do Rio ao sul, a população é
quase toda branca.
[...]
Economicamente e politicamente, a raça branca é predominante. A burguesia se
compõe de brancos e de mestiços. Os negros e os índios são muito raros entre a
burguesia.
[...]
História do Brasil
[...]
Em 1888, um decreto aboliu a escravidão. Esse decreto governamental foi feito
diante da ameaça de uma revolta. Depois da abolição da escravidão, os grandes
proprietários de terra perderam sua hegemonia política. Os negros abandonaram as
fazendas e partiram para as villas, mas pouco depois foram obrigados a retornar aos
campos e ganhar baixos salários.273
272
RGASPI, F. 495, op. 155, d. 56, list. 108.
273
RGASPI, F. 495, op. 029, d. 027, fols. 57-59. Cedem/Unesp, Ic-0015.pdf. “RAPPORT SUR LA
SITUATION EU (SIC) BRESIL AU VI CONGRES DE L’I.C.”
“Population
La population du Brésil se élevait en 1926 à 36.870.900 habitant. Les races qui habitent le pays sont: la race
blanche dans la proportion d’environ 35% de la population totale, la noire dans la proportion de 7 à 8%, la race
indienne, dans la proportion de 3 à 4%. Le restant de la population est formée d’un mélange de races blanche,
noire et indienne. Dans la partie nord, la population se trouve formée en grande partie par un mélange de blancs,
de noirs et d’Indiens; dans les parties est et centre, depuis Pernambuco jusqu’à Rio de Janeiro se trouvent une
plus grande quantité de noirs. De Rio vers le sud, la population est presque toute branche.
[...]
Economiquement et politiquement la race blanche a la prédominance. La bourgeoisie se compose de blancs ou
de métis. Les noirs et les Indiens sont très rares parmi la bourgeoisie.
[...]
Histoire du Brésil
[...]
En 1888, un décret abolit l’esclavage. Ce décret gouvernemental fut rendu devant la menace d’une révolte.
Après l’abolition de l’esclavage les grand propriétaires fonciers perdirent leur hégémonie politique. Les noirs
114
Quatro anos depois, o PCB passaria a estabelecer vínculo direto entre a exploração
econômica e o predomínio branco na composição racial dos extratos dominantes da sociedade
brasileira. Até lá os brasileiros demonstraram pouca profundidade no ataque às questões
indígenas e repetiram os chavões da época ao definir “tribos selvagens” como “pouco
importantes” porque raras.
Ao remontar à história do Brasil e do processo da abolição, os comunistas indicaram
alguns movimentos sobre os quais não conseguiram avançar. O primeiro deles diz respeito à
questão da mudança do trabalho escravo ao assalariado. Uma das problemáticas levantadas
foi a do trabalhador negro, agente do êxodo das fazendas quando liberto, que voltou ao
mundo rural como assalariado: um questionamento de 1924 que não apresenta avanços. Em
segundo lugar, a indagação do plano de estudos de 1924, o qual permitiria aos comunistas
entenderem as imbricações entre os conflitos raciais e de classe, que não foi tratada no
relatório apresentado ao VI Congresso quatro anos depois. Dessa forma, o PCB perdia, aos
olhos dos cada vez mais influentes membros negros da IC e de seus dirigentes, oportunidade
de avançar e apegar-se ao ascendente leitmotif cominterniano. A opção de aderir a ele,
conforme os dados e história sobre o Brasil iam se desnudando aos dirigentes da IC, viraria
até 1930 obrigação moral para os comunistas brasileiros.
O Bureau Negro, ligado ao Comitê Central da Internacional Comunista (CEIC) e ao
Departamento Oriental, fizera menções ao Brasil em meados de 1928, fosse indiretamente274
fosse incluindo o país no grande conglomerado diaspórico. Em julho de 1928 uma resolução
baixada pela Profintern, assinada por James Ford, indicava a necessidade de criação de
espaços específicos para vincular o trabalho sindical à questão negra numa clara alusão ao
enfrentamento das questões do mundo do trabalho (da classe) com a raça:
abandonnèrent les fermes et partirent vers les villes, mais peu après ils furent obligés de retourner aux champs et
de gagner de bas salaires.”
274
Em transcrição de notícia veiculada no jornal “Manchester Guardian” sobre o III Congresso Pan-Africano
realizado em Lisboa, em 1923, aparece, dentre outras, a seguinte chamada: “Nós insistimos no Brasil e na
América Central que povos de descendência africana não estejam mais satisfeitos com uma solução do problema
negro o qual involve sua absorção em outra raça, sem permitir aos negros, enquanto tais, pleno reconhecimento
de sua humanidade e de seu direito de ser”. Tradução livre de: “We urge in Brazil and Central America that
peoples of African descent be no longer satisfied with a solution of the negro problem which involves their
absorption into another race, without allowing negroes as such, full recognition of their manhood and right to
be” (RGAPSI apud Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, F. 496, op. 155, d. 18, list 2). Os informes
sobre o III Congresso foram retomados cinco anos depois, em agosto de 1928, em documento entitulado “Negro
organisations in the United States”. O texto situou o Congresso Pan-Africano como uma organização oposta à
Universal Negro Improvement Association, liderada por Marcus Garvey. Para os comunistas da Comintern, o
Congresso era uma organização composta por negros burgueses e intelectuais e não tinha características de
massa. Na avaliação da agenda política do Congresso, os comunistas entendiam que havia continuidade entre o
III Congresso e o então mais recente encontro, a V Seção Bianual de 1927. RGAPSI/Biblioteca do Congresso
dos Estados Unidos, F. 495, op. 155, d. 59, list. 153.
115
275
“The resolution of the 4th Congress of the RILU following the decisions of the 9th Plenum of the ECCI must
become the special work and task in reference to trade union work among Negro industrial and agricultural
workers of the world (including Negroes in Brazil, Columbia (sic), Venezuela and the West Indies) of all the
parties concerned.” RGASPI, F. 495, op. 155, d. 53, list. 2, 21 ago. 1928.
276
PEREIRA, Astrojildo. Sociologia ou apologética? In: ______. Ensaios históricos e políticos. São Paulo:
Alfa-Ômega, 1979. p. 163-174.
116
aristocracia rural fosse Sua Majestade Cristianíssima. Astrojildo Pereira evitara clivagens
raciais para definir o que chamou de aristocracia rural e burguesia nascente. Estava forjado
um retrato sociológico do país no qual as classes definiam-se em função de sua posição diante
dos meios produção – proprietários vs. despossuídos.
Embora mais sofisticada que a simples negativa de Octávio Brandão à Comintern a
respeito da existência de uma questão negra no Brasil, a crítica de Astrojildo Pereira ao livro
de Oliveira Vianna demonstra as flutuações dos pecebistas em relação ao tema. O caráter
errante exercido pelo PCB em relação à questão das raças foi objeto de investida da
Comintern. Esta se deu, ainda no clima das resoluções do VI Congresso da IC, sob a tutela do
Secretariado Latino-Americano. Realizou-se a I Conferência dos Partidos Comunistas da
América Latina em junho de 1929, em Buenos Aires, e lá foram pontilhados os contornos da
política racial e nacional dos comunistas.277
A partir de 1928 uma carga de pressão efetiva começou a ser praticada pela IC e suas
organizações auxiliares junto ao PCB para que este realizasse uma imersão na questão negra,
e isso não cessou até meados da década de 1930. O VI Congresso da Internacional
Comunista, em 1928 (concomitantemente aos esforços de 1928 da IC em debater a questão
negra), definiu os contornos da nova política da Comintern para praticamente todos os
assuntos que lhe eram concernentes, inclusive o enfrentamento das questões racial e nacional.
O PCB e a IC não poderiam, àquela altura, se comunicar em idiomas mais distintos.
O ponto alto, porém, da dissensão entre o PCB e a IC se deu quando do debate acerca
da “questão brasileira”, em Moscou, em 1929, entre 22 de outubro e 5 de novembro.278 O
debate sobre a questão racial e, especificamente, o tema do negro serão sintetizados a seguir.
A situação dos comunistas brasileiros em Moscou em 1929 já era tensa desde o início
da discussão da chamada “Questão Brasileira” durante os intervalos do VI Congresso da IC.
277
Pelo menos desde abril de 1929, quando o periódico do Secretariado Latino-Americano, “La Correspondencia
Sudamericana”, passou a fazer chamadas para a I Conferência, já constava na ordem do dia o ponto IV: “El
problema de razas en América Latina”. O PCB realizou seu III Congresso no início de 1929. No item relativo à
questão camponesa, o PCB decidiu combater os restos da escravidão, defender a devolução de terras confiscadas
aos indígenas e interromper as concessões feitas à Ford. Entretanto, não houve qualquer referência às questões
raciais de qualquer ordem. F. 495, op. 029, d. 035, fols. 1 e 2, ic-0206.pdf.
278
Sobre esta reunião, ver KAREPOVS, 2001, p. 609-25.
117
Havia muito o que debater: o III Congresso do PCB vis-à-vis o VI Congresso da Comintern, a
I Conferência dos Partidos Comunistas da América Latina e suas resoluções, a organização
sindical, o Bloco Operário Camponês e o encerramento da tática de frente única cedendo
lugar à “classe contra classe”. Havia um leque interminável de temas na pauta. A temática
racial se imiscuiu entre uma ou outra questão com um relevo, até então, inédito. Um dos
protagonistas da pressão exercida pela IC em relação ao PCB foi Stoïan Minev,279 sob o
pseudônimo de Stepanov. Ele foi responsável por algumas das críticas mais agudas à atuação
do PCB. As interpelações de Minev durante a discussão sobre a “questão negra” colocaram
toda a direção do PCB em xeque, não só porque o argumento explicitado pelo búlgaro era
logicamente quase irrefutável mas também porque o PCB acariciava uma tese defendida que
era então refutada pela IC.
A discussão sobre a questão negra (incluída num debate mais amplo sobre a racial, na
qual estavam também inseridos os indígenas) se deu num momento em que se examinava a
questão brasileira a partir de uma análise das características essenciais que a revolução
brasileira deveria assumir naquelas circunstâncias. As críticas gerais mais contundentes dos
representantes da direção da IC ao PCB acusavam o partido de se abster, por desorganização e
falta de trabalho, de dirigir o proletariado e o campesinato. Uma das consequências dessa
avaliação geral era, precisamente, o abandono das populações negras do país à sua própria
sorte. Nesse sentido, as objeções da IC em relação à omissão dos pecebistas concernentes à
questão negra obedeceram ao padrão sob o qual Stepanov centrou sua argumentação.280
Minev exigia flexibilidade e sensibilidade por parte dos comunistas brasileiros em
perceber a diferença de tratamento destinado às populações negras tanto por parte do Estado
quanto por parte do partido, mesmo quando, sob o aspecto material, brancos fossem tão
miseráveis quanto negros. Minev também sugeria que os comunistas brasileiros estudavam
pouco sua própria realidade ao recomendar que a leitura de viajantes burgueses evidenciava
uma questão específica dos negros que deveria ser abordada pelos comunistas.
279
“Quando em 1926 o sexto pleno ampliado do CEIC criou seções geográficas no Secretariado, ele se tornou
chefe-assistente e depois chefe da seção latina, que incluía França, Itália, Bélgica, Espanha, Portugal e
Luxemburgo. Entre 1926 e 1933 (sob o nome de Chavaroche) ele publicou artigo na imprensa da Comintern
sobre o movimento comunista nos países. Ele depois dirigiu missões sigilosas para a Comintern na América
Latina e provavelmente na China.” “When in 1926 the sixth enlarged plenum of the ECCI created geographical
sections within the Secretariat, he became assistant chief and then chief of the Latin section, which included
France, Italy, Belgium, Spain, Portugal, and Luxemburg. Between 1926 and 1933 (under the name Chavaroche)
he published article in the Comintern press on the communist movement in the countries. He later handled
underground missions for the Comintern in Latin America and probably in China.” LAZIĆ; DRACHKOVITCH,
1986, p. 317.
280
Não se está afirmando que Stepanov foi o responsável pela elaboração da tese. As críticas da Comintern
foram feitas no mesmo sentido que Stepanov as formulou.
118
De acordo com as atas disponíveis, quem iniciou a crítica ao PCB sobre a temática
negra foi o próprio Minev, a julgar pela ordem em que estão dispostas as falas.
Aparentemente, também foi ele quem pôs a questão negra na pauta da revolução brasileira.
No terceiro dia da reunião, ele perguntou e respondeu: “Quais são as perspectivas dessa
revolução democrática pequeno-burguesa que deve se produzir? Em primeiro lugar, é uma
revolução camponesa agrária [...]; revolução na qual se colocará a questão dos negros e das
raças”.281 Àquela mesma altura, Minev apontou a situação em que se encontrava o debate
sobre raças no Brasil. De maneira irônica, reproduziu a forma por meio da qual a burguesia
analisava os conflitos no Brasil e associou as resoluções do III Congresso do PCB à forma
burguesa de refletir sobre a realidade brasileira:
É preciso dizer que a questão das raças e dos negros não existe. Os literatos e
viajantes burgueses, os adversários mais ferozes do movimento revolucionário,
insistem ainda sobre esse fato que no Norte, por exemplo, “a questão da luta de
classe é mascarada pela luta de raças”; em uma parte do centro e do sul, a luta de
classe é mascarada de novo pelas lutas nacionais, porque a classe trabalhadora,
aquela que trabalha sobretudo nas plantações é a classe da imigração.282
281
“Quelles sont les perspectives de cette révolution démocratique petite-bourgeoisie qui doit se produire?
D'abord, c'est une révolution paysanne agraire [...]; révolution dans laquelle se posera la question des nègres et
des races.”
282
F. 495, op. 079, d. 056, fols. 50 – ic-0053.pdf, 24 out. 1929. “Il est faut de dire que la question des races et
des nègres n'existe pas. Les littérateurs et les voyageurs bourgeois, les adversaires les plus acharnés du
mouvement révolutionnaire, insistent pourtant sur ce fait que dans le Nord, par exemple, 'la question de la lutte
de classe est masquée par la lutte des races'; dans une partie du centre et du sud, la lutte de classe est masquée de
nouveau par les luttes nationales, parce que la classe ouvrière, celle qui travaille surtout dans les plantations est
la classe d'immigration.”
283
F. 495, op. 079, d. 057 – ic-0055.pdf, 27 out. 1929, p. 10. “Je crois que ces les camarades brésiliens il existe
cette fausse appréciation de la réalité et qu'ils restent sur le terrain de la démocratie formelle. Le camarade Ledo
nous a dit que les nègres peuvent même devenir présidents de la république, qu'ils peuvent occuper n'importe
quel poste et cependant nous voyons que les 7/8 de la population au Brésil sont des illettrés et que la plupart des
ces illettrés, si non tous, sont des nègres et formellement les illettrés n'ont pas droit politiques. Est-ce que ce fait
est juste?”
119
284
Sobre a Fordlândia, os próprios comunistas diziam: “Henry Ford occupies a special position in Brazil. He is
the only American automobile manufacturer who kept an assembly plant operating in Brazil throughout the
years of crisis and depression. But furthermore, he is the largest concessionaire in the State of Pará, [p. 11]
where he went in search of rubber.
[...] At first, comparatively high wages were offered, as wages go in Pará; but after some 3,000 workers had been
attracted, the local managers apparently got word to cut down expenses. Wages began to drop, and are still
dropping.
As early as December, 1930, rumblings of discontent came out of the closely guarded private empire of Mr.
Ford. Troops were rushed in to put down an incipient strike. What happened then never been fully investigated,
but an official document of the British government has stated that the 3,000 workers were reduced, after a series
of disturbances, to 1,500. This same document attributes the 'difficulties' squarely to the Ford management - a
highly significant admission, coming from such a source. In spite of Ford, whose spy system in his Detroit
factories is world-famous, the workers have established on the Boa Vista plantation the Fordlandia Toilers
Union, and its demands are vigorously supported by the council of trade unions of Pará. So strong has the union
grown that it was able to force a visit by the government inspector, and on June 18, 1936, [and other victories]”
[p. 12]. GREEN, Bryan. Brazil. Nova York: International Publishers [Prepared by Labor Research Association],
1937.
285
“Je ne veux pas lutter contre l'idée que dans les quartiers de Berlin il existe une population ouvrière qui a une
vie matérielle très misérable, qui ressemble à celles des nègres, mais cela ne signifie pas que la question nègre
n'existe pas.
120
Est-ce qu'il n'existe pas des nègres qu'on insulte constamment, qui sont sans arrêt maltraités, qu'on démoralise?
C'est un fait, et si j'avais su dans nos réunions on soulèverait cette question, j'aurais pu apporter des descriptions
de voyageurs qui sont aussi des négriers e pas de nègres. Je crois que cette question des nègres ne peut être
liquidée en déclarant que les nègres on les mêmes droits que le reste de la population; droit formels? Tout le
monde a de droits formels. [...] A cette question des nègres est rattachée une autre question qui ne se trouve pas
exactement sur le même plan mais qui mérite que le parti communiste brésilien l'examine à fond et concrètement
parce qu'elle déterminera également les mots d'ordre du travail du parti dans les différente couches de la
population travailleuse: c'est l'hétérogénéité ethnique de la population. Au Brésil, ce qui diffère des autres pays,
c'est que depuis 1860 je crois, il y a eu toute une politique d'immigration et que sur la base de cette "politique"
d'immigration, des crises ministérielles se sont produites et que cela continue encore aujourd'hui. A plusieurs
reprises des cas de guerre civile se sont produits sur la question de la politique d'immigration, sur la question du
transport des immigrés de Santos et des autres ports, au sujet de différentes sorte de métayage, de contrat, des
différentes origines ethniques, des différentes façons de placer les ressortissants d'Odessa, des colonies
allemandes, polonaises, etc... Alors, si vous pose cette question dans son ensemble, et si vous l'examinez en suite
concrètement, toute une série de tâches se posent pour le travail pratique du parti et si l'on se contente de cette
apparent liberté, égalité des nègres des immigrés avec le reste de la population, on ne fera rien.” RGASPI, F.
495, op. 079, d. 057 – ic-0055.pdf, 27 out. 1929, p. 11-12.
286
RGASPI, F. 495, op. 079, d. 057, fols. 34-35. – ic-0055.pdf. “GURALSKY (...) [34] Je ne dis rien sur la
question syndicale. Je veux parler sur la questions des races. La question des races joue un rôle aussi grand en
Amérique Latine que la question nationale a joué chez nous sous le tsarisme. C'est une faute formidable [35]
aussi grand que de ne pas être lié avec la paysannerie. Je suis étonné que Lédo et Sylva parlent ainsi de la
121
Guralsky terminou sua crítica prescrevendo uma política efetiva para os comunistas:
era fundamental a eles forjar palavras de ordem que visassem unificar as questões do
cotidiano do trabalho entre os diferentes grupos linguísticos (brasileiros e jamaicanos no Pará,
por exemplo). Curiosamente, Guralsky utilizava-se de um dos elementos constitutivos da
nação – de acordo com o manual produzido por Stalin a respeito da temática – visivelmente
acoplando a discussão racial à questão nacional que ele próprio separara anteriormente. No
plano prático, era imprescindível, por parte do partido, elevar a importância do tratamento da
question des races. Je dois dire franchement que selon les statistique de la grande Encyclopédie soviétique, qui
est un ouvrage sérieux, il est dit qu'il y a 9% de nègres. Tu n'as pas écrit cet article, mais si tu l'avais écrit ce
serait une faute encore trois fois plus grande, parce qu'il est écrit qu'il y a 9% de nègres.” LAZIĆ;
DRACHKOVITCH, 1986, p. 159-160. Guralsky substituiu o bukharinista Humbert-Droz na direção do
Secretariado Latino-Americano e depois dirigiu o Bureau Sul-Americano.
287
RGASPI, F. 495, op. 079, d. 057, fol. 35. – ic-0055.pdf. “Ensuite n'oublie pas encore que la politique de Ford,
c'est d'augmenter la quantité des nègres, qu'il transporte tout le temps pour ses concessions.
Evidemment que vous avez un problème formidable et je ne veux pas dire ici que c'est seulement le parti
communiste brésilien qui emporte la responsabilité. Nous discutons contre vous, parce que c'est vous qui avez
montré cette tendance.
LEDO: Ford a importé des nègres dans ses concessions pour se débarrasser des ouvriers brésiliens qui y
travaillaient au paravant(sic). Mais, je suis certain qui parmi ces ouvriers brésiliens la majorité était des nègres et
alors il y a eu la lutte des nègres brésiliens contre les nègres de la Jamaique et ce n'est pas une question de noirs
contre blancs.
GOURALSKY: Je pense que le parti communiste brésilien est bien responsable. Je ne comprends pas cela:
même la question que tu poses de la lutte entre les différentes tribus des nègres est le problème des races qui doit
être examiné par le parti.
LEDO: C'est pour cela que je dis qu'il faut parler d'une question de race.”
122
questão por parte dos negros componentes do comitê central e de todo o partido em geral.
Para Guralsky, essa era uma das questões mais relevantes da luta revolucionária.
GURALSKY: Quando Ledo diz que os negros lutam entre si, está evidente que o
partido deve fazer seu possível por um trabalho por palavras de ordem, pelos grupos
de idiomas, pelos camaradas negros nos comitês centrais, nas regiões do partido,
pelo envio de camaradas para ajudar nessas lutas. Está claro que a questão não está
resolvida, que nós devemos examinar a questão das raças em geral e é preciso
examinar a questão das raças em geral e é preciso trazer as palavras de ordem da
Comintern no sentido das massas oprimidas, está claro que seremos forçados a lutar
numa certa medida contra nossos camaradas brancos que não compreenderão
durante um certo tempo nossas palavras de ordem, que não terão compreendido
imediatamente os problemas nacionais e de raça. Eu acho que esses problemas
devem ser sublinhados quando se fala do partido brasileiro e de todos os partidos
comunistas da América Latina, como uma questão das mais importantes na luta
revolucionária.288
Ainda no dia 27 de outubro (e, mais uma vez, não está clara a ordem das falas), Heitor
Ferreira Lima (Sylva) responderia às interpelações dos dirigentes da IC laconicamente. No
plano argumentativo, agarrara-se ao exemplo dado pelo conflito na Fordlândia para reafirmar
que aquela circunstância não explicaria o Brasil, por ser extemporânea. Tratava-se, no seu
dizer, de uma circunstância específica e não constituía exemplo do que ocorria no cotidiano
do mundo do trabalho no restante do país. Ao mesmo tempo que concedeu uma autocrítica ao
confirmar a debilidade teórica do partido, ele responsabilizou a Comintern por não apoiar
efetivamente a criação de uma revista teórica do partido.
SYLVA (HEITOR FERREIRA LIMA): Eu tocarei agora numa questão que alguns
camaradas colocaram, mas que eu ainda não toquei. Eu tenho uma opinião que
muitos dos camaradas julgam falsa. Eu, evidentemente eu não a julgo falsa. Esta é a
questão do negro. Certos camaradas, entre os quais Humbert-Droz, veem no Brasil
uma questão de raça entre os brancos e os negros e o argumento que eles apresentam
é a luta armada que é produzida entre os trabalhadores brancos e negros nas
empresas de Ford no Pará. Eu não acho que esse argumento é o bastante e é por isso
que terei dúvidas sobre a questão negra até que me deem argumentos mais
convincentes. Até o presente os argumentos apresentados são muito falhos e não é
por acaso que os camaradas brasileiros têm dúvidas sobre a questão. Eu gostaria que
os camaradas aqui conhecessem os exemplos mais marcantes aqui apresentados a
fim de se fazer uma ideia mais clara e mais precisa dessa questão.
Para concluir, eu direi algumas palavras sobre a necessidade de elevação do nível
ideológico do partido. Na última vez eu falei sobre a criação de uma revista teórica
do partido. Yacobson disse que isso não é suficiente. Que isso não nos ajudará
muito, porque não é suficiente traduzir Marx e Lênin. Eu acredito que o principal é
discutir os problemas, isso será o meio de fazer a autocrítica e é por isso que eu
288
RGASPI, F. 495, op. 079, d. 057. Cedem/Unesp, ic-0055.pdf, 27 out. 1929, p. 35-36. GOURALSKY: “Quand
Ledo dit que les nègres se combattent, il est évident que le parti doit faire son possible par un travail par des
mots d'ordre, par des groupements de langues, par les camarades nègres dans le comités central, dans les régions
du parti, par l'envoi de camarades pour aider ces luttes. Il est très clair que la question n'est pas résolue, que nous
devons examiner la question des races en général et il faut apporter [36] examiner la question des races en
général et il faut apporter les mots d'ordre du Comintern envers les masses opprimées est clair qu'on sera forcé
de lutter dans une certaine mesure contre nos camarades blancs qui ne comprendront pas pendant un certain
temps nos mots d'ordre, qui n'auront pas compris immédiatement les problèmes nationaux et de race. Je pense
que ces problèmes devraient être soulignés en parlant du parti brésilien et de tous les partis communiste de
l'Amérique Latine, comme une des question les plus importantes dans la lutte révolutionnaire.”
123
gostaria que fosse criada uma revista não somente para traduzir Lênin e Marx mas
para discutir os problemas brasileiros, não somente entre os camaradas brasileiros,
mas com os outros países.
STEPANOV: E na revista sul-americana?
SYLVA: É impossível. Eu creio que a Comintern deve ajudar o partido brasileiro na
criação dessa revista que servirá para elevação do nosso nível ideológico.289
289
RGASPI, F. 495, op. 079, d. 057. Cedem/Unesp, ic-0057.pdf, 27 out. 1929, p. 64-65. SYLVA (HEITOR
FERREIRA LIMA): [64] “Je toucherais maintenant à une question que certains camarades ont posé, mais qui
n'pas encore été touchée. J'ai une opinion que beaucoup de camarades jugent fausse. Moi, évidemment je ne la
juge pas fausse. Il s'agit de la question nègre. Certains camarades, parmi lesquels Humbert-Droz voient au Brésil
une question de race entre les blancs e les nègres et l'argument qu'ils présentent c'est la lutte armée qu'est
produite entre les ouvriers blancs et nègres dans les entreprises Ford à Pará. Je ne pense pas que cet argument
soit suffisant et c'est pour cela que j'aurais des doutes sur la question nègre tant qu'on ne m'aura pas donné
d'argument plus convaincants. Jusqu'à présent les arguments présentés sont trop faibles et ce n'est pas par hasard
que les camarades brésiliens ont des doutes sur cette question. Je voudrais que les camarades ici présent
connaissent des exemples plus frappants que ceux présentés afin de se faire une idée plus claire et plus précise de
cette question.
Por conclure, je dirais quelques mots sur la nécessité de l'élévation du niveau idéologique du parti. La dernière
fois j'ai parlé de la création d'une revue théorique pour le parti. Yacobson a dit que cela ne suffit pas. Que cela ne
[65] nous aidera pas beaucoup, parce qu'il ne suffit pas de traduire Marx et Lénine. Je crois que le principal est
de discuter les problèmes, ce sera le moyen de réalise l'autocritique et c'est pour cela que je voudrais que soit
créée une revue non seulement pour traduire Lénine et Marx mais pour y discuter les problèmes brésiliens, non
seulement entre les camarades brésiliens, mais avec les autres pays.
STEPANOV: Et dans la revue sud-américaine?
SYLVA: C'im (sic) impossible. Je crois que Comintern doit aider le parti brésilien à la création de cette revue
qui servira à l'élévation de notre niveau idéologique.”
290
Pereira também reiterou a dificuldade de os militantes irem até a Amazônia, uma região distante de onde o
partido possuía seus melhores quadros. RGASPI, F. 495, op. 079, d. 55. Cedem/Unesp, ic-0052.pdf, p. 36-37, 31
out. 1929. “LEDO: Nègres et blancs et la grève de Ford? Cette grève ne prouve pas qu'il exist jusqu'à présent
124
une question spécifique de race parmi les ouvriers. Quelle a été cette grève des ouvriers blancs contre les
ouvriers nègres comme ce fut le cas dans la concession Ford? Déjà l'an dernier il y avait eu un soulèvement des
ouvriers et c'est à cause de ce soulèvement que Ford a fait venir de la Jamaique des ouvriers nègres pour
travailler dans la concession et alors il y a eu une lutte entre les ouvriers venus de la Jamaique et les ouvriers qui
travaillaient déjà dans la concession. Mais en général, je ne connais pas au Brésil qu'il existe des antagonismes
entre ouvriers blancs et nègres.
STEPANOV: Tu penses que cela c'est une bagatelle?
LEDO: Non, mais je dis que jusqu'à présent il n'y avait pas cette question. Elle a été posée dans la concession
Ford et cela naturellement peut avoir des conséquences sérieuses. J'ai raconté les choses telles qu'elles se sont
passées. [...] Mais les promesses étaient une chose et les salaires donnés autre chose. Alors il y a une lutte, même
lutte armée entre l'entreprise et les ouvriers. C'est en conséquence de cela que Ford au lieu de continuer à faire
venir des ouvrière nationaux chez lui a fait venir des ouvriers nègres de la Jamaique. D'ailleurs, ces ouvriers
nationaux ne sont pas tous des blancs, il y en a même beaucoup de nègres. Cá n'a été donc plus une lutte entre
'blanc' et 'nègre'.”
291
Em seus diários, ele não rememora a discussão a respeito da “questão brasileira”. A essa altura sua única
preocupação era o futuro de Bukharin. HUMBERT-DROZ, Jules. De Lenine a Staline: dix ans au service
d’Internationale Communiste (1921-1931). Neuchatel: Baconniere, 1971. p. 391.
292
RGASPI, F. 495, op. 079, d. 58. Cedem/Unesp, ic-0059.pdf, p. 12. “les esclaves et les blanc ont été, les
propriétaires d'esclaves. Ceci prouve qu'il y a une lutte entre nègres e blancs, lutte sociale certes, mais
compliquée d'une question de race.”
