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VANESSA MARION ANDREOLI

NATUREZA E PESCA:
Um estudo sobre os pescadores artesanais de Matinhos - PR

CURITIBA
2007
VANESSA MARION ANDREOLI

NATUREZA E PESCA:
Um estudo sobre os pescadores artesanais de Matinhos - PR

Dissertação apresentada como requisito


parcial à obtenção do grau de Mestre em
Sociologia, Curso de Pós-Graduação em
Sociologia, do Setor de Ciências Humanas,
Letras e Artes, Universidade Federal do
Paraná.

Orientador: Prof. Dr. Osvaldo Heller da Silva

CURITIBA
2007
EPÍGRAFE

"Os pescadores buscam o semblante e olham para o


onde ele corre, os traços que tem, a densidade, o
tamanho, e a forma das nuvens, ou como o vento joga
com elas (...). Cada vento tem suas características
únicas: o vento Norte: 'é um vento frio, escravo e brabo'.
O vento sul: 'é amoroso', quer dizer suave, quente,
acompanhado de orvalho (chuva fina). O vento leste, em
geral faz marolas no mar e o vento oeste 'nunca é
amoroso por mais moderado que se apresente'. O vento
de noroeste pode fazer confusão durante o dia e 'vai
morrendo de noitinha...'".

Antonio García Allut (2000)


DEDICATÓRIA

A toda minha família e principalmente ao


meu pai, que me fez enxergar, sentir e
principalmente acreditar no que é realmente
importante em nossas vidas.

“Não pense nos momentos difíceis como o


fim do mundo, e sim como mais um
obstáculo a ser superado. Pois é dos
momentos difíceis que se cresce.” (autor
desconhecido)
AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus, que fez as oportunidades surgirem em


minha trajetória.
Ao Prof. Dr. Osvaldo Heller da Silva, meu orientador, pela dedicação e
compreensão em todos os momentos da construção dessa pesquisa.
Ao Prof. Dr. Dimas Floriani e a Prof. Drª. Cristina Teixeira, por terem dado
uma contribuição tão rica na minha qualificação. Com certeza sem este importante
espaço de discussão e reflexão este trabalho perderia muito em conteúdo.
Aos meus filhos agradeço especialmente por existirem e serem o combustível
para que eu chegasse até aqui.
De maneira muito especial, agradeço a minha mãe e a minha irmã - mais que
uma família: minhas amigas - pelo incentivo e carinho nas horas de desespero.
Ao Paulo Gustavo, meu companheiro, agradeço pelo apoio e pela paciência
nos momentos de estresse.
A minha amiga Karina, pela ajuda na leitura e revisão do trabalho mas,
principalmente, pelo incentivo e por acreditar, sempre, que eu era capaz.
Agradeço a todos os meus familiares que principalmente entenderam que
este é um trabalho longo e muitas vezes solitário, no qual precisamos investir forças
e nos dedicar com afinco.
Agradeço profundamente a todos os pescadores que oportunizaram essa
pesquisa e, acima de tudo, me fizeram, mais uma vez, observar a natureza sob
outro ponto de vista, acreditando cada vez mais em uma sociedade com mais
consciência ambiental.
Enfim... a todos que de alguma forma contribuíram para a efetivação desta,
que, muito mais que uma pesquisa, se tornou um projeto de vida. Valeu!
SUMÁRIO

LISTA DE TABELAS.................................................................................................vii
LISTA DE FIGURAS.................................................................................................viii
RESUMO.....................................................................................................................ix
INTRODUÇÃO.............................................................................................................1

CAPÍTULO 1: Elementos sobre a organização da pesca no Brasil.....................10


1.1 Características da pesca artesanal............................................................12
1.2 Principais diferenças entre a pesca artesanal e a pesca industrial...........20
1.3 A evolução da pesca no litoral do Paraná.................................................25

CAPÍTULO 2: Os conhecimentos tradicionais pesqueiros..................................32


2.1 Tradição e modernidade............................................................................35
2.2 Características da relação homem–natureza............................................42
2.3 Aspectos da conservação da natureza.....................................................48

CAPÍTULO 3: A pesquisa em Matinhos – PR.........................................................51


3.1 O Município de Matinhos: aspectos gerais................................................51
3.2 A pesca em Matinhos.................................................................................56
3.2.1 Os pescadores.....................................................................................63
3.2.2 Descrição socioeconômica dos pescadores........................................65
3.2.3 O Mercado Municipal de Pescados e a Colônia de Pescadores.........69

CAPÍTULO 4: A construção da identidade dos pescadores de Matinhos..........75


4.1 Iniciação na pesca.....................................................................................77
4.2 Quem são os “mestres”.............................................................................82
4.3 Relações entre os pescadores..................................................................87
4.4 Relações de gênero..................................................................................95
4.5 A relação pescador-natureza e os conhecimentos tradicionais................97
4.6 Alguns aspectos sobre o conservacionismo dos pescadores.................102

REFLEXÕES FINAIS...............................................................................................111
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................118
ANEXOS..................................................................................................................122
vii
LISTA DE TABELAS

TABELA 1
Relação entre pesca artesanal e industrial/empresarial no Brasil

TABELA 2
Produção pesqueira por região (Brasil - 1988)

TABELA 3
Número de pescadores por município – litoral do Paraná - 1988

TABELA 4
Quantidade de embarcações, produção de camarão e de pescado no litoral do
Paraná (toneladas/ano1998)

TABELA 5
População, superfície e densidade populacional - municípios do litoral
paranaense, 2000.

TABELA 6
População e taxas anuais de crescimento, por situação de domicílio -
Municípios do litoral paranaense, 1970 a 2000.

TABELA 7
População ocupada segundo as atividades econômicas- Matinhos/PR – 2000

TABELA 8
Estimativa do tempo de decomposição de materiais no solo

TABELA 9
Local de residência dos pescadores de Matinhos/PR - 2005

TABELA 10
Tipo de moradia dos pescadores de Matinhos/PR – 2005

TABELA 11
Renda mensal média dos pescadores de Matinhos/PR – 2005

TABELA 12
Profissões que exercem além da pesca (pescadores de Matinhos/PR – 2005)

TABELA 13
Grau de instrução dos pescadores de Matinhos/PR – 2005

TABELA 14
Por que são pescadores (Matinhos/PR – 2005)
viii
LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1
Mapa Político do Estado do Paraná e Localização do Município de Matinhos

FIGURA 2
Canoas utilizadas pelos pescadores de Matinhos

FIGURA 3
Carretinha para puxar a canoa do mar

FIGURA 4
Rede de nylon utilizada pelos pescadores

FIGURA 5
Mercado Municipal de Pescados

FIGURA 6
Sede da Colônia de Pescadores Z-4

FIGURA 7
Instalações da Emater de Matinhos-PR

FIGURA 8
Ultima casa de pescador na areia

FIGURA 9
Pescadores saindo ao mar para pescaria

FIGURA 10
Pescadores retirando o pescado da canoa

FIGURA 11
Locais onde confraternizam, guardam seus instrumentos de trabalho e suas
canoas
ix

RESUMO

O presente estudo trata da relação dos pescadores artesanais de Matinhos-PR


com a natureza, enfocando em que medida esses trabalhadores podem ser
considerados conservacionistas e a forma como lidam com a conservação da
natureza, visto que dependem diretamente dela para a sua sobrevivência e a
manutenção de sua atividade profissional. Além disso, discute-se o valor dos
conhecimentos tradicionais no sentido de pensar novas formas de conservação
da natureza, através do diálogo entre os saberes científicos e populares e
Passamos por uma crise sócio-ambiental intensa nos dias atuais, o que nos
leva a repensar a relação homem-natureza contemporânea. Essa relação se
torna relevante no presente trabalho, a medida que percebemos o homem
como um ser social; sendo assim, sua relação com a natureza se dá à partir do
modo de vida que leva, e os pescadores artesanais possuem uma grande
dependência com o meio ambiente que o cerca, uma vez que dependem
diretamente dele para a sobrevivência em sua atividade profissional.
Inicialmente se fez uma pesquisa exploratória na praia de Matinhos, a fim de
observar se a pesca artesanal era a atividade dominante na região. Após essa
etapa, realizou-se a pesquisa de campo, através de entrevistas, observação
direta e uma saída ao mar com os pescadores para perceber a dinâmica de
relações que ocorrem nesta situação.
Partindo da hipótese inicial de que os pescadores artesanais, por dependerem
direta e quase que exclusivamente da natureza para sobreviverem da pesca,
teriam práticas conservacionistas, os resultados e análises da pesquisa
empírica permitiram responder não somente se os pescadores artesanais são
ou não conservacionistas, mas também compreender a complexidade da sua
atividade profissional, como a principal mediadora da relação homem-natureza.
Para os pescadores estudados, a sua vida gira em torno da profissão, onde um
saber-fazer específico constrói a identidade social do grupo.

Palavras-chave: Pesca artesanal, natureza, conservação, saberes tradicionais.


1

INTRODUÇÃO

O presente estudo trata da relação entre os pescadores artesanais do


Município de Matinhos, localizado no litoral do Paraná e da natureza, sob o
ponto de vista dos conhecimentos tradicionais que são passados pela
comunidade pesqueira de geração em geração, trazendo aspectos sociais que
se confrontam com os desafios do mundo contemporâneo. Neste sentido, a
pesquisa foi desenvolvida a fim de investigar, principalmente, em que medida
os pescadores artesanais podem ser considerados conservacionistas e a forma
como lidam com a conservação da natureza, visto que dependem diretamente
dela para a sobrevivência de sua atividade profissional. Este trabalho tem por
finalidade, além das citadas acima, analisar como se dá a construção da
identidade1 do grupo de pescadores artesanais estudado, além de discutir o
valor dos conhecimentos tradicionais para se pensar novas formas de
conservação da natureza2, através do diálogo entre os saberes científicos e
populares.
É perceptível nos dias atuais a grande crise em que o meio ambiente se
encontra. Essa crise começou a se intensificar a medida que o homem foi se
distanciando da natureza e começou a encará-la como mercadoria, passando a
ter um sentimento de dominação que faz parte da lógica do modelo da
sociedade contemporânea. Foladori (2001) comenta que não só o modelo
econômico, mas também três temáticas englobam a crise ambiental: a
superpopulação, os recursos e os resíduos. Segundo o autor, “esses três
grandes problemas podem ser compreendidos sob um denominador comum:
os limites físicos externos com os quais a sociedade humana se defronta”
(p.101). Limites esses que se expressam através de uma quantidade maior de
população do que o ecossistema pode suportar. Aliando esses problemas ao
modelo econômico vigente, percebemos que os recursos naturais são
escassos diante das crescentes necessidades sociais, além da poluição do
meio ambiente possuir uma velocidade que a natureza não consegue reciclar.
Foladori acredita que os problemas ambientais da sociedade humana surgem
“como resultado de sua organização econômica e social”, diz ele, “e qualquer

1
Usaremos aqui a definição de Hall (1999) de identidade: sujeito sociológico. Ver capítulo 4.
2
Ver capítulo 2, item 2.3 do presente trabalho.
2

problema aparentemente externo se apresenta, primeiro, como um conflito no


interior da sociedade humana.” (p.102)
Já Leff (2002) acredita que a problemática ambiental também está aliada
ao “efeito de acumulação de capital e da maximização da taxa de lucro a curto
prazo, que induzem a padrões tecnológicos de uso e ritmos de exploração da
natureza” (p.59). Além disso, o consumismo – conseqüência do capitalismo –
vem esgotando as reservas de recursos naturais. Portanto, para o autor, uma
das principais soluções para amenizar a crise ambiental estaria na valorização
do diálogo de saberes, já que “as práticas de uso dos recursos dependem do
sistema de valores das comunidades” (p.79).
O autor acredita que essa crise “problematiza os paradigmas
estabelecidos do conhecimento e demanda novas metodologias capazes de
orientar um processo de reconstrução do saber que permita realizar uma
análise integrada da realidade” (p.60). Sendo assim, precisamos analisar a
natureza de uma forma transdisciplinar e que priorize não somente o
pensamento científico, mas também o saber popular. Para pensarmos então
em novas formas de conservação é necessário entendermos a relação
sociedade-natureza3, uma vez que uma nova relação implica também na
valorização das formas tradicionais de produção, como é o caso dos
pescadores artesanais (Cunha, 2004).
Segundo Leff (2001), é a partir dos valores e saberes populares e de sua
mestiçagem com as ciências e tecnologias atuais que devemos pensar em um
processo de inovação de práticas de aproveitamento sustentável dos recursos
naturais.. Sustentabilidade entendida no sentido de uma orientação dos
processos de produção e consumo por uma racionalidade ambiental
integradora das dinâmicas ecológicas (potencialidades e limites da natureza) e
socioculturais (saberes, práticas de vida e criatividade locais). Portanto, para
que isso aconteça realmente, é necessário revermos a relação de dominação e
desconhecimento dos saberes tradicionais pela visão “moderna”, libertando
esses saberes subjulgados que não foram formalizados em códigos científicos.
Não podemos desconsiderar que os cientistas têm um papel importante na
conservação, mas não é o único instrumento, nem a única forma de conhecer.

3
Discutida no capítulo 2, item 2.2.
3

Devemos, portanto, almejar uma mescla entre os conhecimentos tradicionais e


acadêmicos, priorizando a idéia de que conservação, segundo o autor, não é
só ciência, mas também práticas sociais e representações de mundo.
Segundo Medina (1994), a separação entre o homem e a natureza
reflete-se em toda produção humana, em particular no conhecimento produzido
pelo modelo de desenvolvimento da nossa sociedade. Tendo em vista a atual
situação em que encontramos a natureza, torna-se imprescindível então o
desenvolvimento de uma nova cultura. Essa crise é reflexo de seus próprios
valores, condutas e estilos de vida coletivos, se constituindo, portanto, em uma
crise cultural, já que a cultura modela a maneira que concebemos o mundo e a
nós mesmos, e como nos relacionamos com ele.
Passamos por um momento crucial para pensarmos o que é conservar
os recursos naturais e também a diversidade cultural que, principalmente no
Brasil, é extensa. Conservar no sentido de uma prática como qualquer outra,
ou seja, feita de comportamentos, técnicas e conhecimentos. A conservação da
natureza vem sendo reconhecida como fundamental para assegurar a
sobrevivência do homem e para a manutenção dos equilíbrios ecológicos
(como a regulação do clima e a proteção do solo contra a erosão), como
comprovam as várias convenções internacionais em vigor que visam essa
mesma conservação (nomeadamente a Convenção sobre Diversidade
Biológica e a Convenção relativa à Conservação da Vida Selvagem e dos
Habitats Naturais da Europa) e a ação da UICN (União Internacional para a
Conservação da natureza e dos seus recursos), que tem desempenhado um
papel fundamental no fomento da conservação da natureza a nível
internacional. O solo, as águas, as florestas, os oceanos, a fauna, a flora e as
paisagens são recursos naturais insubstituíveis e vitais, que interessa preservar
e transmitir às gerações futuras, não só pelo seu valor produtivo (pelo
fornecimento de alimentos, medicamentos, materiais de construção,
combustível, fibra, entre outros), como também pelos seus valores culturais,
educacionais, estéticos e turísticos. Para muitos povos, a natureza assume
ainda um papel fundamental, como é o caso dos pescadores artesanais, que
dependem dela para a sobrevivência de seu trabalho.
Dentro dessa perspectiva, a presente pesquisa foi desenvolvida junto a
um grupo de pescadores artesanais que residem no município de Matinhos, no
4

litoral do Paraná. O grupo de pescadores estudado tem como local de encontro


para a prática da pesca a praia em frente ao Mercado Municipal de Pescado.
Este se localiza na orla marítima na região central da cidade, ao lado da
Colônia de Pescadores e da EMATER da região. Porém, os pescadores deste
grupo residem em diversos bairros da periferia do município, tais como
Mangue-Seco, Rio da Onça, Flamingo, Riviera e Sertãozinho. Distanciam-se
cerca de 3 km do local onde ficam suas embarcações e seus apetrechos de
pesca.
A valorização imobiliária e o aumento da população no litoral fizeram
com que a maioria dos pescadores desta região vendesse suas propriedades
ou posses e passasse a morar distante da orla. Outros deles que possuíam
suas residências na faixa que pertence à marinha foram obrigados a
abandonar a área e receberam em troca lotes da Prefeitura Municipal para que
pudessem efetuar a mudança. Chama-se aqui de um “grupo”, então, não por
residirem em um mesmo local, mas por passarem a maioria do tempo lá, da
onde saem com seus barcos, trazem o pescado, limpam, dividem, vendem,
etc., ou seja, todo o processo de trabalho é realizado no local, além do lazer,
como churrascos, conversas, futebol na areia, etc.
A escolha da localidade ocorreu por se tratar de um município que
possui um alto grau de desenvolvimento quando comparado a outras regiões
do litoral do Paraná. Percebe-se, através de dados do IBGE (1970-2000), um
crescimento bastante visível da população, ou seja, foi o município que teve o
maior aumento populacional do litoral paranaense nas últimas décadas4. O
comércio cresceu de maneira desenfreada, e agora atende não somente os
veranistas, mas também à comunidade local. Sendo assim, as oportunidades
de empregos aumentaram, e a diversidade destes também. Em uma
comunidade onde, há aproximadamente 30 anos tinha sua economia voltada
quase que exclusivamente para a pesca, agora passa a atingir outras
atividades econômicas.
Devido a estudos realizados anteriormente por mim, também com
pescadores artesanais, mas de outra localidade litorânea do Paraná (Andreoli,
2005), surgiu a vontade e principalmente a inquietação de verificar se, mesmo

4
Ver tabela 6.
5

estando dentro de uma mesma região costeira, um balneário com proporções


menores e com menor população teria uma visão diferente de natureza e de
conservação do que uma localidade com população maior, com um comércio
mais intenso e com uma estrutura bem mais modernizada (no sentido de
possuir mais casas, apartamentos, diversidade de comércio, população, etc.),
como é o caso de Matinhos. Meus estudos anteriores ocorreram em outra
região do litoral do Paraná, o município de Pontal do Sul, onde foi possível tirar
conclusões de que os pescadores artesanais possuem conhecimentos
tradicionais sobre a pesca que podem nos servir como um importante
instrumento na sensibilização para as questões ambientais. Além disso,
emerge a necessidade de se cruzar esses saberes tradicionais com os saberes
científicos, para pensar em novos rumos para a conservação da natureza.
Partindo do pressuposto que os pescadores artesanais, por dependerem
diretamente e quase que exclusivamente da natureza para sobreviverem em
sua atividade profissional – a pesca – teriam práticas conservacionistas, surgiu
a inquietação de investigar se realmente essa hipótese se confirmaria.
Para se levantar a questão problematizadora inicial deste estudo,
primeiramente se fez uma pesquisa exploratória no local com o objetivo de
saber se a pesca era a principal fonte de renda daquele grupo e se,
principalmente, o modelo de pesca utilizado era a artesanal. Confirmando
esses dois pontos, partiu-se para um estudo bibliográfico, realizando o “estado
de arte” sobre a pesca no litoral do Paraná, sobre a categoria dos pescadores e
sobre as questões teóricas que o tema envolve.
Após essa etapa, partiu-se para a pesquisa bibliográfica, onde se
percebeu que a quantidade de trabalhos nessa área no Brasil e principalmente
sobre a pesca do litoral paranaense é muito reduzida; a maior parte dos
trabalhos encontrados se limita a aspectos técnicos da prática da pesca, e
assim encontramos bastante dificuldade no tocante à bibliografia específica.
Segundo Franco (2004), o conhecimento sistemático da atividade pesqueira
realizada no litoral do Paraná ainda é limitado, existindo poucos estudos que
tentam englobar a complexidade dos aspectos sociais, econômicos e
ambientais.
A pesquisa de campo teve duração de aproximadamente quatro meses,
mesclados em semanas em que se ia a campo e semanas que não. Na
6

temporada de veraneio (compreendida do final de dezembro de 2006 ao final


de fevereiro de 2007), se acompanhou mais de perto a dinâmica do grupo,
tendo como vantagem a possibilidade de percepção da diferença do trabalho
do pescador no inverno e na temporada, onde há um aumento significativo da
população e conseqüentemente do consumo de pescado. Várias vezes foi
necessário retornar a campo para tirar algumas dúvidas e conversar com
algumas pessoas que foram peças-chave durante a pesquisa. Neste período
de pesquisa, o ponto de partida foi o Mercado de Pesca, a praia de onde eles
saem com as embarcações e onde se localizam as canoas, e a casa de um
dos pescadores (60 anos), que ainda mora em uma casinha de madeira na
beira da praia, ao lado do Mercado de Pesca, já que, apesar do risco de
desabamento, devido ao avanço do mar (ocasionado pela erosão do local), se
recusou a retirar-se do local por acreditar que suas raízes estão lá.
Desde o início da pesquisa de campo houve uma grande facilidade na
coleta de dados, que foram feitas através de entrevistas abertas semi-
estruturadas, as quais foram gravadas para futuras consultas. Nem sempre foi
possível seguir o roteiro da entrevista, uma vez que cada pescador conduzia as
questões para uma direção diferente, enfatizando mais um ou outro tema. Tal
roteiro deu lugar, em algumas ocasiões, a entrevistas muito mais dinâmicas do
que foram planejadas, aliadas a conversas posteriores aos encontros, muitas
vezes mais reveladoras (talvez pelo não uso do gravador) e enriquecedoras do
que no momento da entrevista. Sendo assim, todas as entrevistas foram muito
ricas de detalhes, no sentido de proporcionar à pesquisadora um olhar
diferenciado sobre determinado tema.
Ao todo foram entrevistados 12 pescadores, entre eles o presidente da
Colônia de Pescadores de Matinhos – Z45, e o pescador mais antigo que
representa o grupo. Também foram entrevistadas três mulheres, duas esposas
de pescadores e uma mãe, nas quais as três, apesar de não serem
pescadoras, trabalham na pesca, desenvolvendo atividades como a limpeza e
a venda do pescado. Além dessas atividades, duas das entrevistadas também
fazem artesanato para complementar a renda familiar. Esse artesanato é feito a
partir de matérias-primas vindas da natureza, ou seja, são feitos de conchas,

5
Ver capítulo 3, item 3.2.3 do presente trabalho.
7

estrelas do mar, etc. A pesquisa se baseou muito mais em dados qualitativos


do que em dados quantitativos, uma vez que dessa forma se pôde analisar
mais profundamente os dados e se chegar a uma perspectiva mais aproximada
de suas percepções. Para tentar retratar um pouco da trajetória da pesca em
Matinhos, foram entrevistados dois dos pescadores mais antigos da região,
além de utilizarmos fontes bibliográficas de autores que tratam da história do
litoral paranaense e principalmente da história de Matinhos (Bigarella, 1991).
Além das entrevistas e das conversas informais com os pescadores,
também foram realizadas diversas visitas à casa de um dos pescadores, que
possui uma família inteira na atividade pesqueira: uma esposa (que trabalha na
limpeza e na venda do pescado) e cinco filhos homens (que atuam nas
embarcações). Em duas ocasiões duas outras casas foram visitadas, desta vez
num local fora da praia, uma delas localizada no centro e outra no bairro
Mangue-Seco.
A observação foi uma técnica bastante importante nesse estudo, uma
vez que quando tratamos de olhares diferenciados e opiniões que se
contradizem, o método da observação se torna muito valioso, já que é possível
perceber se as afirmações ditas em entrevista realmente acontecem na
realidade do dia-a-dia. O diário de campo foi de grande valia nesses momentos
de pesquisa.
Em apenas uma ocasião foi possível acompanhar dois pescadores em
sua atividade na embarcação, ou seja, uma saída ao mar, já que a tripulação
ideal para esse tipo de embarcação é de três pessoas. A saída foi realizada
com o objetivo de viver a experiência que representaria sair ao mar e para
observar, na prática, como se configuram as relações entre tripulantes, entre
tripulantes e patrões de canoa e como funciona a técnica de pesca que haviam
descrito (relacionadas aos conhecimentos tradicionais passados de geração
para geração, os quais são aplicados no dia a dia da atividade, seguindo
padrões de hierarquia entre a tripulação).
Alguns dados foram levantados junto à EMATER, que infelizmente não
pôde colaborar muito com o trabalho, já que algumas semanas antes da
consulta ao órgão havia chovido muito e entrado água no escritório,
danificando a maioria dos documentos, principalmente os mais antigos (que
não haviam sido transcritos para no computador).
8

Para se levantar os dados socioeconômicos da população de


pescadores, foram utilizados, com a devida autorização, os dados coletados
pela FUNDACENTRO (Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e
Medicina do Trabalho), que realizou um estudo em 2005 em todo o litoral do
Paraná, com 273 pescadores artesanais, entre janeiro e novembro de 2005. O
objetivo da pesquisa foi levantar as condições de trabalho e de vida destes
trabalhadores, promovendo ações educativas, técnicas, legais e assistenciais,
voltadas para a elevação dos padrões de segurança e saúde desses
profissionais, de maneira que estes possam atuar como agentes
transformadores de seu ambiente de trabalho. O principal instrumento da
pesquisa realizada pela instituição foi a aplicação de um questionário (Anexo II)
semi-estruturado, com perguntas fechadas e abertas, formando um total de 42
questões. Os dados mais utilizados aqui, no presente trabalho, dizem respeito
a informações como infra-estrutura, moradia, vida pessoal, etc.
Iniciamos, no primeiro capítulo apresentando como a pesca é
organizada no Brasil, para podermos situar como essa atividade é classificada
no país. Em um segundo momento buscou-se uma caracterização da pesca
artesanal e uma diferenciação da mesma com a pesca industrial, que utiliza
instrumentos e práticas bastante diferentes e que influenciam diretamente na
atividade dos pescadores. Em seguida falamos sobre a evolução da pesca no
litoral paranaense, procurando situar a importância e relevância da pesca
artesanal para a economia do estado.
Já no segundo capítulo procurou-se, através de autores que tratam do
assunto, mostrar a importância e características mais marcantes dos
conhecimentos tradicionais dos pescadores artesanais, no que se refere aos
seus saberes socioambientais. Quando tratamos da tradição e da
modernidade, situamos suas principais particularidades e, principalmente,
divergências, já que um dos questionamentos desta pesquisa se refere à
importância dos conhecimentos tradicionais para a atual sociedade, ou seja, se
estes têm valor para a emergência de novos tempos que a modernidade nos
traz (ou nos pressiona). Ainda neste capítulo a relação sociedade-natureza foi
abordada, já que para proporcionar um maior entendimento da questão
ambiental em geral é necessário que pensemos como as diversas relações do
homem com a natureza foram desenvolvidas e historicamente produzidas.
9

