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ED

A CORRUPÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA NO BRASIL

Antônio Frederico Zancanaro *

ARROPO102.PM5

Resumo décadas. A impressão que se tem é a de que


ninguém está imune aos seus encantos. Partindo
A corrupção Pol ítico-Administrativa é um das esferas do poder constituído, passando pelas
fenô meno mundial . Consiste em misturar as empreiteiras, comércio, indústria, sindicatos e pelo
esferas pú blica e privada, fazendo uso das setor da saúde, fiscalização de rendas, segurança
prerrogativas da primeira para obter benefícios pública e transporte, enfim, em tojdos os setores da
-
pessoais. Para combatê la, s ó existem dois atividade pública há agentes públicos acusados de
caminhos eficientes: punição pedagógica dos envolvimento em subornos, negociatas, estorsões,
infratores e investimento massiço em Educação. beneficios ilícitos, desvio de recursos públicos. São
indivíduos que se servem e prevalecem da função
pública para tirar proveito econ ómico e/ou de outras
Abstract naturezas. Normalmente, por ém, onde h á um
corrupto, há um corruptor. A corrupção é sempre
The Politic-Administrative corruption is a uma via de mão dupla.
world phenomenon . It consists in mixing the O que mais impressiona é que, embora seja a
public an private sphere, using the prerrogative corrupção um fenômeno mundial , entre n ós,
of the first to get the personal benefits. To combat brasileiros, ela parece incontrolável. As sociedades
it, there are only two efficient ways: pedagogical politicamente mais organizadas do que a nossa têm
punishment of the transgressors and serious obtido relativo sucesso no seu combate, mantendo-
responsible investment in Education. ' a dentro de limites socialmente toleráveis. No
Brasil , ao contrá rio de outras na çõ es, n ã o
encontramos, ainda, mecanismos capazes de conter
seu avan ç o. O que h á conosco, que nos faz
Introdução diferentes de outros povos? Po • que a corrupção
tem-se alastrado tão vertiginosamente, atingindo
A corrupção Político-Administrativa é um setores e pessoas que antes pareciam imunes ao seu
dos estigmas que vêm alimentando o imaginário contágio? Eventuais instrumentos e mecanismos
brasileiro de forma assustadora nas últimas legais destinados à sua conter ção têm servido,

* Doutorando em Pensamento Luso-Brasileiro. Docente da UEL.


