O Que São Id, Ego e Superego

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O que são Id, Ego e Superego?

Em sua segunda tópica, Freud apresentou três subpersonalidades em


conflito: uma que busca satisfazer desejos o tempo todo, uma que
adapta essa procura ao mundo real e uma desmancha-prazeres. O
resultado dessa briga psíquica? Você.

Texto: Alexandre Carvalho | Edição de arte: Estúdio Nono | Design: Andy Faria | Imagens:
Getty Images

Em 1954, pesquisadores da Universidade McGill, no Canadá,


descobriram que ratinhos podiam se matar de tanto perseguir
sensações de prazer. Os cientistas introduziram eletrodos em algumas
partes do cérebro dos animais e, quando um rato batia a pata numa
alavanca, ele recebia um estímulo elétrico nessas regiões. O estímulo
tanto podia ser prazeroso como repulsivo, ou não provocar reação
nenhuma no bichinho. A surpresa veio quando a escolhida foi a área
septal do sistema límbico – uma parte responsável pelas nossas
emoções. Os ratos gostaram tanto dos choquinhos nessa área do
cérebro que não pararam mais de bater na alavanca, sem dar bola para
mais nada. Mais nada mesmo: esqueceram-se de comer e beber, e
morreram de cansaço.
Essa área, sabe-se hoje, está relacionada às nossas sensações de prazer,
principalmente prazer sexual – é onde fica nosso centro de orgasmo. E
o estudo canadense revelava ali, mais de 60 anos atrás, a evidência de
que temos um centro de recompensa no cérebro e que ele incita
comportamentos inconsequentes de autoestimulação – que podem ser
muito destrutivos, levando à morte até. Funcionou assim para o tesão
dos ratinhos, funciona assim para o vício em drogas dos seres humanos.
Décadas antes dessa descoberta, Sigmund Freud já tinha afirmado que
temos uma instância psíquica que só quer saber de ir atrás de prazer,
como se não houvesse amanhã. É o que ele chamou de id, uma espécie
de subpersonalidade tarada, agressiva, egoísta e mimada, que vive
brigando com duas outras instâncias: o superego e o ego. A primeira é
repressora, um avesso do id, enquanto a segunda é conciliadora, tenta
encaixar as doideiras do id nas exigências do mundo real.

Curiosamente, a neurociência também descobriu mecanismos


cerebrais que freiam nosso impulso de só agir por prazer. Em 2012, a
Universidade de Iowa, nos Estados Unidos, comprovou por ressonância
magnética que temos uma área no cérebro, o córtex pré-frontal
dorsolateral, que entra em ação sempre que precisamos de autocontrole
– diante da quarta fatia de pizza, por exemplo.

O paralelo existe, mas os anjinhos e diabinhos da mente humana são


muito diferentes dependendo de o ponto de vista ser freudiano ou da
neurociência. O sistema límbico tem suas autorregulações, está longe
de ser algo como o id caótico de Freud, incitador de barbaridades e
comportamentos imprevisíveis. Mas o denominador comum é um fato
que tanto a ciência moderna quanto a psicanálise identificaram: nossa
mente é um território em eterno conflito, onde se digladiam a busca do
prazer e mecanismos inibitórios.

A SEGUNDA TÓPICA
Você já viu neste dossiê: Freud usou o termo tópica para falar das
divisões do aparelho psíquico, e fez isso duas vezes. A primeira, que
surgiu na virada do século 19 para o 20, divide esse aparelho em
consciente, pré-consciente e inconsciente. Já a segunda tópica
apresenta um novo trio formador da nossa personalidade: id, ego e
superego. Essa divisão começa a ser apresentada em Além do Princípio
do Prazer (1920), mas ganha corpo mesmo três anos depois, no ensaio O
Ego e o Id.

E atenção: essa segunda teoria não invalida nem substitui a primeira –


nem podia, já que a essência da psicanálise está no conflito entre
consciência e universo inconsciente. Na verdade, a nova tópica dialoga
com a primeira, tornando a nossa psique um lugar muito mais
sofisticado – e complicado. Por exemplo, o id estaria completamente
mergulhado no inconsciente – ainda bem, ou suas loucuras estariam à
solta –, enquanto o ego e o superego têm partes significativas expostas
na consciência.
O importante é que o cabo de guerra entre essas instâncias resulta na
complexidade dos comportamentos humanos – define o tipo de pessoa
que você é.

