Jornal Brasil de Fato - 30 de Julho A 05 Agosto de 2015

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Daniela Alarcon

Ibama e ICMBio contra ribeirinhos do Pará Págs. 10 e 11

Circulação Nacional Uma visão popular do Brasil e do mundo R$ 3,00

Ano 13 • Número 648 São Paulo, de 30 de julho a 5 de agosto de 2015 www.brasildefato.com.br

Caminhos e desencontros
ABr

na Pátria Educadora
Em reportagem especial, educadores e militantes discutem as bases da
proposta de reforma educacional elaborada pela Secretaria de Assuntos
Estratégicos por encomenda da Presidência da República. Prioridade
da lógica empresarial na gestão e no currículo e falta de diálogo com o
PNE são algumas das principais críticas. Págs. 4, 5 e 6

Hackers italianos vendem


software espião para a PF Pág. 8

A crise grega e o futuro


de Tsipras e do Syriza Págs. 14 e 15

ISSN 1978-5134

Marcelo Barros Altamiro Borges Dirceu Benincá

Igreja e movimentos “Diálogo” com FHC Francisco e o capitalismo


Julho foi marcado pela visita do papa Na semana passada, a mídia tucana Tal como na história bíblica do pequeno
Francisco a três países: Equador, Bolívia especulou que Lula pretendia “abrir o Davi diante do gigante Golias, papa
e Paraguai. Antes de partir de Roma, ele diálogo” com o grão-tucano FHC. A notícia Francisco, saído do “fim do mundo”, vem
declarou ter escolhido visitar três dos países serviu apenas para criar confusão e gerar arremessando petardos contra o capitalismo.
mais pobres do continente. Pág. 2 cizânia nas bases governistas. Pág. 3 E mira-os bem na jugular. Pág. 3
2 de 30 de julho a 5 de agosto de 2015

editorial

Lutar para derrotar a direita e os golpistas


AO ADOTAR uma política de ajuste
fiscal de matriz neoliberal, não foram
de aprovação que recebe a presidenta
Dilma, em seis meses do seu segun-
As mobilizações do a recessão. Uma irracionalida-
de que parece ter contagiado a presi-
verá resistência popular à sua esca-
lada antidemocrática. A lei pela de-
poucos os alertas emitidos pelas for-
ças políticas, que asseguraram a vitó-
do mandato.
Trágico é que o arrocho neolibe-
populares e denta.
As aves de rapina da política brasi-
mocratização da comunicação pode
tardar, mas vencerá. Os recursos pú-
ria no segundo turno das eleições em
2014, de que o governo petista flerta-
ral, capitaneado pelo ministro da Fa-
zenda Joaquim Levy, não apenas
sindicais na frente leira, sempre atentas e vorazes de po-
der e privilégios, não perderiam es-
blicos não permanecerão restritos a
meia dúzia de famílias. E haverá sim
va com o suicídio político. fracassou em seus resultados como do Ministério da sa oportunidade, causada por erros o dia em que os oligarcas das comu-
Inexplicavelmente, a candidata aprofundou ainda mais o desequilí- do próprio governo, para fragilizar e nicações sentarão no banco dos réus
vencedora, Dilma Rousseff, adotou brio nas contas públicas. E o minis- Fazenda, lideradas derrotar definitivamente o governo pelos crimes de sonegação de impos-
o programa econômico do candida- tro, coerente com seu ideário neoli- petista. Os tucanos, inconformados tos e corrupção que praticam impu-
to tucano derrotado, Aécio Neves: fa- beral, não hesita em afirmar na ne- pela CUT, já é com a derrota eleitoral, insistem em nemente nos dias de hoje.
zer o ajuste das contas públicas pro- cessidade do governo “cortar na car- associar o golpismo ao seu DNA en- Fazer frente a essa ofensiva direi-
movendo uma recessão econômica ne”, mais ainda. Ou seja, promover um indicativo treguista. Cada vez mais se aliam aos tista passa pelas lutas para mudar
no país. mais arrocho econômico, mais re- setores mais reacionários e antide- imediatamente a política econômica
Os resultados não tardaram a apa- cessão e penalizar mais a população. da disposição mocráticos da sociedade brasileira. recessiva do ministro Levy. É neces-
recer. São crescentes os índices de São incapazes de pensar outra políti- Contando com a conivência da mí- sário retomar a política de geração
desempregos. Somente em junho, 111 ca econômica. de luta da classe dia, Aécio Neves e o ex-presidente e valorização do trabalho, do cresci-
mil trabalhadores perderam o em- Alega, o ministro, que é necessário Fernando Henrique Cardoso consoli- mento econômico com distribuição
prego. Enquanto que os trabalhado- fazer o “ajuste do ajuste“ porque a ar- trabalhadora dam a imagem de lideranças políticas de renda, reduzir a taxa juros e pro-
res empregados têm reajustes sala- recadação pública teve um péssimo patéticas. Obcecados em atacar o PT mover um imposto extraordinário
riais abaixo da inflação, algo que não desempenho e o crescimento da eco- e, especialmente, o ex-presidente Lu- sobre as grandes fortunas. E promo-
aconteceu nos três outros mandatos nomia decepcionou. Ora, será possí- la, são incapazes de formular propos- ver uma reforma política para apro-
dos governos petistas. vel imaginar que o ministro acredita tas políticas para o país. E na medio- fundar a democracia, criando meca-
Os cortes nos gastos sociais estan- que o corte nos gastos sociais combi- cridade política que os caracteriza, nismos para a participação popular
caram, nesses seis meses, os progra- nado com a elevação das taxas de ju- acabam na companhia e sendo baju- na política.
mas de construção de casas popula- ros, são os instrumentos ideais para O jornalista Saul Leblon lembra lados pelos mesmos que defendem a As mobilizações populares e sin-
res, creches, escolas, postos de saú- alavancar a economia e aumentar a que o Ministério da Fazenda prevê volta dos militares ao poder e o golpe dicais na frente do Ministério da Fa-
de e hospitais. Soma-se a isso a taxa arrecadação pública? uma redução de R$ 46,7 bilhões nas de Estado. Triste fim para um parti- zenda, lideradas pela CUT, já é um
de juros elevada a patamares absur- Contra essa irracionalidade é de- receitas deste ano, sendo 39,5 bilhões do político que ousou trazer a social- indicativo da disposição de luta da
dos, penalizando ainda mais o capital molidora a constatação feita pelo nas receitas administradas e 14,7 bi- -democracia para nosso país. classe trabalhadora. Outras virão nos
produtivo, especialmente as ativida- economista Amir Khair: só no pri- lhões nas previdenciárias. A outra ave de rapina, a mídia, meses de agosto e setembro, sempre
des industriais. meiro trimestre enquanto o gover- E o ministro Levy quer aprofundar sempre arredia à democracia e porta- reivindicando mais democracia, mais
As consequências dessa política no economizava R$ 18 bi em direitos ainda mais o arrocho neoliberal, cor- dora e promotora de ojeriza aos seg- distribuição da riqueza e em defesa
econômica estão evidenciadas na de- trabalhistas e na previdência social tar ainda mais na carne. Parece acre- mentos populares do país, não poupa das riquezas brasileiras e contra os
terioração das condições econômicas para reforçar o superávit, as despesas ditar que é possível promover o equi- esforços em seu intento golpista. En- que fazem oposição ao Brasil e ao po-
e sociais no país e nos baixos índices com juros atingiriam R$ 85 bilhões. líbrio das contas publicas promoven- gana-se ela se imaginar que não ha- vo brasileiro.

opinião Marcelo Barros crônica Elaine Tavares

Bob May/CC
Uma conversa de bar
PORTO ALEGRE, NOITE DE CHUVA e frio. Saí para um café e um
pão com manteiga. Na lancheria (que é como os porto alegrenses cha-
mam lanchonete) próxima à Farrapos encontrei guarida. Uma mulher
atendendo e outra tomando cerveja, sozinha. Fiz o pedido e aguar-
dei. As duas iniciaram um papo louco sobre ratos. “Porto Alegre es-
tá infestada de ratos. Estão por todo lugar. Aqui no centro mesmo, é
um horror. E são enormes, parecem até uns coelhos”, dissertava Deni-
se, a atendente. A outra, de nome Bia, assentia fazendo cara de apavo-
ramento. “E o pior é que esses ratos aqui do centro sobem nos aparta-

O papa, a Igreja e os movimentos


mento. Eles vão bem alto. Eu moro no quinto andar e um dia, ao en-
trar no banheiro, lá estava um em cima do vaso, olhando pra mim.”
– Que horror. Fugiste?
– Capaz. Eu peguei a arma e atirei nele. Dei três tiros. Errei dois,
mas um acertou. Ele escapuliu correndo porta afora, mas eu acho que
NA AMÉRICA do Sul, esse julho foi
marcado pela visita do papa Fran-
“O futuro da Igreja voltada para si mesma e cujo
trabalho seja meramente religio-
morreu. Meu marido tem medo, sai disparado. Mas eu não, eu dou ti-
ro mesmo. Se aparecer, leva bala.
cisco a três países: Equador, Bolí-
via e Paraguai. Antes de partir de
humanidade so. O papa afirmou fortemente que
toda a Igreja deve estar disposta a
A conversa ainda fluiu sobre ratos, como se dar tiros neles fosse algo
comum, e depois foi desviando para as gentes. “Eu tenho pena é dos
Roma, ele declarou ter escolhido
visitar três dos países mais pobres
está, em grande “acompanhar as pessoas que bus-
cam superar as graves situações de
moradores de rua. Os ratos andam sobre eles, estão por tudo. E tem
o perigo de pegar aquela doença, a leptospirose. Eu cuido deles, dos
do continente. A novidade dessa vi- parte, nas mãos injustiça que sofrem os excluídos moradores. O meu filho não gosta, diz que são tudo vagabundo. Eu
sita é que os meios de comunicação em todo o mundo”. nem ligo, ajudo mesmo”, comentou Bia. “Outro dia eu dei uma bicicle-
social que transmitiam as visitas de vocês e na Quando acompanhamos os mo- ta para um deles, o Wagner, que eu conheço faz tempo. A bicicleta era
dos papas anteriores quase duran- vimentos e palavras do papa Fran- do meu filho, mas ele não usava há anos. Dei e pronto. Levei a maior
te 24 horas e em tempo real, já não sua capacidade cisco, o mais estranho não é que os bronca. O meu filho disse que ele ia vender pra comprar cachaça. Nos
se movem tanto com o papa Fran- meios de comunicação censurem primeiros dias ele andou por aí com a bici, parecia um louco na rua.
cisco. E ele tem certa responsabili- de se organizar as palavras do papa se esse conde- Eu até pensei que tinha dado a morte pra ele. Ia se matar daquele jei-
dade nisso. na o capitalismo e diz que a atual to. Mas, em três dias vendeu. Eu tive que vender, me disse. E eu acei-
De fato, imprimiu outro estilo às e promover estrutura social e econômica do tei. É a vida dele.”
viagens papais. Não reproduz ri- mundo tem de mudar. O mais es-
tuais de corte medieval e faz ques- alternativas tranho é que esse silêncio e censura
tão de privilegiar um modo de ser
simples e pastoral. Como ainda criativas”
ocorra também nos ambientes do
clero e da hierarquia eclesiástica.
Uma trabalhadora e uma solitária
não deixou de ser chefe de Estado,
é acolhido pelos governantes, mas
Apesar de que, normalmente,
ninguém abre a boca para criticar
mulher de classe média, parceria
dedica a esses menos atenção e dá
mais tempo ao encontro com co-
o papa, muitos padres e bispos,
formados nas décadas de conde-
insólita, e uma passageira cliente,
munidades pobres e carentes. sua fala, ele se inseriu na cultura e nação clara da teologia do Concílio unidas no amor às gentes, numa
No lugar de temas da moral se- preocupações de todos ali presen- Vaticano II, parecem esperar que
xual ou de assuntos internos da tes. Em nenhum momento, distin- tudo isso passe e possamos voltar chuvosa noite gaúcha
Igreja, aborda quase sempre a ne- guiu crentes e não crentes. No es- aos bons tempos de antes. Poucos
cessidade de uma nova organiza- tilo dos profetas bíblicos, propôs bispos em suas dioceses e padres
ção do mundo que faça justiça aos justiça social e transformação do em suas paróquias se sentem in-
pobres. mundo. Dessa vez, afirmou aos re- terpelados a dialogar com os mo- Denise ouviu a história e concordou com a amiga. Era preciso ter o
Nessa sua visita ao nosso conti- presentantes e líderes desses mo- vimentos sociais e neles se inseri- coração bom quando o assunto era essa gente que ninguém gosta.
nente, por onde passava, afirmou: vimentos: “O futuro da humanida- rem como o papa Francisco faz e – É assim. Basta ser diferente. Aqui na lancheria as gurias tem me-
“Em um mundo onde há tantos de está, em grande parte, nas mãos propõe a partir do evangelho. No do de atender os haitianos, agora tu vê? Elas dizem que viram na tele-
agricultores sem terra, tantas famí- de vocês e na sua capacidade de domingo passado, nas comunida- visão que eles estão todos doentes. E aí têm medo de pegar doença. Eu
lias sem casa, tantos trabalhado- se organizar e promover alternati- des católicas, o evangelho procla- fico bem braba. Não admito discriminação. Se elas têm medo de pe-
res sem direitos”, onde explodem vas criativas”. Na periferia de As- mado nas missas afirmava que Je- gar doença que lavem os pratos e os talheres com água quente. Água
“guerras insensatas” e a terra é de- sunção, no Paraguai, visitou as 23 sus tinha querido fazer um retiro quente mata tudo que é bicho. Mas discriminar os haitianos na minha
vastada, isso significa que é preciso mil famílias que ocupam a área de com os seus apóstolos do outro la- frente, ah, isso não. Eu faço questão de atender bem, coitados.
uma mudança”. Bañado Norte. Há 30 anos, essas do do lago de Genesaré. No entan- – Bem que tu faz. Eles só estão buscando uma vida melhor. Não tem
Na Bolívia, falou da “conquista famílias pobres lutam pelo título de to, muitos pobres souberam que nada a ver. São tudo seres humanos – insuflava Bia.
europeia” de modo claramente crí- propriedade. Ao afirmar claramen- eles iriam para lá. Tomaram bar- Vez ou outra elas me incluíam na conversa, olhando pra mim, espe-
tica e não como descobrimento. Pe- te que estava contente por estar cas e chegaram antes de Jesus e rando por uma reação. Ora eu ria, ora assentia, constrita. Ora comen-
diu perdão aos índios pela cumpli- com eles e “na terra deles”, o papa dos apóstolos. E o evangelho ter- tava alguma coisa. E a noite avançava.
cidade da hierarquia e do clero ca- disse ao mundo inteiro que reco- mina afirmando que, “quando Je- Naquela simples lancheria de Porto Alegre a solidariedade aparecia,
tólico na violência da conquista eu- nhece o direito deles à terra e ao tí- sus os viu, sentiu suas entranhas concreta, na figura daquelas duas mulheres que, sem maiores discur-
ropeia. tulo de propriedade. se moverem de uma compaixão sos além de suas práticas cotidianas, mostravam que a vida pode ser
Ele dá o exemplo para padres e Quando falou a grupos de Igre- materna e sentiu piedade deles, melhor quando se respeita o outro como outro, diferente, mas real. No
bispos sobre como priorizar o diá- ja, disse claramente: “não importa porque eram como ovelhas sem cuidado com os moradores de rua e os imigrantes elas tornavam aque-
logo com os movimentos sociais. a quantas missas de domingo você pastor” (Mc 6, 30 – 34). le momento único. Uma trabalhadora e uma solitária mulher de classe
Em Santa Cruz de la Sierra, se en- foi, se você não tem um coração so- média, parceria insólita, e uma passageira cliente, unidas no amor às
controu com mais de 1.500 repre- lidário. Se você não sabe o que está Marcelo Barros é monge gentes, numa chuvosa noite gaúcha. Às vezes, por nada, a vida assume
sentantes de movimentos popula- acontecendo em sua cidade, sua fé beneditino e teólogo. Atualmente, contornos bonitos demais.
res aos quais ele chamou de “se- é muito fraca, está doente ou mor- é coordenador latino-americano da Naquele pedaço do centro porto alegrense, a matadora de ratos e a
meadores de mudanças e poetas ta”. E convidou bispos, padres e Associação Ecumênica de Teólogos/ salvadora de mendigos, seguiram sua conversa amorosa e doida, en-
sociais”. Era o segundo encontro agentes de pastoral a mudar a com- as do Terceiro Mundo (ASETT) e quanto a chuva lavava a calçada, território livre dos roedores.
mundial de movimentos sociais, preensão que muitos ainda têm da assessora comunidades eclesiais de
ambos promovidos pelo papa. Na missão eclesial. Não é cristã uma base e movimentos sociais. Elaine Tavares é jornalista.

Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Aldo Gama, Marcelo Netto • Repórter: Marcio Zonta• Correspondentes nacionais: Maíra Gomes (Belo Horizonte – MG),
Pedro Carrano (Curitiba – PR), Pedro Rafael Ferreira (Brasília – DF), Vivian Virissimo (Rio de Janeiro – RJ) • Correspondentes internacionais: Achille Lollo (Roma – Itália),
Baby Siqueira Abrão (Oriente Médio), Claudia Jardim (Caracas – Venezuela) • Fotógrafos: Carlos Ruggi (Curitiba – PR), Douglas Mansur (São Paulo – SP),Flávio Cannalonga (in memoriam), João R. Ripper
(Rio de Janeiro – RJ), João Zinclar (in memoriam), Joka Madruga (Curitiba – PR), Le onardo Melgarejo (Porto Alegre – RS), Maurício Scerni (Rio de Janeiro – RJ), Pilar Oliva (São Paulo – SP) • Ilustradores: Latuff,
Márcio Baraldi, Maringoni • Editora de Arte – Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Maria Aparecida Terra • Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira •
Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Juliana Fernandes • Endereço: Alameda Olga, 399 – Barra Funda – São Paulo – SP CEP: 01155-040 – Tel. (11) 2131-0800/ Fax: (11) 4301-9590 – São Paulo/SP –
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Monteiro, Beto Almeida, Dora Martins, Frederico Santana Rick, Igor Fuser, José Antônio Moroni, Luiz Dallacosta, Marcelo Goulart, Maria Luísa Mendonça, Mario Augusto Jakobskind, Neuri Rosseto, Paulo
Roberto Fier, René Vicente dos Santos, Ricardo Gebrim, Rosane Bertotti, Sergio Luiz Monteiro, Vito Giannotti • Assinaturas: (11) 2131–0800 ou [email protected] • Para anunciar: (11) 2131-0800
de 30 de julho a 5 de agosto de 2015 3

instantâneo Dirceu Benincá

Papa acerta
a jugular do
capitalismo
TAL COMO NA HISTÓRIA bíblica do pequeno Da-
vi diante do gigante Golias, Papa Francisco, saído do
“fim do mundo”, vem arremessando petardos contra
o capitalismo. E não os atira a esmo. Mira-os bem na
jugular. E fá-lo de maneira inteligente e genial, sabe-
dor de que não basta constatar os problemas que afli-
gem a humanidade e correr atrás dos prejuízos. É pre-
ciso ir às causas. Não só às causas eventuais e conjun-
turais, senão também e necessariamente àquelas mais
profundas, universais, estruturais.
Com seu inconfundível sorriso de menino, sabedo-
ria de um profeta amadurecido, humildade marcada-
mente franciscana e coragem sempre refeita diante
dos desafios, o Papa não hesita em dizer o que pre-
cisa ser dito. Põe o dedo nas jugulares do sistema ca-
pitalista, que assenta suas bases em duas graves con-
tradições: uma socioeconômica e outra socioambien-
tal. A primeira, relacionada à exploração da mão de
obra, ao trabalho precário, instável, escravo, às desi-
gualdades, injustiças e exclusão social. A segunda, re-
lativa à extorsão e destruição dos bens naturais, ge-
rando com isso muitos problemas ambientais e dis-
tribuindo-os de maneira desigual na sociedade. Aos
pobres, como sempre, os maiores impactos e aos ri-
cos as maiores benesses.
Na recente visita a alguns países da América do Sul,
condenou a economia do descarte, regra de ouro do ca-
pitalismo neoliberal. Na Bolívia, Francisco não mediu
Altamiro Borges palavras. Foi contundente, ao afirmar que hoje “reina
a ambição desenfreada de dinheiro, o que conduz a um
planeta ignorante, envenenado com o ‘esterco do dia-

“Diálogo” com FHC? bo’”. Ainda na Bolívia, durante o encontro com repre-
sentantes dos movimentos populares bradou em favor
dos direitos dos pobres: “Terra, teto e trabalho para to-
dos os nossos irmãos e irmãs. Disse-o e repito: são di-
NA SEMANA PASSADA, com base em mais um patéti- odiados na história do Brasil, é realmente muito arrogan- reitos sagrados. Vale a pena lutar por eles. Que o cla-
co vazamento, a mídia tucana especulou que o ex-presi- te. Sua postura confirma que o tal “diálogo” com os tuca- mor dos excluídos seja escutado na América Latina e
dente Lula pretendia “abrir o diálogo” com o grão-tuca- nos seria pura perda de tempo! em toda a terra”.
no FHC. A notícia plantada serviu apenas para criar con- É certo que o PSDB está dividido na sua leitura do ce-
fusão política e gerar cizânia nas bases governistas. De nário político e que suas contradições devem ser explo-
imediato, o Instituto Lula negou a intenção. Mesmo as-
sim, setores do Palácio do Planalto caíram na armadilha
radas – o que faz parte do jogo político. Há setores, co-
mo os liderados pelo governador Geraldo Alckmin, que
Para enfrentar o pecado capital
da mídia, que agora se diverte com a recusa dos tucanos
ao fantasioso diálogo. “PSDB diz que é ‘tarde’ para ace-
não enxergam a possibilidade imediata da queda de Dil-
ma. Pragmáticos, apostam no seu lento desgaste para ca-
e estrutural, convoca a todos
no do PT à oposição”, afirma a Folha no sábado (25/7).
Colunistas “cheirosos”, como Eliane Cantanhêde e Dora
cifar o sonho presidencial do tucano paulista. Já os aecis-
tas, desesperados, sabem que o cambaleante Aécio Neves
para repensar os atuais modelos
Kramer, também tiraram uma casquinha da cena ridícu- caminha para o isolamento e têm pressa. Daí se unirem de desenvolvimento, de
la. Por último, o vaidoso FHC aproveitou para posar de aos grupelhos fascistas nas marchas pelo “Fora Dilma” e
valentão, recusando o “conchavo... para salvar o que não rosnarem que querem “distância dos bandidos”. produção e de consumo
deve ser salvo”. No caso de FHC, metido a genial ideólogo e mentor
Nos estertores do seu triste governo, o rejeitado FHC do tucanato, ele sempre fez jogo duplo. Num primeiro
procurou várias vezes a oposição para discutir sobre a momento, ele até estimulou as marchas golpistas contra
grave crise econômica e política no país – com recordes Dilma. Na sequência, diante do esvaziamento dos pro- Advertiu para que os movimentos populares que lu-
de desemprego, falência de empresas, alta desenfreada da testos, ele abandonou os fascistas mirins. Seus artigos tam por direitos e dignidade humana não se acanhem.
inflação e outros males. Na época, o tucano não se tra- nos jornalões confirmam o seu oportunismo visceral. Antes sim, que sejam semeadores de mudanças. Que
vestiu de valentão. Agora, totalmente envolvido nas ações Ora pede calma aos golpistas, alertando que as condi- combatam a lógica da exclusão e da destruição da na-
golpistas para desgastar e, se possível, derrubar a presi- ções políticas não estão maduras para o fim do “lulope- tureza. Sem rodeios, acrescentou: “Queremos uma
denta Dilma, ele afirma que rejeita o “conchavo... para tismo”; ora exige pressa – e até solicita um parecer jurí- mudança, real, uma mudança de estruturas. Este sis-
salvar o que não de ser salvo”. FHC, que nas pesquisas dico que justifique o impeachment da presidenta. Ou se- tema é insuportável”. Propôs substituir a globalização
de opinião pública segue como um dos presidentes mais ja: FHC não merece nenhuma confiança! da morte por uma globalização da esperança. E convo-
cou todos para três tarefas concretas: pôr a economia
a serviço dos povos; unir os nossos povos no caminho
Igor Fuser da paz e da justiça e defender a Mãe Terra.
Há pouco também o Papa ecológico lançou a Encí-