293
Ibidem, p. 13. 5 nov. 1929. “Un autre camarade brésilien nous a dit avoir travaillé dans des usines avec des
contremaitres noirs mais en général, les patrons étaient des blancs, qu'est-ce cela signifie? Cela signifie que le
problème des races ne se pose pas comme problème de couleur, mais qu'il existe comme une question de classe.”
125
Por que ficamos desconfiados quando os camaradas do Brasil nos dizem que em
geral não há um problema de raça? Porque nós temos o exemplo de Cuba. Os
camaradas de Cuba nos disseram que não havia problema de raça e então soubemos
que os negros não podiam entrar em certos parques nem em certos restaurantes da
cidade, nem ter certas funções, por exemplo, controlador dos bondes; em seguida o
camarada de Cuba nos coloca o grave problema da Juventude Comunista, os brancos
não queriam dançar com as negras e eles nos demandavam sobre o que fazer; é já
uma questão de cor que se coloca e isso mostra que os camaradas de Cuba que não
tinham visto a Constituição cubana que coloca os negros e brancos no mesmo pé
possui a questão de raça.294
294
RGASPI, F. 495, op. 079, d. 58. Cedem/Unesp, ic-0059.pdf, fols. 13. 5 nov. 1929. “Pourquoi sommes-nous
méfiant quand les camarades du Brésil nous disent qu’en général il n’y a pas de problème de race? Parce que
nous avons l’exemple de Cuba. Les camarades de Cuba nous on dit qu’il n’y a pas de problème de race et ensuite
nous avons su que les nègres ne peuvent pas entrer dans certains parcs ni dans certains restaurants de la ville, ni
avoir certaines fonctions, par exemple, contrôleurs dans les tramways; ensuite de camarade de Cuba nous pose
un grave problème des Jeunesses communistes, les blancs ne veulent pas danser avec les noires et ils nous
demandent ce qu’il faut faire; c’est déjà une question de couleur qui se pose et cela montre que les camarades de
Cuba qui n’avaient vu que la Constitution cubaine qui met les noirs et les blancs sur le même pied aient la
question des races.”
295
Ibidem, fols. 13. “on nous dit dans un télégramme que les blancs ont fait grève contre les nègres.”
296
Ibidem, fols. 13. “sous une forme nouvelle, liée à la politique des grandes compagnies yankees pour diviser le
prolétariat.”
297
Ibidem, fols. 13. “ce n'est pas parce que les travailleurs sont d'une race différente, mais parce que les
impérialistes [contre maître] emploient les travailleurs d'une race pour enlever le travail ou diminuer le salaire de
ceux d'une autre race.”
298
Ibidem, fols. 14. “Tout cela pose devant le parti une série de questions qu'il doit envisager. Nous ne
demandons pas que le parti communiste du Brésil envisage la question de nègres comme le parti des Etats Unis;
ce serait studipe, ce n'est pas non plus une question comme à Cuba; il faut prendre cette question comme une
question brésilienne, voir quelle est sa profondeur, ses caractères et chercher la politique que doit appliquer le
Parti à ce sujet.”
126
299
RGASPI, F. 495, op. 079, d. 58, fols. 27. Cedem/Unesp, ic-0062.pdf, 5 nov. 1929. “faire une révolution et
guider la révolution”
127
que houve divergências, utilizadas pelo imperialismo e não contra ele um trabalho
suficiente da parte de nosso partido para resolver a questão.300
Por fim, sobre a questão da Fordlândia Guralsky reiterou como a omissão do PCB em
relação ao caso gerara mais desconfiança entre os diferentes grupos raciais do proletariado.
Mais especificamente, defendeu que essa omissão fez com que o PCB tivesse perdido uma
oportunidade de exibir, aos trabalhadores negros, companheiros brancos lutando em prol de
causas negras.
Para a questão da concessão Ford, fomos informados que o partido não tinha
dinheiro, esta não é uma resposta que possa satisfazer os negros. Os negros de lá
jamais viram em suas vidas que “os brancos” tinham vindo defender seus interesses.
É uma revolução verdadeira quando os negros veem os proletários brancos serem
seus amigos. Vocês não podem subestimar um problema tão sério e vocês não
compreendem o papel que o partido deve ter de vanguarda, que deve mostrar que ele
sabe resolver esses problemas. Essas são coisas elementares.301
300
RGASPI, F. 495, op. 079, d. 58, fols. 27. Cedem/Unesp, ic-0062.pdf, 5 nov. 1929. “La question des races.
Les camarades du Brésil ne comprenent pas la question des races, et pourtant la question est sérieuse; 1) en
Amérique Latine la question des races joue un tel rôle que nous ne pouvons pas faire une révolution et guider la
révolution sans donner une réponse claire et nette à cette question. Il y a une série de pays où les Indiens par
exemple sont la majorité de la population. Qu est-ce que la question des races en Amérique latine? La question
des races comme la question des nationalités est pour nous d'abord la question de la confiance révolutionnaire
envers le prolétariat blanc, le prolétariat de la race dirigeante et les larges masses des travailleurs agricoles et de
la paysannerie d'une autre race opprimée; la question de la confiance entre le prolétariat blanc qui doit guider la
lutte et les large masses paysannes noire, jaunes, etc… C'est le problème d'une alliance révolutionnaire entre le
prolétariat et la paysannerie dans la lutte. Nous devons démontrer que tous le blancs ne sont pas des oppresseurs,
que le prolétariat dans la lutte contre la bourgeoisie et les oppresseurs de toutes la races veut résoudre jusqu'au
bout le problème des races. Jusqu'ici nous n'avons pas encore donné une réponse nette et clair. J'ai déjà dit qu'il
faut en Amérique latine donner notre mot d'ordre de Libre disposition des Indiens. Sur la base du problème
agraire, il fallait peut-être donner le mot d'ordre de Nouvelle distribution des terres aux travailleurs par les
soviets; mais en tout cas, il faut donner des mots d'ordre. C'est une question pour le Brésil, comme pour toute
l'Amérique Latine. Il faut avoir une réponse à ces questions. Evidemment qu'au Brésil la question [28] n'est pas
si aigue qu'au Pérou ou en Bolivie, mais quand même la question joue et jouera encore un très grand rôle. La
bourgeoisie a commencé et va mener l'organisation de batailles entre les différentes groupes, races, nationalités,
entre les tribus des différentes races et entre les blancs et les différentes races, c'est inévitable; c'est leur moyen
politique de décomposer le prolétariat, de tenir la paysannerie sous l'influence de l'impérialisme, de pousser la
paysannerie contre le prolétariat c'est leur moyen de combattre de révolution, de soutenir le fascisme, car la lutte
du fascisme sera soutenur (sic) spécialement par ces luttes de races, et il est tout à fait étrange que les camarades
cherchent à sous-estimer la question. S'il y a eu des luttes, cela veut dire qu'il y a eu des divergences, utilisées
par l'impérialisme et il n'y avait pas eu contre cela un travail suffisant de la part de notre parti pour régler la
question.”
301
RGASPI, F. 495, op. 079, d. 58, fols. 28. Cedem/Unesp, ic-0062.pdf, 5 nov. 1929. “Pour la question de la
concession Ford, on a dit que le parti n'avait pas d'argent, ce n'est pas une réponse que peut satisfaire les nègres.
Les nègres lá bas, n'ont jamais vu de leur vie que 'les blancs' soient venus défendre leurs intérêts. C'est une vraie
révolution quand les nègres voient les prolétaires blancs être leurs amis. Vous ne pouvez pas sous-estimer un
problème aussi sérieux et vous ne comprenez pas que le rôle du parti doit être le rôle de l'avant-garde qui doit
montrer qu'il sait résoudre ces problèmes. Ce sont des chose élémentaires.”
302
De acordo com Manuel Caballero, Ricardo Martinez era venezuelano. CABALLERO, 1986, p. 30, 132.
128
exemplo, os Estados Unidos, Martinez sugeriu que, não obstante as diferenças prováveis, isto
não seria o bastante para negar à sociedade brasileira a existência de uma questão negra.
Uma outra questão sobre a qual irei comentar é a questão DOS NEGROS. Algo que
não compreendo é a resistência dos camaradas Silva e Ledo sobre esta questão, em
cada uma das intervenções dos camaradas. Quando Humbert-Droz e Stépanov
citaram fatos concretos como os conflitos surgidos na concessão Ford, disseram que
“isto não prova que existe no Brasil um problema negro”. Eu creio que já
assinalamos muitos equívocos do partido brasileiro, por exemplo com relação à
questão agrária e que a atitude dos camaradas no Brasil deve ser totalmente
diferente, ou seja pelo menos reconhecer a necessidade dessa questão. Está claro que
as características da questão negra no Brasil ou em qualquer outro país da América
Latina não são as mesmas dos Estados Unidos, mas como já vimos em Cuba muitas
características são transplantadas em razão da influência preponderante que os
Estados Unidos adquirem cada dia; assim, em Cuba, o fato é que eles estão
vergonhosamente à margem da sociedade.303
303
RGASPI, F. 495, op. 079, d. 058 – ic-0063.pdf, p. 34, 5 nov. 1929. “Une autre question au sujet de laquelle je
ferai quelques commentaires est la question DES NEGRES. Quelque chose que je ne comprends pas c'est la
résistance des camarades Silva e Ledo sur cette question, dans chacune des interventions de ces camarades.
Quand Humbert-Droz et Stépanov ont cité des fait concret comme celui des conflits surgis dans les concession
Ford, ont dit que "celle na prouve pas qu'il existe au Brésil un problème nègre". Je crois que l'on a signalé
beaucoup de défauts du parti brésilien, par exemple dans la question agraire et que l'attitude des camarades au
Brésil devrait être toute différente, c'est à dire pour le moins reconnaitre la necessité de cette question. Il est clair
que les caractéristiques de la question nègre au Brésil ou dans quelque autre pays de l'Amérique Latine ne sont
pas les mêmes qu'aux Etats-Unis, mais comme nous l'avons déjà vu à Cuba beaucoup de ces caractéristiques sont
transplantées en raison de l'influence prépondérante que les Etats-Unis acquièrent chaque jour; ainsi, à Cuba, le
fait qu'ils sont mis honteusement en marge de la société.”
129
Para Grichin, a julgar pelos dados estenográficos, Astrojildo Pereira teria defendido
que a questão negra não passava por uma questão nacional. O militante russo do PCB sugeriu
ter havido um antagonismo entre Guralsky e Pereira, onde este teria visto um problema
nacional enquanto aquele reiterara a existência de questões raciais. Grichin, todavia, não
pensava haver uma questão negra no Brasil, tampouco lhe fazia sentido pensar numa questão
nacional para o país. Grichin sugeriu o lançamento de palavras de ordem para a questão da
304
RGASPI, F. 495, op. 079, d. 058, fols. 42-43. Cedem/Unesp, ic-0064.pdf, 5 nov. 1929. “On discute beaucoup
la question des races; dernièrement au Congrés de l'Amérique latine et ici à Comintern, mais je considére qu'il
est faux de poser la même question pour les pays oú la situation n'est pas la même, où le développement
historique ne se trouve pas dans la même époque. Je crois qu'on doit tacher de voir la question des races à travers
les usines et la politique du pays en général. Nous voyons que dans les usines et les fabriques, il n'y a aucune
différence entre les ouvriers blancs et les ouvriers noirs. Ainsi, j'ai travaillé pendant plusieurs années dans une
usine métallurgique où il y avait non seulement des ouvriers nègres, mais des chefs de sections nègres et cela
existe non seulement dans des usines qu'on peut qualifier de 'libérales' mais même où les propriétaire sont
réactionnaires.
On voit très bien que le patronat ne s'occupe pas de la question des races, mais qu'il recherche les ouvriers qui
peuvent le mieux servir. J'ai encore travaillé dans une usine métallurgique où le patron était un Hollandais, dans
cette usine il y avait aussi des chefs de sections nègres. Le patron n'a pas d'intérêt à développer l'antagonisme des
races. Dans les syndicats nous avons des nègres et des blancs et non seulement dans les sections, mais dans toute
la vie quotidienne du syndicat on ne voit aucune différence aucun antagonisme entre blancs et noirs. Même dans
la politique bourgeoise, on ne la constate pas. On a crée des associations qui s'appellent "Associação I de Maio
2(sic) mais c'est pour exploiter les ouvriers nègres pendant les élections. Mais les ouvriers ont repoussé cette
association qui est morte maintenant. Les nègres eux-mêmes ont repoussé cette association pour l'unique raison
que c'était uns assiciation(sic) uniquement composée de nègres.”
305
Ibidem, fols. 43. “Certain camarades veulent prouver qu'il existe la question nègre au Brésil et ils ont pris
comme argument la question Ford. Je peux vous citer un cas qui s'est produit au Brésil en 1923 entre les dockers
qui sont des nègres dans la majorité et la compagnie qui a recherché des ouvriers portugais qui ne sont pas
organisés pour travailler à un salaire plus bas dans les docks. Il y a eu un conflit très aigu, il y a eu des tués et
nous voyons que ce n'est pas une question de race, mais une question entre ouvriers organisés et ouvriers
inorganisés, ces derniers acceptan(sic) de travailler pour un salaire inférieur et je suis convaincu que la même
chose s'est passé chez Ford et que ce n'est pas une question de race mais une question de salaires.”
130
306
RGASPI, F. 495, op. 079, d. 058 – ic-0064.pdf, p. 43-44, 5 nov. 1929. “Gouralsky n'a pas trouvé un argument
suffisant sur la question des nègres au Brésil. Il a proposé de donner des mots d'ordre de solidarité des nègres au
Brésil aux nègres des autres pays en luttes. Le camarade Ledo vu dans cela une question nationale; je pense que
nous pouvons l'appliquer au Brésil, nous pouvons lancer de mots d'ordre pour soutenir la lutte des ouvriers
nègres en Afrique comme une question d'indépendance nationale mais qu'on ne peut pas l'appliquer pour le
Brésil.
Voilà ce qu'on pouvait dire sur la question des nègres au Brésil. Maintenant, sur le projet de résolution présenté
par Gouralsky il est dit de lancer le mot d'ordre de la Fédération des Républiques Soviétiques anti-impérialistes.
Je ne comprends pas parce que si c'est déjà une république soviétique, c'est déjà par soi même un état anti-
impérialiste; je crois qu'on doit dire que c'est une république des ouvriers et des paysans.”
307
Mesmo argumento utilizado por Heitor Ferreira Lima em suas memórias. LIMA, Heitor Ferreira. Caminhos
Percorridos. São Paulo: Brasiliense, 1982. p. 106.
131
308
RGASPI, F. 495, op. 079, d. 058. Cedem/Unesp, ic-0064b.pdf, p. 44-46, 5 nov. 1929. “Sur la question des
nègres on m'a d'abord demandé s'il y avait des nègres dans le parti. Dans cette façon de la formuler, je pense
qu'on trouve déjà le sens de toute la question telle qu'elle a été posée ici sur les nègres au Brésil. On voit ici la
question des nègres au Brésil au travers des Etats-Unis. Comme aux Etata-Unis (sic) il y a eu et il y a encore des
luttes féroces entre les nègres et les blancs comme tels; comme ces luttes se reflètent plus ou moins dans les
syndicats et même dans le Parti, on croit qu'au Brésil la même chose se produit, on croit que dans le mouvement
ouvrier du Brésil il existe aussi une lutte entre les ouvriers nègres et les ouvriers blancs. C'est tout à fait faux. J'ai
déjà répondu que dans le parti, non seulement il y a beaucoup de nègres, mais qu'il y en a dans le C.C. et si dans
le C.C. du parti, il y a des nègres, ce n'est pas parce qu'on cherche à y mettre les nègres en tant que nègres, mais
en tant [a]que militants communistes actifs. La couleur de la peau des communistes est une question que le
Congrès du Parti n'a pas examiné quand il a choisi notre C.C. Si l'on veut dire que les nègres au Brésil comme
aux Etats Unis forment une catégorie sociale à part, parce que nègres, je réaffirme que c'est faux.
Dans les Usines, dans les fabriques, partout il y a indiffémment (sic) des ouvriers nègres et des ouvriers blancs
qui font le même travail, reçoivent les mêmes salaires, ont les mêmes conditions de travail. Aussi dans les
plantations, blancs et nègre se trouvent sous les même conditions économiques et sociales. Il est exact, sans
doute, que dans l'armée et dans la marine, par exemple, il y a beaucoup de nègres et de métis et aue(sic) nègres
sont très rares parmi les officiers qui sont presque tous des blancs ou des métis assez…clarifiés.
[47]Qu'il y ait des traditions de lutte d'esclaves nègres au Brésil, c'est aussi exact. C'est la tradition historique
depuis plusieurs siècle depuis de début de l'importation de nègres d'Aspiaue pour le Brésil. Il y a même eu une
république de Palmares, dans le Nord du pays [...] Evidemment, s'il y a cette tradition de lutte, c'est qu'il y a
antagonisme entre nègres et blancs. Mais tout de même, je dis qu'aujourd'hui, au Brésil, il n'existe pas une
question spécifique des nègres, qu'elle n'existe comme lutte de classe des ouvriers blancs et nègres fraternises
contre les conditions d'exploration et d'oppression qui pèsent sur également. Une preuve de cela, c'est que dans
le mouvement ouvrier une telle lutte entre blancs et nègres n'existe pas. Quand je demande des preuves au
contraire on me parle de la concession Ford, et c'est la seule preuve concrète qu'on m'a donnée des soi-disant
luttes 'entre nègres et blancs' au Brèsil. J'ai déjà dit que ces prévues ne prouvent rien: premièrement, parce que
cela était une chose nouvelle, de cette année; deuxièmement, ce qui est plus important, c'est que les travailleurs
qui étaient auparavant chez Ford et contre lesquels Ford a importé des nègres de, la Jamaique, n'étaient pa(sic)
non plus des blancs. Parmi eux, il y avait une majorité des nègres. Cela fut donc une lutte entre nègres et nègres
et pas une lutte entre nègres et blancs.”
132
309
DEUTSCHER, 2006, p. 426.
133
310
A vigência do Secretariado Latino-Americano passou a estar em xeque. Tradicionalmente os “Secretariados”
gozavam de relativa autonomia interpretativa e de elaboração ao contrário dos bureaux, que eram formalmente
vinculados a um organismo superior hierarquicamente.
311
Como tantos outros militantes da Comintern, Auguste Kleine (também conhecido por Samuel Haifiz e
Guralsky) manteve famas divergentes entre si. Houve quem o caracterizasse como “lúcido, amável, sempre
animado e alegre” (HORNSTEIN, David P. Arthur Ewert: A life for the Comintern. Lanham: University Press
of America, 1993. p. 28). De acordo com Wolfgang Brezinka e David P. Hornstein, “admiradores e detratores de
Guralsky concordam em dois pontos: sua coragem pessoal e sua devotada lealdade a Zinoviev. Começando em
1926, quando Zinoviev foi removido do cargo de secretário-geral da Comintern como resultado de sua oposição
a Stalin e começou a descida que levaria a sua execução dez anos depois, Guralsky nunca hesitou em seus
esforços para defender seu amigo e desenvolver apoio para ele na Rússia e entre comunistas estrangeiros, até
mesmo uma vez tentando organizar uma demonstração de rua em favor de Zinoviev em Moscou.
Inevitavelmente preso em 1934, a resistência extraordinária de Guralksy o levou a sobreviver no gulag até
1960”. (p. 28) Inúmeros pesquisadores ressaltam a filiação zinovievista de Guralsky. FOWKES, Ben. (Trad.).
The German Left and the Weimar Republic: A Selection of Documents. Leiden: Brill Academic Publishers,
2014. p. 74. BROUÉ, Pierre. The German Revolution, 1917-1923. Leiden: Brill Academic Publishers, 2004. p.
972, HALLAS, Duncan. The Comintern: 3. The Ebb. Marxists Internet Archive. 4 nov. 2004. Disponível em:
<https://www.marxists.org/archive/hallas/works/1985/comintern/ch3.htm>. Acesso em: 23 set. 2014.
312
LIMA, 1982, p. 104.
134
***
313
RGASPI, F. 495, op. 155, d. 87, fols. 322-324.
135
Negro workers in Brazil”314 que foi dirigido ao “Bureau Negro”, possivelmente ligado ao
Secretariado Oriental. A autoria do documento é, portanto, imprecisa – nesta tese,
chamaremos de “os autores”. O exame do documento pode dirigir a algumas hipóteses acerca
de quem o escreveu.
O relatório conduz à seguinte avaliação acerca da condição do negro na sociedade
brasileira: desde a libertação dos escravos “nós não tivemos sucesso em aumentar o nível
cultural da raça negra ou suprimir todos os traços do chauvinismo”.315 Esse é o diagnóstico do
qual parte o escrito. A despeito do histórico de luta dos negros, seja durante a colônia com o
exemplo de Palmares, no império com a revolta dos malês na Bahia e em Cubatão na década
da abolição, os brancos haviam vencido a batalha ideológica por meio de uma educação
apologética da democracia burguesa que
instila o sentimento de superioridade dos brancos sobre os negros. A maioria dos
negros, na verdade, são imbuídos do sentimento de que eles são inferiores aos
brancos. Eles não se juntam à luta, e em geral suas atitudes são raivosas: os negros
não são admitidos em muitas profissões. Nem eles são admitidos em certas
celebrações. Quando trabalham ganham menos, mesmo quando terminam suas
tarefas com a mesma destreza [que os brancos].316
No que parece ser uma alusão aos comunistas brasileiros que negavam a existência de
uma questão negra no país, os referidos “certain revolutionaries” acreditavam na igualdade
formal entre negros e brancos amparada pela legislação brasileira.
O relatório estabeleceu uma tipologia dos extratos negros mais suscetíveis à militância
comunista. A conclusão: são especialmente vulneráveis aqueles trabalhadores benquistos
pelos patrões por sua alta qualidade e, ao mesmo tempo, desprestigiados por ganharem menos
314
Esta será a versão utilizada aqui. As versões em francês e em inglês foram cotejadas e apresentam
fidedignidade entre si.
315
RGASPI, F. 495, op. 155, d. 87, fols. 322. “[...] we have not succeeded in raising the cultural level of the
black race or wiping out all traces of chauvinism.” Ainda que não seja possível ter certeza, presume-se que o
“nós” refere-se a “nós comunistas” e não necessariamente aos comunistas brasileiros.
316
RGASPI, F. 495, op. 155, d. 87., fols. 322-324. “instill the sentiment of superiority of the whites over the
Negroes. The majority of the Negroes, in fact, are imbued with the feeling that they are inferior to the whites.
They do not join in the struggle, and in general their attitude is bitter: the Negroes are not admitted to many
occupations. Nor they are admitted to certain celebrations. When they work they earn less, even when they
accomplish their task with the same skill.”
317
Ibidem, fols. 323. “utilise literature in the schools and historical questions constantly for justification of the
‘democracy’. This activity of the owners is carried on in such a way that even certain revolutionaries allow
themselves to be drawn in by this bourgeois illusion regarding equality between the blacks and whites, which in
reality is nothing but bourgeois demagogy.”
136
que seus colegas brancos. De acordo com o documento, “nessa situação existem certos negros
que nada demandam, e eles são considerados brancos-negros”. Ainda conforme relato,
eles não estão satisfeitos. Eles estão prontos para enfrentar a desigualdade, mas na
maior parte dos casos não encontram apoio; eles não estão ainda bem treinados por
meio da luta, faltando a liderança revolucionária que poderia desenvolver neles o
sentimento de igualdade com os brancos.318
318
RGASPI, F. 495, op. 155, d. 87, fols. 323. “they are ready to struggle against inequality, but in most cases
they find no support; they are not yet well enough trained through the struggle, lacking the revolutionary
leadership which could develop in them in the sentiment of equality with the whites.”
319
Ibidem, fols. 322-324. “In general we have so far dealt only with the class struggle, but the blacks feel above
all the scorn which exists with regard to their race, a scorn which keeps them in moral subjection and in all the
bad conditions which they have had to endure up till now. They see in the whites an unfaithful and obtrusive
friend.”
320
Importante destacar que os dados não são precisos e que a cisão entre questão racial e econômica foi posta
durante a Conferência dos Partidos da América Latina e quando da discussão brasileira. No caso do relatório,
houve maior esmero no tratamento das questões raciais, observando aspectos superficiais da psicologia do
racismo e estabelecendo uma clivagem na própria classe trabalhadora em termos de raça. “In Brazil there are
from 8 – 10 million Negroes and this great mass makes up 95% of the workers and the most exploited of the
working population. This great majority lives in the fields, under a regime of feudalism; almost none of them
know how to read and they work like slaves without pay; they only get coupons from the landowners with which
they are forced to purchase their bad food even when it has become rotten, in order not to die of hunger; they are
heavily in debt without any possibility of leaving the plantations, which constitutes a new form of slavery.”
Ibidem, fols, 322-324.
137
Mais que isso, todavia, as resoluções tornavam evidente a posição dos autores a
respeito da constituição da classe trabalhadora no Brasil. Admitia-se uma cisão racial e
reconhecia-se a necessidade de enfrentar o racismo nas relações entre trabalhadores brancos e
negros. As resoluções destacaram o distanciamento dos comunistas brasileiros com o
movimento negro internacional e seus respectivos debates, além de desnudar a incapacidade
organizativa dos comunistas brasileiros em construir pontes, vinculadas ao partido, com as
camadas negras da população.
Essa leitura sobre a realidade racial no Brasil contrapôs a defesa da tese clássica do
PCB segundo a qual a resolução da questão de classe redundaria na solvência do problema do
negro, para ficar apenas no exemplo afro. Os contornos da nova política desenhada com
ênfase no ataque à questão negra se desdobrava numa necessidade de enfrentar a matéria num
campo até então inexplorado: o plano das ideias. A produção de visões de mundo acerca do
negro vis-à-vis a incapacidade de reação do PCB foi identificada como a equação a ser
solucionada pelos comunistas, o que reverberou nas resoluções do relatório. Assim, abriu-se,
em finais da década de 1920, mais de um flanco para que a IC atacasse o PCB, e este relatório
contribuiria para os rumos que tomaria o PCB sob os auspícios do Bureau Sul-Americano
(BSA) no que tange à questão negra e racial.
Não se pode descartar a possibilidade de um comunista brasileiro ter escrito o referido
relatório. Ainda que não haja evidência, talvez um exame futuro do estilo utilizado na escrita
possa ser comparado ao de comunistas brasileiros a fim de recuperar padrões, algo que não foi
realizado e escapa às capacidades desta tese.
No entanto, mesmo sem desconsiderar a possibilidade de um brasileiro ser o autor,
parece mais provável que o contexto do documento tenha sido outro. Em maio de 1930, em
plena atividade, o International Trade Union of Communist Negro Workers (ITUCNW),
ligado à Profintern (Internacional Sindical Vermelha), realizara um esforço para consolidação
321
RGASPI, F. 495, op. 155, d. 87, fols. 324.
138
322
RGASPI, F. 495, op. 155, d. 86, list. 4 e 5, 20-5-30. Foi requerido que os seguintes números de estudantes
comunistas negros fossem recebidos pela Universidade Comunista dos Trabalhadores do Oriente: 10 da Grã-
Bretanha, 15 da França, 5 da Bélgica, 30 dos Estados Unidos, 5 do Brasil, 2 do Panamá e 3 de Cuba, num total
de 70 estudantes. O documento também requeria que sempre que os partidos enviassem militantes para a Escola
Internacional Leninista, estudantes negros também fossem enviados dentre os contigentes e cotas de cada
partido.
323
“USA, Brazil, Jamaica, Haiti, Cuba, Columbia, and from the British, French and Belgian African colonies.
They were to stay for one week in London; the actual conference was to start on the 1st of July and last for two
days.” WEISS, 2013, p. 234.
WEISS, Holger. The Road to Hamburg and Beyond: African American Agency and the Making of a Radical
African Atlantic, 1922-1930. Part Three. Turku: Abo Akademi, 2011. p. 39. Disponível em:
<https://www.abo.fi/student/en/media/7957/cowopa18weissupdated2011.pdf>. Acesso em: 13 mar. 2015.
O Congresso terminou sendo realizado em Hamburgo no mesmo mês previsto. Os comunistas tentaram, mas não
conseguiram esconder das autoridades britânicas que dirigiam o Congresso.
139
enviados aos comunistas brasileiros com resumos dos discursos e temas debatidos no V
Congresso da Internacional Sindical Vermelha, em Moscou, em agosto de 1930. Sobre a
leitura do material, o Cônsul destacou os informes que variavam desde a guerra civil na China
à realização da “first international conference of negro laborers”. Em tom de advertência,
relatou que
Eles não fizeram qualquer referência ao Brasil, exceto indiretamente onde menção
casual é feita ao trabalho entre negros sul-americanos “que constituem a maioria do
proletariado daquele continente”. Os documentos contêm algumas exposições
interessantes, senão supreendentemente novas, dos objetivos e métodos gerais da
Internacional. Até onde este distrito consular está informado, eles são interessantes
principalmente como evidência de que comunistas locais estão em contato com a
organização central.324
Os eventos elencados concorreram para que a pauta racial do PCB fosse alterada de
fora. Talvez a escrita do relatório em questão tenha se dado no ambiente ligado ao ITUCNW
e/ou ao Departamento Negro do Secretariado Oriental.
As definições anódinas da Conferência dos Partidos Comunistas da América Latina
alteradas pela discussão da questão brasileira em Moscou foram mais uma vez transmutadas
pelas novas diretrizes. A coalescência da questão racial à definição das linhas táticas do
partido passou a ser dirigida pelo então recém-criado Bureau Sul-Americano.325
De acordo com avaliação do Bureau Sul-americano da Comintern, em data incerta de
1931, os comunistas brasileiros não entendiam que
As organizações chauvinistas dos negros se estendem cada vez mais por todo o país,
e o partido assinala seu perigo às massas de trabalhadores negros. Em toda sua
existência o PCB não tem tomado nenhuma medida para penetrar nos clubes e
organizações culturais negras a fim de consquitar a massa trabalhadora que aflui a
elas. O partido não compreende que o enfoque de nossas tarefas entre as massas
negras e índias é um dos aspectos do problema da conquista da maioria da
população trabalhadora do Brasil. Sem que se arrastem as massas negras e índias à
luta, nenhuma revolução de massas é possível no Brasil.326
324
American Consulate, Pernambuco, Brazil – Political Report, Murphy Collection, caixa 201. National
Archives, Estados Unidos, 230.jpg, p. 1-2. “They made no reference to Brazil, except indirectly (no. 160, page 8)
where casual mention is made of work among South American negroes ‘who constitute the majority of the
proletariat of that continent’. The documents contain some interesting, if not startlingly new, expositions of the
International’s general aims and methods. So far as this consular district is concerned, they are interesting
principally as evidence that local communists are in touch with the central organization.”