Porém, antes de chegarmos às particularidades de cada uma delas, é


importante conhecer dois princípios que regem o funcionamento
mental, segundo a psicanálise: o princípio do prazer e o princípio da
realidade. Freud falou deles pela primeira vez em 1911, no ensaio
Formulações sobre os Dois Princípios do Funcionamento Mental, bem
antes de lançar ao mundo sua segunda divisão da mente.

O primeiro tem por objetivo proporcionar prazer e evitar desgostos,


custe o que custar. Ele pede que a mente se esforce para atender aos
nossos impulsos mais básicos e primitivos: sexo, raiva, fome etc.
Enquanto esse impulso não é atendido, a mente fica num estado de
ansiedade, que só desaparece quando o estímulo é satisfeito. Sabe
aquela pessoa que fica num tremendo mau humor quando está com
fome? É por aí.

Já o princípio da realidade confronta o do prazer, impondo as restrições


necessárias para que nossas vontades se adaptem ao mundo real.
Afinal, não é viável – nem possível – fazer sexo a toda hora, em qualquer
lugar, por mais que você esteja a fim. Esse princípio nos lembra que é
preciso cair na real: não dá para ser feliz o tempo todo. Mas estávamos
falando das instâncias da segunda tópica. É o que vamos ver a seguir.
ID
Movido pelo princípio do prazer, o id é a parte da mente que quer
gratificação imediata de todos os seus desejos e necessidades. Imagine-
se vivendo uma eterna primeira infância, quando você chorava se tinha
fome, arrancava um boneco das mãos do amigo porque queria o
brinquedo, dava um pontapé no gatinho da sua avó só porque achou o
miado dele engraçado. Bebês estão sempre com o id no controle, já que
é a única instância psíquica que, segundo Freud, está presente desde o
nascimento. Mas há muitos exemplos de id desgovernado também na
vida adulta, como o tarado que coloca o pênis para fora no ônibus,
mesmo sabendo que haverá consequências, ou a pessoa que, diante de
uma promoção no site de vinhos, gasta muito mais do que sua condição
financeira recomenda – aliás, o cartão de crédito é uma incrível
ferramenta para colocar o id atropelando o que vier na frente.

E preste atenção à ideia de a gratificação ter de ser imediata – como o


neném faminto que chora horrores exigindo o peito materno, não
querendo saber se a mãe está numa videoconferência ou dirigindo na
estrada. No caso do tarado, ele não espera estar trancado num banheiro
para se masturbar – faz em público mesmo, na hora que dá vontade. E o
consumidor impulsivo não consegue esperar o salário entrar no começo
do mês seguinte – acha que precisa comprar agora.

Freud apresentou o id como a única parte da nossa personalidade que é


totalmente inconsciente, onde se escondem nossos pensamentos mais
ogros. Assim como um vilão de história em quadrinhos, o id não
conhece freios morais nem dá bola para a ética da sociedade. Só quer
buscar satisfação – o que, claro, não é uma possibilidade realista se você
não for um vilão de HQ. Se fôssemos guiados só pelo princípio do
prazer, sairíamos pela rua estuprando – para satisfazer um desejo
sexual momentâneo –, roubando – a versão adulta do bebê que pega o
brinquedo do colega sem autorização –, agredindo, rindo em horas
impróprias, comendo e bebendo até vomitar, ingerindo drogas até a
overdose. Seríamos violentos e tarados.

Deu para pescar que o id é um lado psicopata da nossa personalidade.


Mas há um bom motivo para ele existir. Imagine alguém sem impulsos
de atender às próprias necessidades e desejos. Esse alguém morreria de
fome. E a espécie humana não iria para a frente se os primeiros
hominídeos não respondessem aos seus desejos sexuais, já que não
existiria reprodução.

