Resp 2.037.088

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RECURSO ESPECIAL Nº 2037088 - SP (2022/0278828-0)

RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE


RECORRENTE : ERNST & YOUNG AUDITORES INDEPENDENTES S/S
ADVOGADOS : DIÓGENES MENDES GONÇALVES NETO - SP139120
GIANVITO ARDITO - SP305319
ISABELLA NOVAIS DIAS - SP452735
RECORRIDO : AUGE INVESTMENTS LTD
ADVOGADO : RICARDO BOTOS DA SILVA NEVES - SP143373

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS, COM


FUNDAMENTO NOS INCISOS II E III DO ART. 381 DO CPC. DEFERIMENTO LIMINAR DO
PEDIDO, SEM OITIVA DA PARTE ADVERSA. INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO DE
INSTRUMENTO, NÃO CONHECIDO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM, A PRETEXTO DE
APLICAÇÃO DO § 4º DO ART. 382 DO CPC. CONTRADITÓRIO. VULNERAÇÃO.
RECONHECIMENTO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A controvérsia posta no recurso especial centra-se em saber se, no procedimento de
produção antecipada de prova, a pretexto da literalidade do § 4º do art. 382 do Código de
Processo Civil, não haveria, em absoluto, espaço para o exercício do contraditório, tal como
compreenderam as instâncias ordinárias, a ponto de o Juízo a quo, liminarmente – a despeito
da ausência do requisito de urgência – e sem oitiva da parte demandada, determinar-lhe, de
imediato, a exibição dos documentos requeridos, advertindo-a sobre o não cabimento de
nenhuma defesa; bem como de o Tribunal de origem, com base no mesmo dispositivo legal,
nem sequer conhecer do agravo de instrumento contraposto a essa decisão.
2. O proceder levado a efeito pelas instâncias ordinárias aparta-se, por completo, do chamado
processo civil constitucional, concebido como garantia individual e destinado a dar
concretude às normas fundamentais estruturantes do processo civil, utilizadas, inclusive,
como vetor interpretativo de todo o sistema processual civil.
3. Eventual restrição legal a respeito do exercício do direito de defesa da parte não pode, de
modo algum, conduzir à intepretação que elimine, por completo, o contraditório. A vedação
legal quanto ao exercício do direito de defesa somente pode ser interpretada como a proibição
de veiculação de determinadas matérias que se afigurem impertinentes ao procedimento nela
regulado. Logo, as questões inerentes ao objeto específico da ação em exame e do correlato
procedimento estabelecido em lei poderão ser aventadas pela parte em sua defesa, devendo-
se permitir, em detida observância do contraditório, sua manifestação, necessariamente, antes
da prolação da correspondente decisão.
4. Reconhecida a existência de um direito material à prova, autônomo em si, ressai claro
que, no âmbito da ação probatória autônoma, mostra-se de todo imprópria a veiculação de
qualquer discussão acerca dos fatos que a prova se destina a demonstrar, assim como sobre
as consequências jurídicas daí advindas.
5. As ações probatórias autônomas guardam, em si, efetivos conflitos de interesses em torno
da própria prova, cujo direito à produção constitui a própria causa de pedir deduzida e,
naturalmente, passível de ser resistida pela parte adversa, por meio de todas as defesas e
recursos admitidos em nosso sistema processual, na medida em que sua efetivação importa,
indiscutivelmente, na restrição de direitos.
6. É de se reconhecer, portanto, que a disposição legal contida no art. 382, § 4º, do Código de
Processo Civil não comporta interpretação meramente literal, como se no referido
procedimento não houvesse espaço algum para o exercício do contraditório, sob pena de se
incorrer em grave ofensa ao correlato princípio processual, à ampla defesa, à isonomia e ao
devido processo legal.
7. Recurso especial provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,


acordam os Ministros da Terceira Turma, por unanimidade, dar provimento ao recurso
especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, Nancy Andrighi, Paulo de Tarso
Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva (Presidente) votaram com o Sr. Ministro
Relator.

Brasília, 07 de março de 2023.

MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Relator


RECURSO ESPECIAL Nº 2037088 - SP (2022/0278828-0)

RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE


RECORRENTE : ERNST & YOUNG AUDITORES INDEPENDENTES S/S
ADVOGADOS : DIÓGENES MENDES GONÇALVES NETO - SP139120
GIANVITO ARDITO - SP305319
ISABELLA NOVAIS DIAS - SP452735
RECORRIDO : AUGE INVESTMENTS LTD
ADVOGADO : RICARDO BOTOS DA SILVA NEVES - SP143373