No terceiro capítulo começamos a tratar da questão empírica desta


pesquisa, apresentando dados da pesquisa de campo e de fontes secundárias,
abordando desde a caracterização de Matinhos até a questão da pesca do
município, passando pela questão da caracterização dos pescadores
artesanais que lá vivem.
No último capítulo é apresentada, enfim, a construção da identidade dos
pescadores estudados, refletindo sobre questões de relações dos pescadores,
tais como mestres, gênero, natureza e sua conservação. Prioritariamente se
abordou, neste capítulo, a análise a partir dos depoimentos dos pescadores
entrevistados, procurando intercalá-los e discuti-los com base na
fundamentação teórica do trabalho, tendo como objetivo chegar a algumas
reflexões finais acerca do objeto de estudo da presente pesquisa.
10

CAPÍTULO 1: Elementos sobre a organização da pesca no Brasil

Existem, no Brasil e também no litoral paranaense, diversas formas


pelas quais a pesca se organiza, e que, principalmente, diferem muito entre si.
Garcez & Sánchez-Botero (2005), em um estudo realizado com pescadores do
litoral brasileiro, dividem as atividades pesqueiras profissionais em três
categorias: de subsistência, artesanal e industrial, as duas últimas com
finalidade comercial.
Diegues (1995), que fez um estudo com pescadores artesanais da
Amazônia e litoral norte do Brasil, define a pesca em três categorias bastante
úteis para entendermos como se organizam. A primeira delas seria a pesca de
subsistência, já praticamente desaparecida do litoral brasileiro, uma vez que é
praticada principalmente por comunidades ribeirinhas e indígenas em locais da
Amazônia. A pesca de subsistência é apenas uma das atividades do grupo, ou
seja, os pescadores que a praticam aliam a ela a caça e a lavoura. No interior
desses grupos ocorre uma economia de troca – não há mediação da moeda.
A pesca realizada dentro dos moldes de pequena produção mercantil,
segunda categoria, como Diegues (1995, p.57) coloca, tem como principal
característica a produção do valor de troca em maior ou menor intensidade, ou
seja, “o produto final, o pescado, é realizado tendo-se em vista a sua venda”.
Sendo assim, essa forma de organização da pesca supõe uma divisão social
do trabalho, já que existem produtores que não necessariamente participam da
captura. O trabalho tem características familiares e a tecnologia utilizada possui
um baixo poder de predação.
Nesta forma de organização da pesca, Diegues (1995) divide os
pescadores em dois subtipos:
• O pescador-lavrador, ou seja, aquele cuja produção se caracteriza como
mercantil simples - pequeno produtor litorâneo. A pesca é uma atividade
complementar, uma vez que se restringe a períodos de safra (como a
tainha e o camarão branco, por exemplo). Geralmente suas
embarcações não são motorizadas, e estas são usadas muitas vezes
mais como meio de transporte do que para a atividade da pesca. Esta
prática da pesca é uma atividade bastante antiga entre nós, e muitas
vezes é associada ao campesinato. Segundo o autor, o pescador
11

artesanal, de que trata a presente pesquisa, se configura em um novo


tipo de trabalhador, não podendo ser traduzido como o pescador-
lavrador que o antecedeu, mesmo sendo um pequeno produtor.
• A pequena produção mercantil pesqueira ampliada caracteriza o
pescador artesanal. Mas por que “ampliada”? Diegues a define levando
em conta cinco motivos:
1- O primeiro seria por o grupo doméstico, em muitos casos, não ser o
mais apropriado como mão-de-obra, já que os barcos utilizados são
motorizados e a pesca aqui não é mais uma atividade complementar -
passa a ser a principal fonte de renda do pescador, exigindo então uma
partilha diferenciada entre os tripulantes da embarcação;
2- Em segundo lugar, a pesca é a principal fonte de renda do pescador,
o que denota padrões não tão igualitários na divisão do pescado como é
o caso dos pescadores-lavradores. Os patrões das canoas exigem uma
parte maior na divisão do pescado, notando-se uma divisão social do
trabalho bem mais elevada;
3- Um terceiro motivo, apontado pelo autor, é a particularidade que esse
tipo de pesca possui. Ela exige um conhecimento mais específico e
aprofundado sobre o ambiente marinho e costeiro que os anteriormente
usados pelo pescador-lavrador. Diegues comenta que a propriedade dos
meios e instrumentos de trabalho na pesca passam a ser um elemento
fundamental em toda a organização produtiva;
4- Como quarto motivo, o autor aponta o avanço tecnológico, como é o
caso das embarcações motorizadas, redes de náilon, novas formas de
armazenamento do pescado, etc.,
5- O quinto motivo colocado pelo autor é o processo de comercialização
realizado pelos pescadores artesanais, que, aos poucos, vem abrindo
terreno para firmas de compra de pescado. Resumindo as idéias que
Diegues coloca, é somente nessa transição do pescador-lavrador para o
pescador artesanal que surge o pescador como tal, aquele trabalhador
que vive exclusivamente da profissão.
A última forma pela qual o trabalho produtivo na pesca se organiza é a
pesca empresarial-capitalista, que apresenta características tais como
(Diegues, 1995):
12

• a propriedade e/ou posse dos instrumentos de produção está nas mãos


de uma empresa capitalista, organizada verticalmente. Ela possui vários
setores, ou seja, desde a captura, comercialização, industrialização, etc;
• todas as funções do barco de pesca são remuneradas por um salário, a
não ser em raros casos, onde quem participa diretamente da captura do
pescado – enquanto geladores e motoristas - não é recompensado pelo
sistema de partes, ou seja, ganham uma pequena parte do pescado;
• o pescador perde seu poder de decisão que é tão importante na pesca
artesanal, uma vez que ele define, por meio de seu extenso
conhecimento sobre o mar e os peixes, o melhor lugar de captura, assim
como quando pescar. Neste tipo de pesca, existe um departamento
especializado em captura, e que toma todas as decisões necessárias;
• existe a introdução de equipamentos modernos (sonar6, radar7,
ecossonda8 etc.), o que tende a transformar significativamente a função
do “mestre de pesca”;
• a produção em escala, onde barcos de tonelagem exigem uma grande
infra-estrutura em terra,
• é voltada totalmente para a produção de mercadoria.
O presente trabalho irá se deter em duas categorias de pesca para
aprofundar suas discussões: o pescador artesanal (foco central da pesquisa) e
o pescador industrial. Falaremos a seguir sobre a pesca artesanal, procurando
caracterizá-la em seus aspectos legais, sociais e econômicos.

1.1 Características da pesca artesanal

6
O sonar (do inglês sound navigation and ranging) é um aparato capaz de emitir ondas ultra-sons a
objetos, para captar os seus ecos, permitindo assim, verificar a posição deles, medindo o tempo entre a
emissão do som e a recepção do seu eco.
7
O radar, do inglês Radio Detection And Ranging (Deteção e Telemetria pelo Rádio), é um dispositivo
que permite detectar objetos a longas distâncias.
8
Ecossondas são instrumentos que utilizam os princípios da acústica, principalmente do comportamento
das ondas de som na água, para detectar submarinos, peixes, ou outros objetos na coluna de água, no
oceano ou em outras massas de água. Sendo que a penetração do som na água é significativamente maior
que a da luz, instrumentos acústicos ativos que, por definição, emitem e recebem ondas sonoras, são,
portanto, capazes de detectar peixes ou outros objetos a muito maior distância da que é possível atingir
com sistemas visuais.
13

É necessário, em um primeiro momento, que se faça uma


caracterização do tipo de pesca de que trata a presente pesquisa,
reconhecendo a especificidade da pesca em cada ambiente e suas diferenças
estruturais para as várias comunidades e tipos de produção que delas derivam.
A pesca artesanal é exercida em todo o litoral brasileiro, com maior ou
menor significado, de acordo com as características do núcleo populacional no
qual é exercida, o seu nível de organização social e de trabalho, o tamanho do
município mais próximo, a demanda pelo produto gerado, a tecnologia
empregada e, é claro, de acordo com a produtividade pesqueira da área. Em
conseqüência, pode ser caracterizada, de um lado, pela quase total ausência
de infra-estrutura ou os mais rudimentares mecanismos para apoio à produção
e, de outro, pelo concurso de infra-estrutura comparável àquelas do primeiro
mundo. Esses dois exemplos, entretanto, correspondem aos extremos,
dominando, na maior parte da pequena produção, um padrão intermediário
(Maldonado, 1986).
No Brasil, a pesca artesanal9 está ligada, historicamente, à influência
de três correntes étnicas que formaram a cultura das comunidades litorâneas: a
indígena, a portuguesa e a negra. Da cultura indígena as populações litorâneas
herdaram o preparo do peixe para a alimentação, o feitio das canoas e
jangadas, as flechas, os arpões e as tapagens10; da cultura portuguesa,
herdaram os anzóis, pesos de metal, redes de arremessar e de arrastar; e da
cultura negra, herdaram a variedade de cestos e outros utensílios utilizados
para a captura dos peixes (Diegues, 1983).
A pesca artesanal tanto utiliza embarcações de médio porte, adquiridas
em pequenos estaleiros, com propulsão motorizada ou não, como
embarcações construídas pelos próprios pescadores, utilizando matérias
primas-naturais. Também não existe nenhuma sofisticação nos apetrechos e
insumos utilizados, geralmente comprados nos comércios locais (Maldonado,
1986). De um modo geral, utilizam equipamentos básicos de navegação, em
embarcações geralmente de madeira ou fibra de vidro, com estrutura capaz de
produzir volumes pequenos ou médios de pescado, uma vez que essas
embarcações não viabilizam, devido a seu pequeno espaço, que os
9
A presente pesquisa trata exclusivamente da pesca praticada no mar.
10
Tapume de varas no rio, para apanhar peixes.
14

pescadores estoquem grande quantidade de peixe no seu interior.


A definição de pescador artesanal envolve tanto aspectos legais como
econômicos, políticos e sociais. Do ponto de vista legal, de acordo com
Horochovski (2007), é principalmente a legislação previdenciária que o define,
incorporando questões técnicas envolvidas na atividade, como o porte das
embarcações e o tipo de pesca que se realiza. Os pescadores artesanais
possuem modos de vida diferenciados dos demais tipos de pescadores, além
de adotarem técnicas de captura e instrumentos de pesca também
diferenciados. É a pesca quem comanda a vida desses pescadores na maior
parte do tempo, ou seja, a maioria das relações sociais e econômicas giram em
torno da atividade pesqueira.
Do ponto de vista econômico, a pesca artesanal inscreve-se na pequena
produção mercantil (Diegues, 1983). Entretanto, esse trabalhador tem
características que o distinguem de outros, principalmente os manuais. Os
pescadores artesanais adotaram novas tecnologias, utilizando seu próprio
acúmulo de informações e de representações sobre o mar na avaliação de
novos elementos tecnológicos. Segundo Maldonado (1986, p.37), “desta forma
são plenamente capazes de opinar adequadamente a respeito do impacto
desses elementos sobre o ambiente”. Devido à vida que levam, do
conhecimento acumulado e da educação que receberam desde pequenos, os
pescadores conhecem também os limites da coleta de acordo com o ritmo da
natureza, tendo como condição de sua reprodução social a manutenção do
equilíbrio ambiental (Diegues, 1995).
Os pescadores artesanais se caracterizam, principalmente, pela
simplicidade da tecnologia e pelo baixo custo da produção, produzindo com
equipes de trabalho formadas por relações de parentesco e compadrio, sem
vínculo empregatício entre a tripulação e o mestre dos barcos (ou patrão da
canoa). A produção é em parte consumida pela família e em parte
comercializada. A pesca é sua principal fonte de subsistência, mesmo que
alguns pescadores se utilizem de fontes secundárias para aumentar sua renda.
Entre os serviços para complementar a renda mais comuns, estão o serviço de
pedreiro e jardineiro, além de, em alguns casos, quando se trata de pescadoras
mulheres ou esposas de pescadores, o serviço de empregada doméstica,
diarista e caseira (Maldonado, 1986).
15

A pesca artesanal exige um domínio muito amplo de conhecimentos


variados sobre o meio ambiente - as condições das marés, a identificação dos
pesqueiros, o manejo dos instrumentos de pesca, estações do ano, hábitos
alimentares dos peixes, etc. - construídos com base em dados empíricos que
provêm de uma tentativa contínua da atividade pesqueira. Esses
conhecimentos permitem ao pescador se reproduzir enquanto tal, através da
ação, onde experimentam, contrastam, atualizam e aprendem novos saberes
no meio em que atuam, que vão servir para confirmar ou modificar algumas
crenças, possibilitando um contínuo aprendizado. Obtém da ação a bagagem
necessária para encarar no dia-a-dia os duros trabalhos da pesca.
Baseada então em conhecimentos transmitidos ao pescador por seus
ancestrais, pelos mais velhos da comunidade, ou que este tenha adquirido pela
interação com os companheiros do ofício, esse tipo de pesca, conta para a
operação, além dos instrumentos de pesca, a experiência e o saber adquiridos
ao longo do tempo (Maldonado, 1986).
Diegues (1983, p.193), ao caracterizar o pescador artesanal, diz que o
ponto que o define não se resume ao ato de viver da pesca, mas em dominar
plenamente os meios de produção da pescaria, ou seja, possuem “controle de
como pescar e do que pescar, em suma, o controle da arte da pesca”. Os
problemas que os pescadores artesanais encontram tem uma grande
contribuição para a construção desses saberes, que são obtidos em grande
parte pelo aprendizado perceptivo. Portanto empregam, além dos
conhecimentos que já possuem, “uma atenta e hábil percepção sensorial, em
que todos os sentidos intervêm ativamente como receptores de informação”
(Allut, 2000, p.102). Esse conjunto de conhecimentos é, em geral, transferido
de pai para filhos, passado de geração a geração e modificado ao longo do
tempo, uma vez que as novas condições que surgem fazem aparecer a
necessidade de novas percepções do ambiente marítimo.
Aprende-se com os “mais velhos” e com a própria experiência. O
domínio do saber-fazer é que forma o cerne da profissão do pescador, e esse
saber-fazer se configura na figura do “mestre” depositário dos segredos do mar
(Diegues, 1995). A necessidade de transmitir esse conhecimento ao longo das
gerações é a medida de confiança nele depositado e é o mestre o que
consegue ser o guardião da tradição. Nesse caso, só uma pessoa que possui
16

boa memória compreende o ritmo das marés e dos ventos, sabe o lugar onde
lançar a rede, etc., e, além de tudo é ele quem leva a embarcação e sua
tripulação com qualidade para atingir os objetivos traçados, mantendo a união
dos integrantes do barco.
Para Allut (2000, p.105), “a necessidade do pescador de conhecer a
dinâmica desse espaço, supõe em última instância uma prática de subsistência
que serve tanto para aumentar a segurança física num meio perigoso como
para administrar os recursos que nele se encontram”. O dia-a-dia do pescador
é comandado pela pesca, uma vez que eles seguem os movimentos próprios
da natureza – das marés, das espécies, dos astros e da atmosfera. Portanto, o
tempo do pescador é medido pelos ciclos da natureza; dependem muito desse
fator e por ele se perdem vários dias de trabalho. Segundo Diegues (1995,
p.92), “daí, como em todos os países do mundo, a pesca artesanal ser uma
atividade cíclica com períodos de maior ou menor intensidade de trabalho, com
horas de espera e horas de extenuante esforço físico”. O trabalho do pescador
artesanal obedece a um tempo ditado pelo ritmo dos fenômenos naturais –
marés, espécies, astros e atmosfera. Cunha (2004) comenta que a questão dos
tempos enfrentado por esses pescadores se difere da produção que ocorre no
meio urbano-industrial, já que este último é ditado pelo “tempo do relógio”.
A pesca artesanal representa para o pescador enfrentar situações de
risco, já não bastassem as quase sempre cambaleantes condições do mar e de
muitas das embarcações empregadas na atividade. É muito importante
ressaltar os riscos ocasionados pela atividade pesqueira, visto que na pesquisa
empírica realizada nesse estudo os entrevistados relataram em vários
momentos que sua profissão muitas vezes representa enfrentar situações de
risco para sua saúde e mesmo risco de vida. Além dessas questões, no
período da pesca de espécies com alto valor agregado e de onde os
pescadores tiram seu sustento, muitos destes trabalhadores atuam
continuamente sem dormida ou descanso aumentando a probabilidade de
acidentes, ou a severidade de doenças relacionadas ao trabalho. Para agravar
a situação a que estes trabalhadores estão submetidos, muitos operam
equipamentos de alto risco em uma superfície que se move continuamente e
que, na maioria das vezes, encontra-se molhada e escorregadia (Vale, 2006).
A longo prazo, muitos pescadores apresentam uma pele envelhecida
17

precocemente, devido a sua exposição diária ao sol e, como em sua maioria os


pescadores não utilizam nenhuma proteção contra os raios solares.
A queda no mar é considerado o acidente mais grave entre os
pescadores envolvidos nos estudos destes autores, seguido da queda a bordo,
queda de objetos, golpes e cortes, projeção de objetos, sobre-esforço e
queimaduras. De 1995 a 1998, Boffo & Reis (1992) registraram diversos fatos
da navegação e incidentes com a ajuda da Capitania dos Portos do Rio de
Janeiro, sendo possível verificar que muitos deles são causados por falta de
manutenção e/ou vistoria, ou são maximizados por estas mesmas causas. Os
autores constaram a presença freqüente de certos tipos de problemas, tais
como problemas na bateria do barco, problemas no motor e o material
empregado nas embarcações, tais como falta de acompanhamento técnico na
construção e arqueamento, falta de reparos, transformações para mudança de
arte de pesca que comprometem a estabilidade e equilíbrio do conjunto.
Boffo & Reis (1992) realizaram um estudo profundo sobre as situações
de risco e as doenças enfrentadas pelos pescadores no Brasil e ressaltam que
as diferentes relações existentes entre o balanço do barco e a perda de
equilíbrio por parte dos pescadores, assim como a influência do cansaço
derivado do sobre-esforço físico é apontada como causas de quedas na
embarcação. Essas quedas estão relacionadas diretamente às manobras de
pesca, como o lance de largar a rede, principalmente na pesca artesanal.
Outros fatores que contribuem para estes fatos referem-se ao nível de ruído
que a tripulação suporta, à iluminação e a visibilidade nas zonas de manobras
e de trabalho. Segundo Boffo & Reis (1992) não é necessariamente a pessoa
que comete o erro e sim uma multiplicidade de fatores referentes às condições
de habilidade, perda de controle e reflexo, mau tempo, falta de formação
marítima, falta de conservação, etc.
Havendo tantos fatores insalubres nesta profissão é muito fácil
negligenciar a saúde dos pescadores. Pimenta (2001) comenta que a atividade
pesqueira é de alto risco, mas, entretanto, na maioria das vezes acidentes com
barcos de pesca e com os pescadores não costumam ganhar destaque na
imprensa em geral, acarretando em um desinteresse por parte das autoridades
competentes, onde muitas vezes acidentes mais raros, envolvendo outros
setores da navegação, são mais notados e sendo assim, chamam mais a
18

atenção pública. Mas são os barcos pesqueiros, especialmente os de


pequenas dimensões, que produzem estatísticas impactantes de ocorrências
de acidentes. Por outro lado, as regulamentações e normas aprimoradoras,
sejam nacionais ou internacionais, acabam aplicando-se só para barcos de
maiores dimensões.
No Brasil, as principais causas dos acidentes na pesca industrial e
artesanal, segundo Boffo & Reis (1992 in Vale, 2006), são as condições do mar
(ondas, quedas na água, visibilidade); condições do barco (oscilações, piso
escorregadio, ruído); trabalho excessivo (durante o pico da faina), e
equipamentos e máquinas de alto risco (sem mão de obra especializada).
Especificamente na pesca artesanal, de que trata a presente pesquisa,
por ter sua atuação limitada a poucos metros da praia, graças aos também
limitados recursos navegacionais das embarcações, os riscos de acidentes a
que estão sujeitos esses pescadores são relativamente menores do que os dos
pescadores empresariais (Boffo & Reis, 1992). Segundo os autores, na pesca
artesanal os pescadores estão expostos a riscos de diversas naturezas,
associados a atividades bem diversificadas que dependem do tipo de
ecossistemas em que atuam (mar, estuário, lago, rio ou mangue), dos
apetrechos utilizados (anzol, espinhel, rede, tarrafa, armadilhas, curral), e da
espécie principal de sua captura (peixes, mariscos, crustáceos, etc.).
Os pescadores artesanais, na sua maioria, por não utilizarem nenhum
equipamento de proteção individual também sofrem acidentes com alguns tipos
de peixes que fazem parte de suas capturas. Por trabalharem descalços e sem
luvas, a maioria das lesões ocorrem justamente nos pés e nas mãos (Boffo &
Reis, 1992).
No Paraná, a pesca se caracteriza como artesanal, ou seja, se realiza
exclusivamente pelo trabalho manual do pescador, onde a participação do
homem em todas as etapas e manipulação dos implementos e do produto é
muito intensa, prescindindo-se de tração mecânica no lançamento,
recolhimento e levantamento das redes ou demais implementos. Possui seus
períodos de atividade bem determinados que correspondem a época certa de
capturar determinados pescados, como é o caso da tainha, que prolifera em
meados de março até julho. Além disso, os pescadores dependem do tempo,
do clima, da maré, da lua.
19

Um dos autores que realizaram um estudo de doutorado amplo sobre a


pesca no litoral do Paraná, Andriguetto (2002), comenta que o tipo de pesca a
ser realizado depende de cada época do ano, ocorrendo, no litoral do Paraná,
a pesca do linguado, da tainha, do cação, do camarão branco, do sete-barbas,
entre outras. Segundo o autor, esse é mais um dos fatores que exige um
esforço grande, mas de acordo com essa especificidade, esse esforço pode
aumentar ou diminuir, dependendo da época do ano e do tipo de pescaria
realizada.
Os pescadores do litoral paranaense também possuem uma época do
ano na qual a sua renda é maior, que é a época de veraneio, uma vez que é
neste período que o número de turistas aumenta muito na região e,
conseqüentemente, o consumo de pescados (Andriguetto, 2002). Esses
pescadores são também chamados de autônomos, mas dependem muitas
vezes de intermediários para comercializar seu produto, devido tanto a
perecibilidade do pescado quanto a não disponibilidade de infra-estrutura para
sua conservação e de meios de transporte para levá-los a locais mais
distantes. Esses intermediários se caracterizam na figura do atravessador, ou
seja, aquele indivíduo que não é pescador, mas vende o pescado. Ele apenas
compra o pescado diretamente do pescador e comercializa, além de, muitas
vezes, pegar em “consignação” o produto e ficar devendo meses para o
pescador (Maldonado, 1986).
Os atravessadores, que geralmente são pessoas que não praticam a
pesca, mas somente compram e revendem o pescado que chega nas canoas,
é um problema apontado pela maioria dos pescadores. Essa relação do
atravessador com o pescador se caracteriza, mais ou menos, como a relação
existente entre o artesão e o burguês (séc. XVIII). Na primeira fase do
capitalismo, ou seja, no capitalismo comercial, o comerciante burguês
comprava o produto do artesão e seu lucro estava na venda por um preço mais
elevado. O artesão era, anteriormente, dono de todo o processo de trabalho, ou
seja, era dono muitas vezes desde a matéria-prima até do processo de
comercialização. Com essa nova fase, o burguês separa o artesão do produto
final (Costa, 1987).
A seguir discutiremos sobre as principais contradições entre a pesca
artesanal e industrial, com a finalidade de explorar as particularidades de cada
20

tipo de pesca.

1.2 Principais diferenças entre a pesca artesanal e a pesca industrial

Chegamos a algumas contradições entre as duas principais


nomenclaturas de pesca no Brasil: a industrial e a artesanal. Podemos começar
a refletir sobre elas pela própria definição que possuem. Artesanal, significa
tudo aquilo que é feito pelos métodos tradicionais, não industriais (dicionário
Aurélio, 2000), ou seja, os dois termos são diretamente opostos.
Diferentemente da pesca artesanal, a pesca industrial utiliza navios de grandes
dimensões, geralmente bem equipados, dispondo de redes potentes. Uma vez
que este tipo de pesca está associada sobretudo à pesca longínqua11 e por
vezes à pesca costeira12, as embarcações possuem os equipamentos
necessários para a conservação e congelamento do pescado. Neste tipo de
pesca são utilizadas as técnicas mais modernas de cerco, arrasto, etc. Sendo
assim, ela pode prejudicar alguns tipos de espécies de peixes e acabar
aumentando a extinção de alguns deles, pois sem se preocupar com esse
problema, o que pode ser origem de um grande desequilíbrio no ecossistema,
os barcos e navios vão apenas atrás dos cardumes. Para controlar essa pesca,
são usadas algumas regras, tais como o defeso (onde não se pode pescar
certo tipo de peixe em época de sua reprodução) e a malha da rede (tamanho,
estrutura) devem estar de acordo com o que o barco se propõe a pescar.
Enquanto a pesca industrial apresenta vários setores – captura,
comercialização, etc. - a pesca artesanal perde seu poder de competição, já
que estes setores para ela se tornam inviáveis. A falta desses setores impede
os pescadores artesanais de firmar contratos regulares de fornecimento de
pescado em face das dificuldades de organizar o armazenamento e a
comercialização (Cardoso, 2001). A esse aspecto, inerente à pesca industrial,
somam-se os efeitos danosos da poluição das águas, com que a quantidade e

11
Pesca Longínqua é um tipo de pesca que se realiza em águas internacionais ou nas que se encontram
sob a jurisdição de outros países, tendo uma duração que se pode prolongar por vários meses.
12
Pesca Costeira é um tipo de pesca que se pratica junto à costa, para lá das 6 milhas.
21

o tamanho dos pescados vêm diminuindo nas últimas décadas (Garcez &
Sanchez-Botero, 2005). Isso obriga os pescadores artesanais a buscar o
pescado cada vez mais longe e em locais muitas vezes perigosos, além de
precisarem permanecer mais tempo no mar, agravando os riscos de acidentes
de trabalho.
Mas a intenção dos pescadores artesanais não é a competição de
mercado; o que buscam é a subsistência. Essa competição se torna desleal na
medida em que as grandes embarcações passam a se configurar como
verdadeiras “fábricas flutuantes” (Pimenta, 2001). Equipamentos altamente
modernos, inviáveis financeiramente para os pescadores artesanais, são
utilizados cada vez com mais freqüência entre a frota industrial. Tais
equipamentos, além de permitirem que os cardumes sejam encontrados
acertadamente, faz com que os empregados do barco percam seu poder de
decisão. Seus conhecimentos vão cada vez mais ficando em segundo plano;
há máquinas que fazem o trabalho por eles, além de departamentos
especializados somente na captura.
De acordo com Diegues (1995), o principal motivo da preocupação com
esse tipo de pesca - que está em ascendência, como observamos na Tabela 3
– é a falta de chance que proporcionam à Natureza de repor as espécies.
Retiram quantidades gigantescas de pescados em um período de tempo muito
pequeno, o que não permite ao meio ambiente as recompor. Esse é um dos
principais motivos para começarmos a refletir sobre essa prática. Além disso,
se encaixando na lógica do mercado capitalista, há uma clara dissociação entre
pescador e pescado, o que mais uma vez minimiza a valorização dos
conhecimentos e da experiência que o trabalhador carrega.
No Brasil, segundo Diegues (1995), quando falamos em número de
pescadores artesanais, é difícil estimar ao certo, uma vez que a estatística
pesqueira não é confiável; não há um sistema confiável para se fazer essa
estatística. Quanto à produção, continua sendo significativa, apesar da falta de
apoio por parte do governo, que canaliza todos os investimentos na pesca
industrial. Quando tratamos de números, percebe-se que a pesca artesanal
vem diminuindo sua produção no decorrer dos anos, enquanto a pesca
industrial vem aumentando sua produção significativamente.
22

TABELA 1
Relação entre pesca artesanal e industrial/empresarial no Brasil

Anos Pesca/Industrial/ % Pesca %


Empresarial Artesanal
(ton) (ton)
1960 36.000 16,4 240.000 83,6
1970 198.000 46,6 280.000 53,4
1980 392.325 61,5 243.640 38,4
1983 398.225 58,9 277.117 41,1
1988 373.789 60,0 249.284 40,0
FONTE: IBGE – 1988

Em 1960, como a tabela 1 indica, os pescadores artesanais eram


responsáveis por mais de 80% da captura total de pescado, mas em 1988 essa
porcentagem passou para 50%. Vale lembrar que boa parte da produção
artesanal de autoconsumo é vendida diretamente aos barcos e empresas de
pesca não aparecem na estatística.

