Uddziwi - 2017 - FAGILDE E RAPOSO - MODELO 10 + 3

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Os principais desafios no modelo de formação de professores de 10ª classe + 3

Sarifa Abdul Magide Fagilde1


Odete Afonso Albuquerque Raposo2
Resumo
Moçambique tornou-se independente em 1975, com uma taxa de analfabetismo de aproximadamente 93%.
Nesse período a Educação foi nacionalizada e tornada gratuita resultando numa grande explosão
educacional. Como consequência disso, por um lado, o número de estudantes dos Ensinos Primário e
Secundário triplicou, relativamente ao número de estudantes existentes no período final do colonialismo e
por outro, a maioria dos professores, portugueses, abandonou o país. Era urgente formar professores
moçambicanos para todas as áreas e subsistemas de ensino e adaptar os currículos a nova realidade. Os
currículos foram sendo alterados e adaptados as diferentes realidades. Em particular para o Ensino Primário,
o currículo que prevalece é o do modelo 10ª classe + 3. No presente artigopretende- se analisar e reflectir
acerca dos grandes desafios do mencionado modelo. Serão tidos em conta o modelo 10ª classe + 3, o
relatório de avaliação do Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano, os depoimentos de 11
professores estagiários deste modelo e uma pesquisa documental. Constituíram principais resultados desta
pesquisa, que os módulos necessitam de um melhoramento, em termos de conteúdos, como forma de se
ajustar o seu volume e o tempo de leccionação e as discrepâncias existentes em relação ao plano curricular
e em relação ao tempo da sua disponibilidade.

Palavras-chave: Modelo. Formação de Professores. Estagiários. Tutores.

Abstract
Mozambique became independent in 1975, with an illiteracy rate of approximately 93%. During this period,
Education was nationalized and made free, resulting in a great educational explosion. As a consequence,
on the one hand, the number of Primary and Secondary students has tripled relatively to the number of
students in the final period of colonialism, and on the other hand, most of the Portuguese teachers have left
the country. It was urgent to train Mozambican teachers for all areas and subsystems of teaching and to
adapt the curricula to the new reality. The curricula were being altered and adapted to the different realities.
In particular for Primary Education, the prevailing curriculum is the 10th grade + 3 model. In this article we
intend to analyze and reflect on the great challenges of this model. The 10th grade + 3 model, the evaluation
report of the Ministry of Education and Human Development, the testimonies of 11 trainee teachers of this
model and a documentary research will be taken into account. The main results of this research are that the
modules need to be improved in terms of contents, as a way of adjusting their volume and the time of
teaching and the discrepancies existing in relation to the curriculum and in relation to the time of their
availability.

Keywords: Model. Teacher Education. Trainees. Tutors.

1
Doutorada em Educação Matemática, Professora Associada, Universidade Pedagógica.
2
Mestrada em Desenvolvimento Curricular e Instrucional, Doutoranda em Educação e Currículo, Universidade
Pedagógica.
2

1. Introdução
Moçambique tornou-se independente em 1975, com uma taxa de analfabetismo de
aproximadamente 93%. Nesse período a Educação foi nacionalizada e tornada gratuita resultando
numa grande explosão educacional. Como consequência disso, por um lado, o número de
estudantes, do Ensino Primário e do Ensino Secundário, triplicou, relativamente ao número de
estudantes existentes no período final do colonialismo e por outro lado, a maioria dos professores,
portugueses, abandonou o País. Era urgente formar professores moçambicanos para todas as áreas
e subsistemas de ensino e adaptar os currículos à nova realidade (Fagilde, 2007).
Os currículos foram sendo alterados e adaptados as diferentes realidades. Porém, a questão
da qualidade de formação dos professores (FPs), em particular no Ensino Primário constituiu e
constitui um dos problemas recorrentes da falta de consistência dos modelos curriculares de FPs
pós-independência, o que, claramente se traduz na qualidade de ensino.
De acordo com Niquice (2006), os currículos da FPs Primários em Moçambique foram
mudados cerca de 20 vezes, em 36 anos de Independência, o que significa que, cada modelo
curricular perdurou cerca de um ano e meio. Contudo, apesar dos modelos curriculares terem sido
concebidos em função das situações em que se vivia na época, estes originavam algumas questões
de reflexão sobre a adequação dos mesmos, pois os resultados obtidos pelos alunos não
correspondiam às expectativas do Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano,
(MINEDH), ex. Ministério da Educação. (INDE, 2010, p.12).
As mudanças curriculares foram pouco duradoiras e sem condições de maturação e, na sua
implementação, pautaram pelas ausências: de um acompanhamento efectivo em termos de
monitoria e apoio metodológico; de uma estrutura coerente de formação inicial e reciclagem dos
professores; e de material didáctico, instalações e equipamento adequados para o processo de
ensino-aprendizagem (PEA) dos alunos. Aliado a estes constrangimentos verificou-se, também,
uma ausência da avaliação do impacto que as constantes mudanças curriculares produziam na
sociedade e uma ausência de acompanhamento e de apoio às escolas, o que condicionou a
existência de diferentes actuações e interpretações das orientações curriculares destes modelos
pelos principais actores do processo educativo (Golias, 1993).
O modelo que actualmente se encontra em vigor é o de 10ª Classe +3, em fase de testagem
desde 2012. Inicialmente este modelo foi introduzido nas instituições de formação de Professores
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(IFPs) da Matola, Província de Maputo; do Alto Molócuè, Província da Zambézia e Alberto