O que o id faz é tentar diminuir aquela ansiedade criada pelo princípio


do prazer. Por exemplo, se você sente fome, começa a ficar tenso,
pensando “preciso comer”. O id então chega e diz “cara, se está com
fome, come logo e para de sofrer por causa disso”. Bom, né? O problema
é que ele não conhece medida, e também pode soprar no seu ouvido
algo assim: “Cara, a fome é grande. Pede logo esse sanduba de picanha
com provolone, maionese, catupiry e cebola empanada. Melhor: pede
dois”. Ah, mas você está de dieta, precisa perder 10 quilos. O id não está
nem aí para esse detalhe. Só quer recompensa imediata. Quem tenta
ajustar esse desejo às circunstâncias da vida real é a próxima instância
teorizada por Freud.

EGO
Enquanto o id é guiado pelo princípio do prazer, o ego se baseia no
princípio da realidade. É uma espécie de mediador entre a
impulsividade do id e as condições externas, fazendo a interação entre a
sua personalidade e as leis do seu país, a cultura do seu tempo, as regras
de etiqueta e as normas do bom convívio. Dependendo do livro de Freud
que você encontrar, o ego pode ser traduzido por “Eu”, o que dá bem a
ideia de que essa instância, adequando as suas vontades ao mundo em
volta, acaba sendo quem você é de fato aos olhos das outras pessoas. E
essa parte da nossa personalidade não existiria sem o id – é dele que o
ego tira suas forças.
Nessa condução do cavalo selvagem que existe dentro de cada um, o ego
pesa os custos e benefícios dos desejos do id antes de liberar este ou
aquele comportamento. E ele também possui um agudo senso de
timing. Em diversas situações, vai acabar permitindo a gratificação
exigida pelo id, mas só na hora certa. Por exemplo: um rapaz está no
meio do público de um show de rock, dançando de pé no setor pista, e
dá vontade de fazer xixi. Só que o banheiro mais próximo fica a 10
minutos de muito empurrão em meio a uma massa de fãs do Guns
N’Roses. Isso gera uma tensão que o id vai querer eliminar na hora –
“abre a braguilha e manda brasa aqui mesmo”. É então que o princípio
da realidade faz o ego disparar um pensamento mais senhor da razão:
“calma, se fizer isso você vai revoltar toda essa galera, além de molhar a
própria calça; o show já está no bis, a vontade ainda é administrável, dá
para esperar numa boa o Axl parar de cantar, aí você vai ao banheiro
sossegado”.
Em outras situações, o ego vai ter de negar mesmo a gratificação.
Naquele mesmo show, o rapaz vê uma garota bonita cantarolando
“Sweet Child O’ Mine” com a camiseta molhada de suor e de chuva. O id
logo lhe dá a ideia pouco inteligente de ir correndo se atracar àquele
corpo que o pano mal consegue esconder. O ego então rebate com o
mundo real: levando em consideração que a satisfação desse desejo
renderia a) um grito de “tarado” por parte da moça, b) a possibilidade
de um linchamento, c) provavelmente prisão… Que tal só puxar
conversa com ela, respeitosamente?

Também vale dizer que, antes da elaboração da segunda tópica, o ego


era confundido com a própria consciência humana. E contribui para
essa identificação a ideia de ele lidar com as percepções conscientes
que adquirimos pelos sentidos – e que vão nos dar o contexto do mundo
externo. “A percepção tem, para o ego, o papel que no id cabe ao
impulso”, afirma Freud. Apesar dessa identificação com a consciência, a
batalha interna para refrear os estímulos cheios de tesão do id deixou
claro para Freud que grande parte desse nosso “eu” ainda opera nas
trevas do inconsciente.

SUPEREGO
Já vimos as instâncias guiadas pelos princípios do prazer e da realidade.
Agora vamos tratar daquela que segue o que poderíamos chamar de
“princípio do dever”. O superego se baseia nos valores da sociedade e
nas regras de conduta que herdamos dos nossos pais para agir como um
juiz das nossas intenções – um tipo de árbitro de futebol cheio de
cartões vermelhos no bolso. Essa é a parte moral da nossa
personalidade, a fonte dos nossos pensamentos de autocontrole que vão
servir para empatar o jogo contra os impulsos “vamos que vamos” do id.