TABELA 2
Produção pesqueira por região (Brasil - 1988)

PRODUÇÃO POR REGIÃO (BR)


Regiões Anos Industrial % Artesanal %
(ton) (ton)
1980 4.322 11,0 34.578 88,0
1983 4.948 12,3 35.129 87,7
Norte
1988 6.788 15,4 37.177 84,6
1980 21.837 18,0 99.027 82,0
1983 19.068 14,0 116.502 86,0
Nordeste
1988 16.355 14,8 94.016 85,2
1980 366.166 76,8 110.038 23,2
1983 374.209 74,8 125.496 25,2
Sudeste /
1988 350.656 74,8 118.091 25,2
Sul
FONTE: IBGE – 1988

A produção por região, mostrada na tabela 2, também revela diferenças


entre os dois tipos de pesca bastante significativas. Em 1988 mais de 80% da
produção pesqueira do Nordeste era de origem artesanal e, ao mesmo tempo
23

essa proporção na região sudeste e sul cai para 25,4%.


Para Diegues (1995), o grau de produtividade está diretamente
relacionada com o tipo de embarcação que é realizada a pesca. As relações de
produção do modelo da pesca industrial podem ser divididas em produção
voltada para o autoconsumo e produção voltada para o mercado. A forma de
produção que tem como objetivo o mercado pode ser dividida em duas
porções, a primeira seria a mercantil simples onde o trabalho é realizado pelo
próprio pescador, podendo haver empregados, todos com relação de
compadrio e/ou parentesco. A outra seria a mercantil capitalista, sendo estes,
os pescadores com maior poder aquisitivo, que não necessariamente
trabalham na embarcação, tendo empregados que realizam a pesca em troca
de um pagamento (Andriguetto, 2002). A última forma de produção seria para o
auto-consumo. Pode ser descrita como aquela em que os pescadores teriam o
menor poder aquisitivo dentre as três formas de produção citadas
anteriormente, pescam para comer sem objetivar o mercado e
conseqüentemente lucros.
No Brasil a pesca é representada nas três formas de atividade
econômica citada acima. A forma mercantil pode ser realizada por pescadores
com pouca infra-estrutura e pouco dinheiro aplicado em todo o processo de
produção, ou por empresas privadas com alto grau de produtividade e
investimentos, tanto econômico como também tecnológico, em todo o processo
de produção envolvido. A forma de subsistência seria a mais primária, onde os
apetrechos utilizados são mais rudimentares. No Brasil, então, coexistem
desde a pesca em modelos modernos e de alta produtividade e os tipos de
pesca que não atingem, sequer o nível de subsistência, sendo esta, a pesca
predominante no Brasil (Pimenta, 2001).
No litoral do Paraná, apesar de não exitirem barcos de pesca industrial,
esta influencia diretamente a pesca artesanal, uma vez que as grandes
embarcações vem de outras regiões do país, tais como Rio Grande do Sul,
Santa Catarina, Santos, Rio de Janeiro, etc. Segundo Horochovski (2007), a
pesca artesanal enfrenta muitos mais riscos financeiros do que a pesca
industrial. Esse fator se dá, principalmente, por ser o pescador artesanal,
mesmo que não possua embarcação própria, patrão de si. Ou seja, entre os
pescadores artesanais não se estabelecem vínculos empregatícios e as
24

relações de trabalho obedecem à regulamentação específica do setor: cada um


assume uma posição na hierarquia da atividade e recebe em troca ganhos de
acordo com a valorização social da tarefa desempenhada. Outro fator de risco
financeiro seria, de acordo com o autor, “as perdas e estragos em
embarcações, motores e material de pesca, causados por intempéries,
desgaste e barcos de pesca industrial que, não raro, passam sobre as redes,
por vezes com danos irreversíveis. Nesse caso, resta ao pescador arcar com
prejuízos” (Horochovski, 2007, p.164).
Mais freqüentemente do que se imagina, a indústria da pesca ganha
acesso a grupos de peixes antes que o impacto da pesca seja estimado. A
realidade da pesca moderna é que a indústria é dominada por frotas de
pesqueiros que não dão chance à natureza de repor as espécies. Navios
gigantescos usando sonares de busca de última geração podem apontar com
precisão cardumes de peixes. Os navios são equipados para que funcionem
como verdadeiras fábricas flutuantes – incluindo linhas de produção,
processamento e embalagem de peixes, imensos sistemas de refrigeração e
motores poderosos para arrastar equipamentos pesados através do oceano
(Pimenta, 2001).
Considerando esse aspecto, segundo Pimenta (2001), um dos principais
entraves é que as grandes embarcações possuem redes com malha muito
pequena, o que arrasta desde peixes pequenos até caranguejos, estrelas do
mar, etc. Esse processo prejudica os pescadores artesanais, uma vez que os
peixes pequenos que poderiam pescar e vender são mortos e desprezados
pela pesca industrial. Segundo os pescadores entrevistados, o pescado está
mais escasso principalmente por esse fator, associado também a quantidade
da pesca dessas embarcações.
Podemos definir, em poucas palavras, a pesca industrial como uma
produção que se caracteriza pela dissociação entre pescador e pescado, como
na lógica do mercado capitalista. Já quando na pesca artesanal o pescador não
é dono da embarcação e nem mesmo das redes, não deixa de dominar todas
as etapas que estão ligadas ao processo de seu trabalho, diferenciando sua
atividade das demais, principalmente da pesca industrial, já que em todas as
etapas ele tem o poder decisório (Horochovski, 2007).
No próximo item começaremos a abordar a pesca especificamente no
25

litoral do Paraná, procurando compreender como a pesca se instalou no estado


e como funciona hoje sua dinâmica.

1.3 A evolução da pesca no litoral do Paraná

Durante muitos anos, até pelo menos o início do século XVII, a região
litorânea do Paraná foi a de maior dinamismo econômico do estado. Em boa
parte essa situação se deu por ser o litoral a primeira região a ser colonizada
ao longo do século XVII, em função de sua exploração aurífera. Esse foi o
primeiro ciclo dos muitos que passou o Estado para que se formasse sua
economia, segundo Kraemer (1978), autora que possui um estudo com os
pescadores artesanais de Paranaguá.
O ciclo do ouro, que tem maior destaque entre todos, foi o que deu início
a colonização do Estado e determinou a ocupação do litoral no século XVII. Foi
neste primeiro ciclo que a pesca teve o seu papel mais importante, juntamente
com as pequenas lavouras que surgiram no litoral. A pesca então se constituiu
em alimento básico daqueles envolvidos na mineração do ouro. Nesta época
em foi fundada a Vila Nossa Senhora do Rosário de Paranaguá,
especificamente em 1649, quando o ouro ainda tinha uma grande demanda
naquela região. O ouro que existia em Paranaguá, mesmo sendo a primeira
amostra para a Coroa portuguesa, era encontrado apenas nas terras de aluvião
(terra de inundação) e areias monazíticas, apresentando-se em pouca
quantidade. Com isso, logo desapareceu, se esgotando as possibilidades de
exploração neste setor, aproximadamente no início do século XVIII (Kraemer,
1978).
Com isso surge, no final do século XVII, o segundo ciclo econômico do
Paraná, que se deu pelo tropeirismo13, com o transporte de gado do Rio
Grande do Sul para São Paulo. A região do Planalto, de acordo com o caminho
dos tropeiros, era a mais indicada para as chamadas “invernadas”,
caracterizada por uma parada no período de inverno, com o objetivo exclusivo

13
A palavra "tropeiro" deriva de tropa, numa referência ao conjunto de homens que transportavam gado
e mercadoria no Brasil colônia. O termo tem sido usado para designar principalmente o transporte de
gado da região do Rio Grande do Sul até os mercados de Minas Gerais, posteriormente São Paulo e Rio
de Janeiro.
26

de que o gado resistisse. Essa foi uma época em que o Paraná teve um
crescimento econômico muito intenso, mas com a decadência da extração do
ouro também em Minas Gerais e, conseqüentemente, a perda da necessidade
do gado para abastecer a região, ocorreu a decadência do ciclo do tropeirismo.
O próximo ciclo econômico importante para a consolidação da economia
no Paraná foi à extração da erva-mate, entrando aqui a cidade de Paranaguá
como a exportadora da erva para a Argentina, na metade do século XIX, o que
marca esse ciclo como um período de grande prosperidade da economia no
Estado.
No final do mesmo século se desenvolveu outro ciclo, sendo
representado pela exportação de madeira, também feita pelo porto de
Paranaguá. Nesses dois períodos a região, que vivia a economia de
subsistência, passa a uma nova situação, uma vez que o movimento portuário
passa a ocupar o primeiro lugar entre suas atividades econômicas.
O quinto ciclo importante, que se deu no início do século XX, se
caracteriza pela economia do café, dominando toda a economia do Estado. As
principais atividades executadas depois disso na região passam a ser a
agricultura e o extrativismo florestal e pesqueiro.
Nesse período (início do século XX) se estabeleceram as raízes culturais
da sociedade pesqueira marítima paranaense, com o surgimento dos primeiros
agricultores-pescadores, entre índios e portugueses (Andriguetto, 1999). De
acordo com Bonin (1984), que realizou uma pesquisa com pescadores de
Itapema-SC, a associação da pesca artesanal com a pequena lavoura é uma
prática muito antiga entre nós, conforme se pode apreender das referências
encontradas ao longo da história do litoral paranaense. Em função dessa
associação, a pesca tem sido tradicionalmente concebida, teoricamente, como
parte do que se denominou campesinato, isto é, como atividade subordinada à
pequena lavoura familiar, mesmo quando ela apresenta-se com o mais
importante que a atividade agrícola ou, ainda, quando dela já se encontra
separada. Para Bonin (1984, p.63), “há certamente uma grande diferença entre
o processo produtivo na agricultura e o processo produtivo na pesca artesanal
que se estabeleceu desde o primeiro momento, pelo fato de o primeiro se
desenvolver em torno da terra e o segundo em torno do mar”. Em outras
palavras, enquanto na agricultura o objeto de trabalho se configura na terra
27

privada que é uma mercadoria, na pesca o objeto, em princípio, é um bem


comum.
Com o fim da escravidão, a produção agrícola entra em uma grande
crise, ficando o litoral com o caráter de simples zona de trânsito. Percebe-se
que em nenhum momento na efetivação da economia do Paraná a pesca entra
como fator de maior importância. Segundo Kraemer (1978, p.15), “a pesca
nunca teve tanta relevância na economia do Paraná, e nem mesmo na região
do litoral. O seu papel principal, desde a época da mineração até hoje, é o de
assegurar a subsistência das populações das ilhas, praias e baías do litoral
paranaense”. A pesca artesanal não teve muito destaque na economia
paranaense como a agricultura, mas foi de grande importância econômica para
a zona costeira e para as populações do litoral em geral.
A pesca teve seu papel mais intenso no ciclo do ouro, no final do século
XVI e início do século XVII, sendo utilizada para alimentar os trabalhadores das
minas de ouro. Passa a entrar no mercado depois desse período, sempre em
pequenas proporções, se enquadrando no perfil da sociedade capitalista, ainda
que em pequena escala.
Há muito tempo, a pesca artesanal no litoral do Paraná vem sendo uma
importante atividade econômica da zona costeira, assim como um importante
meio de subsistência para a população que reside nesta região.
Andriguetto (1999) comenta que no plano das atividades econômicas, a
pesca artesanal paranaense distingue-se em diferentes graus de inserção no
mercado, e diferentes estratégias econômicas. No plano natural, o litoral se
caracteriza por uma grande diversidade de habitat aquático. No plano técnico,
é notável a multiplicidade de práticas, com apetrechos e espécies-alvo
diferentes, e de distribuição espacial heterogênea. Para o autor, os processos
de transformação nos modos de exploração dos recursos também são
diversificados. As modificações técnicas na pesca parecem resultar das
influências combinadas do avanço tecnológico (embarcações a motor), da
expansão do turismo e mudanças no uso do solo e da evolução do mercado.
A pesca nos dias atuais, segundo Andriguetto (1999), está
intrinsecamente ligada à economia do litoral paranaense. Tem sido parte
importante das atividades econômicas da zona costeira do Paraná, há, pelo
menos, dois séculos. Estima-se que mais de 10.000 pessoas dependem da
28

pesca, entre pescadores e suas famílias, distribuídos em mais de 60 vilas ou


bairros urbanos dos municípios de Antonina, Guaraqueçaba, Guaratuba,
Matinhos, Pontal do Paraná e Paranaguá.

A EMATER/PR contabilizou, em 1998, 4078 pescadores, onde Antonina,


Guaraqueçaba e Paranaguá apresentam ao redor de 1000 pescadores cada
(1040, 1097 e 1005, respectivamente), Guaratuba 540, Pontal 240 e Matinhos
156 (Tabela 3).

TABELA 3
Número de pescadores por município – litoral do Paraná - 1988

NÚMERO DE PESCADORES
MUNICÍPIO
(EMATER/PR, 1998)
ANTONINA 1040
GUARAQUEÇABA 1097
GUARATUBA 540
MATINHOS 156
PARANAGUÁ 1005
PONTAL DO PARANÁ 240
TOTAL 4078
FONTE: EMATER, 1998, apud RICHTER, 2000.

As embarcações cadastradas nesse estudo totalizaram 2.047, e o total


de capturas do camarão foi de 4.904 toneladas ton/ano, e de pescado, 1.363
ton/ano toneladas. O maior número de embarcações está em Paranaguá e
Guaraqueçaba (625 e 572), 350 Guaratuba e Antonina, cada, sendo que Pontal
e Matinhos possuem menos de 100 (90 e 60, respectivamente). Guaratuba
concentra a produção de camarão, com 3.400 ton/ano e de pescado com 400
ton/ano (Tabela 2). Nas baias se concentra a pesca com pequenas
embarcações, muitas delas a remo, enquanto a pesca de camarão é realizada
por barcos maiores, com maior capacidade de captura. (Vale, 2006)

TABELA 4
Quantidade de embarcações, produção de camarão e de pescado no litoral do
Paraná (toneladas/ano1998)

PRODUÇÃO DE PRODUÇÃO DE
NÚMERO DE
MUNICÍPIO CAMARÃO PESCADO
EMBARCAÇÕES
(ton/ano) (ton/ano)
ANTONINA 350 89 93
29

GUARAQUEÇABA 572 585 280


GUARATUBA 350 3400 400
MATINHOS 60 210 190
PARANAGUÁ 625 520 300
PONTAL DO PARANÁ 90 100 100
TOTAL 2047 4904 1363
FONTE: EMATER, 1998, apud RICHTER, 2000.

Os principais tipos de embarcações utilizados na pesca do litoral


paranaense segundo Chaves & Roberts (2003) são canoas de madeira14,
canoas de fibra-de-vidro15, botes16, bateirinhas17, bateiras18 e baleeiras19.
Baleeiras de grandes proporções normalmente não operam no interior dos
estuários sendo utilizadas para pescarias em região de Plataforma Interna
Próxima podendo ficar “pra fora” por vários dias, sendo que este tipo de
embarcação é que os pescadores chamam de “barco”.
No Paraná são muitos os instrumentos e técnicas de pesca empregados,
pois ocorrem vários tipos de espécies-alvo, sendo necessário por parte dos
pescadores a utilização de vários apetrechos. De acordo com Chaves & Robert
(2003), os principais são:
• redes de arrasto com pranchas (ou portas de madeira, quando de maior
tamanho e constituídas por tábuas vazadas); malhas no ensacador
variando de 1 a 6 cm entre nós opostos; puxadas pela popa ou pelo
costado, sempre de fundo, utilizadas para a pesca de camarão;
• redes de emalhe; malhas variando de 5 a 40 cm entre nós opostos,
operando com algumas formas particulares: "caceio", de superfície ou
de fundo, a qual fica à deriva20; e "fundeio", rede presa ao fundo por

14
Com tração a remo ou vela (dentro das baías) e motor de centro com 11 a 24 hp (dentro das baías e
principalmente na região de orla oceânica); monóxilas, ou seja, construídas a partir de tora única
escavada, secção transversal em U, em geral, dotada de borda com fundo quilhado.
15
Motor de centro com 11 a 24 hp; mesma forma do tipo anterior, porém fabricadas com resina sintética
e fibra de vidro.
16
Motor de centro com 9 a 36 hp; confeccionados com tábuas encaixadas de forma coplanar (lisa); popa
reta e fundo podendo ser quilhado ou chato (plano); podem possuir guincho e tangones.
17
Propulsão a remo; fundo chato; atuam sozinhas ou auxiliam as embarcações motorizadas, também são
transportadas como salva-vidas na pesca na Plataforma Oceânica.
18
Motor de centro com 11 hp ou superior; construídas com tábuas de madeira coplanares (lisas) ou
imbricadas (escamadas); podem possuir guincho e tangones. A denominação bateira, como também
bateirinha, advém de seu fundo chato "bater" contra as ondas.
19
Motor de centro com 22 a 115 hp; maioria com tábuas de madeira coplanares (lisas), proas e popas em
bico abauladas podendo ter casario, convés, tangones e guincho; muitas possuem geladeira e banheiro.
20
Uma variação de caceio de fundo é o caracol, em que a rede é forçada em semi-circunferência através
30

poitas de ferro: Nesta modalidade, os panos, interligados, podem


ultrapassar 3,5 km de extensão. Uma variação de caceio relatada para
os estuários foi o "lance batido", envolvendo a disposição da rede em
semi-circunferência havendo a produção de estímulos sonoros (remo,
motor) para a movimentação dos peixes de encontro à rede;
• tarrafas; apresenta doze diferentes tamanhos de malha, de 2 a 18 cm
entre nós opostos, utilizadas, sobretudo, nos estuários e na boca das
baías, quando é época de tainha (inverno);
• gerival ou cambau; rede cônica (2,5 a 3 m de largura) arrastada por
corda, manualmente ou por embarcação; malha de 2,5 ou 3 cm no
ensacador; restrito aos estuários;
• espinhel; com anzóis de 7 cm, tendo como isca pequenas tainhas e siris;
pouco utilizado;
• puçá; utiliza como atrativo cabeças de peixe, sendo eficiente para
captura de camarões, siris e pequenos peixes, os quais são vendidos
como isca-viva; restrito aos estuários.
O litoral paranaense possui uma extensão de pouco mais de 90 km de
mar aberto e 400 km de costa nas baías de Paranaguá, Antonina e Guaratuba,
distribuídos em seis municípios, sendo o segundo menor entre os estados
brasileiros banhados pelo mar (depois do estado de Piauí). Este fator faz com
que o estado paranaense tenha pouca expressão na produção do pescado
frente a outros estados brasileiros.
Um outro fator que traduz a baixa produção de pescado do Paraná em
relação aos outros estados do Sul do Brasil é o Porto de Paranaguá, que não
favorece a instalação de terminal pesqueiro devido a sua localização. Conta
com boas condições de atracagem, ou seja, de mar calmo, mas situa-se muito
longe da entrada da baía, o que dificulta ainda mais a expansão da pesca no
Estado (Andriguetto, 1999).
No extenso litoral brasileiro, e também no litoral do Paraná, existem
variadas formas pelas quais o trabalho produtivo na pesca se organiza, além
de serem distintas umas das outras. Ainda que os fatores colocados acima
justifiquem a pouca produtividade de pescados, o estado do Paraná possui

de uma de suas extremidades presa à embarcação.


31

ainda uma forte presença da produção artesanal pesqueira, sendo responsável


por quase todo o pescado retirado no Estado. Ao todo são cadastrados no
litoral paranaense 5.307 pescadores artesanais, distribuídos em 25
associações, seis colônias e uma cooperativa (Horochovski, 2007).
No próximo capítulo abordaremos os conhecimentos tradicionais
pesqueiros, a fim de especificar as particularidades que os pescadores
artesanais possuem, ou seja, sua forma peculiar de lidar com a natureza.
32

CAPÍTULO 2: Os conhecimentos tradicionais pesqueiros

Pretende-se, nesse capítulo, perceber como os diversos autores


utilizados neste trabalho vêem os conhecimentos tradicionais pesqueiros em
geral, uma vez que essa discussão se torna fundamental na problemática da
presente pesquisa, visto que o grupo de pescadores estudado possui diversos
saberes sobre a natureza; saberes esses que foram construídos ao longo de
várias gerações, através da observação e do cotidiano na atividade pesqueira.
Esses conhecimentos se tornam importantes dentro do contexto da
conservação da natureza à medida que, diante da crise ambiental em que
vivemos atualmente, precisamos valorizar os modos de vida tradicionais, a
observação e valorização da natureza, para se pensar em novos rumos em
busca de uma sociedade sustentável.
A atividade na pesca, em geral, consiste em um contínuo processo de
apropriação da natureza pelo trabalho humano, assim como outras profissões.
Então, nos cabe destacar que tipo de apropriação seria esta. Alguns dos
objetos de trabalho dos pescadores artesanais não são frutos do trabalho
humano, mas existem a partir de seus ciclos biológicos de reprodução e
crescimento, tais como os peixes, crustáceos, moluscos, etc. (Cardoso, 2001).
Para o autor, esses objetos fariam parte de uma primeira natureza, ou seja,
sofrem influências das ações da sociedade, tais como as transformações na
qualidade da água, desmonte de manguezais, construções de portos, etc.
Sendo assim, podemos, de acordo com Moraes (1997), que se baseia na teoria
marxiana, falar de uma segunda natureza. O conceito de uma segunda
natureza foi elaborado para diferenciá-la da natureza em “estado natural”, ou
seja, a primeira natureza citada acima.
Esta segunda natureza seria aquela já submetida às ações do homem,
da sociedade, já apresentando resultados desta ação. Quando a discussão
toma esse rumo, o conceito de trabalho se torna essencial para a diferenciação
desses dois tipos de natureza, uma vez que, segundo Marx (in Cardoso, 2001),
o trabalho humano, pensado, concebido, é o trabalho mediador entre o homem
e a natureza.
Os pescadores artesanais classificam também peixes e fenômenos
naturais, ou seja, a apropriação do objeto de trabalho se faz pelo trabalho
33

traduzido em conhecimento em um primeiro momento. Neste sentido o


conjunto de elementos da natureza, à medida que são apropriados pela
sociedade se configuram em uma segunda natureza.
Entrando no trabalho dos pescadores, deparamo-nos com outros
fatores. A influência da lua nas marés, os ventos que movem massa de água, a
rotação terrestre causando correntes, enfim, todas as influências geradas no
ambiente marinho separam o pescador do pescado. E esses elementos, além
dos pescados, não são produzidos pelo trabalho humano, ainda que estão
passíveis de sofrerem interferências da sociedade. Cardoso (2001, p.41),
comenta que “peixe só é peixe e maré só é maré, a partir do momento que a
humanidade assim os classificou. Consistiram em fenômenos sentidos,
observados, recriados pela linguagem, pela cultura, enfim, apropriados
socialmente”. Para o autor, os pescadores classificam os seres que vivem no
mar - e que são objetos de seu trabalho - de uma forma bastante peculiar, já
que dependem da “primeira natureza” diariamente em sua atividade.
Na pesca artesanal não é o tempo cronológico que predomina, mesmo
em tempos modernos. Os ciclos da natureza é que regulam a vida do pescador
artesanal; este é um mediador da natureza e a apropriação desta se expressa
na figura do pescador em seu processo de conhecimentos e trabalho.
(Cardoso, 2001). Esse processo de trabalho exige um aprendizado prévio, uma
vez que o homem necessita aprender sobre a natureza a fim de poder
apreendê-la. “Quando aprende, apreende; quando apreende, aprende”
(Santos in Cardoso, p.42, 2001). Para Cardoso, “o conhecimento na pesca é
conhecimento de ventos, águas, marés, fundos submarinos, correntes, hábitos
de peixes, entre uma série de processos ‘naturais’, formando sistemas
cognitivos próprios para a interpretação, apropriação e representação destes
processos.”
De acordo com Diegues (1995, p.251), a representação de natureza que
as comunidades de pescadores artesanais possuem, “resultam de um longo
período de ajustamentos culturais nos quais os valores, imagens e percepções
são desenvolvidas em relação ao meio ambiente natural”. A introdução de
novas tecnologias na pesca artesanal pode alterar certos aspectos de
produção e da vida social, sem que se modifiquem os elementos fundamentais
da pequena produção, uma vez que seus valores em relação a isso vêm se
34

construindo e reconstruindo há gerações.