Chipande na Província de Cabo Delgado e mais tarde Homoíne, Província de Inhambane; Chitima,
Província de Tete, e Nampula, Província de Nampula, não tendo sido estendida a rede as restantes
províncias até ao presente momento.
Sendo a qualidade de ensino uma das nossas preocupações, para a qual a FP desempenha um
papel preponderante, o objectivo deste estudo é analisar e reflectir sobre a efectividade do modelo
de Formação de Professores 10ª classe + 3, apontando os principais desafios e tendo em conta o
estágio pré-profissional.
Este artigo apresenta as mudanças curriculares na FPs Primários em Moçambique, pós-
Independência, o modelo curricular do curso de FPs 10ªclasse + 3, uma análise e discussão dos
dados do trabalho e, por último, as conclusões e sugestões.
Para a efectivação destes objectivos serão tidos em conta o modelo 10ª classe + 3, o relatório
de avaliação do Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano, os depoimentos de 11
professores estagiários deste modelo e uma pesquisa documental.

2. Mudanças curriculares na formação de professores primários em Moçambique pós-


independência
A FPs, como um dos subsistemas do Sistema Nacional da Educação (SNE), como é óbvio,
após a Independência Nacional, passou a obedecer as políticas educacionais traçadas para o
sistema, tendo as primeiras sido aprovadas pela Assembleia Popular, na sua Resolução nº 11/81
de 17 de Dezembro. De entre os cinco subsistemas que compunham o SNE, nomeadamente:
Educação Geral, Educação de Adultos, Ensino Técnico-Profissional, Formação de Professores e
Educação Superior, o subsistema de FPs foi de suma importância pelo “Papel fundamental do
professor como agente de educação, formação e transformação” (SNE, 1981, P. 87 apud Mazula,
1995, p. 182).
Constituíam objectivos gerais deste subsistema, formar professores como educadores e
profissionais conscientes, com profunda preparação política, ideológica, científica e pedagógica,
capazes de realizar a educação tendo em conta os valores de uma sociedade socialista.
Imediatamente após a Independência, num período de transição, entre os anos 75 e 76, a
Educação tinha como objectivo adequar o ensino à realidade dos alunos moçambicanos tendo em
conta a sua história, quer ao nível das culturas, dos hábitos e costumes e das tradições, beneficiando
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a maioria do povo, facto que era contrário à ideologia da educação colonial que abrangia uma
minoria assimilada em detrimento da maioria. Para tal, foram extintas as escolas de FPs do período
colonial e, em sua substituição, foram criados dez Centros de Formação de Professores Primários
(CFPPs), um em cada província, com a missão de formar 3000 professores da 1ª à 5ª classe, por
ano (INDE, 2010, p. 6). Isto, além de responder aos objectivos acima mencionados, permitia um
aumento substancial no número de professores, visando minimizar os problemas da grande falta
de professores que se fazia sentir.
Seguiu-se um período, de 77 a 91, durante o qual foram consolidados os cursos de FPs e
criado o SNE. Nos centros ora criados as condições foram melhoradas, o tempo de formação
aumentado de um para dois anos e o nível de ingresso alterado da 4ª.classe para a 6ª classe. Nessa
época foram sucessivamente criados, o Centro de Formação de Quadros de Educação em Maputo,
visando preparar Instrutores para os CFPPs e Quadros da Educação; as Escolas de Formação e
Educação de Professores (EFEPs), que foram posteriormente substituídas pelos Institutos Médios
Pedagógicos (IMEPs), em Maputo e Beira, para formar professores para o então Ciclo Preparatório
(5ª e 6ª classes); o Instituto Nacional de Formação de Professores de Educação Física de Maputo
(INEF), com o objectivo de formar professores de Educação Física para o ensino Primário e para
o Ensino Secundário. (INDE, 2010, p. 6 & Gómez, 1999, p. 244). Contudo, todas as acções
realizadas, não foram suficientes para solucionar o grande problema da falta de professores,
situação que ainda prevalece no momento presente.
Em 1977, a necessidade de professores para o ciclo preparatório era de tal modo elevada,
que o então Presidente da República de Moçambique, Samora Moisés Machel, tomou a histórica
decisão de encerrar temporariamente as então 10ª e 11ª classes do ensino Secundário Geral, e os
estudantes que se encontravam nesse nível, em número de 600 e originários de todas as províncias,
foram “chamados” a frequentarem cursos propedêuticos de letras e de Ciências e a grande maioria,
a frequentarem cursos de formação acelerada de professores para todas as disciplinas curriculares
do ciclo preparatório. Foram cursos com 9 meses de duração, ministrados na Universidade
Eduardo Mondlane, após os quais os graduados foram colocados nas diferentes escolas de todo o
Pais, como forma de assegurar a educação. Aqui pensamos importante salientar, que uma das
autoras, Sarifa, é parte deste grupo e frequentou o curso para leccionar a disciplina de Matemática.
Os diversos cursos de formação foram decorrendo e respondendo as necessidades do País de
forma diversificada. De acordo com o SNE (1983), a FP caracterizou-se pela ausência de uma
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política centralizada de formação, o que determinou um desenvolvimento desigual nos diferentes