Diferentemente do ego, que tenta adiar a gratificação do id para


momentos e locais mais adequados, o superego tenta barrar mesmo
qualquer satisfação. Vê sempre o lado vazio do copo. Outra diferença
essencial é que, mesmo que o ego e o superego cheguem à mesma
conclusão sobre alguma coisa – afinal, ambos têm funções de censura –,
o superego tem esse raciocínio por motivos morais, enquanto o pé atrás
do ego tem base nas consequências que a ação pode acarretar.
“Meu deus, o que os outros vão pensar?” é o ego questionando o id. “Não
vai fazer isso nem a pau, essa ação é errada e indecente”, diria o
superego.

Segundo Freud, o surgimento dessa instância repressora tem tudo a ver


com o complexo de Édipo. Num primeiro momento da nossa infância,
quando esse complexo está a todo vapor, nossos impulsos são contidos
pela autoridade dos pais, que estão sempre alternando suas provas de
amor com advertências e punições – a menininha acha graça em jogar o
iogurte no chão, e lá vem uma reprimenda para acabar com a alegria.
Quando, então, a criança supera o complexo de Édipo – e seu universo
passa a se estender para além da relação com os pais –, essas proibições
são internalizadas.
Você mesmo assume os “não pode”, “não deve”, “para com isso”, que
antes vinham só da boca do papai e da mamãe – para Freud,
principalmente do papai. “O superego conservará o caráter do pai, e
quanto mais forte foi o complexo de Édipo, tanto mais rapidamente (sob
influência de autoridade, ensino religioso, escola, leituras) ocorreu sua
repressão, tanto mais severamente o superego terá domínio sobre o ego
como consciência moral, talvez como inconsciente sentimento de
culpa.” E segura que lá vem mais um bocado da perspectiva machista de
Sigmund Freud.

A fase edipiana do menino termina quando, sob a ameaça de castração


representada pelo pai, o moleque renuncia ao desejo pela mãe,
passando a se identificar com as proibições e regras das quais o pai é o
portador – ou era, nos tempos de Freud, quando o homem seria sempre
o chefe da casa. É assim que a internalização de um sistema de
obrigações e ideais, ligado à figura paterna, gera essa parte da
personalidade no menino. Ou seja, o medo de perder o pinto por causa
dos seus desejos faz nascer o superego.

E nelas? Afinal, menina não tem pinto para perder. O complexo de


Édipo funciona de forma diferente aqui: a garota se revolta com a mãe,
achando que ela é a culpada pela sua ausência de pênis, e volta seu
desejo na direção do pai – já que ele tem o que ela inveja. Assim,
enquanto o medo da castração faz o menino sair do complexo de Édipo,
é a constatação de que “é castrada” que faz a menina entrar nesse
complexo. Freud não descobriu direito por que a menina uma hora
acaba deixando a fase edipiana para trás. Mas o que importa agora é
algo que ele acha que descobriu: se a menina já “é castrada”, e assim não
tem um pênis para colocar em risco, ela é um tipo de ser humano sem
nada a perder.

O superego, por isso, seria frágil nas mulheres, o que explicaria a visão
de que “mulher é tudo louca”: segundo Freud, elas falham na sua
moralidade, falham na tomada de decisões racionais, são impulsivas e
precisam de alguém – um homem, claro – que as contenha.
E a comparação negativa para o lado das mulheres não para aí. O
superego, além de fazer papel de censor e agente da moral e dos bons
costumes, é a principal instância de aperfeiçoamento do indivíduo –
tem funções educativas, é transmissor dos valores da sociedade e da
ética dos pais. Assim, busca a construção de um ideal de pessoa. Já a
mulher, com seu superego subdesenvolvido, teria problemas de caráter.
A ponto de Freud acreditar que, devido à bissexualidade inerente a todo
indivíduo, o homem nunca atingirá uma condição de suprassumo da
humanidade. Afinal, tem em si uma porção feminina estragando tudo.