A percepção sobre natureza dos pescadores artesanais se diferencia da
visão urbano-industrial, já que os primeiros dependem prioritariamente da
natureza para sobreviver, sendo assim, tem um contato maior com esta,
observado-a diretamente e quase diariamente. O modelo de pensamento dos
pescadores artesanais se distancia do pensamento do modelo econômico
vigente – o capitalismo, que possui seu modo de administrar modernamente os
recursos naturais, com a noção da capacidade de suporte baseada em
informações científicas (Diegues, 1995).
Dentro dessa perspectiva de administração dos recursos naturais, existe
um ramo de estudo que está sendo bastante discutida – a etnociência - uma
vez que contribui para o entendimento dos conhecimentos tradicionais e é de
grande importância para o manejo e conservação dos ecossistemas. A
Etnociência nos ajuda a entender melhor a questão da importância dos saberes
tradicionais na atual sociedade, partindo da lingüística para estudar os saberes
das populações humanas sobre os processos naturais. Tem como objetivo
descobrir a lógica subjacente ao conhecimento humano do mundo natural, as
taxonomias e classificações totalizadoras. Esses estudos reforçam a idéia que
manejo de ecossistemas significa, principalmente, uma relação de
conhecimento e ação entre as populações e seus ambientes. Para Leff (2001),
a busca é por ações práticas que finquem a cultura em suas raízes naturais, ou
seja, resgatem os valores tradicionais da comunidade em que estão inseridos.
A Etnociência tem como características principais a multidisciplinaridade
das ações e retorno do conhecimento produzido àqueles que o geram. Neste
retorno confrontam-se e contemplam-se o conhecimento acadêmico e o
conhecimento popular. É um campo transdisciplinar e não uma disciplina à
parte. Não estuda necessariamente a ciência propriamente dita, mas sim as
diversas formas do conhecimento ou do saber humano. Busca um processo de
reconhecimento e valorização de outras culturas, procurando-se estudar os
processos de geração e troca de conhecimento. Desta forma, espera-se que a
etnociência atue num contexto multicultural, tentando entender os processos de
geração e transmissão de conhecimentos, no fazer ciência de cada grupo
identificável, com o propósito de utilizar esses saberes para o benefício do
próprio grupo, na manutenção de seus valores e práticas culturais, sociais,
35

religiosas, profissionais, etc.


Um dos problemas que encontramos quando tratamos dos saberes
tradicionais é a constante desvalorização destes pela comunidade científica e
sociedade em geral, por estarem localizados, segundo Allut (2000), na parte
mais baixa da “árvore do saber”, que coloca esse como um dos motivos em
que os saberes dos pescadores não são reconhecidos como uma fonte
importante de conhecimento.
Outro motivo desta desvalorização, segundo a autora, está relacionado à
formação que os pescadores possuem. Nesse pensamento, os pescadores não
podem gerar conhecimento confiável porque não receberam a instrução
necessária para isso, ou seja, não freqüentaram escolas, nem universidades
para o ensino dessas habilidades. Então, dentro dessa concepção, não é
possível que esses saberes tenham valor de verdade, uma vez que não
derivam do método científico.
Os saberes, nesse contexto, são vistos como insuficientes, pois foram
construídos com base em um “empirismo ingênuo” (Castro, 2000), resultantes
somente de percepções causais elaboradas sem controle no processo de
observação. Essa visão nega a relação secular que os pescadores têm com o
ambiente marítimo; todo o rico e detalhado conhecimento acumulado ao longo
de várias gerações. Para Castro (2000), esses conhecimentos devem sim
serem priorizados, objetivando valorizar os recursos naturais para poderem
controlar e racionalizar seus usos sob padrões ocidentais de sustentabilidade.
Tanto os cientistas quanto os pescadores, cada um em seu âmbito,
buscam um objetivo semelhante: oferecer um certo controle da natureza. No
primeiro caso na forma de explicações causais, marcados por teorias
complexas e, no segundo caso, recorrendo a outras estratégias explicativas
que necessitam de interpretação rápida a fim de possibilitar a tomada de
decisões objetivas e pontuais (Allut, 2000). Veremos no próximo item as
contradições entre a tradição e a modernidade, a fim de resgatar a importância
da tradição e conseqüentemente dos conhecimentos tradicionais dentro da
problemática ambiental.

2.1 Tradição e modernidade


36

Para podermos entender os conhecimentos tradicionais como


fundamentais tanto para a natureza quanto para sua conservação, é
necessário que se analise o significado da tradição e da modernidade, uma vez
que, dessa forma, a tradição e todas as suas formas seriam vistas como
atrasadas, pertencentes a um passado distante que precisa não ser preservado
e resgatado, mas ultrapassado e substituído, superado historicamente pela
modernidade.
Os pescadores artesanais de que tratamos no presente trabalho são
muitas vezes interpretados pela sociedade como povos “atrasados”,
“preguiçosos”, não levando em conta a freqüência dos ciclos naturais que
dependem. Seu modo de vida tradicional passa, outras vezes, pela idéia de
repetição e estabilidade, que é o oposto do contínuo ritmo de mudança das
sociedades urbano-industriais, portanto não os insere na emergência de novos
tempos que a sociedade se encontra. Para Giddens (1991), é necessário
analisar a modernidade enquanto descontinuidade entre as ordens tradicionais
e as instituições sociais modernas. Uma das características desta
descontinuidade é o ritmo de mudança que a era da modernidade põe em
movimento, e o escopo da mudança, ou seja, a abrangência global desta.
Segundo o autor, “as civilizações tradicionais podem ter sido
consideravelmente mais dinâmicas que outros sistemas pré-modernos, mas a
rapidez da mudança em condições de modernidade é extrema” (p.15).
Outra característica desta descontinuidade está, segundo Giddens
(2002), na natureza das instituições modernas, isto é, a transformação em
mercadoria de produtos e trabalho assalariado, por exemplo. Para o autor a
modernidade vem a romper com o sentimento de proteção da pequena
comunidade, uma vez que as substitui por organizações maiores, portanto
impessoais (p.38). Sendo assim, o indivíduo passa a se sentir desamparado
psicologicamente, já que falta a segurança que lhe era oferecida em um
ambiente que considerava mais tradicional.
No contexto em que este trabalho se encaixa, a tradição é interpretada
como algo em movimento, um vasto e rico conhecimento passado de geração
a geração. O saber tradicional dos pescadores artesanais é cumulativo, ou
seja, produzido por gerações sucessivas e evoluindo a cada passagem; é
37

empírico, pois se confronta com o teste da experiência diária, com a “ida” a


campo, e é dinâmico, uma vez que se transforma em função das mudanças
socioeconômicas, tecnológicas e físicas.
É possível que, assim como Giddens (1991) propõe em sua obra,
substituir essa imagem pela metáfora do carro de Jagrená. Esta, fala de uma
máquina em movimento muito potente em alta velocidade, que esmaga os que
lhe resistem, e, às vezes, não tem destino certo, seguindo caminhos que fogem
ao nosso controle. A metáfora indica que, segundo o autor, a modernidade
produziu um mundo perigoso, como um veículo desgovernado que não
podemos controlar, mas, paralelamente, não podemos sair dele. Essa é uma
das formas que podemos interpretar a modernidade, e que esta age sobre os
pescadores artesanais, que com a pressão que sofrem pela alta
competitividade devido às novas tecnologias – e muito mais potentes, que
vêem os recursos naturais como valores de mercado – são compelidos, muitas
vezes, a tomar atitudes que vão contra seus valores.
Considerar a oposição entre a tradição e a modernidade já é uma
herança moderna, uma vez que é em relação à ruptura inaugurada pela
modernidade que os ideais aos quais ela se demarca são definidos como
tradicionais, tal como é em relação aos ideais da tradição que os projetos de
ruptura em relação a esses ideais são definidos como modernos. Os dois
termos não são abstratos e nem homogêneos, são, portanto, constituídos de
conteúdos e significados (Bornheim, 1987).
Primeiramente se faz necessário analisar os dois termos
separadamente, em seu sentido etimológico. Segundo Bornheim (1987, p.18),
“a palavra tradição vem do latim: traditio. O verbo é tradire, significa entregar,
designa o ato de passar algo para outra pessoa, ou de passar de uma geração
para a outra geração.” O termo traditio, vem do verbo trans-dare, que significa
completamente, e o prefixo trans está ligado ao sentido de transparecer,
transmitir. Significa, portanto, a doação, a entrega, a transmissão completa, de
um lado a outro. Em segundo lugar, os dicionaristas referem a relação do verbo
tradire com o conhecimento oral e escrito, ou seja, através da tradição, algo é
dito e o dito é entregue de geração a geração. Estão instalados numa tradição,
como que inseridos nela e através do dito ou escrito algo é entregue, passa de
geração a geração, e isso constitui a tradição - e nos constitui. Entendendo
38

então o sentido etimológico do termo, tradição significa entregar, o ato de


passar algo para outra pessoa ou de uma geração a outra.
Bornheim (1987) chama a atenção para a relação entre a tradição e a
ruptura, uma vez que são opostos em todos os sentidos. A tradição só parece
ser ela mesma na medida em que afasta qualquer possibilidade de ruptura, já
que a modernidade se define como uma ruptura, se apresentando a tradição,
portanto, a única fonte possível de sentido.
Giddens (1997, p.80), ao falar sobre a tradição, a coloca como a “cola
que une as ordens sociais pré-modernas”. Para ele, a tradição envolve, de
alguma forma, controle do tempo. Em suas palavras, “a tradição é uma
orientação para o passado, de tal forma que o passado tem uma pesada
influência ou, mais precisamente, é constituído para ter uma pesada influência
para o presente”.
A tradição, portanto, não se restringe a algo ultrapassado, mas a algo
muito útil nos dias atuais em que os valores ambientais estão se perdendo.
Quando trata do termo tradição, Giddens (1991, p.20) o coloca em um sentido
mais amplo, que seria o contexto da cultura, ou seja, para ele a tradição pode
ser compreendida como “o conjunto de valores dentro dos quais estamos
estabelecidos; não se trata apenas das formas de conhecimento ou das
opiniões que temos, mas também da totalidade do comportamento humano,
que só se deixa elucidar a partir do conjunto de valores constitutivos de uma
determinada sociedade”. Sendo assim, a tradição é o princípio, é onde se
calcam os valores de um povo, mesmo que com o passar do tempo esses
princípio se percam em parte.
Além disso, a tradição integra e monitora a ação à organização tempo-
espacial da comunidade, ou seja, ela é parte do passado, presente e futuro; é
um elemento intrínseco e inseparável da comunidade. Ela está vinculada à
compreensão do mundo fundada na superstição, religião e nos costumes; ela
pressupõe uma atitude de resignação diante do destino, o qual, em última
instância, não depende da intervenção humana, do “fazer a história”. Dessa
forma, conhecer é ter habilidade para produzir algo e está ligado à técnica e à
reprodução das condições do viver. A ordem social sedimentada na tradição
expressa a valorização da cultura oral, do passado e dos símbolos enquanto
fatores que perpetuam a experiência das gerações.
39

Por outro lado, a tradição também se vincula ao futuro. O futuro não é


concebido como algo distante e separado, mas como uma espécie de linha
contínua que envolve o passado e o presente. É a tradição que persiste,
remodelada e reinventada a cada geração, não havendo um corte profundo,
ruptura ou descontinuidade absolutas entre o ontem, hoje e o amanhã.
Para Giddens (2002), a tradição envolve o ritual, e este constitui um
meio prático de conservação da natureza. Nas sociedades que integram a
tradição, os rituais se tornam mecanismos de preservar a memória coletiva e
as verdades inerentes ao tradicional. O ritual reforça a experiência cotidiana e
refaz a liga que une a comunidade, mas ele tem uma esfera e linguagens
próprias e uma “verdade formular” que não depende das “propriedades
referenciais da linguagem”. Pelo contrário, a linguagem ritual é performativa, e
às vezes pode conter palavras ou práticas que os falantes ou os ouvintes mal
conseguem compreender. Segundo o autor em questão, a fala ritual é aquela
da qual não faz sentido discordar nem contradizer. Por esse motivo, contém um
meio poderoso de redução da possibilidade de dissensão. (Giddens, 2002)
Essa “verdade formular” na qual se funda o ritual necessita do intérprete,
e este é o guardião da tradição, que se caracteriza pelo status, isto é, pelo
papel que ocupa na ordem tradicional. Diferentemente do perito, o especialista
da ordem social moderna, o conhecimento do guardião se reveste de mistério,
se fundando na pura crença, além de possuir um sentido místico inacessível ao
comum, ao leigo:

A tradição é impensável sem guardiões, porque estes têm um acesso privilegiado à


verdade; a verdade não pode ser demonstrada, salvo na medida em que se
manifesta nas interpretações e práticas dos guardiões. O sacerdote, ou xamã,
pode reivindicar ser não mais que o porta-voz dos deuses, mas suas ações de fato
definem o que as tradições realmente são. As tradições seculares consideram seus
guardiões como aquelas pessoas relacionadas ao sagrado; os líderes políticos
falam a linguagem da tradição quando reivindicam o mesmo tipo de acesso à
verdade formular. (Giddens, 1997, p.100)

A interpretação monopolizada pelo guardião constitui uma verdade


acessível apenas aos iniciados, isto é, aos que aceitam a verdade revelada por
ele e, conseqüentemente, o seu status. A tradição é intrinsecamente
excludente: apenas os iniciados, os admitidos, podem participar e compartilhar
da sua verdade, do ritual. A discriminação do não-iniciado, como Giddens
40

chama de o “outro”, é fundamental para fortalecer o status do guardião e do


ritual em si. O “outro” está fora, a verdade formular não é permitida a ele, ou
seja, a identidade do “eu” se vincula ao envolvimento com o ritual e, portanto,
se diferencia em relação ao “outro”.
Podemos substituir essa visão de guardião da tradição formulada por
Giddens, ainda que a dinâmica das comunidades seja diferenciada (não há
rituais), pelos mestres21 presentes entre os pescadores artesanais. São eles os
depositários dos saberes construídos ao longo de gerações, como já
comentado, e os demais pescadores, como se observou em pesquisa,
respeitam esses conhecimentos e o aceitam como verdadeiro. O mestre possui
o “status” dentro da comunidade; praticamente todos os demais pescadores
pedem opiniões aos mestres sobre a pesca e confiam em seus conselhos.
Quando analisamos a modernidade, segundo termo a ser discutido,
percebemos que ela se constitui na oposição com a tradição, ou seja, enquanto
a tradição significa o passado constituindo o presente, a modernidade significa
o tempo imediato, do acontecido, com os olhos voltados para o futuro. Por isso,
comparar a oposição entre tradição e modernidade já é uma herança moderna
(Cunha, 1995), uma vez que é exatamente a relação do processo da ruptura
com a modernidade, já citado acima, que faz com que a tradição esteja tão
presente nos discursos modernos. A tradição e a modernidade, então, são
faces de uma mesma moeda, uma vez que moderno é tudo o que se demarca
em relação aquilo que permanece como tradicional, tal como tradicional é tudo
o que se demarca em relação aquilo que se apresenta como moderno.
No seu sentido etimológico, a palavra modernidade significa moderno
(modernus), originado do latim. Seu sentido está ligado ao termo “medido”, o
que acaba de acontecer ou que aconteceu há pouco. De acordo com Cunha
(1995, p.15):

Moderno, um termo que para nós indica o presente absoluto, uma espécie
de presente na segunda potência, ou o presente como futuro de si, é o termo
para o que passou, o que acabou de acontecer. E esta contradição não se
limita a etimologia; também na estética, o moderno implica em
desdobramentos entre o presente e o passado.

Mas a modernidade também reincorpora a tradição, reinventa-a, e, neste

21
Ver capítulo 4 do presente trabalho, item 4.2.
41

sentido, também expressa continuidade. Grande parte dos valores


relacionados à tradição permanece e se reproduzem no âmbito da comunidade
local. Na verdade, as primeiras instituições da modernidade não podiam
desconsiderar a tradição preexistente e, vários aspectos, dependiam delas.
Para Giddens (1997, p.115),

Somente com a consolidação do Estado-nação e a generalização da democracia


nos séculos XIX e XX, a comunidade local efetivamente começou a se fragmentar.
Antes deste período, os mecanismos de vigilância eram primariamente “de cima
para baixo”; eram meios de controle cada vez centralizados sobre um espectro de
“indivíduos” não mobilizados.

Porém, a modernidade teve que “inventar” tradições e romper com a


“tradição genuína”, isto é, com aqueles valores radicalmente vinculados ao
passado pré-moderno. A modernidade, neste sentido, expressa
descontinuidade, a ruptura entre o que se apresenta como o “novo” e o que
persiste como herança do “velho”.
A modernidade, para o autor, expressa uma ruptura com a idéia de
comunidade e passagem à idéia de sociedade (dividida em interesses
conflitantes, classes antagônicas e grupos diversificados), além de uma ruptura
também com a idéia e a prática teológico-política do poder político e passagem
à idéia da dominação impessoal ou da dominação racional, isto é, nascimento
da idéia moderna de Estado. Segundo ele, a modernidade “refere-se a estilo,
costume de vida ou organização social que emergiram na Europa a partir do
século XVII e que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em sua
influência”. (Giddens,1991, p.11).
O autor observa que vivemos em uma época marcada pela
desorientação, pela sensação de que não compreendemos plenamente os
eventos sociais e que perdemos o controle. A modernidade transformou as
relações sociais e também a percepção dos indivíduos e coletividades sobre a
segurança e a confiança, bem como sobre os perigos e riscos do viver. Para o
autor, a modernidade rompe o referencial protetor da pequena comunidade e
da tradição, substituindo-as por organizações bem maiores e impessoais, ou
seja, o indivíduo se sente só em um mundo em que falta a segurança oferecida
em ambientes mais tradicionais. Não basta, segundo ele, inventar novas
palavras para explicar este redemoinho, mas sim olhar com atenção a própria
42

modernidade e analisar as suas conseqüências. Supõe-se que existe uma


oposição entre tradição e modernidade, em que a última significaria a morte da
primeira. Se os dois termos são interpretados como valores, então a tradição
só poderia ser pensada nesses termos porque está sempre mudando, onde se
contrapõe o tempo dos antigos ao tempo das novidades; muitas vezes a
tradição é interpretada como sendo um valor atrasado.
É fundamental que se comece a pensar fora da linearidade que permeia
o pensamento atual, o pensamento evolucionário do “velho” para o “novo”, do
“antes” para o “depois”, do “passado” para o “presente”. A tradição está ligada,
no contexto dessa pesquisa que procura trabalhar com a importância dos
saberes tradicionais, a uma contribuição para um resgate dos valores
ambientais, uma vez que a tradição não deve ser substituída pela
modernidade, mas unida a ela, já que para a conservação da natureza é
preciso ir além de uma mescla entre os diversos saberes (tanto acadêmicos
quanto populares), que se extraia do passado e do presente suas mais
significativas contribuições, num movimento contínuo de olhar sabiamente para
frente e para trás.

2.2 Características da relação homem-natureza

Nos tempos atuais uma outra discussão, quando se trata sobre a


natureza, se faz necessária: a relação do homem com a natureza. Foladori
(2001) acredita que a crise ambiental contemporânea nos obriga a repensar
essa relação, visto que ela tem mudado através da história. O autor vê a
relação homem-natureza sob uma ótica de que os seres humanos não podem
ser comparados com qualquer outra espécie de seres vivos, já que “a
sociedade humana tem diferenças em seu interior que se cristalizam em
apropriação histórica diferente dos meios de vida e da natureza externa em
geral” (p.136). Essas diferenças de apropriação criam os grupos sociais que
por sua vez são distintos em seus relacionamentos com o ambiente natural.
Essa discussão se torna relevante no contexto do presente trabalho à medida
que percebemos que a relação da sociedade com a natureza deve ser
analisada historicamente, e ser entendida a partir do ponto de vista que os
43

homens são seres sociais, que possuem relacionamentos diferenciados com a


natureza de acordo com a mentalidade da comunidade em que vivem e,
principalmente, o modo de vida levam, em relação a sua atividade profissional
e sua visão de mundo.
A relação homem-natureza passa a ser um objeto de estudo
fundamental para entendermos a crise ambiental, como chegamos até ela e o
que pode ser feito para tentar reverter esse quadro. De acordo com Leff (2002,
p.59), a problemática ambiental

...por um lado é percebida como resultado da pressão exercida pelo crescimento


da população sobre os limitados recursos do planeta. Por outro, é interpretada
como o efeito da acumulação de capital e da maximização da taxa de lucro a curto
prazo, que induzem a padrões tecnológicos de uso e ritmos de exploração da
natureza, bem como formas de consumo. (...)

Os problemas ambientais, a industrialização e o conseqüente consumo


revelam-se irracionais sob o ponto de vista ecológico, acarretando uma
degradação ambiental constante. Em virtude disso, a crise ambiental se
configura hoje em uma crise da sociedade, e a natureza passa a ser um novo
campo para o debate social e político, obrigando o ser humano a repensar suas
relações entre a própria sociedade, a técnica e o meio ambiente.
Leff (2001) acredita que essa relação passa a ser não somente um
estudo das ciências biológicas, mas um coletivo que engloba todos os ramos
das ciências, principalmente as ciências sociais, já que é necessário que se
pense nessa relação como sendo entre o homem, a sociedade e a natureza, e
que se construa uma consciência ambiental no sentido de que o homem e a
sociedade sejam constitutivos da natureza. Segundo Leff (2002, p.48),

Natureza e sociedade são duas categorias ontológicas (...). Na primeira, o


processo evolutivo se produz pela determinação genética das populações
biológicas e de seu processo de seleção-adaptação-transformação em sua
interação com o meio ambiente; na ciência da história, a natureza aparece como
os objetos de trabalho e os potenciais da natureza que se integram ao processo
global de produção capitalista e, em geral, os processos produtivos de toda
formação social, como um efeito do processo de reprodução/transformação social.

Para Tozoni-Reis (2004), a relação do homem com a natureza se


expressa por um conjunto de idéias que indicam que o homem deve se
submeter às leis naturais, assim como todos os seres vivos. A compreensão
44

dessas relações implica no entendimento de representações diferenciadas


acerca da natureza, que se caracterizam, segundo a autora, por “três
concepções distintas e tendenciais da relação homem-natureza: aquelas que
consideram pressuposto básico o sujeito natural, o sujeito cognoscente ou o
sujeito histórico” (p.33).
A primeira representação retrata as idéias de que o homem deve se
submeter às leis da natureza, uma vez que ele é apenas mais um elemento
presente nela. A humanidade doméstica, domina e se apropria de seus
recursos e qualquer intervenção humana é intrinsecamente negativa, sendo
que todas as vezes que o homem se volta para a natureza tem a intenção de
tirar algum proveito em seu próprio benefício. Esta é uma visão bastante
romantizada, idílica, onde para se voltar ao equilíbrio ambiental deve-se voltar
ao equilíbrio natural; o homem é um perturbador, dominador da natureza. Essa
representação se caracteriza, segundo a autora, como o sujeito natural, o qual
ainda prevalece em muitas ciências. Aqui a crise ambiental emerge de um
sentimento de humilhação quando submetido à natureza. Nessa representação
os principais fatores apontados como responsáveis pela crise ambiental são o
crescimento populacional e os valores filosóficos e culturais.
Na segunda representação, chamada pela autora de sujeito
cognoscente, aponta-se a falta de conhecimentos sobre as leis da natureza
como sendo a causadora dos problemas ambientais. Aqui a natureza não é
intocável, mas deve ser usada racionalmente, e, portanto, a degradação
ambiental pode ser amenizada pelo avanço dos conhecimentos técnico-
científicos adquiridos pelo homem. Nesta representação o conhecimento é o
mediador da relação homem-natureza e deve ser transmitido através da
educação, e a partir dessa conscientização garantir que o homem haja como
fiscalizador da natureza. Percebe essa mediação como mecânica, ou seja,
basta conhecer para preservar, “saber usar (conhecimentos técnicos e
científicos), para poder usar mais e sempre, mas sempre usar” (Tozoni-Reis,
2004, p.34). O conhecimento sobre a natureza é fundamental, mas essa
representação não leva em conta a forma do uso desse conhecimento pelos
diferentes indivíduos, que muitas vezes utilizam esses saberes para poderem
se aproveitar mais dos recursos naturais. Somente a incorporação desses
saberes pode garantir o enfrentamento dos problemas ambientais, uma vez
45

que só ela permite que a sociedade desenvolva ações de “fiscalização, controle


e cobrança”.
A terceira representação vê a relação homem-natureza construída a
partir das relações sociais, portanto histórica e social, conceituada como uma
relação não mais entre o homem e a natureza, mas entre a sociedade e a
natureza. Nela, a história e a cultura são mediadoras, e as conseqüências das
ações do homem são historicamente determinadas, aparecendo o
desenvolvimento da tecnologia como um dos instrumentos dessa relação, pois
exige a intencionalidade dos sujeitos para conservar ou impactar,
estabelecendo a relação entre a cultura e a história. As diferentes formas de
organização social incluem não só as relações entre os indivíduos, mas
também os modos em que estes indivíduos se apropriam dos recursos da
natureza, sendo necessário relacionar o desenvolvimento das relações sociais
de produção com a interação sociedade-natureza. Nessa representação,
denominada sujeito social, os determinantes dos problemas ambientais são a
política e a economia, e a cultura capitalista tem papel fundamental no
processo de degradação do meio ambiente, uma vez que esse modelo
econômico produz cada vez mais necessidades (ou desejos?) e,
conseqüentemente, mais meios para satisfazê-las, utilizando os recursos
naturais, vistos muitas vezes como um amontoado de mercadorias gratuitas.
Os problemas ambientais residem na forma histórica da interação: “o homem
também é natureza”. Os seres humanos modificam a natureza e criam uma
outra natureza, modificada, mas ainda natureza22. Segundo Tozoni-Reis (2004,
p.30),

...a sociedade deriva da natureza, e para a sociedade, só interessa realmente a


natureza que ela consegue transformar com sua cultura. Essas representações
sugerem também a idéia de conflito entre os sujeitos e a natureza: ‘o homem é um
predador, mas a natureza é violenta, e a idéia de equilíbrio na relação homem-
natureza é ideológica’. Essa abordagem indica a dicotomia homem-social versus
natureza-natural está superada, a interação entre eles sugere o homem-social-
natural e a natureza-natural-social. A relação sociedade-natureza como
pressuposto da problemática ambiental, que define a relação homem-natureza
como construída pela história, aponta as conseqüências das ações dos homens no
ambiente como também historicamente determinadas.

22
Como já comentado neste capítulo, essa seria a segunda natureza, ou seja, aquela natureza que foi
transformada, mas não deixa de se configurar como natureza.
46

A natureza se gera e se constrói no processo histórico das inter-relações


entre sociedade e natureza, portanto a compreensão dessas relações deve ser
mediada pelos estilos de desenvolvimento vigentes. A mentalidade
consumidora gerada pelo capitalismo é, nessa representação, a causa imediata
dos problemas ambientais, uma vez que o que se valoriza não é o “ser”, mas o
“ter”. Produz-se nos indivíduos o espírito consumista, onde a prioridade é
adquirir coisas sem que haja a real necessidade. Segundo Guimarães (1995,
p.13),

O consumismo intenso valoriza a acumulação material, a competição exacerbada,


o individualismo egoísta e vende uma ilusão alienante de crença na viabilidade
desse modelo, que jamais poderia ser alcançado pelo conjunto da população
planetária ou até mesmo pela grande maioria das nações existentes.