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS, COM


FUNDAMENTO NOS INCISOS II E III DO ART. 381 DO CPC. DEFERIMENTO LIMINAR DO
PEDIDO, SEM OITIVA DA PARTE ADVERSA. INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO DE
INSTRUMENTO, NÃO CONHECIDO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM, A PRETEXTO DE
APLICAÇÃO DO § 4º DO ART. 382 DO CPC. CONTRADITÓRIO. VULNERAÇÃO.
RECONHECIMENTO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A controvérsia posta no recurso especial centra-se em saber se, no procedimento de
produção antecipada de prova, a pretexto da literalidade do § 4º do art. 382 do Código de
Processo Civil, não haveria, em absoluto, espaço para o exercício do contraditório, tal como
compreenderam as instâncias ordinárias, a ponto de o Juízo a quo, liminarmente – a despeito
da ausência do requisito de urgência – e sem oitiva da parte demandada, determinar-lhe, de
imediato, a exibição dos documentos requeridos, advertindo-a sobre o não cabimento de
nenhuma defesa; bem como de o Tribunal de origem, com base no mesmo dispositivo legal,
nem sequer conhecer do agravo de instrumento contraposto a essa decisão.
2. O proceder levado a efeito pelas instâncias ordinárias aparta-se, por completo, do chamado
processo civil constitucional, concebido como garantia individual e destinado a dar
concretude às normas fundamentais estruturantes do processo civil, utilizadas, inclusive,
como vetor interpretativo de todo o sistema processual civil.
3. Eventual restrição legal a respeito do exercício do direito de defesa da parte não pode, de
modo algum, conduzir à intepretação que elimine, por completo, o contraditório. A vedação
legal quanto ao exercício do direito de defesa somente pode ser interpretada como a proibição
de veiculação de determinadas matérias que se afigurem impertinentes ao procedimento nela
regulado. Logo, as questões inerentes ao objeto específico da ação em exame e do correlato
procedimento estabelecido em lei poderão ser aventadas pela parte em sua defesa, devendo-
se permitir, em detida observância do contraditório, sua manifestação, necessariamente, antes
da prolação da correspondente decisão.
4. Reconhecida a existência de um direito material à prova, autônomo em si, ressai claro
que, no âmbito da ação probatória autônoma, mostra-se de todo imprópria a veiculação de
qualquer discussão acerca dos fatos que a prova se destina a demonstrar, assim como sobre
as consequências jurídicas daí advindas.
5. As ações probatórias autônomas guardam, em si, efetivos conflitos de interesses em torno
da própria prova, cujo direito à produção constitui a própria causa de pedir deduzida e,
naturalmente, passível de ser resistida pela parte adversa, por meio de todas as defesas e
recursos admitidos em nosso sistema processual, na medida em que sua efetivação importa,
indiscutivelmente, na restrição de direitos.
6. É de se reconhecer, portanto, que a disposição legal contida no art. 382, § 4º, do Código de
Processo Civil não comporta interpretação meramente literal, como se no referido
procedimento não houvesse espaço algum para o exercício do contraditório, sob pena de se
incorrer em grave ofensa ao correlato princípio processual, à ampla defesa, à isonomia e ao
devido processo legal.
7. Recurso especial provido.

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso especial interposto por interposto por Ernst & Young
Auditores Independentes S.S., com fundamento nas alíneas a e c do permissivo
constitucional, em contrariedade a acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo.

Subjaz ao presente recurso especial ação de produção antecipada de


provas, com esteio nos arts. 319 e 381, II e III, do Código de Processo Civil, promovida
por Auge Investiments Ltd. contra Ernst & Young Auditores Independentes S.S. na qual
pretende a exibição de documentos que estariam na posse da requerida, bem como a
prestação de informações que seriam de seu conhecimento, em razão de sua atuação,
por mais de 10 (dez) anos, como auditora fiscal e contábil das demonstrações
apresentadas por Wirecard AG (empresa com sede na Alemanha e subsidiária no
Brasil), de quem a demandante aderiu a uma nota estruturada, com prazo de resgate
de 12 (doze) meses, pelo qual receberia um valor fixo (coupom) de 14,37%, o que,
contudo, não veio a se concretizar em virtude da superveniente declaração de falência
da Wirecard AG, em 21/8/2020, decorrente de uma série de suspeitas de prática de
fraudes, manipulação de mercado, crimes financeiros e fiscais (e-STJ, fls. 71-82).

Nesse contexto, a demandante – Auge Investiments Ltd. – requereu a


exibição de documentos e apresentação de informações, assim especificadas (e-STJ,
fls. 80-82):