325
DEL ROIO, Marcos. A classe operária na revolução burguesa: a política de alianças do PCB, 1928-1935.
Belo Horizonte: Oficina de Livros, 1990. p. 121-123. O Secretariado Sul-Americano da IC (SSAIC) surgiu de
um desmembramento, em 1925, do Secretariado Latino-Americano. Em 1929, o SSAIC foi transformado em
Bureau Sul-Americano da Internacional Comunista (BSAIC). Cf. Ibidem, p. 99.
326
RGASPI, F. 503, op. 001, d. 052, p. xx. Cedem/Unesp, ic-0096.pdf. “Las organizaciones chauvinistas de los
negros se extienden cada vez más por todo el país y el partido no señala su peligro a las masas de obreros negros.
En toda su existencia el PCB no ha tomado ninguna medida para penetrar en los clubs y organizaciones
culturales de los negros a fin de conquistar la masa obrera que afluye a ellas. El partido no comprende que el
planteamiento de nuestras tareas entre las masas negras e indias, es uno de los aspectos del problema de la
conquista de la mayoría de la población trabajadora del Brasil. Sin el arraste de las masas negras e indias a la
lucha, ninguna revolución de masas es posible en Brasil.”
140
327
RGASPI, F. 503, op. 001, d. 052, p. xx. Cedem/Unesp, ic-0096.pdf. “En Brasil donde en su mayoría la
población está constituida por mestizos y negros, el trabajo entre estas capas explotadas más inicuamente que las
masas trabajadoras ‘blancas’- es una tarea indiscutible de cada comunista. Sin embargo, el Partido desconoce
todavía esta labor, apesar de que la suerte de revolución en Brasil, depende en gran parte de la actividade de
estas masas oprimidas. Las luchas revolucionanarias de la masa negra e indígena (Amazonas) se han
desarrollado sin la participación y al margen del Partido.”
328
“En las regiones, donde la mayoría de la población es negra, estas no participan casi de la vida del Partido.
No hay, por otra parte, ningún indio en el partido.” Ibidem, p. xx.
329
“En la dirección los negros están muy insuficientemente representados.” Ibidem, p. xx.
330
“El partido todo, menosprecia el reclutamiento de obreros negros e indios para el partido. No se elaboran
métodos especiales de trabajo entre esas capas oprimidas, ni tampoco las reivindicaciones específicas de los
obreros negros e indios”. Ibidem, p. xx.
331
“Ellos no comprenden ni reconocen la existencia del problema racial en Brasil. La igualdad formal de las
razas la interpretan como si fuera efectiva, real”. Ibidem, p. xx.
332
“El Partido debe tratar de conquistar la confianza de la masa de negros e indios a través de la demostración,
en los hechos, de que el Partido Comunista es el único partido capaz de organizar las luchas por la
141
autodeterminación, por la liquidación de los privilegios de los “blancos” y la devolución de las tierras robadas
por los colonizadores.” Ibidem, p. xx.
333
“elaborar un plan especial de reclutamiento de obreros negros e indios para el Partido” RGASPI, F. 503, op.
001, d. 052 – ic-0096.pdf, p. xx, 1931.
334
“los mejores lutadores negros, que son miembros del Partido” Ibidem, p. xx.
335
“[...] debe hacerse un plan concreto de formación de cuadros de obreros negros e indios capaces de realizar
este trabajo entra las más amplias masas de esas razas oprimidas.” Ibidem, p. xx.
142
Não foi possível encontrar a resposta do PCB ao pedido de Brandão. Parte dela,
entretanto, talvez se encontre na I Conferência do Partido Comunista do Brasil, em 1934. Ali,
os comunistas dirigiram-se aos “negros e índios escravizados”:
O proletariado, os camponeses de todas as nacionalidades e o Partido Comunista vos
ajudarão nas lutas por vossa libertação, desde as lutas pela devolução das terras
roubadas e pela igualdade de direitos econômicos, políticos e sociais, até à luta pelo
direito de constituirdes vossos próprios governos separados do governo federal e
estaduais, caminho pelo qual vós podereis desenvolver como nacionalidades com
território, governo, costumes, religião, língua e cultura próprios.337
Ainda que na forma de diretiva e resolução partidária – o que não significa efetivação
prática da política definida – os comunistas brasileiros foram convencidos a tratar da questão
racial no Brasil. Parte disso se deveu às reuniões e discussões estabelecidas nos encontros
elencados anteriormente. Outra parte pode ser creditada à atuação dos organismos
internacionais auxiliares da IC.
A incorporação do PCB no cenário do movimento comunista internacional se deu
tardiamente, como aconteceu com a maior parte dos países latino-americanos. De fato, ainda
que a IC, a União Soviética e os próprios bolcheviques tivessem declarado afinidades com os
povos ditos semicoloniais, a Comintern não tornou efetivamente presentes na América Latina
seus tentáculos até finais da década de 1920, seja por dificuldades logísticas seja por interesse
geopolítico.338
As tentativas anteriores ao VI Congresso da Comintern em 1928 se deram a partir de
iniciativas rarefeitas e com pouca instrumentação prática. Ainda que crescente, desde 1919, o
interesse pela América Latina sofreu solavancos e obedeceu às constantes descontinuidades
do período de estabilização da revolução bolchevique.
Um dos meios utilizados pela Comintern no intuito de ampliar seus espaços de
atuação e fomentar a atividade revolucionária foi a fragmentação de seus esforços. Desse
modo a IC manteve diversos organismos auxiliares. Dentre eles, serão destacados aqui a
Juventude Comunista Internacional (JCI) ou KIM, a Internacional Sindical (Profintern) e o
Socorro Vermelho (SVI), precisamente porque participaram da discussão e profusão das teses
dos comunistas sobre as questões raciais.
336
RGASPI, F. 495, op. 029, d. 055 [ic-0266.pdf], 23 out. 1931.
337
MANIFESTO da 1ª Conferência do PCB. In: Fundação Dinarco Reis. [s.d.]. Disponível em:
<http://pcb.org.br/fdr/index.php?option=com_content&view=article&id=130:manifesto-da-1o-conferencia-do-
pcb&catid=1:historia-do-pcb>. Acesso em: 31 out. 2014.
338
Ambos os homens inicialmente destacados pela Comintern para realizar prospecções na América Latina,
Abramson e Borodin, depois serviriam no Kuomitang.
143
339
Guralksy: “Qu'est ce que toutes les organisations auxiliaires si nos camarade n'y sont pas organisés en
fraction communistes, ou chacun des camarades est responsable pour chaque discoure et action faite dans le Bloc
ouvrier et paysan ou dans les organisations auxiliaires?” [ 29 ic-055.pdf]
340
O PCB e a KIM. (KAREPOVS, Dainis. A Nação e a Juventude Comunista do Brasil. Cad. AEL, Campinas,
v. 17, n. 29, 2010.)
341
“Legation of the United States em Riga, Latvia”, Murphy Collection, caixa 201, p. 6. National Archives,
Estados Unidos. “The recently created Ministry for Labor attempts by means of restrictive measures to incite its
workmen against the immigrants while bourgeoisie strives to fan the flame of national enmity between the
whites and Negroes. There are 7,000,000 Negroes in Brazil. Negroes are not admitted to the theaters of São
Paulo. The bourgeoisie, with the cooperation of the fascist demagogues Miguel Costa, Tabora, Alberto, and
others, with whom also keep pace Brazilian Trotskists (Melo), attempts to disrupt the masses once again and to
hinder them from following the correct path under the leadership of the Communist Party.”
342
“Legation of the United States em Riga, Latvia”, Murphy Collection, caixa 201, p. 13. National Archives,
Estados Unidos. “absolutely imperative to take measures in order to organize the work in the countryside, among
144
É razoável que o texto tenha sido escrito por um brasileiro em Moscou.343 Em todo
caso, uma parte significativa da militância comunista brasileira dedicada ao debate sobre
questões raciais restava na Juventude Comunista. No Brasil é, por exemplo, possível
identificar atuação por parte da juventude no tocante ao enfrentamento da questão racial a
partir da entrada no partido da chamada “Academia dos Rebeldes” em Salvador, Bahia. A
partir de 1931, esse grupo passaria a pautar a questão negra e a Bahia se tornaria um palco
importante nas formulações e experimentos dos comunistas em relação às questões raciais,
fosse ela sobre os índios,344 fosse sobre os negros.
Antes, porém, de adentrar nos pormenores de como a Juventude Comunista engajou a
questão negra, é preciso um desvio momentâneo para que o leitor se aproprie das condições
sob as quais esta organização auxiliar atuou no Brasil.345
A história da organização ligada ao trabalho com a juventude tem como marco inicial
o ano de 1919. Precisamente quando foi criada a Comintern, a União Internacional da
Juventude Socialista, remanescente do movimento zimmerwaldiano, redundaria na Juventude
Comunista Internacional, sob a liderança daquele que seria um importante intelectual da
Comintern, Willi Münzenberg. A chegada ao Brasil da Juventude Comunista não obedeceu ao
processo de entrada em órbita da IC, por parte do PCB. Esse processo demonstra que alguns
organismos internos e anexos da própria Comintern não foram mimeses da Internacional
Comunista.
Do ponto de vista documental, é possível identificar alguma participação dos
comunistas entre jovens e estudantes a partir de 1929 e, com maior vigor, nos anos de 1930. A
capilaridade do partido e a política de Frente Popular, paradoxalmente já desenhada em início
dos anos 30, justificam a massiva publicidade que o PCB desenvolveu entre os jovens durante
o período pós-1929.346 Esse balanço é corroborado pelas memórias de Astrojildo Pereira, que
identifica 120 inscritos na Juventude Comunista afirmando haver, à altura do III Congresso do
PCB, intensa ligação entre os comunistas de diferentes Estados.347 Ao aceitar que até 1928 a
organização da Juventude Comunista sofria com as debilidades de uma empresa incipiente e
farmhand youth at large plantations, and first of all among the toiling peasant youth. It is necessary to organize
the work among the Negroes and Indians.”
343
O pseudônimo “Rosha” pode ser uma outra escrita para “Rocha”, comum sobrenome brasileiro.
344
LINS, Marcelo. Os vermelhos nas terras do cacau: a presença comunista no Sul da Bahia (1935-1936).
2007. Dissertação (Mestrado em História)–Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2007.
345
A apreciação do papel desempenhado pela juventude comunista no enfrentamento da questão negra se
encontra no capítulo 6.
346
Uma das melhores alegorias da questão é a personagem Mariana da trilogia de Jorge Amado, “Subterrâneos
da Liberdade”. Uma jovem em sua jornada rumo à consciência de classe e da importância do partido enquanto
condottieri da emancipação humana.
347
PEREIRA, 1979, p. 150.
145
que a partir de 1929 a organização e a integração das ações já haviam atingido um nível
satisfatório, é forçoso concluir que o leque de questões atingíveis pela organização também
aumentara.
Em 1929, durante a realização do III Congresso do PCB, a avaliação feita sobre a
atividade entre jovens era a seguinte:
Os primeiros membros da Juventude Communista do Brasil entraram em 1925, 14;
1926, 13. Destes 27, em 1927 só restavam 8. Em Maio de 1927, foi obrigado a
ausentar-se o encarregado da Juventude do C. Central, passando seu cargo às mãos
de membros da Juventude. Aproveitando o período de legalidade, fez-se ampla
agitação pelo jornal "A Nação", sendo comemorada em Junho a "Semana da
Juventude Operaria". Por esse tempo, a ligação com os Estados era quasi nenhuma.
Apenas correspondência com camaradas isolados de algumas regiões. 348
Havia ao todo uns 30 membros, mais ou menos cativos, distribuídos por 5 cellular.
As ligações com o Partido e com o S.S.A, quasi nenhuma.
[...] Admittido um representante na C.C.E., recomeçaram o trabalho com a
publicação de um jornalzinho mimeographado, "O Joven Proletario", que sahiu
regularmente até abril de 1928, quando fechou para auxiliar com esse dinheiro "A
Classe Operaria".349
Sobre o periódico “O Joven Proletario”, a tiragem era de 1.000 exemplares e não está
claro se o financiamento provinha somente do PCB ou se havia outros recursos envolvidos. O
mesmo informe aponta para aquele que era, então, o presente da organização:
No começo da organização, o trabalho era dificultado, por ser na sua maioria
dirigido por estudantes. Hoje, a maioria absoluta é de operários, havendo cerca de
25 cellular sendo 15 no Rio, das quaes 5 de empresa [sic]. Um total de 120
membros, mais ou menos cativos em 120 inscritos.
A ligação com os Estados é bem intensa, e existem organizações alem de Rio de
Janeiro, em Porto Alegre, Santos, São Paulo, Sertáosinho, Ribeirão Preto, Victoria,
Pernambuco e Rio Grande do Norte.
Em Maio houve uma troca de representações, com voz deliberativa, entre o C.C. da
J. e o P. Em Junho, um delegado foi enviado ao 5o Congresso da I.J.C., fazendo da
nossa organização uma seção Brasileira da I.C.J.350
Um outro documento, desta vez dirigido à IC, o “Rapport sur la situation du Bresil au
VI Congres de l'I.C.” aborda o tema da juventude no Brasil e a atuação do PCB relativa a ela.
A situação dos jovens trabalhadores das cidades está também mal. A maior parte
desses jovens é de analfabetos. Aqueles que frequentam escolas são intoxicados pelo
ensino patriótico dado nas organizações de escoteiros. Por outro lado, o clero criou
também muitas escolas dominicais a fim de penetrar entre os jovens. Os padres
também organizaram com as crianças das escolas uma Liga de “escoteiros” que
trabalha em colaboração com a Liga governamental, e suas organizações têm uma
característica nitidamente fascista.
O imperialismo americano também tem no Brasil seus meios de penetração entre os
jovens: Associação cristã de jovens: esta ainda não possui raízes na classe
trabalhadora, mas somente entre os empregados do comércio, os filhos da pequena
burguesia. Nosso partido trabalha no sentido de desviar jovens trabalhadores de
todas essas organizações reacionárias. Para essa finalidade, ele organizou a
Juventude Comunista; esta tem atualmente 70 membros em todo o país. Apesar da
348
ic-0211.pdf. p. 72.
349
ic-0211.pdf.
350
ic-0211.pdf – O delegado em questão foi Leôncio Basbaum.
146
fraqueza numérica da nossa juventude comunista, ela trabalha com muita atividade;
ela já possui algumas células organizadas. Durante o tempo que o jornal do Partido
foi suprimido, a juventude editou um Boletim de propaganda. Na cidade de Niterói
(região do Rio de Janeiro) a juventude possui uma escola de jovens trabalhadores
que funciona no local dos sindicatos, e no Recife há igualmente uma. Atualmente, a
juventude está em processo de organização dos esportes dos trabalhadores, porque
isto exerce muita atração entre trabalhadores; a Juventude comunista está então
engajada num caminho e ela é a esperança do desenvolvimento futuro do Partido.351
351
RGASPI, F. 495, op. 029, d. 027, 1928. Cedem/Unesp. “La situation des jeunes travailleurs des villes est
aussi mauvaise. La plupart de ces jeunes [gens] sont des analphabètes. Ceux qui fréquentent l'école sont
intoxiqués par l'enseignement patriotique donné dans les organisations de boy-scouts. D'autre part, le clergé a
créé (sic) aussi beaucoup d'écoles dominicales afin de pénétrer parmi les jeunes. Les prêtres ont organisé aussi
avec les enfants de ces écoles une Ligue de ‘boy-cout’ qui travaille en collaboration avec la Ligue
gouvernementale et ces organisations ont un caractère nettement fasciste. L'impérialisme américain a aussi au
Brésil ses moyens de pénétration parmi les jeunes: Association chrétienne des jeunes: celle-ci n'a pas encore de
racines dans la classe ouvrière, mais seulement parmi les employés de commerce, les fils de la petite
bourgeoisie. Notre parti travaille dans le sens de détourner les jeunes ouvriers de toutes ces organisations
réactionnaires. A cet effet, il a organisé la Jeunesse communiste; celle-ci a actuellement 70 membres dans tout le
pays. Malgré la faiblesse numérique de notre Jeunesse communiste, elle travaille avec beaucoup d'activité; elle a
déjà quelques cellules organisées. Pendant le temps que le journal du Parti avait été supprimé, la jeunesse a édité
un Bulletin de propagande. Dans la ville de Nitheroy (région de Rio de Janeiro) la jeunesse a une école de jeunes
ouvriers qui fonctionne dans un local des syndicats et à Récife, il y en a une également. Actuellement, la
jeunesse est en train d'organiser les sports ouvriers, parce que celui-ci a beaucoup d'attrait parmi les ouvriers; la
Jeunesse communiste est donc engagée dans une bonne voie et elle est l'espoir du développement futur du Parti.”
352
ic-0211.pdf.
353
Cf. KEYS, Barbara. Globalizing sport: national rivalry and international community in the 1930s.
Cambridge: Harvard University Press, 2013; GOUNOT, André. Sport or Political Organization? Structures and
Characteristics of the Red Sport International, 1921-1937. Journal of Sport History, Fullerton, v. 28, n. 1, p.
23-39, spring 2001.
147
354
Em geral, segundo os padrões estéticos da modernidade, os integrantes das agremiações carnavalescas
classificam-se como pessoas pobres residentes em locais considerados insalubres, geralmente em mocambos ou
cortiços (como alguns moradores do centro da cidade, Coelhos e Casa Amarela) ou em áreas conhecidas como
zonas operárias, a exemplo de Afogados e Campo Grande. SANTOS, Mário R. Trombones, tambores,
repiques e ganzás: a festa das agremiações carnavalescas nas ruas do Recife (1930-1945). 2010. Dissertação
(Mestrado em História)–Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife, 2010. p. 83.
355
Menciona a existência de Brasilino, negro e membro Juventude Comunista. BASBAUM, Leôncio. Uma vida
em seis tempos (memórias): uma visão da história política brasileira dos últimos quarenta anos. São Paulo:
Alfa-Ômega, 1976. p. 80.
356
“RELATORIO GERAL DA FEDERAÇÃO DA JUVENTUDE COMMUNISTA DO BRASIL”, RGASPI, F.
533, op. 10, d. 602, fols. 38, list. 4. Cedem/Unesp, ic-1016.pdf.
148
357
PEREIRA, 1979, p. 73.
358
BRASKÉN, 2014.
359
VAN HOLTHOON, Frits; VAN DER LINDEN, Marcel. Introduction. In: ______. (Ed.). Internationalism
in the labour movement 1830–1940. Leiden: Brill, 1988. (Contributions to the History of Labour and Society,
1.)
360
Na documentação da IC já presente no Brasil, no Arquivo Edgar Leurenroth e no Cedem/Unesp, é provável
que a catalogação tenha sido feita de maneira equivocada, confundindo o Socorro Internacional com o Auxílio
Internacional dos Trabalhadores.
361
BRANDÃO, 1978, p. 246.
362
BRANDÃO, 1978, p. 246. A direção do AIT no Brasil era de Paulo de Lacerda. PETERSSON, 2007, p. 86.
149
363
MILLER, James A.; PENNYBACKER, Susan D.; ROSENHAFT, Eve. Mother Ada Wright and the
International Campaign to Free the Scottsboro Boys, 1931-1934. The American Historical Review, v. 106, n.
2, p. 387-430, abr. 2001.
364
Murphy Collection, caixa 201, 14 nov. 1931. National Archives, Estados Unidos, 199-200.jpg. “It may
interest you to know that the American Embassy at Rio de Janeiro, Brazil, has recently informed the Department
that, according to the Fourth Assistant Delegate of Police of Rio de Janeiro, RJAR LAISVE, 46 Teneyck Street,
Brooklyn, New York, is the addressee of much mail of a communist nature passing through the Rio de Janeiro
Post Office. I have also been informed by a confidential source that RJAR LAISVE appears to be in touch with
various radical organizations in the United States and Canada.
As you doubtless know, RJAR LAISVE, at the address given, is the Lithuanian organ of the Communist party of
the United States.
[...] The building where the newspaper is published is also the headquaters of the association, and its hall is
frequently used for radical meetings. That address is often given in the New York DAILY WORKER as the
head-quaters for various Lithuanian communist groups when it solicits and publishes greetings in connection
with communist anniversary celebrations or demonstrations.”
150
365
AVRICH, Paul. Sacco and Vanzetti: The Anarchist Background. Princeton: Princeton University Press,
1996. Em agosto de 1933, Hugh Gibson, embaixador dos Estados Unidos no Brasil, relatou que “Unidentified
persons last night flung tar on the faccade of the Embassy and left leaflets signed ‘International Red Relief’
protesting against Sacco-Vanzetti and Scottsboro cases and imperialism”. Murphy Collection, caixa 201.
National Archives, Estados Unidos, 095.jpg.
366
Murphy Collection, caixa 201. National Archives, Estados Unidos, 095.jpg, 2 dez. 1935. A nota referia-se ao
fato de que a International Labor Defense não era legal no Brasil e que a ANL estava sendo perseguida pelo
governo “fantoche” dos Estados Unidos. Referiu-se também a um apelo feito pelo PCB em sua primeira
conferência para que continuassem a luta contra a pequena-burguesia, o trotskismo e as agressões contra a
URSS. “Haven’t you enough innocent proletarian blood already on your dripping hands?”
367
Murphy Collection, caixa 201. Daily Worker, 30 nov. 1935. National Archives, Estados Unidos, 106-108.jpg.
“In Rio and in Recife it[National Liberation Alliance] carries on demonstrations for equal rights for Negroes. It
fights for the defense of the interests of the people against taxes and higher prices and finally when a rumor was
spread about the preparation of a dictatorial coup d'etat on the part of the government the National Liberation
Alliance called the masses out to a general strike.”
151
Como esta, outras referências cruzadas foram realizadas. O caso mais curioso e
controvertido, sem dúvida, diz respeito a Isaltino Veiga dos Santos.368 Irmão de Arlindo
Veiga dos Santos, fundador da Frente Negra Brasileira (FNB), Isaltino experimentou a
militância de maneira distinta de seus companheiros e, mais precisamente, de seu irmão. Há
relativa incerteza quanto à filiação política de Isaltino. Segundo Correia Leite,
o Isaltino, depois de um tempo fora da Frente Negra, entrou num movimento
político de esquerda muito sério. Foi quando começou a Aliança Libertadora. E,
como o Isaltino na Frente Negra teve uma atuação meio revolucionária (ele
publicava circulares agressivas contra o regime capitalista), pensaram mesmo que
ele fosse de esquerda.369
Expulso da FNB, participou da ANL e terminou preso na final de 1935, vítima das prisões
indiscriminadas levadas a cabo depois da sublevação comunista de 1935. Sua prisão foi
tornada pública pelas campanhas por anistia dirigidas pelo Socorro Vermelho Internacional.
Ford clama pela soltura de Santos
Líder brasileiro negro preso pelos assassinos de Victor Barron
Tanto Olga Benário como o próprio Cavaleiro da Esperança, Luís Carlos Prestes,
foram objetos de vigorosa campanha internacional para que fossem soltos.
Ford falará em comício para protestar contra o terror no Brasil
368
Cf. DOMINGUES, Petrônio. “Constantemente derrubo lágrimas”: o drama de uma liderança negra no cárcere
do governo Vargas. Topoi, Rio de Janeiro, v. 8, n. 14, p. 146-171, jan.-jun. 2007.
369
LEITE, José Correia; CUTI [Luiz Silva]. ... E disse o velho militante José Correia Leite. São Paulo:
Secretaria Municipal de Cultura, 1992. p. 117.
370
“Ford calls for release of Santos
Brazilian Negro Leader Imprisoned by Killers of Victor Barron
‘The imprisonment, perharps the torture and murder of the Negro leaders of Brazil, most notably of Isaltino
Viega dos Santos, calls for a strong protest by the Negroes Harlem’, said James W. Ford, Divistion Organizer of
the Communist Party in Harlem, yesterday.
[...]
‘We American Negroes must come to their assistance. We must demand the release of Prestes and general
amnesty for all political prisoners, including Dos Santos and other Negro leaders’.” Um comício aconteceria a 5
de abril de 1936.”
“Ford appealed to all Negroes of Harlem to attend the meeting which is being arranged by the Joint Committee
for the Aid of the Brazil and voice demands upon Brazilian government for the release of Prestes, Dos Santos
and all the 17,000 political prisoners in Brazil.” Harrison George, pai de Victor Barron também estaria presente
no encontro. Murphy Collection, caixa 201. Daily Worker, 31 mar. 1936. National Archives, Estados Unidos,
301.jpg.
152
As notícias citadas do “Daily Worker” até aqui não tiveram somente o propósito de
demonstrar a tangencial aproximação entre os comunistas brasileiros e estadunidenses.372 O
periódico foi consultado por amostragem e os dados foram cruzados com a documentação do
acervo da Coleção Murphy no National Archives, em Washington, D.C. O nome é uma
referência a Raymond E. Murphy, estudioso do comunismo vinculado ao Departamento de
Estado dos Estados Unidos, quem compilou recortes de jornal e uma série de documentos
relacionados às atividades comunistas. Assim, foi montado um banco de referências cruzadas
dos arquivos de atividades comunistas e anticomunistas.373 A ênfase verificada nos recortes
de jornal atinentes simultaneamente à temática negra e aos comunistas indica uma linha de
atenção por parte da inteligência estadunidense, sobretudo se considerados os antecedentes
históricos da participação da comunidade afro-caribenha nas organizações negras em Nova
York. Os rastros da atividade de Murphy e seu setor permitem que seja possível traçar (ou
pelo menos supor) os caminhos que a atividade comunista nas Américas trilhou para o ataque
371
“Ford will address meeting to protest terror in Brazil
The meeting for Harlem people, particularly emphasized by James W. Ford, Harlem Organizer of the
Communist Party, as one to protest the arrest of the Brazilian Negro leader, Isaltino Viega dos Santos, and to
demand his freedom and the of Luis Carlos Prestes, head of the Brazilian National Liberation Alliance, will be
held at Park Palace, 110th Street and Fifth Avenue, Sunday evening at 8 o’clock.
Many Negro leaders of Brazil, who make up forty per cent of the 43,000,000 population, have been thrown into
jail by the fascist dictatorship of Getulio Vargas.” Murphy Collection, caixa 201. Daily Worker, 1º abr. 1936.
National Archives, Estados Unidos, 299.jpg.
372
Em 1937, Bryan Green, provavelmente um pseudônimo, publicou um livreto chamado “Brazil”. Foi editado
pela Labor Research Association e pela International Publishers, ambas ligadas ao Partido Comunista dos
Estados Unidos. Green reproduziu, no livro, o lançamento do programa da ANL, o qual segue sintetizado:
“Its [ANL] program was announced by Prestes, in an appeal "To the whole Brazilian people" on July 5, 1935, as
follows:
[...]
7. Return of the land taken from the Indians by force.
8. Complete freedom of the people, liquidation of all legal differences between races and nationalities, complete
religious liberty, separation of church from state. [p. 21]
9. Against all imperialist war. Promotion of close collaboration with such organizations as the National
Liberation Alliance in other Latin American countries and with all oppressed classes and peoples. [p. 22]”
GREEN, Bryan. Brazil. Nova York: International Publishers [Prepared by Labor Research Association], 1937.
p. 21-22.
373
SELVERSTONE, Marc J. Constructing the Monolith: The United States, Great Britain, and International
Communism, 1945–1950. Cambridge: Harvard University Press, 2009. p. 26. Murphy foi assistente especial do
Director of European Affairs H. Freeman Matthews. Era visto como “a hardline anti-communist, Murphy was a
specialist on communist affairs and an expert in wedding out internal ‘subversion’, in which capacity he had
already worked with the FBI”. WALL, Irwin M. The United States and the Making of Postwar France, 1945-
1954. Cambridge: Cambridge University Press, 1991. p. 96.
153
das questões raciais. Um desses caminhos foi o das organizações auxiliares e de frente da
Comintern, que tiveram como papel primordial, no limite, estabelecer contato entre as
diferentes seções da IC cotejando diferentes aspectos da luta pela revolução, já que os
Partidos encontravam-se sitiados e essas organizações auxiliares nem sempre deixavam
rastros explícitos de ligação direta com os comunistas.
Desde outubro de 1934, as inteligências estadunidense e brasileira tinham
conhecimento dos agrupamentos de frente responsáveis pela disseminação das “palavras de
ordem” dos comunistas. Carol Foster, cônsul-geral dos Estados Unidos em São Paulo, enviara
um relatório político para o embaixador, Hugh Gibson. Nele, realizou uma longa descrição
sobre as atividades subversivas na capital paulista. Relatou os conflitos ocorridos com forças
policiais, com integralistas e com grupos de esquerda. Conquanto não tenha dado ênfase, em
nenhum momento, às discussões raciais em curso no partido, Foster listou uma série de
organizações signatárias de uma demonstração pública, de cunho antifascista, em resposta aos
integralistas:
Student Committee for fighting Imperialist Wars, Reaction, and Fascism (Comité
Estudantil de Lucta Contra as Guerras Imperialistas, a Reacção e o Fascismo)
League against Race and Religious Prejudice (Liga contra os Preconceitos de Raças
e Religiões)
International Red Aid
(Socorro Vermelho Internacional)
Federation of Communist Youth
(Federação da Juventude Communista).374
Foster caracterizou uma das organizações comunistas como obra, sobretudo, dos
judeus, já que teriam sido responsáveis por “muitas contribuições para propaganda
subversiva, clandestina, sendo um elemento de liderança na organização comunista chamada
‘Red Aid’ (Socorro Vermelho)”. 375 Por fim, Foster dividiu dois grupos de comunistas:
stalinistas e trotskistas. No relatório, consta pouca definição das atividades e do modus
operandi dos trotskistas ao passo que os stalinistas, identificados como membros do PCB,
mantinham uma estrutura organizativa mais bem-desenhada. No entanto, Foster contava
1.500 membros da fração stalinista e 2.000 da congênere trotskista. Relatou que, apesar do
menor número e do paulatino enfraquecimento resultado da pressão policial, os comunistas
brasileiros mantinham contato internacional com Bureau Político do Partido Comunista do
Uruguai, em Montevidéu, por meio do Comitê Central do PCB. Enquanto entre anarquistas e
374
Murphy Collection, caixa 201. National Archives, Estados Unidos, 155.jpg.