tipos e níveis de ensino; houve dispersão de acções de formação pelas diferentes estruturas do
Estado, sem a necessária articulação entre as mesmas e sem uma orientação centralizada;
existência de professores com habilitações muito diversificadas a leccionarem no mesmo nível de
ensino, o que exigia a adopção de métodos diferentes nas actividades de formação e
aperfeiçoamento; ingresso nos cursos de formação de professores de candidatos cujo nível de
habilitações literárias eram similares ao nível em que iam ensinar, por exemplo: para leccionar da
1ª à 4ª classes e da 5ª à 6ª classe, os candidatos ingressavam com 6ª classe e os cursos tinham a
duração de um e dois anos respectivamente, o que originava baixo nível na formação; ausência de
uma planificação coerente da formação em exercício e permanente; ausência de uma definição na
carreira docente e de uma articulação vertical entre os vários cursos de FP.
Ainda neste período, a lei acima indicada realçava que o subsistema de FP privilegiava, na
sua função social, assegurar a formação integral, pedagógica e metodológica dos professores de
modo a que o SNE se constituísse num verdadeiro instrumento para a formação do homem novo
e da construção do socialismo; na função ideológica, a formação de um professor com uma
consciência de classe, de modo a educar o aluno nos princípios do Marxismo-Leninismo, enquanto
a função do conteúdo científico-técnico da formação deveria garantir a correcta transmissão e
enriquecimento do património cultural, científico e técnico do povo moçambicano e da
humanidade.
O período que se segue, de 92 até ao presente momento, foi considerado como sendo o
período de reforma do sistema nacional e de reconstrução da rede escolar. Foi o período, de revisão
e adequação da Lei 4/83 do SNE, a qual foi substituída pela Lei 6/92 do SNE. Esta lei determinou
que o Ensino Primário completo compreenderia as sete primeiras classes subdivididas em dois
graus, nomeadamente, 1º Grau da 1ª a 5ªclasses e 2º Grau da 6ª a 7ª classes.
A sociedade moçambicana foi evoluindo e de acordo com Galhardo et al (1987) em INDE
(2011), com a evolução das sociedades, importantes mudanças são registadas nos diversos campos
de acção tanto político, cultural como social, o que afecta grandemente o domínio e a produção do
conhecimento científico, tornando o papel da escola mais complexo, pois o sistema educativo é
reflexo da sociedade onde está inserida. Isto contribuiu para que novos cursos surgissem como
forma de responder aos anseios do cidadão.
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Foram, assim, sucessivamente extintos os Institutos Médios Pedagógicos (IMPs) e criados