Para ele, não há como esperar que nesse modelo todas as nações
atinjam o mesmo nível de “desenvolvimento” e o mesmo padrão de consumo,
sem riscos de degradação ambiental.
Aqui entra a urgência do resgate de valores, principalmente valores
ambientais, e a educação ambiental aparece como principal facilitadora nesse
processo. Os próprios pescadores artesanais estudados percebem a
importância da educação ambiental, visto que muitas vezes justificam suas
atitudes em relação à natureza através da falta de conhecimento sobre os
efeitos destrutivos que podem causar sobre ela.
A Educação Ambiental, em meio à crise que o meio ambiente se
encontra, se transforma em um dos principais instrumentos possíveis de evitar
ou pelo menos minimizar a destruição da natureza, através de uma nova
conduta acerca dela. É através da sensibilização, primeiramente, que o homem
começa a tomar consciência de sua prática em relação ao ambiente em que
vive. Sensibilização entendida no contexto dessa pesquisa como um processo
educativo de tornar sensível, possibilitando uma vivência que pode construir
conhecimentos não só pela racionalidade, mas também a partir de sensações,
intuição e até mesmo sentimentos.
A Educação Ambiental, nas suas diversas possibilidades, abre um
estimulante espaço para repensar práticas sociais e desenvolver um
conhecimento necessário para que os indivíduos adquiram uma base
adequada de compreensão essencial do meio ambiente global e local, da
47

interdependência dos problemas e soluções e da importância da


responsabilidade de cada um para construir uma sociedade mais eqüitativa e
ambientalmente sustentável. Deve, portanto, sempre trabalhar valores que
podem propiciar o interesse, a autoconfiança e o engajamento em ações
conservacionistas. Ela está ligada, principalmente no contexto desta pesquisa,
a uma nova forma de relação homem-natureza e a sua dimensão cotidiana leva
a pensá-la como uma soma de práticas e, conseqüentemente, entendê-la na
dimensão de sua potencialidade de generalização para o conjunto da
sociedade.
A realidade atual exige uma reflexão cada vez menos linear, e isto se
produz na inter-relação dos saberes e das práticas coletivas que criam
identidades e valores comuns e ações solidárias diante da reapropriação da
natureza, numa perspectiva que privilegia o diálogo entre saberes. Existe,
portanto, a necessidade de incrementar os meios de informação e o acesso a
eles, bem como o papel indutivo do poder público nos conteúdos educacionais,
como caminhos possíveis para alterar o quadro atual de degradação
socioambiental (Jacobi, 2003). Trata-se de promover o crescimento da
consciência ambiental, expandindo a possibilidade da população participar em
um nível mais alto no processo decisório, como uma forma de fortalecer sua
co-responsabilidade na fiscalização e no controle dos agentes de degradação
ambiental. Assim a educação ambiental deve ser, acima de tudo, um ato
político voltado para a transformação social. O seu enfoque deve buscar uma
perspectiva holística de ação, que relaciona o homem, a natureza e o universo,
tendo em conta que os recursos naturais se esgotam e que o principal
responsável pela sua degradação é o homem.
Deve-se enfatizar a importância do entendimento das questões
ambientais como um processo histórico de relações mútuas entre a sociedade
e a natureza. Essas relações devem ser compreendidas a partir da análise dos
modelos de desenvolvimento permitindo, assim, uma interpretação de que os
problemas ambientais são oriundos deles. O modelo econômico vigente na
sociedade moderna é o principal agente da perda de valores relacionados com
a natureza, uma vez que com o crescente consumo, aos poucos a sociedade
foi deixando de lado a preocupação em conservar a natureza.
É necessário, então, mudar o olhar sobre as relações homem-natureza,
48

articulando-as com métodos integradores de ordem natural e social. A


interdisciplinaridade mais uma vez entra aqui como peça-chave para a
construção de uma nova relação homem-natureza que inclua o diálogo entre os
diversos saberes. Segundo Floriani (2000, p.30), “no domínio das relações
sociedade-natureza, certamente, justifica-se cada vez mais novas associações,
para produzir novos conhecimentos e engendrar práticas diferentes e
alternativas ao modelo predatório de civilização instaurado pela economia de
mercado e pelo produtivismo exacerbado.” Ou seja, o diálogo entre o
conhecimento científico e os saberes populares (tradicionais) é de fundamental
importância para a reflexão de novas práticas de conservação da natureza.
As questões discutidas nesse capítulo são fundamentais para
entendermos a importância dos saberes tradicionais de que trata a presente
pesquisa, já que a contradição entre a tradição e a modernidade assim como
as relações presentes entre a natureza e a sociedade são peças-chave no
entendimento desses conhecimentos como cruciais para resgatarmos os
valores ambientais e também para pensarmos em novas formas de
conservação da natureza.
A grande produtividade e o consumo, valorizados pelo modelo atual de
sociedade, fazem com que os saberes tradicionais percam sua importância, já
que, como comentado neste capítulo, o modo de vida que as populações
tradicionais possuem não se enquadra nos objetivos da sociedade capitalista
em geral.

2.3 Aspectos da conservação da natureza

Torna-se essencial, na problemática da presente pesquisa, refletir sobre


o conceito de conservação, mais especificamente conservação da natureza,
visto que o principal enfoque aqui é analisar se os pescadores artesanais
estudados são conservacionistas. Conservação entendida aqui como o
conjunto de diretrizes planejadas para o manejo e utilização sustentada dos
recursos naturais, a um nível ótimo de rendimento e preservação da
diversidade biológica (IBAMA).
Existem muitos conflitos relacionados ao modelo dominante de
49

conservação que parte do princípio que a natureza para ser conservada deve
estar separada das sociedades humanas. Nessa perspectiva qualquer
intervenção humana é essencialmente negativa e prejudicial. Em contraponto,
de acordo com Diegues (2000), vários estudos mostram que populações
tradicionais apresentam formas de relação com a natureza que garantem de
forma eficaz sua conservação. O autor ressalta que o Brasil “importa” modelos
de conservação, e quando se fala em modelos importados não está se
referindo apenas a aspectos estruturais dos parques e reservas, mas também
à própria forma de pensar a relação do ser humano com a natureza. Há, no
pensamento de Diegues, uma grande resistência das instituições
governamentais em começar a avaliar seus próprios modelos de conservação
do mundo natural apesar dos inúmeros estudos já realizados.
A conservação da natureza, de acordo com Foladori (2001) em seus
estudos sobre o desenvolvimento sustentável, está diretamente ligada ao “nível
de diferenciação interna da sociedade humana e o comportamento em relação
à natureza” (p.113). Foladori comenta que o conservacionismo surge como
uma “crítica a partir da natureza e contra a sociedade industrial”. O autor
acredita que o modelo capitalista de sociedade, ou mais especificamente as
classes sociais , “condicionam e explicam o comportamento em relação à
Natureza”.
A defesa do meio ambiente ou a salvação da natureza se tornaram
comum, de acordo com o pensamento de Giddens (1996). O ambientalismo,
uma das correntes que visa a conservação ambiental, tem como objetivo
controlar os danos que os humanos causaram à Natureza, e não a
recuperação da natureza. O meio ambiente é visto aqui como um agrupamento
de recursos e os homens precisam cuidar para garantir seu próprio futuro.
Para Giddens (1996), a conservação da natureza, não importando a
forma como é interpretada, tem laços evidentes com o conservadorismo
enquanto proteção de uma herança do passado. Sendo assim, não podemos
confundir a proteção da natureza com a proteção da tradição, ou seja, como diz
Giddens, “não deveríamos supor que estamos defendendo a natureza quando,
na verdade, estamos protegendo um cenário social ou um modo de vida
específicos” (p.240). Em contraponto, essas duas coisas estão interligadas de
uma forma que sentimos dificuldade de pensar nelas separadamente. Como é
50

o caso dos pescadores artesanais, as populações tradicionais em geral


possuem modos de vida que causam um baixo impacto ao meio ambiente;
dependem diretamente da natureza para sobreviver em suas atividades e,
como conseqüência, possuem atitudes de respeito ao meio ambiente, o que se
torna a principal forma de conservação ambiental.
Diegues (2000) comenta que os novos rumos para a conservação são
marcados por uma mudança de postura diante do conhecimento e práticas das
comunidades locais. A valorização dos saberes de caiçaras, camponeses,
pescadores artesanais, índios, passa por uma revisão da própria comunidade
científica em relação à imagem da ciência como a única que detém o poder de
indicar os caminhos da conservação. Para o autor, os cientistas estão
buscando construir um novo cenário teórico e metodológico que possa
compreender as comunidades locais o mais próximo possível da lógica delas,
trazendo possibilidades de refletirmos sobre o papel da ciência em relação à
conservação da natureza, na medida em que o conhecimento científico tem
autorizado a adoção de práticas de conservação que não estão alcançando os
objetivos propostos.
51

CAPÍTULO 3: A pesquisa em Matinhos – PR

A pesquisa referente ao conteúdo deste trabalho foi realizada, como já


visto, no Município de Matinhos, no litoral paranaense. Nos próximos itens
deste trabalho, utilizaremos tanto os dados coletados através das entrevistas e
da observação feita diretamente pela pesquisadora em campo, como os da
FUNDACENTRO e da pesquisa bibliográfica.
Inicialmente falaremos sobre o Município de Matinhos em geral,
ressaltando dados referentes a situação socioeconômica do mesmo. Pretende-
se, em seguida, refletir sobre o município de Matinhos na história do litoral
paranaense, principalmente no que se refere à pesca artesanal, com o objetivo
de compreendermos melhor a dinâmica atual do Município, utilizando, para
tanto, principalmente Bigarella (1991), que compôs uma vasta história do
Município. Além disso apresentaremos um pouco da história contada pelos
próprios pescadores estudados.
Pretende-se aqui apresentar esses dados, analisando-os à luz da
fundamentação teórica trabalhada no desenvolvimento deste trabalho, tentando
expressar, através dos mesmos, um pouco da realidade do Município e da
pesca artesanal, que se configura no grupo de pescadores estudados como a
principal atividade econômica.

3.1 O Município de Matinhos: aspectos gerais

Matinhos se localiza no litoral do Paraná, a cerca de cem quilômetros da


capital do Estado, Curitiba. É o menor município litorâneo do Paraná em área
(111,5 Km2, correspondente a 2% de todo o litoral). Foi criado via decreto no
dia 12 de junho de 1967 (chamado de “namorada do Paraná”, por comemorar
seu aniversário no dia em que se comemora, no Brasil, o dia dos namorados) e
emancipado do Município de Paranaguá no dia 19 de dezembro de 1968,
passando então a ser considerado um município praiano-turístico. Aqui cabe
ressaltar que, principalmente a partir de então, o turismo cresceu
consideravelmente na região, multiplicando sua população permanente – 217
hab/Km2 (2003) – em mais de 23 vezes no período de alta temporada. Isso
52

implica, obviamente, um choque periódico de múltiplas conseqüências


ambientais e sociais que deve ser considerado para dar conta da realidade
litorânea. (Pierri, 2003).

FIGURA 1
Mapa Político do Estado do Paraná e Localização do Município de Matinhos

Fonte: IPARDES (2002).

Segundo dados do censo (IBGE, 2000), a população permanente do


município de Matinhos, em 2000, era de 24.184 habitantes, que representa
apenas 10,2% dos 235.840 habitantes que somam os sete municípios do litoral
paranaense (Pierri, 2003). Isso representa um aumento de 9.504 mil habitantes
em 6 anos, ou seja, 28% de crescimento populacional.
A população atual estimada de Matinhos, segundo dados do IBGE
(2006) é de 35 mil habitantes aproximadamente. Em menos de seis anos essa
população aumentou cerca de 11.000 habitantes, ou seja, um crescimento
grande em um curto intervalo de tempo. O município testemunha, portanto,
expressivo crescimento demográfico nas últimas décadas. De acordo com
Horochovski (2007, p.140), “as principais razões desse crescimento foram o
”boom” imobiliário (...), a permanência no município de contingentes de
trabalhadores e famílias que vão buscar alternativas temporárias de trabalho e
renda nas temporadas de verão e a absorção de parte do próprio aumento da
Região Metropolitana de Curitiba, com a qual o litoral paranaense estabelece
intensa complementaridade”. Existem outras razões segundo o autor, como o
grande fluxo de pessoas de maior idade, principalmente aposentadas, e, mais
53

recentemente, a instalação de um campus da Universidade Federal do Paraná.

TABELA 5
População, superfície e densidade populacional - municípios do litoral
paranaense, 2000.

Municípios População Superfície Densidade


Hab/km²
Hab. % Km² %
Antonina 19.174 8 968,8 16 20
Paranaguá 127.339 54 665,8 11 191
Morretes 15.275 6 686,5 11 22
Guaraqueçaba 8.288 4 2.159,3 35 4
Guaratuba 27.257 12 1.326,8 21 21
Matinhos 24.184 10 111,5 2 217
Pontal do 14.323 6 216,2 4 66
Paraná
TOTAL 235.840 100 6.135,4 100 38
FONTE: População: IBGE-Censo 2000. Superfície: SEMA, 2003. Extraído de PIERRI (2003).

De acordo com a tabela 5, percebe-se que Matinhos teve uma taxa média
de crescimento anual muito alta (5,31% a.a.), que chegou a triplicar em três
décadas. Se comparado com o desempenho dos demais municípios do litoral,
a evolução de Matinhos evidencia uma situação muito diferente, especialmente
se comparada as cidades praianas do litoral sul, onde o crescimento tem sido
reduzido se comparados a Matinhos. Percebe-se que Matinhos teve a maior
taxa de crescimento anual se comparado as outras regiões do litoral
paranaense.

TABELA 6
População e taxas anuais de crescimento, por situação de domicílio -
Municípios do litoral paranaense, 1970 a 2000.

Municípios População Taxas anuais de crescimento


1970 1980 1991 2000 1970/80 1980/91 1991/00 1970/00
54

População Taxas anuais de crescimento


Antonina 16.448 16.305 17.070 19.174 -0,09 0,42 1,29 0,46

Paranaguá 62.327 81.974 102.098 127.339 2,78 2,02 2,46 2,16

Morretes 11.836 13.238 13.135 15.275 1,13 -0,07 1,67 0,77

Guaraqueçaba 7.648 7.647 7.762 8.288 -0,001 0,14 0,72 0,24

Guaratuba 9.734 12.183 17.998 27.257 2,27 3,61 4,67 3,14

Matinhos 4.317 5.672 11.325 24.184 2,77 6,49 8,70 5,31

Pontal do PR - - 5.577 14.323 - - 10,93 -

TOTAL 112.310 137.019 174.965 235.840 2,01 2,25 3,39 2,25


FONTE: IBGE – Censos Demográficos 1970 - 2000. Extraído de PIERRI (2003).

Quando nos referimos a economia do município, além da pesca e do


turismo, a base da economia do município é o artesanato em pequena escala,
produzido em grande parte pelas mulheres de pescadores e pela população
em geral, e o comércio. Dados do IBGE (2000), mostram que 21,2% da
população trabalhadora vive do comércio, o que comprova que este é muito
forte para a economia da cidade. De acordo com a Tabela 7, se analisarmos o
número de pessoas que trabalham nas atividades de pesca e agricultura
(4,1%), percebemos uma quantidade de trabalhadores relativamente baixa,
levando-se em conta que as duas atividades foram contabilizadas juntas.

TABELA 7
População ocupada segundo as atividades econômicas- Matinhos/PR – 2000

ATIVIDADES ECONÔMICAS Nº DE PESSOAS


Agricultura, pecuária, silvicultura, exploração florestal e pesca 399
Indústria extrativa, distribuição de eletricidade, gás e água 30
Indústria de transformação 453
Construção 1.790
Comércio, reparação de veículos automotivos, objetos 2.050
pessoais e domésticos
Alojamento e alimentação 425
Transporte, armazenagem e comunicação 283
55

Intermediações financeiras, ativ. imobiliárias, aluguéis, serv. 1.434


prestados a empresas
Administração pública, defesa e seguridade social 686
Educação 501
Saúde e serviços sociais 158
Outros serviços coletivos sociais e pessoais 480
Serviços domésticos 875
Atividades mal definidas 83
TOTAL 9.647
FONTE: IBGE - Censo Demográfico - Resultados da amostra

Dos estabelecimentos que trabalham com agropecuária do município,


apenas um advém da pesca, que é o Mercado Municipal de Pesca, onde a
presente pesquisa se concentrou para a coleta de dados.
Segundo Horochovski (2007), a localização de Matinhos, entre o oceano
e a Floresta Atlântica da Serra do Mar (em Área de Proteção Ambiental) e a
pequena extensão territorial impõe barreiras a atividades industriais e
agrícolas. A principal atividade econômica passa a ser o turismo, que fomenta
o setor de serviços, sobretudo o mercado imobiliário e o atendimento a
veranistas.
Vieira & Jorge (2003) comentam que a valoração econômica do turismo
brasileiro associado às zonas costeiras ocorreu de forma desorganizada,
impondo ao ambiente grandes desajustes na preservação dos recursos
naturais. O valor econômico dado ao turismo no sistema capitalista, exige
retorno rápido de investimentos, contribuindo para que as questões de
proteção ambiental não sejam consideradas corretamente, colocando em risco
a própria sobrevivência da principal matéria-prima da atividade.
A praia de Matinhos, assim como a maioria dos balneários paranaenses,
necessita de vários investimentos de forma a acomodar o grande fluxo de
visitantes. O crescimento da população do município em período de alta
temporada faz com que não só os pescadores artesanais multipliquem sua
produção e suas vendas, mas que vários outros fatores como o aumento do
lixo nas praias, venda de artesanato local, etc., contribuam para uma mudança
significativa no cenário permanente do local, seja pelo lado negativo ou
positivo.
56

Entre os principais efeitos negativos, associados à superpopulação


turística, visíveis até mesmo entre os turistas em épocas de alta temporada,
está a poluição do meio ambiente (Andreoli, 2006), principalmente na areia e
no mar, oriunda não só dos dejetos humanos depositados nestes, mas também
do esgoto que desemboca diretamente no mar e da grande quantidade de lixo
descartado indevidamente. A contaminação de águas litorâneas por esgotos
domésticos com dejetos humanos, dentre outros, representa um risco potencial
à saúde pública e ao equilíbrio do ambiente aquático, podendo ser fonte de
desestímulo ao turismo (SEMA, 2005).
Os despejos constantes de esgoto doméstico neste ambiente costeiro
promovem diferentes graus de poluição, bem como a veiculação de
microorganismos patogênicos, que causam sérios danos à saúde (Ferreira,
2003), o que é muito comum em todo litoral do Paraná no período de verão. A
rede de esgoto disponível em Matinhos é considerada como a principal ação
para a redução da poluição das praias, porém somente esta ação pode ser
incipiente, uma vez que deve haver a massiva contribuição por parte da
sociedade que usufrui destes ambientes naturais.
Entre os efeitos positivos do turismo estão o aumento das vendas no
comércio, o que cabe também aos pescadores, uma vez que a procura pelo
pescado aumenta consideravelmente. Em conversa, os próprios pescadores
entrevistados comentam que a época de veraneio é a única em que
conseguem “tirar lucro” do que vendem, sendo apontado pelos mesmos como
um dos principais motivos deste aumento no lucro a possibilidade dos
pescadores venderem diretamente ao consumidor. Sendo assim, os
atravessadores não interferem tanto na comercialização dos pescados em
época de veraneio, a não ser que a quantidade de pescados seja maior que a
capacidade de armazenamento dos pescadores.

3.2 A pesca em Matinhos

Uma das atividades econômicas do município é a pesca artesanal,


realizada em canoas, próximo da costa e a captura com redes se dá em outro
ambiente mais afastado da praia. As canoas normalmente não ultrapassam
57

uma tonelada de arqueação23 bruta, movida a motores entre 10 e 20 CV, sendo


a maioria a diesel ou gasolina. Há na região cerca de 45 canoas atualmente
(EMATER, 2004).

FIGURA 2
Canoas utilizadas pelos pescadores de Matinhos

O tipo de pesca praticado pelos pescadores da região é a pesca


artesanal, como os próprio pescadores observam:

Nossa pesca aqui é a pesca artesanal, é com a rede e arrasto de


camarão. A maioria pesca com a rede de espera. Vai lá, arma a rede
no outro dia puxa. A gente pesca que nem antes, não mudou nada,
mudar mudou aqui pra nós a carreta24, essa carretinha de puxar a
canoa pra cima. Tinha também a canoa de madeira, que hoje a
maioria das canoa é de fibra. E eu acho que só isso, porque quando

23
Capacidade de armazenamento de um navio.
24
Essa carreta (figura 3), segundo os pescadores, foi “inventada” por eles mesmos, e facilita muito tanto o
trabalho de retirada da canoa do mar quanto o de colocação.
58

eu comecei a pescar já era motor a diesel, Agralle, que a gente usa


hoje. A única coisa que mudou foi o trangone. Que antigamente
usava só o aparelho do camarão. Hoje tem o trangone, esse ferro
que aqui a canoa, que abre como se fosse um braço e amarra uma
rede em cada ponta. Daí trabalha com duas redes. A canoa de fibra
é mais leve, a manutenção dela é bem menos que a madeira. Na
verdade a de madeira todo ano tem que puxar pra dar uma
arrumada. E essa de fibra não, tem uma durabilidade maior assim,
de 3, 4 anos, sem precisar mexer em nada nela. (pescador P2 – 60
anos)

FIGURA 3
Carretinha para puxar a canoa do mar

Os próprios pescadores se definem como artesanais, observando que,


ser pescador artesanal é trabalhar de sol a sol, não agredindo a natureza, ou,
pelo menos, causando um baixo impacto a natureza, em relação à pesca
industrial. “O que uma canoa nossa pesca durante um ano, um barco industrial
pesca num dia, pescam muito.’ (P8).
Segundo os pescadores entrevistados, a produção de peixes e
camarões vem diminuindo a cada ano e inviabilizando economicamente a
pesca, sendo que vários pescadores precisam diversificar suas atividades para
aumentar a renda da família, prestando serviços gerais como pedreiros,
carpinteiros, zeladores, caseiros, etc. E o que vem prejudicando essa
diminuição da pesca se associa à questão da predação praticada pelas
grandes embarcações que não respeitam o limite legal, causando sérios
59

prejuízos à fauna marinha (Andriguetto, 1999). Como um dos pescadores


observa, “os barcos grandes passam como um trator arrastando tudo que tem”.
Comentam que o peixe que matam é de um quilo para cima, já a pesca
industrial pesca desde o “filhotinho até o adulto”. Então o maior problema
encontrado pelos pescadores entrevistados, em relação à diminuição do
pescado, está realmente nesse tipo de pesca predatória, como comenta o
pescador:

Porque tudo que eu matei na minha vida inteira de peixe, em 40 anos


de pesca, os cara matam numa noite, 80 toneladas, 150. Levam 150
toneladas e abrem a rede e vão embora, deixam os peixe pequeno
porque não tem o que fazer com ele, o peixe sai morto já da rede.
Eles se fazem de bobo, alegam que só pegam peixe grande e vivo,
então o peixe está acabando assim, pela exploração, não da
poluição. (pescador P2 – 60 anos)

Um outro fator que contribui significativamente para esse abandono da


atividade pesqueira, assim como a diminuição do pescado, é a necessidade de
residir longe da praia, o que dificulta o acesso e se soma com a diminuição do
rendimento desta atividade.
Aproximadamente na época em que Matinhos foi emancipado (1968), de
acordo com Bigarella (1991), o pescador contava, para sua sobrevivência, além
da pesca, com a floresta, onde caçava e colhia frutos, palmito, raízes e brotos
para sua alimentação. Se caracterizava como pescador-lavrador, já que
alternava a pesca com a agricultura. Mas a terra de Matinhos não era boa para
o plantio, principalmente mais próximo a região da praia, onde o solo possuía
uma fertilidade ainda mais baixa. Sobrava aos moradores, então, os terrenos
mais distantes da praia, que eram considerados mais apropriados para a
agricultura, uma vez que a composição do solo era mais propícia, eram mais
férteis. Esses terrenos eram situados nos pés dos morros ou das serras,
geralmente distantes de sua moradia, uma vez que, como combinavam a
agricultura com a pesca, muitos residiam próximos à praia.
A prática agrícola era realizada durante o tempo em que se deixava de
pescar. De acordo com Bigarella (1991), eram abertas vastas clareiras na
60

floresta, utilizando-se do processo de queimadas e derrubadas. Plantavam no


local durante dois ou três anos ficando assim os recursos do solo esgotados, já
que sua fertilidade natural era baixa para a agricultura. Então, deixavam o solo
descansar por cinco anos, contribuindo, assim, para que a terra recuperasse
seus nutrientes naturais. Mas essa prática, com o tempo, impossibilita o uso
agrícola do solo. Os caboclos25 praticavam então, como já foi comentado
acima, a agricultura como uma atividade complementar a sua ocupação efetiva,
que era a prática da pesca (Andriguetto, 2002).
De acordo com Gehlen (1998) o caboclo da região sul do Brasil possuía
uma base associativa que era a família, incluindo o compadrio. Com o passar
dos anos e com o desenvolvimento dos balneários de Matinhos e Caiobá, um
número insignificante de caboclos manteve a tradição da lavoura, uma vez que
o benefício da venda dos produtos agrícolas oriundos dela era muito baixo.
Gehlen (1998) comenta que, historicamente, os caboclos no Brasil
permaneceram afastados do mercado e também isolados, principalmente pela
ausência de vias de comunicação, além da estigmatização social. Foram aos
poucos excluídos, resumidamente, por não se “encaixarem” no modelo
emergente do mercado capitalista, uma vez que, como comentado acima,
possuíam uma forma de agricultura e atividades de subsistência.
Segundo conversa com pescadores antigos moradores da região, os
primeiros pescadores profissionais de Matinhos vieram de Santa Catarina,
principalmente porque nas águas catarinenses o peixe estava escasso, sendo
preciso ir mar adentro para encontrá-lo, o que forçou esses pescadores a se
mudarem para o litoral do Paraná. Segundo um dos pescadores entrevistados,
enquanto os moradores da região se utilizavam ainda da agricultura para sua
sobrevivência, “... quem vivia só da pesca mesmo, que não fazia mais nada era
os Catarina, que vieram do sul e se alojaram aqui, então eles viviam só da
pesca.” (pescador P2 – 60 anos). O pescador-lavrador vivia uma ambigüidade,
uma vez que, durante o tempo ruim para a pesca não podiam fazê-la, mas ao
mesmo tempo necessitava dessas mudanças de tempo para a agricultura. Ou
seja, o período de chuvas intensas era bom para a agricultura; para a atividade