375
Murphy Collection, caixa 201. National Archives, Estados Unidos, 158.jpg. “Many contributions for
subversive, clandestine, propaganda, being a leading element in a communist organization named 'Red Aid' (O
Soccorro Vermelho).”
154
trotskistas não havia menção quanto à organização interna, Foster listou as diversas
comissões, organismos internos e a forma de organização do PCB:
A assim chamada propaganda comunista de Stalin está sob a direção da
Confederação Geral do Trabalho do Brasil que adere à III Internacional e tem a
seguinte organização: um comitê central – comitês regionais – comitês de zona e
“células”. Lá correspondem com o Secretariado Geral do Comitê Central, as
seguintes comissões: “Sindical”, “Técnica”, “Juvenil”, “Negros e Índios”, “Agitação
e Propaganda”, “Imprensa”, “Mulher”, “Finanças”, “Organização”, “Socorro
Vermelho”, “Idiomas” (pegar frases e slogans).376
376
Murphy Collection, caixa 201. National Archives, Estados Unidos, 159.jpg. “The so-called Stalin communist
propaganda is under the direction of the General Confederation of Labor of Brazil (Confedereção Geral do
Trabalho do Brasil) which adheres to the III International and has the following organization: a central
committee – regional committees – zone committees and ‘cells’. There correspond with the General Secretariat
of the Central Committee, the following commissions: ‘Syndicate’, ‘Technical’, ‘Juvenile’, ‘Negroes & Indians’,
‘Agitation and Propaganda’, ‘Press’, ‘Women’, ‘Finance’, ‘Organization’, ‘Red Aid’(Socorro Vermelho),
‘Idioms’ (catch phrases or slogans).”
377
RGASPI, F. 539, op. 003, d. 390 – ic-1263.pdf.
378
1934-08-01 N-164.pdf – Classe Operária.
155
379
DEGRAS, Jane. The Communist International, 1919-1943. Londres/Nova York: Oxford University Press,
1964. v. 3. p. 228.
380
Ibidem, p. 387.
381
Ibidem, p. 218.
382
O caso do finlandês August Yokinen foi um dos mais relevantes casos de racismo entre membros do CPUSA.
156
O ITUCNW já tinha sido objeto de planejamento do próprio James Ford e surgiria dos
amplos reordenamentos orquestrados pela Comintern em torno das organizações negras. O
pan-africanismo evidente na proposta não deixa dúvidas quanto às influências externas da
iniciativa. Os sujeitos identificados com o ITUCNW foram, precisamente, aqueles vinculados
ao internacionalismo negro que abarcava afro-caribenhos, afro-americanos e africanos. O
termo “cosmopolita” era enfrentado pelos comunistas de maneira vigorosa já que a
autoimagem que faziam era de “internacionalistas”.388 Aos rigorosos olhos dos comunistas, a
distinção era necessária para se distanciar da noção pequeno-burguesa que via a diluição
383
Carta de James Ford a Foster, “Profintern, sept. 24, 1929”. Tamiment Library and Robert F. Wagner Labor
Archives, James W. Ford Papers and Photographs, TAM. 588, caixa 1, pasta Biographical Clippings. Tamiment
Library 2 557.jpg.
384
WEISS, 2013, p. 41.
385
Cf. HAYWOOD, 2012 (Kindle Edition), p. 2.233-2.542.
386
FONER; ALLEN, 1987, p. 203.
387
GILMORE, 2008, p. 101.
388
The First International Conference of Negro Workers, George Padmore, 23 set. 1930. Tamiment Library and
Robert F. Wagner Labor Archives, James W. Ford Papers and Photographs, TAM. 588, caixa 1, pasta
Biographical Clippings. IMG_0103.jpg.
Dentre os objetivos do ITUCNW, George Padmore dizia ser “to develop the spirit of internationalism amongst
the Negro toilers”.
157
relativa de fronteiras nacionais entre povos como condição suficiente para superação do
imperialismo e das diversas formas de racismo vigentes no mundo capitalista.
A criação de organismos de frente baseados em temas que estraçalhavam fronteiras
nacionais tornou os comunistas guardiões do “internacionalismo”, mesmo no período de
vigência da tese do “socialismo num só país”. A fundação do ITUCNW se deu na esteira da
Liga Anti-Imperialista, 389 por isso obedeceu ao parâmetro fundamental das organizações
fundadas sob a batuta de Willi Münzenberg: a política de frente. Mesmo a partir de 1928,
quando se definiu a diretriz de classe contra classe, relegando a social-democracia à esfera de
inimigo de classe, a Comintern definiu também a política de “frente única por baixo” quando,
na prática, vetava alianças parlamentares com a social-democracia mas não prescindia de
disputar sindicatos socialistas e participar de centrais sindicais mistas.
As diretrizes cominternianas do chamado período obreirista encontraram resistência
numa cultura organizativa pautada no cotidiano dos militantes. Tamanho foi o efeito da
resistência, que é possível identificar em seções da IC importantes espaços compartilhados
entre socialistas e comunistas muito antes do VII Congresso da Comintern que estabeleceu
uma estratégia de combate ao nazifascismo baseada num amplo arco de alianças.390
O exemplo estadunidense de enfrentamento ao racismo por parte dos comunistas é
parte fundamental do argumento desenhado neste trabalho. O combate ao racismo, em suas
variadas expressões, ocorreu ancorado numa política de frente, a despeito das diretivas gerais
de Moscou para o Movimento Comunista. Emergiu do centro irradiador da “revolução
mundial” uma contradição que permeou o combate ao racismo em todo o globo, em especial
nos Estados Unidos e África do Sul. Se a revolução mundial, a partir de 1928, deveria ser
levada a cabo sem aliança com socialistas/social-democratas e submetendo comunistas
pequeno-burgueses a posições subalternizadas na hierarquia dos partidos, o combate ao
racismo, por sua vez, já não se deu de maneira análoga. Para tornar a contradição ainda mais
eloquente: para os comunistas de Moscou, o combate ao racismo era uma condição
fundamental para consecução de qualquer empreendimento revolucionário nos Estados
Unidos. Portanto, na teoria ambos os objetivos andavam de mãos dadas.
389
A Liga Anti-Imperialista (LAI) foi capaz de construir canais de comunicação com militantes comunistas na
África, Europa e Américas. A LAI terminou se estruturando como uma alternativa pan-africanista à esquerda
daquelas estruturas já baseadas nas fórmulas de W. E. B. Du Bois e Marcus Garvey.
390
MANLEY, John. Moscow Rules? ‘Red’ Unionism and ‘Class Against Class’ in Britain, Canada, and the
United States, 1928-1935. Labour/Le Travail, Toronto, v. 56, p. 41, outono 2005; JOHNS, Sheridan. Raising
the Red Flag: The International Socialist League and the Communist Party of South Africa, 1914-1932.
Bellville: University of the Western Cape, 1995. (History and Literature Series). p. 137-143; DEGRAS, 1959, p.
461.
158
391
D’AMATO, Paul. Understanding the united front. 13 ago. 2013. Disponível em:
<http://socialistworker.org/2013/08/13/understanding-the-united-front>. Acesso em: 29 out. 2014; KUHN, Rick.
Revolutionary strategy and the united front. Marxist Left Review, n. 3, primavera 2011. Disponível em:
<http://marxistleftreview.org/index.php/autumn-2011/67-revolutionary-strategy-and-the-united-front>. Acesso
em: 29 out. 2014.
392
SENGHOR apud GENOVA, James Eskridge. Colonial Ambivalence, Cultural Authenticity, and the
Limitations of Mimicry in French-ruled west Africa. Nova York: Peter Lang, 2004. p. 75. “a fraternal
alliance of free countries”.
159
393
PETERSSON, 2007, p. 9. “Berlin was Münzenberg’s main operative centre, where several of the activities
instigated and managed through his hands functioned as a geographical hub for a variety of movements either
officially or unofficially connected to the WIR (League against Imperialism, the Friends of Soviet Union,
publishing, movie distribution etc.).”
394
PETERSSON, Fredrik. “We Are Neither Visionaries Nor Utopian Dreamers”: Willi Münzenberg, the
League against Imperialism, and the Comintern, 1925 – 1933. 2013. Tese (Doutorado em História Geral)–Abo
Akademi, Turku, 2013. p. 215-216.
395
“Ford received a new call by the International Secretariat at the end of July 1931. This time the LAI
headquarters wanted him to prepare to go to Vienna as its representative to speak on the Colonial Question at a
conference arranged by the Austrian branch of the Friends of the Soviet Union (FSU). Ford did not want to go –
he had been criticized by Padmore that already his previous trip to Geneva had taken him too long away from
Hamburg and his work among the African seamen – but the LAI overruled his request. Ford’s trip to Austria
ended in a total fiasco. At his first stop at Leoben he participated at a meeting of the FSU on July 31, delivering a
report in the name of the International Secretariat of the Friends of the Soviet Union and the League Against
Imperialism on the topic of the war preparations against the USSR, the conditions in the colonies and the role of
the Social Democracy. On the next day he attended an anti-war demonstration at Graz. He had barely started his
speech when the police arrested him. After being held in custody for two days, the Austrian authorities expelled
him. Ford returned via Berlin to Hamburg.” WEISS, Holger. The Hamburg Committee, Moscow and the
Making of a Radical African Atlantic, 1930-1933, Part Three: The LAI and the ITUCNW. Comintern
Working Papers – CoWoPa 21, 2010. p. 9-10.
160
396
PETERSSON, 2013, p. 447. A presença de Prestes em tal evento foi confirmada pela inteligência americana.
Murphy Collection, caixa 201. National Archives, Estados Unidos, 148.jpg.
397
BOZINOVSKI, 2008, p. 50-56.
398
“1. The CEC [Central Executive Committee] states that the Party as whole has not sufficiently realised the
significance of work among the Negroes. The CEC considers it necessary to educate the whole Party
membership on the issues of the Negro work. The work among the Negroes should be considered not as a special
161
task of the Negro comrades, but as one of the BASIC REVOLUTIONARY TASKS OF EVERY COMMUNIST,
OF THE WHOLE PARTY.
Negro comrade should participate not in Negro work but much more than before in general party work, and the
most advanced and capable of these should be drawn into leading and responsible Party work.
2. In the spirit of all Comintern decisions the MAIN LINE OF THE PARTY is:
a. The Negro question is a RACE QUESTION and it is the task of the Communist Party to fight for the Negroes
as an oppressed race.
b. It is a special duty of the Communist Party to be the champion and organiser of the NEGRO WORKING
CLASS ELEMENTS both as leader of the Negro race movement and as part of the American proletarian in the
class struggle againts capitalism.
The CEC states its disagreement with all those Negro and white comrades who propose to under emphasise
wither [sic] the race or the working class phase of our Negro work.
5. [...] at the same time the CEC lays the main emphasis upon the formation of PARTY CADRES.
Majority text: The greatest need of our present work among the Negroes is the development of sufficient
Communist Party cadres and full utilisation of the Negro comrades.” [Formação de quadros, organização de
trabalhadores negros nos sindicatos, organização de Congresso Negro na forma de “United Front”,
estabelecimento de uma série de organizações, American Negro Labour Congress, The Negro Miners’ Relief
Committee, Harlem Tenants League, Negro Youth etc., mais espaço para negros na Workers’ School e National
Party School, bem como na Far Eastern University]. Grifos nossos. “Policies on wor among the [ilegível]”,
documento da direção do Communist Party of the United States com diretrizes para o trabalho entre negros, 26
maio 1928. Tamiment Library 3 117-120.jpg. Communist Party of the United States of America Records,
Tamiment Library and Robert F. Wagner Labor Archives, TAM. 132, caixa 259, pasta 27, Negro Issues:
Reports, Statement.
Nota sobre a tradução: A palavra “wither” – localizada uma linha antes do item 5 – foi sublinhada na citação,
porque se supõe fruto de um erro de digitação, comuns aos documentos da Comintern e dos Partidos Comunistas
em geral. Entende-se que a ideia subjacente ao texto e ao fragmento em questão estaria contemplada pela palavra
“whether” e, por isso, a tradução no corpo do texto acompanha esta perspectiva. O trecho problematiza críticas
provenientes tanto de comunistas que viam na ênfase analítica da questão racial um abandono de premissas
essenciais do marxismo-leninismo, como de comunistas que ancoravam suas respectivas análises da realidade às
ênfases sobre raça. Numa tentativa de neutralizar supostos exageros críticos de ambos os lados, o CEC formulou
essa passagem.
162
ser instruídos de uma vez a mandar estudantes negros tanto para a KUTV quanto
para a Escola Leninista. a) A Escola Leninista: que os camaradas negros sejam
incluídos em todos os contingentes desses respectivos países. b) KUTV, que os
números seguintes sejam enviados pelos respectivos partidos: Grã-Bretanha – 10;
França – 15; Bélgica – 5; Estados Unidos – 30; Brasil – 5; Panamá – 2; Cuba – 3;
total – 70.399
Tendo caráter provisório e um apoio relativamente tímido dos dirigentes do
movimento comunista internacional, os militantes do ITUCNW planejaram uma Conferência
Mundial de trabalhadores negros no rastro do que já se havia pensado em meados da década
de 1920 por outros organismos vinculados à Comintern. A I Conferência Internacional dos
Trabalhadores Negros ocorreu em Hamburgo em julho de 1930, sobretudo por causa das
redes de contato com os trabalhadores de portos e marinheiros provenientes das Américas e
da África. 400 Hamburgo terminou sediando o evento tanto porque não foi possível ser
realizado na Inglaterra quanto porque era intensa, no porto da cidade alemã, a atividade da
International Union of Seamen and Harbor (ISH), ligada à Profintern. Capitaneado pelo
ITUCNW, a avaliação dos organizadores era de que o evento teria sido um sucesso, ainda que
o ITUCNW, àquela altura, ainda não tivesse status de organização permanente.
George Padmore foi um dos líderes da organização. Entre outubro e novembro de
1931, ele publicou um panfleto chamado “What is the International Trade Union of Negro
Workers?”. Nesse texto Padmore descreveu como a Conferência de fundação do ITUCNW
teve que ser removida de Londres e encampada em Hamburgo. Padmore contou a história da
organização do evento, lembrando a importância dos comunistas alemães e dos trabalhadores
das docas para seu sucesso, atribuindo-lhes a responsabilidade e o êxito na proteção dos
delegados que foram a Hamburgo. O evento estava na esteira de resoluções da Profintern
desde 1928 em consonância com a Comintern, que tornava obrigação das seções partidárias
399
RGASPI, f. 495, op. 155, d. 86, list. 4-5, 20 mai 1930. “Sending instructors to the Negro colonies,
concentrating first of all upon those colonies where there exist independent labour movements, revolutionary
nationalist organisations, or in which big revolts have taken place recently
[...]
A PERMANENT COURSE FOR THE TRAINING OF INSTRUCTORS
1. A permanent course should be organised in Moscow under the Lenin School for the training of instructors for
the Negro colonies.
2. The students for this course should include both white and Negro comrades to be selected from among the
contingents for both KUTV and the Lenin School.
In this connection we propose that Communist Parties of the metropolitan countries having Negro populations,
Great Britain, France, Belgium and American countries with large Negro population, United States, Brazil,
Panama, Cuba, etc., should be instructed at once to send Negro students both to KUTV and the Lenin School. a)
The Lenin School: the Negro comrades be included in all contingents from these respective countries. b) KUTV,
that the following numbers be sent by the respective Parties; Great Britain – 10; France – 15; Belgium – 5;
United States – 30, Brazil – 5, Panama – 2, Cuba – 3, total – 70.”
400
CAMPBELL, Susan. An Introduction. In: The Negro Worker: A Comintern Publication of 1928-37.
Marxists Internet Archive. [s.d.]. Disponível em:
<http://www.marxists.org/history/international/comintern/negro-worker/>. Acesso em: 1º nov. 2014.
163
401
RGASPI, F. 495, op. 155, d. 53, list. 2. Ford 21 ago. 1928, “The resolution of the 4th Congress of the RILU
following the decisions of the 9th Plenum of the ECCI must become the special work and task in reference to
trade union work among Negro industrial and agricultural workers of the world (including Negroes in Brazil,
Columbia, Venezuela and West Indies) of all the parties concerned.” A razão do comunicado é a organização do
Congresso Negro, previsto para 1929 e que só viria a acontecer em Hamburgo em julho de 1930 (CAMPBELL,
[s.d.], acesso em 3 set. 2014). O Bureau Negro ligado à Profintern estava à frente da organização e insistia que
“finalmente deverá ocorrer a maior cooperação de todos os partidos com o Comitê Sindical Internacional de
Trabalhadores Negros recentemente organizado pelo Bureau Executivo da SVI” (“finally there must be the
greatest cooperation of all the Parties with the International Trade Union Committeee of Negro Workers recently
organized by the Executive Bureau of the RILU”).
402
Biblioteca de Nova York 2 011-012.jpg. Schomburg Center, Nova York, Research Call Number: Sc Micro F-
946. PADMORE, George. What Is the International Trade Union Committee of Negro Workers?
Hamburgo: International Trade Union Committee of Negro Workers, [193-?]. p. 4-5. “Because of the terror of
the Labour Government, the conference had to be transferred to Hamburg. Thanks to the active assistance and
protection which the delegates representing millions of Negro workers and peasants in the United States, the
West Indies, Sierra Leone, Gambia Gold Coast, Nigeria, French Congo, Kenya, Haiti, South Africa, Brazil,
Cuba, Panama, and other countries received from the German communists and revolutionary seamen and
dockers who defended the Negroes from the police, the conference was a great success.”
403
A REPORT of Proceedings and Decisions of the First International Conference of Negro Workers. In:
PADMORE, George. What Is the International Trade Union Committee of Negro Workers? Hamburgo:
International Trade Union Committee of Negro Workers, [193-?].
164
negros precisam se organizar e que um contato mais próximo deve ser estabelecido
entre o Negro Workers’ Trade Union Committee e o Comitê de Propaganda
Internacional (IPC) dos Trabalhadores de Transporte.404
O informe foi seguido das deliberações:
a) Organizar atividades entre marinheiros negros em portos europeus, mantendo
contato com o Comitê de Propaganda Internacional (IPC) dos Trabalhadores de
Transporte.
b) Organizar atividades especiais entre marinheiros negros e clubes internacionais.
c) Levantar a questão no Bureau Executivo de ter a Unity League (TUEL)
aumentando suas atividades entre os marinheiros negros nas Américas do Norte e do
Sul.405
Ainda que visasse a um arco global, o ITUCNW acabava voltando aos Estados Unidos
expandindo-se, quando muito, ao mundo anglófono.
Seu programa continha 18 pontos e foi publicado em janeiro de 1930 no periódico
“The Communist”, do CPUSA. Os nove primeiros pontos guardavam estreita relação com o
trabalhador urbano. Requeria salário igual para trabalho igual, em referência aos
trabalhadores brancos. Para tanto, esboçava uma comparação entre os trabalhadores negros de
diferentes países (Cuba, Antilhas, África do Sul e Estados Unidos) e seus respectivos
compatriotas brancos para demonstrar a disparidade na remuneração. O segundo ponto era
pela regulamentação de oito horas por dia de jornada de trabalho, reduzindo das 12 e 16 horas
empenhadas em média pelos trabalhadores negros, de acordo com os estudos do próprio
ITUCNW. Este segundo ponto dialogava com três outros que atacavam o trabalho forçado, a
legislação do trabalho (seguro em relação a acidentes de trabalho) e a proteção a mulheres
(licença-maternidade com salários e direitos garantidos) e jovens. Um outro conjunto de
pontos se destacou no âmbito da organização sindical: liberdade sindical, contra colaboração
de classe, quebra de barreiras raciais nos sindicatos e, por fim, organização de sindicatos
negros quando não fosse possível a integração com brancos. Outros pontos centrais flutuavam
no leque programático pendendo para a inclusão de direitos civis para os negros requerendo o
fim do terrorismo branco, moradia e condições sociais adequadas de vida, educação universal
404
“MINUTES No. 3 of the meeting of the INTUC (sic) of the RILU”, 22 dez. 1928. Tamiment Library 3 149-
150.jpg. Communist Party of the United States of America Records[nome do acervo], Tamiment Library and
Robert F. Wagner Labor Archives, TAM. 132, caixa 259, pasta 27, Negro Issues: Reports, Statement.
“The Conference we arranged with the fifteen Negro seamen we found in Vladivostok was of a purely
informational character. Coming mostly from the British colonies these Negro Seamen comprised a very
backward group. Many of them look on Harvey [provavelmente Garvey] as a Negro Lenin. They were interested
in life in the USSR. Comrade Browder explained the meaning of Harvey-ism and told them also about the Negro
workers’ Trade Union Committee and its aims and objects. During the discussion the comrades stressed that
activities so far had been unsystematic, that Negro seamen must be organised and that close contact be set up
between the Negro Workers TU Committee and the Transport Workers’ IPC.”
405
“a) To organise activities among Negro Seamen in European ports, having got in touch with the transport
workers’ IPC.
b) To organise special activities among Negro Seamen in the International clubs.
c) To bring up the question in the Executive bureau of having the Unity League (TUEL) increase its activities
among the Negro Seamen in North and South America.”
165
406
A TRADE Union Program Of Action For Negro Workers. The Communist, [Nova York], p. 42-7, jan. 1930.
Tamiment Library 5 256-261.jpg. Mark Solomon and Robert Kaufman Research Files on African Americans and
Communism, Tamiment Library and Robert F. Wagner Labor Archives, TAM. 218, caixa 2.
407
CAMPBELL, [s.d.], acesso em: 2 nov. 2014.
408
WEISS, 2013, p. 556.
409
Editor de 1931 a 1933. VAN ENCKEVORT, 2000, p. 105.
410
ROMAN, Meredith L. Opposing Jim Crow: African Americans and the Soviet indictment of U.S. racism,
1928-1937. Lincoln: University of Nebraska, 2012. p. 130.
166
ser enviados para nós. É apenas dessa maneira que poderemos construir um jornal
popular tão necessário, abordando os amplos problemas internacionais dos
trabalhadores negros. É necessário que recebamos notícias prontamente – ao
momento que qualquer coisa aconteça a notícia nos deve ser enviada – porque os
opressores e exploradores fazem qualquer coisa em suas forças para suprimir cada
pouca notícia que tenda a aumentar a consciência de classe e a iniciativa de classe
dos trabalhadores negros.411
Do ponto de vista programático, o “The Negro Worker”, ainda sob o nome de “The
International Negro Workers’ Review”, pretendia:
a) ajudar a construir contatos sólidos com sindicatos e organizações da classe
operária entre trabalhadores negros, a fortalecer esses contatos e a apoiar o
estabelecimento de organizações sindicais revolucionárias de trabalhadores
industriais e da agricultura;
b) ajudar a estimular a consciência de classe dos trabalhadores negros auxiliando na
educação internacional sobre questões sindicais e de trabalho;
c) aumentar a perspectiva internacional dos trabalhadores negros ao, por um lado,
trazer-lhes informação sobre as lutas e problemas do movimento revolucionário
internacional dos trabalhadores – do movimento colonial, do movimento em países
capitalistas e da exitosa construção do socialismo na União Soviética; e por outro
lado, ao iluminá-los contra os princípios reacionários da burguesia negra
nacionalista tal qual o garveísmo e o sindicalismo reformista, a exemplo de Kadalie
da África do Sul e Randolph dos Estados Unidos, assim como a Internacional de
Amsterdã e o Escritório Internacional do Trabalho;
d) expor os preparativos para uma nova guerra imperialista especialmente desenhada
contra a União Soviética.412
Em 1931, o ITUCNW alegava ter crescido num ritmo notável e obtido simpatizantes e
apoiadores na “África inglesa, francesa, belga, portuguesa, Libéria, Haiti, as Índias Ocidentais
britânicas, Guiana Britânica, América do Sul e Central e os Estados Unidos”.413
411
“It is our aim to discuss and analyze the day to day problems of the Negro toilers and connect these up with
the international struggles and problems of the workers. It is therefore necessary that we receive the fullest
cooperation of Negro workers. This means that articles, letters, points of view and pictures of your daily life
must be sent in to us. It is only in this way that we can build a much needed popular journal, taking up the broad
international problems of Negro workers. It is necessary that we receive news promptly – the moment anything
happens it must be sent in to us – because the oppressors and exploiters do everything in their power to suppress
every bit of news that tends to raise the class consciousness and the class initiative of Negro workers.” THE
INTERNATIONAL Negro Workers’ Review, v. 1, n. 1, jan. 1931.
412
“a) to help build’up strong contacts with the trade union and working class organizations of Negro workers,
to strengthen these contacts and to support the establishment of revolutionary trade union organizations of
industrial and agricultural workers;
b) to help stimulate the class consciousness of Negro workers by helping in International education on trade
union and labour questions;
c) to raise the international outlook of the Negro workers by on the one hand bringing to them information of the
struggles and problems of the international revolutionary labour movement – of the colonial movement, of the
movement in the capitalist countries and of the successful building of socialism in the Soviet Union; and on the
other hand by enlightening them against the reactionary principles of Negro bourgeois nationalism such as
Garveyism, and trade union reformism like that of Kadalie of South Africa and Randolph of the USA, as well as
that of the Amsterdam International and the International Labour Office;
d) to expose the preparations for a new imperialist war especially designed against the Soviet Union.” THE
INTERNATIONAL..., 1931.
413
WHAT is the International Trade Union Committee of Negro Workers. The International Negro Workers’
Review, Hamburgo, v. 1, n. 1, p. 45, jan. 1931. Tamiment Library 5 247.jpg. Mark Solomon and Robert
Kaufman Research Files on African Americans and Communism, Tamiment Library and Robert F. Wagner
Labor Archives, TAM. 218, caixa 2.
167
George Padmore continuaria na edição do órgão oficial do ITUCNW até 1933, quando
pediu demissão da editoria do “The Negro Worker”.415 Em junho de 1934, sua expulsão da IC
seria comunicada nesse mesmo periódico. Inicialmente, sua saída da edição se dera em razão
de problemas financeiros para manutenção do periódico, associados ao elevado custo que lhe
foi imposto desde a ascensão de Adolf Hitler na Alemanha daquele mesmo ano.416 A base do
ITUCNW teve que ser, supostamente, redirecionada para Copenhagen, 417 na Dinamarca.
Ademais, em 1934, quando se desenhava de maneira nítida a experiência das frentes
populares, aproximando geopoliticamente Inglaterra e França da União Soviética, George
Padmore passou a acusar a Comintern de traição contra os povos coloniais.418
Sabe-se que George Padmore foi uma das vozes mais ressonantes na construção do
pan-africanismo a partir de meados da década de 1930. De um atento militante da esquerda
comunista soviética, Padmore rompeu em 1934 e partiu para a organização do movimento
pan-africanista. Sua perspectiva motriz estava no solapamento do imperialismo e da
hegemonia europeia na África. Em sua opinião, ali restava o pecado original que teria
submetido os negros à condição subalternizada. Solucionar o problema estava no centro da
sua militância e foi tangencialmente acompanhado, de mais de uma maneira, pelos soviéticos.
414
“Padmore’s correspondence indicates that Negro Worker also had a wide circulation throughout the United
States. In the first six months of 1932, Padmore was in touch with distributors in New York, Chicago, San
Francisco, Seattle, Buffalo, Pittsburgh, Cleveland, Chattanooga, New Orleans, Kansas City, Milwaukee, and
Michigan. Padmore himself was startled by the American demand for Negro Worker, writing to the Friends of
the Soviet Union (FSU) office in New York: “It is surprising to know the number of workers who have already
written us from America. What attracts them is the news we carry about Africa and the other colonies. They
have a tremendous interest in Africa. Perhaps because Garvey had promised to take them there.” Padmore to
FSU, 26 February 1932, RGASPI 534/3/754. MUKHERJI, Ani. The Anticolonial Imagination: The Exilic
Productions of American Radicalism in Interwar Moscow. 2011. Tese. (PhD)–Brown University, Providence,
2011. p. 133.
415
VAN ENCKEVORT, 2000, p. 111-113; CAMPBELL, [s.d.].
416
Cf. CAMPBELL, Susan. “Black Bolsheviks” and recognition of African-America's right to self-
determination by the Communist Party USA Science & Society. Science and Society, New York, v. 58, n. 4, p.
7, inverno 1994.
417
Van Enckevort sugere que, na verdade, o periódico fora editado em Paris e que Copenhagen teria surgido
apenas como forma de despistar a polícia. VAN ENCKEVORT, 2000, p. 111.
418
CAMPBELL, [s.d.].
168
Suas divergências com os comunistas não o impediram de eleger a sociedade soviética como
modelo racial em seus empreendimentos pan-africanistas.
A preponderância historiográfica nos exemplos organizativos de origem afro-anglo-
saxã não podem permitir uma compreensão isolada do enfrentamento ao racismo. O melhor
exemplo de um organismo análogo ao ITUCNW foi organizado por Tiemoko Garan Kouyaté.