Um mar para a Bolívia


clica Laudato Si’. Nela, faz um apanhado bem funda-
mentado dos principias poblemas que incidem sobre
a humanidade. E diz que, entre os mais pobres está a
Mãe Terra, saqueada e devastada até o limite. Denun-
cia o verdadeiro pecado original do ser humano, iden-
POUCOS ANOS ATRÁS, quando visitei o deserto do Ata- ra do Pacífico abriga as reservas da principal riqueza eco- tificado com o desejo incontido de ser proprietário pri-
cama, maravilha natural no norte chileno, reparei num nômica chilena, o cobre. Somente no período de dez anos vado – e de modo acumulativo – dos bens da criação.
detalhe que geralmente passa despercebido aos turistas. entre 2003 e 2013, o Chile recebeu 346 bilhões de dóla- Por isso, insiste tanto na ideia de que somos apenas
Em todas as igrejas, a imagem de Jesus Cristo divide o al- res em exportações de cobre, segundo dados oficiais. Es- usuários passageiros, terra ambulante e devemos cui-
tar com uma bandeira do Chile, apresentada como se fos- se mineral é responsável por cerca da metade do comér- dar da melhor forma possível da Casa Comum. Trata-
se um objeto de adoração religiosa. A bandeira foi levada cio exterior do país. -se de um compromisso de todos, em todos os espa-
aos altares do Atacama pela necessidade do Estado chile- No atual período da história sul-americana, em que a ços e tempos.
no afirmar sua soberania naquela região, que no passado integração regional se erige como uma meta prioritária da Em lugar do capitalismo privativo e da mercantili-
pertencia à Bolívia e foi incorporada ao Chile pela força maioria dos países desta parte do mundo, o tema do direi- zação absoluta que vai corrompendo, arruinando, de-
militar, em 1879, como resultado de uma guerra. to boliviano ao mar já não pode ser encarado como uma vastando, excluindo e matando igual rolo compressor,
Os bolivianos nunca aceitaram a perda e, neste quase questão particular ou um capricho. Não se pode imagi- nosso Francisco adverte para o fortalecimento da eco-
um século e meio, sempre deixaram claro o anseio de re- nar a (tão necessária) unidade da América do Sul enquan- logia integral. Para enfrentar o pecado capital e estru-
cuperar o acesso ao Oceano Pacífico. Com apoio de ou- to permanecer inviável a normalização das relações entre tural, convoca a todos para repensar os atuais modelos
tros países sul-americanos, como a Venezuela, a Bolívia o Chile e a Bolívia. de desenvolvimento, de produção e de consumo. Fala
agora levou ao Tribunal Internacional de Haia a deman- Tal como na solidariedade à Argentina na luta pela re- com lucidez franciscana e voz profética sobre a neces-
da de uma “saída para o mar”. Vejam bem: o que se está cuperação das Malvinas, nós, os vizinhos, devemos, sim, sidade de uma ecologia ambiental, econômica, social,
reivindicando não é a devolução da totalidade dos 401 km tomar posição a favor da justiça e da legitimidade da de- cultural, enfim de uma aliança entre a humanidade e
de costa arrancados ao território boliviano, mas apenas manda boliviana de obter de volta ao menos um pequeno o ambiente. Aponta para outro estilo de vida capaz de
uma estreita faixa que restitua ao país sua condição marí- trecho do seu litoral. superar o atual estilo de morte global.
tima, de forma soberana. É importante notar que o terri- Depois de apreciar as lindas paisagens do Atacama,
tório perdido pela Bolívia (e também pelo Peru) na Guer- agora eu quero um banho de mar numa praia da Bolívia. Dirceu Benincá é teólogo e sociólogo.

fatos em foco
Perdemos um grande camarada! permanentemente as histórias das lutas de massa do Brasil, da e operárias, construiu pontes que, por meio da comunicação,
Perdemos na sexta-feira, dia 24 de julho, o companheiro Vito América Latina e do mundo. ligassem lideranças sociais e intelectuais e suas ideias ao cida-
Giannotti. Era membro fundador de nosso jornal e do conselho Seu vozeirão de Pavarotti o deixava ainda mais contundente. dão comum exposto à indecência da imprensa hegemônica.
editorial do Brasil de Fato. Viveu uma vida simples, coerente e dedicada unicamente aos Obstinado, Vito deixa mais de duas dezenas de livros. E a
Vito Giannotti chegou da Itália, em 1964, com 21 anos. Tor- interesses da classe trabalhadora. experiência singular do Núcleo Piratininga de Comunicação,
nou-se um brasileiro legítimo. O povo brasileiro o adotou. Ope- Todos aprendemos muito com ele. Era um militante das no Rio de Janeiro. Um centro de estudos, de memória, de de-
rário metalúrgico, fez militância sindical durante toda ditadura ideias socialistas, no meio sindical, no meio popular, na univer- bates, de produção e troca de conhecimento. E de amizades.
militar. Sábio, e autodidata, se transformou em jornalista. sidade e entre os jovens. Foi exemplo de dedicação militante. Suas palestras eram movidas a sonho e convicção. Com a
Era um defensor intransigente, seguindo o mestre Gramsci, O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) mesma fluidez de suas prosas. Era crítico ácido de sindicatos
de que a classe trabalhadora precisa construir seus próprios e seus militantes devemos muito a ele, e temos orgulho de seu e movimentos que desprezam a necessidade de produzir co-
meios de comunicação. Ajudou a formar diversos jornais e exemplo e de sua amizade. Perdemos fisicamente, porém abra- municação de qualidade com a sociedade – com linguagem
boletins da classe, entre eles o Brasil de Fato nacional e o tab- çaremos com amor, seu legado. (João Pedro Stedile – MST) respeitosa e clara, com elegância, com profissionalismo. E
lóide regional do Brasil de Fato RJ. Deve ter dado milhares de mesmo quando “chutava o balde” ao desferir crítica a um
palestras por esse Brasil a fora incentivando a comunicação da Vito Giannotti, operário da memória e jornal malfeito, o fazia com o objetivo nítido de construir,
classe. da liberdade, sempre em construção de impelir as esquerdas e movimentos, qualquer que fosse
Estudioso, transformou-se num professor didático e num Pesquisador da história das lutas operárias e sociais, escritor a corrente, a deixar de falar para o umbigo e disputar a opi-
grande propagandista dos livros. Cultivou sempre a máxima e criador do Núcleo Piratininga de Comunicação, Vito se foi dia nião pública.
“de que só o conhecimento liberta verdadeiramente a classe 24 de julho, deixando um rastro de energia e esperança Vito foi tudo isso. Intenso, propositivo e agregador. Sua ale-
trabalhadora e todo povo!” Vito era filho de italianos. Chegou a São Paulo aos 21 anos, gria, sua energia, sua contundência, e sobretudo sua esperança
Agitador, defendia as ideias da igualdade social e da necessi- em 1964, e passou a vida toda construindo. Construiu resis- e prazer de lutar, contagiantes, farão uma falta danada – ainda
dade de indignar-se contra qualquer injustiça como ninguém. tência à ditadura, construiu a oposição metalúrgica de São mais nesse momento sombrio de nossa política. Valeu, Vito.
Foi um exemplo de internacionalista. Preocupava-se com Paulo ante sucessivas direções indignas de representar traba- Façamos nossa sua frase clássica: “A luta continua, porra!”
as lutas da classe trabalhadora em todos os países, e difundia lhadores, construiu a pesquisa e a memória das lutas sociais (Paulo Donizetti de Souza – da Rede Brasil Atual)
4 de 30 de julho a 5 de agosto de 2015 brasil 5

Caminhos e desencontros de uma Pátria Educadora Portal SIMEC/GOV

ESPECIAL Educadores

Professores e diretores
e militantes discutem
as bases da proposta
de reforma educacional
elaborada pela Secretaria Agência Minas
lo Renato [ministro da educação do go-
de Assuntos Estratégicos do Rio de Janeiro (RJ) verno Fernando Henrique Cardoso] as-
sinaria embaixo do diagnóstico que ele
por encomenda da No tópico referente aos diretores e apresenta: a educação vai mal porque as
Presidência da República. professores, o “Pátria Educadora” apre-
senta um diagnóstico em que se encon-
escolas não estão ensinando o que deve-
riam, porque os professores são mal pre-
Prioridade da lógica tram “dificuldades de toda a ordem”. Os parados e porque elas têm problemas de
professores dizem “vêm comumente dos gerência. E adicionou-se um componen-
empresarial na gestão e no alunos mais fracos do ensino médio”, a te que não estava previsto na década de
maior parte provavelmente sofreu pe- 1990, de que as relações federativas são
currículo e falta de diálogo lo menos uma reprovação na condição precárias”, opina.
com o PNE são algumas de aluno e, sendo assim, eles escolhem “A visão é que, aperfeiçoando os ins-
as escolas de pedagogia, principalmen- trumentos de avaliação para premiar e
das principais críticas te as privadas, porque nelas o ingresso punir, se intervém na educação. Pelas
é mais fácil. avaliações se muda o currículo, e isso fica
No ensino superior, o drama se repete: claro na formação de professores: faz-se
a maioria se forma em instituições par- uma prova nacional, ela vira uma neces-
Cátia Guimarães ticulares, “muitas de seriedade duvido- sidade social para o professor exercer a
do Rio de Janeiro (RJ) sa, dedicadas ao lucro e carentes de re- profissão, para ser aprovado ele tem que
cursos intelectuais”. E mesmo a minoria estudar o que a prova vai pedir e, com is-
NO DIA 1º DE JANEIRO deste ano, a que ingressa nas universidades públicas so, altera-se o currículo das universida-
presidente recém-eleita Dilma Rousseff é submetida a um processo que, embo- des sem precisar intervir nelas. E se isso
anunciou o lema do seu novo governo: ra apresente “ao menos alguns elemen- não der certo, se intervém”, resume.
Brasil, Pátria Educadora. A motivação, tos de formação aceitável”, nem de lon-
segundo ela, era deixar claro que a prio- ge oferece um “ensino compatível com o Realidade
ridade dos seus próximos quatro anos à rumo” proposto na reformulação educa- Para o professor da UnB, é preciso dis-
frente do país seria a educação. Menos cional proposta pela SAE. “É voz corren- cutir se esse diagnóstico está ancorado
de seis meses depois, no dia 22 de maio, te nas universidades e no professorado em dados da realidade já que, no caso do
como parte das medidas de ajuste fiscal, que os melhores alunos costumam não documento preliminar da SAE, não são
o Ministério do Planejamento anunciou ficar na docência”, resume o texto. citadas fontes nem referências. Em pri-
um corte de R$ 9,4 bilhões no orçamen- Para piorar o cenário, o documento Renda, moradia e taxa de escolarização local, influenciam mais do que existência de biblioteca, laboratórios e quadras de esporte meiro lugar, ele levanta dúvidas sobre as
to da educação. afirma que, entre os que permanecem na informações “primárias” apontadas pelo
Entre um momento e outro, a Secre- O elogio à meritocracia é um dos aspectos mais criticados do projeto apresentado profissão, “muitos procuram minimizar, Elas formam, no máximo, teóricos, filó- a irresponsabilidade e a indiferença ao documento. Embora aponte como real e
taria de Assuntos Estratégicos (SAE) da a qualquer custo, tempo na sala de aula”, sofos da pedagogia, não licenciados”, diz. mérito”. Perguntada por e-mail se essa legítimo o debate sobre a atratividade do
Presidência da República elaborou um Para exemplificar essa relação, o pro- “O documento sistematiza um conjunto das e meritocracia deram errado em ou- preferindo tarefas administrativas e, in- A segunda proposta do documento pa- constatação sinalizaria que a SAE defen- magistério, ele explica que, ancorado em
documento com análises e propostas que fessor cita o elogio à meritocracia, um tros lugares do mundo. clusive, faltando ao trabalho “alegando ra resolver o cenário de má formação dos de a eleição para escolas públicas, que é pesquisas, o máximo que se pode dizer
tinham como objetivo suscitar a discus- dos aspectos que mais têm sido citados de ideias que estão em debate, sendo “Esse documento vai na contramão doença”. Mas o texto avisa: “Não se trata docentes da educação básica é a criação uma histórica bandeira de muitos mo- é que a linha de corte dos cursos de li-
são sobre um “projeto nacional de quali- nos debates públicos de crítica ao do- praticadas por diferentes governos, e dá uma das lutas da educação, na contramão de demonizar o professorado, que é tam- de Centros de Qualificação Avançada on- vimentos sociais da educação, a assesso- cenciatura é baixa em relação a outros,
ficação do ensino básico”. Não por acaso, cumento. “Nenhuma novidade: várias de todos nós que resistimos à onda ne- bém produto e vítima de uma história de de os professores fariam cursos de com- ria de imprensa também não respondeu. como medicina e engenharia, mas res-
o documento, apresentado como uma propostas meritocráticas que estão no coerência a elas. Ao fazer isso, ele ajuda no oliberal mas, mais do que isso, ele de- descalabro”. Questionada por e-mail so- plementação à formação recebida no en- salta que isso acontece também em cur-
versão preliminar, recebeu o nome de documento têm sido defendidas pelos fende um modelo que, de certa forma, bre a fonte desses dados, que não cons- sino superior e aprenderiam a desenvol- O “ideário” sos que não formam para a docência, co-
‘Pátria Educadora’. “Minha tarefa prin- organismos internacionais, estimula-
contraponto porque exige que você discuta a já demonstrou sua falência, como ficou tam do documento, a assessoria de im- ver “as práticas e os protocolos exigidos O fato é que o “ideário” expresso no mo administração e ciências contábeis.
cipal no governo é ajudar a presidenta a das pela OCDE [Organização para Coo- proposta global e não apenas programas” bem evidenciado na autocrítica feita pe- prensa da SAE não respondeu. pelo Currículo Nacional” – numa refe- documento aposta que “tudo pode come- “Não conheço estudos que mostrem que
construir uma agenda pós-ajuste fiscal”, peração e Desenvolvimento Econômico] la Diane Ravitch”, analisa. rência ao resultado da construção da Base çar a mudar numa escola com bom dire- o aluno ingressante na licenciatura é re-
explica o ministro Roberto Mangabeira e praticadas por estados como São Pau- Saviani está se referindo à ex-secretá- Propostas Nacional Comum, que está sendo tocada tor” e, para isso, propõe duas iniciativas petente”, exemplifica.
Unger, responsável pela SAE. No dia do lo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Per- ria adjunta de educação dos Estados Uni- Para mudar esse quadro, o documen- pelo MEC e deve estar concluída até mea- capazes de mudar o cenário nacional. A Para contestar o cenário apresentado,
fechamento desta edição, a SAE lançou a nambuco já há mais de uma década. O posta é inteiramente atravessada por es- dos, que liderou o movimento pela cria- to propõe três caminhos. Um é a criação dos de 2016 –, além de discutirem as “ex- primeira é exatamente a premiação das ele cita como exemplo um estudo publi-
versão preliminar de um novo documen- que o documento faz é propor um ganho sa lógica e “tira consequências dela”. ção de um currículo nacional no governo de uma carreira nacional para o magisté- periências e inovações do professorado”. escolas que alcançarem metas de desem- cado em 2013 pelo Instituto de Pesqui-
to para discussão, focado especificamen- de escala para essas políticas”, explica. O professor-pesquisador da Escola George Bush e foi indicada por Bill Clin- rio, vinculada ao piso salarial, e que se- O documento também aponta como penho avaliadas por “comissões inde- sa Econômica Aplicada (Ipea), vincula-
te na instituição do Sistema Nacional de Foi ao ministro da educação, Renato Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio ton para coordenar os institutos respon- ja acompanhada por uma Prova Nacio- terceira prioridade a “transformação” pendentes”. Mas como não se pode ape- do à própria SAE, com condução de Pau-
Educação e na regulamentação dos arti- Janine Ribeiro, no entanto, que o pro- (EPSJV/Fiocruz), Murilo Vilaça, exem- sáveis pelos testes federais naquele país. nal Docente. A ideia é que, após a conclu- dos cursos de pedagogia e licenciatu- nas “confiar no efeito dos incentivos”, lo Roberto Corbucci e Eduardo Zen, que,
gos 23 e 211 da Constituição. fessor Luiz Carlos de Freitas apelou atra- plifica: “O documento afirma categori- Depois de protagonizar essa experiên- são dos cursos de nível superior, os ex- ra, apontando que os instrumentos ho- diz o documento, é preciso criar Cen- cruzando as notas do Índice de Desen-
Foi amplamente noticiado pela gran- vés de uma carta aberta apresentada du- camente que uma nova política de re- cia, ela escreveu um livro chamado Vida -estudantes de pedagogia e licenciatura je disponíveis para qualificar as institui- tros de Formação de Diretores, a partir volvimento Educacional (Ideb) e indica-
de imprensa o fato de o documento ter rante um seminário realizado em maio muneração dos professores não resolve- e morte do grande sistema escolar ame- se submetam a uma prova, com questões ções privadas, que formam a maioria dos do esforço conjunto da União e dos esta- dores de condições sociais, mostra, com
sido não só elaborado como apresenta- na Unicamp e que recebeu mais de duas ria os problemas da educação, o que é de ricano: como os testes padronizados e o teóricas e práticas, através da qual eles professores, são insuficientes. O diag- dos. Esses Centros formariam não ape- dados reais dos municípios brasileiros,
do sem a participação (e a presença) do mil assinaturas. um truísmo absurdo porque é óbvio que modelo de mercado ameaçam a educa- terão que demonstrar que estão prepa- nóstico, no entanto, não inclui comentá- nas os diretores em exercício, mas tam- que “fatores extrínsecos” à escola, como
Ministério da Educação (MEC). Man- Depois de desenvolver severas críticas nenhum problema complexo se resolve ção, em que explica o quanto esse siste- rados para se tornarem futuros professo- rios sobre os programas do próprio go- bém os “candidatos” a diretor – embo- renda, condições de moradia e taxa de
gabeira minimiza a crise, explicando, ao “Pátria Educadora” e elencar suges- com uma medida isolada. E depois se- ma foi danoso para a educação do país. res. O objetivo principal, segundo a pro- verno federal que têm incentivado, com ra, aqui, a palavra “candidato” nada te- escolarização local, influenciam muito
primeiro, que, por não ter uma “juris- tões alternativas, a carta convida o mi- gue com algumas informações que suge- “Qualquer ênfase exagerada em proces- posta, é “valorizar a carreira e atrair para subsídios públicos, a ampliação da ofer- nha a ver com eleição, já que o texto, na mais os resultados educacionais do que
dição específica”, as ações da SAE aca- nistro a se juntar à luta contra a concep- rem que a política de incentivos vai ser sos de responsabilização é danosa para a ela número maior de vocações docentes”. ta de vagas nessas instituições privadas sequência, explica que isso deveria resul- os fatores relacionados à “infraestrutu-
bam sempre caindo na área de algum ção expressa no documento elaborado mantida na educação básica. Esse é um educação. Isso leva apenas a um esforço O senador Cristovam Buarque (PD- – o Programa Universidade para Todos tar num acordo para que os estados es- ra pedagógica da escola”, como existên-
ministério. pela SAE. jogo perverso. A lógica é: eu te pago pou- grande em ensinar a responder testes, a T-DF), que já foi ministro da educação, (Prouni), inclusive, destaca entre o seu colhessem os diretores entre aqueles que cia de biblioteca, laboratórios e quadras
Segundo ele, além disso, as propostas “Vossa Excelência será chamada, pe- co e, para que você saia desse estado de diminuir as exigências e outras maneiras concorda com o diagnóstico apresenta- público-alvo os professores da rede pú- foram “habilitados” por esses espaços. de esporte.
contidas preliminarmente no documen- las gerações futuras, a prestar contas penúria absoluta do seu salário baixíssi- de melhorar a nota dos estudantes sem, do no documento e defende uma propos- blica de ensino para formação em cursos Em outro trecho, que trata da constru- Ignorando esses dados reais, diz Luiz
to só foram lançadas depois de ele ter dos caminhos que vier a pavimentar mo, proponho o cumprimento de algu- necessariamente, melhorar a educação”, ta de carreira federal do magistério, com de pedagogia, licenciatura e normal su- ção de um “federalismo cooperativo” pa- Araújo, a proposta da “Pátria Educa-
ouvido “dezenas de interessados na edu- neste momento decisivo para o futuro mas metas; se resistir, você deixa de ga- disse Diane em 2010, em entrevista con- termos mais específicos do que o que é perior nessas instituições. Na verdade, o ra a educação básica, o documento diz dora” – e as políticas públicas em cur-
cação” e ter “trabalhado intensivamente da educação brasileira. A área de edu- nhar um complemento do seu salário”. cedida ao jornal Estado de S. Paulo, em sugerido nessa versão preliminar do do- documento propõe a construção de um ainda que os “diretores de escolas com so, ele acrescenta – aposta que a forma-
com a presidenta e com o Ministério da cação, através de suas entidades cientí- No texto da SAE, essa referência à fra- que ela resume as conclusões apresenta- cumento da SAE. “Estou totalmente de novo programa de bolsas, “por analogia desempenho insatisfatório receberiam ção dos professores e a gerência da es-
Educação”. ficas e sindicais, deve se mobilizar para ca relação entre o salário do professor e das no livro. E completou: “(...) as evi- acordo com essa descrição. Mas qual é extensiva ao Prouni”, condicionando a apoio e orientação” e que, “em último ca- cola são os fatores determinantes para a
Contatado pela Poli, o MEC não acei- que lhe seja fornecido o apoio necessá- a qualidade da educação é apresentada dências acumuladas nesse período sobre a raiz disso? Ele não aponta. Primeiro, é participação da instituição à adaptação so, seriam afastados e substituídos”. nota dos alunos. Ele não tem dúvida de
tou comentar a proposta, explicando, via rio para enfrentar a cultura de audito- como resultado de “abundante evidência os efeitos de todas essas políticas me fi- que no Brasil o magistério é uma profis- dos seus cursos a “protocolos curricula- Na avaliação do professor Luiz Araú- que uma péssima formação e um péssi-
assessoria de imprensa, que “apesar de o ria e as políticas de mercantilização em empírica”. O professor Dermeval Savia- zeram repensar. Não podia mais conti- são muito mal remunerada. Então, quem res e ao cumprimento de metas”. jo, o cenário desenhado pelo documento mo professor “pioram a situação”, mas
ministro Mangabeira ter se reunido com curso na proposta do documento preli- ni, da Universidade Estadual de Campi- nuar apoiando essas abordagens. O ensi- vai fazer o magistério, salvo uns heróis Sobre os diretores de escolas de educa- não tem respaldo em dados concretos e a questão, diz, é como se atribui o pe-
secretários do MEC e o então ministro minar da Secretaria da Presidência da nas (Unicamp), no entanto, lembra que no não melhorou e identificamos apenas missionários, é quem não consegue pas- ção básica, o documento destaca apenas as propostas apresentadas não dialogam so adequado a cada uma das determi-
Cid Gomes (...) o documento não foi fei- República. Some-se a essa luta”, convi- outras evidências empíricas mostram, muitas fraudes no processo”. (Revista sar em direito, engenharia, medicina, in- que, em grande parte do país, eles “são com as lutas que vêm sendo travadas na nações. (CG) (Revista Poli nº 41 – Es-
to em parceria com o MEC”. da, caracterizando a reforma educacio- na verdade, que as reformas educacio- Poli nº 41 – Escola Politécnica de Saúde formática. Segundo, a formação dos pro- nomeados por apadrinhamento político educação a partir do conhecimento e da cola Politécnica de Saúde Joaquim Ve-
Para o professor Luiz Araújo, da Uni- nal incentivada pelo documento como nais pautadas por avaliações padroniza- Joaquim Venâncio – EPSJV/Fiocruz) fessores está péssima nas faculdades. ou eleitos em processos que favorecem experiência acumulada no país. “O Pau- nâncio – EPSJV/Fiocruz)
versidade de Brasília (UnB), no entan- de cunho empresarial.
to, essa divergência com o MEC é mais De fato, o documento reconhece que
de trâmite do que de concepção políti- muitos dos “experimentos” que tenta-