ii. i. cópia integral de atos societários da Requerida desde a sua constituição


no Brasil, assim como de outras empresas que operem no Brasil sob a
marca UBS controle direto ou indireto ou uso da marca Ernst & Young;
ii. ii. cópia integral dos documentos legais da existência da Ernst & Young
Global Limited e sua operação, assim como quem são seus sócio;
ii. iii. organograma demonstrando de que forma a Ernst & Young Global
Limited atua e controla a suas afiliadas no mundo, indicando quem são os
representantes legais da Matriz Ernst & Young Global Limited, a Requerida e
a coligada na Alemanha Ernst & Young GmbH;
ii. iv. cópia de contratos ou acordo de operação entre a Requerida e a Matriz
Ernst & Young Global Limited, e de que forma a empresa Matriz Global
recebe remuneração (distribuição de lucros, royalties, comissão ou de outra
forma);
ii. v. informação de quem eram os sócios, gerentes ou funcionários da
coligada Ernst & Young GmbH que atendiam a Wirecard na Alemanha;
ii. vi. informação que qual foi o valor pago à coligada na Alemanha Ernst &
GmbH pelos serviços de auditoria à Wirecard AG nos anos de 2015 à 2020;
ii. vii. informar se a coligada na Alemanha Ernst & Young GmbH ou qualquer
uma de suas afiliadas ou colidas, além de prestar serviços de auditoria à
Wirecard AG também prestava algum tipo de consultoria; ii. vii. cópia dos
papéis de trabalho (anotações de campo das equipes de auditores) relativo
ao trabalho de auditoria na Wirecard AG nos anos de 2015 à 2020;
ii. viii. cópia dos relatórios das auditorias nos anos de 2015 à 2020 na
Wirecard AG e suas afiliadas;
ii. ix. cópias de relatórios, correspondências, mensagens eletrônicas e
telemáticas, atas de reuniões, memorandos ou qualquer documento emitido
pela coligada da Requerida Ernst & Young GmbH ou sua Matriz Matriz Ernst
& Young Global Limited onde tenham sido tratada, discutida, relatada,
mencionada ou de alguma forma alertada a Wirecard AG da existência de
práticas que sejam consideradas contrárias as regras do mercado financeiro,
conformidades (Compliance), manipulação de mercado ou contrárias as
boas práticas financeiras e contábeis;
ii. x. cópias de relatórios, correspondências, mensagens eletrônicas e
telemáticas, atas de reuniões, memorandos ou qualquer documento interno
da coligada da Requerida Ernst & Young GmbH ou sua Matriz Ernst & Young
Global Limited onde tenham sido tratada, discutida, relatada, ou de alguma
forma mencionada a existência ou a suspeita da existência na Wirecard AG
da existência de práticas que sejam consideradas contrárias as regras do
mercado financeiro, conformidades (Compliance), manipulação de mercado
ou contrárias as boas práticas financeiras e contábeis;
ii. xii. cópias de correspondências, mensagens eletrônicas e telemáticas,
atas de reuniões, memorandos ou qualquer documento originados de
executivos, diretores ou acionistas das Wirecard AG e Wirecard Acquiring &
lssuing GmbH onde exista a solicitação de que a coligada da Requerida
Ernst & Young GmbH ou sua Matriz Ernst & Young Global Limited não
divulgassem ou não fizessem ressalvas nas demonstrações da Wirecard AG,
Wirecard Acquiring & Issuing GmbH ou qualquer outra empresa que fizesse
parte do Grupo Wirecard;
ii. xiii. informar e apresentar os documentos que levaram a coligada da
Alemanha Ernst & Young GmbH ou sua Matriz Ernst & Young Global Limited
a decidirem em 18.06.2020 que não assinar o balanço da Wirecard AG; ii.
xiv. apresentar todas as informações e documentos que a coligada da
Requerida Ernst & Young GmbH ou sua Matriz Ernst & Young Global Limited
tenham produzido, estejam de posse ou tenham conhecimento que permita
ser compreendida as fraudes praticadas pela Wirecard, em razão da
afirmação feita à CNBC 6 do "envolvimento de agentes ao redor do mundo
em diferentes instituições, com o objetivo deliberado de fraude";
ii. xiv. cópia integral de processos ou investigações civis, criminais ou
disciplinares que tenham sido iniciados contra a coligada da Requerida Ernst
& Young GmbH, sua Matriz Ernst & Young Global Limited e qualquer outra
coligada, filial, escritório ou agencia no mundo para apuração de
responsabilidade ou omissões nas auditorias das empresas ou de seus
funcionários no caso da Wirecard;
ii. xv. cópia integral de procedimentos, investigações ou auditoria iniciados
pela coligada da Requerida Ernst & Young GmbH ou sua Matriz Ernst &
Young Global Limited para apuração de responsabilidade de seus
funcionários, gerentes, diretores ou sócios em razão de ações ou omissões
no caso da Wirecard AG.
ii. xvi. cópia de relatório ou conclusão dos procedimentos mencionados no
item ii. xv. anterior, com a informação se algum de seus funcionários,
gerentes, diretores ou sócios foi de alguma maneira penalizado em razão de
ações ou omissões em razão da prestação de serviços de auditoria à
Wirecard AG ou outras empresas do mesmo Grupo;
ii. xvii. cópia de documentos internos da Requerida, da sua Matriz ou
afiliadas no mundo, que tenham sido emitidos após a divulgação do caso
Wirecard com a indicação e orientação para adoção de novas práticas de
controle ou mudanças nos procedimentos de auditoria;

Em primeira instância, o Juízo a quo, ao receber a inicial, deferiu, de plano, a


medida postulada, a fim de que a parte demandada promovesse a exibição dos
documentos indicados na inicial, no prazo de 30 (trinta) dias, oportunidade em que
determinou a citação, advertindo que, "nos termos do art. 382, § 4º, do CPC, neste
procedimento não se admitirá defesa ou recurso, salvo contra decisão que indeferir
totalmente a produção da prova pleiteada pelo requerente originário" (e-STJ, fl. 52).

Irresignada, Ernst & Young Auditores Independentes S.S. interpôs agravo de


instrumento, do qual o Tribunal de origem não conheceu com fundamento, justamente,
no art. 382, § 4º, do CPC, nos termos da seguinte ementa (e-STJ, fl. ):

Agravo de instrumento. Produção antecipada de provas. Deferimento do


pedido. Interposição de recurso. Impossibilidade. Exegese do art. 382, §4º,
do CPC. Recurso não conhecido.