A Ligue pour la Défense de la Race Nègre (LDRN), sucedânea do Comité de Défense de la
Race Nègre, foi fundada por Lamine Senghor e Garan Kouyaté em março de 1927.419 Para os
membros da LDRN, além da objeção natural ao imperialismo, havia diferenças culturais
substanciais entre a França e as colônias africanas, o que justificava, de imediato, a
independência. Desde sua fundação, a LDRN procuraria constituir “estados negros na África
negra” 420 com o apoio do Partido Comunista Francês, o qual, por sua vez, entendia a
sublevação colonial como condição fundamental para realização da revolução socialista.
Seções da LDRN se espalharam rapidamente na colônia e na metrópole. Lamine e Kouyaté,
auxiliados pelos sindicatos comunistas, viajaram frequentemente entre a França e a África
Ocidental; a informação era disseminada e ações planejadas de maneira a expandir a rede de
apoiadores.421
A partir da Conferência em Hamburgo em julho de 1931, a LDRN, o ITUCNW e o
Bureau Negro, sob liderança de George Padmore, passaram a atuar em conjunto. Conquanto
seguissem as orientações cominternianas, há evidências de que nem sempre os Partidos das
metrópoles auxiliaram o quanto deviam no esforço anti-imperialista.422 Por outro lado, há a
sugestão de Brent H. Edwards de que concorreram, paralelamente, pelo menos dois tipos de
internacionalismo negro. Um primeiro operava em função da Comintern com ênfase na
questão sindical do trabalho negro e um segundo que, em virtude dos caminhos erráticos e
desordenados do PCF, empurraram esses militantes para um internacionalismo “que enfatiza
uma organização baseada na raça e alianças anti-coloniais entre revolucionários
419
MILLER, Christopher. Nationalists and Nomads: Essays on Francophone African Literature and Culture.
Chicago: University of Chicago Press, 1999. p. 43. Cf. CONKLIN, Alice L. A Mission to Civilize MThe
Republican Idea of Empire in France and West Africa, 1895-1930. Stanford: Stanford University Press, 1997. p.
302. A Ligue pour la Défense de la Race Nègre durou entre 1925 e 1936.
420
GENOVA, 2004, p. 75.
421
GENOVA, 2004, p. 75.
422
FEATHERSTONE, David. Black internationalism, international communism and anti-fascist political
trajectories: African American volunteers in the Spanish Civil War. Twentieth Century Communism, n. 7, p.
15, set. 2014.
169
423
EDWARDS, Brent Hayes. The Practice of Diaspora: Literature, Translation, and the Rise of Black
Internationalism. Cambridge: Harvard University Press, 2003. p. 264. “that emphasizes race-based organizing
and anticolonial alliances among differently positioned revolutionaries of African descent”
424
FEATHERSTONE, op. cit., p. 15. A crítica de Padmore esteve também associada ao movimento do governo
da URSS no sentido de dissuadir as potências europeias de qualquer intento revolucionário por parte dos
comunistas. Assim, justificou-se a falta de vigor da diplomacia soviética a respeito do conflito ítalo-etíope, que
passou a ser alvo de Padmore quando este acusava os comunistas de terem abandonado os negros nas colônias.
Ver também ROMAN, 2012, p. 132. Há estudos que apontam um aumento do intercâmbio econômico entre a
Itália fascista e a União Soviética no período da Guerra Ítalo-Etíope. MATUSEVIC, Maxim. No Easy Row for
a Russian Hoe: Ideology and Pragmatism in Nigerian-Soviet Relations. Trenton: Africa World Press, 2003. p.
36.
425
SANTIAGO-VALLES, William Fred. Memories of the Future: Maroon Intellectuals from the Caribbean
and the Sources of their Communication Strategies, 1925-1940. 1997. Tese (Doutorado)–School of
Communication, Simon Fraser University, Burnaby, 1997. p. 556.
170
com relação ao Norte,426 Huiswoud escreveu um artigo cujo título o posicionou no lado
internacionalista do combate ao racismo: “World aspects of the Negro question”. Em sua
elaboração esteve presente a caracterização de três circunstâncias específicas vivenciadas
pelas populações negras no globo: 1) os casos de alguns países latino-americanos e dos
Estados Unidos onde os negros constituíam minoria demográfica; 2) África e Índias
Ocidentais, colônias onde os negros constituíam maioria demográfica em relação aos brancos;
3) Haiti e Libéria, nações negras independentes que se constituíam como semicolônias dos
Estados Unidos. Para cada um desses casos, Huiswoud desenhou uma análise e estratégia
específicas. Para o caso da África colonial, em geral, indicou a sublevação já que, aos seus
olhos, estava posta uma problemática nacional-colonial. No caso das Índias Ocidentais, ele
afirmava não haver uma questão racial tal qual formulada nos Estados Unidos. Em seu lugar
haveria um sistema de castas ancorado em parâmetros raciais os quais, por meio da disputa
ideológica, consolidavam uma posição de superioridade do branco em relação ao negro. O
fato de existirem negros ocupando altas posições sociais confundia a população, sobretudo
porque os grupos dirigentes brancos teriam dividido os negros dos mulatos, impondo-lhes o
sistema de casta onde um seria superior ao outro. Nas Índias Ocidentais, o elemento racial
aparecia como secundário quando confrontado com a exploração de classe. O caso do Haiti,
segundo Huiswoud, não poderia ser tratado separadamente. Permanentemente acossado pelo
imperialismo estadunidense, o Haiti deveria ser objeto de intensa atuação dos comunistas em
prol da autodeterminação e da criação de uma “Federação das Índias Ocidentais” sob
liderança do proletariado. Naturalmente, antes da consecução do plano era fundamental a
criação e/ou tomada de sindicatos e partidos ligados ao mundo do trabalho com o fito de
dirigir o proletariado caribenho contra o imperialismo. O caso dos negros estadunidenses, por
sua vez, foi caracterizado como uma “minoria racial oprimida” submetida à exploração racial
e de classe. A chave da exploração de classe foi responsável pela maior parte das formulações
de Huiswoud quando refletiu sobre os efeitos da “grande migração” e seus impactos na cadeia
produtiva por ter induzido novos padrões de exploração do trabalho nos Estados Unidos. Ao
esquecer a América Latina, que havia citado no início do texto, Huiswoud apresentou uma
longa análise da realidade dos Estados Unidos apontando o caminho da integração como
agenda fundamental dos comunistas para aquele país. Aos membros do CPUSA caberia lutar
426
Os negros do Norte passariam a compor uma parte da população negra que não teria como pauta fundamental
a autodeterminação, e sim a integração de classe.
171
para efetivar uma aliança entre negros e brancos em sindicatos e consolidar a luta contra o
imperialismo entre os trabalhadores.427
O pensamento de Huiswoud a respeito da autodeterminação forçou-o a autocríticas
diante dos comissários da Comintern. Após isso, porém, sua posição terminou fortalecida
diante da paulatina defecção de George Padmore, cuja circunstância foi obscurecida pelos
428
métodos stalinistas de destruição de reputações. De um importante combatente
revolucionário pelas causas negras, em 1934 Padmore foi considerado traidor dos
trabalhadores negros, posto que, segundo a narrativa cominterniana, acariciava dois mestres: o
anti-imperialismo e o nacionalismo negro. Foi acusado de querer promover o ressurgimento
da África por meio de uma aliança negra em que banqueiros, latifundiários e os grupos
dominantes teriam parte, para expulsar os brancos.429
A interrupção das atividades do ITUCNW a partir de 1933 ocasionou críticas por parte
de Padmore à atuação da Comintern em relação aos trabalhadores negros no tempo em que
Huiswoud passou a ser o editor do “Negro Worker” e, dessa maneira, responsável por ecoar
as vozes do ITUCNW. O militante trinidadiano interpôs severas críticas à IC por descontinuar
as atividades com os trabalhadores negros. Aquele que seria grande parceiro intelectual a
partir de 1935, C. R. L. James afirmaria, em 1959, que o motivo para a interrupção teria sido
uma proposta do governo britânico em reatar relações com a União Soviética desde que o
trabalho anticolonial e anti-imperialista fosse cessado.430 James reafirmava a versão dada por
George Padmore em outubro de 1935, numa carta aberta a Earl Browder, dirigente do
CPUSA, publicada no jornal da NAACP, “The Crisis”. Padmore sugeriu que a liquidação do
ITUCNW se dera
simplesmente para não ofender o Foreign Office britânico, que estava exercendo
pressão para se tornar relevante para a diplomacia soviética por causa da tremenda
indignação que o nosso trabalho havia levantado entre as massas negras na África,
Índias Ocidentais e outras colônias contra o imperialismo britânico.431
427
HUISWOUD, Otto. World aspects of the Negro question. The Communist, v. 9, n. 2, p. 132-147, fev. 1930.
428
A prisão de George Padmore, realizada pela polícia de Hamburgo em fevereiro de 1933, é alvo de suspeição e
polêmica. Padmore estava circunscrito numa rede conspiratória, já que ele era alvo das inteligências alemã e
britânica e começava a levantar suspeitas entre seus pares. Cf. WEISS, 2013, p. 579-580.
429
Hermina Huiswoud apud Van Enckevort, 2000, p. 115-116.
430
JAMES, C. L. R. Notes on the Life of George Padmore. [1959]. Chicago: University of Chicago Library,
1972. 1 bobina de microfilme; 35 mm. p. 11.
431
PADMORE apud VAN ENCKEVORT, 2000, p. 117. “Simply in order not to offend the British Foreign
Office which had been bringing pressure to bear on Soviet diplomacy because of the tremendous indignation
which our work has aroused among the Negro masses in Africa, West Indies and other colonies against British
imperialism.”
172
5.2 Expressões do antirracismo nos Estados Unidos: por uma política de integração
432
ZUMOFF, 2003, p. 260.
433
Ocorreu entre 1926 e 1927 em indústrias têxteis em Nova Jersey.
434
William Z. Foster, dirigente do CPUSA.
174
De leste a oeste no país, o TUUL foi responsável por tentar unificar a pauta de
trabalhadores brancos e negros materializando a principal transformação em relação ao
TUEL. Na Califórnia, por meio de sua seção local, a Agricultural Workers Industrial League,
o TUUL reuniu agricultores mexicanos, filipinos, japoneses e de outras origens em abril de
1930.436
Aparentemente, o TUEL tinha dificuldades de enfrentar o racismo pela via da questão
sindical.437 O TUUL, enquanto expressão do encontro de aspirações sindicais radicais e das
políticas perpetradas pelo Terceiro Período, foi responsável por introduzir o debate sobre a
questão negra, enfrentando a possibilidade, sempre presente, de rachaduras nos sindicatos que
435
JOHANNINGSMEIER, Edward P. The Trade Union Unity League: American Communists and the
Transition to Industrial Unionism: 1928-1934, Labor History, v. 42, n. 2, p. 168, 2001. “The Passaic strike was
an important turning point in Communist trade union strategy. It encouraged Foster’s critics within the Party to
further amplify their concerns about ‘organizing the unorganized,’ and foreshadowed a period of transition in
focus, style, and constituency for Communist trade unionists. Henceforth, a complicated mixture of inputs and
criticisms, both foreign and domestic in origin, resulted in the creation of the TUUL in 1929 with a radically
different perspective from that of the TUEL. The TUUL should be understood not simply as a ‘paper’
organization, the sum of various party resolutions and Comintern orders. Rather, it should be regarded as an
experiment in radical trade unionism that had a firm grounding in organizers’ experience and in union history. At
the level of implementation, the formation of the TUUL helped create a certain kind of oppositional culture in
CP labor organizing that addressed not only the concerns of the CP’s Moscow patrons, but also related persistent
questions about the potential of the trade union movement in the U.S. and the meaning of the IWW, about
workers’ control and technology on the shop floor, and about the places of women and African-Americans in
any new type of union organization.”
436
UHLMANN, Jennifer Ruthanne. The Communist Civil Rights Movement: Legal Activism in the United
States, 1919-1946. 2007. Tese (Doutorado em História), University of California, Los Angeles, 2007. p. 170.
Esse evento se deu em organização conjunta com outra unidade de frente ligada ao CPUSA, a International
Labor Defense (ILD).
437
Johanningsmeier (2001, p. 172) afirma: “O Sul profundo esteve amplamente fora do alcance dos
organizadores comunistas na década de 1920, e foi uma política não escrita do partido que se opusesse à
migração de afro-americanos para o norte porque isto enfraqueceria a posição de trabalhadores brancos
sindicalizados e exacerbaria o antagonismo racial.” (“The deep South was largely out-of-bounds for Communist
organizers in the 1920s, and it was an unwritten policy that the party opposed African-American migration to the
North because it would undermine the position of unionized white workers and exacerbate racial antagonism”.)
Embora a afirmação seja verossímil em relação às direções do movimento comunista americano durante a
primeira metade da década de 1920, nos limites desta pesquisa, não foi possível atestar a afirmação com
evidência empírica.
175
até 1928 eram eminentemente brancos. Dessa maneira, o TUUL terminou assumindo
vigorosamente a pauta da integração.
Além de manifestações contra o imperialismo,438 e em coerência com a tática da
integração, o TUUL foi o principal articulador da entrada dos comunistas no Sul dos Estados
Unidos. Enquanto as correntes migratórias apontavam para uma quantidade expressiva de
negros que se mudavam do Sul para o Norte, os comunistas estadunidenses avaliavam que,
para enfrentar a questão do racismo nos Estados Unidos, era fundamental enfrentar as leis de
segregação racial e o regime racista no Sul. Por isso, foi realizado um esforço a partir do
mundo do trabalho, em que comunistas e simpatizantes passaram a ocupar espaços, por meio
do TUUL, em sindicatos. Isso se deu no rastro do sucesso que os comunistas obtiveram
conquistando “lideranças de grandes greves na indústria têxtil de Passaic, Gastonia e New
Bedford, e na indústria de roupas na cidade de Nova York”. 439 Aqui, duas políticas
excludentes, a respeito do Sul, estavam à mesa dos comunistas: organizar sindicatos
integrados, entre negros e brancos, e, ao mesmo tempo, levar a bandeira da autodeterminação
aos estados do cinturão negro.
Apesar do vigor descrito anteriormente, os resultados efetivos demonstram efeitos
muito mais modestos. Os relatórios internos tanto do TUUL quanto da Comintern e da
Sindical Vermelha são inconclusos quanto ao problema da organização dos trabalhadores
negros. A despeito da combatividade de trabalhadores industriais negros sulistas e da
respectiva adesão de núcleos organizados à agenda do CPUSA e de seus organismos
auxiliares, a militância comunista enfrentaria uma situação nova no Sul dos Estados Unidos.
Lá o ambiente era mais hostil e as políticas de segregação racial eram executadas com mais
firmeza.
As teses debatidas no CPUSA acerca do desenvolvimento capitalista dos Estados
Unidos também caíram por terra a partir de 1929, quando a presença dos comunistas no Sul
passou a ser mais efetiva. Primeiro porque a tese, até então defendida pelos comunistas, da
população negra do Sul como exército de reserva para os industriais do Norte não se efetivou.
Os comunistas identificaram uma certa robustez industrial em curso também nos estados do
Sul. Segundo porque a atitude combativa e organizada dos trabalhadores negros encontrados
pelos militantes comunistas não coadunava com o perfil de lumpemproletariado desenhado
pelos marxistas do Terceiro Período em relação aos “soldados” do exército de reserva. Por
438
Contra a presença de tropas americanas no Haiti e na Nicarágua em 1929.
439
JOHANNINGSMEIER, 2001, p. 160. “[...] were able to achieve leadership of large strikes in the textile
industry at Passaic, Gastonia, and New Bedford, and in the clothing industry in New York City”.
176
fim, o encabeçamento da tese da autodeterminação não seria abraçada pelos negros do Sul; a
agenda era a integração. A afinidade eletiva entre negros e comunistas se estabeleceria não
pela obediência à linha e sim pelo que o clamor da autodeterminação significava: uma força
política que colocara o negro no centro do debate social.
Em relação às tensões internas no Partido, os comunistas negros e brancos simpáticos
à causa do antirracismo se camuflariam entre duas posições igualmente extremas: a
resistência interna dos comunistas brancos nativos em estabelecer a centralidade da questão
racial para a revolução americana e a diretriz cominterniana que comparava o Sul dos Estados
Unidos às centenas de nacionalidades que a URSS englobava. À parte disso, o TUUL foi o
elemento que tornou concreta a presença dos comunistas nos pleitos reais das comunidades
negras, em especial, no Sul dos Estados Unidos. E este já tinha sido objeto da preocupação
dos comunistas anos antes.
Em 1925, Thomas Dombal, dirigente da Internacional Camponesa (Krestintern), já
chamava a atenção dos comunistas estadunidenses acerca da organização dos camponeses no
Sul dos Estados Unidos. Numa crítica especialmente dirigida ao American Negro Labor
Congress (ANLC), Dombal acrescentaria o desejo de fundar uma Seção Camponesa “para
levantar a questão de conectar com as colônias africanas, e particularmente com a África do
Sul, Libéria, Angola, Quênia, Índias Ocidentais, Filipinas e Brasil”.440
O American Negro Labor Congress (ANLC) nasceu para cumprir um papel específico:
implodir o chamado Sinédrio Negro de 1924.441 O ANLC foi fundado precisamente um ano
depois do Sinédrio e organizado pela African Blood Brotherhood e pelo Workers Party. O
plano do ANLC era construir um encontro mundial de negros em que as temáticas seriam os
movimentos libertação e a emancipação colonial de populações negras.442
Em maio de 1929, já era tido como supérfluo. A conferência planejada não tinha
ocorrido e o ANLC havia se tornado uma organização endógena, de negros para negros, que
não conseguia amplificar o antirracismo para além daqueles já convencidos da agenda. Otto
Huiswoud justificava a liquidação ao dizer que o objetivo dos comunistas era
440
RGASPI, F. 495, op. 155, d. 32, list. 28-30. “It would be extremely desirable, in case you decide to form a
Peasant Section, to raise the question of connecting it with the African colonies, and particularly with South
Africa, Liberia, Angola, Kennia, West Indies, Phillipines and Brazil.”
441
Ver FONER; ALLEN, 1987, p. 112-113. Cf. DAWAHARE, Anthony. Nationalism, Marxism, and African
American Literature Between the Wars: A New Pandora’s Box. Jackson: University Press of Mississippi,
2003. p. 28-29. Para informações sobre o Sinédrio Negro: HUGHES, Alvin. The Negro Sanhedrin Movement.
The Journal of Negro History, v. 69, n. 1, p. 1-13, inverno 1984. Em resumo, o Sinédrio Negro foi uma
organização de curta duração que nasceu em 1924 com o objetivo de centralizar as ações das várias organizações
negras existentes nos Estados Unidos.
442
JOHNS, 1975, p. 215.
177
Para ele e setores da militância negra que haviam tomado parte na African Blood
Brotherhood, o ANLC não cumpria um papel efetivo na mobilização dos trabalhadores
negros. A criação do TUUL foi um primeiro golpe no ANLC, porque propunha uma ruptura
na arrumação sindical estadunidense ancorada na integração. Esse tema passou a ser
contemplado de maneira massiva e sem relutância, além de manter em sua pauta programática
uma contínua interação com a luta negra no mundo.444 Apesar disso, dadas as avaliações e
resoluções do VI Congresso da Comintern, a atenção virtualmente nula que o ANLC prestou
aos pequenos agricultores do Sul deixou pouca margem para manutenção do organismo.
Diante de tal cenário, a organização de um congresso antilinchamentos em novembro
de 1930, fruto da Semana Nacional Antilinchamento e de um comitê organizador no Sul dos
Estados Unidos, não garantiu mais que uma sobrevida ao moribundo ANLC.
A criação da League of Struggle for Negro Rights (LSNR) se deu em finais de 1930,
sepultando de vez o ANLC. Esta nova organização já tinha sido objeto de debate tanto na
convenção do partido realizada em julho de 1930, como também em reunião da comissão
negra da Comintern. De acordo com Harry Haywood, “a LSNR foi concebida como o núcleo
de um movimento de frente única em torno do programa do partido para a libertação negra. O
Liberator deveria ser transferido do ANLC como a publicação oficial da nova
organização.”445 O objetivo era “liderar as massas negras na luta contra a opressão e em prol
de suas demandas por igualdade política e social e pelo direito de autodeterminação para
maiorias negras no Sul”.446 A direção da LSNR e a do “Liberator” couberam a Benjamin D.
Amis, provavelmente até meados de 1932, quando Harry Haywood assumiu o controle da
LSNR. De 1934 em diante, o dirigente máximo do organismo foi Langston Hughes, até sua
dissolução e transformação em “National Negro Congress”, em 1935.
443
FONER; ALLEN, 1987, p. 205. “[...] must be to build a mass movement based on the industrial workers,
particularly organized workers. We must turn more to the shops and factories and in this connection we must
establish close relationship and cooperation with TUEL. Our program as it is today is hardly suited to reach the
masses and the new program which is being prepared will largely correct these shortcomings.”
444
FONER; ALLEN, 1987, p. 223.
445
HALL, 2012, posição 2554-2557. “The LSNR was conceived as the nucleus of a united front movement
around the party's program for Black liberation. The Liberator was to be carried over from ANLC as the official
publication of the new organization.”
446
Ibidem, posição 2592. “[...] to lead the Negro masses in struggle against oppression and for their demands for
full political and social equality and the right of self-determination for Negro majorities in the South.”
178
A grande dificuldade enfrentada pela LSNR em seu próprio campo político estava,
segundo Mark Solomon, em como se mostrar útil à comunidade haja vista o papel destacado
da International Labor Defense desempenhado desde finais da década 1920. Para Glenda
Gilmore, a dificuldade maior se expressava no mundo rural.
A LSNR operou uma mudança estrutural no enfrentamento ao racismo: diferenciou-se
do ANLC por ser inter-racial e não uma organização negra. A proposta da LSNR era engajar
brancos comprometidos com o programa da libertação negra. Essa posição colocava os
comunistas da liga atuantes no Sul dos Estados Unidos em perigo dobrado, pois a integração
era considerada ato criminoso, o que pode explicar a ausência virtual da LSNR naquela região
dos Estados Unidos. Dentre as dificuldades enfrentadas pelos comunistas em meados da
década de 1930, Campbell sintetiza bem:
Nos EUA, “a defesa sem reservas da política externa soviética por parte do PC criou
obstáculos [...] no Harlem antes de qualquer outro lugar”. O comunista afro-
americano Ben D. Amis reclamou que, no âmbito da base, apenas um pequeno
início foi feito na direção de explicar e popularizar o conceito de direito a
autodeterminação. Herman Mackawain, Secretário em Exercício da LSNR, deixou o
partido, acusando a União Soviética de equipar o exército de Mussolini para sua
conquista da Etiópia. O “jornal Negro” do PC, em existência desde meados de 1920,
deixou de ser publicado. A LSNR foi substituída pelo National Negro Congress,
orientado para Frente Popular. Então, apesar de grandes sacrifícios e considerável
sucesso, a Alabama Sharecroppers' Union (que desde 1931 tinha afiliado em torno
de 12.000 membros) foi dissolvida.447
447
CAMPBELL, 1994b, parágrafo 100. “in the USA, ‘the CP's unqualified defense of Soviet foreign policy
created obstacles...in Harlem earlier than it did in most places’ (Goldfield, 1985, 355). African-American
Communist Ben D. Amis complained that, at the grassroots level, only a small beginning had been made toward
explaining and popularizing the concept of the right to self-determination (Amis, 1935). Herman Mackawain,
Acting Secretary of the LSNR, quit the Party, charging the Soviet Union with helping equip Mussolini's army for
its conquest of Ethiopia (Kanet, 1973, 115). The CP's ‘Black newspaper,’ in existence since the mid-1920s,(20)
ceased publication. The LSNR was replaced by the Popular Front-oriented National Negro Congress. Then,
despite great sacrifices and considerable success, the Alabama Sharecroppers' Union (which since 1931 had
enrolled some 12,000 members) was disbanded (Haywood, 1978, 440, 403).”
179
448
No final de março de 1931, um grupo de nove jovens negros foi acusado de estupro num trem de carga e de
passageiros que fazia o percurso Chattanooga–Memphis. Os jovens tiveram julgamentos velozes e tiveram suas
defesas prejudicadas pelo descaso da defensoria. Os três julgamentos inicias sentenciaram todos a pena de morte,
exceto o mais jovem, de 13 anos. Em 2013, o estado do Alabama concedeu indultos póstumos às vítimas. O caso
virou um símbolo da luta contra a segregação racial e foi utilizado larga e fartamente pelos comunistas e
militantes das causas negras.
449
GILMORE, 2008, p. 119.
450
PATTERSON, William. Race Hatred on trial. The Negro Worker, v. 1, n. 6, p. 21, jun. 1931. “The public
trial of Comrade Yokinen, a member of the Finnish Workers' Club of New York City and also of the Communist
Party of the U. S. A. has established a precedent. Comrade Yokinen was charged with entertaining views
‘contrary to the program of the Communist Party and detrimental to the interests of the working class’. He was
charged with ‘giving expression to the white superiority lies that have been developed consciously by the
capitalists and the southern slave owners’.”
451
PALMER, Bryan D. Race and Revolution: review article. Labour/Le Travail, Guelph, n. 54, p. 201, outono
2004. Resenha “Race and Revolution” dos livros “Spectres of 1919: Class & Nation in the Making of the New
Negro”, de Barbara Foley (Urbana e Chicago: University of Illinois Press, 2003) e “Race & Revolution: A Lost
Chapter inAmerican Radicalism”, de Max Shachtman (Londres e New York: Verso, 2003). “The Yokinen trial,
then, like the Black Belt nation thesis, was momentarily useful in the realm of public relations, where a
Stalinized Communist Party pushed a lowest common denominator designation of the race question as pivotal in
the United States class struggle.”
180
Mais importante que o julgamento de Yokinen, porém, foi o caso Scottsboro.452 Este
virou o grande slogan dos comunistas por anos vindouros. A mobilização em torno da defesa
dos jovens de Scottsboro colocou a máquina do movimento comunista internacional para
funcionar com um propósito até então inédito. Nesse episódio, os diferentes organismos
auxiliares vinculados ao Partido e, dessa maneira, à Comintern, atuariam de maneira tão
harmoniosa como poucas vezes observada.
O caso, além de chamar a atenção da opinião pública internacionalmente, permitiu aos
comunistas construir um liame com intelectuais e forças antirrascistas. A seguinte passagem
trata da participação da escritora e ativista Louise Thompson Patterson453 na estruturação de
uma campanha pela soltura dos jovens.
Ela liderou o grupo [seção do Harlem da FSU] composto principalmente por
escritores do Harlem e intelectuais, incluindo Theodore Bassett, que aderiu ao
CPUSA em 1932 e se tornou um dos principais organizadores afro-americanos no
Harlem, e os escritores do Amsterdam News Henry Lee Moon e Theodore Poston. O
FSU do Harlem foi um desenvolvimento significativo porque proveu um espaço
para intelectuais negros curiosos em discutir a União Soviética, Marxismo e
Scottsboro. O grupo também permitiu uma ponte entre os intelectuais do Harlem e
radicais brancos do centro da cidade.454
452
Para mais detalhes sobre a curiosa história de como os comunistas chegaram ao caso Scottsboro, ver Gilmore,
2008, p. 118-119.
453
Cf. “Louis Thompson Patterson”. WINTZ, Cary D.; FINKELMAN, Paul. Encyclopedia of Harlem
Renaissance. Nova York: Routledge, 2012. v. 2.
454
MCDUFFIE, Erik S. Long Journeys: Four Black Women and the Communist Party, USA, 1930-1956. Tese
(Doutorado)–New York University, New York, 2003. p. 92-3. “She headed the group comprised mainly of
Harlem writers and intellectuals, including Theodore Bassett, who joined the CPUSA in 1932 and became one of
its most effective African American organizers in Harlem; and Amsterdam News writers, Henry Lee Moon and
Theodore Poston. The Harlem FSU was a significant development because it provided a space for curious black
intellectuals to discuss the Soviet Union, Marxism, and Scottsboro. The group also provided a bridge between
Harlem intellectuals and downtown white radicals.”
455
Ver “The International Labor Defense & Mass Defence” (UHLMANN, 2007, p. 95-176).
456
PALMER, Bryan D. James P. Cannon and the origins of the American Revolutionary Left, 1890-1928.
Urbana-Champaign: University of Illinois Press, 2007. p. 263. (Kindle Edition, position 6171).
181
alguns possam culpá-la pela inconsistência em buscar justiça ante as mesmas cortes
que ela denunciava como ferramentas de opressão de classe, o secretário nacional da
ILD, advogado afro-americano comunista William L. Patterson, explicou que o
trabalho da ILD ajudava a “destruir as ilusões da democracia e da justiça acima das
classes... expunha seu caráter de classe” enquanto fornecia ao acusado a melhor
defesa legal possível. Apesar de em 1929 pouquíssimas pessoas das 300 que foram
defendidas pela ILD serem negras, isso estava prestes a mudar. A organização
conduziu campanhas informativas e comícios contra linchamentos, trabalhou pelos
manifestantes desempregados que foram presos e defendeu o “Atlanta Six”, um
grupo de organizadores sindicais composto por dois afro e quatro euro-americanos
(dentre eles, duas mulheres) acusados de incitar insurreição.457
A escolha do nome foi uma tentativa deliberada de seu idealizador, James P. Cannon,
de retirar o marcador comunista de maneira a atingir um maior número de seguidores. O
Socorro Vermelho, organização que centralizou as atividades da ILD, explicitava a filiação
comunista ao contrário da International Labor Defense.
O envolvimento orgânico da ILD com as pautas negras ocorreu a partir de 1929.
Ainda que a ILD tenha atuado em defesa de trabalhadores e sindicalistas negros, a pauta racial
adentraria a organização a partir do VI Congresso da IC.