os Institutos do Magistério Primário (IMAPs), os quais foram, igualmente, extintos neste mesmo
período e criados os Institutos de Formação de Professores (IFPs) para formar professores para o
Ensino Primário Completo.
De um modo geral podemos destacar ao longo dos três períodos os modelos, 6ª+1; 6ª/7ª+3;
7ª+2+1 ministrados nos CFPPs, IMAPs e ADPP, visando formar professores para o Ensino
Primário do 1º. Grau e os modelos 10ª +2, 10ª+1+1, 10ª +1, ministrados nos EFEPs e IMPs e nas
Escolas de Professores do futuro (EPF) a fim de formar professores para o Ensino Primário do 2º
grau.
Apesar dos inúmeros modelos que foram desenhados e implementados terem sido
concebidos para responder as necessidades momentâneas e nunca terem perdido de vista a
melhoria da qualidade de ensino, as mesmas preocupações continuam presentemente vivas, o que
contribuiu para a procura de novas abordagens integradoras e centradas no aluno, apoiando-se num
paradigma reflexivo de FP em que o professor é preparado para agir de forma crítica e reflexiva,
desenvolvendo as competências fundamentais: o saber analisar, o saber reflectir, o saber decidir e
o saber justificar (INDE, 2011, p.10). Foi assim desenhado um novo modelo, sobre o qual abaixo
nos debruçamos.

3. Modelo curricular do curso de 10ª classe + 3


De acordo com o novo Plano Curricular do Curso de Formação de Professores Primários
(PCCFPP), o modelo 10ª+3 focaliza a formação de um professor capaz de analisar situações
complexas, reflectir sobre as suas práticas, tomar decisões e aprender ao longo da sua carreira.
Este é um curso profissional de nível médio, que preconiza uma formação inicial e outra em
exercício. Neste modelo, três princípios são destacados: o princípio da articulação entre a formação
científica e pedagógica, orientada para uma prática reflexiva e contextualizada, permite o
desenvolvimento de bases sólidas nos saberes técnicos (pedagógicos, didácticos, culturais) e nos
saberes práticos (experiências do dia-a-dia da profissão), privilegiando desde o início da formação
a articulação teoria/prática, trocas de experiências entre formandos e orientadores, quebrando,
assim, a cultura de que a prática é posterior a teoria; O princípio do contacto permanente com
professores experientes, que privilegia o contacto permanente entre os formandos e os professores
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experientes em exercício e ainda com os aposentados; e o princípio da articulação entre a formação


inicial e a formação em exercício o qual privilegia a aprendizagem ao longo da vida.
O perfil do graduado contempla quatro pilares fundamentais: saber ser, saber conhecer, saber
fazer e saber viver juntos e com os outros, permitindo que o graduado deste curso deva ser idóneo
e crítico, com elevado espírito patriótico, que ama as crianças, fluente na língua de ensino,
exemplar na preservação do ambiente, respeitador e cumpridor das leis do país e dos princípios
éticos e deontológicos da profissão docente (INDE, 2011, p. 17-20). Deste modo, o professor do
Ensino Primário deve:
a. No âmbito do saber ser e saber viver juntos e com os outros: Amar as crianças,
a si próprio e ao próximo; ter amor à pátria, promover a cultura de paz, a unidade
nacional e o respeito pelos direitos humanos e da criança; Actuar com idoneidade
e responsabilidade e de acordo com os princípios éticos e deontológicos da
profissão docente; Participar no trabalho colaborativo, na escola e na comunidade
e partilhar experiências com colegas de profissão; Assumir atitudes responsáveis
perante a sua saúde e da comunidade, na prevenção do HIV/SIDA, malária, cólera
e outras doenças, e no combate ao consumo do álcool, tabaco e demais drogas.

b. No âmbito do saber conhecer e saber fazer: Leccionar em escolas primárias


completas, proporcionando às crianças experiências educativas significativas e
integradas; Utilizar o conhecimento científico na promoção de hábitos de vida
saudáveis, prevenção de doenças, preservação do ambiente e uso sustentável dos
recursos; Utilizar adequadamente estratégias de desenvolvimento da auto-estima e
espírito crítico, de valorização da experiência da criança e dos saberes locais;
Avaliar o processo de ensino e aprendizagem e administrar dispositivos de
remediação de dificuldades de aprendizagem; Utilizar interactivamente os
materiais de ensino e as TIC`s, para o acesso ao conhecimento.