Em seu apelo especial (e-STJ, fls. 488-505), fundado nas alíneas a e c do


permissivo constitucional, Ernst & Young Auditores Independentes S.S. apontou
violação dos arts. 382, § 4º, 489, § 1°, III, IV e VI, 927, 1.022, II e parágrafo único, I,
1.015, I e VI, do CPC, além de dissídio jurisprudencial.
Em resumo, sustentou que o acórdão recorrido (e-STJ, fl. 208):

(i) viola os arts. 489, § 1°, III, IV e VI, e 1.022, II e parágrafo único, I, do CPC,
pois mesmo após a oposição de Embargos de Declaração, não se
pronunciou acerca da aplicação do art. 1.015, I e VI, do CPC à espécie, bem
como do Tema Repetitivo 988, que são temas essenciais para o deslinde da
pretensão recursal de EY AUDITORES;
(ii) viola os arts. 382, § 4º, 927 e 1.015, I e VI, do CPC, uma vez que (ii. a) a
r. Decisão Agravada Liminar e a pretensão de Auge Investments se referem
apenas à exibição de documentos (hipótese do inciso VI), (ii. b) a r. Decisão
Agravada Liminar possui natureza de tutela provisória de caráter satisfativo
(hipótese do inciso I) e (ii. c) há urgência na apreciação da questão em razão
da inutilidade de seu exame posterior (Tema Repetitivo nº 988, relativo à
natureza do rol do art. 1.015); e
(iii) cria dissídio jurisprudencial ao conferir interpretação diversa de outros
Tribunais ao art. 382, § 4º, do CPC e ao deixar de aplicar à espécie o art.
1.015, VI, do CPC.

A parte adversa apresentou contrarrazões às fls. 290-299 (e-STJ).

O Tribunal de Justiça de São Paulo negou seguimento ao seu recurso


especial por reputar que a violação dos dispositivos legais indicados não teria sido
demonstrada, além de considerar incidente o enunciado n. 7 da Súmula do Superior
Tribunal de Justiça (e-STJ, fls. 513-516), o que ensejou a interposição de agravo, com
pedido de atribuição de efeito suspensivo.

Esta relatoria, diante da relevância da argumentação expendida no recurso


especial – unicamente de direito –, bem como em virtude da urgência do pedido, a
considerar a natureza satisfativa da medida, cujo cumprimento teria o condão de
esvaziar por completo o julgamento do presente recurso, conferiu-lhe efeito suspensivo,
determinando fosse o agravo convertido em recurso especial, para oportuna submissão
da questão a este colegiado (fls. 344-348).

É o relatório.

VOTO

A controvérsia posta neste recurso especial, para além da discussão acerca


da ocorrência de negativa de prestação jurisdicional, centra-se em saber se, no
procedimento de produção antecipada de prova, a pretexto da literalidade do § 4º
do art. 382 do Código de Processo Civil, não haveria, em absoluto, espaço para o
exercício do contraditório, tal como compreenderam as instâncias ordinárias, a
ponto de o Juízo a quo, liminarmente – a despeito da ausência do requisito de
urgência – e sem oitiva da parte demandada, determinar-lhe, de imediato, a
exibição dos documentos requeridos, advertindo-a sobre o não cabimento de
nenhuma defesa, bem como de o Tribunal de origem, com base no mesmo
dispositivo legal, nem sequer conhecer do agravo de instrumento contraposto a
essa decisão.

Ainda para a adequada delimitação da questão, saliente-se que a subjacente


ação de produção antecipada de provas, promovida por Auge Investiments Ltd.
contra Ernst & Young Auditores Independentes S.S. encontra-se fundada no art. 381, II
e III, do CPC, tendo por propósito, portanto, "viabilizar a autocomposição ou justificar
ou evitar o ajuizamento de futura ação" (e-STJ, fl. 52).

A pretensão probatória, tal como veiculada em sua inicial, encontra-se


absolutamente desvinculada da urgência, esta compreendida como o risco de
perecimento do direito à prova (nos termos do inciso I do art. 381 do CPC).
O registro se afigura relevante, uma vez que, malgrado a ausência de
qualquer pedido de tutela de urgência por parte da demandante – coerente com os
fundamentos da ação –, o Juízo a quo, ao receber a inicial, deferiu a medida postulada,
liminarmente e sem a oitiva da parte adversa, a fim de que esta promovesse a exibição
dos documentos indicados na inicial, no prazo de 30 (trinta) dias, oportunidade em que
determinou a citação, advertindo que, "nos termos do art. 382, § 4º, do CPC, neste
procedimento não se admitirá defesa ou recurso, salvo contra decisão que indeferir
totalmente a produção da prova pleiteada pelo requerente originário" (e-STJ, fl. 52).
Isso é o que, claramente, se constata de seu teor:

Vistos.
A produção antecipada da prova só pode ser admitida nos casos em que
houver fundado receio de que venha a tornar-se impossível ou muito difícil a
verificação de certos fatos na pendência da ação; que a prova a ser
produzida seja suscetível de viabilizar a autocomposição ou outro meio
adequado de solução de conflito; ou, ainda, que o prévio conhecimento dos
fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de ação, tudo nos termos do art.
381 do CPC.
No caso dos autos, a exibição da documentação requerida pode viabilizar a
autocomposição ou mesmo evitar o ajuizamento de futura ação, razão pela
qual defiro a medida, determinando sejam exibidos pela ré os seguintes
documentos, no prazo de 30 (trinta) dias úteis:
[...]
Cite(m)-se os interessados, os quais deverão ser cientificados de que,
nos termos do art. 382, § 4° do CPC, neste procedimento não se
admitirá defesa ou recurso, salvo contra decisão que indeferir
totalmente a produção da prova pleiteada pelo requerente originário.