Como braço do Socorro Vermelho, a ILD foi responsável por disseminar as atividades
relativas ao caso Scottsboro. Em 1932, William L. Patterson se tornaria o primeiro (e único)
afro-americano a dirigir a seção do Socorro Vermelho nos Estados Unidos. Em casos
específicos, como na cidade de Memphis, a capacidade aglutinadora adquirira tamanha
expressão que alguns militantes da NAACP atenderam ao chamado por “uma frente única da
NAACP, ILD e LSNR contra a brutalidade policial”.458
A prevalência da ILD na indicação dos nomes dos defensores dos jovens de
Scottsboro e a consequente amplificação do protagonismo da organização na formulação da
estratégia de defesa deu aos comunistas e frentistas de esquerda uma dianteira moral nas
comunidades negras em comparação a outras organizações negras, como a NAACP.
Exatamente por esse motivo a direção jurídica e política do caso Scottsboro foi um dos
pontos de dissenso entre essas organizações. Consolidado o campo político ancorado em
457
“The purpose of the ILD was to defend all ‘victims of ruling class terror regardless of their color, creed,
nationality, or political belief.’ Although some might fault it for inconsistency in seeking justice before the same
courts that it denounced as tools of class oppression, the ILD's National Secretary, African-American
Communist lawyer William L. Patterson (1891-1980), explained that the ILD's work helped ‘destroy the
illusions of a democracy and justice above classes...expose their class character’ while providing the accused
with the best possible legal defense. Although in 1929 only a very few of the 300 people whose cases were taken
up by the ILD were Black, this was about to change. It conducted information campaigns and rallies against
lynching, worked on behalf of arrested unemployed demonstrators, and defended the ‘Atlanta Six’, a group of
two Afro-and four Euro-American union organizers (two of them women) charged with inciting insurrection.”
CAMPBELL, 1994b, parágrafo 86.
458
BROWN-MELON, Gloria apud BASS, John Lawrence. Bolsheviks on the bluff: a history of Memphis
Communists and their Labor and Civil Rights contributions 1930-1957. 2009. Tese (Doutorado História)–
Universidade de Memphis, Memphis, 2009. p. 102. “a united front of the NAACP, ILD and LSNR against police
brutality”.
182
459
VERNEY, Kevern; SARTAIN, Lee (Ed.). Long is the way and hard: one hundred years of the NAACP.
Fayetteville: University of Arkansas Press, 2009. p. 238. Para outra versão, ver: MILLER; PENNYBACKER;
ROSENHAFT, 2001, p. 390-391.
460
Jennifer Uhlmann sustenta que, em pelo menos duas ocasiões, Patterson se sensibilizaria com a situação de
trabalhadores mexicanos em Detroit e em Brighton, Colorado. UHLMANN, 2007, p. 204. William Patterson
fazia parte do mesmo grupo de militantes adeptos do internacionalismo negro como agenda para o movimento.
WEISS, 2013, p. 278.
461
Internationale Arbeiter-Hilfe (IAH).
462
MILLER, 1999, p. 417.
183
proveu isso à ILD e às outras iniciativas dos comunistas estadunidenses foi a Friends of
Soviet Union (FSU).
A Friends of Soviet Union463 aparece como uma organização onipresente e invisível.
Suas atividades estiveram circunscritas a diferentes esferas ao longo de sua existência. Não há
estudos específicos sobre ela, mas está evidente que essa organização foi responsável pela
tramitação de recursos e patrocínio de atividades de propaganda e agitação entre meados da
década de 1920 e meados da década de 1930 nos Estados Unidos. Seu modelo organizativo
teria longa vida, baseado na ideia de amizade entre os povos e, precisamente por isso, a
organização não era sediada em Moscou e oficialmente não possuía uma única sede. No
entanto, na prática a Friends of the Soviet Union dividia o mesmo escritório que a Liga Anti-
Imperialista na Alemanha.464
A atuação da FSU se desdobrava em duas atividades. Um primeiro exemplo de como a
FSU agia a respeito das atividades é o seguinte:
Kon serviu como chefe da Friends of Soviet Union (FSU) em Montreal até que a
Segunda Guerra Mundial começou, escrevendo incontáveis cartas para os editores
dos jornais locais e organizando eventos. [...] Em 1935, ele organizou uma exibição
de arte soviética patrocinada pelo Friends of Soviet Union em Montreal, reclamou
que era “objetivo das autoridades da cidade [de Montreal] prevenir que os
trabalhadores franco-canadenses aprendessem a verdade sobre a Rússia
Soviética”.465
463
suriname and friends of soviet russia 025.jpg. Murphy Collection Records on International Communism,
compiled 1958-1958, documenting the period 1917-1958. HMS Entry Number(s): A1 18. Record Group 263:
Records of the Central Intelligence Agency, 1894-2002. National Archives at College Park. ARC Identifier:
7402621.
464
PETERSSON, 2013, p. 216.
465
ANDERSON, Jennifer. Propaganda and Persuasion in the Cold War: The Canadian Soviet Friendship
Society, 1949-1960. 2008. Tese (Doutorado em História). Carleton University, Ottawa, 2008. p. 17-18. “Kon
served as head of the Montreal-based Friends of the Soviet Union (FSU) until the Second World War broke out,
writing countless letters to the editors of local newspapers and organizing events. [...] In 1935, he organized a
Soviet art exhibition sponsored by the FSU in Montreal, complained that it was ‘the object of the [Montreal] city
authorities to prevent the French Canadian workers from learning the truth about Soviet Russia’.” Louis Kon
trabalhou em 1910 na construção da Grand Trunk Pacific (ferrovia transcontinental que ligava a cidade de
Winnipeg, no meio do país, ao Oeste, até a Colúmbia Britânica), agindo como interlocutor com o governo russo
no sentido de angariar trabalhadores para a construção da linha. Ao que parece, Kon estendeu as ligações que
mantinha com a Rússia Czarista para o regime bolchevique. BLACK, Joseph Laurence. Canada in the Soviet
Mirror: Ideology and Perception in Soviet Foreign Affairs, 1917-1991. Montreal: McGill University-Queens
Press, 1998. p. 18-19.
184
466
PETERSSON, 2013, p. 236-7. O debate ocorreu no VI Congresso da Comintern, em 1928, a propósito da
discussão do relatório congressual apresentado por Nikolai Bukharin, então dirigente máximo da IC, quando
Münzenberg ponderou a falta de comprometimento com as organizações não partidárias. O contra-argumento
majoritário a Münzenberg, segundo Jane Degras, era o de que o excesso de organizações de frente
sobrecarregava partidos pequenos. DEGRAS, 1959, p. 465.
467
RGASPI, F. 495, op. 4, d. 15, fols. 1-5, 1 mar. 1930.
468
PETERSSON, 2013, p. 372.
185
Os propósitos da Friends of Soviet Union eram “estar pronto[s] para tomar defesa
incondicional do primeiro estado dos operários e camponeses contra todo ataque
imperialista”472 e “decidir sobre medidas práticas para defender a Revolução contra os ataques
inevitáveis do mundo do capitalismo”.473 Uma das medidas da Friends of Soviet Union da
Austrália, por exemplo, foi organizar viagens de delegados australianos para a União
Soviética para que eles pudessem:
Se familiarizar com “a verdade”, sem dúvida dirigida aos delegados para que
retornem como propagadores do socialismo e da propaganda soviética. Direito do
trabalhador, condições e progresso na Rússia foram contrastados com a ofensiva
capitalista e a Depressão que afligia a Austrália. Por meio de tais comparações, foi
planejado gerar indignação proletária relativa aos planos imperialistas de invadir a
Rússia Soviética, dessa maneira aumentando uma barreira insuperável baseada na
opinião pública pela intervenção militar real.474
469
Ibidem, p. 403.
470
Ibidem, p. 481.
471
Ibidem, p. 513. “the mandatory attendance of delegates from other sympathising organisations at congresses
and conferences organised by a communist organisation, the publication and distribution of political material, the
interchange of personnel, financial assistance and joint preparatory work to organise public demonstrations.
Furthermore, the sympathising organisation was an institution within the communist movement where
individuals could share inspiration and experiences, but it was also an arena representing either an inclusive or
exclusive institution for its members.”
472
Anexo n. 15 do memorando intitulado “Agencies for Soviet Propaganda in Countries Outside of Russia”.
Murphy Collection. National Archives, Estados Unidos, 021.jpg, 12 abr. 1933, p. 1. “are ready to take up the
unconditional defense of the first workers' and peasants' state against all imperialist attack”.
473
BOZINOVSKI, Robert. The Communist Party of Australia and Proletarian Internationalism, 1928-
1945. 2008. Tese (Doutorado)–School of Social Sciences, Faculty of Arts, Education and Human Development,
Victoria University, Melbourne, 2008. p. 49. “Decide upon practical measures to defend the Revolution against
the inevitable attacks of world capitalism.”
474
BOZINOVSKI, 2008, p. 118. “Acquaint themselves with ‘the truth,’ doubtlessly intended for delegates to
return as purveyors of socialism and Soviet propaganda. Worker’s rights, conditions and progress in Russia were
contrasted with the capitalist offensive and Depression afflicting Australia. Through such comparisons, it was
intended to generate proletarian indignation at imperialist plans to invade Soviet Russia thereby raising an
insuperable barrier founded on public opinion to actual military intervention.”
186
475
THING, Morten. The Communist Party of Denmark and Comintern 1919-1943. 1990. p. 7. Disponível
em: <http://rudar.ruc.dk/bitstream/1800/1073/1/The_communist_party.pdf>. Acesso em: 31 out. 2014.
476
Anexo n. 15 do memorando intitulado “Agencies for Soviet Propaganda in Countries Outside of Russia”.
Murphy Collection. National Archives, Estados Unidos, 021.jpg, 12 abr. 1933, p. 3. “Rapprochement of the
proletarian masses and the toiling intelligentsia of the capitalist countries to the Soviet Union and the active
struggle for the defense of the USSR from intervention.”
477
Ibidem, p. 8.
478
“a broad organisation of intellectuals, Liberal Cultural Struggle (Frisindet Kulturkamp), which was very
active between 1934 and 39. Among the leaders were prominent Social Democratic intellectuals, although they
participated without permission and under protest from the Social Democratic Party's leadership. The
organisation published an excellently edited paper, Kulturkampen (The Cultural Struggle), which had a
circulation figure of approx. 2,000.” THING, 1990, p. 7.
187
479
“As was happening across the country, communists used ‘social methods’ of work as a bridge to deeper
political and trade union involvement. Educationals (the WEC [Worker’s Educational Club] was resurrected),
talks, literature sales, dances, and socials all contributed to a modest re-building of the party.” MANLEY, John.
Preaching the Red Stuff: J.B. McLachlan, Communism, and the Cape Breton Miners, 1922-1935. Labour/Le
Travail, Toronto, v. 30, p. 101-2, outono 1992.
480
ANDERSON, 2008, p. 20.
481
Ibidem, p. 20.
482
WHITE, J. F. apud ANDERSON, 2008, p. 21. “[I]n dealing with delegates and observers from these outside
organizations, it is necessary to use a slightly different technique than in dealing with the regular inside ones.
After all, we have to realize that as we make contact with larger numbers of people who have been outside the
left-wing or revolutionary or even mildly socialist movement, that these people will know very much less about
the U.S.S.R., and will be more or less in the kindergarten class. When we are talking to regular delegates who
have been going to these meetings for years, we can use revolutionary technique, and have a regular sort of hell-
fire meeting, but that sort of thing is not proper for delegates from the other organizations, who are gradually
becoming interested and sympathetic towards the developments in the U.S.S.R.”
483
BASU, Jyoti. Memoirs, a political autobiography. Bengala: National Book Agency, 1999. p. 17.
188
484
BROWN, 1996, p. 101. Pode-se ainda perceber a imbricação dessas organizações a partir da trajetória de Ella
Reeve Bloor: “Bloor, a short time after her return from the RILU in 1921, moved to California as the CP's
District Organizer for the California, Arizona, Nevada, Oregon, and Washington district. As District Organizer
she worked to build the RILU-supported TUEL, to ensure the growth and development of established unions,
and to recruit Party members through front organizations such as the Friends of Soviet Russia, the TUEL, and
the ILD. She also organized for the Friends of Soviet Russia, the American Labor Alliance (ALA) which was the
newly created legal Party apparatus, and the Workers (Communist) Party (CP) which in December of 1921
replaced the ALA.7" Interspersed with her work on the West coast were trips east for National Conventions of
the CP, including the Bridgman Conference, for TUEL organizing work among miners and textile workers, and
for ILD organizing. Whether organizing for the TUEL or the ILD, or recruiting for the Party itself, Bloor's focus
and tactics were almost exclusively on building front organizations through which American workers could be
educated, recruited and trained for the Party.” (p. 287-8).
485
SOLOMON, 1998, p. 190-1.
486
“deftly kept the southern segregationists under his tent while making overtures to blacks”. SOLOMON, 1998,
p. 235.
189
Solomon defende que ainda havia uma ênfase na organização da classe trabalhadora e uma
tentativa de coalescer as organizações negras em torno de questões trabalhistas e sindicais.487
No final de 1933, fruto dos arranjos que permitiriam certa hesitação dos comunistas
em combater o New Deal, um outro evento da maior grandeza teria lugar. O crescimento da
violência de brancos dirigida aos negros sob a forma de linchamentos fez com que a pressão
exercida pelas frentes negras obtivessem suas primeiras vitórias nos marcos legais pela
conquista dos direitos civis. Nos últimos dias de 1933 foi encaminhada uma proposta, por
dois senadores, para que o linchamento fosse enquadrado como crime federal. Quando
finalmente a lei seria aprovada, em 1935, os comunistas se posicionaram contrariamente,
acusando o governo de implantar uma justiça burguesa.488
O desencontro dos comunistas com as comunidades negras que em parte explicaria a
ausência e o silêncio da esquerda durante as mobilizações pró-Direitos Civis após a Segunda
Guerra Mundial começava ali. A capacidade de mobilização e propaganda ainda se
constituíam como habilidades importantes para os comunistas. O caso Scottsboro transbordou
para a militância comunista em todo o globo em razão dessa capacidade, materializada pela
International Labour Defense.489
Em fevereiro de 1936, quando o National Negro Congress (NNC) foi fundado em
Chicago, os comunistas foram advertidos a não tentar tomar a organização. A tática da Frente
Popular, conquanto tenha inspirado as outras organizações negras de viés comunista, tinha no
NNC sua expressão ideal. Para Glenda Gilmore, “o sucesso do NNC veio da mistura de
táticas de protestos diretos, alianças de Frente Popular, representação da classe operária e
urgência”.490 O episódio da Guerra Ítalo-Etíope, com o qual a URSS teve um envolvimento
obscuro, e os acordos diplomáticos com França e Inglaterra não tiveram um impacto tão forte
na militância frentista quanto o Pacto de Não Agressão Názi-Soviético, firmado em agosto de
1939. A confusão política tornou as diretrizes do NNC igualmente obscuras: negavam Hitler,
afirmavam não poder lutar com a Inglaterra por causa das possessões coloniais e viam o Sul
dos Estados Unidos como uma Alemanha nazista.491
487
Ibidem, p. 236.
488
Ibidem, p. 239. Os comunistas acusaram a legislação aprovada de omitir a pena de morte para linchadores, a
manutenção de certos tipos de linchamento legais e ainda “expressing the feat that its definition of a mob (‘three
or more persons acting in concert... to kill or injure’) could be used against the left”.
489
Houve disputas em torno do capital político resultante das ações do caso Scottsboro. Um dos cenários de
disputa se deu, precisamente, entre a International Labor Defense e Samuel Leibowitz, o advogado de defesa dos
acusados. SOLOMON, 1998, p. 240-249.
490
GILMORE, 2008, p. 309.
491
GILMORE, 2008, p. 311.
190
492
Ao menos esta é a hipótese de Susan Campbell. Para ela, aparecer no Segundo Congresso Internacional de
Trabalhadores Negros, em 1959, quase 30 anos depois do primeiro, é uma prova de que “Huiswoud nunca
rompeu com o movimento comunista internacional” (“Huiswoud never fell out with the international Communist
movement”. CAMPBELL, 1994b, parágrafo 184).
493
“Only years later was I able to see how this attack on a leading Black cadre was part of the overall thrust in
the leadership of the party to liquidate the national question and our leading role in the struggle.” (HALL, 2012,
posição 3839)
494
Ibidem, posição 3876.
495
CAMPBELL, 1994.
496
Tamiment Library 2 597.jpg. Tamiment Library and Robert F. Wagner Labor Archives, James W. Ford
Papers and Photographs, TAM. 588, caixa 1, pasta Biographical Clippings. Rascunho (com notas a lápis do
191
autor) do artigo “The Negro People and the New World Situation Following June 22”, de James Ford, publicado
em “Communist”, em agosto de 1941. “Every form of discrimination against races was abolished. Punishment
was meted out to anyone practicing contempt and meanness toward nations or races. A merciless struggle was
waged against 'theories of inferiority or superiority of races. The 'Declaration of the Rights of Peoples of Russia',
signed by Lenin and Stalin, was promulgated as a basic law in 1917. It abolished all privileges or restrictions
based on the position of nationalities, and proclaimed the right of all nationalities inhabiting the territory of
Russia to unhampered development. Full play was opened up for the cultural development of the many
nationalities in the Soviet Union.” (p. 3).
497
Tamiment Library 2 597.jpg. Ibidem, p. 3. “All reactionary cults and ‘theories’ presuming to justify
superiority of one race over another have been utterly disproved and uprooted in the Soviet Union, where new
mutual trust and fraternal relations between people are the rule. The policies of the Soviet Union stand out in
sharp contrast to the brutal racial policies of fascist Germany.”
498
Tamiment Library 2 608.jpg. Tamiment Library and Robert F. Wagner Labor Archives, James W. Ford
Papers and Photographs, TAM. 588, caixa 1, pasta Biographical Clippings. Rascunho (com notas a lápis do
autor) do artigo “Some problems of the Negro people in the national front to destroy Hitler and fascism”, de
James Ford, publicado em “Communist”, em outubro de 1941. “Some problems of the Negro people in the
national front to destroy Hitler and Hitlerism”. “Independence and national existence of the United States are
endangered.” “Despite all efforts of enemies of the American people to exclude the Negro people from the very
concept of the nation, the Negro people rightfully regard themselves as a part of the American nation and will
yield to no one in their determination to defend it” (p. 1).
499
Tamiment Library 2 608.jpg. Ibidem. “The fight for Negro rights must be conducted within the framework of
the National Unity. To separate these two mutually connected processes or to conduct the fight for Negro rights
192
in such a way as to hamper National Unity would endanger the central task of defense of the nation and the
special interests of the Negro people.”
500
Tamiment Library 2 608.jpg. Ibidem. “The ideology of these so-called ‘Negro nationalists’ is the reverse of
the coin of Hitler’s Aryan theories of race, and represents for the Negro people the same poison as Hitler’s
racism does for the German people.”
193
501
“enslaving the weak nations, by intensifying colonial oppression and repartitioning the world anew by means
of war.” DIMITROV, Georgi. The Fascist Offensive and the Tasks of the Communist International in the
Struggle of the Working Class against Fascism: Main Report delivered at the Seventh World Congress of the
Communist International. 2 ago. 1935. Marxists Internet Archive: Georgi Dimitrov. 2014. Disponível em:
<http://www.marxists.org/reference/archive/dimitrov/works/1935/08_02.htm#s9>. Acesso em: 31 out. 2014.
194
502
BERMAN, Marshall. Um século em Nova York: espetáculos em Times Squase. São Paulo: Companhia das
Letras, 2009. p. 107.
503
“In the capitalist countries the majority of these parties and organizations, political as well as economic, are
still under the influence of the bourgeoisie and follow it. The social composition of these parties and
organizations is heterogeneous. They include rich peasants side by side with landless peasants, big businessmen
alongside petty shopkeepers; but control is in the hands of the former, the agents of big capital. This obliges us
to approach the different organizations in different ways, remembering that often the bulk of the membership
ignores the real political character of its leadership. Under certain conditions we can and must try to draw these
parties and organizations or certain sections of them to the side of the anti-fascist People's Front, despite their
bourgeois leadership.” DIMITROV, 2014.
504
“The changed international and internal situation lends exceptional importance to the question of the anti-
imperialist united front in all colonial and semi-colonial countries.
In forming a broad anti-imperialist united front of struggle in the colonies and semi-colonies it is necessary
above all to recognize the variety of conditions in which the anti-imperialist struggle of the masses is proceeding,
the varying degree of maturity of the national liberation movement, the role of the proletariat within it and the
influence of the Communist party over the masses.” Ibidem.
195
prática que a Comintern mantinha no sentido de impor suas diretivas às seções nacionais. O
caso do Brasil era visto da seguinte maneira:
No Brasil o problema difere daquilo que ocorre na Índia, China e outros países.
No Brasil o Partido Comunista, tendo consolidado uma base correta para o
desenvolvimento da frente única anti-imperialista ao estabelecer a Aliança Nacional
Libertadora, deve empreender todo o esforço para estender essa frente atraindo para
ele primeiro e mais importante os muito milhões do campesinato, culminando na
formação de unidades de um exército popular revolucionário, completamente
devotado para a revolução e para o estabelecimento de um governo da Aliança
Nacional Libertadora.505
505
“In Brazil the problem differs from that in India, China and other countries.
In Brazil the Communist Party, having laid a correct foundation for the development of the united anti-
imperialist front by the establishment of the National Liberation Alliance, must make every effort to extend this
front by drawing into it first and foremost the many millions of the peasantry, leading up to the formation of
units of a people's revolutionary army, completely devoted to the revolution and to the establishment of a
government of the National Liberation Alliance.” DIMITROV, 2014.
506
Sobre o tema há uma bibliografia relativamente farta: Cf. PINHEIRO, 1991; VIANNA, Marly de Almeida
Gomes. Revolucionários de 1935: sonho e realidade. São Paulo: Expressão Popular, 2007; PRESTES, Anita
Leocádia. A Conferência dos Partidos Comunistas da América do Sul e do Caribe e os levantes de 1935 no
Brasil. Crítica Marxista, São Paulo, v. 1, n. 22, p. 132-153, 2006; GOMES, Ângela de Castro et al. Velhos
Militantes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1991; BRANDÃO, Gildo Marçal. Esquerda positiva: as duas almas do
Partido Comunista, 1922-1964. São Paulo: Hucitec, 1997; HILTON, Stanley. A Rebelião Vermelha. Rio de
Janeiro: Record, 1986.
507
URBAN, Joan Barth. Moscow and the Italian Communist Party: From Togliatti to Berlinguer. Ithaca:
Cornell University Press, 1986. p. 83.
508
Vale lembrar que se trata justamente do período em que começam a haver dissensões nas seções nacionais
não só no Brasil como também em outros países, o que não se explica tão somente pela dificuldade nas
196
IC passou a ter em relação a certas seções nacionais, haja vista as novas condições
internacionais pós-1935.
O impacto dessas mudanças na estrutura da Comintern nas organizações negras
comunistas foi relativo. Por um lado, as organizações auxiliares da III Internacional que
tratavam das questões negras já vislumbravam pontos de contato entre si e estavam espraiadas
nos variados setores progressistas da sociedade nos Estados Unidos, e no Brasil não sucederia
de modo diverso. Por outro lado, o futuro das teses que vinculavam autodeterminação à
possibilidade de secessão territorial tiveram destinos distintos em função do lugar onde foram
aplicadas e discutidas, ainda que todas tenham fracassado. Embora a autodeterminação
articulada à secessão fosse o principal viés interpretativo dos aparelhos da IC que elaboravam
sobre a questão negra, o caso brasileiro assumiu contornos diferentes daqueles
estadunidenses.
No Brasil, os anos que acompanharam o combate à ascensão nazifascista,
materializada com a criação da Aliança Nacional Libertadora, em 1935, evidenciaram uma
contradição entre militantes do PCB: a abertura política do arco antifascista contraposta ao
sectarismo tenentista exemplificado pelas sublevações de novembro de 1935.509
O foco deste capítulo está no primeiro aspecto da contradição: as amplas pautas do
arco antifascista e suas implicações para a questão negra. Em relação ao enfrentamento da
questão racial no Brasil entre os comunistas, talvez o período de vigência da Frente Popular
tenha sido o de maior fertilidade mesmo que envolto de paroxismos. Foi entre a ascensão de
Adolf Hitler na Alemanha e o fim da Segunda Guerra Mundial que se realizaram os
Congressos Afro-Brasileiros, que Graciliano Ramos traduziu “Up from Slavery: An
Autobiography”, de Booker T. Washington, e que a Frente Negra Brasileira e a Frente Negra
Socialista alcançaram visibilidade pública. Foi também o ponto alto da rarefeita e curta
aproximação entre comunistas norte-americanos (dentre eles alguns negros) e brasileiros. Em
resumo, este capítulo tem como objetivo apresentar como os comunistas de Brasil e Estados
Unidos lidaram com a questão racial desde as Frentes Populares ao ocaso da Internacional
Comunista em 1943.
Entretanto, não estavam em curso apenas os destinos dos comunistas. Estava sendo
operada uma rearticulação no formato das organizações negras no Brasil. A experiência de
comunicações, mas, sobretudo, pelo recrudescimento do stalinismo, dentro e fora da União Soviética, a saber,
também na Internacional Comunista.
509
VIANNA, 2007, p. 409.
197
510
DOMINGUES, Petrônio. Movimento Negro Brasileiro: alguns apontamentos históricos. Tempo, Niterói, v.
12, n. 23, p. 107, 2007.
511
A divisão dos grupos não é em função de naturalidade. Havia pernambucanos que discordavam da
apropriação freyriana da questão negra assim como havia baianos que não subscreviam os argumentos de Édison
Carneiro e Aydano do Couto Ferraz, como será mostrado.
198
512
ROSSI, 2011, p. 147-152.
513
ROSSI, 2011, p. 146-154.
514
Como será evidenciado adiante, Octávio Brandão, na União Soviética em 1936, menciona uma ampla
participação dos comunistas no I Congresso Afro-Brasileiro.
199
Para Freyre, portanto, o Congresso havia sido um sucesso e uma unanimidade dentre
variados segmentos sociais. No entanto, as palavras do sociológo pernambucano, em sua
avaliação final do I Congresso, deixaram entrelinhas cintilantes: “O Congresso do Recife foi,
ainda, o mais independente dos congressos. Não recebeu nenhum favor do governo. Não se
associou a nenhum movimento político, a nenhuma doutrina religiosa, a nenhum partido.”518
Acrescentou que
515
FREYRE, Gilberto et al. Novos Estudos Afro-Brasileiros. Recife: Fundaj; Massangana, 1988. p. 348.
516
Ibidem, p. 348.
517
Ibidem, p. 351-352.
518
Ibidem, p. 349, grifo nosso.
200
O Congresso do Recife, com toda a sua simplicidade, deu novo feitio e novo saber
aos estudos afro-brasileiros, libertando-os do exclusivismo academico ou
scientificista das “escolas” rígidas, por um lado, e por outro, da leviandade da
ligeireza dos que cultivam o assumpto por simples gosto do pittoresco, por
litteratice, por politiquice, por esthetismo, sem nenhuma disciplina intellectual ou
scientifica, sem um sentido social mais profundo dos fatos.519
519
FREYRE, 1988, p. 351, grifo nosso.
520
ROSSI, Luiz Gustavo Freitas. O intelectual “feiticeiro”: Édison Carneiro e o campo de estudos das relações
raciais no Brasil. 2011. Tese (Doutorado em Antropologia Social)–Universidade Estadual de Campinas,
Campinas, 2011. p. 169-170, nota de rodapé.
521
FREYRE, Gilberto apud ROSSI, 2011, p. 169. Octávio Brandão, em um rascunho de texto a respeito da
questão negra e indígena no Brasil, afirmou: “nosotros participamos activamente en el 1o congreso afro-
brasileño realisado en Recife, que defendió esos [liberdade de costumes e de religião para os negros] de los
negros” (RGASPI, F. 495, op. 17, d. 118, fols. 39).
522
Ruth Landes caracterizou essa afinidade da seguinte maneira: “Como muitos intelectuais jovens do Brasil, ele
tinha uma simpatia apaixonada por povos do mundo que eram oprimidos econômica e politicamente, e ele se
tornou conhecido como um cruzado político. Entre outras coisas, ele trabalhou para ajudar o povo do candomblé
a viver tão livremente quanto quisesse”. Tradução livre de: “Like so many young intellectuals of Brazil, he had a
passionate sympathy for peoples all over the world who were oppressed economically and politically, and he had
become known as a political crusader. Among other things, he worked to help the people of candomblé live as
widely as they desired.” LANDES, Ruth. The City of Women. Albuquerque: University of New Mexico Press,
1994. p. 61. Há o caso de Solano Trindade, que teria participado de ambos os Congressos Afro-Brasileiros. Teria
também fundado, em 1936, a Frente Negra Pernambucana e o Centro de Cultura Afro-Brasileira no Recife. As
ligações de Solano Trindade com o PCB ainda não foram devidamente explicadas, embora haja indícios de que
fora simpatizante. SANTOS, Oluemi Aparecido dos. Nas sendas da revolução: a poesia de Agostinho Neto e
Solano Trindade. 2009. Dissertação (Mestrado em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa)–
Faculdade de Filosofia Ciências e Letras, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. p. 21-23.
201
propaganda de duas coletâneas, nas quais “mesmo aquillo que não é negro nestas collecções,
é escolhido para o gosto negro do publico que compra e lê ou ouve ler esses folhetos”. Para
Jorge Amado, definitivamente, “na Bahia o elemento popular é negro ou mulato, as religiões
africanas continuam a ter uma decisiva influencia na massa, e assim a sua literatura popular
não pode deixar de ser directamente influenciada pelo negro”. Ao descrever a coleção
“Moderna”, afirmou que “nella são interpretados por um poeta popular os factos mais
importantes que se passam em todo o universo. Factos que são traduzidos, vamos dizer assim,
para o gosto negro”.523 Portanto, a indicação de Jorge Amado é, em síntese, que ambas as
coleções apanhavam o que havia de essencial na Bahia, que é a cor negra da classe
trabalhadora, “do elemento popular”.