Como forma de dar resposta ao âmbito dos saberes acima descritos, o INDE (2011), destaca
que o novo modelo de 10ª+3 deverá desenvolver 9 competências, organizadas em 3 domínios:
a. Domínio pessoal e social
1. Promover o espírito patriótico, a cidadania responsável e democrática, os
valores universais e os direitos da criança;
2. Comunicar adequadamente, em vários contextos;
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3. Agir de acordo como os princípios éticos e deontológicos associados à


profissão docente.

b. Domínio dos conhecimentos científicos


1. Demonstrar domínio dos conhecimentos científicos do ensino primário;
2. Demonstrar domínio dos conhecimentos das Ciências da Educação,
relacionados com o ensino primário;

c. Domínio das habilidades profissionais


1. Planificar e mediar o processo de ensino-aprendizagem de modo criativo,
reflexivo e autónomo;
2. Avaliar necessidades, interesses e progressos dos alunos, adaptando o processo
de ensino-aprendizagem à sua individualidade e ao contexto;
3. Desenvolver e utilizar estratégias e recursos didácticos estimulantes para
situações concretas de aprendizagem;
4. Promover o autodesenvolvimento profissional e envolver-se num trabalho
cooperativo, colaborativo e articulado.

Tendo em conta o desenvolvimento das nove competências, a estrutura do curso prevê


duas fases. Uma primeira fase, de formação presencial, com duração de dois anos, onde logo
no primeiro ano e nas primeiras quatro semanas o formando desloca-se a escolas para as
práticas pedagógicas. Sua actividade consiste em deslocar-se a escola duas vezes por semana
para contacto com o dia-a-dia da escola. Além disso, o formando passa também por um estágio
integrado. Este decorre no 2º.ano, com a duração de 13 semanas. Neste período são
acompanhados por um professor formador do IFP e trabalham conjuntamente com os demais
professores na planificação e leccionação das aulas.
A segunda fase tem lugar no terceiro ano, com duração de um ano, que corresponde ao
estágio pré-profissional. Este estágio tem por objectivo levar o professor estagiário a aprimorar
a sua capacidade de mobilizar múltiplos recursos adquiridos na formação presencial e reflectir
sobre as questões pedagógicas. Ele realiza-se numa escola, sob acompanhamento de um tutor
que é um professor com formação e capacidade de apoiar e estimular o desenvolvimento crítico
do professor estagiário.
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São intervenientes neste processo o professor estagiário, o tutor, o formador


acompanhante e a direcção da escola onde decorre o estágio.
O professor estagiário é aquele que se encontra no 3º ano do curso e realiza trabalho de
docência numa escola primária, sob acompanhamento de um tutor. Constituem tarefas do
professor estagiário: Planificar as aulas a leccionar sob direcção do tutor, o qual deverá fazer-
se presente nos momentos da leccionação. O estagiário deve ser capaz de auto-avaliar-se e
elaborar mensalmente um relatório reflexivo das suas actividades. Além disso, deverá
participar nas actividades em curso na escola.
O tutor, por sua vez, guia, orienta, aconselha, ensina, instrui e treina o estagiário,
oferecendo-lhe suporte e estimulo ao seu desenvolvimento crítico. Deve ter também a
capacidade de ouvir, questionar e estimular justificações. Dentre as várias tarefas, o tutor deve
assistir às aulas do estagiário e; leccionar as aulas em casos de impedimento do estagiário;
analisar com o estagiário as aulas dadas; avaliar as aulas dadas pelo estagiário; manter o IFP
informado sobre as ocorrências do estágio; participar trimestralmente nas reuniões de avaliação
do estágio; produzir um relatório trimestral sobre o desempenho do professor estagiário e fazer
parte do júri de avaliação no final do estágio.
A coordenação do estágio é liderada por um formador acompanhante, o qual é
responsabilizado por duas escolas de estágio e por seis a doze professores estagiários. São
tarefas deste formador: coordenar com a direcção da escola a recepção e enquadramento dos
professores estagiários para a realização do estágio; estabelecer com os tutores um programa
de assistência às aulas; analisar os relatórios elaborados pelos tutores e manter o IFP
permanentemente informado sobre o decurso do estágio do seu grupo de professores
estagiários.
Em relação às direcções das escolas, cabe-lhes a tarefa de criarem as condições, no local,
para o acolhimento e desenvolvimento das actividades do estagiário em perfeitas condições.
O estágio pré-profissional deverá ser realizado nos três ciclos do Ensino Primário, sendo
que o professor estagiário irá permanecer um trimestre em cada ciclo e realizar todas as
actividades referentes a preparação e leccionação das aulas, bem como a avaliação dos alunos.
No PCCFPP, são ainda consideradas as disciplinas de carácter obrigatório e opcional:
1. Ensino e Aprendizagem da Oralidade e Escrita no Ensino Primário; (obrigatório)
2. Estratégias de Resolução de Problemas Matemáticos; (obrigatório)
3. Ensino e Aprendizagem das Ciências no Ensino Primário; (obrigatório)
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4. Avaliação da Aprendizagem como Factor de Promoção da Qualidade de Ensino;