Concepções de educação e sociedade


ca. “É correto dizer que esse é um docu- ram melhorar os “resultados do ensino
mento que nasce e está sendo produzido público” no Brasil nos últimos anos va-
fora do prédio do MEC. Mas, em termos leram-se da “lógica de eficiência empre-
de conteúdo, uma boa parte das políti- sarial”, “surtiram efeitos positivos ine-
cas que o MEC desenvolveu nos últimos gáveis” e, por isso, “devem ser incorpo-
20 anos de forma esparsa estão presen- rados ao projeto de qualificação do ensi-
tes no documento de forma sistematiza- no público”.
da”, opina. Entre as práticas que expressariam es- bros de diferentes classes sociais”, o que O texto exemplifica: “É a situação que truída e que o êxito só vai se dar a par- projetos que deveriam permitir a “criação para “subsidiar” um parecer que está em
se padrão empresarial, são listadas, no do Rio de Janeiro (RJ) representa um problema, mas também se multiplica em grande escala no Bra- tir disso”, explica Marise Ramos, profes- de estratégias para o desenvolvimento de tramitação sobre o papel das competên-
texto, “a fixação de metas de desempe- uma oportunidade. sil: nas periferias e nos bairros pobres sora-pesquisadora da EPSJV/Fiocruz, competências socioemocionais aliadas à cias na educação básica.
“Por incrível que pareça, é a nho, a continuidade da avaliação, o uso De fato, o documento não aponta nem “Nós não queremos construir um en- de nossas cidades, mais da metade das completando: “Parece que agora é a in- formação de profissionais do magistério, Esse ideário foi aplicado como projeto-
de incentivos e de métodos de cobrança, discute soluções para determinações sino qualificado que seja mais acessível famílias costumam ser conduzidas por fância que está sendo disputada”. bem como a melhoria da educação básica -piloto pelo Instituto Ayrton Senna tam-
primeira vez, nos últimos 20 o acompanhamento e, quando necessá- que estejam fora da “governabilidade” aos filhos da classe média ilustrada do mães sozinhas, casadas ou solteiras. Re- A referência que o texto da SAE faz às na rede pública”, com recursos da Capes. bém numa rede pública: através de uma
rio, o afastamento de diretores, a despo- da área da educação. E como se resol- que aos filhos dos trabalhadores. E es- vezam-se os homens como companhei- famílias desestruturadas é, para Marise, Foram selecionados dez projetos que pu- parceria com a Secretaria Estadual de
anos, que o governo federal litização da escolha de diretores e a in- ve isso? Mangabeira Unger responde: ta é uma ameaça imensa àquilo que nós ros instáveis. Esta mãe, pobre e geral- um exemplo perfeito do conservadoris- deram receber, cada um, até R$ 566.440, Educação do Rio de Janeiro, foi realiza-
apresenta para a sociedade dividualização do ensino, especialmente “[Resolve-se] por aquilo a que eu dedi- queremos, que é a aliança revolucioná- mente negra ou mestiça, luta para ze- mo do pensamento ali expresso. “O do- de acordo com os termos do edital. E essa do, entre 2013 e 2014, o projeto chamado
para alunos em dificuldade”. Mas, ape- quei minha vida: o pensamento sobre a ria da ciência com a democracia”, diz lar pelos filhos e para manter ao mesmo cumento parte da ideia de que a família relação não se reduz ao MEC. “Solução educacional para o ensino mé-
uma proposta de educação sar de reconhecer o tanto que temos que transformação estrutural da sociedade, Mangabeira. tempo emprego ou biscate”. não pode cuidar. Daí transforma os pro- dio”. Esse piloto foi realizado em 53 es-
aprender com essa “orientação empre- as mudanças das instituições econômi- No documento, o desafio a ser enfren- Sobre isso, embora não desenvolva blemas sociais em problemas individu- colas de tempo integral e, com destaque,
num documento oficial” sarial”, o documento alerta que precisa- cas e políticas. Mas isso não é o objetivo tado para chegar a esse objetivo são as muito, a proposta concreta que consta ais e os pedagogiza”, explica. E conclui: “O documento parte da ideia de que a no Colégio Estadual Chico Anysio, que já
mos de “muito mais do que ela é capaz de um projeto como esse”. E completa: “capacitações pré-cognitivas” que devem desse esforço preliminar da SAE é a ado- “Converte-se um direito em um preceito aplica uma proposta curricular desenvol-
de oferecer”. “Não é a escola que muda as instituições buscar superar as inibições “às vezes cha- ção de “um quadro de agentes comuni- salvacionista e seletivo, ou melhor, seleti- família não pode cuidar. Daí transforma vida pelo Instituto Ayrton Senna e é con-
“O que eu estou dizendo naquela parte econômicas e políticas. Para isso, exis- madas socioemocionais” “que barram o tários” que tenham como tarefa “buscar vamente salvacionista”. os problemas sociais em problemas siderado pelo ministro Mangabeira Un-
Perspectiva empresarial? do documento é que nós tivemos avan- tem as outras partes do meu pensamen- caminho” de “grande parte da massa este aluno”, assumindo “parte das tare- Mas Marise chama atenção para o fa- ger um exemplo de escola com currícu-
Esse, aliás, é o grande – e único – mé- ços localizados no país sob a inspiração to e do meu trabalho”. de alunos pobres no país”. Embora não fas da família ao criar, na escola, espaço to de que, também aqui, o documento da individuais e os pedagogiza” lo inovador.
rito da iniciativa da SAE na opinião de desse paradigma empresarial, que foca Isso não quer dizer, no entanto, que possam se confundir com tentativas de de estímulos e cobranças em turno social SAE se aproxima da política que tem si- “Algumas ideias convergem porque
Luiz Araújo. “Por incrível que pareça, é mecanismos de cobrança, meritocracia, a proposta preliminar da SAE ignore as “doutrinação moral”, essas capacitações ampliado”. O documento propõe, tam- do desenvolvida pelo Ministério da Edu- compõem uma epistemologia e uma ide-
a primeira vez, nos últimos 20 anos, que padrões de desempenho, mas que esse desigualdades presentes entre a popu- são, segundo o texto, “de comportamen- bém de forma genérica, que a escola se cação. Um exemplo é que, desde o ano ologia que estão presentes no movimen-
o governo federal apresenta para a so- paradigma empresarial é completamen- lação brasileira. A questão é que ali são to tanto quanto de consciências”. organize cooperativamente para, através passado, já existe uma parceria entre o Instituto Ayrton Senna to empresarial Todos pela Educação, na
ciedade uma proposta de educação num te insuficiente para nos guiar num proje- destacadas apenas as diferenças de “ca- A constatação do documento é de que, do exemplo, ensinar o aluno a cooperar. MEC, a Coordenação de Aperfeiçoamen- O trabalho do Instituto Ayrton Senna OCDE, no Pisa [Programa Internacional
documento oficial”, diz. to nacional de qualificação do ensino pú- pacitações e comportamentos” que ca- numa sociedade opressora e desigual co- “Quando o documento fala da dimen- to de Pessoal de Nível Superior (Capes) e nessa área está descrito num estudo – de Avaliação de Estudantes]. São ideias
“O documento sistematiza um conjun- blico”, defende-se Mangabeira. racterizam uma “sociedade de classes”, mo a que vivemos, a família não conse- são pré-cognitiva, traz uma discussão o Instituto Ayrton Senna para fomentar a intitulado O desenvolvimento das habi- que sustentam um pensamento educa-
to de ideias que estão em debate, sendo como a nossa. gue exercer, por exemplo, o seu papel da pedagogia das competências, que diz pesquisa nessa área. lidades socioemocionais como caminho cional conservador global. Por isso se
praticadas por diferentes governos, e dá “Conceito” de eficiência Segundo o ministro da SAE, “disposi- de ensinar disciplina aos filhos, o que que a educação deve estimular a crian- O acordo, firmado em março de 2014, para a aprendizagem e o sucesso esco- permite que um documento não tenha
uma coerência a elas. Ao fazer isso, ele Luiz Araújo reconhece que, no texto, o ções” como a capacidade de gerir o tem- faz com que a escola tenha que “assumir ça nesse campo emocional para que ela resultou no “Programa de Apoio à For- lar dos alunos da educação básica que, nem referências bibliográficas”, resume
ajuda no contraponto porque exige que “conceito” de eficiência empresarial na po e, especialmente, a autodisciplina e parte das tarefas da família” e demons- consiga se desenvolver corretamente; mação de Profissionais no Campo das segundo informações do site da institui- Marise. (CG) (Revista Poli nº 41 – Esco-
você discuta a proposta global e não ape- educação fica restrito aos primeiros pa- o “espírito” de cooperação, estão desi- traria a importância da escola em tempo que a infância é a esfera em que a com- Competências Socioemocionais”, forma- ção, foi produzido por “encomenda” do la Politécnica de Saúde Joaquim Venân-
nas programas”, analisa. rágrafos. Mas, na sua avaliação, a pro- gualmente distribuídas entre os “mem- integral. petência socioemocional vai ser cons- lizado como um edital de financiamento a Conselho Nacional de Educação (CNE) cio – EPSJV/Fiocruz)
6 de 30 de julho a 5 de agosto de 2015 brasil

Prioridades e orientação do currículo Marcello Casal Jr./ABr


ESPECIAL Documento so igualitário e o reconhecimento dos
talentos individuais”, que aparece en-
preliminar produzido pela caminhado no documento, entre ou-
Secretaria de Assuntos tras coisas, com a criação das escolas
especiais.
Estratégicos (SAE) da Para a professora Marise Ramos, que
estuda a pedagogia das competências,
Presidência da República no entanto, o “consenso” citado pe-
lo ministro existe apenas entre aqueles
carrega uma concepção que estão no seu mesmo “campo ideo-
empresarial de educação lógico”. “Existe um dissenso anterior: a
própria crítica à pedagogia das compe-
tências demarca uma diferença de visão
de mundo, de sociedade, de ser huma-
Cátia Guimarães no e de educação”, anuncia. E compara:
do Rio de Janeiro (RJ) “Primeiro essas conclusões estão orien-
tadas por uma compreensão de que o
“AS REFORMAS consumadas sob a ser humano é uma espécie guiada pelos
inspiração empresarial caracteristica- seus interesses, ou seja, de que, deixa-
mente não mexem no currículo e na dos livremente aos seus interesses, eles
maneira de ensinar a aprender. Elas estabelecerão relações de harmonia e de
se focam na gestão, mas são relativa- funcionalidade na sociedade. E como se
mente passivas com respeito à didáti- estruturam os interesses dessa espécie?
ca e ao currículo, exatamente o oposto Mediante o desenvolvimento das suas
do que eu estou propondo.” Esse é um capacidades e das suas competências. O
dos argumentos apresentados pelo mi- desenvolvimento de competências seria,
nistro Mangabeira Unger para negar as então, o aprimoramento desse ser que
críticas de que o documento preliminar é capaz de reconhecer seus interesses
produzido pela Secretaria de Assuntos e agir guiado por eles para ter êxito na
Estratégicos (SAE) da Presidência da sociedade. Mas existe outra perspecti-
República carrega uma concepção em- Proposta não tem por objetivo colocar o Brasil entre os melhores países do mundo em educação va, que acredita que o ser humano é um
presarial de educação. ser que produz a sua existência social e
Para Luiz Araújo, no entanto, essa é na política produtivista, democratizado- Segundo ele, muita coisa já é consen- coletivamente, a partir de pressupostos
uma “meia verdade”. “A solução desse ra e capacitante de que o documento fa- sual no debate sobre o currículo. “O comuns de construção da história des-
currículo é uma solução de ranking. O la, piano não parece prioridade. O plano currículo deve dizer claramente o que sa mesma espécie. Então, os interesses
formato de salvar as gerações que têm nacional de pós-graduação mostra is- os alunos têm direito a aprender em ca- não são individuais, mas sociais. Outra
potencial é meritocrática, inclusive na so claramente. Quais são as áreas prio- da estágio da sua escolaridade; deve ter divergência é sobre para que vale o co-
criação de uma rede de excelência pa- ritárias do governo? Nanotecnologia, flexibilidade para que o aluno, sobre- nhecimento. Naquela primeira concep-
ralela”, exemplifica. O professor da UnB biotecnologia. A arte e as ciências hu- tudo no ensino médio, possa ajudar a ção, os conhecimentos são instrumentos
está se referindo principalmente aos pro- manas estão fora. A desigualdade exis- construir seu próprio caminho curri- dos quais essa espécie interessada se va-
cessos de individualização defendidos no te entre as pessoas, mas a questão é co- cular, com matérias profissionais e es- le para atingir seus objetivos. São ape-
documento que se desdobram na pro- mo o país vai selecionar que desigual- colhas, sem confundir essa flexibilida- nas insumos que, ao se articularem com
posta de se construírem escolas de re- dades devem ser desenvolvidas, presti- de individual com a especialização pre- os elementos cognitivos, vão constituin-
ferência – batizadas de “Anísio Teixei- giadas e que desigualdades vão ser sim- coce, que é uma maldição histórica do do competências operativas e eficazes.
ra” –, as quais se ingressaria por meio de plesmente perdidas”. ensino brasileiro; e deve romper com a
concorrência, voltadas para “alunos com Marise Ramos discorda também da decoreba e o enciclopedismo”, diz o mi-
maior potencial”. avaliação de que as reformas educacio- nistro, elencando aquilo que, a seu ver, “Todas as democracias do mundo
Cristovam Buarque critica: “Já come- nais de cunho empresarial não priori- já é um consenso. As discordâncias são
ça aí o problema, quando se fala em es- zam o currículo. Segundo ela, o currículo outras e, segundo ele, se dão entre “te- enfrentam, na educação, a tensão entre
cola onde entra quem tem mérito. To- é parte de uma clara orientação mais am- ses mais conservadoras e teses mais
dos, aos quatro anos, têm mérito igual. pla: formar o trabalhador típico da con- transformadoras”.
os ideais de universalidade e igualdade,
Eu sou favorável à meritocracia, mas a temporaneidade, flexível e tolerante com O primeiro debate a ser feito, a partir de um lado, e a determinação de
gente tem que oferecer a todos e o pro- a instabilidade. daquele consenso inicial, explica o mi-
cesso é que mostra quem tem mérito, “O empresariado não vai sentar pa- nistro, é se o currículo deve priorizar as assegurar espaço aos talentos, de outro”
não é a entrada”. ra fazer o currículo, mas vai encomen- “competências analíticas” – como racio-
Segundo o senador, isso mostra uma dar aos seus curriculistas. Porque ele es- cínio lógico e interpretação de texto, por
“falta de ambição” da proposta, que não tá preocupado com o trabalhador que vai exemplo – ou os conteúdos. “Eu defendo
aposta numa estratégia para colocar o chegar lá”, diz. E explica: “Ainda que o a tese da primazia das competências so- Numa outra visão, o conhecimento é
Brasil entre os melhores países do mun- empresário não esteja diretamente preo- bre os conteúdos”, avisa. O segundo pon- uma forma de apreender o que é a reali-
do em educação. Isso porque os países cupado com o currículo e sim com a ges- to, diz, é se, no que diz respeito aos con- dade material e social para que o ser hu-
que ele considera que “deram o salto” tão, a gestão é o currículo do processo de teúdos, deve prevalecer a abrangência ou mano se aproprie do que foi produzido
na educação, como a Finlândia e a Co- trabalho. Não é por acaso que hoje, de a profundidade. O ministro aposta nes- por ele mesmo e seja capaz de transfor-
reia do Sul, construíram um sistema em forma mais completa, se conseguiu che- te último, na forma de um “aprofunda- má-la. A lógica das competências com-
que todas as escolas têm a máxima quali- gar a uma única noção que ordena o cur- mento seletivo”. Isso significa, segundo preende o conhecimento como instru-
dade. “Tem que acabar com essa história rículo e a gestão, que é a noção de com- ele, que “os conteúdos podem ser itine- mento e os conteúdos de ensino, que
de que existe escola boa ou ruim. Escola petência”. rantes ou variados”. são o conhecimento convertido pela es-
é que nem oxigênio: ou é bom ou não se Mangabeira elenca ainda um terceiro cola em algo a ser ensinado, como insu-
usa”, conclui. “Capacitações analíticas” debate, que ele considera mais profun- mos. Por isso se defende que vale a pena
Mangabeira Unger lembra que o Bra- No documento preliminar produzido do, embora não apareça de forma espe- aprender umas coisas mas não outras:
sil sempre teve escolas de referência, co- pela SAE, o conceito de competências cífica no documento, entre “a ortodoxia é sempre na lógica instrumental. Já na
mo o Colégio Militar e os colégios de apli- não aparece nomeado, mas vem à tona universitária e o preparo para a rebel- nossa perspectiva, o conhecimento é pa-
cação nas universidades. “Isso não é uma na defesa da prevalência de “capacita- dia”. “Eu sustento que o currículo do en- trimônio científico, social e cultural, que
invenção. Agora, é preciso compreender ções analíticas” em substituição à “deco- sino básico, e sobretudo do ensino mé- todos os sujeitos precisam aprender pa-
qual o papel legítimo disso dentro de um reba enciclopédica” que, segundo o breve dio, deve apresentar cada método e cada ra agirem sobre a realidade”. Ela diz, no
projeto revolucionário de transformação diagnóstico ali apresentado, é o que im- área do conhecimento sob pontos de vis- entanto, não ter dúvida de que a concep-
da qualidade de ensino. Voltamos aqui pera nos currículos brasileiros hoje. “O ta contraditórios. Que imunize o jovem ção que orienta o documento é hegemô-
ao tema de se reconciliar compromis- elemento comum mais importante são contra o conformismo e o prepare para nica. “A disputa não está colocada nem
so igualitário e reconhecimento das dife- as competências, não os conteúdos”, diz uma rebeldia necessária à libertação da por dentro do MEC, nem por dentro das
renças individuais”, defende. Mangabeira Unger, referindo-se ao que mente”, explica. políticas de educação”, conclui. (Revista
Marise Ramos discorda. Segundo ela, deve orientar a construção da Base Na- O quarto tema em debate, por fim, se- Poli nº 41 – Escola Politécnica de Saúde
as escolas de referência de fato existem, cional Comum. ria a “reconciliação entre o compromis- Joaquim Venâncio – EPSJV/Fiocruz)
mas como um modelo a ser superado e
a luta dos educadores e movimentos so-
ciais ligados à educação no Brasil tem se
dado no sentido exatamente contrário,