Édison Carneiro, por sua vez, escreveu textos chamados “Xangô” e “Situação do
Negro no Brasil”. No primeiro, refere-se à cosmogonia dos deuses africanos. O aspecto
central de sua contribuição foi demonstrar a filiação do Povo de Santo de Salvador ao orixá
Xangô e despi-lo da roupa de São Jerônimo vestida nele pelo Catolicismo. No percurso de seu
argumento, fez uma curiosa alusão a Trotski, comparando-o a Ogun, num tempo em que o
trotskismo era pecado capital entre comunistas:524 “chefe da corrente internacionalista do
movimento communista”. “Deus das luctas e das guerras”, “o título de Ogun, que lhe dão, em
família, os camaradas do Rio de Janeiro”.525
Uma segunda contribuição de Édison Carneiro foi intitulada “A situação do negro no
Brasil”. 526 Um texto comprometido politicamente e um demarcador público de suas
predileções ideológicas. Dizia ele: “sabe-se que o negro tem fornecido um grande contingente
para as fileiras do Partido Comunista do Brasil”.527 Num apanhado crítico da então história
recente do Brasil, Carneiro parte do pressuposto de que “Nada fizemos, de verdadeiramente
util, pela incorporação do negro à communidade brasileira”.528 Relaciona a vulnerabilidade
dos negros a doenças, precariedade de moradias, dependência alcoólica e criminalidade às
condições históricas legadas aos negros libertos da escravidão. Sem constrangimento e com
523
FREYRE, 1988, p. 262-3.
524
León Trotsky foi deportado da União Soviética no início de 1929. É recorrente na documentação da
dirigência comunista a importância do combate ao trotskismo. Cf. DEWEY, John. Not Guilty Report of the
Commission of Inquiry into the Charges Made Against Leon Trotsky in the Moscow Trials. Nova York;
Tóquio: Ishi Press, 2008. DEUTSCHER, 2005b.
525
FREYRE, 1988, p. 139.
526
Cf. PAZ, Clinton Silva. Um monumento ao negro: memórias apresentadas ao Primeiro Congresso Afro-
Brasileiro do Recife, 1934. 2007. Dissertação (Mestrado)–Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007. p. 52 [p. 172]. ROSSI, 2011, p. 171.
527
CARNEIRO, Édison. A situação do negro no Brasil. In: FREYRE, Gilberto et al. Estudos Afro-Brasileiros:
trabalhos apresentados ao 1° Congresso Afro-Brasileiro do Recife, em 1934. Recife: Fundaj; Massangana, 1988.
p. 238.
528
Ibidem, p. 240.
202
alguma hesitação, Carneiro explicou como entende o papel dos brancos na exclusão dos
negros da “comunidade brasileira”.
[...] a culpa não cabe somente ao branco ou somente ao negro, mas a toda a
sociedade burgueza, que, em beneficio de um punhado de pulhas que não trabalham,
que não têm a existencia justificada por nenhum trabalho honesto e productivo,
consagra o tabú da propriedade privada para que esse mesmo punhado de pulhas
possa dormir sobre a miseria das classes inferiores da sociedade. O peior, porém, é
que essa sociedade burgueza, donde resultam todos esses males para população
negra, está representada, quasi que exclusivamente, pelos brancos. O que sempre é
um incentivo à luta de raças...529
Argumentou que houve uma “liberdade fictícia” fruto da experiência, para ele
ineficaz, da democracia burguesa a qual “provou sua inutilidade na resolução dos problemas
humanos do paiz”.530
Édison Carneiro se esforçou para garantir que a luta negra contra o racismo fizesse
parte da luta global do proletariado contra o capitalismo. Por isso ele acrescentou que o caso
brasileiro (e global) foi afetado pelo que chamou de “crescente desorganização do
capitalismo” e pelos imperialismos que se digladiavam pelo mercado local. Concluiu que:
Os negros conscientes, que se adaptaram, bem ou mal, à super-estructura politica da
sociedade brasileira, sabem perfeitamente que os seus interesses immediatos e
futuros não são em nada diversos dos do proletariado em geral e desejam, além da
instrução, da alimentação sufficiente e do melhoramento das condições de trabalho,
reconhecimento dos seus direitos – como de todas as raças opprimidas do paiz, – a
collaboração, no mesmo pé de igualdade, com o branco na obra de reconstrucção
economico-politica do Brasil.531
Carneiro tentou demonstrar que havia um liame possível entre as forças mais
moderadas da luta antirracista e ele. A Frente Negra Brasileira, então mais representativa das
organizações negras no país, apresentava características nitidamente conservadoras, quando
não reacionárias, haja vista o monarquismo de seu dirigente-mor Arlindo da Veiga dos
Santos, além das vinculações com o integralismo assumidas pela Frente. 532 O texto de
Carneiro arriscou-se equilibrar entre duas questões nitidamente opostas, mas que poderiam,
em tese, coadunar com a tática da Frente Popular: 1) a assunção de que a questão negra é uma
questão do proletariado e, portanto, deveria revestir-se de crítica estrutural ao capitalismo,
reverberando teses comunistas; 2) o esforço de construir adesão em torno da questão negra
por parte de diferentes plêiades do movimento negro dirimindo outros dissensos ideológicos.
No plano subjetivo e individual, Rossi afirma que,
529
CARNEIRO, 1988, p. 240.
530
Ibidem, p. 238.
531
Ibidem, p. 240.
532
Cf. ROSSI, 2011; FRANCISCO, 2010; DOMINGUES, 2007b, p. 107. Para a relação entre a Frente Negra
Brasileira e o ideário monarquista, ver: DOMINGUES, Petrônio. O “messias” negro? Arlindo Veiga dos Santos
(1902-1978): “Viva a nova monarquia brasileira; Viva Dom Pedro III!”. Varia Historia. Belo Horizonte, v. 22,
n. 36, p. 517-536, jul.-dez. 2006.
203
[...] em enorme medida, foi em meio a estas clivagens entre ciência, política e
disputas ideologias que Édison Carneiro não apenas deu molde aos termos de sua
inserção na seara dos estudos afro-brasileiros, atento aos arroubos conservadores
dos movimentos negros, como também formatou as posições contrárias aos modelos
de intervenção médicas que, mesmo no I Congresso Afro-Brasileiro de Recife, ainda
ofereciam uma das abordagens privilegiadas para os problemas raciais brasileiros.533
533
ROSSI, 2011, p. 157.
534
BRANDÃO, 1978, p. 73.
535
Aderbal Jurema: “O negro vai compreendendo que o seu problema não é simplesmente um problema de raça.
É antes um problema de classe [...] Em determinado momento histórico, o sentimento revolucionário em
potencial que o negro possui e nos transmitiu há de se transformar em consciência revolucionária de classe. Com
o desenvolvimento dos acontecimentos econômicos, políticos e sociais no Brasil e nas Américas, este potencial
será a força viva de um novo mundo” (apud ROSSI, 2011, p. 181-2).
536
ROSSI, 2011, p. 166.
537
Ibidem, p. 110.
204
538
Escritor baiano nascido em Salvador, em 1907, e membro da Academia dos Rebeldes.
539
Cf. PRIMO, Jacira Cristina Santos. Tempos vermelhos: a Aliança Nacional Libertadora e a política brasileira
(1934-1937). 2006. Dissertação (Mestrado)–Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2006. p.70-71.
540
PRIMO, 2006, p. 71.
541
A identificação do grupo baiano como de esquerda, ligado aos comunistas, e dos pernambucanos como
seguidores de Gilberto Freyre não é rígida e deve ser relativizada. Utiliza-se essa caracterização para fins
didáticos de maneira a discernir o núcleo dirigente de cada um dos dois grupos.
542
CARNEIRO, Édison apud ROSSI, 2011, p. 170. CARNEIRO, Édison. Nota sobre o Negro Brasileiro.
Boletim de Ariel, Rio de Janeiro, n. 7, p. 185, abr. 1935a.
543
Aydano do Couto Ferraz possui ficha na IC. A referência é f. 495, op. 197, d. 228, assim como Jorge Amado,
cuja referência é f. 495, op. 197, d. 323, dok. 4. Não foi possível encontrar a pasta pessoal de Édison Carneiro,
205
aos discípulos de Nina Rodrigues com as homenagens que prestou a este quando da realização
do I Congresso Afro-Brasileiro, por outro lado, não despendeu esforços para a consecução do
II Congresso, realizado em Salvador, como já observado. O perfil do II Congresso inauguraria
a supressão das abordagens médicas no âmbito dos estudos raciais, ao menos naquele berçário
de ideias. Nenhum trabalho que consta nos anais preocupou-se em articular aspectos
fenotípicos e genotípicos a padrões sociais de comportamento. Em seu lugar, foram
enfatizados aspectos ligados a religião, literatura, cultura e história dos negros no Brasil, nas
Américas; e, em mais de uma maneira, estudos contemporâneos sobre o Atlântico emergiram.
Aqui se soma um elemento que já acompanhava a trajetória de inserção desses comunistas de
primeira viagem no amplo arco antifascista.
O movimento antifascista que tomou conta das hostes comunistas chegou ao Brasil,
em sua forma institucional e obediente à IC com a fundação da Aliança Nacional Libertadora,
oficialmente, em 30 de março de 1935.544 Os trabalhos desempenhados pelos comunistas
ligados à Comintern teriam, a partir de então, maior amplitude temática; além disso, o leque
de correligionários seria também ampliado nas ações da frente. Precisamente nesse ambiente,
sujeitos como aqueles provenientes da Academia dos Rebeldes participariam de atividades
ligadas ao PC e partilhariam de sua pauta de maneira a paulatinamente imiscuir-se à bandeira
da revolução mundial o que nesse caso significava, primordial e contraditoriamente, defender
a URSS. Manteve-se a bandeira anti-imperialista. Foi adicionada a ela uma pauta antifascista
que terminou sendo o leitmotiv das frentes populares. O II Congresso Afro-Brasileiro foi
gestado nesse ambiente.
embora haja suspeitas de que ela exista. Tampouco foi possível consultar as pastas pessoais de Aydano do Couto
Ferraz e de Jorge Amado, já que os trâmites do RGASPI não permitiam o acesso quando foi feita a visita in loco.
544
PRIMO, 2006, p. 1. A Frente Única Antifascista já havia sido fundada dois anos antes, em 1933. Cf.
CASTRO, Ricardo Figueiredo de. A Frente Única Antifascista (FUA) e o antifascismo no Brasil (1933-1934).
Topoi. Rio de Janeiro, v. 3, n. 5, jul.-dez. 2002.
206
campo intelectual em que suas ideias objetavam a conciliação de classe e a pacificação racial.
Jorge Amado já afirmara que “todos nós fomos levados às casas de santo por sua mão de
iniciado [de Édison] [...] por ter sido o primeiro, marcou com as cores políticas de esquerda o
mistério dos axés”.545 Em 1932 já havia escrito um conto,546 intitulado “História de gente
pobre”, cuja história é uma “espécie de drama doméstico em torno de uma família negra e
pobre baiana, marcada pela violência do marido que, depois de perder o emprego, se vicia em
álcool, passando a bater na esposa e levando ao vício o filho de sete anos ‘que também se
alcoolizava’”.547
As ligações de Édison Carneiro com os “poetas da baixinha” e o submundo
soteropolitano, “frequentadores de uma boemia declassé, menos seletiva e mais misturada –
mas também mais ‘farrista’, ‘popular’ e próxima da ‘chamada baixa prostituição’” davam
conta de certa afinidade eletiva não só com a classe trabalhadora desses comunistas mas,
sobretudo, com o lumpemproletariado. 548 Portanto, o comunismo desses membros da
Juventude Comunista na Bahia não espelhava o modelo tido como clássico, exemplificado
pelo personagem do romance “Que fazer?”, de Nikolai Chernyshevsky, o asceta Rakhmetoff.
Essa ligação, sui generis à primeira vista, entre intelectuais e o lumpemproletariado
aparece politizada no sentido da luta de classes e da revolução social em meados da década de
1930. A inclinação política genérica e sem forma definida provém de um diferente tipo de
politização a qual já acontecia em finais de 1920 na Academia dos Rebeldes, quando seus
membros apontavam para um inconformismo com a modernidade burguesa que se apossava
da Bahia e do país sem, no entanto, apresentar qualquer proposta de transformação radical da
sociedade.
545
AMADO, Jorge apud ROSSI, 2011, p. 143.
546
Não se sabe exatamente quando, mas Armênio Guedes afirma que Carlos “Stanislaw” Marighela organizou
uma célula comunista na casa de Édison Carneiro. A célula só pode ter sido fundada até 1934, ano da partida de
Marighela ao Rio de Janeiro. RISÉRIO, Antônio. Adorável Comunista: história política, charme e confidências
de Fernando Sant’Anna. Rio de Janeiro: Versal, 2002. p. 152.
De acordo com Rossi, “pelo menos desde 1933, portanto, começa a ser quase impossível dissociar as atividades
intelectuais de Édison Carneiro dos encargos políticos e simbólicos que ele começou a assumir como quadro de
célula comunista e, mais tarde, membro do núcleo da Aliança Nacional Libertadora (ANL).” ROSSI, 2011, p.
142. Na mesma página, em nota de nota de rodapé, acrescenta que “a partir de 1933, talvez com auxílio de Jorge
Amado e mesmo do pai ou do irmão Nelson, que se encontravam no Rio de Janeiro, além das redes de relações
propiciadas pelo Partido Comunista, Édison Carneiro ampliou significativamente o escopo de sua atuação,
passando a colaborar em importantes periódicos culturais e literários da capital federal e de outros estados; a
exemplo de Boletim de Ariel, Literatura, Revista Acadêmica, Rumos etc. Em sua maioria, notas ou resenhas
críticas de acentuado caráter ideológico voltadas à produção ensaística e literária que estava surgindo naquele
momento.”
547
A temática da violência doméstica e pública, da dependência química associada à pobreza, foi uma marca em
toda a literatura afro. De Marcus Garvey até a Frente Negra Brasileira, o intuito de civilizar objetivava suprimir
essas práticas do cotidiano das comunidades negras. Édison Carneiro sugeriu que não se tratava de algo mutável
por meio do costume e sim pela estrutura social na qual o negro estava imerso. ROSSI, 2011, p. 131.
548
ROSSI, 2011, p. 97-98.
207
549
Ibidem, p. 138.
550
Ibidem, p. 169.
551
RISÉRIO, Antônio. Uma história da cidade da Bahia. 2. ed. Rio de Janeiro: Versal, 2004. p. 503.
552
Ainda que no plano da geopolítica soviética a URSS tenha se relacionado de forma dupla com o conflito, os
comunistas, na maior parte do mundo, se sentiram livres para condenar o ataque imperialista italiano. Mesmo
que tenha provocado fraturas nas relações internacionais entre alguns comunistas negros e organizações negras,
a maior parte da militância comunista continuou apoiando os esforços de resistência etíopes. Cf.
MATUSEVICH, Maxim. No Easy Row for a Russian Hoe: Ideology and Pragmatism in Nigerian-Soviet
Relations. Asmara: Africa World Press, 2003. p. 36; e CLARKE, Joseph Calvitt. Alliance of the Colored
Peoples: Ethiopia and Japan Before World War II. Woodbridge: James Currey, 2011. p. 72.
553
RGASPI, F. 533, op. 010, d. 609. Cedem/Unesp. A nota é assumida como sendo dos estudantes de Direito da
Bahia. Ela chegou à KIM (Juventude Comunista Internacional).
208
negros em cada localidade [...] Nas localidades e principalmente nas capitais nas
quais não existem organizações negras como a Frente Negra, os aliancistas devem
imediatamente tomar iniciativa de sua organização, sem fazer questão de programas
radicais, nem de imediata adesão formal a ANL.554
554
ANL apud PRIMO, 2006, p. 64-5. “A autora ainda recupera uma circular do PCB, de 1935, na qual era
mencionada a importância da ANL se transformar ‘no paladino’ das lutas pela ‘igualdade de direito das massas
negras’, visando não apenas atrair as ‘organizações revolucionárias locais negras’, mas também firmar uma ‘luta
conjunta com a chamada frente negra’.” As lideranças da ANL reconheciam a importância e capilaridade das
organizações negras. “A Aliança popular deve transformar-se ao mesmo tempo no paladino de lutas pelas
reivindicações elementares e pela completa igualdade de direito das massas negras, racial e nacionalmente
oprimidas, atraindo à Aliança não somente as organizações revolucionárias locais dos negros, senão também
firmando um ato sobre a luta conjunta com a chamada ‘frente negra’, organização esta que romperá abertamente
com o governo reacionário de Vargas e orientará suas atividades com os objetivos revolucionários da Aliança.”
Ibidem, p. 65.
555
RGASPI, F. 539, op. 003, d. 390. Cedem/Unesp, ic-1263.pdf.
209
556
Ibidem.
557
CARNEIRO, Édison apud ROSSI, 2011, p. 175.
210
558
CARNEIRO, Édison apud ROSSI, 2011, p. 187.
559
ROSSI, 2011, p. 176.
560
CARNEIRO, Édison. A exploração do negro. A Manhã. Rio de Janeiro, 14 nov. 1935b.
561
Eis a crítica desferida por Carneiro a Adherbal Jurema: “No mais novo de todos, - Adherbal Jurema - ha
muito pouca profundidade (Insurreições negras no Brasil), muita vontade de pregar a revolução proletária
usando como bandeira o exemplo do negro... O negro, em Adherbal Jurema, não é um fim, é um meio. Nestas
211
formulações do PC) incluíam-se no mesmo rol. Concluía, finalmente, que todos esses
intelectuais,
Não podendo sentir como negros, elles o utilizam – animados das melhores
intenções do mundo, reconheço, – apenas como matéria-prima. Ora essa mesma
qualidade que os escravagistas iam caçar nas florestas da África...
[...] Fica apenas a esperança de que, futuramente, a própria raça negra forneça o
grande intelectual que lhe interprete as aspirações de autodeterminação e liberdade.
Esperemos por ele.562
Em mais de uma maneira este alegado descaso com os “irmãos negros” era
contraposto, por Édison Carneiro, com uma efetiva experiência nos espaços culturais e sociais
onde ele se punha como negro. Esse tema, da maneira como foi levantado por Carneiro,
terminaria por replicar as teses do PCB acerca da divisão interna do país, não propriamente
em termos de nações, mas, no seu caso, em termos de opressão de raça. A distinção situou-se
no desenrolar da tese de Carneiro, a qual desaguou na evidência de uma batalha no campo das
ideias.
Um dos palcos desse conflito foi o II Congresso Afro-Brasileiro, que ocorreu de modo
a responder a esses incômodos externados por Édison Carneiro. No centro da questão esteve,
sobretudo, a liberdade religiosa, o que indica a maneira concreta por meio da qual Carneiro
fez valer as teses diretivas da IC. A articulação dele e do PC no plano prático elegeu esta
como a principal bandeira; tanto assim, que o Congresso culminou na criação da União das
Seitas.
O II Congresso, em si, não contou com a participação da comitiva pernambucana que
organizara o I Congresso. Arthur Ramos foi o principal chamariz do evento ocorrido no mês
de janeiro de 1937. Nina Rodrigues fora lembrado, tal qual Gilberto Freyre, ainda que por
motivos diferentes. Enquanto o primeiro foi homenageado, o segundo teve o nome citado
apenas para que se recordasse que ele próprio não contribuíra por não acreditar no sucesso do
II Congresso.
O teor dos textos foi crítico ao status quo racial do país. Mesmo quando,
aparentemente, tratava de assunto científico ao discorrer sobre o orixá Omolu, Carneiro fazia
crítica: “Ôrixá dos pobres, disse eu. Elle torna inutil a medicina official, livrando os negros do
perigo de apodrecerem nos hospitaes”.563
condições, o estudo do Negro vira demagogia, não arma de combate sério e honesto. E assim por diante, em
todos os demais pesquisadores das influências da raça no meio social do Brasil.” Ibidem.
562
Ibidem.
563
CARNEIRO, Édison. O médico dos pobres. In: RAMOS, Arthur (Org.). O Negro no Brasil. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1940. p. 207.
212
Outros trabalhos relevantes foram apresentados por Alfredo Brandão, que se dedicou a
uma apresentação técnica do que ele chamava de documentos antigos sobre Palmares. Jorge
Amado, por sua vez, fez uma homenagem ao professor Martiniano do Bomfim. Dessa
maneira, o II Congresso Afro-Brasileiro apresentou características muito diferentes da
polarização do anterior, permitindo uma participação mais livre de simpatizantes e militantes
do PCB. Ademais, possivelmente porque a estrutura partidária do PC encontrava-se
debilitada, o modo comunista ortodoxo, por assim dizer, de interpretar a questão negra passou
ao largo do evento, e isso resultou em pautas mais pragmáticas tais como garantir que o
estado laico não oprimisse as manifestações religiosas negras. Começava aí a história da
União das Seitas, já que,
[...] a partir do congresso, Carneiro iria conseguir articular e lograr melhores
chances de dar cabo ao que, no final das contas, era o que mais lhe interessava:
organizar uma entidade civil entre os pais e mães de santo da Bahia, a fim de
conseguir a liberdade religiosa dos candomblés.565
É difícil provar o que mais interessava a Édison Carneiro. É possível, porém, sustentar
que seus esforços voltaram-se mais para uma pauta concreta, menos afeita a arroubos
teóricos. Em meados de 1938, uma observadora recém-chegada à Bahia, e que se tornaria
próxima de Édison Carneiro, descreveu uma cena sintomática a respeito da relação entre
comunistas e os negros organizados em torno da questão religiosa e de liberdade de culto.
A essa altura, os grupos de cultos eram acusados de serem ninhos da propaganda
comunista. Eu frequentemente pensei sobre a acusação, a qual me foi feita
gravemente pelo belo coronel comandante das tropas federais na área. Na maior
parte, os negros não sabiam ler ou escrever e nunca foram ao cinema, mas passavam
suas vidas entre seus locais de trabalho e templos. O medo da propaganda comunista
estava espalhado, e meu próprio cônsul, cuja despreocupação americana era um
564
FERRAZ, Aydano do Couto. Castro Alves e a poesia negra da América. In: RAMOS, Arthur (Org.). O
Negro no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1940. p. 228-9.
565
ROSSI, 2011, p. 196.
213
tanto intimidada pelos fatos da vida na Bahia, me aconselhou ao dizer que ele não
estava preparado para me proteger no caso de dificuldade. Eu vi como uma pequena
ameaça à vida política da República assim como eu vi em casa, nos Estados Unidos.
Certo era, no entanto, que os negros e intelectuais estavam sendo feitos de bode
expiatórios das ansiedades da administração. E quer queira quer não queira eu fui
tragada para dentro. Alguns seis meses depois, enquanto esperava pelo bonde numa
noite sufocante em fevereiro, Édison falou com seu inglês cuidadoso: “Eu acho que
um espião está te espionando. Ele está vestido como um trabalhador negro”. Eu me
voltei para Édison surpresa porque eu não acreditei nele.
“É verdade”, ele sorriu. “Eu tenho longa experiência reconhecendo a polícia secreta.
Eles são muito desajeitados nisso. Agora, quando você entrar no carro, vamos sentar
no banco traseiro, para que possamos vê-lo de frente.” E assim foi.
Quando nós chegamos na casa da mãe de santo que estávamos visitando, e eu disse
a ela em assombro, ela me respondeu silenciosamente: “Nós sabemos disso há muito
tempo. Nós não te dissemos nada porque não queríamos assustá-la”.
Édison se divertiu: “Bem, agora você sabe que é perigosa. Você é amigável com as
pessoas erradas; você não deve ser vista com negros ou com homens da
universidade. Ou você terminará na prisão conosco ano que vem! Estimada colega,
você agora está na República do Brasil”. 566
Para Ruth Landes,567 o ambiente político baiano diferia de outras áreas do país.
Comparando-o com o Rio de Janeiro, ela caracterizou como única a relação entre certos
setores negros com os comunistas na Bahia.
Eu estou à frente da minha história, mas essa é a atmosfera na qual eu me achava
brevemente após chegar na Bahia. Alguém pode não sentir tais coisas tão
agudamente no Rio porque era lá o assento do governo central, e a polícia federal
era forte. Até a tentativa abortada de assassinar Vargas, que ocorreu logo depois da
minha chegada no Rio e a apenas uma quadra do meu hotel, não teve nenhuma
repercussão na cidade. Nem eram os negros notáveis no Rio comunistas; eram na
verdade temidos como mágicos, e elogiados como vagabundos de rua, já que eram
muito pobres. Mas na Bahia eles eram seriamente considerados de todas as maneiras
566
LANDES, 1994, p. 61-62. “At this time, the cult groups were accused of being nests of communist
propaganda. I often wondered at the charge, which was made to me gravely by the handsome colonel
commanding the federal troops in the area. For the most part, the blacks could not read or write and never went
to the moving pictures, but passed their lives between their places of work and the temples. Fear of communist
propaganda was wide-spread, and my own consul, whose American insouciance was quite intimidated by the
facts of life in Bahia, advised me that he was not prepared to protect me in case of difficulty.
I saw as little threat to the political life of the Republic as I did at home in the United States. Certain it was,
however, that the blacks and the intellectuals were being made scapegoats of the administration's anxieties. And
willy-nilly I was dragged into it. Some six months later, while waiting one sweltering night in February for the
streetcar into the jungle, Edison said in his careful English: ‘I think a spy is watching you. He is dressed like a
black worker.’ I turned to Edison in amazement because I did not believe him.
‘It's true,’ he smiled. ‘I have long experience in recognizing the secret police. They are very clumsy at it. Now,
when we get on to the car, let us take the rear seat, so we can watch him in front.’ And so it was.
When we reached the home of the priestess we were visiting, and I told her in astonishment, she answered
quietly: ‘We've known it for a long time. We didn't say anything because we didn't want to frighten you.’
Edison was amused. ‘Well, now you know you are dangerous. You are friendly with the wrong people; you must
not be seen with blacks or with university men. Or you'll end up in jail with us next year! Esteemed colleague,
you are now in the Republic of Brazil’.”
567
“Communist activity in Bahia (Political Report)”, 9 fev. 1939. Murphy Collection, caixas 202-3, 149-163.
“Incidentally, an American, Mrs. Ruth Landes who recently departed from Bahia after studying here for some
eight months on a scholarship from the Rockefeller Foundation was on the police suspect list and was kept under
surveillance for about two weeks prior to her departure. Two members of the police department said privately
that her difficulties were due to her constant association with Edson Carneiro, another suspect” (p. 14).
214
e, se os intelectuais eram comunistas, por que não os negros com quem eles se
associavam?568
Paradoxalmente, Janz não via presença comunista na Bahia. Exceção feita à Livraria
Editora Bahiana, que, justamente, agregava os membros da Academia dos Rebeldes.
Essa loja está sob vigilância de autoridades federais, mas a polícia local não parece
ter qualquer conhecimento sobre o que está acontecendo. A suspeita é baseada no
fato de que a loja faz muito pouco negócio e parece não ter interesse em fazer mais,
e é dirigida por suspeitos comunistas. A informação seguinte é evidência privada
que eu tenho sobre a loja: entre as pessoas procuradas pela polícia depois do golpe
de 10 de novembro de 1937, estava um escritor radical, Jorge Amado, que é tido
como comunista. A venda de seus livros fora proibida, e embora eu tenha tentado
várias livrarias eu não consegui obter nenhuma cópia até que um amigo me falou
para tentar a Livraria Editora Bahiana novamente, explicando quem eu era. Eu fiz
isso, e uma série completa dos livros de Amado foi enviada para mim.
Os livros de Amado são romances das classes trabalhadoras. Na maior parte das
suas histórias há numerosos comunistas que falam da doutrina comunista, e o
cenário dado sobre as classes dominantes nunca é elogioso.570
568
LANDES, 1994, p. 62. “I am ahead of my story, but this is the atmosphere in which I found myself shortly
after reaching Bahia. One did not sense these things so sharply in Rio because that was the seat of the central
government, and the federal police was strong. Even the abortive attempt to assassinate Vargas, which occurred
soon after my arrival in Rio and only a block away from my hotel, had no repercussions in the city. Nor were the
Rio blacks notorious as "communists"; rather they were feared as magicians, and glamorized as street vagrants,
since they were very poor. But in Bahia they were taken seriously in all waysand (sic), if the intellectuals were
communists, why not the blacks with whom they associated?”
569
“Communist activity in Bahia (Political Report)”, 9 fev. 1939. Murphy Collection, caixas 202-3, 149-163, p.
5. “The second type of meeting was open to the public, and it consisted almost entirely of speeches and
discussions based upon the communist doctrine. The principles stressed in Bahia were extreme personal liberty,
the abolition of money, and a complete lack of distinction between persons of different color. The latter was a
strong talking point in Bahia where races are so inextricably mixed and where the people are very sensitive about
the color question. The public meetings were directed chiefly at the lower classes, principally the factory
workers, stevedores and chauffeurs.”
570
Ibidem, p. 13. “This store is under the surveillance of the federal authorities but the local police do not appear
to have any knowledge of what is taking place. The suspicion is based upon the fact that the store does very little
business and shows no interest in doing more, and that is patronized by suspected communists. The following is
some private evidence that I have about the store: Among the persons wanted by the police after the coup of
November 10, 1937, was a radical author, Jorge Amado, who was said to be a communist. The sale of his books
was prohibited, and although I tried several book stores I was unable to obtain any copies until a friend told me
to try the Livraria Editora Bahiana again, explaining who I was. I did so, and a full set of Amado's books were
delivered to me.
Amado's books are novels of the laboring classes. In most of his stories there are numerous communists who
speak the communist doctrine, and the picture given of the ruling classes is never flattering.”
215
***
571
De acordo com Manuel Caballero, um militante argentino. CABALLERO, 1986, p. 40.
572
RGASPI, F. 495, op. 17, d. 118, fols. 001-039o6.