(obrigatório)
5. Teoria e Prática Curricular; (opcional)
6. Desenvolvimento Comunitário Sustentável, com as seguintes unidades curriculares:
a. Saúde, Água e Saneamento; (opcional)
b. Desastres Naturais; (opcional)
c. Educação Nutricional; (opcional)
d. Noções de empreendedorismo; (opcional)
e. Agro-pecuária; (opcional)

A frequência dos módulos de 1 a 4 é obrigatória e o professor estagiário deverá optar ainda


pelo quinto módulo e uma unidade curricular do sexto módulo ou por duas unidades curriculares
do sexto módulo, para completar a sua formação.
A fase do estágio pré-profissional ocorre numa escola da área de jurisdição do IFP onde se
realizou a fase presencial da formação. Porém a escola não deve ser a mesma onde se realizam as
práticas pedagógicas. As actividades deste estágio são coordenadas pelo IFP em articulação com
as escolas, com o Serviço Distrital de Educação Juventude e Tecnologia (SDEJT) e com a Direcção
Provincial de Educação e Cultura (DPEC).
Constituem tarefas do IFP: Identificar, em articulação, com os SDEJT e a DPEC, as escolas
que irão acolher o estágio pré-profissional; trabalhar com as escolas para a identificação dos
tutores, de acordo com o perfil definido; organizar a capacitação dos tutores na filosofia do
currículo de FP; elaborar ou adaptar instrumentos de acompanhamento do professor estagiário pelo
tutor; assegurar que todos os formandos tenham alojamento nas escolas do estágio ou outro sítio,
em articulação com o SDEJT; assegurar o pagamento atempado dos subsídios aos professores
estagiários; estabelecer um calendário de avaliação do progresso dos professores estagiários na
frequência dos módulos auto-instrucionais; organizar encontros periódicos com os tutores para
avaliar o desempenho dos seus tutorandos na actividade docente; constituir júris de avaliação final
dos professores estagiários; proceder à graduação dos finalistas que tiverem terminado a formação
(INDE, 2014, p. 1-5).

4. Análise e discussão dos dados


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A análise dos dados baseou-se conforme mencionado anteriormente em três fontes: O plano
curricular do curso de 10ª Classe + 3, o encontro com os 11 estagiários, eticamente designados por
E1, E2, …, E11 e o relatório do MINEDH.
Os 11 professores estagiários consideram que o curso é importante e que lhes proporcionou
uma boa experiência no contacto obtido com os diferentes intervenientes do PEA, o que constituiu
um bom alicerce para uma boa prestação dos mesmos na escola. Como forma de enfatizar o
sentimento dos colegas E10 afirma:
"no terceiro ano… que é o estágio … avançamos bastante… tivemos
oportunidade de participar em todas as actividades do processo de aprendizagem
desde a planificação das aulas, a organização das turmas, reuniões das ZIPs,
reuniões escolares … aprendemos que para o bom funcionamento é preciso muito
trabalho na sala de aula e fora dela".

Um dos pontos abordados tem relação com os módulos. Os professores estagiários


comungam da mesma opinião e referem que principalmente no primeiro ano, os módulos de
Ciências Naturais e de Matemática contêm erros:
(…) há alguns aspectos que … os de lá de cima … os quem de direito deviam
verificar isso … há erros inadmissíveis … o curso é novo sim … mas é preciso
caprichar-se um pouco para haver qualidade … a qualidade sai da base … se da
base não saí … é difícil sair lá do topo” foram palavras pronunciadas por E11.
Acrescentou ainda que algumas disciplinas não tiveram o respectivo módulo até
ao final do curso: “ introduziu-se a cadeira sem ter o módulo físico … o material
… usámos outras fontes “.