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aparentemente , muito mais para excitar a ou “a bola”; na Á frica, “a pitada”; na í ndia, “o
imaginação a buscar novas e inusitadas formas de dinheiro veloz”; nos países de língua inglesa, os
beneficiar-se da função pública e, quando possível, “cinco por cento”, “a payola”, “o enxerto”, “a
de seus recursos, do que para exorcizar para longe graxa”, ou “a restituição”. São todos termos
ou para extirpar a tentação de agir em proveito destinados a designar os pagamentos extras ou a
pró prio . famosa compensação por serviços prestados ou
Permanecer nesse plano de abordagem da para a obtenção de determinadas concessões
corrupção pol ítico-administrativa poderia ser pecuniárias ou favores,
extremamente atraente, contudo, pouco racional, Algumas definições de corrupção são
por só alimentar a curiosidade e o senso comum e extremamente significativas e elucidativas do
não conduzir a uma verdadeira reflexão sobre as problema. Dante, em sua Divina Comédia, diz que
suas amarras mais í ntimas e por não expor suas a ‘corrupção é dizer sim, quando não, por dinheiro’,
entranhas à luz do dia, a fim de que nos seja Tamanha foi sua ira contra os corruptos de seu
permitido induzir as elites governamentais e a tempo que reservou um dos famosos círculos do
socidade a buscar soluções de caráter permanente , inferno - e um dos mais profundos - para condená-
No presente estudo pretende-se, apenas e tão los a um tormento sem volta.
somente, fazer uma definição do que se entende La Palombara parte do senso comum para
por corrup çã o e sugerir aquela que parece definir a corrupção. ‘Para a maior parte de nós,
constituir-se na única saída para vencer ou, ao afirma o politicólogo norte-americano, a palavra
menos, conter o avanço da corrupção, estratégia “ corrupçã o ” evoca a imagem de uns tipos
ainda não tentada pelas elites dirigentes de nosso suspeitos, fazendo negócios mais suspeitos ainda,
país. com autoridades p úblicas’. O autor refere-se a uma
tendência natural em considerarmos a atividade
1 . Defini çã o de corrup çã o pol í tico - pública suspeita. Agentes políticos e funcionários
administrativa públicos são habitualmente associados à corrupção.
O que necessariamente não é verdadeiro. A
A corrupção é um fenômeno mundial. Não corrupção tende a afetar todo o corpo social ,
há país, independentemente do n í vel económico, independentemente da posição pol í tica, social,
cultural e sociopol ítico que, vez por outra, não se cultural ou profissão a que as pessoas se dediquem ,
tenha defrontado com o envolvimento de membros O que não significa dizer que todos quantos
de sua administraçã o p ú blica em casoç de exercem mandatos políticos e/ou funções públicas
corrupção. Foi assim, recentemente, na Inglaterra, sejam , necessariamente , corruptos . H á ,
Alemanha, Japão, Estados Unidos e outros. Quem indiscutivelmente , pol í ticos e funcion á rios
não se lembra do rumoroso caso do envolvimento p ú blicos exemplares e que t ê m prestado
-
do ex Presidente Richard Mixon dos Estados inestimáveis e abnegados serviços à coletividade.
Unidos, em espionagem eleitoral , fato que Etimológicamente, o termo corrupção vem
redundou em sua renúncia? Tanto é verdade que o do verbo latino “ rumpere ” e do substantivo
fenômeno é mundial que, La Palombara recolheu “corruptio”. “Rumpere” pode ser traduzido por
um significativo conjunto de termos que romper , fender , separar , quebrar , decair ,
expressam aquelas atividades il ícitas. Na Ásia, interromper; e o substantivo “corruptio” quer dizer:
paga-se o “ backshees ” ; na Itá lia, passa se a- deprava ção , deterioriza çã o , prostitui çã o,
“bustarella”, por baixo ou por cima da mesa; nos corrupção,
países de língua espanhola existe “la mordida” Entendidos dessa forma, o verbo “rumpere”
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e o substantivo “corruptio” evocam uma ruptura sentido privatístico, aí começa a corrupção.
ou degradação em partes. Nesse sentido, apontam Mais freq üente do que se imagina a queixa
para o rompimento da unidade entitativa de um contra o mau humor, a desatenção, a petulância e
ente ou fenômeno. No caso dos entes materiais, a a arrogância de certos funcionários públicos que,
corrupção sugere a deterioração e/ou desintegração investidos da fun çã o p ú blica, se arrogam
física de um ente diante da ação de fatores internos competências que não lhes foram atribu ídas na
e/ou externos. Nesse caso, o resultado final tende carta de nomeação, sem falar daqueles que se
para a desintegração total. prevalecem da investidura do poder para impor
Por constituir-se num ente material , o suas vontades ou tirar proveitos que nada têm a
homem está sujeito ao mesmo processo de ver com o serviço objetivo à coletividade, através
degradação que afeta os entes dotados de corpo da função para a qual foram nomeados.
f sico. Enquanto ser moral, porém, a corrupção
í Segundo Johanes Messner , - seguindo
sugere um rompimento de sua unidade entitativa. Aristóteles - ‘sempre que se fala em bem, pensa-
Ao corromper-se, o homem cria uma ruptura se na perfeição entitativa correspondente a alguma
de certos liames morais destinados a manter a coisa’. Nesse sentido, a razão considera todos os
unidade, harmonia e coerência interna de seu ser, entes bons em si mesmos. Na medida que, segundo
segundo as exigências t í picas de sua natureza sua natureza, cumprem com a finalidade específica
específica. A corrupção consiste, pois, na quebra de seus órgãos e funções, a razão não tem o direito
do sentido originário e último do ente humano. de afirmar que n ão sejam bons . Ser ão
O mesmo raciocínio pode ser aplicado às gradativamente menos bons aqueles que não
diferentes tarefas, atividades e fun ções atenderem às predisposi ções inerentes à sua
desempenhadas pelo homem. Sendo assim, tendo natureza peculiar.