SACO DE PANCADAS
Sim, o conflito entre essas três instâncias é um verdadeiro MMA no
nosso ringue psíquico. E quem toma porrada é sempre o ego. De um
lado, precisa dar uma chave de braço no id para conter seus impulsos
agressivos e sexuais –, mas não com tanta força que o impeça de aliviar
a tensão que um desejo impõe. De outro, precisa suportar os cruzados
do superego, que quer construir o indivíduo mais certinho da
humanidade, criado à base de leite com pera. “Vemos esse ego como
uma pobre criatura submetida a uma tripla servidão”, diz Freud, “que
sofre com as ameaças de três perigos: do mundo exterior, da libido do id
e do rigor do superego”.

Com golpe vindo de todo lado, não é de se estranhar que haja tanto
remédio para ansiedade. Nossos sentimentos de culpa, que geram uma
baita tensão, nascem desse conflito entre o ego e o superego, entre
aquilo que somos e o que a parte mais moralista da nossa personalidade
gostaria que fôssemos – na nossa mente, o nosso eu está sempre sendo
julgado.

Transferindo para um exemplo do cotidiano, essa tensão se manifesta


sempre que você termina de raspar uma lata de leite condensado. Muita
gente com problema de peso tem de encarar essa briga de foice entre
um id devorador e um superego fazendo cara de “que absurdo” diante
da balança. Como, então, sair inteiro desse ringue psíquico? Freud usou
a expressão força do ego para se referir à capacidade de a mente lidar
com instâncias em conflito. Um ego forte permite administrar bem
essas pressões, impedindo que uma das instâncias seja tão dominante
que resulte em uma personalidade desequilibrada.

Alguém que tenha o id hiperativo tende a ser excessivamente impulsivo


e incontrolável na busca por satisfazer seus desejos. É o perfil clássico
do psicopata, a pessoa que não pensa duas vezes em pisar nos outros
para atingir o que quer. O traficante colombiano Pablo Escobar,
responsável por cerca de 4 mil assassinatos, é um bom exemplo.
Quando soube que um garçom havia roubado prataria da sua casa,
Pablo ordenou que seus jagunços amarrassem os pés e as mãos do rapaz
e o jogassem na piscina – onde, claro, o garçom morreu afogado. Além
da desproporção do corretivo – “você rouba uns garfos meus, eu te
mato” –, não havia, na mente de Pablo, força do ego suficiente para
deixar a ação para outra hora, até o momento em que a raiva passasse.
Com o id a toda, Escobar assassinou o garçom bem no meio de uma
festa, na frente dos seus próprios convidados.

Já um superego dominante gera um indivíduo moralista, paralisado


pelos impedimentos que sua mente impõe a vida toda. É um perfil que
se encaixa bem nos fanáticos religiosos, que guiam suas condutas tendo
como ponto de partida sempre um conjunto de proibições.

A boa notícia é que esse conflito é produtivo também. As três instâncias


trabalham juntas na formação do seu comportamento. O id cria as
demandas, o ego acrescenta as necessidades da realidade, e o superego
incorpora a moral à ação. Segurando a onda dos elementos mais
radicais dessas influências, o resultado pode ser um indivíduo em paz
consigo mesmo – ainda que, às vezes, sua mente tenha de recorrer a
escudos e disfarces para chegar lá.
MECANISMOS DE DEFESA DO EGO
Sobreviver a essa guerra exige que a psique tenha suas armas. São
estratégias mentais que disfarçam pensamentos inconscientes com
potencial de dano.
O objetivo: suportar a ansiedade da briga entre id e superego, os
traumas que querem vir para a consciência e as pressões da realidade
externa.

PROJEÇÃO
Está se sentindo culpado por um desejo proibido, um comportamento
impróprio ou um mau-caratismo da pior espécie? Seus problemas
acabaram: é só jogar a batata quente dessa culpa no colo de outra
pessoa – uma transferência de responsabilidade que pode acontecer
dentro da sua cabeça, via projeção. Esse mecanismo faz com que o
indivíduo projete em outras pessoas as suas inseguranças e sentimentos
desagradáveis. Assim, ele consegue tirar a carga emocional das próprias
costas – botando a culpa em alguém.