Contraposto o agravo de instrumento, o Tribunal estadual, sob o mesmo


fundamento, não conheceu do recurso (e-STJ, fl. 165).

Cuidam os autos de ação de produção antecipada de provas. Deferido o


pedido de apresentação de documentos, foi interposto o presente recurso.
Contudo, nos termos do art. 382, §4º, do CPC, “Neste procedimento, não se
admitirá defesa ou recurso, salvo contra decisão que indeferir totalmente a
produção da prova pleiteada pelo requerente originário”. Nessa medida,
ainda que suscitadas matérias de ordem pública, fato é que a recorrente não
possui interesse recursal, por força de expressa disposição legal, o que
obsta o conhecimento do recurso.

O entendimento adotado pelo TJSP, suficientemente fundamentado, não


encerra, em si, nenhum vício de julgamento.

Não obstante, no mérito, não se pode deixar de reconhecer que o proceder


levado a efeito pelas instâncias ordinárias, permissa venia, aparta-se, por completo, do
chamado processo civil constitucional, concebido como garantia individual e
destinado a dar concretude às normas fundamentais estruturantes do processo civil,
utilizadas, inclusive, como verdadeiro vetor interpretativo de todo o sistema processual
civil.

Os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição Federal


consistem no fundamento de validade – e mesmo de legitimidade – de todo e qualquer
regramento processual. Com o propósito de reforçar essa concepção jurídico-positiva,
há muito internalizada na doutrina e na jurisprudência processualista nacional, o
Código de Processo Civil, em seu art. 1º, estabeleceu que: "o processo civil será
ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais
estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as
disposições deste Código".

Logo, as normas fundamentais de conteúdo principiológico – estruturantes e,


portanto, superiores aos demais regramentos –, que traduzem e asseguram o
tratamento isonômico das partes no processo, o direito de defesa, bem com o
contraditório, hão de ser necessariamente observadas na aplicação e na interpretação
de todos os dispositivos legais previstos no Código de Processo Civil.

Em face da relevância dessa diretriz, o Código de Processo Civil, com vistas


a dar plena consecução ao princípio do contraditório, além de assegurar às partes os
meios de defesa necessários à tutela de seus interesses e direitos, confere-lhes, entre
outras prerrogativas, a indispensável oportunidade de se manifestarem antes
da vindoura decisão, a fim de que as correlatas alegações possam ser sopesadas e
influir na convicção fundamentada do Juízo.

Essa é a conclusão que, nitidamente, se denota dos seguintes dispositivos


legais, insertos na parte geral, em destaque:

Art. 7º É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao


exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa,
aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo
ao juiz zelar pelo efetivo contraditório.
Art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às
exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da
pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a
legalidade, a publicidade e a eficiência.
Art. 9º Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja
previamente ouvida.
Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica:
I - à tutela provisória de urgência;
II - às hipóteses de tutela da evidência previstas no art. 311, incisos II e III ;
III - à decisão prevista no art. 701 .
Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base
e fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes
oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a
qual deva decidir de ofício.
Art. 11. Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos,
e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade.
Parágrafo único. Nos casos de segredo de justiça, pode ser autorizada a
presença somente das partes, de seus advogados, de defensores públicos
ou do Ministério Público.

Por evidente, é possível que as normas processuais estipulem o modo como


o contraditório deva ser exercido, diferindo-o eventualmente; ou mesmo, em função
das especificidades de determinado procedimento, possam restringir as matérias
passíveis de serem nele arguidas. A restrição do direito de defesa, estabelecida em
lei, encontra justificativa, portanto, nas particularidades e, principalmente, na finalidade
do procedimento por ela regulado.

Não há, obviamente, nenhuma vulneração ao princípio do contraditório em


tais disposições legais.

Todavia, eventual restrição legal a respeito do exercício do direito de


defesa da parte não pode, de maneira alguma, conduzir à intepretação que
elimine, por completo, o contraditório, como se deu na hipótese dos autos.

A vedação legal quanto ao exercício do direito de defesa somente pode ser


interpretada como a proibição de veiculação de determinadas matérias que se afigurem
impertinentes ao procedimento nela regulado. Logo, as questões inerentes ao objeto
específico da ação em exame e do correlato procedimento estabelecido em lei
poderão ser aventadas pela parte em sua defesa, devendo-se permitir, em detida
observância do contraditório, sua manifestação, necessariamente, antes da
prolação da correspondente decisão.

Por conseguinte, o § 4º do art. 382 do CPC – ao estabelecer que, no


procedimento de antecipação de provas, "não se admitirá defesa ou recurso, salvo
contra decisão que indeferir totalmente a produção da prova pleiteada pelo requerente
originário" – não pode ser interpretado em sua acepção literal.