25
Gehlen (1998) referindo-se aos caboclos da região sul do Brasil, comenta que os caboclos viviam da
caça, pesca, de coletas e do extrativismo (erva-mate e madeira). Sua atividade mais tradicional, porém,
era a agricultura de subsistência.
61

pesqueira essa época não era propícia, uma vez que o pescador ficava
impossibilitado de sair ao mar para realizar a atividade, visto que, além dos
riscos causados pelas tempestades, não era fácil encontrar o pescado. Já em
períodos onde os cardumes de peixe estavam próximos a costa ou procriando,
o pescador-lavrador detinha sua produção à atividade pesqueira.
Nesta época (déc.70), segundo Bigarella (1991), a pesca ainda era
abundante, e os catarinenses introduziram o motor de dois tempos,
substituindo o sistema de vela ou remo e a rede de náilon, o que facilitava a
atividade ainda mais. Mas a rede de náilon, quando surgiu, “... era feita a mão,
era um dinheirão. Depois inventaram a rede feita na máquina, não era tão
perfeita mas já tava em andamento um processo de pesca mais avançado.
Essa rede era chamada de rede monofilamento” (P1).
A pesca era realizada, então, utilizando-se redes, o que dependia (e
depende até hoje) de um trabalho coletivo, o que exige um esforço físico
significativo. Nessa época as redes eram confeccionadas em fibras naturais
feitas de casca desfiada de embaúva (uma árvore), passando depois de alguns
anos para o feitio com cordel, algodão ou barbante. Hoje, em Matinhos,
utilizam-se somente redes de fios de náilon seda. As redes utilizadas
antigamente exigiam do pescador um trabalho muito maior para conservação,
uma vez que precisavam, de tempo em tempo, serem “tingidas”, ou seja, eram
mergulhadas em um extrato resultante da fervura de casca de aroeira, o que as
protegia da água do mar. Segundo um dos pescadores entrevistados,

A rede era tudo de fio de algodão, depois veio o náilon. Os cabos de


algodão eram muito caros, a gente tinha que tecê o cipó. Então a
gente tirava o cordão do cipó pra fazer, chamava-se beta naquele
tempo. É um cabo grosso pra puxar o arrastão de praia, quando a
gente ainda fazia. Tinha a embaúva e o fio do tucum que era uma
das linhas mais fortes da época. Tucum é um coquinho que dá uma
folha que parece da palmeira só que é baixinho, dali sai um fio da
folha, a gente pegava aquela linha pra fazer linha pra pescar, ela era
muito procurada, quem tinha uma linha de tucum guardava que nem
ouro. (pescador P1 – 63 anos)
62

FIGURA 4
Rede de nylon utilizada pelos pescadores

Levando em conta que a rede de algodão confeccionada artesanalmente


foi substituída pela de náilon, é necessário que se analise o que esta pode
prejudicar a natureza. A rede de náilon, no que se trata da questão ambiental, é
muito mais prejudicial à natureza do que as feitas de algodão. A natureza
digere cada tipo de poluente num determinado tempo. Enquanto alguns
poluentes são rapidamente degradados, outros podem sujar o ambiente por
muitos séculos. Quase dois terços de todo o lixo que é encontrado no mar ou
nas praias é algum tipo de detrito não degradável a curto prazo (Instituto
Aqualung). São restos de redes, linhas de pesca, cordas e sacos plásticos
abandonados no mar que permanecem nesse ambiente por muitos anos em
razão de sua baixa biodegradabilidade (Tabela 8) e acabam vitimando
inúmeros animais26 que se enroscam e acabam morrendo por asfixia. Segundo
dados da Secretaria de Estado de São Paulo (2005), peixes, aves, focas,
leões-marinhos, tartarugas, golfinhos e baleias podem confundir os detritos que
ficam boiando no mar com lulas, águas-vivas e outros alimentos que formam
parte de sua dieta. Além do tempo de degradação do náilon ser maior do que o
algodão, este último é reciclável e o náilon não.

TABELA 8
Estimativa do tempo de decomposição de materiais no solo

26
Segundo o Instituto Aqualung, baleias e golfinhos já foram encontrados com o estômago cheio de lixo
que veio das cidades. A ponta de cigarro, o item mais coletado no mundo todo por oito anos consecutivos,
tem ocasionado a morte de inúmeros animais que a confundem com ovas de peixe e a engolem. O mesmo
ocorre com os sacos plásticos.
63

MATERIAIS TEMPO DE DEGRADAÇÃO


Restos orgânicos 2 a 12 meses
Tecidos e fios de algodão 1 a 5 meses
Cordas de nylon 30 anos
Papel 3 a 6 meses
Madeira Mais de 6 meses
Madeira pintada 13 anos
Filtro de cigarro 5 anos
Vidros Indeterminado
Aço (lata) 10 anos
Alumínio 200 a 500 anos
Isopor Indeterminado
Plásticos (embalagens, equipamentos) Até 450 anos
Plástico (embalagens pet) Mais de 100 anos
Borracha Indeterminado
Cerâmica Indeterminado
Metais (componentes de equipamentos) Cerca de 450 anos
Metais (latas) 100 anos
FONTE: Secretaria do Estado de São Paulo, 2005.

3.2.1 Os pescadores

O grupo27 de pescadores estudado se encaixa dentro dos moldes


tradicionais28, uma vez que, mesmo tendo adotado novas tecnologias da pesca
– como o motor nos barcos – é possível identificar entre eles práticas
tradicionais, como aquelas que se baseiam no trabalho familiar e de relações
de compadrio, visando principalmente ao próprio sustento – o que não quer
dizer que elas não estejam vinculadas de algum modo ao mercado. Ou seja,
apesar de adotarem novas tecnologias, não mudaram substancialmente suas
técnicas de trabalho. Outro aspecto específico dessas comunidades é a

27
Será utilizado no decorrer deste trabalho o conceito de grupo, em vez de comunidade, uma vez que eles
não residem no mesmo local.
28
De acordo com a definição de Diegues (1983).
64

utilização das chamadas tecnologias de baixo impacto ao meio ambiente


(Diegues, 1983). A pesca artesanal, em geral, é caracterizada como uma
atividade tradicional (Maldonado, 1986), sendo assim, os grupos ou
comunidades que a exercem se enquadram nos moldes tradicionais, segundo
os autores estudados no presente trabalho.
Atualmente, segundo o próprio Diegues, é difícil a caracterização de
comunidades tradicionais, uma vez que não encontramos comunidades que
exerçam todas as atividades da mesma forma como as realizavam há várias
gerações atrás; na maioria das vezes já sofrem com influências externas e se
modernizaram bastante. Mas dentro do contexto deste estudo, entende-se por
populações tradicionais aqueles grupos sociais que tem um "modo de vida"
diferenciado das populações urbano-industrial e que, via de regra, mantêm
uma relação direta com os recursos naturais. O manejo dos recursos ocorre
através de um complexo de conhecimentos adquiridos pela tradição herdada
dos mais velhos, resultando na adequação de uso e manutenção dos
ecossistemas naturais (Diegues, 1995). Além disso, nas comunidades
tradicionais há uma reduzida divisão técnica e social do trabalho, sobressaindo
o trabalho artesanal, onde o produtor (e sua família) domina o processo de
trabalho até o produto final, o que é o caso da comunidade estudada.
Os pescadores artesanais que compõem o quadro do grupo de Matinhos é
considerado tradicional, de acordo com a autora do presente trabalho, por
manterem em suas atividades diárias práticas que conservam há muitas
gerações, ou seja, apesar de incorporarem novas tecnologias, se enquadram
nos critérios apontados por Diegues (1983) à seguir:
• Populações que possuem um conhecimento adquirido e experimentado,
através de gerações, para o uso e manejo de recursos naturais do
território produtivo, bem como do espaço vivido e concebido social e
culturalmente;
• Possuem uma forma específica de apropriação e relação entre grupos
sociais e ambientes naturais;
• Seus conhecimentos se baseiam na transmissão oral, quer das formas
produtivas quanto organizativas e culturais, como garantia da
manutenção dos grupos sociais distintos;
• Fazem uso de tecnologia simples, reduzida acumulação de capital,
65

relações de produção definidas no âmbito da unidade familiar nuclear ou


extensa, com reduzida divisão de trabalho;
De acordo com o autor nenhuma cultura tradicional se acha em estado
puro, intocado, havendo uma contínua reestruturação social, cultural e
econômica que depende de uma maior ou menor articulação e dependência do
modo de produção capitalista e da capacidade de assimilação cultural de
elementos culturais externos. Algumas tecnologias diferentes das usadas em
tempos remotos já foram adotadas pelos pescadores estudados, mas são
relativamente simples, de impacto limitado sobre o ecossistema, quando
comparado à pesca industrial. Seriam tecnologias que foram incorporadas para
facilitar o processo de pesca, visando diminuir o esforço físico e o tempo de
pesca no mar, e não necessariamente visando se adequar a modernidade e o
aumento do lucro.

3.2.2 Descrição socioeconômica dos pescadores

Os pescadores de Matinhos, entrevistados pela pesquisa da


FUNDACENTRO, formam um total de 38 pessoas. Esse número não
representa uma grande amostra diante de aproximadamente 300 pescadores
que residem em Matinhos, mas, diante da impossibilidade de encontrar uma
quantidade maior de dados, utilizou-se da amostra da FUNDACENTRO para
representar a vida socioeconômica dos pescadores. Como já comentado nesse
trabalho, além da literatura ser escassa nessa área, principalmente no Paraná,
os dados também são, encontrando a pesquisadora bastante dificuldade nessa
etapa do trabalho.

TABELA 9
Local de residência dos pescadores de Matinhos/PR - 2005

LOCALIDADE EM QUE RESIDEM QUANTIDADE DE PESCADORES


Centro 23
Gaivotas 1
Bom Retiro 2
Rivieira I 4
66

LOCALIDADE EM QUE RESIDEM QUANTIDADE DE PESCADORES


Rivieira II 2
Sertãozinho 2
Mangue Seco 1
Rio da Onça 3
TOTAL 38
Fonte: Dados FUNDACENTRO – 2005

Apesar da maioria deles residirem no centro do Município, as condições


encontradas no local não são favoráveis como nas outras localidades do
mesmo bairro. Moram em um bairro que é considerado nobre para o município,
mas em um local concentrado perto da praia, como se fosse uma “vila”, com
casas pequenas e ruas bem estreitas, sem asfaltamento e, muitas vezes, sem
ao menos ter um muro para separar uma casa da outra. É um lugar de baixa
renda que, de uma certa maneira, isola os pescadores e as demais famílias
que lá habitam da parte nobre do Centro. A outra parte do Centro de Matinhos
é onde se localizam os edifícios e o comércio, além de inúmeros restaurantes e
bares noturnos. Contrastes como esses também são encontrados nos demais
bairros que residem, mas não com tanta intensidade, já que se configuram em
bairros periféricos e de baixa renda.
Em relação ao tipo de moradia em que os pescadores entrevistados
residem, a tabela 10 indica que a maioria (25 pescadores) possuem
residências de alvenaria, enquanto sete residem em casas de madeira e 6 em
casas mistas, ou seja, de madeira e alvenaria. Observando o local de moradia
dos pescadores da região, em pesquisa, observou-se que a maioria das casas
em que residem, apesar de serem de alvenaria, têm condições precárias, seja
pela infra-estrutura, seja pelas condições de higiene. Esses dados são
importantes já que a região litorânea em geral, afeta a durabilidade e o conforto
das casas de acordo com o material de construção utilizado.

TABELA 10
Tipo de moradia dos pescadores de Matinhos/PR - 2005

TIPO DE MORADIA QUANTIDADE DE PESCADORES


Alvenaria 25
Madeira 7
67

TIPO DE MORADIA QUANTIDADE DE PESCADORES


Mista 6
TOTAL 38
Fonte: Dados FUNDACENTRO – 2005

De acordo com os dados da FUNDACENTRO, a renda mensal dos


pescadores entrevistados varia de R$70,00 a R$1.000,00. A maioria deles (29
pessoas) recebem uma renda mensal que varia de 300 a 599 reais,
ressaltando que o salário mínimo na época da pesquisa era de 400 reais.
Segundo entrevista com alguns pescadores, estes relatam que o que ganham
não possibilita uma vida digna para a família, onde a palavra “digna” significa
uma alimentação variada, vestuário, condições da infra-estrutura da residência
e questões relacionadas a saúde e educação.

TABELA 11
Renda mensal média dos pescadores de Matinhos/PR – 2005

RENDA MENSAL QUANTIDADE DE PESCADORES


Até 90 reais 1
De 100 a 299 reais 3
De 300 a 599 reais 29
De 600 a 899 reais 4
Acima de 900 reais 1
TOTAL 38
Fonte: Dados FUNDACENTRO – 2005

Por acreditarem que ganham pouco somente com a atividade pesqueira,


muitos pescadores da região se utilizam de outras atividades para
complementar a renda da família; até mesmo porque há períodos em que a
pesca não é permitida (defeso) e outros em que não é favorecida pelo clima.
Dos 38 pescadores contabilizados, 25 só sobrevive da pesca, enquanto 13
possuem outra profissão para complementar a renda, os “bicos” como já foi
comentado anteriormente. As profissões extras citadas foram as de pedreiro
(5), encanador e eletricista (3), diretor do mercado de pesca (1), tesoureiro da
colônia de pescadores (1), reparo de motores e conserto de redes de pesca (2)
e artesanato em concha (1).
68

TABELA 12
Profissões que exercem além da pesca (pescadores de Matinhos/PR – 2005)

Possuem outra profissão além da Quantidade de pescadores


pesca?
Sim 13
Não 25
TOTAL 38
Fonte: Dados FUNDACENTRO – 2005

Em relação ao grau de instrução, os pescadores, em sua maioria


(62,1%) não terminaram o Ensino Fundamental, mas sabem ler e escrever.
Entre os 38 pescadores, nenhum diz ser analfabeto, enquanto 1 afirma ter
começado a faculdade de Biologia e ter desistindo logo no 1º ano. Os fatores
que levam a essa baixa escolaridade podem ser analisados de duas formas,
segundo Horochovski (2007), que também fez um estudo dos pescadores de
Matinhos. Um dos fatores seria estrutural, já que a rede escolar da região se
encontra ainda muita escassa, pouco desenvolvida. Os estabelecimentos que
oferecem níveis de ensino mais elevados são poucos e, na maioria das vezes,
inacessíveis aos pescadores, já que fazem parte da rede particular de ensino.
O segundo fator se deve, de acordo com depoimentos colhidos tanto na
presente pesquisa como no trabalho de Horochovski (2007), ao pescador ser
um indivíduo que possui uma família grande, a qual precisa sustentar e,
conseqüentemente, não sobra tempo para estudar. Segundo o mesmo autor
(p.122), “trata-se de declaração ao encontro de uma crença aparentemente
arraigada nas camadas populares (e não só nelas) que concede à educação
formal o monopólio do saber e da inteligência, o que não deixa de ser
desempoderante.”

TABELA 13
Grau de instrução dos pescadores de Matinhos/PR - 2005

Grau de instrução Quantidade de pescadores


Analfabeto -
Ensino fundamental incompleto 24
Ensino fundamental completo 4
69

Grau de instrução Quantidade de pescadores


Ensino médio incompleto 9
Ensino médio completo -
Ensino Superior incompleto 1
TOTAL 38
Fonte: Dados FUNDACENTRO – 2005

Quando questionados sobre sua profissão (todos são pescadores


profissionais com carteira), a maioria (20 pessoas) afirma que gosta de sua
profissão e a exerce por prazer. Entre esses, 5 afirmaram que além de
gostarem da profissão, adoram a natureza. Outra parte deles (13 pessoas),
afirmam que são pescadores porque vem de família, ou seja, porque os pais,
irmãos, tios, etc. também são pescadores. Quatro deles afirmam que estão na
profissão por falta de opção e 1 pescador afirma que a pesca dá um retorno
imediato, já que você pesca, vende, e ganha, na maioria das vezes, o dinheiro
na hora.

TABELA 14
Por que são pescadores (Matinhos/PR – 2005)

Por que são pescadores? Quantidade de pescadores


Porque gosta da profissão 20
Porque vem de família 13
Por falta de opção 4
Porque a profissão dá um retorno imediato 1
TOTAL 38
Fonte: Dados FUNDACENTRO – 2005

Percebe-se que a maioria dos pescadores afirma estar na profissão


porque realmente se identifica com a atividade, apesar de, como veremos no
próximo capítulo, acreditar que é uma profissão desgastante e perigosa.

3.2.3 O Mercado Municipal de Pescados e a Colônia de Pescadores

A pesca, como visto, é uma das principais e mais tradicionais atividades


70

do município, com influências importantes na cultura, economia e até na


política da cidade, estando o Mercado Municipal de Pescados e a Colônia de
Pescadores entre seus pontos de referência.

FIGURA 5
Mercado Municipal de Pescados

O Mercado Municipal de Pescados é ponto de referência do Município,


para onde se dirigem moradores e turistas. Os pescadores artesanais, suas
canoas e o Mercado Municipal de Pescados fazem parte do turismo do
Município, uma vez que, não só pela paisagem que esses fatores
proporcionam aos turistas, mas em termos econômicos e até mesmo
ambientais, esses elementos fazem parte da história da região. Os pescadores
muitas vezes participam desse turismo quando, principalmente, os turistas vão
até as canoas que chegam do mar e os pescadores descrevem o tipo de peixe
coletado, tirando dúvidas e encantando os turistas com sua sabedoria em
relação aos seres do mar.
Outra forma de participação, mas usada por somente alguns
pescadores, é o passeio que proporcionam aos turistas de canoa, onde
cobrando uma pequena quantia os levam passear a mar aberto, mostrando as
ilhas próximas da costa, além de levarem algumas pessoas interessadas a
fazerem passeios para realização de pesca esportiva. O Mercado reúne,
há várias gerações, um número expressivo de famílias. Segundo os
pescadores entrevistados, principalmente os membros de famílias tradicionais
têm profundas raízes locais e ligações fortes com outros segmentos da
população. Além desses aspectos, Horochovski (2007) salienta a importância
71

econômica do Mercado de Pescados haja vista que a comercialização dos


produtos gera trabalho e renda para grande número de famílias. As instalações
do Mercado, onde também se situa a sede da Colônia, ocupam quase um
quarteirão do centro de Matinhos, em frente a praia e onde ficam as canoas
dos pescadores. Nas redondezas do Mercado ficam bares, lanchonetes,
peixarias, restaurantes, o escritório da EMATER-PR, etc.
O pescado, no início do Município (déc.70) era vendido na praia e o que
sobrava era salgado e secado ao sol; ainda não possuíam um lugar exclusivo
para venda, que hoje é o Mercado Municipal de Pescados. O produto
capturado, atualmente, é vendido em boa parte direto ao consumidor no
Mercado de Pescados e o excedente é comercializado com atravessadores, ou
são manipulados e vendidos para restaurantes e lanchonetes. O que mais
facilita a venda ali mesmo é que boa parte dos pescadores dispõe de freezer
para estoque de pescado.
As relações para divisão do pescado, assim como ainda prevalece hoje,
eram feitas entre os pescadores envolvidos na pesca, de acordo com a
importância da sua participação no mar. Quando um pescador, principalmente
por motivo de doença, não podia sair ao mar, os outros pescadores
participantes o entregavam uma parte do pescado, demonstrando que existia
um grande espírito de solidariedade (Bigarella, 1991). Além disso, quando a
quantidade do peixe era pequena, o então chamada “patrão da rede ou da
canoa” abria mão de sua parte sobressalente e recebia igual aos outros
tripulantes. Isso mostra que os pescadores da época possuíam também uma
conduta de disciplina e, principalmente, cooperação. A retirada da rede com
muitos peixes exigia um esforço muito grande e perigoso, principalmente
porque essa situação era decisiva para evitar perda de pescado e das redes
(Kraemer, 1978).
Ao lado do Mercado existe um outro local onde os pescadores se
encontram e que faz parte da sua vida diária. É a Colônia de Pescadores de
Matinhos (Z-4)29, que possui diretoria eleita pelos pescadores em Assembléia
geral, sendo todos os membros desta diretoria pescadores. Conta com a

29
Cada colônia de pescadores tem uma área de abrangência, quase sempre correspondente à área de um
município e é normalmente designada pela letra Z seguida de um número ordinal em função de sua
fundação dentro de cada Estado da Federação. (Horochovski, 2007)
72

participação ativa dos pescadores associados nas reuniões e faz a


apresentação de contas necessária, controlada pelo Conselho Fiscal.

FIGURA 6
Sede da Colônia de Pescadores Z-4

Esta colônia, assim como as demais, tem por objetivo maior auxiliar e
dar base para os pescadores terem uma melhor qualidade de vida. O principal
objetivo formal da Colônia é a “representação e a defesa dos direitos e
interesses dos seus associados”, conforme o Art. 1º do estatuto. É regida por
um estatuto, implantado no ano de 2005. Segundo Horochovski (2007, p.146),

Trata-se de um estatuto genérico, fornecido pela Confederação Nacional de


Pescadores. (As colônias, no entanto, têm liberdade para acrescentar o que
quiserem no documento, desde que respeitem os princípios da unicidade sindical
e do sistema de representação da pesca profissional, ou seja, estejam
subordinadas às respectivas federações estaduais de pescadores e à referida
confederação). Na Cidade, além do estatuto, a atividade dos pescadores é
organizada pelo “Regimento Interno do Mercado de Pescados de Matinhos”, que
fixa as normas para comercialização do produto e garante, ao pescador artesanal,
a exclusividade na ocupação das bancas de venda.

Uma das principais conquistas das colônias foi a possibilidade de gestão


democrática, ou seja, ter sido autorizada a elas, por meio do Art. 8º do estatuto,
a expansão dos princípios que regem os sindicatos, urbanos e rurais: não
interferência do poder público, autonomia e unicidade sindical. Entretanto, as
organizações de pescadores artesanais em questão não constituem sindicatos
e sim associações civis, não compondo, portanto, a estrutura sindical brasileira,
nela incluídas as centrais.
Promovem reuniões com órgãos superiores (IBAMA, IAP, EMATER)
73

para discutir problemas enfrentados pelos pescadores e suas famílias, além de


proporcionarem atendimento de saúde e odontológico para os associados. Dos
pescadores entrevistados, todos são associados da colônia, uma vez que,
segundo eles, “a colônia ajuda a gente no financiamento das canoas, prá
conseguir por eles fica mais fácil, e também tem dentista que é bom, porque se
fosse depender da prefeitura não dava” (pescador P7-35 anos). Os pescadores
pagam uma mensalidade de dez reais por mês para a colônia, para manter os
gastos como água e luz e para colaborar com os serviços assistenciais, como
apoio financeiro, mediante a intermediação de empréstimos a juros baixos
(PRONAF) e programas de benefícios à atividade (Paraná 12 meses e Panela
Cheia), documentação, acesso aos referidos benefícios, recebimento da
aposentadoria especial do pescador e auxílio em caso de doenças.
Percebe-se que a Colônia de Matinhos é bem vista pelos pescadores
associados, principalmente no que se refere a assistência que lhe
proporcionam. Um dos pescadores entrevistados afirmou que “sem a colônia
não sei como seria, é como se a gente fosse reconhecido como pescador por
causa dela, porque sem ela a gente não teria voz. Quando a gente se une lá
para as reuniões, conseguimos chegar em uns acordos e o presidente faz com
que o que a gente resolveu dê certo.” (pescador P3-25 anos).
Ainda nas instalações do Mercado, mais especificamente ao lado, a
EMATER-PR (Empresa paranaense de assistência técnica e extensão rural),
antiga ACARPA (Associação de Crédito e Assistência Rural do Paraná), possui
uma unidade local.
A instituição atua no trabalho de extensão rural desde a década de 70.
Atualmente, atende além de Matinhos o Município de Pontal, através de equipe
formada por profissionais da agricultura, pesca e área social. Objetivando
buscar ainda mais subsídios para a atuação, a EMATER desenvolveu em
parceria com outras entidades, durante este último ano, reuniões, oficinas e
seminários visando o desenvolvimento municipal dos diversos conselhos
existentes, levando junto a população da região as principais dificuldades
enfrentadas por estes. Entre elas, no que se refere a atividade pesqueira, está
a diminuição dos peixes e camarões na baía, a destruição das redes dos
pescadores artesanais pelas embarcações pesqueiras vindas de outros
municípios e estados vizinhos e a falta de participação dos pescadores e
74

agricultores nas suas organizações (colônias, principalmente).