PNE, debate ampliado


de ampliação de vagas e criação de um
sistema de cotas nas escolas que já exis-
tem. “Essa proposta ignora toda a produ-
ção da história da educação no Brasil”,
critica. E completa: “Trata-se de uma
postura absolutamente elitista porque tos abstratos como o do regime de coo- propostas mirabolantes para o problema,
acha que deve haver o exemplo dos me- do Rio de Janeiro (RJ) peração dentro da Federação sem dar- que concentrem recursos públicos sem
lhores. Precisamos de autonomia das es- -lhes conteúdo institucional. A proposta ter sido isso fruto do debate do PNE”, diz,
colas, espaços para que os sujeitos cons- Uma das críticas mais contundentes preliminar da Pátria Educadora come- completando: “Vai ser um movimento
truam sua história e não de exemplos a que tem sido feita à proposta da SAE é o ça a dar conteúdo à estas diretrizes. De- contraditório: o movimento social vai bri-
serem copiados”. fato de ela não considerar a existência do marca trajetória para transformá-las em gar para fazer valer aquilo que é progres-
A criação de escolas especiais apare- PNE, que foi fruto de ampla mobilização realidade”. sista no PNE. E vai haver uma briga mui-
ce no documento como uma estraté- da sociedade civil e de discussão no Con- to grande para cumprir metas quantitati-
gia – que nem é a mais importante, se- gresso Nacional. Um documento da Con- vas em função do ajuste fiscal”.
gundo o ministro da SAE – de não “im- federação Nacional dos Trabalhadores “Esse PNE não vai resolver Para além do debate sobre a rela-
por a mediocridade em nome da demo- da Educação (CNTE) que avalia a pro- ção com o PNE, o professor-pesquisa-
cracia”. “Todas as democracias do mun- posta preliminar da SAE, por exemplo, é nada, foi uma coisa feita dor Marcelo Mello, que é assessor da vi-
do enfrentam, na educação, a tensão en- contundente: “o norte da Pátria Educa- ce-direção de ensino da EPSJV/Fiocruz,
tre os ideais de universalidade e igualda- dora deve se concentrar no cumprimen-
para atender aos interesses considera urgente o questionamento so-
de, de um lado, e a determinação de asse- to integral da Lei nº 13.005, que apro- das corporações. São bre com quem será feita a “obra de cons-
gurar espaço aos talentos, de outro”, diz vou o Plano Nacional de Educação (PNE, trução nacional” que a proposta da SAE
o texto. 2014-2024), observando-se o conjun- metas soltas, não diz anuncia no subtítulo do documento pre-
Para Marco Antônio Santos, professor- to de diretrizes do Plano (art. 2º da Lei) liminar. Ele ressalta, por exemplo, o fa-
-pesquisador da EPSJV/Fiocruz, esse é e os prazos para implementação das 20 como fazer nada” to do documento citar o Sistema Único de
um problema real, o que não quer dizer, metas e das 254 estratégias”, diz a intro- Saúde (SUS) como referência para algu-
na sua avaliação, que a solução propos- dução do texto. mas iniciativas relativas ao federalismo,
ta seja adequada. “Esse problema dos su- Diferente da versão preliminar mais sem considerar que o SUS foi resultado
perdotados é delicado. Soa como se fos- geral, no novo documento que acabou de O senador Cristovam Buarque também de um processo histórico de luta coletiva.
se elitismo, mas não necessariamente é. sair, explorando o eixo sobre o “federa- se coloca na contramão dessas críticas, Alertando que essa versão prelimi-
Há uma certa porcentagem da popula- lismo cooperativo”, a SAE já faz referên- defendendo que o grande mérito do do- nar elaborada pela SAE tem o objetivo
ção que tem uma capacidade especial pa- cia direta ao PNE. Antes, como resulta- cumento da SAE é exatamente fazer com de “suscitar o debate”, e que não deve,
ra determinadas áreas e ela tem que ser do das primeiras críticas que surgiram, que se saia da discussão do PNE. “Esse portanto, ser “transformada em fetiche
atendida do mesmo jeito que a popula- o ministro Mangabeira Unger produziu PNE não vai resolver nada, foi uma coisa e interpretada como se fosse o anúncio
ção que tem dificuldade. Uma porção de um pequeno texto de esclarecimento so- feita para atender aos interesses das cor- de políticas públicas”, o ministro Man-
alunos que não se adaptam e criam pro- bre o que ele considerou alguns “mal-en- porações. São metas soltas, não diz como gabeira Unger insiste que o grande de-
blemas de funcionamento na turma são tendidos e divergências” suscitadas na fazer nada”, critica. safio é fazer com que o debate “envolva
aqueles com capacidade especial para ci- reunião de 26 de abril, em que o docu- Apesar de reconhecer que, por conta toda a nação”. Mas avisa: “Não deve ser
ma”, diz. mento foi apresentado. da correlação de forças, o PNE aprova- um debate dominado por técnicos espe-
Murilo Vilaça concorda, mas questio- Sobre a “objeção” de que a proposta do expressa muitas derrotas dos movi- cialistas nem por representantes corpo-
na sobre o caminho a ser adotado: “A contradizia o PNE, o texto explica: “Não mentos sociais, Luiz Araújo discorda des- rativos do capital privado ou do sindica-
questão é: em que particularidades se há conflito. O Plano Nacional de Edu- sa avaliação. “Opor o documento ao PNE lismo”. (CG) (Revista Poli nº 41 – Esco-
investirá? Uma criança pode ter um po- cação é uma lei-arcabouço. Fixa metas é uma boa estratégia para impedir que o la Politécnica de Saúde Joaquim Venân-
tencial maravilhoso para o piano, mas e define procedimentos. Invoca concei- Plano fique na gaveta e apareçam várias cio – EPSJV/Fiocruz)
brasil de 30 de julho a 5 de agosto de 2015 7

Em SP, maior parque linear


do mundo continua no papel Gilberto Marques/Governo SP
GESTÃO TUCANA sendo analisados pelo seu departamento
jurídico; e o que o processo de decreta-
Projeto combina áreas ção da utilidade pública foi interrompi-
do por falta de recursos; e que as inter-
de lazer com obra venções para desassoreamento numa la-
contra enchentes na goa formada pela extração de areia tra-
rão poucos benefícios na capacidade de
região leste da capital escoamento.
Com as enchentes do verão de 2009
paulista; população da para 2010, o então prefeito Gilberto Kas-
sab decretou situação de calamidade pú-
Vila Itaim, que todo ano blica no distrito de Jardim Helena, per-
tencente à Subprefeitura de São Miguel.
sofre com a enxurrada, A região engloba, dentre outros, os bair-
cobra início das obras ros de Jardim Romano, Chácara Três
Meninas, Vila das Flores, Jardim São
Martino, Jardim Novo Horizonte, Vila
da Paz, Jardim Santa Margarida, Vila Se-
Cida de Oliveira abra, Jardim Noêmia, Vila Aimoré, Vila
de São Paulo (SP) Itaim e Jardim Pantanal.
da Rede Brasil Atual
Enchentes
APRESENTADO em julho de 2010 pelo O líder comunitário Euclides Mendes,
então governador José Serra (PSDB) co- morador da Vila Itaim, reclama que as
mo o maior parque linear do mundo, o enchentes do Tietê, comuns no verão,
Várzeas do Tietê ainda não saiu do pa- alagam diversos bairros. Porém, ape-
pel. Pelo projeto, que aparece com des- nas aqueles que chamam mais a atenção
taque no site do Departamento de Águas da imprensa, como o Jardim Romano e
e Energia Elétrica (DAEE), vinculado à Pantanal, receberam obras.
Secretaria de Saneamento e Recursos “A Vila Itaim já ficou sob as águas por
Hídricos do estado de São Paulo, terá mais de 84 dias. Baixava numa rua, mas
75 quilômetros de extensão ao longo do não baixava na outra. Os moradores fize-
rio Tietê e área total de 107 quilômetros. ram manifestações. Quando a água bai-
Vai unir o Parque Ecológico do Tietê, no xou, ficaram o lixo e os focos de insetos
bairro da Penha, na zona leste da capital, e ratos. Levou quase três meses para ser
e o Parque Nascentes do Tietê, no muni- limpo”, conta Euclides.
cípio de Salesópolis, onde nasce o rio. Mesmo com o decreto de situação de
Com a promessa de recuperar e prote- calamidade pública nas enchentes do ve-
ger as margens, com diques para conten- Serra observa maquete durante lançamento do Parque Várzeas do Tietê, em julho de 2010 rão de 2009 para 2010, como dito ante-
ção das cheias e ao mesmo tempo cons- riormente, no ano seguinte a região foi
tituir área de lazer, pretende beneficiar O investimento previsto é de R$ 1,7 “Com o fim da exploração, veio a novamente assolada pelas enchentes.
diretamente 3 milhões de moradores da bilhão até 2022. Na primeira fase, en- Não é de hoje que os moradores dali
zona leste da capital e toda a população tre 2011 e 2016, o parque deveria ter si- instalação de um lixão ali, que foi sofrem. Nos anos 1960 e 1970, foram re-
da região metropolitana de São Paulo, do implementado ao longo dos 25 quilô- fechado a partir dos protestos dos tirados 33 hectares de areia de uma la-
especialmente de São Paulo, Guarulhos, metros entre o Parque Ecológico do Tie- goa na região. “Com o fim da exploração,
Itaquaquecetuba, Poá, Suzano, Mogi das tê e a divisa de Itaquaquecetuba. A se- moradores. Até hoje não houve veio a instalação de um lixão ali, que foi
Cruzes, Biritiba Mirim e Salesópolis. gunda fase tem 11,3 quilômetros e in- fechado a partir dos protestos dos mora-
clui a várzea do rio em Itaquaquecetu- compensação ambiental pela exploração dores. Até hoje não houve compensação

“A Vila Itaim já ficou sob


ba, Poá e Suzano. Seu término estava da mineradora, que poderia ser ambiental pela exploração da minerado-
previsto para 2018. E a última, de 38,7 ra, que poderia ser convertido em obras
quilômetros, vai de Suzano à nascente convertido em obras contra as enchentes” contra as enchentes.”
as águas por mais de 84 do rio Tietê. Tudo já deveria estar pron- De acordo com o líder comunitário, em
to em 2022. 2014 o governador Geraldo Alckmin (PS-
dias. Baixava numa rua, De acordo com informações sobre os DB) e o prefeito Fernando Haddad (PT)
mas não baixava na outra. resultados da execução dos programas bientais na região pela extração de areia estiveram no local e prometeram cons-
aprovados no Plano Plurianual 2012- nos de 1970 e 1980, informou que o pro- truir ali os chamados pôlderes, obras que
Os moradores fizeram 2015, publicados no Diário Oficial em 29 jeto está em sua primeira fase, o que in- incluem diques, redes de drenagem e sis-
de abril, das quatro metas, apenas uma clui ações de limpeza e desassoreamen- temas de bombeamento para proteção
manifestações. Quando a foi realizada até 2014: a análise crítica do to em pontos críticos ao longo do canal das áreas em períodos de cheias.
projeto básico, elaboração do programa do rio Tietê entre a barragem da Penha De acordo com a prefeitura, essas
água baixou, ficaram o lixo executivo e assistência técnica à obra de e a foz do córrego 3 Pontes, já na divisa obras são de responsabilidade do gover-
e os focos de insetos e ratos. três núcleos do Várzea do Tietê, que deve com Itaquaquecetuba, desde outubro de no estadual. E que, sem esse projeto,não
ocorrer em 2015. 2010. tem como remover as famílias. É preciso
Levou quase três meses para Procurado, o DAEE não atendeu a re- Informou ainda que os trabalhos de conhecer a extensão da obra para deter-
portagem. Mas em ofício encaminhado à campo na Vila Itaim foram iniciados minar quantas famílias devem ser remo-
ser limpo” promotoria de Justiça do Meio Ambiente em junho de 2014; que o cadastramento vidas. Isso porque, se fizer a remoção an-
do Ministério Público estadual em março imobiliário e laudos avaliativos da área tes, muitas outras famílias poderão vir a
passado, que investiga os impactos am- para o processo de desapropriação estão ocupar o local.

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8 de 30 de julho a 5 de agosto de 2015 brasil

Hackeando o Brasil
ESPIONAGEM Vazamento
Reprodução
Assim, Luppi decidiu cortar o inter-
mediário e negociou diretamente com o
do WikiLeaks detalha Centro de Instrução de Guerra Eletrô-
nica (CIGE) numa visita no dia 19 da-
investidas da empresa quele mês, comunicando-se com o ca-
italiana Hacking Team para pitão instrutor Flávio Augusto Coelho
Regueira Costa.
vender software espião Procurada pela reportagem da Públi-
ca, a assessoria do Comando do Exér-
à polícias de todo o país, cito reconheceu ter feito contatos com
de olho nas Olimpíadas; a Hacking Team para avaliar os produ-
tos da empresa, mas disse que não hou-
primeiro cliente, PF teria ve aquisição.
“A prospecção de ferramentas que per-
começado a usar o produto mitem a realização de testes de penetra-
em maio deste ano ção em sistemas de informática é um fa-
to cotidiano que é realizado para manter
o CIGE atualizado e identificar novas fer-
ramentas que possam simular para seus
Natalia Viana alunos o ambiente real de ataques que
de São Paulo (SP) Após vazamento, segurança dos produtos da Hacking Team tem sido ainda mais questionada ocorrem nos sistemas informacionais”,
disse o CIGE por meio de nota.
A NOTÍCIA de que a empresa Hacking lhares de aparelhos monitorados ape- reunião seja no dia 25 de julho entre as
Team teve seus e-mails hackeados em nas adicionando hardware.” No mesmo 14 e as 17 horas. Embora haja agora uma Sem legislação
junho foi um choque para o mercado da e-mail, ele diz ainda que “dentre as insta- discussão sobre os poderes do Procu- A partir de 2014, outro representan-
vigilância digital. Normalmente acostu- lações que temos atualmente no mundo rador-Geral para investigações. Apesar te brasileiro, Luca Gabrielli, da empresa
mada a espionar e-mails alheios, a com- todo, mais de três têm aproximadamen- desse debate, o procurador segue investi- 9isp (e, posteriormente, da YasniTech),
panhia viu suas comunicações internas te dois mil aparelhos monitorados cada”. gando e nós acreditamos que o debate vai assume as negociações com as polícias
vazarem a conta-gotas na internet. Em O e-mail de Bettini foi enviado em res- acabar fortalecendo a PGR”, diz Gualter brasileiras, com um approach bastan-
8 de julho, o WikiLeaks publicou nada posta ao então representante brasileiro em e-mail no dia 19 de junho de 2013. Na te diferenciado, como detalha um e-mail
menos que 1 milhão de e-mails, organi- Gualter Tavares Neto, ex-secretário ad- mesma visita, Massimiliano esteve com a em italiano, de 28 de maio de 2014.
zados em um banco de dados que pode junto de Transporte do Distrito Federal Polícia Civil do Distrito Federal, após in- A nova estratégia de entrada no mer-
ser explorado através de buscas por pa- (DF) e sua empresa DefenceTech, a pri- tervenção junto ao gabinete do governa- cado brasileiro foi traçada com a cola-
lavras-chave. meira a trazer a tecnologia da Hacking dor, diz outro e-mail. boração do advogado Antenor Madruga,
Os documentos mostram como a em- Team ao Brasil, em 2011. Nas correspondências, o brasileiro ex-secretário Nacional de Justiça e ex-di-
presa – que vende somente para gover- No final de 2012, Gualter Tavares orga- mostrava preocupação em convencer as retor do Departamento de Recuperação
nos e tem entre seus clientes desde o FBI nizou um verdadeiro roadshow dos pro- polícias nacionais sobre a superiorida- de Ativos e Cooperação Internacional.
e o exército americano até regimes que dutos entre polícias e militares brasilei- de da Hacking Team contra concorren- “Não há nenhuma legislação específica
reprimem e perseguem oposicionistas ros. Para isso, dois membros da Hacking tes, como os softwares espiões da em- para o uso de um produto como esse e/
como Marrocos, Arábia Saudita, Emi- Team vieram ao Brasil, o gerente de con- presa israelense Elbit Systems e o Fin- ou uma doutrina legal clara. Por isso, te-
rados Árabes, Bahrein e Azerbaijão – tas Massimiliano Luppi e o engenheiro fisher, do britânico Gamma Group, tam- mos que construir uma estratégia de ven-
atua para fazer lobby e conquistar novos de sistemas Alessandro Scarafile. bém conhecido e apreciado pelos poten- das para impedir a venda antes de quei-
clientes. Foram feitas exibições de uso dos pro- ciais clientes. mar o produto (isso inclui todos os ato-
No Brasil, a Hacking Team tem atua- dutos para o Comando da Aeronáutica res: políticos – nossos apoiadores –, jor-
do fortemente junto à Polícia Federal, no dia 27 de novembro, com a presença Negociações nalísticos, comerciais, etc.).”
o Exército e diversas polícias estaduais do chefe de inteligência; no dia 28, às 2 As negociações, no entanto, avançaram Luca Gabrielli sugere ter cuidados com
desde 2011. Por outro lado, diversas for- da madrugada, a equipe esteve na sede pouco. No ano seguinte, a Hacking Team órgãos que poderiam fazer uso ilegal do
ças policiais brasileiras procuraram os do Departamento de Inteligência da Po- ainda não havia concretizado nenhuma software, como as polícias civis do Rio
italianos em busca dos seus produtos. lícia Civil do Distrito Federal, com pre- venda. “Durante todo esse tempo, nós ti- de Janeiro e do Amazonas. “Todo mundo
Em maio deste ano, através de um con- sença de toda a equipe; no mesmo dia, vemos a chance de estar em Brasília di- concorda que o produto será bem-suce-
trato com a representante nacional Yas- às 17h30, fizeram uma demonstração versas vezes e fizemos algumas demons- dido, mas vendê-lo antes das eleições em
niTech, os polêmicos softwares de es- na sede do Departamento de Polícia Fe- trações”, escreveu Massimiliano Luppi outubro é um risco alto, com grande pro-
pionagem da Hacking Team foram usa- deral, em Brasília. Estiveram também no final de fevereiro de 2014. babilidade de abusos.”
dos para uma investigação da PF, em um na sede do Centro de Comunicações e Ele afirma ter feito mais de três de- A consequência, explica ele, é que co-
projeto piloto de três meses, segundo os Guerra Eletrônica do Exército Brasileiro monstrações à PF, mais de três à Polícia mo intermediária sua empresa poderia
e-mails. (CCOMGEX) no dia 29. O grupo foi ain- Civil do Distrito Federal, além do Exérci- ser corresponsabilizada nesse caso. “Pre-
da recebido na sede da Abin no dia 30 de to, a PGR e a Abin. “Depois das ‘demos’, cisamos realmente construir uma estra-
Controle de celulares e computadores novembro às 8h30. não houve nenhum follow-up”, reclama. tégia de comercialização completa, sa-
O negócio da Hacking Team é desen- Em meados do ano seguinte, Gualter Em especial, lhe desagradava o sobrepre- bendo que, como provavelmente aconte-
volver maneiras de “infectar” diferentes organizou mais uma rodada de reuni- ço do “parceiro” brasileiro na negociação cerá no Brasil, pode haver tanto uso im-
aparelhos digitais para permitir seu mo- ões pessoais em Brasília, inclusive com a com a PF: “Eles vieram com um preço próprio quanto uma publicação em al-
nitoramento ao vivo, 24 horas por dia, a Procuradoria-Geral da República (PGR), extremamente alto se comparado com o gum jornal.”
chamada “tecnologia de segurança ofen- segundo os e-mails. “Ontem nós recebe- nosso orçamento para eles”. Enquanto a A solução, para ele, era identificar um
siva” – ou espionagem digital. Seus equi- mos um pedido do Sr. Marcelo Beltrão Hacking Team teria pedido 700 mil eu- primeiro cliente “que não impacte nega-
pamentos permitem às polícias realizar Caiado (chefe da Divisão da Seguran- ros, a DefenseTech teria enviado um or- tivamente a opinião pública” – a Polícia
vigilância seletiva e também vigilância ça da Informação da Procuradoria-Geral çamento de “mais de 1,5 milhão [de eu- Federal. (NV) (Agência Pública – www.
massiva, em milhares de celulares e com- da República – PGR) requisitando que a ros] para o usuário final”. apublica.org)
putadores ao mesmo tempo.
Seu principal produto é o Sistema de
Controle Remoto “Da Vinci”, que permi-

Abrindo as portas na Polícia Federal


te invadir e controlar uma máquina, dri-
blando as comunicações criptografadas,
além de espionar Skype e comunicações
por chat. Segundo a empresa, o “Da Vin-
ci” pode ligar remotamente microfones e
câmeras de computadores e celulares e Para utilizar o produto, a equipe da PF três meses.
depois gravar todo o conteúdo. E, mes- de São Paulo (SP) obteve a necessária autorização judicial – “Na segunda-feira [18 de maio] come-
mo com o computador desconectado da foi a primeira vez no Brasil, segundo os çamos o projeto conforme o plano com
internet, pode acessar históricos, conver- O novo intermediário promoveu, em e-mails. o cliente [PF]. Em 3 meses teremos IM-
sas, fotos e deletar ou modificar arquivos. novembro de 2014, uma nova visita dos As comunicações mais recentes re- PRESSIONADO o cliente que aceitou
Para a “infecção” a Hacking Team usa- italianos ao Brasil. Os detalhes são dis- velam que, no final de maio deste ano, ser uma referência para nós. Nós fecha-
va, por exemplo, uma brecha no progra- cutidos ao longo de vários e-mails. Pri- a equipe da Hacking Team esteve em mos o acordo para [fornecer o software
ma Flash, criando páginas na internet meira parada: Polícia Civil de São Pau- Brasília treinando delegados da PF pa- a] 100 agentes que eles têm a proposta e
web que instalavam automaticamente o lo, onde Luca realizou, ao lado do técnico ra usarem não apenas o software, mas todos nós finalmente celebramos beben-
software através do programa. “É uma Eduardo Pardo, uma “demo” no departa- “engenharia social”, um método de in- do MUITA caipirinha ou vinho – você es-
tecnologia de segurança ofensiva. É um mento de inteligência (Dipol). Entusias- vestigação que inclui a manipulação de colhe. Nós seguimos adiante com a PC-
spyware. É um cavalo de Troia. É um mados, os chefes da Polícia Civil agenda- pessoas para conseguir acesso a infor- -SP [polícia civil de São Paulo] baseada
grampo. É uma ferramenta de monito- ram duas demonstrações no dia seguin- mações confidenciais, em busca de co- na referência da PF (estou esperando es-
ramento. É uma ferramenta de ataque. É te, no Departamento de Narcóticos (De- nhecer melhor os “alvos” a serem in- se começo para buscar ativamente a PC-
uma ferramenta para controlar os pontos narc) e no Departamento de Investiga- fectados. Mostram, ainda, que a equi- -SP que está esperando uma referência)”,
finais, ou seja, os PCs”, diz a Hacking Te- ções Criminais (Deic). pe do Hacking Team teve amplo aces- explica Gabrielli no e-mail.
am em uma propaganda feita para seus Na mesma viagem ao Brasil, a Hacking so à investigação, treinando, opinando O passo seguinte leva em conta as
clientes. Team fez apresentações para o Departa- e orientando os delegados brasileiros – Olimpíadas, a serem realizadas em 2016
Em 2013, a organização Repórteres mento de Inteligência da Polícia Civil do desde o técnico enviado ao Brasil até o no Rio. “Nós vamos tentar tornar essa so-
sem Fronteiras colocou a empresa na lis- Rio de Janeiro (Cinpol), o Ministério Pú- CEO e fundador, David Vincenzetti. O lução um padrão no Brasil via SESGE”,
ta dos inimigos da internet. “Crescente- blico fluminense e o cliente preferencial, custo do contrato, segundo e-mail de escreve, referindo-se à Secretaria Espe-
mente o uso de censura cibernética e a a PF, cuja sede foi visitada nos dias 20 e Luca Gabrielli (a esta altura ele já res- cial de Segurança para Grandes Even-
vigilância cibernética estão ameaçando o 21 de novembro. Finalmente, os esforços pondia em nome da empresa YasniTe- tos, ligada ao Ministério da Justiça. (NV)
modelo de internet idealizado pelos seus valeram a pena. ch), foi de R$ 25 mil por mês, durante (Agência Pública – www.apublica.org)
fundadores: a internet como um lugar de
liberdade, um lugar para a troca de infor-
mações, conteúdo e opiniões, um lugar