Importa, nesse passo, bem identificar o objeto específico da ação de


produção antecipada de provas, bem como o conflito de interesses nela inserto, a fim
de delimitar em que extensão o contraditório pode ser nela exercido.

Como é de sabença, o Código de Processo Civil de 2015 buscou reproduzir,


em seus termos, compreensão há muito difundida entre os processualistas de que a
prova, na verdade, tem como destinatário imediato não apenas o juiz, mas também,
diretamente, as partes envolvidas no litígio.

Reconhece-se, assim, à parte o direito material à prova, cuja tutela pode se


referir tanto ao modo de produção de determinada prova (produção antecipada de
prova, prova emprestada e a prova "fora da terra"), como ao meio de prova
propriamente concebido (ata notarial, depoimento pessoal, confissão, exibição de
documentos ou coisa, documentos, testemunhas, perícia e inspeção judicial).

Nesse contexto, reconhecida a existência de um direito material à prova,


autônomo em si – que não se confunde com os fatos que ela se destina a
demonstrar (objeto da prova), tampouco com as consequências jurídicas daí
advindas, podendo (ou não) subsidiar outra pretensão –, a lei adjetiva civil
estabelece instrumentos processuais para o seu exercício, que pode se dar
incidentalmente, no bojo de um processo já instaurado entre as partes, ou por meio de
uma ação autônoma (ação probatória lato sensu).

No último caso, além das situações que revelem urgência e risco à prova, a
pretensão posta na ação probatória autônoma pode, eventualmente, se exaurir na
produção antecipada de determinada prova (meio de produção de prova) ou na
apresentação/exibição de determinado documento ou coisa (meio de prova ou meio de
obtenção de prova – caráter híbrido), a permitir que a parte demandante, diante da
prova produzida ou do documento ou coisa apresentada, avalie sobre a existência de
um direito passível de tutela e, segundo um juízo de conveniência, promova ou não a
correlata ação.

De tais considerações já se pode antever que, no âmbito da ação


probatória autônoma, mostra-se de todo imprópria a veiculação de discussão
acerca dos fatos que a prova se destina a demonstrar ou sobre as consequências
jurídicas daí advindas.

A vedação contida no dispositivo legal em comento (§ 4º do art. 382 do


CPC), por evidente, refere-se a essas matérias, absolutamente impertinentes ao
objeto tratado na ação de produção antecipada de provas.

Não se pode olvidar, por outro lado, de que as ações probatórias


autônomas não consubstanciam um procedimento simplificado e meramente
administrativo presidido pelo Poder Judiciário, em jurisdição voluntária, como se
poderia cogitar. Em verdade, guardam, em si, efetivos conflitos de interesses em torno
da própria prova, cujo direito à produção constitui a própria causa de pedir deduzida e,
naturalmente, passível de ser resistida pela parte adversa, na medida em que sua
efetivação importa, indiscutivelmente, na restrição de direitos.
Nesse sentido, oportuna a transcrição do escólio de Flávio Luiz Yarshell e
Gilherme Setogui Pereira em artigo que, embora voltado a definir a competência, se
arbitral ou estatal, para conhecimento e julgamento de ação de produção antecipada de
provas, bem identifica o conflito de interesses nela instaurado, nos seguintes termos,
no que interessa à questão posta:

[...]
De todo modo, sendo a jurisdição atividade vocacionada à solução
imperativa de conflitos, cumpre [...] destacar especificamente onde está o
conflito no procedimento da produção antecipada da prova.
Sobre o tema, recorde-se que a natureza autônoma do direito à prova,
naturalmente, não o torna absoluto. Ao contrário: se a produção de
determinadas provas pode acarretar relevante restrição a valores
tutelados pelo ordenamento jurídico como o sigilo, a privacidade e
outros, é natural que o exercício de tal direito deva ser compreendido
dentro de certos limites. E esses limites deverão ser determinados a
partir da ligação que a prova cuja produção se requereu possui com a
situação de direito material subjacente.
As discussões, pois, que gravitam em torno do direito (ou não) à
produção de tal ou qual prova, conduzem à conclusão de que as ações
probatórias autônomas tratam de efetivos conflitos estabelecidos em
torno da própria prova, cujo direito à produção é o que constitui a
própria causa de pedir deduzida; e que, portanto, materializam real ou
potencial oneração ou restrição à esfera jurídica do demandado (tal
como acima se exemplificou com o sigilo e a privacidade). Dado que o
exercício do direito à prova, autônomo que é, onera as partes e gera efeitos
substanciais (e que atuam, inclusive, sobre mora, interrupção da prescrição
etc.), forçoso é concluir pela fragilidade do argumento que ora rebatemos;
ressalvado, naturalmente, respeito à convicção diversa.
[...] (Produção Antecipada de Prova Desvinculada da Urgência na
Arbitragem: Réquiem? YARSHELL, Flávio Luiz; PEREIRA, Guilherme
Setoguti (Coordenadores). in Processo Societário IV. São Paulo: Quartier
Latin, 2021, p. 455-472)

Devidamente caracterizado, então, o conflito de interesses em torno


da prova, cujo direito à produção é que constitui a própria causa de pedir deduzida e,
naturalmente, passível de ser resistida pela partes adversa por meio de todas as
defesas e recursos admitidas em nosso sistema processual.