216
Em alguns países da América Latina, como Brasil e Cuba existe uma numerosa
população negra. Eles são descendentes dos antigos escravos africanos importados
em massa no tempo da colônia, por negreiros ingleses, holandeses, portugueses e
outros. E apesar de hoje a escravidão ter sido abolida, os travos escravistas ainda
tendem a subsistir. A juventude negra, da mesma maneira que a indígena, além de
sofrer a opressão nacional que aguenta toda a juventude dos países da América
Latina, padece e é vítima da discriminação imposta por diversas formas pelos
elementos reacionários do próprio país. Devemos encarar o problema do trabalho
entre a juventude negra de forma audaciosa. Se queremos agrupar e educar as
massas da juventude negra, devemos trabalhar em suas organizações, naquelas que
existem e criar outras organizações onde sejam necessárias. A juventude negra tem a
particularidade que geralmente vive nas mesmas cidades com a juventude branca.
No entanto, por diversas razões elas tendem a organizar-se separadamente e se
organizam, em suas associações recreativas, desportivas, culturais e de ajuda mútua,
e outras tendo em conta esta particularidade é que devemos buscar a organização em
países como Brasil, particularmente no estado da Bahia, como também em Cuba,
particularmente no Estado Oriente, a unificação de todas as organizações existentes
da juventude negra sobre a base de uma plataforma por direitos da juventude negra e
pelo aperfeiçoamento cultural, recreativo da juventude.
Essas organizações da juventude negra devem trabalhar intimamente com as
organizações da juventude branca, e em conjunto com as juventudes brancas devem
criar em cada país uma união nacional das juventudes populares.
Eu tenho a segurança de que a juventude democrático-anti-imperialista da América
Latina, recebe com entusiasmo nossa mensagem de unidade e que do rio Brava à
Terra do Fogo, e do Atlântico ao Pacífico, nas cidades das montanhas e nas
planícies, o grito da unificação de todas as juventudes democráticas e anti-
imperialistas será transformado numa realidade.573
Édison Carneiro flertou com a integração como forma de solução do problema racial,
embora sempre tenha demarcado uma posição hesitante em relação ao branco. E no mesmo
texto em que essa hesitação aparece, evidencia-se também uma articulação no mesmo
diapasão do debate supramencionado. Logo depois de identificar a sociedade burguesa como
responsável pelos males contra a população negra e cujos dirigentes eram brancos, Carneiro
afirmava que os negros, tal qual o proletariado em geral,
573
RGASPI, F. 495, op. 17, d. 1, fols. 25. “En algunos países de la América Latina, como Brasil y Cuba existe
una numerosa población negra. Ellas son descendientes de los antiguos esclavos africanos importados en masas
en el tiempo de la colonia, por los negreros ingleses, holandeses y portugueses y otros. Y a pesar que hoy la
esclavitud ha hido abolida, los resabios esclavistas aun suelen subsistir. La juventud negra lo miso que la
indígena, además de sufrir la oppression nacional que sufre toda la juventud de los países de América Latina,
sufre y es victim de la descriminación impuesta en diversas formas per los elementos reaccionarios del propio
país. El problema del trabajo entre la juventud negra debemos encararlo audazmente. Si queremos agrupar y
educar a las masas de la juventud negra, debemos trabajar en sus organisaciones, en aquellas que existen y crear
allí donde sea necesario diversas otras organisaciones. La juventud negra tiene la particularidad que suele vivier
en las mismas ciudades con la juventud blanca. Sin embargo, por diversas razones ellas tienden a organisarse
separadamente y as organisan, en sus asociaciones recreativas, desportivas, culturales y su ayuda mutua, y otras
teniendo en cuenta esta particularidad es que debemos plantear la organisación en países como Brasil,
particularmente en el Estado de Bahía, como así en Cuba, particularmente en el Estado Oriente, la unificación de
todas las organisaciones existentes de la juventud negra, sobre la base de una plataforma por los derechos de la
juventud negra y del mejoramiento cultural, recreativo de la juventud. Estas organisaciones de la juventud negra,
deben trabajar intimamente con las organisaciones de la juventud blanca, y en conjunto con las juventudes
blancas, deben crear en cada país la union nacional de las juventudes populares.
Yo tengo la seguridad que la juventud democrática-antiimperialista de América Latina, recibi con entusiasmo,
nuestro mensage de unidad y que desde el río Brava a la Tierra del Fuego, y desde el Atlântico al Pacífico, en las
ciudades en las montanas, y en las llanuras, el grito de la unificación de todas las juventudes democráticas y
antiimperialistas sera transformado en una realidad.”
217
574
CARNEIRO, Édison. A situação do negro no Brasil. In: FREYRE, Gilberto et al. Estudos afro-brasileiros.
Rio de Janeiro: Ariel, 1935c. p. 240-1.
218
guarda do Arquivo Edgard Leuenroth, está em estado de difícil leitura. A “Pasta 60”,575 onde
se encontra o documento, tem 47 folhas de anotações esparsas, entre estatísticas demográficas
e frases soltas misturadas a parágrafos aparentemente concluídos. Uma constante no
pensamento de Octávio Brandão foram as chaves interpretativas do feudalismo e do pré-
capitalismo para explicar o arcaísmo da sociedade latino-americana e, mais precisamente, do
Brasil. Também fazia parte de seu repertório o elemento imperialista que teria tornado mais
lenta e vagarosa a modernização da sociedade brasileira. Para ele, o campesinato negro e
índio encontrava-se em estado pré-capitalista e, desse modo, enfrentava o domínio feudal e o
imperialismo como fatores de arrasto.576 Numa de suas observações desconexas, Brandão
afirma que “no PC se dizia que não há discriminação em Cuba. Se dizia que os negros da
Jamaica e Haiti são negros de segunda categoria e que não vale a pena trabalhar entre os
negros de Barbados já que são negros muito atrasados”.577
O traço definidor do argumento de Brandão estava na consideração de que negros e
índios constituiriam, no Brasil, nações oprimidas.
Entre os negros e índios se encontram as nacionalidades mais oprimidas em toda a
América do Caribe e do Sul. Por isso, nesses países, no centro da questão nacional
está a questão dos negros e índios. Os trabalhadores negros e índios são uma parte
importante do proletariado em toda uma série de países (Brasil, México, Peru e
outros).578
575
Arquivo Edgar Leurenroth – AEL (Unicamp), OB Pm.93, p. 60 – MR/0004. De acordo com ficha
catalográfica do AEL, o documento data de 29 set. 1934. É importante destacar que essa data ainda se encontra
em aberto, a julgar pelas informações dispostas no próprio documento.
576
AEL, OB Pm.93, p. 60 – MR/0004, p. 7-8.
577
“En el P.C. se decia que no hay discriminación en Cuba. Se decia que los negros de Jamaica y Haiti son
negros de segunda categoria y que no vala la pena trabajar entre los negros de Barbados debendo[se] a que son
negros muy atrazados”. AEL, OB Pm.93, p. 60 – MR/0004, p. 4. E este argumento remete à discussão da
“questão brasileira” quando os membros da IC tentavam convencer os brasileiros a rumar na direção dos
conflitos raciais.
578
“Entre los negros e indios se encuentran las nacionalidades más oprimidas en toda America del Caribe y del
Sur. Por esto, en estos paises, en el centro de la cuestion nacional está la cuestion de los negros e indios. Los
obreros negros e indios son una parte importante del proletariado en toda una serie de paises (Brazil, Mejico,
Perú y otros).” AEL, OB Pm.93, p. 60 – MR/0004, p. 4.
579
“En la ACS [América del Caribe y del Sur] es preciso ver nacionalidades y no tribos ni razas”. Ibidem, p. 17.
580
RGASPI, F. 495, op. 17, d. 118, fols. 001-039o6.
219
Brasil partindo de índios, negros e mestiços. Além de encadear um fluxo histórico ligado ao
avanço da formação do proletariado e campesinato na história do Brasil, Brandão não teve
maiores preocupações em associar a classe trabalhadora brasileira às definições raciais.
O mais importante aspecto para o raciocínio desenvolvido neste momento é o
conhecimento de Brandão sobre o andamento da atividade do partido no Brasil, mesmo
estando em Moscou, e sua preocupação em retroceder às atividades do partido que
envolveram negros e/ou índios. Para isso, citou o evento do Posto Paraguassú,581 na Bahia,
que “com nossa participação, os índios do posto de Serviço se revoltaram com armas em mão,
lutando heroicamente pela defesa de suas terras”.582 Analisou a questão negra brasileira de
modo a relativizar a opressão racial já que, para ele, a realização dos congressos afro-
brasileiros demonstravam a importância ascendente do negro e sua inserção na sociedade.583
Salientava, porém, que a vida do negro no sul do país era problemática por causa dos espaços
vívidos de segregação. Havia condições precárias frutos de tensão com colônias italianas.
Do ponto de vista sociológico, acrescentou uma série de elementos provindos do negro
africano e do índio para a formação brasileira, referindo-se ao estudioso Manoel Bonfim.
Brandão identificava os movimentos do período imperial como
[...] não lutas dos povos negros e índios por sua autodeterminação, senão que
representam as lutas dos descendentes mestiços de negros e índios que formam o
povo brasileiro, ajudados por negros e índios, pela libertação nacional e pelos
direitos democráticos de todo o povo.584
Brandão também cita eventos de luta na história do sul-sudeste do país e conclui que,
em todos esses movimentos, houve participação de negros, também eram seus
chefes os brasileiros mais populares, quase todos descendentes de negros ou de
581
Édison Carneiro fez a cobertura jornalística desse conflito em 1936. Cf. LINS, Marcelo. Uma voz dissidente:
A cobertura jornalística de Edson Carneiro à invasão do Posto Paraguaçu de 1936. In: ENCONTRO
ESTADUAL DE HISTÓRIA, 7., 2014. Anais... Cachoeira: Anpuh/BA, 2014.
582
“con nuestra participacion, los indios puesto de eso Servicio se han revoltado de armas en las manos,
luchando heroicamente por la defensa de sus tierras”. RGASPI, F. 495, op. 17, d. 118, fols. 001-039o6, p. 8.
583
Ibidem, p. 10.
584
RGASPI, F. 495, op. 17, d. 118, fols. 001-039o6, p. 24.
585
“Finalmente fue en el nordeste donde la ---- de combate dada por Prestes y la Alianza de Liberación Nacional
encuentró más éco, haciendo la union, bajo la bandera de la liberacion nacional de indios, negros y mestizos, y
donde primero se hizo la insurrecion en 1935 contra el jugo imperialista, jefiadas por ‘caboclos’ y ‘pardos’,
mestizos de indios y negros.” Ibidem, p. 25.
220
índios. A “frente negra”, da qual falaremos adiante, aderiu à ANL, assim como a
apoiavam os índios de alguns postos de Serviço de Proteção já referido.586
A fim de concluir uma crítica à política do PCB sobre a questão negra e indígena,
Brandão remontou à definição de nação numa mimese da elaboração staliniana.
De fato, o que é uma nação? O camarada Stalin definiu com clareza depois de
mostrar categoricamente como ela “não é uma comunidade de raça nem de tribo”.
[...] “Nação”, define Stalin, “é uma comunidade estável historicamente formada de
idioma, de território, de vida econômica e de hábitos psicológicos refletidos em uma
comunidade de cultura”.
Dando essa definição clara, o camarada Stalin prova como a existência de uma
nação exige a presença de todos os símbolos distintivos que ele cita.
É necessário enfatizar que nenhum dos símbolos distintivos indicados, tomados
isoladamente, é suficiente para definir a nação. Mais ainda: basta que falte ainda que
seja um destes símbolos distintivos para que a nação deixe de ser uma nação.588
586
“En todos esos movimientos, hubo participacion de negros, además de que eran sus jefes los brasileños más
populares, casi todos descendientes de negros ó de índios. El ‘frente negra’, del qual hablaremos adelante
adheriu a la ANL, asi como la apoyaban los indios de algunos puestos del Servicio de Protecion ya referido.”
Ibidem, p. 26.
587
“Es cierto también que de 1930 hasta hoy se han formado y se desarrollaran organizaciones especiales de
negros (El Frente Negro), con el objetivo único de luchar "por la libertad de la raza". Pero, [ilegivel] solamente
sus consignas son las de igualdad de derechos, económicos, políticos y sociales, como también en la mayoría de
los casos, esas organizaciones se unen a partidos políticos brasileños de diferentes clases, incluso de
latifundiarios.” Ibidem, p. 28o6.
588
“De hecho, que es una nación? El camarada Staline ha definido con claridad después de muestrar
categóricamente como ella ‘no es una comunidad de raza ni de tribo’. (Stalin, El marxismo y el problema
nacional, Ediciones Europar America, Barcelona, p. 8)
[...] ‘Nacion’, define Stalin, ‘es una comunidad estable historicamente formada de idioma, de territorio, de vida
economica y de habitos psicologicos reflejados en una comunidad de cultura’. (p. 10 de Stalin)
Dando esa definición clara, el camarada Staline prueba como la ejistencia de una nación exige la presencia de
todos los signos distintivos que el cita.
‘Es necesario subrayar que ninguno de los signos distintivos indicados, tomado aisladamente, es suficiente para
definir la nación. Más aún: basta con que falte aunque solo sea uno de estos signos distintivos para que la nación
deje de ser una nación’. (p. 10 de Stalin)” RGASPI, F. 495, op. 17, d. 118, fols. 001-039o6, p. 29. grifos do
original.
589
“Portanto, para que los negros del Brasil puedan ser llamados una nación, hace falta que ellos presenten todos
los signos indicados por Staline. Quiere decir, es preciso que los negros del Brasil sean una comunidad de
hombres que tengan una historia común, un idioma común y único, un territorio común, una vida económica
común, y hábitos psicológicos, cultura, comunes.” Ibidem, p. 29.
221
Ora, ao não constituir uma nação, não poderia ser caracterizada como nação oprimida
nem, muito menos, reivindicar o lema da autodeterminação.
Nós já demos nossa opinião sobre os negros e os índios como nações oprimidas. À
luz do que nos ensina o camarada Stalin, não se pode ter os negros e índios como
nações. Serão raças, tribos oprimidas, que poderão talvez mais tarde formar nações;
mas hoje não são nações.
Então, está por isso mesmo resolvido o caso do lema da autodeterminação para os
negros e índios. Ele não é indicado para esse momento. E ele não é indicado não
somente porque não se trata de nações mas porque não convém à etapa atual da
revolução no Brasil este lema. O lema da autodeterminação, diz Stalin, não é sempre
defendido por nós. Os comunistas colocarão este lema, quando “a autonomia ou a
separação seja sempre e em todas as partes vantajosa para a nação, ou melhor, para a
maioria dela, ou seja para as classes trabalhadoras”.591
Para Brandão, o debate fundamental era com o PCB e não propriamente com a
Comintern ou outras instâncias do movimento comunista. Assim, arvorou-se, baseado em
590
“Los negros del Brasil tienen esos signos distintivos? Es cierto que, sobretodo en Bahia, y aún en Maranhão ó
Sergipe, hay pequeños "núcleos" territorio donde los negros están acumulados más ó menos; es cierto que, según
una entrevista publicada en un diario de Rio de Janeiro, en 15 de julio de 1936, se encuentra en Bahia todavía
hijos de africanos, populares entre la población negra del Estado, que defiende el idioma, los costumbres, la
religión de sus padres y que tienen expresiones como esa: "Los negros de Bahia sienten, hace mucho, la
necesidad de se reuniren así en familia, como en los buenos tiempos de Africa"; también es cierto que el idioma
nagô y los costumbres de la magia negra, de la religión negra (macumba, culto gege-nagô, etc) hasta hoy es
seguido por negros, a pesar de la perseguicion policial barbara, sobretodo en Rio y San Pablo, Recife se hace
sentir esa salvajería policial.
Pero, se puede decir que con eso son los negros una nación? No. Ellos no tienen todos los signos indicados por
Staline.” Ibidem, p. 30.
591
“Nosotros ya demos nuestra opinión sobre los negros y los indios como naciones oprimidas. A la luce del que
[p. 36] nos ensina el camarada Stalin, no se puede tener los negros y indios como naciones. Seran razas, tribos
oprimidas, que podrán talvez más tarde formar naciones; pero hoy no son naciones. Entonces, esta por eso
mismo resuelvido el caso de la consigna de autodeterminación para los negros y los indios. Ella no es indicada
en eso momento.
Y ella no es indicada no solamente porque no se trata de naciones como porque no conviene a la etapa actual de
la revolución en Brasil esa consigna. La consigna de autodeterminación, dice Staline, no es siempre defendida
por nosotros. Los comunistas plantearán esa consigna, cuando ‘la autonomía o la separación sean siempre y en
todas partes vantajosas para la nación, es decir, para la mayoría de ella, o sea para las capas trabajadoras’.”
RGASPI, F. 495, op. 17, d. 118, fols. 001-039o6, p. 36-38.
222
Octávio Brandão, nos idos de 1938, face aos expurgos dirigidos pela burocracia de
Stalin contra opositores políticos, foi obrigado a escrever longa e humilhante autocrítica. O
trecho que interessa a este trabalho é o seguinte:
592
“Nuestro Partido, aunque desde 1931-32 buscó estudiar esos problemas, no lo hice jamás con profundidad,
sobretodo porque solamente aquí yo fue uno de los únicos cuadros del partido que tuvo la felicidad de en 1935
conocer la literatura de Staline sobre la cuestión nacional.” Ibidem, p. 38.
593
“Nosotros en Brasil, y yo principalmente, influenciados por las teorías de Guralsky, y sin conocer lo que
habían escrito Lenin y Stalin, no solamente por mucho tiempo sustentamos la consigna de autodeterminación
para los negros y indios, mecánicamente, como la alargamos has los Estados del Nordeste. En nuestro programa
del Partido, en 1934, apruebado con la presencia de un enviado de [Cinani?] y Guralsky, salió esa barbaridad,
que solamente podría servir para crear en Brasil un caso semejante al del Panamá en Colombia, con grande
placer de los opressores imperialistas.” Ibidem, p. 38.
594
“Sin embargo, yo pienso que en 1935, nuestro Partido corrigió en parte sus erores de 1934, encarando con
justeza el problema de los negros y indios, face a la primera etapa de nuestra revolucion. RGASPI, F. 495, op.
17, d. 118, fols. 001-039o6, p. 38.
Asi, no solamente los manifiestos de Prestes, del Partido y de la ANL lanzaran las consignas justas de ‘igualdad
de derechos hacia negros y indios’ y ‘restituicion de las terras robadas a los indios’, como tambien nuestra ‘Clase
Operaria’ y nuestro organos de masa, em primero logar ‘A Manhã’, de Rio de Janeiro, defendian con energia la
libertad más amplia para los costumbres e y la religion de los negros, combatendo con fuerza las persecuciones
policiales contra esos costumbres. Además de eso, nosotros participamos activamiente en el 1o congreso afro-
brasileño realisado en Recife, que defendió esos derechos de los negros. También por eso, las organizaciones
negras del país adherirán con entusiasmo a la ANL y los sinceros defensores de los indios aplaudirán el
programa de Prestes, asi como tuvimos posiciones en aldeas indias de Bahia y Maranhão.” Ibidem, p. 39.
223
595
“Je n'ai pas compris le caractère de la révolution au Brésil en tant que révolution nationale-libératrice contre
l'imperialisme. Je proclamais la lutte immediate et simultanée contra l'imperialism et le féodalisme, sans separer
les etapes. Je posais comme perspective un 1789 et un mars 1917.
Je n’ai pas compris la question paysanne ni la question agraire. J’ai sousestimé le rôle de la paysannerie; j’ai
donné peu d’attention aux millions de négres, de mulatres, de metis et d’indiens. A' mon opinion, voici la racine
de cette erreur: j'ai été anarchiste 2 1/2 ans (1919-1921). On sait que l'anarchisme, courant opportuniste, n'as pas
compris jamais ni la question de l'Etat, ni le rôle du pati proletarien, ni le rôle de la paysannerie, etc. Il est clair
qu'une lutte reelle pour l'hegemonie du prolétariat est impossible si on sousestime le rôle de la paysannerie, si on
n'entraine à la lutte les millions de paysans.
J'ai éxageré les contradictions entre la bourgeoisie et les féodaux. J'ai étudié l'histoire de la révolution françaisa
et j'ai appliqué mechaniquement ses leçons politique aux nouvelles conditions historiques du Brésil et du
monde.” RGASPI, F. 495, op. 197, d. 2, 13 abr. 1938.
596
RGASPI, F. 495, op. 17, d. 153, fol. 47. “Les mines d'etain en Bolivie appartiennent surtout aux impérialistes
americains: Guggenheim. Le mineur est, pour la plupart, un indien. Il est terriblement exploité et opprimé --
victime de survivances precapitalistes, tels que les châtiments corporels, même dans la mine.”
224
muito baixo e fazem esses operários trabalharem 10, 12 horas por dia. Esses
imperialistas exploram também os pequenos camponeses, plantadores de tabaco:
eles compram o tabaco muito barato.597
Para Brandão, América Latina e Brasil eram palcos de “opressão nacional”, já que
segmentos raciais eram objetos prioritários da agenda imperialista. Assim, combater os efeitos
da “opressão nacional” levada a cabo pelos imperialistas constituía uma atividade que se
coadunava com o esforço de guerra em vigor.598
Nessa série de escritos, Octávio Brandão parecia debater, sobretudo, contra Bangu,
apelido de Lauro Reginaldo da Rocha, membro do Secretariado Nacional do PCB desde 1933,
alçado aos círculos dirigentes do partido durante a implantação do obreirismo. Foi ele quem
lançou a discussão sobre a questão nacional no partido durante a 1ª Conferência Nacional do
PCB, em julho de 1934. Para Bangu, o Brasil não constituía uma nação mas, sim, um
conjunto de nacionalidades. Ele identificou as causas disso associando as “areas tropical,
subtropical e temperada que influenciaram nas diversas nacionalidades aqui existentes”.599
Propôs “o lançamento da palavra de ordem de ‘autodeterminação para o Nordeste’, dizendo
que o proletariado das nacionalidades opressoras deve unir-se ao proletariado das
nacionalidades oprimidas”. 600 Bangu encaixou o Nordeste entre as nações oprimidas
observando: 1) “a grande tradição de luta das nacionalidades oprimidas do Brasil”; 2) que “o
Nordeste fornece 70% para as forças armadas do Brasil”; 3) a inconsistência, para ele, de
setores do PCB que entendiam nacionalidade apenas como referência aos imigrantes no
Brasil; 4) as relações longínquas dos trabalhadores brasileiros em relação aos estrangeiros.601
Para ele, a experiência de nacionalidades oprimidas no Nordeste deveria ser cotejada com
outras nacionalidades existentes no país.
597
RGASPI, F. 495, op. 17, d. 153, fol. 47, 4 nov. 1939. “71% de la population de l'Etat de Bahia, au Brésil, sont
formés par des nègres et mulâtres. Les ouvriers et les ouvriéres des fabriques de tabac à l'interieur de Bahia, dans
les villes de Cachoeira, Sao Felix et Maragogipe, sont nègres. Ils sont très opprimés par les patrons: Dannemann,
Stender et Suerdich, c'est-à dire, impérialistes allemands. Ces imperialistes payent un salaire trés bas et font les
ouvriers travailler 10, 12 heures chaque jour. Ces impérialistes exploitent aussi les petits paysans, planteurs de
tabac: ils achétent le tabac à trés bon marché.”
O mesmo documento foi replicado em 23 jun. 1940. Ambos fazem parte da documentação do Secretariado
Ibarruri, como ficou conhecido o Secretariado Latino-Americano depois que Dolores Ibarruri passou a dirigi-lo,
conforme aparece nos descritores dos arquivos da Comintern.
598
“Entre los habitantes se calcula que 36% son negros y mulatos, 35% son blancos y 28% son indios y mestizos
de indios. Los indios son en numero de 1 a 1 1/2 millón.
Los negros y los indios son oprimidos por los imperialistas y por los semifeudales. Los imperialistas ejercen
sobre todo el país la opresión nacional. De ahí ha importancia enorme, decisiva de la cuestion nacional en Brasil
como tambien en toda la America Latina. 20 de febrero de 1940.” RGASPI, F. 495, op. 17, d. 163, fol. 11.
599
“Ata da CONFERENCIA NACIONAL DO P.C.B.” RGASPI, F. 495, op. 029, d. 074, fol. 53. Cedem/Unesp,
ic-0391b.pdf.
600
Ibidem, p. 54
601
Ibidem, p. 54.
225
Embora a ampla maioria dos presentes na Conferência tenha apoiado Bangu, sua
proposta sofreria resistência por parte de alguns membros do PCB. Na ata da conferência,
Martinez expôs seu desacordo “com o ponto de vista de Bangu sobre a autodeterminação para
o Nordeste”.602 Outro militante, de codinome Mario, explicita contraditoriedade ao “tom
peremptorio de certas de suas affirmações como, por exemplo: uma nacionalidade nunca é
composta de um só typo racial”.603 Mauro, por sua vez, “não crê que o Nordeste, em seu
conjuncto, constitua uma nacionalidade. A palavra de ordem justa deve ser:
604
‘Autodeterminação para os negros e indios’”. Para Macário, a complexidade estava no fato
de o “Nordeste em seu conjuncto ser uma nacionalidade oprimida não exclui[r] a existencia,
alli, de minorias nacionais com direito a sua base territorial”.605 Bangu respondeu que “a
autodeterminação [...] não significa a separação forçada, mas o direito duma nacionalidade
dispor livremente de seus destinos. O governo operario e camponez é a unica garantia da
autodeterminação”.606
O avançar da década de 1930 e as fraturas internas do Partido e no movimento
comunista internacional fizeram com que a discussão racial entre comunistas navegasse com a
preponderância das questões internas, como atestam os resultados práticos do II Congresso
Afro-Brasileiro. A partir do paulatino desmembramento do Partido Comunista, durante o
Estado Novo, e dos braços da IC em finais da década de 1930, os comunistas brasileiros
rearticularam-se recrudescendo a tática da Frente Popular. Em resumo, as alianças com
setores liberais pela derrota do nazifascismo foram efetivadas, principalmente, no campo da
produção cultural. Obras de autores norte-americanos foram traduzidas por comunistas e
membros da Frente. Ao mesmo tempo, foram estabelecidas tentativas de construir veículos de
comunicação que expressassem a posição política aliancista, mesmo que dirigida pelo PCB.
Uma das expressões dessa política foi a revista “Seiva”.607
602
Ibidem, p. 54. Provavelmente, trata-se do mesmo Ricardo Martinez já citado.
603
Ibidem, p. 54. “Mario” refere-se provavelmente a Esteban Peano. Cf. KAREPOVS, Dainis. Luta
subterrânea: O PCB em 1937-1938. São Paulo: Editora da Unesp; Hucitec, 2003. p. 278.
604
Ibidem, p. 54. “Mauro” era codinome de Domingos Brás. Cf. KAREPOVS, 2003, p. 254.
605
Ibidem, p. 54. Trata-se, provavelmente, de Guilherme Yolles Macário. Cf. SILVA, Carine Neves Alves da.
Secretariado Sul Americano e Partido Comunista do Brasil (1926-1930). Dissertação (Mestrado em História
Social)–Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011. p. 200.
606
Ibidem, p. 57.
607
A “Seiva” foi um entre tantos empreendimentos editoriais dos comunistas e antifascistas. Cf. ARBEX,
Luciana Bueno Marta. Intelectualidade brasileira em tempos de Guerra Fria: agenda cultural, revistas e
engajamento comunista. 2012. Dissertação (Mestrado em História Social)–Universidade de São Paulo, São
Paulo, 2012.
Em 1940, foi publicada a obra “Memórias de um negro”, tradução de Graciliano Ramos de “Up from Slavery”,
de Booker T. Washington. Em 1941, “Filho nativo”, de Richard Wright, foi publicado em tradução de Monteiro
Lobato. Cf. FONSECA, Sílvia Asam da. A coleção Bibliotheca do Espírito Moderno: um projeto para alimentar
226
A publicação circulou entre dezembro de 1938 e julho de 1943. 608 Em sua história,
empenhou-se, dentre outras coisas, em propagandear a edição dos anais do II Congresso Afro-
Brasileiro, organizada por Arthur Ramos. A temática negra perpassou a história da revista em
artigos esparsos que apareceram em suas edições, até o número 4, de maio de 1939, que foi
dedicado ao debate da questão. Talvez, a periodicidade com que a “Seiva” debatia a questão
negra e o esforço desses intelectuais em traduzir poetas da renascença do Harlem tenham
levado o cônsul dos Estados Unidos a reportar a seu chefe imediato que “oficiais e indivíduos
na Bahia têm proliferado a doutrina segundo a qual os Estados Unidos são o foco de onde se
espalham ideias comunistas”.609
O grupo da Academia dos Rebeldes apareceu, sobretudo, em artigo de Aydano do
Couto Ferraz, que discorreu elogiosamente acerca de como a permanência das religiões afro
permitiu que a volta à África se concretizasse em território brasileiro. Ao contrário de
posições que vislumbravam a transformação do negro em algo mais próximo dos valores
ocidentais, Couto Ferraz escrevera sobre o legado cultural do elemento negro.
A empreitada materializada nesse periódico antifascista deu vazão a diferentes vozes.
Houve quem defendesse a necessidade de desalienar os negros do mundo do “candomblé e da
feitiçaria”. Houve quem advogasse a necessidade de livrar o negro da vadiagem, e quem
entendesse que o negro era capaz de maior reconhecimento que aquele de “candomblezeiro e
feiticeiro”. Embora não dissonantes, os argumentos diferiam em suas ênfases.
Em suma, para os comunistas a revista “Seiva” – e sua edição sobre o negro –
interrompeu uma linha de reflexão sobre a questão racial brasileira. Deixou em evidência que
entre os antifascistas não havia convergência em relação ao tema e, ainda, legou aos
comunistas baianos, sobretudo, uma agenda que já se delineava timidamente em 1935 com
Édison Carneiro e sua defesa dos terreiros de candomblé.
A escolha dos espaços culturais e de práticas negras como locais invioláveis
norteariam a pauta antirracista dos comunistas, como um todo. Embora a revista se insurgisse
contra práticas de segregação racial, o vigor fundamental estava na forja de espaços culturais
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