FIGURA 7
Instalações da Emater de Matinhos-PR

No próximo capítulo iremos refletir de uma maneira mais ampla sobre as


entrevistas realizadas na pesquisa empírica do presente estudo, tentando
analisar como se dá a construção da identidade dos pescadores artesanais
estudados, além de mostrar suas visões sobre a natureza e sua conservação e
como ocorrem as relações no interior do grupo.
75

CAPÍTULO 4: A construção da identidade dos pescadores de Matinhos

Quando falamos da identidade do pescador artesanal, usaremos a


definição de Hall (1999), que acredita que existem três concepções diferentes
de identidade atualmente. A primeira seria a da pessoa única, autônoma e
auto-suficiente, sempre idêntica a si mesma e diferenciada das demais. É
caracterizada pelo sujeito do iluminismo, visto que a identidade está, segundo o
autor, no interior da pessoa.
A segunda concepção de identidade seria o sujeito sociológico, cuja
identidade é construída na interação do eu com a sociedade. Aqui a ênfase
recai naquilo que as pessoas têm em comum enquanto um grupo cultural, ou
seja, a identidade está naquilo que a pessoa compartilha com o grupo. O
sujeito pós-moderno descrito por Hall (1999), terceira concepção, caracteriza-
se como aquela pessoa que não tem uma identidade grupal permanente, mas
vivencia inúmeras identidades que são, muitas vezes, contraditórias entre si. É
o sujeito que possui uma identidade fragmentada e expressa em várias
identidades.
A concepção do sujeito sociológico foi a escolhida para discutirmos a
questão da construção da identidade do pescador artesanal de Matinhos, uma
vez que é mais relevante dentro da perspectiva de entendimento de que os
pescadores estudados formam um grupo que compartilha um modo de vida
muito semelhante; sendo assim, possuem costumes e valores bastante
próximos. Segundo Hall (1999), o sujeito sociológico se forma nas relações
com outras pessoas que mediam seus valores e sentidos.
Falar da construção da identidade dos pescadores estudados é
descrever não o pescador como pessoa única, mas o grupo e o processo de
formação dos pescadores, partindo de sua iniciação na pesca. Este processo
conjuga conhecimento e trabalho, indissociáveis e construídos na trajetória
desses pescadores. Inicia-se na maioria das vezes como um processo lúdico,
que vai se constituindo e formando uma identidade própria: a identidade do
pescador artesanal. Essa identidade, de acordo com a pesquisa realizada,
começa a ser construída logo nos primeiros anos de vida, ou seja, por volta dos
6 anos de idade os meninos começam a se interessar pela pesca, ajudando
nas atividades mais simples, como separar o pescado, desenrolar as redes,
76

etc. Como já comentado neste trabalho, me refiro a meninos (no masculino),


porque realmente no grupo estudado a mulher exerce uma função
complementar na pesca, ou seja, não participa da atividade principal – a
pescaria -, mas limpa e no máximo comercializa o pescado. E com as crianças
não é diferente, já que as meninas não são estimuladas a participarem da
atividade e, além disso, não as encontramos na praia, entre as canoas, com a
mesma freqüência que os meninos.
Percebe-se, como já visto anteriormente, que a pesca é um universo
exclusivamente masculino, desde muito cedo, com poucas exceções; exceções
estas não encontradas no grupo estudado. Como já comentado anteriormente,
a atividade pesqueira se caracteriza assim porque a mentalidade dos
pescadores sobre a pescaria em si se faz de acordo com a dificuldade física do
trabalho, ou seja, a atividade é muito árdua, exige muito esforço físico. E as
mulheres, consequentemente, na opinião dos pescadores entrevistados, “não
estão preparadas para agüentar tanta força” (pescador P8-29 anos), já que são
mais “frágeis” fisicamente. Além do esforço físico, os pescadores ainda
observam que há falta de um “preparo” para enfrentar as dificuldades que o
próprio clima oferece, como chuva em alto mar, vento, etc. Sendo assim, elas
mesmas não se interessam pela atividade, ou não são levadas a se interessar
desde cedo, onde fica claro que na visão dos pescadores esse é um universo
exclusivamente masculino. As mulheres se detêm então às atividades
complementares da pesca, como limpeza e venda do pescado. Tais atividades,
no grupo, também são consideradas importantes, já que são fundamentais
para o aumento do rendimento da família.
De acordo com Bonin (1984), a relação cotidiana dos homens entre si e
com a natureza vai gradativamente delineando um tipo de identidade social.
Essa identidade do pescador passa a ser fruto de uma relação dialética entre o
indivíduo e o meio natural e social que o circunda. Nas palavras da autora,

Para o pescador, a realidade por excelência é aquela partilhada com seus pares e
o seu meio ambiente. O tipo de conhecimento que se produz entre eles pode ser
confirmado na experiência, organizando-se como um saber bastante
sistematizado. Daí a sua tendência (...) a confiar mais na experiência do que nos
instrumentos, mesmo quando há uma mixagem de experiência e tecnologia (Bonin,
1984, p.105)
77

Os pescadores estudados afirmaram várias vezes que “o que conta


mesmo é a experiência” (pescador P4-26 anos). Essa experiência, associada
diretamente aos anos de pescaria e aos conhecimentos sobre o meio em que
vivem, formam a identidade do pescador de Matinhos, que, como visto
anteriormente, em sua maioria são pescadores porque gostam, mesmo
encarando a profissão como desgastante. Para um dos pescadores
entrevistados, “a pesca é a melhor profissão que existe, estamos em contato
direto com a natureza. Só que é puxado, a pesca é muito sacrificosa, mas se
tiver disciplina a gente vive bem...” (pescador P1-63 anos). Esse processo de
construção do pescador se dá, em Matinhos, não somente pela obrigação de
pescar, já que todos os homens da família pescam, mas pelo gosto da
profissão. E, como percebemos em campo, esse fator se torna fundamental
para ser considerado “um bom profissional da pesca” entre os companheiros,
visto que, como em todas as profissões, quando a atividade é realizada com
gosto se torna sinônimo de eficiência.
Analisaremos, então, como se dá esse processo de construção da
identidade do pescador em Matinhos, além da relação entre eles e com o
ambiente que o cerca: a natureza, da qual dependem diretamente para
sobreviver em sua atividade profissional.

4.1 Iniciação na pesca

O início do processo de aprendizagem na pesca, de acordo com os


dados coletados, começava bem cedo para os pescadores entrevistados. Os
meninos, desde pequenos, acompanhavam o pai, o tio, ou muitas vezes os
avós e irmãos mais velhos até a praia, para observá-los durante a saída e
chegada do mar. Era através da observação que boa parte dos pescadores
começaram a se apropriar dos conhecimentos da pesca, e esse processo de
aprendizagem se desenvolvia de uma forma informal, ou seja, a experiência
dos mais velhos sendo transmitida na prática aos iniciantes, como podemos
observar no depoimento a seguir.

Eu aprendi a pescar vendo, meu pai morreu de câncer, era


78

pescador, mas meu irmão já sabia pescar, quando meu pai morreu
meu tio se sentiu na necessidade de vir pra cá acompanhar meu
irmão. Dali pra frente eu vim aqui, com 8 anos 9 anos eu me obriguei
a aprender a pescar, limpar peixe. Meu tio e meu irmão fazia e eu
ficava só vendo, me metendo, até levava uns cascudo às vezes. Mas
tarde aprendi a arrumar canoa, depois arrumar o motor, umas coisa.
Meu irmão era muito bom mas não sabia nada desse tipo de coisa,
ele era amarrado. Eu me obriguei a aprender, aí eu fui mexendo
daqui, mexendo de lá, tive que aprender. (pescador P2-60 anos)

Percebe-se que a observação direta está instrinsicamente relacionada


com a aprendizagem, com a internalização dos saberes na pesca. Esses
saberes, como Diegues (1995) comenta, são construídos com base em dados
empíricos que advém de uma tentativa contínua da atividade pesqueira em si.
Um dos pescadores entrevistados comenta que, além de ser fundamental ter
alguém que o “apresente” a pescaria, é observando atentamente que se torna
um profissinal da pesca, como podemos verificar no depoimento a seguir:

Aprendi com meu pai, meus tios, me ensinaram. Tudo que eu sei
hoje foi através deles, do meu pai bastante, depois através do tempo
a gente vai aprendendo também. Eu tinha uns 11, 12 anos mais ou
menos. Eu comecei a ajudar. A gente vai aprendendo né, com o
tempo, vai tendo mais experiência, vai pegando o jeito. Fui vendo
meu pai, meu tio. Meu pai parou de pescar, aí meu tio foi levando a
gente junto pro mar. E depois a gente foi também, depois com o
tempo foi levando os irmão mais novo, aí a gente foi fazendo a
mesma coisa que eles fizeram com a gente, com os nossos irmão
mais novo. Eu pesquei com os meus outros irmão também e assim
foi passando, vendo, aprendendo. Os mais velhos foram saindo,
meu pai, meus tio, e a gente foi entrando. (pescador P5-32 anos)

A internalização desses conhecimentos, inicialmente, como vimos nos


depoimentos, se dá através da observação. Mas a prática se torna fundamental
nesse processo, já que a comunicação utilizada pelos pescadores é a
79

oralidade, diferentemente do pensamento científico, que utiliza primordialmente


a linguagem escrita. Enquanto na academia utilizam-se obras escritas para
“comprovar” a aprendizagem, no universo da pesca essa comprovação se dá
através da prática, ou seja, no trabalho diário do pescador. São esses
conhecimentos, adquiridos com o tempo, que permitem aos pescadores se
reproduzirem como tais, através principalmente da prática, da ação, onde
experimentam, contrastam, atualizam e aprendem sempre novos saberes no
meio em que atuam. Um dos pescadores de Matinhos comentou que “quando
o cara não tem experiência, tá começando, erra muito na pescaria. Tem que
ser assim, ele erra, faz de novo, aí vai acertando. Aprende errando e ouvindo o
conselho dos mais velhos, que aliás já erraram muito também...” (pescador P3
– 25 anos)
Outro fator que nos leva a refletir sobre a iniciação na pesca dos
pescadores de Matinhos é o abandono dos estudos, visto que a maioria (se
não todos) pararam de estudar quando se iniciaram na atividade.

Aprendi a pescar com o meu pai. Meu pai era pescador de Santa
Catarina, depois ele veio pra cá. Aí quando eu ia fazer 8 anos de
idade eu já comecei a ir com ele. Depois eu comecei a ir com o meu
tio, com os outros companheiros do meu pai. Com 11 anos eu
comprei uma canoazinha pequena pra mim e ali eu parei de estudar,
foi uma coisa fácil pra mim mais que eu fiz errado de parar de
estudar. (pescador P1-63 anos)

No depoimento acima percebemos que os pescadores acreditam que o


abandono dos estudos se configura como um fator que prejudica sua vida. Em
conversa, observou-se que, apesar de não terem escolarização, possuem uma
grande bagagem de conhecimentos sobre a pesca e a natureza30, mas mesmo
assim não acreditam que estes saberes são importantes para o restante da
sociedade, mas apenas para o grupo em que vivem. Esses saberes, adquiridos
ao longo da vida no meio em que vivem diariamente, vão servir para confirmar
ou modificar algumas crenças, possibilitando um contínuo aprendizado.

30
Ver capítulo 2 do presente trabalho.
80

Aprendem a relacionar aspectos dos fenômenos naturais, o que, segundo Allut


(2000), exige um saber-fazer sobre um meio (o mar) em constante movimento
e transformação.
De acordo com as falas dos pescadores, percebe-se que no início a
observação é essencial; todos os entrevistados afirmam que aprenderam
dessa forma. Em campo percebeu-se que várias crianças correm quando as
canoas chegam do mar, seja pela curiosidade de olhar o que vem dentro dela,
seja para ajudar a empurrar a canoa até seu lugar. As crianças no grupo
estudado freqüentam diariamente a escola, diferentemente dos pescadores
entrevistados que, quando crianças, abandonaram os estudos para se dedicar
(seja por necessidade ou por gosto) a atividade pesqueira. No turno em que
não estão estudando, as crianças do grupo ajudam em atividades corriqueiras,
ou seja, ajudam a tirar os peixes das redes, dobram as redes, ajudam a levar o
pescado para dentro do mercado; algumas até limpam o peixe e descascam o
camarão. Essas atividades, vistas como “ajuda”, se configuram como
necessárias para a aprendizagem na pesca, já que o “bom” pescador, segundo
os entrevistados, “é aquele que sabe desde cedo a dobrar a rede, descascar o
camarão e depois vai aprendendo até onde estão os cardumes” (pescador P3-
25 anos). Muitos pescadores, quando as crianças estão em volta, distribuem
alguns peixes para elas, o que não deixa de ser um estímulo para que essa
criança desenvolva, desde muito cedo, o gosto pela profissão. Para um dos
pescadores, a pesca tem um papel muito importante na sua vida,

...eu gosto de ser pescador, é meu sonho desde pequeno, desde


moleque mesmo, eu via aquelas canoas saindo e chegando no final
do dia e ficava imaginando o que eles faziam lá fora... queria tanto
descobrir! Parecia uma aventura muito legal, e só fui descobrir
quando cresci né... mas eu continuo adorando, é como se todos os
dias que a gente sai é um mistério, sabe? (pescador P3-25 anos)

Outro fator que deve ser analisado, uma vez que apareceu
freqüentemente na fala dos entrevistados, é a importância das relações
familiares na atividade pesqueira. A família representa a primeira inserção na
pesca. As relações familiares se estendem para desenvolver o gosto da criança
81

pela pescaria, fazendo com que, nas horas de folga da escola formal, na qual
praticamente todas as crianças estão inseridas, estas aprendam outras
relações e lições, só que na escola da vida. A escolarização, como visto
anteriormente, não é imprescindível para a iniciação na pescaria, já que boa
parte dos pescadores entrevistados não terminaram nem sequer o ensino
fundamental, mas o que acreditam é que a criança deve ter oportunidade de
estudar para poder optar em ser pescador ou não. Embora acreditem que os
estudos são importantes, como vimos, a maioria abandona a escola logo nos
primeiros anos. Segundo eles, “o estudo é importante, mas temos que escolher
em se dedicar a pesca ou estudar. E estudar não dá dinheiro...pelo menos não
agora. Mas a gente precisa sobreviver e ajudar a família, né?” (pescador P8 –
29 anos). Apesar de começarem a transmitir seus conhecimentos tradicionais
para as crianças desde bem pequenas, acreditam que é somente na prática
que eles se configuram em um saber válido.
Refletindo sobre as mudanças ocorridas ao longo dos anos na pesca
artesanal, um dos pescadores entrevistados observa que a vida mudou muito
dos tempos em que ele iniciou na pesca dos tempos atuais. Para ele, os jovens
e as crianças “...nem se interessam mais pela pesca, são tudo preguiçoso, e
aqui tem mais opção de trabalho, diferente daquela época que era pescar ou
plantar, então não querem ficar suando com a mão cheia de calo e passando
frio, são bobo né!” (pescador P2-60 anos). Para outro pescador, com uma
idade mais elevada assim como o pescador P2,

...o jovem não quer fazer, quer ficar na moleza. E você pode ver que
jovem nenhum dorme antes das onze da noite, e o certo é ir
ensinando o filho desde cedo a trabalhar, se não vai ficar a vida toda
aí na batalha. Eles não querem ficar no frio, no sol, fazendo força.
Porque é uma profissão difícil filha, sofrida e bem perigosa. Mas vale
a pena! (pescador P1-63 anos)

Analisando essas duas falas, podemos perceber que realmente a


iniciação na pesca vem mudando a cada nova geração, até mesmo pelo fator
que um deles observa quando diz que “naquela época era pescar ou plantar”.
Hoje encontramos uma variedade muito grande de empregos, o que acaba por
82

afastar muitos jovens filhos de pescadores desta profissão. Porque como o


próprio pescador comenta, “pra continuar na pesca a vida inteira tem que em
primeiro lugar gostar muito, ser apaixonado mesmo pelo mar, senão não
agüenta...” . Talvez por terem mais opção, como um dos pescadores
comentou, os filhos desses pescadores estão deixando de formar uma
“identidade” de pescador artesanal. Enquanto, em uma mesma família de
pescadores, alguns filhos desenvolvem a profissão de pescador, outros optam
por outras atividades, principalmente o comércio, como observou-se em
campo.

4.2 Quem são os “mestres”

No contexto em que se encaixa essa pesquisa, ou seja, no município de


Matinhos, os “mestres” são muitas vezes chamados de “patrão da canoa”.
Patrão porque realmente são os donos da embarcação e, geralmente, os
donos possuem uma idade mais elevada, conseqüentemente, possuem,
segundo os pescadores, mais conhecimentos na pesca. Durante a pesquisa
foram entrevistados dois “patrões”, ou mestres para especificar sua colocação
no grupo, já que existem exceções quanto a essa questão. Ou seja, alguns
pescadores considerados mestres pelos demais não possuem uma canoa.
Adotaremos aqui a nomenclatura de “mestre”.
Esses mestres guardam em si o conhecimento e a prática construídos
ao longo de anos. O mestre já era chamado nos primórdios da pesca no litoral
paranaense dessa forma; era obedecido pelos companheiros e cabia a ele a
segurança no mar do resto da tripulação (Bigarella, 1991). Ainda hoje, segundo
o pescador P3 (25 anos), ele “sabe mais, ele cuida de tudo na hora de sair,
sabe a posição do peixe, da canoa”. Na compreensão de Diegues (1983,
p.199), “o importante não é conhecer um ou outro aspecto, mas saber
relacionar os fenômenos naturais e tomar decisões relativas às capturas”. Um
dos pescadores entrevistados, comenta que:

...o cara é dono, ele que manda. O mestre é o que fica na proa, o
encarregado, é o manda-chuva. Hoje o cara trabalha em tudo, na
83

proa, na popa, puxa as rede, então aí é que ta o negócio. Um mestre


de barco grande aí tem uns ganho, é tipo o engenheiro da obra, aqui
não, dividimo tudo igual. Então se caso o cara é bom, de confiança,
eu pego ele e digo ‘ó, você trabalha na minha canoa aí eu te dou
tanto por fora’. Ganha por fora de mim, não do peixe que pescou.
Então ele ganha 10%, aí eu ganho 100 reais e dou 10 prá ele...
(pescador P3-25 anos)

Percebe-se neste depoimento que a figura do mestre mudou bastante


em relação a hierarquia, ou seja, antigamente o mestre além de ser dono da
embarcação, ainda era quem fazia a rota e dava as ordens na hora da saída ao
mar. Em conversa, percebeu-se que esse fato se dava porque toda confiança
nele era depositada, já que “ele sabia tudo”, então, consequentemente, era
seguro sair com ele para a pesca. Atualmente observou-se que a visão que os
demais pescadores possuem dos mestres ainda é de profundo respeito, visto
que para um dos pescadores,

Pra ser considerado um mestre mesmo tem que saber tudo da


pesca, desde arrumá canoa e rede até saber quando tá bom pra sair
pro mar, a lua boa, onde estão os cardumes de peixe, essas coisas.
Porque isso a gente só aprende vivendo mesmo. Tem uns cara aqui
que já passaram por muita coisa, até já ficaram afundados lá fora e
sobreviveram. Então eles sabem o rumo que tem que tomá, que tipo
de peixe vai encontrar...eles sabem tudo porque já viveram tudo.
(pescador P11 – 30 anos)

Os mestres, por serem em sua maioria pessoas mais experientes, tanto


na idade como nos anos de profissão, são bastante respeitados pelos demais
pescadores. Outros pescadores que possuem canoas não são considerados
mestres, porque somente compraram a canoa mas não entendem muito das
técnicas da pesca e ciclos da natureza. Segundo eles, os mestres têm um
conhecimento profundo sobre as marés, a lua, a posição dos peixes, época do
ano, etc. Percebe-se pela fala destes pescadores que seu conhecimento
realmente tem muita importância para os demais, e eles se sentem honrados
84

de poderem passar isso para os que estão aprendendo.


A figura do mestre aparece como uma mistura de conhecimentos
adquiridos ao longo da vida, assim como uma postura de disciplina,
responsabilidade e empenho entre os pescadores mais jovens. É um misto de
teoria e prática, é um olhar sábio, atencioso, que, segundo Maldonado (1986),
é um ideal social para as comunidades pesqueiras.
Quando questionados como se dá o processo de passagem de
pescadores comuns a mestres, um deles afirma que “não existe um momento
certo para virar um mestre, você só considera o cara um mestre mesmo
quando o que ele te ensina funciona, tipo ele diz para não sair que vem
tempestade forte ou que num certo local tem peixe; você vai e confirma.”
(pescador P11-30 anos). Observou-se que os pescadores confiam nos mais
velhos, e essa passagem de pescador para mestre se dá naturalmente, sem
um ritual e sem nenhuma formalidade. Passam a considerar o pescador um
“mestre” a partir do momento que passam a ter confiança em suas decisões e
percebem na prática que ele realmente está certo na hora de encontrar
cardumes, jogar as redes, etc., ou seja, de acordo com os conhecimentos que
possui.
Dois dos pescadores entrevistados são considerados, pelo grupo,
mestres, uma vez que se encaixam nas características descritas até aqui.
O pescador P2, 60 anos, fazia canoas desde novo e até hoje arruma
redes. Mora em uma casa de madeira bem simples na areia da praia, a única
que sobrou (uma vez que todas as outras foram tiradas pela prefeitura da
cidade), ao lado do Mercado Municipal de Pescados. Diz que só sai de lá
quando morrer, que ninguém nunca conseguiu tirar ele de lá e nunca vai
conseguir, “só para levar pro cemitério”. Está parado porque amputou os dedos
do pé por causa da diabete, há cinco anos.
85

FIGURA 8
Ultima casa de pescador na areia

Por ser um dos pescadores mais antigos da região, é tratado com


bastante respeito pelos demais, é muitas vezes consultado pelos mais novos
para saber se o dia está apropriado ou não para a pescaria e arruma as redes
até hoje. Percebeu-se claramente esse respeito, uma vez que, durante a
entrevista, vários pescadores bateram em sua casa para pedir algum
instrumento de pesca emprestado, perguntar o que fazer com o motor do barco
que parou, etc.
Esse pescador iniciou-se na pesca em 1956, aos 9 anos, e segundo ele
a vida era muito mais difícil que hoje, como se pode perceber no depoimento a
seguir.

...trabalhava na roça, tirava palmito, quando meu pai morreu ele se


sentiu na necessidade de vim pra cá pra acompanhar meu irmão.
Tinha três dias que nós não pescava porque não vendia, que era o
dia de finados, era o dia de ano novo e às vezes o dia de natal, que
era ruim de vender o peixe porque era ruim da gente gelá, nós não
tinha gelo, então era ruim, não vendia na praia. Então se a gente
matasse peixe, era pescada branca31, só de linha de mão, matava
50, 60 de linha de mão só de pescada branca essa que chama de
perna de moça. A gente matava aquele peixe tudo de linha,
fresquinho, não tinha o que fazer com ele, hoje o cara industrializa,

31
Espécie de peixe com o maior valor econômico para os pescadores.
86

vende. Quando eu era guri a gente não tinha nada em casa, nós não
tinha televisão, não tinha água, não tinha roupa. Naquela época isso
aqui era um lugar muito pobre, de roupa, comida, remédio. Tudo era
difícil, até ficar doente, o cara morria de dor, porque não tinha
recurso. Hoje tem recurso, só que todo mundo era honesto, se
ajudava, era uma família grandona, todo mundo morava aqui na
areia, pertinho um do outro.

Para esse mestre, a vida dos jovens de hoje é muito mais fácil do que no
tempo em que ele estava iniciando na pesca. Afirma que no tempo em que
iniciou se ouvia muito mais o que os mais velhos tinham a dizer, o respeito era
maior, e, segundo ele, esse fator influência diretamente a pesca, já que não se
ouve o que os mais experientes têm a ensinar, o que pode prejudicar quando
eles saem para pescar. “...o pescador é teimoso. Mesmo quando você tem
mais experiência, conhecimento que teu companheiro, você fala, aconselha,
mas ele não ouve, tem que aprender quebrando a cara mesmo, depois volta
com as orelhas baixa.”
Outro pescador considerado pelos demais como um mestre, chamado
aqui de pescador P1 (63 anos), iniciou na pesca aproximadamente no ano de
1952. Não mora mais na beira da praia, mas não passa um dia sequer,
segundo ele, sem vir até o Mercado, seja para trabalhar ou, quando o dia não
está apropriado, para conversar.

...aos treze anos eu fui embora aqui de Matinhos pra Santos,


trabalhar pra lá. Fui e fiquei, conheci muitos lugares, quase todo o
litoral aqui do Brasil. Não estudei mais tenho uma visão muito ampla
de tudo...Eu fui formado pela escola da vida, eu conheço muito o
mar, posso afirmar, eu tive muitas aventuras no mar, naufrágio, me
virei aqui diversas vezes, quebrei canoa, perdi canoa, vi tantos tipos
de peixe que não saberia contar, passei muito medo, aperto, achei
que ia morrer, mas nunca desisti, porque ia ganhando experiência, e
hoje eu sei muito sobre a pesca. Voltei pra Matinhos com 26 anos e
aqui estou até hoje, agora ensinando um pouco do que eu aprendi
para os pescadores que estão começando...
87

Para ele, a vida do pescador melhorou significativamente com as novas


tecnologias, como o motor nos barcos, já que não precisam mais passar dias
em alto mar. Esse fator tem muita influência nas relações familiares, de acordo
com seu depoimento:

Voltei para Matinhos, depois eu casei... prá quem era solteiro a


pesca era muito boa, mas para quem era casado era difícil demais...
era muito amarrado. A gente ficava muito tempo no mar, passava
dias lá fora, e não tinha tempo para a esposa, para os filhos. O
primeiro filho meu eu tava no mar e nem vi nascer. Cheguei em casa
já com seis dias que ele tinha nascido. E a esposa quase me
bateu...mas como é que eu ia adivinhar? Tinha que trabalhar para
sustentar a família!

Ser um mestre da pesca ou mesmo um pescador na época descrita pelo


pescador acima (aproximadamente na década de 60, quando os barcos não
possuíam motor) significava, muitas vezes, abandonar a família, sacrificando
momentos importantes como o citado por ele.
O mestre, como comentam os pescadores, é quem “guia” o barco pelo
mar. Esse guiar simboliza o ato de conduzir homens na direção de seus
caminhos de sobrevivência em um espaço marítimo marcado por riscos e
incertezas, onde o restante da tripulação se deixam mover pela confiança e
segurança depositadas no depositário dos saberes tradicionais pesqueiros. O
mestre, de acordo com Maldonado (1986), sempre foi o portador de toda uma
tradição pesqueira e esta tradição não poderia existir sem a sua presença e
seu conhecimento. A continuidade dessa tradição no universo da pesca
artesanal tem muita relação com a recriação da mestrança ao longo de
gerações, como se observou em campo.

4.3 Relações entre os pescadores

As relações entre os pescadores foram observadas não somente


88

durante as entrevistas e visitas informais, como também na saída de barco que


a pesquisadora teve oportunidade de participar. A organização social do grupo
pesquisado está assentada tanto nas relações de parentesco existentes entre
as unidades familiares, sejam elas nucleares (pais e filhos) ou extensas
(envolvendo avós, tios, primos, etc.), como nas relações de compadrio, de
amizade, ou até mesmo meramente profissionais.
Na produção as relações entre a tripulação configuram-se num elemento
fundamental para a organização do trabalho. As capturas são coletivas,
envolvendo dois ou três pescadores "camaradas", ou seja, os companheiros de
pesca. Na saída de barco que foi oportunizada para a pesquisadora, o mestre
estava presente, então, como de costume, este ficava na popa, ou seja,
controlando o motor da embarcação. É ele quem guia a canoa para o lugar que
acredita que estão os cardumes; percebeu-se que até aceita sugestões, mas
os demais pescadores (dois, na ocasião) possuem um respeito muito grande
por ele, então evitam dar suas opiniões.

FIGURA 9
Pescadores saindo ao mar para pescaria
89

Durante a trajetória até o local onde largariam as redes, que durou


aproximadamente meia hora, o silêncio era total. Quando chegamos ao local
apropriado segundo o mestre, prepararam e jogaram as redes. Em seguida
ficaram esperando para puxá-la novamente. Esse período de espera durou
aproximadamente uma hora. O tempo para puxar a rede foi mais curto
(aproximadamente vinte minutos), mas de grande esforço físico para os
pescadores. Percebia-se claramente o cansaço deles; suavam e diversas
vezes comentavam que a rede estava pesada, e isso, pelo semblante, era
bom. Obviamente a rede estava cheia de pescado. Quando a rede já estava
dentro da canoa, começaram a desenrolar os peixes e colocá-los dentro de
uma caixa de isopor que estava ao lado. Enquanto isso o mestre já estava
ligando o motor da canoa e retornando a praia.
FIGURA 10
Pescadores retirando o pescado da canoa

A partir dessa experiência, pode-se perceber claramente que, enquanto


o mais experiente entre a tripulação está presente, todos respeitam sua
opinião. Mas quando não está, os camaradas precisam chegar a um acordo
para não terem problemas, como demonstra o depoimento abaixo.