Pode acontecer quando, intimamente, a pessoa se acha um peso morto


na empresa. Em vez de reconhecer o problema, ela começa a comentar
com os outros que um novo colega está querendo mostrar serviço
demais, e vai queimar o filme de todo mundo. É uma forma que a mente
encontra de avisar a consciência que o próprio indivíduo não está
fazendo jus ao emprego, mas sem ir direto ao assunto – e, portanto, sem
provocar as dores dessa culpa.

FORMAÇÃO REATIVA
É agir da maneira oposta ao seu desejo oculto – e exagerando nessa
inversão. Por exemplo, a ciência já mostrou que homofóbicos raivosos
são, na verdade, homossexuais reprimidos. Um estudo de 1996, da
Universidade da Geórgia, nos Estados Unidos, investigou a reação de
homens declaradamente heterossexuais a cenas de sexo gay. Entre os
pesquisados – 64 voluntários, com média de 20 anos de idade –, havia
homens que disseram não gostar de homossexuais, mas também
héteros que não manifestaram nenhuma rejeição à ideia de outras
pessoas terem vínculos homoafetivos. Durante o estudo, enquanto os
pesquisadores exibiam um filminho pornô-gay, um  aparelho ligado ao 
pênis de cada participante media o nível de excitação sexual de cada
um. Adivinhe, então, qual grupo teve movimentos no pênis ao assistir
às cenas de pegação homem com homem? Sim, os homofóbicos.

SUBLIMAÇÃO
Basicamente transforma pensamentos ruins em atos bons, construtivos,
generosos – no mínimo, em comportamentos socialmente aceitáveis.
Um campeão internacional dos games de luta pode estar sublimando
uma agressividade que, se dependesse só dos seus impulsos originais,
tornaria o indivíduo um criminoso. E alguns esportes também
permitem essa transformação regeneradora. Se você descer a porrada
no seu vizinho barulhento, a polícia vai aparecer na sua casa. Mas, se
você der golpes no seu adversário num torneio de judô, sua vocação
para o confronto físico não apenas será aceita como pode lhe render
uma medalha olímpica.

REGRESSÃO
Você já levou um ursinho para o trabalho novo? Essa volta a um
comportamento infantil é a maneira que a psique encontra para lidar
com aflições da vida adulta que o indivíduo não quer encarar. É o caso
da pessoa que, diante da morte de alguém querido, só consegue um
pouco de conforto dormindo na sua antiga cama, na casa dos pais. Na
regressão, a mente se apega a formas de gratificação do seu passado,
geralmente ligadas à infância, para contornar questões dolorosas.

Outro exemplo existe nos desenhos do Snoopy: o personagem Lino,


amigo do Charlie Brown, tem um “cobertor de segurança” que ele não
larga, como se fosse bebê. O garoto fica paranoico e não consegue lidar
com as interações do dia a dia sem a manta – remanescente de um
tempo em que o berço era o lugar mais seguro do mundo.

ANULAÇÃO
É um tipo de atitude que busca o cancelamento de uma experiência
desagradável, tenha sido ela real ou apenas em pensamento. Por
exemplo, um indivíduo tem ímpetos de dar uma surra numa criança –
uma violência que ele mesmo considera repugnante. Aí o mecanismo
mental o protege dessa autoimagem de agressor de menores fazendo
com que ele se comporte de modo a remediar esse ato – ainda que, no
caso, ele nunca tenha partido mesmo para as vias de fato. De uma hora
para outra, o homem vira um doce de pessoa com a molecada: faz
esculturas de balões nas festinhas, vê o mesmo desenho repetidas vezes
com a paciência dos santos penitentes.

NEGAÇÃO
Esse é perigoso! Ao fazer com que o indivíduo se recuse a aceitar que
algum evento traumático ocorreu de verdade – ou ainda ocorre –, o
sistema de defesa pode se transfigurar em alienação ou delírio. Mas essa
negação pode acontecer em vários níveis. Nesse grau mais extremo, o
mecanismo atinge o inconsciente, e a pessoa realmente acredita que o
fato não aconteceu. Como a mãe que arruma o quarto do filho morto e
fica esperando que ele volte para casa à noite. Mas a negação também
opera no nível da consciência, como quando uma mulher que sofre
violência do marido fala às amigas sobre como ele é carinhoso, negando
os maus-tratos. Ela pode não saber por que mente para as amigas, mas
sabe que apanha.