Outro ponto considerado foi a monodocência do curso. Os professores estagiários


apresentaram dificuldades de adaptação ao novo modelo, no qual os professores devem leccionar
todas as disciplinas, como por exemplo: Língua Inglesa, Línguas Moçambicanas, Ofícios,
Educação Física, Educação Musical, entre outras. Aliado a este ponto, um outro aspecto
diagnosticado e apontado pelo grupo de estagiários, é a ausência de metodologias e recursos, nos
IFPs e MINEDH, para os alunos com necessidades educativas especiais (tecnologias avançadas).
Realçaram ainda que relativamente a esta questão foi notória a dificuldade enfrentada durante o
estágio pré-profissional, quando um professor estagiário, E3, deparou-se na sua sala de aula, com
um aluno com dificuldades de natureza auditiva e de fala. O mesmo afirma
“ … tive dificuldades de trabalhar com esse aluno… mesmo com a ajuda de
outros colegas professores da escola … ele não falava, era mudo …era surdo e
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mudo … nós lá tínhamos aulas teóricas, 7ª classe, para dar Ciências Sociais …
que gesto eu vou fazer para ele … para falar com ele sobre regiões da Europa …
regiões da Europa … que gestos vou fazer para esse aluno para ele saber que
estou a falar do colonialismo … eu estou a falar da emancipação da mulher …
falar da localização geográfica … numa escola que não tem material suficiente
…”.

Os estagiários realçaram também, situações em que o próprio aluno tem ou pode comprar o
material necessário para a leccionação de determinadas aulas, porém, o professor nunca teve
contacto com os materiais e só os visualizou em desenhos. Para essa situação, o grupo sugeriu
aulas práticas e acções concretas para a sua efectivação no terreno.
Outra constatação reportada pelos professores estagiários e pelo relatório do MINEDH
(2014) tem a ver com os atrasos exagerados dos pagamentos dos subsídios para as necessidades
básicas como transporte e alimentação. E7 afirma,
(…) o subsídio para o deslocamento do formando para a escola foi uma grande
dificuldade … ficamos meses sem subsídios”.

“… Esta situação colocou os estagiários em situações de vulnerabilidade, expostos


ao risco de assumirem comportamentos incompatíveis com a moral e o código de
conduta do professor, com destaque para as estagiárias” (MINEDH, 2014, p.30).

Os professores estagiários giram pelos diferentes ciclos de aprendizagem trimestralmente e


mostraram o seu desagrado em relação a esta rotação. É uma prática que traz consigo algumas
desvantagens. Pela voz de E9
“…A rotação, que temos feito, em algum momento, tem algumas desvantagens,
e, porque eu digo isso? Porque eu, por exemplo, trabalhei no primeiro trimestre
… com a 1ª classe – 1º ciclo … durante o meu trabalho identifiquei alguns alunos
que têm dificuldades …. com necessidades educativas especiais, pude fazer
acompanhamento daqueles alunos durante o trimestre, mas após o termino do
trimestre tive que abandoná-los … isto significa que todo aquele esforço … todo
aquele trabalho que fiz com aqueles alunos acabou multiplicando-se por zero …
e, o que levaria também ao meu colega a ter os mesmos problemas, porque
primeiro devia identificar para depois de trabalhar com os mesmos alunos então
é de acertar isso … “ .

Os dados apontam também para uma transição não correcta na passagem dos estagiários, no
processo da rotação pelos diferentes ciclos de aprendizagem. Esta constatação é duplamente
mencionada. Pelos estagiários e pelo relatório do MINEDH, que identificam que na mudança de
um ciclo para outro, os professores estagiários não são devidamente integrados, havendo casos em
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que o trespasse das turmas de um estagiário para o outro foi feito entre eles, sem mediação do tutor
nem do formador acompanhante. Além disso, esta permuta faz com que os alunos, particularmente
os da 6ªclasse, estabeleçam comparações acerca dos estagiários e, em alguns casos, manifestem
preferência pelo estagiário anterior, como por exemplo, aconteceu com os alunos das escolas
primária e secundária SOS, na província de Cabo Delgado e os das escolas de Txolo, Vacha,
Enhenhe (Alto Molócuè).