Afinal, se a pretendida produção da prova pode acarretar restrição a direito


da parte demandada – o que, seguramente, há de ser sopesado pelo Juízo, a partir da
existência de um liame entre a prova cuja produção se requereu e a situação de direito
material subjacente existente entre as partes, que a legitima, em conjunto com todas a
condições da ação e pressupostos processuais –, dúvidas não podem subsistir em
relação à possibilidade do exercício do direito de defesa.

Há de se reconhecer, portanto, que a disposição legal contida no art. 382, §


4º, do Código de Processo Civil não comporta interpretação meramente literal, como se
no referido procedimento não houvesse espaço algum para o exercício do contraditório,
sob pena de se incorrer em grave ofensa ao correlato princípio processual (e até de
inconstitucionalidade – ut art. 5º, XXXVI, LIV e LV), sobretudo como se dá na hipótese
dos autos, em que a determinação judicial de exibição dos documentos, com
indiscutível natureza satisfativa, deu-se liminarmente, sem a oitiva da parte adversa, a
fustigar, por completo, o contraditório, nos termos acima propugnados.

Nessa linha de entendimento, Luiz Rodrigues Wambier e Eduardo Talamini


bem obtemperam que a suposta proibição de defesa deve ser compreendida como a
impossibilidade de discussão quanto ao mérito da pretensão para a qual a prova possa
servir no futuro, não se exigindo via específica para a formalização da contestação.

Por oportuno, transcreve-se o escólio dos insignes processualistas:

O art. 382, § 4º, estabelece que "não se admitirá defesa" no processo de


produção de provas. Tal dispositivo exige interpretação que salve da
inconstitucionalidade (CF/1988), art. 5º, XXXVI, LIV e LV).
Não há dúvidas de que o juiz detém poder para, mesmo de ofício,
controlar (i) defeitos processuais (ii) ausência dos pressupostos da
antecipação probatória e (iii) a admissibilidade e validade da prova.
Logo, o requerido tem o direito de provocar decisão do juiz a respeito
desses temas.
A suposta proibição de defesa deve ser compreendida apenas como (a)
ausência de uma via específica para formulação de contestação e (b)
não cabimento de discussão sobre o mérito da pretensão (ou defesa)
para a qual a prova pode servir no futuro (in Curso Avançado de Processo
Civil. Volume 2: Cognição Jurisdicional (Processo Comum de Conhecimento
e Tutela Provisória). 20ª Edição. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.
p. 390).

No mesmo sentido, em comentário ao § 4º do art. 382 do CPC, destaca-se


doutrina processualista de igual quilate:

[...] É certo que o processo de produção antecipada de prova, por restringir-


se à produção de prova, é bem simples e, em razão dessa simplicidade, o o
contraditório realmente não poderia ter a extensão que costuma ter no
procedimento comum.
Mas daí a dizer, como o faz o § 4º do art. 382, que neste procedimento
não haverá defesa nem recurso é um salto que o legislador
infraconstitucional não poderia dar - além de revelar incoerência; afinal,
no mesmo art. 382 há determinação de citação de todos os
interessados, até mesmo de ofício. Citação para ser mero expectador do
processo é inconcebível; cita-se para que o interessado participe do
processo; e a participação no processo dá-se pelo exercício do contraditório,
como se sabe.
Parece mais razoável compreender o dispositivo de modo não literal.
Há, sim, contraditório reduzido, mas não zerado: discute-se o direito à
produção da prova, a competência do órgão jurisdicional (se há regras
de competência, há possibilidade de o réu discutir a aplicação delas,
obviamente; a alegação de incompetência é matéria de defesa), a
legitimidade (com a consequente possibilidade de aplicação dos arts.
368 e 339 do CPC), o interesse, o modo de produção da perícia
(nomeação de assistente técnico, possibilidade de impugnação do
perito, etc) etc. Não se admite discussão em torno da valoração da
prova e dos efeitos jurídicos dos fatos probandos - isso será objeto de
contraditório em outro processo. Por essa razão, o Enunciado n. 32 das
Jornadas de Direito Processual Civil do Conselho da Justiça Federal ao
menos estabelece que a vedação contida no dispositivo em questão
não impede a alegação pelo réu de matérias cognoscíveis de ofício
(Didier Jr., Fredie; Braga, Paula Sarno; de Oliveira, Rafael Alexandria. Curso
de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Decisão,
Precedente, Coisa Julgada, Processo Estrutural e Tutela Provisória. Volume
2. 17ª Edição. São Paulo: Ed. Juspodivm, 2022. p. 186)
________________________________________

[...] O dispositivo, para não atritar com os princípios do contraditório e


da ampla defesa, componentes do modelo constitucional do direito
processual civil, deve ser interpretado no sentido de que o que está
proscrito do procedimento são as discussões relativas à avaliação da
prova, que serão feitas a posteriori. Do mesmo modo que não há como
subtrair do magistrado o dever de agir, ainda que oficiosamente, quanto
à regularidade do processo e da colheita da prova, não é dado impedir
que o réu se manifeste em idêntico sentido (Bueno, Cássio Scarpinella
Bueno. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil: Procedimento
Comum, Processos nos Tribunais e Recursos. Volume 2. 9ª Edição. São
Paulo: Saraiva. 2020. p. 237)
________________________________________