Olimpíadas vigiadas
que transcende fronteiras”, disse a orga-
nização na ocasião.
O software é vendido sob uma licen-
ça para o “usuário final” durante deter-
minado tempo, com um contrato de con-
fidencialidade. Segundo reportagem da bro de 2015). Tudo depende do sucesso bro de 2013. Ali, um agente do Departa-
revista alemã Der Spiegel, o porta-voz de São Paulo (SP) do projeto-piloto.” mento de Estado americano o procurou
da Hacking Team afirmou durante um Não foi a primeira vez que a SESGE de- para falar da necessidade de vigilância
debate que a empresa pode compreen- Levado pelas mãos da PF, o represen- monstrou interesse nos softwares espi- nas Olimpíadas.
der “até certo limite” o que os clientes fa- tante da Hacking Team manteve con- ões. Pouco depois da Copa do Mundo, no “O Brasil quer um sistema para a Copa
zem com seu software, já que o progra- versas com representantes da Secreta- dia 4 de setembro de 2014, o coordena- do Mundo da FIFA e as Olimpíadas. Eles
ma mantém contato “constante e não es- ria desde o começo deste ano. “Nós (eu e dor-geral de Contrainteligência da secre- vão trabalhar junto com o Departamen-
pecificado” com seus criadores. Após o Hugo) discutimos com o Secretário Es- taria, Rogerio Giampaoli, escreveu para to de Estado dos EUA para conseguir fi-
vazamento, a segurança dos produtos da pecial da SESGE uma implantação glo- o gerente de vendas da Hacking Team, nanciamento. É do interesse dos EUA es-
Hacking Team tem sido ainda mais ques- bal no país para auxiliar na segurança Alex Velasco: “Prezado Senhor Alex, gos- tar em boa cooperação com o Brasil, não
tionada. dos Jogos Olímpicos; as licenças, então, taríamos de conhecer um pouco mais so- apenas pelas relações internacionais mas
seriam doadas para a PF em vários esta- bre a ferramenta GALILEO de vossa em- também por razões de segurança. Isso é o
Roadshow no Brasil dos. Eu fiz uma apresentação para o de- presa, tais como funcionalidade e opera- que o agente do Departamento de Estado
“Os produtos de nossos competido- partamento de inteligência da SESGE, cionalidade. Teriam algum representan- Peter MacDonald mencionou para mim”,
res só conseguem gerenciar algumas de- que quer uma demonstração durante o te no Brasil?”. escreveu aos chefes. Procurada pela Pú-
zenas de alvos ao mesmo tempo”, expli- piloto [da PF]. Nesta fase, há a possibi- Um ano antes Alex Velasco já tinha fei- blica, a assessoria de comunicação da Po-
cou o gerente de vendas da Hacking Te- lidade de expansão para até 1.000 agen- to sucesso na maior feira de venda de lícia Federal não respondeu à publicação.
am, Marco Bettini, em um e-mail de ou- tes em todo o país (a SESGE confirmou equipamentos para inteligência e vigi- A SESGE também não respondeu às per-
tubro de 2012. “Já com o ‘Da Vinci’ vo- a disponibilidade de orçamento, mas lância do mundo, a ISS World, que ocor- guntas da reportagem. (NV) (Agência
cê pode aumentar para centenas de mi- apenas se executada em agosto/setem- rera em Washington de 25 a 27 de setem- Pública – www.apublica.org)
brasil de 30 de julho a 5 de agosto de 2015 9

Eu e ele, nós e eles Fotos: NPC

RECONHECIMENTO
Homenagem a Vito Giannotti, falecido
no dia 24 de julho, no Rio de Janeiro.
Vito foi um dos fundadores do Brasil
de Fato, era membro do conselho
editorial e colunista do nosso jornal

Sebastião Neto

DEDICO AOS JOVENS que brilhavam os


olhos ao ver Vito falar, imprecar e poli-
tizar. E particularmente aos participan-
tes do Curso de Comunicação Popular do
NPC. Como diria o Elias: “se temos que
esperar alguma coisa, será dos jovens”.
Sentia que esse momento estava che-
gando. Tava antevendo. Tive na sex-
ta passada com o camarada Vito no Rio
de Janeiro. Era o mesmo como ser polí-
tico, mas parecia fragilizado fisicamente.
Já de meses, sua companheira Cláudia e
sua equipe no NPC o acarinhavam, preo-
cupados com as sequelas de tratamentos
brabos que ele tinha passado.
Durante muitos anos, eu e ele fomos in-
separáveis na ação e diferentes em quase
tudo para quem olhava a superfície das
coisas. Dois jeitos distintos. O ambien-
te que ainda hoje permanece entre os ve- O comunicador popular Vito Giannotti
lhos camaradas da Oposição Metalúrgica
de São Paulo permitia e permite a convi- za gacha. O “sindicalismo de resultados”
vência com diferenças políticas. Nos uni- parecia triunfante. O sindicato collorido
ram laços inquebráveis de concepções era o arauto da desregulamentação e da
políticas: a independência de classe, o in- flexibilização em nome do negocial me-
ternacionalismo, a obsessão pela defesa lhor que o legal. Em menos de dois anos,
e necessidade das organizações de base Collor liquida um quarto dos empregos
dos trabalhadores numa concepção das industriais em São Paulo.
estruturas horizontais de poder, a demo- Para Vito, São Paulo estava vencida co-
cracia dentro das organizações de traba- mo etapa na sua vida e busca pela revolu-
lhadores. Vito trazia a cultura comunista ção. A partir da derrota de Lula na mara-
da esquerda europeia – leia-se: NÃO da vilhosa campanha de 1989, foi determi-
Terceira Internacional – com uma marca nada uma divisão de águas na esquerda.
italiana e particularmente tudo que era Mal se podia imaginar que o aggiorna-
não stalinismo, não burocracia. Lembre- mento ocorreria também por aqui. Que
mos que a Itália no final dos anos 60, co- boa parte da esquerda historicamen-
meço dos 70, tinha, talvez, o sindicalismo te construída na resistência à ditadura,
mais avançado da Europa, dizíamos “do em nome dos interesses maiores, desis-
mundo”. Como tudo isso foi para a casa tisse dos enfrentamentos. Além do rea-
do cazzo, como diria o Vito, é um bom lismo político, não havia porque reforçar
motivo de reflexão para a esquerda que que a incontrolável Oposição Metalúrgi-
vê as barreiras colocadas pela burguesia ca ganhasse o maior Sindicato operário.
e prefere os atalhos da conciliação. Vito, Os palestinos não podem ganhar, é isso.
na sua busca pela revolução, tinha chei- Acabou o gás. Ficamos sem a retaguarda.
rado que dali não sairia nada. Mas Vito recomeça, esse cavaleiro er-
Eram de nomes como Bordiga, Pan- rante que já tinha andado pelo Orien-
nekoek, Rosa de Luxemburgo, Rossana te Médio, que foi pescador no Espírito
Rossanda, grupo “Manifesto”, o extra- Vito durante festa de encerramento do Curso de Comunicação Popular do NPC, em dezembro de 2014 Santo, depois de décadas militando em
parlamentarismo de que ele empurra- São Paulo, mudará para o Rio de Janei-
va textos e textos fora do senso comum le italiano falar incansavelmente, repas- das, com alguns chafurdando na lama ro. “Recomeçarás sempre, com magnífi-
da esquerda. E Gramsci!! Não foi a OSM- sar muita literatura. da política; os ganhadores que trataram ca honestidade” (Barbusse).
-SP no Brasil a que difundiu aos milhares Trabalhavam umas 150 mulheres na a OSM-SP como “primos pobres”, igno- O Vito era o cara da imprensa. Em de-
OS CONSELHOS DE FABRICA DE TU- produção. Era uma fábrica com a cara rando não só a realidade da luta de clas- poimento para o Projeto Memória da
RIM? E a essa visão conselhista se soma- do milagre brasileiro. Condições de tra- ses que contrapunha projetos tão distin- OSM-SP, ele afirma que a Oposição foi,
va uma férrea defesa dos SOVIETS. Fora balho pré-revolução industrial, despotis- tos como, de um lado a OSM-SP, e por inclusive contando os sindicatos da épo-
a burocracia, viva os Sovietes! mo absoluto da chefia, revezamento de decorrência a CUT, e do outro a emer- ca, quem MAIS publicou e distribuiu. Es-
turnos, horas extras determinadas em ci- gente Força Sindical; aqueles que pac- sa incontrolável gente era composta de
ma da hora. Dali, através trabalho do Vi- taram um “Ialta-Teerã” no sindicalismo forma variada por todas correntes de es-
Vito tinha aprendido muito a fazer to, sairá em 72 a primeira mulher candi- brasileiro, que queriam “enterrar a OPO- querda. Era incontrolável por qualquer
data numa chapa da Oposição, Terezinha SIÇÃO no caixão do Joaquinzão”, esses uma das correntes participantes, muito
imprensa desde o final dos anos Paparazzo. E uma amizade de vida intei- eram a malta, a banda que o Vito não menos de fora. A concepção de FRENTE
de 1960. E escrever. Fazia isso ra com o Eliseu. queria andar junto. DE TRABALHADORES tem a ver, claro,
Essa cultura que o Vito (e outros) tra- Após a diáspora imposta, a palestini- com um método, uma concepção, mas
incansavelmente. Sua preocupação era zia, mais a paciente tradição do traba- zação da Oposição nos anos 90 quando também é resultado do tamanho da tare-
lho de base capitaneado por Rossi, her- a combinação dos avanços do neolibera- fa (eram 400 mil metalúrgicos, em mais
sempre defender princípios e intervir na deiro do jocismo do ver-julgar-agir, dos lismo, a opção da CUT pelo “propositis- de 13.000 empresas; milhares de peque-
política ajudando que todos pudessem Queixadas, da greve de Osasco somadas mo”, o aparar das barbas no PT e a ne- nas firmas e algumas de grande concen-
aos militantes de diversas organizações gação pura e simples que os metalúrgi- tração de gente) do poder do inimigo que
ter compreensão na sua militância clandestinas, que diante da tarefa enor- cos de São Paulo fizessem chapa de Opo- obrigava a UNIDADE.
me que era “tomar” o Sindicato (é do Vi- sição a partir de 93, levaram Vito a mu- A CUT PELA BASE será herdeira des-
to o “delenda Cartago”) fizeram a mais ri- dar de ares, indo para o Rio de Janeiro. sa tradição de FRENTE de Trabalhado-
ca – sem modéstia – convivência demo- É verdade que a tragédia da perda do fi- res. Com a presença de diversas organi-
É imaginável que tenhamos distribuí- crática na esquerda brasileira. Pautada lho André nunca foi superada. Isso tam- zações, se manterá unida no mesmo mé-
do milhares de cópias do texto de Lenin por uma regra singela: a base organiza- bém o empurrou para fora de São Paulo. todo “assembleário”. Quando o esgar-
Sobre as greves (edição Jornal do Jor- da decide. Não é episódico, embora pito- Os anos 1990 foram para os metalúrgicos çamento das relações começou a tornar
nais) inclusive em outras categorias? resco, que militantes de partidos contra- de Oposição de sobrevivência pura e sim- forte a relação entre as correntes políti-
Fizemos os decretos principais da Co- riavam as orientações e votavam com a ples. Fomos para o subemprego, para se cas, ela implodiu.
muna de Paris em formato de cartazes. região que representavam. Fazer o que? esconder nas pequenas firmas. Vito tinha aprendido muito a fazer im-
Essa visão conselhista era visto por mui- Como os comunardos, éramos pela revo- Depois do exílio nas fábricas nos anos prensa desde o final dos anos de 1960.
ta gente boa como basismo. gabilidade de mandatos. de 1970, enfrentando a tríplice aliança E escrever. Fazia isso incansavelmen-
Formou-se em São Paulo e irradiou pe- Não foi o velho MOSM-SP, execrado empresários-militares-pelegos, fomos te. Sua preocupação era sempre defen-
lo Brasil a partir da OSM-SP uma van- por gente tão bem pensante, como anar- jogados nos anos 90 na pirambeira do der princípios e intervir na política aju-
guarda. Vanguardista, às vezes, mas van- co-sindicalismo, os que não queriam ga- desemprego, lidando com os trabalhado- dando que todos pudessem ter compre-
guarda de classe. nhar o Sindicato? As ratazanas, hoje gor- res que prudentemente estavam de cabe- ensão na sua militância. Desde, se não
Quando uma bandeira como as Comis- me engano, o primeiro livrinho feito
sões de Fábrica é assumida por milhares com o Elias Stein (mais alguém?) sobre
IIEP

de trabalhadores que vão à greve, como a História da Classe Operária no Bra-


em 78, reivindicando o reconhecimento sil, construiu sua marca.
das Comissões de Fábrica tanto quanto O trabalho com a Cláudia (e tant@s ou-
o reajuste salarial, mostra que essa van- tr@s) consolidará essa obsessão de colo-
guarda permaneceu anos dentro das fá- car como tema central a questão da CO-
bricas urdindo o tal trabalho de base. MUNICAÇÃO E DA DISPUTA DA HE-
Não foi assim na Cobrasma quando da GEMONIA.
greve de Osasco? Morrerá sem ver uma imprensa revo-
lucionária de massas expoente de um
Bebíamos em boa fonte projeto político de esquerda. E tudo in-
São centenas de dirigentes de base es- dica que estamos ficando cada vez mais
timulados, conscientemente formados longe dessa possibilidade.
em pequenas reuniões, em visitas nas ca- Os cursos anuais do NPC em novem-
sas, atividades de formação e quando a bro juntam as correntes de esquerda
ditadura começou a cambalear ativida- num ambiente de confraternização e rica
des maiores e participação nas lutas. Es- discussão política. Sobreviveu Vito dan-
sa vanguarda não foi forjada no estilo de do cursos em todo o país. Os sindicalis-
ficar escondida atrás das máquinas. São tas de base, os formadores o veneravam.
muitas pequenas lutas por N motivos. Muitos de nós são respeitados, mas Vi-
Trabalhei por acaso um ano junto com to é daqueles camaradas como o Marti-
o Vito na BUSSING-STAHL na Mooca, e nelli e o Rossi. Mais que respeitados, eles
com o Eliseu que seria o diretor da TVT são amados.
em São Bernardo até o perdermos tam- LONGA VIDA AOS QUE LUTAM!
bém. Quando entrei no início de 1970, ti-
nham feito greves inclusive por atraso de Sebastião Neto é membro do Projeto Me-
pagamento. Eu estava com prisão decre- mória da OSM-SP e coordenador do IIEP – In-
tada e ficava meio na moita e via aque- Vito fala durante evento do Projeto Memória da OSM-SP tercambio, Informações, Estudos e Pesquisas.
10 de 30 de julho a 5 de agosto de 2015 brasil 11

Governo expulsa da floresta comunidades que mais a preserva Fotos: Daniela Alarcon

ENTREVISTA
Mauricio Torres denuncia
ações de violência
praticadas pelo Ibama
e ICMBio contra os
ribeirinhos do Pará,
populações que têm
uma relação de equilíbrio
com o meio ambiente

Carolina Motoki
de Santarém (PA)