5. Conclusões e recomendações
Os diferentes modelos de formação de professores foram surgindo em resposta as
necessidades do momento visando sempre, directa ou indirectamente, a melhoria da qualidade de
ensino. O último modelo desenhado em 2012 e ainda em fase de experimentação é o de 10ª + 3,
modelo cujo plano curricular foi bem desenhado e se correctamente implementado, o produto
dessa formação seria de facto, um professor modelo para as aspirações de Moçambique. Um
professor que verdadeiramente contribuiria para uma qualidade de ensino elevada e,
consequentemente para um melhor desenvolvimento do País.
Foi sobre esse último modelo que nos debruçamos e sobre o qual poderemos destacar como
desafios essenciais os seguintes:
i. Melhoria dos módulos de Ciências Naturais e Matemática tendo em conta os erros que
transportam e dado que ainda há disciplinas cujos módulos ainda não existem, tornando-se
urgente que os mesmos sejam produzidos, evitando, assim, que os formadores usem outro
tipo de fontes que eventualmente podem não ser as mais adequados;
ii. Dificuldade de adaptação a monodocência do curso. São várias as disciplinas e não há
meios suficientes para formar um professor capaz de lidar com os vários aspectos das
diferentes disciplinas. Há necessidade de uma maior organização no curso de formação de
modo a fortalecer o formando com vista a ter capacidade de lidar com os aspectos atinentes
a monodocência;
iii. Ausência de recursos materiais e metodológicos para a leccionação dos alunos com
necessidades educativas especiais. Os IFPs devem ser apetrechados de modo a permitir que
o formando saia do curso com capacidade de leccionar aos alunos com necessidades
educativas especiais e que os conteúdos relacionados com este tipo de alunos sejam
devidamente cobertos. Além disso, os IFPs devem ser apetrechados com os materiais a
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serem usados durante a leccionação, como forma de o formando familiarizar-se com os


mesmos.
iv. Atrasos exagerados no pagamento de subsídios dos formandos. Este é um aspecto
preocupante, pois afecta aos formandos em termos de alimentação e transporte, condições
importantes para o seu bom desempenho. É imperioso que se envidem esforços para que
os atrasos não sejam sistemáticos, nem muito longos, pois chegam a atingir meses.
v. Desagrado, por parte dos professores estagiários, pela rotação nos ciclos de aprendizagem.
Este aspecto é preocupante, pois ocorre muitas vezes de forma informal, de um formando
para o outro. Possível saída é assegurar que os formandos deixem de rodar pelos diferentes
ciclos ou que a transição de um ciclo para outro ocorra de forma formal, o que permitirá
que possíveis orientações sejam correctamente transmitidas, o professor estagiário saberá
com que aluno está a lidar, o que no mínimo fará com que os alunos não sintam grande
diferença com a mudança de professor. Isto permitirá uma continuidade calma dos
processos de ensino e aprendizagem iniciados.
Muitos mais desafios foram constatados pelo relatório do MINEDH, e que poderiam ser
indicados. Porém, neste artigo apontamos os desafios constatados através da nossa principal fonte
de dados, neste caso, o grupo de estagiários, os quais, por sinal, foram também apontados pelo
relatório acima referido.
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Referências
FAGILDE, S. A. M, Communication in the Teaching of Mathematics in Mozambique, Ramco
Printing Press, Nairobi, Kenya, 2007.
GOLIAS, M. Sistema de Ensino em Moçambique: passado e Presente”. Maputo, Editora Escolar,
1993.
GÓMEZ, M.B. Educação Moçambicana - História de um processo: 1962-1984. Livraria
Universitária, Maputo, Moçambique, 1999.
INDE. Relatório da Monitoria 2009. “Leitura e Escrita Iniciais”, 2010.
INDE/MINED. Plano Curricular do Curso de Formação de Professores do Ensino Primário,
Maputo, 2011.
MAZULA, B. Educação, Cultura e ideologia em Moçambique: 1975-1985. Edições Afrontamento
e Fundo Bibliográfico de Língua Portuguesa, 1995.
MINEDH. Relatório de avaliação do novo modelo de formação de professores (10ª+3). Maputo,
2014.
NIQUICE. A. “Formação de Professores Primários – Construção do Currículo”, Texto Editores,
Maputo, 2006.

Legislação
Lei. Nº 4/83de SNE de 23 de Março 1983.
Lei. Nº 6/92de SNE de 6 de Maio1992.
SISTEMA NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Linhas Gerais e Lei Nº 4/83, 19

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