em vista que a pol ítica e a administração pú blica Raciocí nio semelhante pode ser aplicado ao
não são esferas neutras, mas dotadas de forte carga serviço público. Enquanto fenômeno humano e
moral, a corrupção nesses campos das relações social, a função pública, quer a do agente pol ítico,
humanas sugere a ausência ou rompimento entre quer a do servidor público - carrega em si mesma
o agir humano e os valores inerentes à constituição um sentido próprio e definido. Possui lim:tes e
e ao sentido ú ltimo da função. A atividade pú blica atribuições próprias e específicas. Trata-se de um
representa um valor em decorrência do bem ou serviço, com regras claras e objetivas. O agente
bens coletivos e pú blicos que, por natureza, lhe pú blico é nomeado ou eleito para o posto, com o
compete promover. O sentido originário e último fim específico de prestar o serviço determinado
da atividade p ú blica é o servi ç o objetivo à pela nomeação.
coletividade . Toda função pú blica conté m na Desse ponto de vista, portanto, o dirigente
própria carta de nomeação do servidor ou agente pol ítico e o agente pú blico estão sujeitos a uma
público, os limites formais, claros e distintos das ordem, que é boa em si mesma Toda ação pública
atribuições e competências que lhe são próprias. que não se conformar com o n úcleo central da
Se não bastasse isso, o agente público recebe ordem e do serviço a ser pres ado, carrega em si
a remuneração pré-estabelecida para o exercício traços de ilegitimidade . Quando , pois. a
objetivo de determinadas tarefas. É pago para manipulação do poder poli ico e dos cargos
prestar um serviço. Exigir propina para executar pú blicos conduzir a outros fin ;, não identificados
tarefas pelas quais já é pago pelos cofres públicos, com a natureza específica da a ú vidade pú blica e o
eis o exemplo mais claro de corrupção. fim último do homem, ali caracteriza-se o que
Toda vez que a função pública é usada em denominamos de corrupção . Tais atos serão
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qualificados como moralmente maus. A propósito, à inserção dos indivíduos numa determinada
a definição de corrupção de Gabriel Zaid não comunidade politicamente organizada - como
precisa de maiores explicitações. ‘A corrupção, partícipes nos bens do património comum. Refere-
afirma aquele pensador, consiste em apoderar-se se, também, às disposições espirituais que os
de um poder cedido, em usá-lo como se fora indivíduos devem nutrir em relação às estruturas
prioridade sua’. jurídicas e ao corpo social.
O funcionário público e o agente político não A inserção dos indivíduos na comunidade
são donos da função que receberam da sociedade. política se deve a dados formais - estatuídos em
São ocupantes temporários de um cargo que -
lei e que habitualmente vêm expressos nas
possui um sentido objetivo em si mesmo e um fim categorias de direitos e de deveres. Na verdade,
determinado. É a esse propósito que devem servir. quando o indivíduo se dá conta, já está inserido no
A corrupção político-administrativa consiste, contexto sociopolítico de determinado Estado. O
pois, em apropriar-se de bens p ú blicos e / ou reconhecimento de que é senhor inconteste de
privados no uso da função p ública, subornar, direitos significa a admissão de que possui uma
extorquir, ajeitar prebendas e sinecuras, subtrair dignidade individual e pessoal intransferí vel. Os
recursos públicos e entregar-se ao peculato; é fazer deveres, por sua vez, referem-se à contrapartida
uso das prerrogativas relativas ao posto público que o Estado e a sociedade esperam do indivíduo,
que ocupa, respaldado em normas vigentes ou à em troca das garantias de poder viver em paz e
revelia da lei, com vistas a pressionar e a tirar segurança. Nesse sentido, direitos e deveres são
amplos benefícios pessoais ou a favor de terceiros; essencialmente políticos.
é fazer uso do poder cedido para apropriar-se de Direitos e deveres, contudo, presumem a
bens ou recursos que são públicos.Tudo isso, e futura incorpora çã o de determinados
muito mais, são manifestações da corrupção. comportamentos . Trata -se da formação de
Qual a sa ída possí vel para o problema da convicções espirituais e da encarnação, na vida
corrupção? real, de um modo de ser a eles adequado, sem o
qual , a cidadania ficaria incompleta. Direitos e
2. Educa çã o para a cidadania deveres que emanam do Estado supõem o
envolvimento consciente e ativo do cidadão. É o
A reflexão em tomo da cidadania moderna que podemos denominar de ética social.
depara-se com um nível de complexidade muito A corrupção converteu-se no Brasil no
tação
maior do que vulgarmente se imagina. No discurso resultado mais acabado da falta de implemen
corrente, há uma tendência natural de se passar do de uma ética social. Enquanto se
exacerba a
, ignora-se
plano das idéias abstratas para o das realidades importância das liberdades individuais
ão e
concretas e do plano dos gostos e interesses o cultivo das liberdades sociais. Cada cidad
de interesse se esmeram em
subjetivos para o de soluções universais, como se seus m últiplos grupos
a cidadania possuísse um conteúdo evidente e auto- cultivar e promover, de maneira habitualm
ente
explicável por si. As permanentes reivindicações exclusivista, os direitos privados. Falta em ltima ú
,
que seja
de direitos de cidadania no seio das naçõ es instância, uma educação para a cidadania
democráticas são, por si sós, uma boa evidência para valer.
do grau de dificuldade teórico/prática que envolve Educação para a cidadania: eis o caminho a
a questão. Num primeiro momento, o problema ser empreendido pelas elites políticas e
exigido
está em definir o que se entende por cidadania. pela sociedade brasileira, se quiser livrar-se do
, amenizá-lo.
A cidadania moderna não diz respeito apenas estigma da corrupção, ou ao menos
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Investir na mudança de mentalidade de