[...] E, como o objeto desse processo ou incidente é apenas a pretensão ao


conhecimento dos fatos a serem revelados pelo exame das fontes de prova,
a lei estabelece também que o "juiz não se pronunciará sobre a ocorrência
ou a inocorrência do fato nem sobre as respectivas consequências jurídicas"
(art. 382, § 2º). Ele decidirá somente sobre a existência ou inexistência do
direito à antecipação, jamais sobre eventuais direitos emergentes dessas
provas ou por elas demonstrados. Nesse processo ou incidente não se
admite qualquer defesa ou discussão envolvendo o direito a ser
eventualmente amparado pela prova postulada, o qual é estranho ao
seu objeto (CPC, art. 382, § 4º). Tal exclusão não pode porém ser
interpretada como abrangente do direito de defesa também quanto ao
próprio direito do autor ao conhecimento da prova, pois uma vedação
como essa colidiria com as garantias constitucionais do contraditório,
ampla defesa e devido processo legal. (Dinamarco, Cândido Rangel.
Instituições de Direito Processual Civil. Volume III. 8ª Edição. São Paulo:
Editora Malheiros. 2019. p. 118

De todo o exposto ressai evidenciado que o proceder adotado pelas


instâncias ordinárias desbordou por completo do processo civil constitucional, com
expressiva (e inadmissível) vulneração aos princípios do contraditório, da ampla
defesa, da isonomia e do devido processo legal.

Sobre o desfecho deste recurso especial, que se encaminha pelo


provimento, é importante fazer um esclarecimento.

No caso dos autos, conforme demonstrado, o Juízo a quo, liminarmente e


sem oitiva da parte adversa, determinou a citação da demandada para apresentar os
documentos indicados na inicial no prazo de 30 (trinta) dias, advertindo-a sobre não ser
possível a apresentação de nenhuma defesa, nos termos do § 4º do art. 384 do CPC.
Interposto agravo de instrumento, o Tribunal de Justiça de São Paulo, pelo mesmo
fundamento (qual seja, a dicção do referido dispositivo legal), não conheceu do
agravo de instrumento

Em se reconhecendo a afronta ao princípio do contraditório – do que se me


afigura inescapável, conforme se demonstrou pontualmente –, tem-se que o provimento
do presente recurso não poderia ensejar, simplesmente, o retorno dos autos ao
Tribunal de origem, para que este conheça do agravo de instrumento.

A ora recorrente, de modo preciso, também trouxe em suas razões


recursais fundamentação idônea quanto ao cabimento do agravo de instrumento, com
base no art. 1.015, I e VI, do Código de Processo Civil, e, em atenção à tese fixada no
Tema repetitivo n. 988 (a violar também o art. 927 do CPC), no que lhe assiste razão,
indubitavelmente. O cabimento do agravo de instrumento contra a decisão liminar que
determinou a exibição de documentos, pela dicção do art. 1.015, I e VI, afigura-se, pois,
indiscutível.

Esse, todavia, não foi o fundamento adotado pelo Tribunal de origem para
não conhecer do agravo de instrumento. Compreendeu-se, como visto, pelo absoluto
descabimento do exercício do contraditório (no caso, inclusive, por meio de recurso),
nos exatos termos decididos pelo Juízo a quo.

Por se tratar de mesmo fundamento, o provimento deste recurso


especial, transcende, na verdade, a própria decisão de primeira instância,
tornando-a insubsistente.

Em arremate, na esteira dos fundamentos acima delineados, dou provimento


ao recurso especial, para tonar sem efeito a decisão de primeira instância que
determinou a citação da parte demandada para apresentar a documentação no prazo
de 30 (trinta) dias, a fim de que lhe seja concedida a oportunidade de apresentar a
defesa que reputar conveniente, pertinente com o objeto do procedimento em exame,
nos termos da presente fundamentação, observando-se, a partir de então, o devido
processo legal.
É o voto.
Superior Tribunal de Justiça S.T.J
Fl.__________

CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2022/0278828-0 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 2.037.088 / SP

Números Origem: 10212243620218260100 102122436202182601003502021 20220000004777


20220000116818 21118716920218260000 2111871692021826000050000
3502021
PAUTA: 07/03/2023 JULGADO: 07/03/2023

Relator
Exmo. Sr. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. ONOFRE DE FARIA MARTINS
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : ERNST & YOUNG AUDITORES INDEPENDENTES S/S
ADVOGADOS : DIÓGENES MENDES GONÇALVES NETO - SP139120
GIANVITO ARDITO - SP305319
ISABELLA NOVAIS DIAS - SP452735
RECORRIDO : AUGE INVESTMENTS LTD
ADVOGADO : RICARDO BOTOS DA SILVA NEVES - SP143373
ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Responsabilidade Civil - Indenização por Dano Material

SUSTENTAÇÃO ORAL
Dr. GIANVITO ARDITO, pela parte RECORRENTE: ERNST & YOUNG AUDITORES
INDEPENDENTES S/S
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na
sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Terceira Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos
termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, Nancy Andrighi, Paulo de Tarso Sanseverino e
Ricardo Villas Bôas Cueva (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.

C542524551=04 43047890@ 2022/0278828-0 - REsp 2037088

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