UMA CASA queimada, instrumentos de


trabalho apreendidos, comércio e roça
proibidos. Tratados como uma ameaça
à preservação, os ribeirinhos do rio Iriri, A diversidade de vida nas margens do rio Iriri é preservada pelas comunidades locais Temperos cultivados no terreiro de uma beiradeira
no Pará, sofrem pressão para abando-
nar o “beiradão” – a beira do rio é mais
do que o lugar onde vivem, mas o lugar
onde se fazem vivos. Por ações como es-
sas, o cientista social Mauricio Torres
trata o Instituto Chico Mendes de Con-
servação da Biodiversidade (ICMBio)
por ICMBope, em referência ao Bata-
lhão de Operações Policiais Especiais da
Polícia Militar do Rio de Janeiro.
Nesta entrevista, ele revela as con-
tradições na postura do Ministério do
Meio Ambiente sobre as unidades de
conservação: “São permissivos em rela-
ção à usina hidrelétrica de Belo Monte,
mas quando veem um ribeirinho numa
canoa, ‘deus do céu, tira esse monstro
daqui que ele vai acabar com a Amazô-
nia’”, ironiza.
Profundo conhecedor da região e de
sua gente, Torres baseia suas críticas
em um longo trabalho de pesquisa de “Eu não quero sair daqui, só se me mandarem embora”, diz Maria Raimunda, moradora da beira do rio Iriri
campo realizada na Estação Ecológica
Terra do Meio, publicada no livro di- expulsão, causado tanto pelas pressões o que a direção do ICMBio faz ao negar queixa era a educação dos filhos. A frase
gital Não existe essa lei no mundo, ra- impostas pelo Estado ao modo de vi- a certos grupos a condição de comuni- que muitas famílias repetiam era: “eles
paz!. Nele, junto com Daniela Alarcon, da desse grupo, quanto por abandono e dade tradicional. não nos obedecem mais”. Quando falo Prateleira da cozinha em casa de um beiradeiro do rio Iriri: vida integrada ao meio Os peixes Cujuba (em primeiro plano) e pacu, espécies pescadas pelos beiradeiros do rio Iriri
traça um retrato da violência contra os privação de direitos constitucionais. O ICMBio não tem competência, no educação, estou indo muito além da es-
beiradeiros do rio Iriri, caso exemplar sentido de atribuição, para esse diálogo. colarização. Sabemos, de Aristóteles à
do modo como comunidades são perse- Houve outros casos de violência e É um órgão focado na questão ambien- Foucault, que o mestre ensina porque é
guidas, ameaçadas e expulsas de unida- pressão explícitas? tal. Eu dei aula em três cursos de forma- investido de uma autoridade conferida
des de conservação pelo Instituto Brasi- Os moradores contam que uma gesto- ção de gestores ingressos no ICMBio. O pelo saber. Esse saber é local.
leiro de Meio Ambiente e Recursos Na- ra do Ibama recolheu todas as facas, en- tempo destinado à discussão acerca dos Eu conheci verdadeiros sábios, com
turais Renováveis (Ibama) e mais re- xadas e terçados – instrumentos de tra- territórios tradicionalmente ocupados e um conhecimento extremamente pro-
centemente pelo ICMBio. balho – das famílias ribeirinhas, con- de comunidades tradicionais era absur- fundo sobre a floresta, sobre seus usos,
A Estação Ecológica Terra do Meio faz siderando que eram “armas brancas”. damente pequeno, duas ou quatro horas. seus perigos, seus remédios, suas possi-
parte do Mosaico de Unidades de Con- Uma violência absurda. Foram apreen- A duração das aulas de tiro era maior. bilidades de fartura. Quando essa famí-
servação de mesmo nome, entre os rios didas as baterias de energia usadas pe- lia sai, e vão trabalhar como guarda no-
Xingu e Tapajós, no Pará. O mosaico foi las famílias para fazerem as festas. Ou Por isso você fala em ICMBope? turno ou como faxineira, são desprovi-
criado após a morte da irmã Dorothy seja, são retiradas não só as condições Eu digo que às vezes o ICMBio pare- dos desse saber. Eu conheci uma senho-
Stang para fazer frente à grilagem, à ex- que forneciam as possibilidades mate- ce ser o ICMBope, com ações policiales- ra que disse que o marido remava dois
ploração comercial da madeira e à pe- riais, como as que permitiam um míni- cas e repressivas. Eu não estou conde- dias pra pescar no lugar onde eles vi-
cuária. Os estudos indicavam que a área mo de sociabilidade. Quando essas fa- nando ações de repressão ao madeirei- viam, que ele não sabia pescar em outro
deveria ser uma Reserva Extrativista, mílias, num átimo de desespero, aban- ro. Eu estou falando de ações policia- lugar, e a última frase dela foi: “ele não
modalidade que prevê o uso da flores- donavam tudo e se lançavam no mun- lescas e repressivas contra o ribeirinho, era mais”. Esse “não era” sem o comple-
ta pelas comunidades. Em vez disso, as do sem nada além do que elas pudes- como as famílias que vivem em diferen- mento é extremamente eloquente. Ele
famílias ficaram dentro de uma Estação sem carregar, o Ibama, e depois o ICM- tes unidades de conservação sofreram não era mais. Ponto.
Ecológica, modelo com restrições à pre- Bio, diziam com orgulho que elas ha- não sei quantas vezes. Quando analisa- A identidade de beiradeiro, como qual-
sença humana. viam deixado o local espontaneamente. mos a atuação do órgão ambiental em quer outra, é apoiada em uma memória
Se os ribeirinhos do Iriri são conside- É importante registrar que a coisa face dos povos e comunidade tradicio- do grupo, construída em cima daquelas
rados uma ameaça à preservação, não muda bastante com a chegada da últi- nais, encontramos coisas aberrantes. E histórias ancoradas naquelas pedras dos
muito longe dali, no Rio Xingu, são um ma gestora da unidade de conservação, isso vem piorando. rios, naquelas seringueiras, naquelas
entrave à construção da usina hidrelé- Tathiana Chaves de Souza. Ela teve sen- castanheiras. Na hora em que você priva “Os honestos vivem porque deus quer. Mas vivem debaixo dos pés dos sabidos”, diz Doval Luzia Cardoso mora com seus quatro filhos no beiradão
trica de Belo Monte, que vai alagar 510 sibilidade em relação a esses grupos, de A criação do mosaico de as pessoas de tudo isso, você priva o gru-
quilômetros quadrados e pode gerar modo que, depois da sua chegada, essas Unidades de Conservação po da memória e abala suas identidades. te, mas quando veem um ribeirinho nu- queólogos mostram que a Amazônia já necessidade da família. Então, tem uma O que pode gerar esse vácuo
desmatamento de até cinco mil quilô- pressões se aliviaram muito. Em com- da Terra do Meio reduziu os O impacto de expropriar essas famí- ma canoa, “deus do céu, tira esse mons- chegou a ser muito mais habitada do variedade de mandioca que é para mu- provocado pelo Estado ao
metros quadrados, segundo estimati- pensação, as limitações começaram a conflitos e a grilagem? lias é irreparável. Como se indeniza o tro daqui, que ele vai acabar com a que hoje. Eu diria até que o que exis- lher grávida, uma para quem está con- não garantir o direito dessas
va do Instituto do Homem e Meio Am- vir de Brasília. No Pará, adotou-se uma política de túmulo de um filho que ficou lá no bei- Amazônia”. te de mais efetivo para deter o desma- valescendo, outra para o idoso, outra famílias, e entrar como o braço
biente da Amazônia (Imazon). combater grilagem com a decretação radão, perto da antiga morada de uma tamento são justamente esses povos que é muito precoce e já pode virar fari- repressor?
Na última semana, o Ministério Pú- de unidades de conservação. E isso não família expulsa? Como compara a situação dos da floresta. E Chico Mendes, no Acre, nha depois de seis meses, outra que su- Há frentes de grilagem e madeireiros
blico Federal do Pará divulgou relatório “A lei é bem clara: as é algo automático, pois as unidades de beiradeiros da Terra do Meio já mostrava isso há 30 anos. O que es- porta e consegue ficar enterrada por até que estão chegando lá, vindas da BR-
de inspeção que denuncia a remoção de conservação não são instrumentos de com a dos ribeirinhos removidos tá detendo o desmatamento são os ter- três anos e mantém essa função de esto- 163 (Cuiabá-Santarém) no sentido oes-
famílias de seus territórios com indeni- comunidades tradicionais regularização fundiária, mas de prote- “Durante nossa pesquisa em campo, por Belo Monte? ritórios étnicos: as terras indígenas, os cagem viva. O grupo garante, assim, sua te-leste. E eles sabem muito bem co-
zações irrisórias ou a áreas de reassen- que vivem em unidades ção ambiental. A decretação da unidade
um bombeiro que acompanhou uma Ao passo que a descomunal degrada- territórios quilombolas ou as unidades segurança alimentar. mo trabalhar com a cooptação ocupan-
tamentos consideradas inadequadas. de conservação torna a área não “grilá- ção gerada por Belo Monte contou com de conservação ocupadas por comuni- Uma vez eu estava andando com um do o vácuo do Estado. Estamos falan-
“Está em curso um processo de expro- de conservação – mesmo vel”, não passível de ser apropriada pri- operação do Ibama na Estação Ecológica benevolência dos órgãos de controle dades tradicionais. engenheiro florestal. Ele olhou para do dos beiradeiros do rio Iriri, tratados
priação dos meios de produção da vida vadamente. Mas são muito precários – ambiental, a meia dúzia de famílias de Mas tem uma coisa que me incomo- uma árvore e comentou: “com isso vo- no livro, mas existem também os do rio
dos grupos ribeirinhos impactados pela naquelas de proteção se não inexistentes – os procedimentos da Terra do Meio nos contou que o então extrativistas distribuídas ao longo em da: o discurso de que “eles detêm o ma- cês fazem cabo de machado, não é?”. O Curuá, um afluente do rio Iriri, que pas-
UHE Belo Monte”, afirma Thais Santi, integral – têm direito a para se retomar as terras em poder de
chefe da unidade de conservação ordenou
300 quilômetros do rio Iriri é tida como deireiro porque amam a floresta”, como beiradeiro disse: “não, com isso a gen- saram pelo mesmo processo: conforme
procuradora da República em Altamira, grileiros. O fato é que a regularização intolerável, geradora de impactos inad- se fossem essencialmente bons e puros. te faz cabo de enxada, porque isso é le- os estudos, deveriam ser beneficiados
na apresentação do relatório. permanecer nessas áreas” fundiária virou um grande gargalo das a expulsão de moradores e chegou a atear missíveis a uma unidade de conserva- A relação com a floresta está mais regi- ve. Cabo de machado, a gente faz com por uma reserva extrativista e não fo-
Doutor em Geografia pela Universi- unidades de conservação. ção de mais de 3 milhões de hectares. da pelo campo político do que pelo mo- tal madeira. Mas cabo de foice, a gente ram, foi criado um outro tipo de unida-
dade de São Paulo, Torres vive em San- fogo na casa de uma família” No caso de Belo Monte, a atual orien- ral. Eles terem a floresta saudável e ín- faz com aquela outra, e cabo de vassou- de de conservação lá, uma floresta esta-
tarém nos intervalos do trabalho de Os grileiros foram expulsos tação da política ambiental mostra sua tegra do lado de casa é uma necessida- ra…”. Ele enumerou uma série de ca- dual, que é um tipo focado no forneci-
campo que realiza para diversas organi- A legislação não protege as ou sofreram pressão como os subserviência às políticas de “desenvol- de para a sobrevivência. Quando eles bos de ferramentas, sem repetir a ma- mento de madeira.
zações, entre elas o Ministério Público comunidades tradicionais desse beiradeiros? vimento”. Ao mesmo tempo, a dramá- detinham o desmatamento, o avanço do deira, a espécie. Essa tecnologia de sa-
Federal. Ele narra o impacto que a saída tipo de ação? O mosaico da Terra do Meio é o único Existe uma orientação do tica situação dos ribeirinhos expropria- pasto do grileiro, eles estavam lutando ber a propriedade de cada madeira res- O caso do rio Iriri não é isolado…
do beiradão tem sobre a vida dessas fa- A lei é bem clara: as comunidades tra- caso que eu conheço em que quase to- Ministério do Meio Ambiente de dos pela usina dá uma boa amostra do pela própria sobrevivência. ponde por sustentabilidade. Mostra que Exatamente. Grileiros e madeireiros
mílias, cuja identidade e existência es- dicionais que vivem em unidades de das as grilagens foram expulsas. Mas is- que a presença dessas populações quadro ao qual resistem os beiradeiros ele vai explorar com baixa pressão uma já estão equipados para o que a gente
tão apoiadas nos marcos do território. conservação – mesmo naquelas de pro- so foi feito pelo Ministério Público Fe- é incompatível com essas do alto Iriri: desagregação do grupo co- Como essas comunidades quantidade muito grande de espécies e vai chamar, entre muitas aspas, de as-
teção integral – têm direito a perma- deral (MPF). Até hoje, o ICMBio não Unidades de Conservação? munitário, destruição do modo de vida, mantêm a floresta com o uso da não vai sobrecarregar um único recur- sistência social: garantem transporte,
O Ibama e o ICMBio agiram necer nessas áreas. As condições dessa moveu uma ação de reintegração contra Há, dentro do ICMBio, duas tendên- perda dos meios de subsistência. Mas o própria floresta? so. Não esgotar o recurso é um compo- socorro num caso de doença, possibili-
de forma violenta contra os permanência devem constar em acor- os grileiros que ocupavam ou os pou- cias: a preservacionista, que é avessa à modo como as famílias da Estação Eco- Uma das coisas mais certas na Ama- nente fundamental de um modo de vida tam que uma criança vá estudar na ci-
beiradeiros? dos firmados entre os ocupantes e o ór- cos que restam no mosaico. Por exem- ocupação humana em unidades de con- lógica foram expulsas – e outras ain- zônia, depois do grileiro, é a umida- construído ao longo de gerações. dade mais próxima, etc. Na ausência
Mauricio Torres – Desde a criação da gão ambiental. A Constituição Federal e plo, em áreas que estavam fora da ju- servação, e a conservacionista, que en- da correm risco de ser – é ainda mais de. É muito difícil fazer estocagem. Es- do Estado como garantidor de direitos,
unidade de conservação, os beiradeiros a Convenção 169 da Organização Inter- risdição do procurador da República tende que, se as áreas que hoje corres- cruel. Elas sequer “existem” como famí- sas comunidades, herdeiras de conhe- Qual a situação hoje das famílias? eles entram na área com o seguinte dis-
estão imersos em um quadro de violên- nacional do Trabalho garantem o direi- Marco Antonio Delfino de Almeida, res- pondem a unidades de conservação fo- lias removidas. Não houve um proces- cimentos indígenas, detêm uma tec- Para amenizar situações de conflito – curso: “estamos indo para ajudar os ri-
cia cotidiana e violação de direitos. O ór- to à permanência dessas famílias. Mas ponsável pela ação, há grileiros instala- ram ocupadas por povos e comunida- so instaurado para retirá-las da terra, nologia capaz de reconhecer na flores- no caso de sobreposições territoriais – beirinhos abandonados”. A gente sabe
gão ambiental responsável pela gestão – chegavam os servidores do Ibama, mui- dos que nunca foram sequer incomoda- des tradicionais durante séculos e estão ao contrário: sequer se admitiu que isso ta uma quantidade imensa de potencia- eram elaborados termos de ajustamen- muito bem o preço que isso vai ter. A
antes o Ibama e agora o ICMBio – por tos sem qualquer preparo sobre o con- dos. Se o órgão tem um bom tráfego na bem conservadas, é porque o uso que estava sendo feito. lidades para garantir a manutenção de to de conduta ou termos de compromis- entrada de um ente privado em um vá-
muito tempo fez pressão para que as fa- ceito de comunidades tradicionais, para questão ambiental, é precário na ques- fazem dos recursos é, em si, um valor uma despensa viva e, portanto, sadia. so, em que se firmava um acordo entre cuo deixado pelo Estado, levando a es-
mílias reduzissem sua produção e impe- concluir que os grupos não eram comu- tão fundiária. Faltam instrumentos le- ambiental. Há um senso comum de Até nos roçados a gente encontra um as duas partes, o grupo ocupante e o ór- sas pessoas aquilo que é seu direito, é
diu a comercialização do excedente, re- nidades tradicionais. gais para que o ICMBio tenha compe- A corrente preservacionista que hoje que a floresta conservada é sistema que imita a dinâmica da pró- gão ambiental. O termo de compromis- o caminho pelo qual se formaram má-
duzindo as condições de sobrevivência. Esse questionamento é referendado tência de arrecadar as terras que devem domina o órgão em Brasília é classista: incompatível com a presença pria floresta. so foi elaborado, consensuado com as fias no planeta inteiro. A postura do Es-
Durante nossa pesquisa em campo, um pelos gabinetes do órgão em Brasília, o ser transferidas para o seu nome. o problema é o pobre. Instalar um re- humana? As comunidades ribeirinhas têm ver- famílias beiradeiras que vivem no inte- tado hoje é pavimentar o caminho des-
bombeiro que acompanhou uma opera- que não é despreparo. É um questiona- sort em um Parque Nacional para rece- O primeiro senso comum é de que dadeiros bancos de germoplasmas. Lá rior da unidade de conservação, a ges- ses grileiros.
ção do Ibama na Estação Ecológica da mento conveniente à entrega de terri- Famílias foram expulsas, em um ber milionários é algo muito bem-vin- a Amazônia não é ocupada. Podemos no rio Iriri, é possível perceber uma va- tora do ICMBio deu todo o encami- Há quem defenda que as unidades de
Terra do Meio nos contou que o então tórios tradicionalmente ocupados para primeiro momento por causa dos do, mesmo que isso tenha impacto am- compreender quando esse discurso é riedade enorme de cultivares de man- nhamento devido e ele parou em Bra- conservação devem ser Florestas Nacio-
chefe da unidade de conservação orde- concessão florestal, para grandes pro- grileiros, e depois pela pressão do biental. Já a comunidade tradicional empregado pelo citadino do centro-sul, dioca, pouquíssimas catalogadas pela sília. Assim, sem qualquer justificativa, nais em que determinada área é conce-
nou a expulsão de moradores e chegou a jetos de infraestrutura logística. É uma órgão gestor da Estação Ecológica. que fazia um uso absolutamente inte- mas não quando lastreia a ação de bu- Empresa Brasileira de Pesquisa Agro- o processo foi paralisado e as famílias dida aos madeireiros e, a partir desse
atear fogo na casa de uma família. violação do direito das comunidades Como isso é vivido por elas? ressante e menos impactante que o ho- rocratas que trabalham com isso. A ar- pecuária (Embrapa). Na lógica da agri- continuam no limbo. Os processos de ponto, devem ser de proteção integral,
Além disso, direitos como educação, tradicionais à autoidentificação. O que Eu trabalhei com expropriados do tel tem que ser expulsa. Os responsá- queologia mostra que muito do que se cultura capitalista, o razoável seria: elaboração e assinatura de acordos des- onde não pode ter gente. Mas e as co-
saúde e transporte são negligenciados. os ruralistas fazem ao negar certas et- Parque Nacional da Amazônia, no rio veis pelo órgão são permissivos em re- imaginava ser floresta virgem são am- planta-se a mais produtiva, a melhor. sa natureza foram estancados em Brasí- munidades tradicionais? Elas já estão
Assim, vem ocorrendo um processo de nias como índios é muito parecido com Tapajós, na década de 1970. A principal lação à usina hidrelétrica de Belo Mon- bientes socialmente construídos. Ar- Mas a prioridade dos beiradeiros é a lia. Isso saiu de pauta. lá. (Repórter Brasil)
12 de 30 de julho a 5 de agosto de 2015 cultura

Vito Giannotti é imortal!


RECONHECIMENTO Homenagem a
Vito Giannotti, falecido no dia 24 de
julho, no Rio de Janeiro. Ele foi um
dos fundadores do Brasil de Fato,
era membro do conselho editorial e
colunista do nosso jornal

Virgínia Fontes

VITO GIANNOTTI foi embora. Estou me


sentindo anestesiada, por dentro e por
fora. Ele não podia fazer isso, porra!
Ele ficou tranquilamente deitado no
chão, local onde dormiu por muitos
anos, até reaprender o uso dos colchões.
Não consigo me convencer de que não
vai se levantar e nos expulsar a todos nós,
os amigos, aos gritos brabos e afetuosos.
Ele nos deixa órfãos de sua risada, de
seus gritos de “caralho!” “porra!”, “ca-
zzo!”, que fazem uma falta enorme. Co-
mo levar adiante a luta sem sua gentileza
única, atenta e humana, sem sua brabe-
za correta e necessária, sua doçura única,
suas exigências máximas?
Um mísero ponto de apoio: morreu
sem sofrer.
Não se encontram pessoas como Vi-
to Giannotti nas esquinas. Quem teve a
sorte de conhecê-lo – e, pela generosida-
de de Vito, foram muitos – pôde rir com
ele, brigar com ele, lutar junto com ele,
pensar e organizar com ele, esses tiveram
uma chance extraordinária. Que guarde-
mos isso para a vida. É um aprendizado
de partilha comunista a preservar e mul-
tiplicar, preciosamente.

Vito foi o intelectual orgânico da


classe trabalhadora do qual fala
Gramsci, o intelectual inteiro, íntegro, Ficamos amigos, camaradas e irmãos Ele continua a ser aquele cional. Nos 150 anos do Manifesto Co-
instantaneamente. Vito foi a pessoa com munista, numa comemoração em Pa-
mais vitalidade que conheci, com uma que todos precisamos, os ris, Vito foi um dos primeiros (senão
persuasor permanente, duro na análise generosidade ilimitada, ao lado de uma o primeiro) a enfrentar o ambiente rí-
indispensáveis. Vito era
e compreensivo na vida. Era um capacidade crítica também imensa e úni- gido da Sorbonne e a erguer o punho
ca. Era brabo, esse Vitão. Quando briga- o samba, era o violão, era entoando a Internacional. Que orgulho
comunista no sentido pleno da palavra va, brigava com todas as suas forças in- desse amigo inesquecível: a Internacio-
telectuais e morais. Discutimos muitas o internacionalismo em nal cantada em todas as línguas! Pouco
vezes, nesse aprendizado discordante e todas as suas nuances. Vida, a pouco, todos se levantaram, acompa-
franco que só pode ocorrer entre cama- nhando Vitão.
Conheço Vito e Cláudia – sempre radas de luta, entre comunistas sem dog- cultura, contra-hegemonia Acrescento abaixo alguns versos de
juntos – há 20 anos. A gata e o Vitão. mas. Rimos muito, conversamos horas Vinícius de Moraes, pois Vito foi o ho-
Uma das mais lindas histórias de amor. infinitas e sempre insuficientes, pois o mem que buscava a verdade. Ele conti-
Das muitas fotos que povoam a vida, infinito é mais do que necessitamos, to- nua a ser aquele que todos precisamos,
uma, muito especial, foi tirada aqui em mamos cervejas e vinhos, comemoramos sabia o valor sem preço do ser humano. os indispensáveis. Vito era o samba, era
casa, num aniversário: um instantâneo momentos especiais, sofremos outras Vito foi o intelectual comunista de quem o violão, era o internacionalismo em to-
capturou um maravilhoso olhar troca- tantas derrotas. falava Marx: era caçador, pescador, pas- das as suas nuances. Vida, cultura, con-
do por eles, olhar enamorado, amoro- Vito foi o intelectual orgânico da classe tor, intelectual crítico, amigo e amante tra-hegemonia. Vito, presente!
so e franco. Amor completado com Luí- trabalhadora do qual fala Gramsci, o in- da vida. Vito cozinheiro, Vito professor, Cazzo! Vito Giannotti é imortal!
sa, a então menininha que cresceu com telectual inteiro, íntegro, persuasor per- Vito dos sindicatos, Vito jornalista, Vito
Claudia e Vitão, que aprendeu a divi- manente, duro na análise e compreensi- pesquisador, Vito escritor, Vito militan- Virgínia Fontes é professora da UFF e
dir a mãe ao ganhar esse “carcamano” vo na vida. Era um comunista no senti- te, Vito amigo, Vito da sua gata. Vitão. autora, entre outros livros, de Reflexões
generoso. Hoje, mulher plena, compa- do pleno da palavra: o homem que ex- Muitas músicas traduzem Vito. As impertinentes: história e capitalismo
nheira na luta. perimentava o prazer de estar vivo, que fundamentais, Bella Ciao e a Interna- contemporâneo (Bom Texto, 2005).

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PALAVRAS CRUZADAS
Horizontais: 1.Valor – Críticos do PT insistem no discurso seletivo de que ela não existia
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18
no Brasil antes de Lula e Dilma assumirem o comando do país. 2.O equivalente a grêmio 1
estudantil no âmbito universitário – Região do país que conta com 9 estados (sigla),
possui área equivalente à da Mongólia ou do estado do Amazonas e população equiva- 2

lente à da Itália. 3.Regionalismo sulista para “garoto” – No Brasil, elas são 27 (sigla) – De-
3
saba. 4.Entidades da sociedade civil teoricamente “sem finalidade econômica” que têm
desempenhado funções do Estado – Filme chileno que trata de um plebiscito que foi 4
feito no país para que fosse decidido se o ditador Pinochet permaneceria no comando
– Carta do baralho. 5.Alternativa ao agronegócio – Em inglês, a abreviação equivalente 5
é Mr. – A ONU já recomendou a sua extinção no Brasil. 6.Portal de notícias na internet.
7.Sacerdote – esquema ilícito ou de má-fé criado para obter ganhos pessoais. 8.Aliança 6

militar que já conta com 28 países que concordam com a defesa mútua em resposta a
7
um ataque por qualquer entidade externa – Aqui – Colocar. 9.Único estado brasileiro (si-
gla) que tem sua capital totalmente no hemisfério Norte – Regionalismo mineiro – Tome 8
nota – Predecessor do DVD. 10.Pronome da língua inglesa usado para “coisas e animais”
– Sua capital é Teresina (sigla). 11.O oposto de “estatizações”. 9

Verticais: 1.Pena – Atividade para obter determinado resultado. 2.Computador pessoal 10


– Regionalismo gaúcho que funciona como adjetivo no início das frases. 3.Suprir – Em
contraposição à cesárea, o normal vem sendo revalorizado. 4.Medição de sensibilidade 11
de um filme fotográfico. 5.Sigla para Estados Unidos – Amarildo foi levado por policiais
pertencentes a uma delas. 6.“Ligado”, em inglês – Ser vítima de. 7.“Não”, em inglês – Em
alemão, diz-se “Vater”. 8.Diversão – Marina Silva já foi deste partido. 9.Quando um uni-
18.Grampeado.
versitário repete numa disciplina, diz que ele ficou de “?”. 10.Nações Unidas – Movimen- 8.Folia – PV. 9.DP. 10.ONU – Giro. 11.Refrigerar. 13.Urca – Frota. 14.Assar. 15.Anelo. 16.Ai.
to em torno de um eixo. 11.Refrescar. 13.Bairro do Rio de Janeiro – Navios de guerra Verticais: 1.Dó – Ação. 2.PC – Tri. 3.Repor – Parto. 4.ISO. 5.EUA – UPP. 6.On – Cair. 7.No – Pai.
11.Privatizações.
agrupados. 14.Cozer sem fervura. 15.Desejo ardente ou intenso. 16.Interjeição de dor. logia – Sr. – PM. 6.IG. 7.Padre – Fraude. 8.OTAN – Cá – Por. 9.RR – Uai – Anote – CD. 10.It – PI.
18.Diz-se do telefone quando sua linha está sendo vigiada.
Horizontais: 1.Preço – Corrupção. 2.DCE – NE. 3.Piá – UF – Cai. 4.OS – No – Ás. 5.Agroeco-
cultura de 30 de julho a 5 de agosto de 2015 13