governantes e governados, pela implementação de
um processo pol ítico-educativo capaz de reverter
o quadro de derrocada geral dos valores morais
que corrói, não apenas as instituições públicas,
mas, sobretudo, as consciências dos cidadãos. O
problema da corrupção é um problema de formação
da consciência cívica. Formar a consciência cívica
dos indiv í duos é promover a dupla face da
condição política do homem: a de indivíduo e a de
ser social. A corrupção nas institui ções
públicas não é causa, mas efeito da incorporação
de anti-valores sociais. O mau exemplo dado por
membros das elites dirigentes é profundamente
deseducativo para todo o corpo social.

Conclusão

Um projeto político-educativo de educação


para a cidadania é urgente para o Brasil. Há que
ser aberto em duas frentes: uma, através da ação
formal de implementaçã o de expedientes
informadores e formadores da consciência cívica
que promovam o conhecimento e o exercício dos
valores inerentes às liberdades pú blicas; outra,
através da ação informal, envolvendo a mídia,
capaz de despertar o espírito cívico, de alto a baixo
da hierarquia social, num esforço de acatamento e
de respeito à ordem jurídica, objetiva e impessoal
- aliada a sanções exemplares e pedagógicas contra
aqueles agentes públicos que forem surpreendidos
em delitos contra o património coletivo. A punição
dos delitos - com a segregação do meio social, o
seqiiestro dos bens desonestamente acumulados e
o ressarcimento dos cofres pú blicos de todo o
numerário desviado - haveria ação mais exemplar
e pedagógica do que essa?

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