RACIONALIZAÇÃO
Pode ser a justificativa para um ato que a pessoa no fundo condena ou a
tentativa de uma explicação positiva para uma situação difícil. No
primeiro caso, quando a pessoa faz algo que a moral do superego
desaprova, o ego dá um jeito de arrumar razões que atenuem essa
desaprovação. Por exemplo, a pessoa não resiste à impulsividade do id e
compra um apartamento de bacana num dos bairros mais caros da
cidade – uma aquisição acima de suas posses. Ela racionaliza esse ato
dizendo para os outros – e para si mesma – que o próximo ano deve ser
de boas notícias no trabalho, um aumento de salário é quase certo, a
economia está melhorando…

Como se vê, a necessidade de manter uma coerência entre ação e


pensamento é forte nesse mecanismo. Até as próprias vítimas agem
assim. Mulheres abusadas tentam achar razões para a violência que
sofreram.

Já no segundo caso, é quando uma pessoa sozinha à noite ouve barulhos


no quintal. Diante da ansiedade que esses ruídos provocam, o indivíduo
começa a buscar explicações que ofereçam uma versão positiva às suas
piores suspeitas. “Não deve ser um ladrão tentando invadir a casa
porque vi uma notícia no jornal dizendo que nosso bairro é dos mais
seguros… Deve ser o gato da vizinha, ele pode ter fugido.” Tudo fica
mais “racional” e factível que o revólver do ladrão diante do rosto.

DESLOCAMENTO
O deslocamento é a substituição de um alvo desejado – e proibido ou
inacessível – por um alvo substituto. Um exemplo é o comerciante que
ouve um tanto de absurdos do cliente e engole sapo – afinal, o cliente é a
fonte dos seus rendimentos. Aí, quando chega em casa, desconta sua
raiva, até então contida, nos filhos. O id queria gratificação imediata –
dar um murro na cara do cliente –, mas o superego proibiu – seu
trabalho depende de uma boa relação com a clientela, e isso não
envolve socos no queixo. Então o ego encontrou uma hora e lugar para
essa energia psíquica transbordante: brigar mais tarde, com alguém que
não vá colocar em risco a sua capacidade de pagar boletos.
REPRESSÃO
Mais do que um mecanismo de defesa, falamos agora de um dos
próprios alicerces da psicanálise. A repressão impede que conteúdos
psíquicos incômodos cheguem à consciência, criando um tipo de
amnésia, que pode ser temporária ou permanente. Até aí, parece bom.
Esquecer pensamentos que nos fazem sofrer tem o jeitão de uma
panaceia contra nossas piores angústias. Mas você viu o filme Brilho
Eterno de uma Mente sem Lembranças? As recordações dolorosas, que
deveriam ter sido eliminadas, sempre voltam.
O problema é que, por mais poderosa que seja, a repressão nunca faz o
serviço completo: as memórias reprimidas não são deletadas pela
mente – só estão escondidas. No caso das histéricas do século 19, esses
pensamentos insuportáveis se transformavam em sintomas físicos.
Aqui no século 21, surgem na forma de ansiedade ou comportamento
disfuncional.

Uma pessoa que tenha sofrido bullying na pré-escola pode não ter
lembrança desses abusos, mas “ganha” uma enorme dificuldade de se
relacionar na vida adulta. Outro indivíduo pode ter fobia de aves –
ornitofobia é o termo técnico –, ainda que uma amnésia misteriosa o
impeça de ter a mais vaga ideia de quando esse medo besta começou.
Para quem vive em centros urbanos, e não em fazendas com
galinheiros, lidar com esse transtorno não é tão terrível: basta adquirir
habilidade para driblar o zigue-zague das pombas na calçada. Mas, se o
dia a dia com essa fobia pode ser administrável, o trauma que a
provocou talvez não fosse – e teve de ser banido da consciência pela
repressão.

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