Prêmio Platino 2015


CINEMA
Divulgação
uma ligada ao Direito Autoral (a Ege-
da) e a outra à produção – a Federa-
Antonio Banderas politiza ção Ibero-Americana de Produtores Ci-
festa de entrega dos nematográficos (Fipca) – busca produ-
ções de qualidade que tenham grande
troféus aos melhores do visibilidade no mercado de fala hispa-
no-portuguesa e também no mercado
cinema ibero-americano; internacional.
Nesta temporada, nenhum filme de-
Argentina triunfa com sempenhou tal papel como “Relatos
“Relatos Selvagens”, Selvagens”. Daí sua vitória massacran-
te. Três dos outros concorrentes na-
laureado com oito dos da ganharam (o cubano “Conducta”, o
venezuelano “Pelo Malo” e o uruguaio
dez troféus disputados; “Mr Kaplan”). O espanhol “La Isla Mí-
Brasil vence nas categorias nima”, vencedor do Goya, só teve reco-
nhecidas suas belas e densas imagens
documentário, com (melhor fotografia).
A derrota de outro premiado com o
Sebastião Salgado e “O Sal Goya, o arrebatador documentário “Paco
da Terra”, e com a animação de Lucía, La Búsqueda”, gerou comentá-
rio esclarecedor: “ao Platino não cabia
“O Menino e o Mundo” repetir a premiação do Goya e sim mos-
trar seus próprios caminhos”. Entre estes
“caminhos”, um vai se esboçando: pre-
miar grandes comediantes, sempre es-
Maria do Rosário Caetano nobados por júris formados por críticos
de Marbella (Espanha) e estudiosos do cinema.
especial para o Brasil de Fato Ano passado, triunfou o mexicano Eu-
genio Derbet. Este ano, o espanhol Ós-
ANTONIO BANDERAS, o grande home- car Jaenada, a quem coube interpretar o
nageado dos Prêmios Platino – entre- maior dos cômicos populares do México,
gues aos melhores do cinema ibero-ame- Cantinflas.
ricano na Andaluzia espanhola – roubou O prêmio de melhor documentário
a festa. E o fez, ao receber um Platino de atribuído ao franco-brasileiro “O Sal da
honra, com discurso politizado, no qual Terra” foi recebido pelo produtor fran-
cutucou Donald Trump, candidato a can- cês David Rosier, que agradeceu muito
didato, pelo Partido Republicano, à su- e reafirmou seu interesse “em trabalhar
cessão de Barak Obama. Em pré-campa- muitas vezes mais com os ‘vizinhos’ la-
nha, o empresário da área do entreteni- tino-americanos”.
mento e da hotelaria qualificou os mexi- O Platino de melhor animação de “O
canos que vivem nos EUA de criminales Menino e o Mundo” foi recebido pela
(criminosos) e traficantes. produtora paulista Tita Tessler, que re-
Banderas, nascido há 55 anos, em presentou o diretor Alê Abreu. O gaúcho
Málaga (Espanha), cidade natal de Pablo Otto Guerra (Até Que a Sbornia nos Se-
Picasso, ao invés de consumir seu tem- pare) e a atriz Leandra Leal aplaudiram
po com agradecimentos a familiares e di- O ator espanhol Antonio Banderas fala ao receber o Platino de honra os colegas premiados, com entusiasmo.
retores com os quais trabalhou, prefe-
riu defender o cinema ibero-americano e Wim Wenders e Juliano Ribeiro Salgado,
a língua de Cervantes (veja a íntegra do
discurso abaixo).
e melhor animação, com “O Menino e o
Mundo”, de Alê Abreu.
Os vencedores
O ator malaguenho está comemorando A língua portuguesa marcou presença P Relatos Selvagens (Argentina/Espanha) – melhor filme, diretor (Damian Szifron), atriz
trinta anos de carreira, iniciada na Espa- no palco do Platino com o jovem Fernan- (Érica Rivas), roteiro (Damian Szifron), música original (Gustavo Santaolalla), montagem
nha (nos filmes de Pedro Almodóvar) e do Coimbra (do vigoroso “O Lobo Atrás
(Damian Szifron e Pablo Barbieri), direção de arte (Clara Notari), som (José Luiz Díaz).
sequenciada nos EUA e em diversos paí- da Porta”), que entregou o prêmio de
ses da América Hispânica, em especial o melhor roteiro (a Szifrón), e com o ator P Cantinflas (México) – melhor ator (o espanhol Oscar Jaenadas)
México. lusitano Joaquim Almeida que, ao lado
A estreia internacional de seu filme do chicano Eward James Olmos, anun- P La Isla Mínima (Espanha) – melhor fotografia (Alex Catalá)
mais recente – “Os 33”-- está prevista pa- ciou o Platino de melhor filme. P O Sal da Terra (Brasil- França) – melhor documentário
ra este mês de agosto. Dirigido pela me-
xicana Patrícia Higgen (de “Sob a Mesma Emoção P O Menino e o Mundo, de Alê Abreu (Brasil) – melhor filme de animação
Lua”), o longa-metragem baseia-se em Dois momentos, em especial, emocio-
um fato real: o soterramento de 33 tra- naram o público que esteve em Marbella, P La Distancia Más Larga (Venezuela- Espanha), de Claudia Pinto – melhor filme de diretor
balhadores chilenos que, em 2010, pas- na Andaluzia, para a festa, ou assistiram estrante (opera-prima)
saram 69 dias aguardando resgate na es- a transmissão pela TV Espanhola, TNT P Prêmio Platino de Honor a Antonio Banderas. (MRC)
curidão de uma mina de cobre. No elen- ou Canal Brasil (nesta emissora, com tra-
co estão também o brasileiro Rodrigo dução simultânea e comentários de Si-
Santoro, a espanhola Kate del Castillo e mone Zucolotto e Roger Lerina).
a francesa Juliette Binoche. O primeiro se deu quando o ator Ima-
Banderas se prepara, também, para nol Arias chamou ao palco, em nome do
interpretar seu conterrâneo Pablo Pi-
casso (1881-1973), em filme de Carlos
público, a adolescente – e cadeirante –
Aurélia Fernandez Lucelote, estudante “Um caminho que nos permita
Saura. Em Marbella, o ator contou que o
diretor de “Cria Cuervos” está burilando
o roteiro, cujo foco são os 33 dias que,
de Arte Dramática. Coube a ela anunciar
o Platino de melhor opera-prima (filme
de diretor estreante). A vencedora foi a
reivindicar nossa língua nos filmes”
em 1937, o grande pintor espanhol con- venezuelana Claudia Pinto, por “La Dis-
sumiu na criação do monumental painel tancia Más Larga”. Antes que Aurélia e Porto Rico, com os quais consegui com-
“Guernica”. sua cadeira de rodas deixassem o palco, de Marbella (Espanha) partilhar equipes de grandes profissio-
Trata-se da mais poderosa imagem o grisalho Imanol Arias a surpreendeu ao especial para o Brasil de Fato nais e uma maneira de fazer cinema e de
criada a partir dos horrores da Guer- avisar que protagonizariam juntos o pri- entender a vida.
ra Civil Espanhola (1936-1939), no ca- meiro “beijo técnico” dela. O grande ator Antonio Banderas vestiu, com gosto, a Porém, a grande mudança ainda não se
so, do bombardeio do vilarejo de mesmo espanhol envolveu a adolescente com um camisa dos Prêmios Platino. Na festa de produziu. O grande salto não se deu. Foi,
nome, situado no País Basco, por tropas carinhoso abraço e a festejou com um premiação, discursou com gosto, por ver- em realidade, nos Estados Unidos, há
franquistas, com aviação nazista na re- “beijo de cinema”, na boca, claro. E sob o -se reconhecido em casa. Afinal, ele nas- que se reconhecer, onde pouco a pouco
taguarda. aplauso de todos. ceu em Málaga, cidade situada ao lado de foram se dando possibilidades ao talento
O segundo momento, que culminou Marbella, palco da segunda edição dos hispânico. E alguns dos que aqui estamos
Argentina-Brasil com a plateia aplaudindo de pé, se deu Prêmios Platino. nos beneficiamos dele. É ali, repito, onde
O filme que se tornou o grande vence- quando a veterana Rita Moreno, 83 anos, Abaixo, a íntegra do discurso de Anto- chego a compreender a dimensão real, o
dor da edição 2015 dos Prêmios Platino Oscar de melhor coadjuvante por “Amor nio Banderas. caráter universal, o potencial sem dúvida
foi “Relatos Selvagens”, de Damian Szi- Sublime Amor”, entregou a Antonio Ban- “Receber este Prêmio Platino é obvia- e a força incontornável dos latinos. Nes-
frón, produção que somou esforços ar- deras o Platino de Honor. mente uma honra. E recebê-lo das mãos se lugar, em que pese o interesse insano e
gentinos e espanhóis (co-produção dos A festa da segunda edição do Prêmio de uma lenda como Rita Moreno é um absolutamente reprovável do senhor Do-
irmãos Agustín e Pedro Almodóvar). Platino (a primeira aconteceu, ano pas- grande privilégio. nald Trump ao chutar nosso traseiro, se
O badalado longa-metragem – blo- sado, no Panamá) teve palco exótico e Desde minha Málaga fenícia, muçul- reúne um caldeirão de comunidades que
ckbuster na Argentina (3,5 milhões de exuberante: um imenso auditório ao ar mana, romana e Picassiana por parte falam a língua cervantina. E que não só
ingressos) e sucesso em todo o mundo, livre, incrustado nas alturas de um dos de pai e Zambranista por parte de mãe, enriquecem a vida cultural do país, como
incluindo o Brasil (500 mil espectadores) grandes rochedos que limitam Marbella mando uma saudação a todos os po- aportam valores apoiados em sua pró-
– concorria a dez estatuetas e ganhou oi- em oposição ao mar. vos latinos aos quais me uno não ape- pria dignidade, no trabalho duro, no sa-
to (melhor filme, diretor, atriz, roteiro, Pelo palco passaram astros da can- nas na língua, mas no desejo comparti- crifício e no poderoso e reforçado gosto
montagem, direção de arte, música ori- ção ibero-americana como Rosário Flo- do de sonhar e de fazê-lo através da ar- de sentir-se unido.
ginal e som). res, a toureira do almovariano “Fale com te da tela em movimento, que chama- De fato, sem enfrentamentos, com o
Para “La Isla Mínima”, do espanhol Ela”, Miguel Bosé, outro cantor que tra- mos de cinema. coração aberto, com a curiosidade como
Alberto Rodriguez, um dos favoritos, só balhou com Almodóvar (Tacones Leja- Queira ou não queira, há que se reco- bandeira e com ideia clara de que todos
restou o Platino de fotografia (Alex Ca- nos) e a cubana Lucrécia, que levantou a nhecer que receber um prêmio nos ata amamos nossos países de origem e po-
talá). E o melhor ator foi o espanhol Ós- platéia com empolgante interpretação de a uma montanha de tentações vaido- demos, sem a menor dúvida, abraçar a
car Jaenada, a quem coube interpretar o “Guantanamera”. sas, contra as quais há que se lutar co- ideia do latino e o orgulho de nos sentir-
mais mexicano dos mexicanos, Cantin- O desfile de personalidades ibero-a- mo o Quixote o fazia contra os moinhos, mos hispânicos.
flas, no filme de mesmo nome. mericanas foi do boxeador panamenho os gigantes de sua terra manchega. Eu, Penso que estes Prêmios Platino são
Para que tenhamos ideia de quão difí- Roberto “Mano de Piedra” Durán (tema que nasci em terras andaluzas, em Mála- a plataforma para iniciarmos um cami-
ceis são os caminhos a serem trilhados de cinebiografia protagonizada por Ed- ga, que é para mim um sonho feito reali- nho que nos ajudará a consolidar o res-
pelo cinema ibero-americano, vale lem- gard Ramirez) à espanhola Maribel Ver- dade, sempre acreditei dividir com o ca- peito adquirido pela cinematografia la-
brar que a cinebiografia de Cantinflas, du, do argentino Dario Grandinetti ao valeiro da triste figura, a loucura insen- tina, que nos permita reivindicar nos-
conforme denunciou Jaenada, não foi chileno Santiago Cabrera, da brasilei- sata, os desejos irreprimíveis e a vocação sa língua nas produções e nos faça for-
comprada por nenhum distribuidor es- ra Leandra Leal ao guatemalteco Jayro ansiosa pela aventura. tes para poder competir em igualdade
panhol. De nada adiantou escalar o ator, Bustamante (de Ixcanul, premiado em Estou contente e excitado por aceitar e de condições. Nada mais, nada menos.
um comediante de grande sucesso (e sig- Berlim) e ao peruano Salvador Solar (de receber este reconhecimento, que agra- Ninguém vai nos dar valor se nós não o
nificativa semelhança física) na Espanha, “Pantaleão e as Visitadoras”). Mesmo deço desde o mais fundo do meu cora- fizermos primeiro.
para interpretar o cômico azteca. assim, a crítica, em especial a que assis- ção, assim como receber a tantos ami- Terminarei com Cervantes e com seu
O Brasil, que emplacou quatro indica- tiu ao prêmio pela TV, lamentou a fal- gos, tantos talentos, para os quais espe- Dom Quixote, que a partir de sua mente
ções (atriz, com Leandra Leal, por “O Lo- ta de nomes conhecidos. Como nossos ro que esta minha terra de malaguenha sonhadora e por momentos lúcida dizia:
bo Atrás da Porta”, documentário, com filmes pouco circulam por nossos cine- lhes abra a porta e os trate com o mesmo ‘Como não estás experimentado nas coi-
“O Sal da Terra”, e animação, com “O mas, são raros os astros notáveis como carinho com que tenho sido tratado em sas do mundo, todas as coisas que apre-
Menino de o Mundo” e “Até Que a Sbór- Ricardo Darín, Penélope Cruz, Javier cada um dos países latinos onde tive a sentam alguma dificuldade te parecem
nia nos Separe”) venceu em duas: me- Bardem e Gael García Bernal. sorte de trabalhar. Sete filmes no Méxi- impossíveis. Confia no tempo que cos-
lhor documentário para o longa sobre o Há que se constatar que o Platino – co, três na Argentina, um na Colômbia, tuma dar doces saídas a muitas dificul-
fotógrafo Sebastião Salgado, dirigido por prêmio outorgado por duas entidades, um na Venezuela, um no Chile e um em dades amargas’.” (MRC)
14 de 30 de julho a 5 de agosto de 2015 internacional 15

A história grega ainda está sendo escrita


ENTREVISTA Para o filósofo
Keep Cycling/CC
pectos, menos dois – a duração de cin- lo ministro das finanças alemão, Wol- um país-membro declarasse morató-
co anos, que afrouxa um pouco a cor- fgang Schäuble, teria sido melhor que ria contra o BCE e outros países-mem-
Rodrigo Nunes, uma das da no pescoço do estado grego, e uma este acordo. bro. Além disso, um país na condição da
promessa de debate sobre reestrutura- É evidente que tanto a liderança do Grécia precisa ter uma moeda própria
grandes questões em ção da dívida no futuro – e que é dire- Syriza quanto boa parte da população para poder desvalorizá-la, a fim de dar
aberto, tanto do ponto de tamente contrário a praticamente todos tem um grande apego ao projeto euro- partida à economia novamente. Ou se-
os seus compromissos de campanha, peu. É preciso lembrar que, junto com ja, a saída do Euro é, para quem a de-
vista interpretativo quanto menos o de continuar no Euro? França e Portugal, a Grécia não só es- fende, uma consequência da necessida-
A esperança de muita gente, inclusive tava entre os membros-fundadores de de uma moratória. É uma avaliação
do político, é que mandato dentro do Syriza, é que uma mudança mais pobres da UE, como tem a parti- da conjuntura atual. Não é uma tomada
tinham, têm e podem vir a de rumo acabe se tornando inevitável
em virtude da resistência social, for-
cularidade de ter vivido golpes de esta-
do, ameaças de guerra civil e ditaduras
de posição ideológica, soberanista, con-
tra a UE, como o é para a extrema-di-
ter Tsipras e o Syriza çando uma renegociação com a Euro- na segunda metade do século 20. Para reita, como UKIP (Inglaterra) e Frente
pa ou mesmo um Grexit mais à frente. eles, a UE sempre significou deixar este Nacional (França) – cujo possível cres-
É claro, contudo, que para isso o Syri- passado para trás, abrir-se para o mun- cimento, aliás, é um risco que a Troika
za teria de adotar uma estratégia du- do, modernizar-se. claramente assumiu ao fazer o que fez.
de São Leopoldo (RS) pla, em que, ao mesmo tempo que de- Este apego, como vimos, acabou sen- Há ainda uma outra questão, que é se
monstra à Europa seu esforço em im- do uma fraqueza decisiva na hora de um país poderia se desligar da moeda
A CRISE GREGA, que já dura cinco plementar as medidas exigidas pelo negociar. Aliás, agora que sabemos que única sem ser expulso da UE. Os gregos
anos, “não tem nenhuma perspectiva memorando, não reprime os parlamen- Schäuble, contra Angela Merkel, sem- apostam que não, mas aí estamos no
de terminar – pelo contrário, tende a tares que votam contra elas ou os mi- pre defendeu o Grexit, podemos en- campo da pura política: não existe ne-
se agravar com as novas medidas”, ava- nistros que as sabotam, muito menos tender os termos draconianos do últi- nhum regulamento que preveja o que
lia Rodrigo Nunes, que acaba de retor- as pessoas que se organizam para pará- mo memorando como uma tentativa de acontece em caso de saída, seja da Eu-
nar de Atenas, após participar da confe- -las. Isto implicaria aceitar um máximo forçar a saída da Grécia. E ainda assim rozona, seja da UE.
rência Democracy Rising, da qual tam- de tensão interna, sem deixar o parti- o governo grego ficou, pois já não tinha
bém participaram pessoas como Tariq do rachar nem o governo cair, enquan- outra escolha. O que a crise grega significa
Ali, Costas Lapavitsas, Paul Mason, Zoe to as forças para reabrir as negociações em nível de Europa? E como
Konstantopoulou, Bruno Bosteels, Jodi se acumulam – uma estratégia, eviden- Questões não respondidas a capitulação do Syriza afeta
Dean, Sandro Mezzadra, entre outros. temente, de alto risco. A questão é, então, o que este novo partidos como o Podemos, na
Na entrevista a seguir, concedida por memorando significará para este ape- Espanha?
e-mail à IHU On-Line, Nunes diz que Incerteza go. Será ele o choque que faltava para Saíram pesquisas na última semana
há muitas questões em aberto em re- Pode ser, por outro lado, que o ins- uma ruptura subjetiva? Isto é, para que apontando uma queda do Podemos e do
lação à crise grega, em especial ao no- tinto de sobrevivência política leve Tsi- as pessoas se deem conta de que a UE, Sinn Féin (Irlanda), que também vem
vo memorando anunciado pelo governo pras e a liderança a decidir que o único tal como existe hoje, não correspon- se posicionando como anti-austerida-
grego, resultado do novo acordo com a caminho agora é fazer o acordo valer, o de mais àquele projeto, que não haverá de. Analistas apressaram-se a ver aí um
Troika, e ao futuro político de Tsipras e que implicaria assumir o ônus de vol- fim da austeridade sem romper com a reflexo do Syriza. Não estou tão seguro.
do Syriza de modo geral. tar a reprimir as manifestações, que ha- união monetária, e que vale a pena cor- No caso do Podemos, vejo uma perda de
viam deixado de sê-lo nos últimos cinco rer o risco? Ou ele fará com que as pes- entusiasmo causada por problemas in-
O senhor esteve na Grécia meses, e abrir uma briga dentro do par- soas se acomodem, desistam de tentar ternos do partido, cuja direção não tem
recentemente. Pode nos falar qual tido. O resultado seria ou um desafio à mudar as coisas e eleger governos que sabido entender sua condição de “lide-
é o clima no país neste momento liderança de Tsipras ou um racha, com desafiem a Troika, que é sem dúvida o rança frágil”.
da crise? Pode nos dar um a saída dos rebeldes. Neste caso, o Syri- que esta pretendia? Contudo, o que eu disse sobre a po-
panorama de qual é a situação em za poderá continuar governando com o Uma coisa é certa. Se o erro do Syriza pulação grega vale também para Espa-
que se encontram os gregos e de apoio de Nea Dimokratia, To Potami e foi não ter aberto este debate antes, não nha, Irlanda, Portugal e outros. O que
que modo a crise repercute no dia Pasok, com cujos votos contou na vota- ter investido na mobilização desde baixo foi feito com a Grécia tinha uma função
a dia deles? ção dos dois primeiros pacotes, mas te- nestes últimos cinco meses, uma supos- exemplar, mandava uma mensagem:
Rodrigo Nunes – Cheguei a Atenas rá para todos os efeitos práticos se tor- ta estratégia de “acumulação de forças” não adianta eleger quem promete mu-
exatamente um dia depois da assinatura nado um partido pró-austeridade, o agora só fará sentido se vier acompanha- dar as coisas, a Europa obrigará estes
do novo memorando e fui embora exa- que terá um custo político. Dificilmen- da disto. Nem a opinião pública, nem o governos a se dobrarem e punirá seus
tamente no dia em que entrava em vi- te um partido formado pelos rebeldes, mandato concedido ao governo podem eleitores pela audácia. Era para provo-
gor o primeiro pacote de medidas exigi- sozinhos ou em aliança com o Antarsia, ser concebidos como quantidades fixas; car medo mesmo, e este medo pode ge-
do pelo novo memorando, votado no dia Mulher recolhe restos de comida em calçada de Atenas: 21% da população abaixo da linha da pobreza teria grande viabilidade eleitoral, pelo as condições subjetivas também são par- rar acomodação.
seguinte à minha chegada. Ou seja, esti- menos no futuro próximo. Em todo ca- te da história que se está escrevendo. Por outro lado, não é justamente es-
ve lá na parte mais trágica da crise polí- a ameaça de Grexit; e para jogar se- de rendição. E aí as outras partes sen- so, a situação é tão volátil que qualquer Obviamente, isto não cabe apenas ao te tipo de coisa que a UE foi criada pa-
Bundesregierung/Bergmann

tica que começara duas semanas antes, riamente com a ameaça de Grexit, eles tem cheiro de sangue. Ouvi de Aristi- prognóstico é arriscado. Syriza, do qual não sabemos nem se op- ra evitar? Ela era a promessa do fim das
com a recusa de uma versão anterior precisariam ter um plano. Não somente des Baltas, ministro da Educação, que O que há de certo até aqui é que Tsi- tará de fato por esta estratégia. Quan- guerras dentro da Europa, a realiza-
deste memorando e a convocação do re- um plano de médio prazo, mas um pla- Tsipras foi à Bruxelas negociar saben- pras já declarou que não pretende in- do das recentes eleições municipais es- ção de um imaginário do continente co-
ferendo em que o oxi [não] à proposta no de contingência imediato, capaz de do que dali a dias acabaria, por falta de corporar novos partidos à coalizão e panholas, escrevi um texto em que fala- mo força civilizatória e progressista no
feita pela Troika saiu vitorioso. responder como, amanhã, setores-cha- combustível, o abastecimento de água que, diante da rebelião nas duas vo- va da vantagem de lideranças “frágeis”, mundo. E o que se viu foi o governo de-
É preciso, entretanto, entender que ve da economia continuarão funcionan- para algumas das ilhas. Quer dizer, Tsi- tações, houve mudanças ministeriais, que não estão seguras de ser seguidas. mocraticamente eleito de um país euro-
isto não é “a crise” para os gregos. A cri- do e não haverá caos. Justiça seja fei- pras estava definitivamente negocian- mas ainda não se falou em expulsões. Este é o tipo de relação que o Syriza tem peu ser tratado com a mesma truculên-
se, para eles, é uma realidade que já du- ta, a Plataforma de Esquerda – segunda do com uma arma na cabeça. O que não Além disso, houve um realinhamento com os movimentos gregos, que estão cia que este projeto “civilizatório” nor-
ra cinco anos e que não tem nenhuma maior corrente do Syriza, que se opõe quer dizer que era inevitável que ele interno no partido, com um grupo rom- longe de ser “correia de transmissão” do malmente exportou para fora de suas
perspectiva de terminar – pelo contrá- ao novo memorando e desde o início chegasse a este ponto tão fragilizado e pendo com a ala majoritária, o que sig- governo. É verdade que houve uma re- fronteiras, ser sujeitado a uma condi-
rio, que tende a se agravar com as no- defendia a necessidade de preparar-se que, com outra estratégia, o resultado nifica que esta perdeu o controle sobre lativa desmobilização após as eleições, ção praticamente neocolonial.
vas medidas. A crise, para eles, é uma para esta possibilidade – também não não pudesse ter sido diferente. o Comitê Central do partido – de onde mas isto foi menos por “ordens superio-
contração econômica de 25%, desem- pôs nada na mesa. este último tenha se manifestado contra res” que porque as pessoas decidiram Raiva X medo
prego acima de 25% (acima de 53% en- E qual tem sido a posição de o memorando, com 109 votos num to- pagar para ver. Até uma parte dos anar- Isto também gera raiva, que é um afe-
tre os jovens), um aumento de 43% da A falta de um plano B Tsipras e do Syriza depois da tal de 201. Isto pode fazer com que se- quistas gregos, notórios por seu mili- to capaz de superar o medo. Há uma sé-
mortalidade infantil, 21% da população Quando ficou claro que não havia pla- assinatura do novo memorando? ja impossível expulsar os rebeldes; tam- tantismo, deram um voto de confiança rie de fissuras que se abriram neste pro-
abaixo da linha da pobreza, um cresci- no B, o governo grego passou a ser co- Uma coisa que não deixa de ser lou- bém significa uma ameaça ao controle público ao governo. cesso, entre França e Alemanha, dentro
mento de 32% no número de suicídios. mo um jogador de pôquer que todo vável é que Tsipras não tentou vender de Tsipras. da Alemanha (entre Merkel e Schäub-
Ou seja: é a lenta transformação de um mundo sabe ter uma mão fraca. E isto o novo memorando como uma vitória. le), sobretudo dentro da cabeça de mui-
país desenvolvido num failed state, não ficou claro logo após o referendo. Pelo contrário, ele já disse abertamen- E qual será o papel dos “A saída do Euro é, para quem a defende, tas pessoas: esta não é a Europa que nos
apenas diante dos olhos de seus parcei- O referendo servia para pedir um no- te não acreditar que ele seja bom, nem movimentos sociais e da prometeram, não é a nossa Europa.
ros de União Europeia (EU), mas pela vo mandato, ou uma clarificação do que vá funcionar. Aliás, o FMI já disse população grega nisso? uma consequência da necessidade de uma Qual afeto vencerá, se o medo ou a
ação direta destes, que têm por artigo mandato concedido pelas eleições. Mas o mesmo, e o próprio fato de que eles Voltemos à questão do mandato. Dis- raiva, dependerá da capacidade de res-
de fé que um governo democraticamen- ele também envolvia uma jogada de alto o afirmem publicamente já põe o acor- se que “provavelmente” teria havido
moratória. É uma avaliação da conjuntura posta dos movimentos em toda a Euro-
te eleito não pode interferir com os in- risco, porque marcá-lo para uma sema- do em dúvida. Ninguém acredita que apoio popular para o Grexit após o re- atual. Não é uma tomada de posição pa. O próprio presidente do Conselho
teresses do mercado financeiro. na depois de 27/06 implicava depender o fundo de privatizações possa de fato ferendo porque toda a campanha do Europeu disse há alguns dias que sente,
Além disso, dada sua posição geográ- Tsipras e Merkel: esta não é a Europa que nos prometeram de uma extensão do acordo então em vi- atingir os €50 bilhões esperados, por governo foi de que o “não” não implica- ideológica, soberanista, contra a EU” “se não um estado de espírito revolucio-
fica e a crise no Oriente Médio após a gor para além da data final de 30/06. exemplo. va necessariamente sair do Euro – ou nário, algo como uma impaciência dis-
invasão do Iraque pelos EUA e a reação zes conservadoras já sugeriram. O fa- subalternidade: ele era o pequeno Davi Este acordo era necessário para que o Dizer isto é simplesmente manter-se seja, continuava operando dentro da- seminada. Quando a impaciência deixa
à Primavera Árabe, a crise humanitária to de que ninguém tenha muita clare- que ia enfrentar o Golias europeu. As- Banco Central Europeu (BCE) continu- coerente com a análise de que a Grécia quilo em que todo mundo queria acre- de ser um sentimento individual para se
grega se inscreve no quadro de uma cri- za do que pode acontecer tem, me pare- sim, quando ele volta derrotado, as pes- asse garantindo a liquidez dos bancos chegou a um limite de depressão econô- ditar. Retrospectivamente, penso que Estado X organizações de baixo tornar uma experiência individual, para
se humanitária mais ampla. Há hoje o ce, um sentido positivo: tudo está ain- soas não só não o culpam – ele sempre gregos, que estava se esgotando. mica e crise de reprodução social (isto teria sido melhor que houvessem duas É fácil agora olhar para estes movi- se tornar uma experiência compartilha-
maior número de refugiados em terri- da em aberto. A história ainda está sen- foi o lado mais fraco –, como reconhe- A aposta, algo desesperada, era: a Eu- é, das próprias condições de vida da po- perguntas: uma sobre aceitar ou não o mentos e chamá-los de ingênuos, dizer da, é o anúncio de uma revolução”.
tório europeu desde a Segunda Guerra do escrita. Aliás, é importante salientar cem nele um esforço de ir até o fim na ropa vai respeitar o processo democrá- pulação) e não há mais o que tirar daí. memorando então proposto, outra so- que eles deveriam saber que aquilo que Bom, se há alguma coisa que as insti-
Mundial, e a Grécia é uma de suas prin- que as medidas sendo introduzidas são tentativa de representá-las. tico, não vai deixar o país quebrar en- Isto significa que as novas medidas (au- bre o que fazer caso não fosse possível aconteceu estava fadado a acontecer. tuições europeias demonstraram nas úl-
cipais rotas de entrada, portanto tam- preliminares à concessão de um novo Falou-se muito em “capitulação” e quanto a população é consultada. Mas mento de impostos, mudanças na pre- acabar com a austeridade mantendo a Mas não há ingenuidade nenhuma. Se timas semanas, é que elas estão precisan-
bém profundamente afetada pelo con- empréstimo; o empréstimo em si ainda “traição”, como se fossem sinônimos. foi exatamente o que aconteceu, por- vidência, privatizações, etc.) não levan- moeda comum. Só assim teria emergi- você está há anos trabalhando numa co- do de uma boa chacoalhada. Tomara, en-
trole de fronteiras que tem causado tan- não está resolvido. Ora, é evidente que houve capitulação: que havia um interesse direto na vitó- tarão os fundos necessários e deverão do um mandato claro. zinha coletiva ou numa clínica de saúde tão, que ele tenha razão. (IHU On-Line)
tas mortes no Mediterrâneo. “capitular” é justamente aquilo que faz ria do “sim” e na queda do governo – encontrar fortes resistências na socie- Desde então, vi uma pesquisa apon- gratuita, como existem várias na Gré-
Como interpreta a mudança de um general quando é derrotado. Não a oposição grega chegou a ser chamada dade e dentro do próprio governo, tal- tar que 70% dos gregos continuam pró- cia, sem ver perspectiva de um fim pa-

IHU
postura do Tsipras, ao negociar há qualquer contradição entre ser víti- a Bruxelas para discutir um futuro “go- vez ao ponto de impossibilitar sua im- -Euro e outra em que 42% (contra 45%) ra a crise, e há um aceno de possibilida-
“A crise, para eles, é uma realidade novamente com a Troika, após ma de um golpe, como afirmava a hash- verno de união nacional”. Então, não plementação. dizem que o país deve se preparar pa- de de mudança institucional, é natural
sugerir um referendo a partir do tag #ThisIsACoup, que virou trending há extensão, e o BCE se nega a garan- Quando isto acontecer, vamos po- ra o Grexit... (esta última, uma pesqui- que você queira explorá-la. É muito fá-
que já dura cinco anos e que não tem qual a população apoiou o não topic global durante as negociações de tir a liquidez dos bancos, o que aumen- der conhecer a resposta àquela que é sa online). Nas ruas, ouve-se de tudo: cil, olhando de longe, dizer que as pes-
pagamento da dívida grega? 12 e 13/07, e capitular. Falar em “trai- ta a pressão sobre o governo grego, que a grande pergunta agora: que tipo de que não havia outro jeito e Tsipras fez o soas deveriam ignorar o Estado e seguir
nenhuma perspectiva de terminar – Uma das grandes questões em aber- ção”, por outro lado, está longe de dar precisa impor controle de capitais. Daí relação o governo vai manter com um que dava, mas também que até a oferta se organizando desde baixo. Mas, se vo-
pelo contrário, que tende a se agravar to, tanto do ponto de vista interpretati- conta da complexidade do caso. para frente, eles “negociarão” sabendo acordo que é péssimo sob todos os as- de uma saída controlada oferecida pe- cê está lá, isto é a sua vida, o seu tem-
vo quanto do político, é que mandato ti- que o país está quebrando, e rápido. po, a sua energia, e ninguém tem fontes
com as novas medidas” nham, têm e podem vir a ter Tsipras e Em que sentido? Afinal de contas, Ou seja: a partir da convocação do re- inesgotáveis de energia, especialmente
G7

o Syriza. Tsipras foi contra a vontade ferendo há um risco palpável de saída do se não há saída à vista no horizonte.
O Syriza se elegeu com a linha da ala expressa no referendo. Euro, talvez até mesmo apoio popular O que farão agora estas experiências
moderada, majoritária, do partido: aca- Vamos continuar com a questão do para tanto – mas não há um plano. Pior: de auto-organização, que já foram cha-
Também por conta desta temporali- bar com a austeridade sem sair do Eu- mandato: acabar com a austeridade sem você tem um país às vésperas da bancar- madas de Plano C, por oposição ao A
dade longa, as reações em Atenas me ro. Se olharmos todas as pesquisas da sair do Euro. Qual foi o grande erro da rota, em que 61% da população concede (austeridade) e ao B (Grexit)? Esta é ou-
pareceram como em câmera lenta. Em época até hoje, parece ser este o dese- direção do Syriza? Eles nunca quiseram ao governo um mandato para endurecer tra das perguntas em aberto. Idealmen-
certo sentido, eles não têm porque ter jo da maioria dos gregos. Não há dúvida considerar, menos ainda preparar a po- nas negociações, mas este não tem ideia te, o governo, agora que tem restrições QUEM É
pressa; um amigo, muito ativo politica- que, caso tivesse assumido na campa- pulação para a hipótese de que apenas do que fazer daqui a alguns dias, que di- orçamentárias ainda mais duras, da- Rodrigo Guimarães Nunes é doutor
mente, foi passar as férias numa ilha, nha uma linha pró-Grexit, o partido di- uma destas coisas fosse possível, de que rá meses. Estamos falando de questões ria mais apoio a estas alternativas, sem em Filosofia pelo Goldsmiths College, Univer-
dizendo que preferia descansar para es- ficilmente teria sido eleito, ou pelo me- seria preciso escolher: ou acabar com a básicas, como qual fonte alternativa de tentar aparelhá-las, ao mesmo tempo sidade de Londres, e professor da Pontifícia
tar pronto para o que virá. Mas esta len- nos não com uma margem que lhe per- austeridade ou continuar na zona do Eu- crédito pagará pelo funcionamento de em que estas se afirmariam como pólos Universidade Católica do Rio de Janeiro (PU-
tidão tem outros sentidos: assimilar o mitisse governar. ro. Assim, eles não assumiram responsa- áreas-chave até as coisas se normaliza- de politização e resistência. C-Rio). É colaborador de diversas publicações
golpe e entender o que aconteceu, ver A questão é: é possível ter as duas coi- bilidade nem de puxar o debate, de ma- rem. Tsipras tinha chegado a fazer apro- nacionais e internacionais, como Radical Phi-
como diferentes atores reagem, obser- sas ao mesmo tempo? A maioria da po- neira a forjar um novo consenso social ximações com a Rússia, mas ou estas A melhor opção para a Grécia losophy, Mute, Le Monde Diplomatique, Serrote,
var que novos alinhamentos ocorrerão. pulação acreditou ou quis acreditar nis- que lhes assegurasse um mandato mais conversas não avançaram, ou eram ape- seria abandonar o Euro? The Guardian e Al Jazeera. Como organizador
Por isto, não tomaria o tamanho relati- to, e a direção do Syriza também. Este é claro (e viável), nem de preparar-se para nas um gesto para fortalecê-lo diante da Esta dívida é imoral, porque é essen- e educador popular, participou de diferentes
vamente pequeno dos protestos de 15 e um dos motivos pelos quais Tsipras se- a possibilidade real de um Grexit. Europa. Como revelou Yannis Varou- cialmente uma dívida de bancos recicla- iniciativas ativistas, como as primeiras edições
22/07 (quando da votação dos dois pa- gue sendo popular: se errou ou se ilu- Na prática, isto implicou colocar-se fakis, logo depois do referendo ele pro- da como dívida soberana, mas é, sobre- do Fórum Social Mundial e a campanha Justice
cotes) como nada definitivo. diu, seu erro e ilusão foram os mesmos numa posição em que, na hora H, eles pôs um plano, mas a maioria do “peque- tudo, impagável, porque não há mais o for Cleaners, em Londres. Além disso, foi mem-
O novo memorando pode se demons- de quase todo mundo. Uma amiga gre- seriam obrigados a optar pelo Euro ao no gabinete” de Tsipras preferiu a outra que extrair de uma economia enfrentan- bro do coletivo editorial de Turbulence, uma
trar impossível de aplicar, e aí ou te- ga contou-me que, logo após a eleição, invés do fim da austeridade – optar pe- opção – entre outras razões, porque já do a recessão mais longa num país de- revista influente entre os movimentos sociais
remos uma negociação de verdade, ou os mais velhos falavam dele como se lo Euro a qualquer custo, como foi o ca- era tarde demais. senvolvido desde a Grande Depressão. da Europa e da América do Norte na segunda
um Grexit acordado, ou um “Grexit me- fosse um filho. Ao mesmo tempo, isto so. Por quê? Porque para poder jogar É por isso que, já no dia seguinte ao Acontece, porém, que a Eurozona metade da década passada.
diante insurreição”, como mesmo vo- sempre foi acompanhado de uma certa com tudo, eles precisariam jogar com referendo, Tsipras começa a dar sinais O ministro das finanças alemão Wolfgang Schäuble tal como é hoje jamais permitiria que
16 de 30 de julho a 5 de agosto de 2015 internacional

“Se for negro, não entra” Janaina Cesar/Opera Mundi

RACISMO Polícia italiana


impede refugiados de
embarcar em trem para a
Alemanha; Em estação de
Bolzano, na fronteira com
a Áustria, autoridades
exigem documentação
apenas de imigrantes
africanos; brancos não
são parados

Janaina Cesar
enviada especial a Bolzano (Itália)

EM BOLZANO, cidade da Itália que fica


na fronteira austríaca, refugiados negros
são impedidos de embarcar nos trens que
partem em direção a Innsbruck, na Áus-
tria, e Munique, na Alemanha. A polícia
bloqueia as portas dos vagões: se o pas-
sageiro for branco, a passagem é permi- Policial italiano: “Se for negro, não entra. E se já está dentro deve ser controlado porque é quase certo que não tem documento”
tida, se for negro, pedem pelo passapor- Reprodução
te. Como nenhum refugiado possui a do- o modo mais fácil de identificá-los. Sabe- lizar e dizer que a polícia é racista, nós
cumentação, são impedidos de entrar. As mos que nenhum deles possui visto ou temos um ótimo relacionamento com a
polícias italiana, austríaca e alemã tra- passaporte e por isso não os deixamos força de ordem. Não acho que a questão
balham em estreita colaboração. A força entrar no trem internacional.” principal seja a cor da pele. O problema
trilateral, como é conhecida, nasceu em O policial italiano diz ainda que nos realmente é a falta de documentos”, diz.
2002 com o objetivo de prevenir assaltos trens regionais que partem do sul em di- Para ele, a melhor forma para contrastar
em viagens internacionais, mas hoje im- reção à fronteira austríaca, o controle a questão dos refugiados, “é trabalhar em
pede que refugiados deixem a Itália. não é realizado. “Se o sistema de contro- silêncio, sem criar atritos”.
Todos os dias, por volta das 9h da ma- le funcionasse, eles [os refugiados] nem
nhã, cerca de cem refugiados chegam à partiriam do sul [onde ficam os centros
estação de Bolzano, ponto de acesso pa- de acolhimento]. Nós da polícia de Bol- “Se for negro, não entra. E
ra ir à Alemanha e aos países nórdicos. zano temos que enfrentar esse problema
No dia 29 de junho, uma segunda-fei- sozinhos”, afirma. se já está dentro [do vagão]
ra, 80 desceram do trem noturno de Ro- Ainda que seja vedado esse tipo de au-
ma. A maioria vem de Eritreia, Sudão e xílio pela legislação italiana – segundo
deve ser controlado porque
Síria. Escapam da guerra, da fome e da a Lei nº 189, de 2002, ajudar um cida- é quase certo que não tem
miséria. Para conseguir chegar até a Itá- dão a entrar ou sair ilegalmente do país
lia, enfrentaram a morte de perto, atra- constitui crime de favorecimento à “imi- documento”
vessando o mar Mediterrâneo, que todos gração clandestina” – alguns cidadãos
os anos faz centenas de vítimas. sensíveis a situação dos refugiados, in-
Aisha, uma jovem mãe eritreia que via- formam e até desenham atrás de passa-
ja com a filha de dois anos, conta que es- gens não usadas, o percurso que devem Rumo à Áustria
capou de seu país por causa da persegui- fazer para chegar até Munique. Pratica- Aisha e um grupo de 60 refugiados de-
ção religiosa. Ela quer ir para Munique, mente, devem ir até Brennero, outra ci- cidiram escutar os conselhos de quem
diz ter amigos lá. “Não quero ficar na Itá- dade italiana de fronteira, pegar o trem se arriscou com a lei italiana e resolve-
lia. Tenho amigos na Alemanha que es- regional austríaco até Innsbruck e, che- ram embarcar para Brennero. Os outros
tão me esperando e vão me ajudar quan- gando lá, pegar o regional alemão para preferiram ficar em Bolzano, para tentar
do eu chegar”, conta. Munique. Tudo isso torcendo para que embarcar no próximo trem internacional
Para quem está há cinco meses viajan- a polícia local não os peguem e mandem direto à Innsbruck e Munique — e ten-
do, os 280 quilômetros que separam Bol- de volta à Itália. tar a sorte de topar com um policial que
zano de Munique representam pouco – Somente em 2014, a Áustria devolveu faça de conta que não os viu embarcar.
mas são intermináveis. Durante os dez cerca de 5.000 refugiados aos italianos. Segundo Marco, isso já aconteceu, mas é
minutos em que o trem permanece pa- Isso porque o Tratado de Dublin obriga coisa rara.
rado para o embarque dos passageiros, que o pedido de asilo seja feito no pri- Uma hora e meia de viagem até Bren-
Aisha e os outros observam os “brancos” meiro país onde a pessoa é identificada. nero com o trem regional italiano. Mais
entrarem sem problemas e se entreo- No entanto, das 6.000 identificações rea- 13,50 euros de passagem. A bordo reina o
lham tentando entender o que está acon- lizadas ano passado pelo polícia de Bol- Mapa com trajeto percorrido de Bolzano a Innsbruck silêncio. Alguns aproveitam para dormir,
tecendo. Mesmo mostrando a passagem zano, ninguém retornou para formalizar enquanto, no fundo do vagão, uma mãe
de 69 euros de Bolzano a Munique, os o pedido de asilo. “Na medida do possível, nós os orien- amamenta seu filho. O trem para. Ponto
policiais não os deixam entrar. Até aque- tamos, mas às vezes a comunicação é de chegada. Da estação de Brennero se vê
le momento ninguém lhes explicou nada. Voluntários muito difícil”, diz Luca de Marchi, tam- a fronteira com a Áustria. A estação está
Os policiais, aqueles que se dão ao traba- Segundo Manoel, um dos voluntários bém voluntário. “Quando chegam aqui, vazia. Nada de polícia italiana, alemã ou
lho de responder, gastam somente uma que ajuda no acolhimento dos refugia- nós os levamos a uma sala que coloca- austríaca. Quando os policiais estão nas
palavra: “passaporte”. Sem mais. dos na estação de Bolzano, “alguns deles ram [na estação de Bolzano] à nossa dis- imediações, alguns atravessam a frontei-
chegam aqui pensando que já estão na posição, fornecemos sacolinhas com ali- ra a pé, pelas trilhas paralelas à estrada
Pele negra Alemanha, não sabem que precisam de mentos, além de roupas e sapatos e assis- principal. Mas desta vez não.
Segundo declarou um policial italiano documento e visto para entrar naquele tência humanitária. Queremos que essas Essa brecha lhes dá tempo para pedir
que pediu para ficar no anonimato, a cor país”. É fácil se enganar, porque em Bol- pessoas, nas poucas horas em que estão informação a um jovem que chegou à es-
da pele identifica quem são os refugiados zano tudo é bilíngue (italiano-alemão), aqui, se sintam um pouquinho em casa. tação. O trem regional austríaco está ali
sem documentos. “Se for negro, não en- da placa na estação aos anúncios nos al- Já enfrentaram uma viagem alucinante e parado e eles não podem perder a oca-
tra. E se já está dentro [do vagão] deve to-falantes. “Explicamos que sem docu- queremos oferecer um pouco de tranqui- sião. O jovem, na maior paciência, os aju-
ser controlado porque é quase certo que mento não podem pegar o trem interna- lidade e serenidade.” da a comprar as passagens, uma a uma.
não tem documento”, diz o oficial, rela- cional e os orientamos a irem com um De Marchi confirma que o problema da Às 15h, parte o trem e em meia hora che-
tando qual foi a ordem recebida de seus trem regional à Brennero, uma cidade discriminação existe, mas, segundo ele, é gam à Innsbruck. Aisha está feliz e deixa
superiores. “Sei que não é correto, mas é que fica na fronteira com a Áustria”, diz. uma coisa pessoal. “Não se pode genera- escapar um sorriso. (Opera Mundi)

INFORME PUBLICITÁRIO

Feiras da Reforma Agrária se espalham pelo Brasil


Ao longo do último período, diversas co- mentos, que além de chegarem ao mer-
operativas ligadas aos assentamentos da cado num preço elevado, são produzidas
Reforma Agrária têm feito um esforço de a base do uso excessivo de agrotóxicos,
dar visibilidade à produção dos assenta- com graves consequências à saúde da po-
mentos, e tem garantido a sua presença pulação e ao meio ambiente.
em diferentes feiras agrícolas. Diferente- Junto a isso, pensar a produção implica
mente de períodos anteriores, a partici- também criar mecanismos de comercia-
pação destes grupos ganhou nova dimen- lização. O acesso ao mercado convencio-
são, não ficando restrita apenas aos mu- nal pressupõe a necessidade de vencer di-
nicípios, mas participando de eventos em ferentes entraves, como exigências legais,
nível estadual e nacional. concorrência, logísticas, entre outros. Um
Para além disso, o elemento novo que dos caminhos para superar estes entra-
vem ganhando força é a organização das ves é a procura de determinados “nichos
chamadas Feiras da Reforma Agrária, re- de mercado”, o que permitirá às coope-
sultado de uma articulação das diversas rativas ir consolidando sua produção. Ao
cooperativas ligadas ao Movimento dos mesmo tempo, a estratégia de comercia-
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). lização não deve se limitar apenas a esses
Um exemplo desse processo será a Feira espaços, mas procurar quebrar os entra-
Nacional da Reforma Agrária que acon- ves colocados, com o objetivo de assegu-
tecerá na cidade de São Paulo entre os rar com que essa produção também entre
dias de 22 a 25 de outubro, no parque da no mercado convencional.
Água Branca. Além disso, as feiras agrícolas e a realiza-
A realização das chamadas Feiras da Re- ção das Feiras da Reforma Agrária per-
forma Agrária vem associada a uma es- mitem abrir um importante canal de diá-
tratégia de produção destas cooperati- logo com a população sobre diversas te-
vas, bem como a produção de alimentos máticas que dizem respeito ao conjunto
saudáveis para o conjunto da população da sociedade, como a soberania alimen-
brasileira. Deste modo, faz-se um con- tar, a alimentação saudável, a agroecolo-
traponto à produção convencional de ali- gia, entre outros.

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