É difícil quando saímos sem o mestre. Um quer saber mais que o


outro, mas a gente entra em um acordo, porque se você já sabe que
não vai muito com a idéia do cara, já nem sai com ele, prá evitar
90

confusão. O cara fala que você tem que ir prá um lado, e você vai
pro outro, aí já viu... encrenca na certa. O negócio é se dar bem e
fazer um acordo bem certo antes de sair. (pescador P4-26 anos)

Podemos perceber que a figura do mestre é bastante importante na


saída ao mar, mas não indispensável. Ou seja, a tripulação pode sair para a
pesca sem o mestre, mas precisam fazer um esforço de entendimento muito
mais intenso, já que quando o patrão está entre a tripulação é ele quem dá as
coordenadas, sem dar oportunidade para sugestões dos demais. Outro
pescador comenta que:

A gente já tem mais ou menos a tripulação certa. Os camaradas que


a gente sempre gosta de trabalhar a gente prefere, mas quando não
dá, tá doente, tem que fazer uma coisa séria, a gente pega uns de
fora. Mas tem que ser um que trabalhe, porque levar o cara pra ficar
olhando e ganhar como a gente não dá, né? (pescador P3-25 anos)

Quando se trata da divisão do pescado, o acordo é bastante claro para


os pescadores, que não reclamam porque já é intrínseco ao grupo, ou seja,
não está escrito, não é uma lei, mas todos cumprem como se fossem punidos
se assim não fizessem.

De 100% tira 25% pro camarada, que é um pescador, tipo assim, um


auxiliar no caso e ajuda a puxar a rede, escolher o camarão, essas
coisas tudo daí é ele que ajuda. E o resto fica pro patrão da canoa.
Tipo, pesca o dono e o camarada dele, daí ele ganha 25% e 75%
fica 25% pro dono e 50% é da embarcação. Quando o dono da
canoa não vai é 50% pra embarcação só e 50% pros
camaradas.(pescador P10-45 anos)

A segunda relação a ser discutida é a relação do pescador com o


atravessador32 (comerciante). O pescador, talvez por comodidade, falta de

32
A figura do atravessador já foi descrita no capítulo 1 do presente trabalho.
91

tempo ou até mesmo por não conhecer as “fontes” de venda, repassa o


pescado, que foi difícil de capturar, numa situação muitas vezes de risco e
bastante árdua, para o atravessador que, segundo os pescadores, “não faz
nada, fica na sombrinha, esperando a gente chegar do mar” (pescador P11-30
anos).
Observou-se em campo que há uma diversidade grande de tipos de
comercialização, visto que muitos pescadores repassam, já quando chegam do
mar, o pescado capturado aos atravessadores, mas muitos deles
comercializam no próprio Mercado Municipal. Os que comercializam (eles
mesmos ou suas esposas) possuem uma banca no Mercado, mas, quando a
quantidade de pescado capturada é grande, passam uma parte para os
atravessadores venderem. Apesar de terem que pagar uma quantia por mês
para garantir sua banca, segundo os pescadores, passar o produto aos
atravessadores é uma forma de garantir que não sobrará o produto. Outros
deles, que possuem freezer em sua banca, estocam o pescado e vendem
posteriormente. Essa última situação é, de acordo com os pescadores, a ideal
para garantir um “lucro” maior na atividade. Mas, ao mesmo tempo, os que
possuem o freezer ainda são a minoria, já que o investimento é alto.

Segundo um dos pescadores,

Pra vender tem vários jeitos, tem uns que guardam, tem uns que
chega aqui e vende ali no mercado fiado né, às vezes recebe mais
de pingo em pingo, 10, 20, 30. Tem bastante atravessador também,
tipo, eles chegam com 1000 quilo de peixe, o cara compra, pega
aqui e já vende ali pro outro cidadão a cinqüenta, um real por quilo
né, 1000 quilos o cara já ganha o dia dele né. Ele só faz isso, só
vende.(pescador P7-35 anos)

Outro pescador comenta que,

... tem muito atravessador, eles não são pescador, só vendem, mas
não tem dinheiro. Agora se entregasse pra uma empresa que ele
sabe que daqui a 15 dias vai receber, mas aqui não tem. Agora aqui
92

às vezes você tem 700 reais pra receber e não recebe, o


atravessador não tem dinheiro pra pagar. E como nós ficamo?
(pescador P3-25 anos)

Em pesquisa observou-se, realmente, que vários homens ficam


sentados na frente do Mercado de Pescados esperando as canoas chegarem
do mar. Quando estas chegam, eles se dirigem até elas e “pegam um peixe de
uma canoa, outro de outra daí faz o cambio que a turma chama e sobrevive
disso. Câmbio é assim: ele pega o peixe, limpa o peixe e daí vende” (pescador
P5-32 anos). Sendo assim, esse é um problema que muitos pescadores
reclamam, uma vez que os atravessadores não pescam, “eles não querem ficar
no frio, no sol, fazendo força”, mas apenas comercializar o pescado. Mas,
como eles próprios comentam, os pescadores se submetem a isso, eles muitas
vezes preferem fazer essa negociação do que, além de pescar, ainda ter outro
desgaste que seria a comercialização. No pensamento de alguns pescadores,
“o pescador não pode vender, tem um guri que saiu de manhã e não chegou
ainda. Como é que ele vai pra banca vender peixe? Ele entrega então pra
outro.” (pescador P3-25 anos)
Esses atravessadores geralmente, no grupo estudado, são oriundos da
própria comunidade de Matinhos, mas não possuem as “habilidades”
necessárias para a pescaria e, em alguns casos, são pescadores que não
praticam mais a atividade porque se machucaram ou perderam a embarcação.
A maioria deles, como se pode observar, não possuem condições econômicas
favorecidas; utilizam o “câmbio” como uma atividade para complementar a
renda. Renda oriunda de atividades diversas, como a profissão de pedreiro,
jardineiro, caseiro, etc. Em conversa, os atravessadores comentam que não
possuem infra-estrutura adequada para armazenar um grande número de
pescados, mas a “vantagem” na venda estaria realmente no lucro em cima do
preço da mercadoria que compram e nos contatos que mantém com os
comerciantes (em sua maioria donos de peixarias). O tempo deles estaria
restrito então a venda; não saem para pescar e, portanto, tem mais tempo para
fazer a negociação. Notou-se claramente que esses atravessadores percebem
essa “sociedade” que mantém com os pescadores, vantajosa para ambas as
partes, já que o pescador não precisa se incomodar com a parte da venda,
93

diferentemente dos pescadores, que vêm essa relação como prejudicial (como
já visto nos depoimentos). Mas, o que pode notar-se é que, apesar de
encararem essa relação assim, não fazem nada para mudar a situação.
Em época de veraneio ou até mesmo feriados, os pescadores comentam
que é o período onde eles podem tirar realmente um melhor rendimento da
venda, não só por aumentar a demanda de pescados, mas por terem a
oportunidade de negociar direto com o consumidor. Somente repassam o
pescado ao atravessador quando a quantidade coletada é muito maior do que
a capacidade de armazenamento.
As relações entre pescadores e comerciantes são ao mesmo tempo
conflituosas, mas também amistosas. Notou-se que o pescador percebe com
clareza a exploração a que está submetido no “câmbio” (intermediação) que o
comerciante faz entre seu produto e o mercado, entretanto depende muitas
vezes do atravessador para a comercialização do seu produto, principalmente,
como comentado acima, em períodos de grande demanda de pescado.
Essa relação se traduz, algumas vezes, em uma relação de fidelidade,
pois assim como o atravessador conta com a produção, o pescador pode
contar com a cooperação deste nos períodos mais difíceis, onde a demanda
está escassa.Assim, ao mesmo tempo em que essa relação entre pescador e
atravessador os incomoda, acaba por vezes deixando-os aliviados, como relata
o pescador:

Eles não fazem nada mesmo, nada não, mas eles não penam no sol
que nem nós, o dia todo puxando rede, fazendo força. Mas até que
na hora que a gente chega e já vê eles fica feliz, já que não
precisamo nos preocupar em vender o peixe e o camarão né. Sei
que se eu vendesse, estocasse, ia ganhar mais, podia até ficar bem
na vida, mas é muita coisa prá uma pessoa só... (pescador P8-29
anos)

O grupo de pescadores estudado, como se pôde notar através de


observação direta, tem uma relação bastante amigável e principalmente
solidária. Os homens saem para pescar pela manhã, bem cedo,
aproximadamente às cinco horas da manhã, retornando no final da manhã ou
94

início da tarde. Após a refeição, feita por lá mesmo, em uma pequena


lanchonete ao lado do mercado, e o descanso, vão preparar a saída para o dia
seguinte, remendar as redes, consertar as embarcações, enfim preparar os
apetrechos, além de repassarem o pescado para os comerciantes. Quando
encerram as atividades ligadas à pesca, reservam algum espaço de seu dia
para o relaxamento. Em Matinhos, o comércio (Mercado de Pescados) é um
dos principais espaços de sociabilidade do grupo de pescadores estudado. Lá
estes se encontram para conversar, contar "causos" e histórias e se divertir, até
mesmo jogando cartas.

FIGURA 11
Locais onde confraternizam, guardam seus instrumentos de trabalho e suas
canoas

Poderíamos resumir esse espaço de sociabilidade como o principal local


da vida desses pescadores, já que até a família da maioria deles permanece a
maior parte de seu tempo por lá. Além de, depois de um longo dia de trabalho,
relaxarem tomando uma cerveja na lanchonete, ainda encontram espaço para
95

namorar, assistir uma partida de futebol juntos e até mesmo jogarem na prática
a famosa “pelada na areia”, não só no tempo livre como também quando as
condições do mar não estão propícias para a saída para a pescaria. Encaram
esse espaço como necessário para suas sobrevivências como pescadores,
apesar de não mais residirem no local, já que a maioria deles precisou sair das
suas casas que eram na areia da praia por questões de segurança. Segundo
dados da EMATER, realmente o local onde eram concentradas as residências
dos pescadores estava comprometida, devido ao avanço do mar e as ressacas
constantes no local; esse é o principal motivo do deslocamento dos pescadores
para outras regiões do município.

4.4 Relações de gênero

Historicamente, segundo Horochovski (2007), pela divisão sexual do


trabalho da pesca, a coleta do pescado é praticamente um privilégio masculino.
As mulheres exercem diversas atividades na pesca, a maior parte das quais
relacionadas ao beneficiamento primário do pescado, como descascar e limpar
camarões e peixes, além de vender os produtos em bancas nos mercados de
peixe. Pelo fato de as mulheres se inserirem no setor pesqueiro, suas
atividades acabam por vincular-se à pesca, ou seja, elas acabam se detendo
dessas atividades que advém da pescaria. Segundo Maneschy (2000), por
esse motivo o número de pescadoras mulheres, que realmente saem para a
pesca em alto mar, é relativamente muito mais baixa do que os pescadores
homens no Brasil.
Na comunidade pesquisada, as mulheres também ficam de fora da
atividade da pesca em si, mas participam da venda, seleção e limpeza do
pescado. Muitas mulheres cuidam da venda no Mercado Municipal de
Pescados, fazendo toda a parte de limpeza e negociação.
As mulheres não pescam, segundo os dados coletados nas entrevistas,
porque essa profissão exige um “esforço físico muito grande”, além de um
“preparo” para enfrentar as dificuldades que o próprio clima oferece, tais como
chuva em alto mar, vento, etc. Elas mesmas não se interessam – ou talvez não
sejam estimuladas a se interessar desde pequenas - uma vez que “vêem o
96

quanto os pescadores sofrem, é uma profissão difícil, penosa, você precisa


trabalhar sol a sol, chuva a chuva, e a gente não agüentaria. Para puxar uma
rede às vezes dois homens não agüentam, imagine uma mulher então! E pra
puxar a canoa então? (mulher de pescador–32 anos). Em entrevista com as
mulheres e os pescadores da comunidade, percebeu-se que o principal fator
que influencia a não participação da mulher na pesca (isto é, a saída para o
mar) é o esforço físico, ou seja, “elas não tem estrutura, corpo, força mesmo
para pescar, é muito perigoso e desgastante pra elas” (pescador P8-29 anos)
Segundo Maneschy (2000), as mulheres nas comunidades pesqueiras
são mantidas à sombra da sociedade que estruturou a desigualdade entre os
sexos. Percebe-se que as mulheres na pesca nos países do Sul enfrentam
problemas muito semelhantes conforme relatam os casos. Vemos que existe
um pré-conceito sexista que discrimina as mulheres na atividade da pesca
propriamente dita nos países de cultura mais machista. O “pré-conceito”
cultural em muito destes países considera que a pesca de proximidade, e
principalmente quando se destina ao autoconsumo, como não-pesca e sim
uma extensão dos afazeres domésticos feitas pelas mulheres.
A percepção generalizada é de que as atividades vinculadas à pesca
realizadas pelas mulheres, como tecer rede, o processamento e a venda de
pescados, não as qualificam como pescadoras e sim como colaboradoras. O
trabalho da mulher por se dar às voltas da casa se torna invisível. As atividades
produtivas femininas, em sua maior partes, são descontínuas e nem sempre se
traduzem em renda monetária, o que contribui para reforçar sua invisibilidade e
dificulta o surgimento de uma “consciência profissional” e individualização das
trabalhadoras da pesca. Ao contrário, persiste seu vínculo primordial com às
exigências da reprodução familiar. Nota-se, inclusive, a pouca importância que
as próprias mulheres atribuem ao próprio trabalho na pesca em sua
representação, visto como “ajuda”. Tal percepção do trabalho como ajuda,
interiorizada e expressa nas práticas cotidianas, incide no estatuto social da
mulher pescadora, que permanece pouco reconhecida pelas instituições.
Portanto, apesar de seus múltiplos trabalhos, não se configuram para elas
como carreira profissional (Maneschy, 2000).
97

4.5 A relação pescador-natureza e os conhecimentos tradicionais

Uma das questões abordadas na entrevista foi o significado da natureza


para eles, para que percebêssemos qual a visão que o grupo possui dela e
qual a relação estabelecida entre ambos, para posteriormente analisarmos qual
a importância dos saberes tradicionais que carregam com si. A maioria, como
já se esperava, associou-a ao mar, uma vez que dependem das boas
condições deste para sua própria sobrevivência. Um dos pescadores, diz que a
natureza “pra mim inclui o mar no caso, o meio ambiente todo, tipo assim, o
morro, a serra. Mas a nossa natureza é o mar mesmo, a areia, a lua. É muito
complicado definir a natureza em poucas palavras...” (pescador P11-30 anos)
Para outro pescador, a natureza tem um papel importante em seu dia-a-
dia, “...eu entendo por natureza o nosso mar imenso, tudo o que a gente tira
dele, peixe, camarão, marisco, ostra. Então quando a natureza ta de bem com
nós, que é o vento, maré, a pesca vai bem. Quando ela tá de mau humor, nada
dá certo... então, ela é tudo, não é?” (pescador P7-35 anos). Percebe-se
claramente na visão desses pescadores que, apesar de não se considerarem
muito conservadores da natureza (discutiremos adiante), dão muito valor para
a natureza, uma vez que são conscientes do papel desta em suas vidas.

Natureza prá mim é o mar, uma planta, o ar que a gente respira... é


o que tem de mais importante na vida, principalmente da nossa de
pescador. (pescador P3-25 anos)

A natureza é a nossa vida, a gente vive dela e pra ela, já que todo
dia a gente tem contato com o mar, a areia, o céu... (pescador P7-35
anos)

A natureza prá mim? Fica complicado definir assim, sei lá, ela é tão
junta de nós que nem sei explicar... é tudo isso aí que você tá vendo,
até a areia que tamo pisando, o céu que tamo vendo, esse mar
enorme, esses peixes que tão nele... se não fosse ela, nem sei o
que seria de nós... já pensou se não existisse o mar? (pescador P4-
26 anos)
98

Definições como as colocadas acima são fundamentais para


entendermos a visão de natureza que esses pescadores possuem, procurando
fazer uma relação com o modo de vida que levam. Dependem diretamente
dela, e relacionam o mar a sua sobrevivência direta. Dessa forma, observam
diariamente a natureza que os rodeia, possuindo, como já comentado, um
conhecimento aprofundado sobre ela e seus ciclos, que pode ser evidenciado
no depoimento de dois pescadores:

É tudo, prá nós a natureza é tudo. Sem a natureza nada dá certo.


Desde a plantação, do nascer de uma família, a gestação, o corte de
uma árvore, tem que esperar a lua certa. Nós se baseamos muito
pela natureza. Quando tá pra dar um vento ou então tá pra ventar de
um lado a própria natureza avisa. As estrelas quando tão longe elas
começam a oscilar, não sei se você já viu, parece que tão se
mexendo. Então daquele lado que ela tá oscilando vem o vento.
Quanto mais oscilação tá vento mais forte. Então quando a gente tá
no meio do mar, não tem um instrumento de navegação, uma
bússola, nada, então como a gente se guia, se baseia? Pela
natureza. Se a gente tá numa ilha, os próprios passarinhos avisam
se vai dar tempestade. É só prestando atenção na natureza que a
gente vai saber definir o que é e o que não é. Tem um passarinho na
ilha que se chama massarico, se ele sair gritando, quando a gente
chega e der duas voltas na ilha e sentar, pode correr que vem
tempestade. A nossa praia aqui, se ela amolecer de repente, pode
se precaver que vem maré alta, vem vento, vem tudo. A gente presta
muita atenção na natureza pra não quebrar a cara. A gente tá
arrastando lá fora de repente a gente começa a encalhar, aí a gente
briga, pô, mas é um aviso da natureza, que vem tempestade na
frente. (pescador P1-63 anos)

Analisando esses discursos, nota-se que o pescador percebe-se como


um elemento da natureza, ou seja, ele também faz parte dela. Segundo Leff
(2002), esse é um dos objetivos na elaboração do saber ambiental, ou seja,
99

encarar o homem e a sociedade como seres constitutivos da natureza. O saber


ambiental preconiza um novo modelo de conhecimento, no qual a razão aberta,
crítica e criativa, livre de certezas insustentáveis, faz-se presente. “É um saber
identitário”, diz ele, “conformado por e arraigado em identidades coletivas que
dão sentido a racionalidades e práticas culturais diferenciadas” (p.185). Esse
saber problematiza as ciências para transformar seus “paradigmas tradicionais”
e internalizar uma nova dimensão de caráter complexo. Segundo o autor, a
internalização do saber ambiental é o primeiro passo para que ocorra um
diálogo entre os saberes tradicionais e acadêmicos, ocorrendo, assim, uma
valorização dos saberes, por exemplo, dos pescadores artesanais, baseados
na observação direta e diária da natureza, como podemos perceber no
depoimento abaixo.

A gente sabe muita coisa sobre a maré, lua. Ó, a lua nova é


amanhã. Então a partir de depois de amanhã em diante é um perigo
a maré, o mar. Daí já vai ir pra crescente. Hoje, no caso, se der
tempo ruim não vai longe a maré, vai tá na força da minguante. Pode
ver que se hoje for nascer um bocado de pintinho no ovo tem que
quebrar a casca, até o ser humano mesmo. Então maré, a lua, se
tiver na força da minguante a maré não cresce. Quarto minguante, aí
vai pra quarto crescente em diante, cresce um pouco, na nova
cresce mais a maré. Vamo dize, o vento. O vento sul a maré cresce,
o leste a maré não cresce. Daí cai aquela chuva de rachá, enche
tudo mas a maré não cresce, vento leste né. A força de água
também, porque o mar é o seguinte, o mar você não tem uma visão
de que jeito que a maré, a água ta puxando. Conforme a maré a
água puxa pra um lado. Se você for no Rio ali na barra de
Guaratuba, se a maré tiver vazando a água puxa prá fora, sai mar a
fora, mar aberto. Se a maré tiver enchendo, entra rio adentro. Então
isso é uns macete que tem que aprende, e agente só aprende
vivendo, com o tempo né! (pescador P2-60 anos)

Fica claro que os pescadores possuem um amplo e especializado


conhecimento sobre o ambiente em que trabalham, a identificação dos
100

pesqueiros, o manejo dos instrumentos de pesca, as condições da maré, o


clima, etc., que, segundo Diegues (1995, p.97), formam a “essência” da pesca
artesanal. Para o autor, “este conjunto de conhecimentos” explicados
anteriormente nesse trabalho “faz parte dos meios de produção dos
pescadores artesanais”, uma vez que é através desses saberes que se
configuram em profissionais da pesca.
Os pescadores com mais anos de experiência possuem mais
conhecimentos realmente que os pescadores que estão iniciando,
conhecimentos esses que adquiriram “quebrando a cabeça, no muque mesmo,
na força bruta, que assim, na força, a gente aprende mesmo, não esquece”
(pescador P1-63 anos). Mas os pescadores mais novos, quando questionados
sobre o que precisam saber para serem bons pescadores, foram unânimes em
afirmar que é somente através da experiência que se aprende, como se
evidencia no depoimento abaixo.

Experiência. Não adianta ir lá fazer carteira de pescador, é a mesma


coisa que carro, você vai lá passa no exame teórico e chega na
prática e dança. Chega na hora não sabe pescar. É só pescando
que a gente aprende, não tem como. (pescador P5-32 anos)

Quando se perguntou, em entrevista, sobre o valor de seus


conhecimentos para a ciência, todos foram unânimes em afirmar que não são
valorizados, já que quando os órgãos governamentais ou mesmo
pesquisadores das universidades fazem alguma ação na praia (seja na areia ou
no mar), não contam com a opinião dos pescadores que lá passam a maioria
dos seus dias. Para um dos pescadores entrevistados, seus conhecimentos

...não tem valor nenhum, porque se os caras do IBAMA ou do IAP


vem fazer alguma coisa aqui eles nunca vieram perguntar pro
pescador, quando eles vão mexer na praia eles não chamam o
pescador velho que entende de lua, de maré, chegam e vão fazer.
Eles acham que é daquele jeito ali, do jeito deles e pronto. Eles
tinham que ter uma parceria com o pescador, não sei se tem medo
de conversar com nós, ver o que a gente acha de por uma areia ali,
101

jogar uma pedra lá pra acabar com a puxa de água, o que a gente
acha. (pescador P5-32 anos)

Pôde-se perceber que essas atitudes, principalmente dos órgãos


governamentais, indignam muitos dos pescadores, já que acreditam que a
parceria deveria ser uma ação rotineira entre eles, uma vez que “eles mexem
em um bem que a gente usa pra sobreviver”. Sendo assim, os pescadores
entrevistados acreditam que seria primordial que esses órgãos estabelecessem
um diálogo mais intenso com a comunidade. Outro pescador, quando abordado
nessa mesma questão, conta que,

Esses dias veio um pessoal da Universidade Federal e fez uma


reuniãozinha com o pessoal aqui, e perguntou como deveria ser
feito, gostei daquilo ali sabe, fizeram uns projeto certinho e vieram
perguntar se era bom o que que a gente achava. Tem alguns
pescadores que acham que é bom que os caras perguntem, outros
que acham que não, nunca entra num bom senso todo mundo sabe,
se pensasse igual não tinha briga. (pescador P11-30 anos)

Conhecimentos sobre os peixes, os cardumes, a maré , as fases da lua,


enfim, sobre os ciclos da natureza são fundamentais para ser pescador,
principalmente para ser pescador artesanal, já que não utilizam equipamentos
de navegação modernos, como o radar, o GPS, etc. Toda a confiança na hora
de sair para o alto mar vem dos conhecimentos que possuem, sendo assim, se
não adquirem esses saberes, chamados de tradicionais porque são passados
de geração a geração, podem sofrer conseqüências sérias na pescaria. Allut
(2000), referindo-se ao conhecimento dos pescadores artesanais, defende que
“o saber de certas profissões e ofícios constitui um corpo de conhecimentos
que transcede ao que geralmente entendemos por conhecimento vulgar ou
leigo”. Percebe-se claramente na visão dos pescadores entrevistados, a
importância desses conhecimentos adquiridos na prática, através da luta diária,
da experiência, dos desafios. Esses saberes possuem características
marcantes, uma vez que se configuram na observação contínua e vivida lado a
lado com a natureza.
102

4.6 Alguns aspectos sobre o conservacionismo dos pescadores

Quando abordamos o tema da conservação da natureza, a questão


central desse estudo, percebeu-se que há uma ambigüidade nas afirmações.
Ao mesmo tempo em que os pescadores entrevistados não consideram os
pescadores artesanais em geral conservacionistas, acreditam que eles próprios
são, como se não fizessem parte da categoria. Como se considerássemos que
os homens em geral são destruidores da natureza, mas nós mesmos não
fôssemos. Podemos perceber essa ambigüidade no depoimento a seguir:

Eu conservo o meio ambiente, mas a maioria não tanto assim,


porque às vezes tem uns pescadores aqui que jogam o óleo na praia
de qualquer jeito, não tão nem aí. Eles não têm conhecimento, eles
acham que aquele óleo que vai cair ali vai afundar na areia, vai
afundar e não vai causar nada. Que nem esses dias atrás que deu
aquela maré grande, a gente sentiu o cheiro do óleo que tava aqui,
tudo óleo que jogaram na praia sabe, na maré vem, bate o vento e o
cheiro vem, veio a tona aquele cheiro. Então é assim, eles não tem
conhecimento do que vai acontecer, do que não vai. Já o lixo eles
não jogam, eles cuidam mais, tem bastante latão aqui e tal.
(pescador P4-26 anos)

No depoimento acima o pescador comenta sobre a questão do óleo


velho do motor, que não tem mais condições de ser reutilizado. Esse problema
apareceu na fala de vários pescadores, indicando um risco ao ecossistema
aquático, já que esse óleo jogado na areia é absorvido por ela e
consequentemente se mistura a água do mar. Mas como o pescador afirmou,
eles tomam essa atitude porque não tem informação, na visão deles.
Outro pescador entrevistado acredita que conserva a natureza, mas os
pescadores em geral não, já que, segundo ele, “tem muitos pescadores que
pegam plástico e jogam no mar, abre uma garrafa de óleo, põem no motor e
jogam a garrafa no mar, a prova tá aqui ó, na minha canoa, olha quantos
galões eu guardo prá jogar no lugar certo.” (pescador P1-63 anos). Esse é um
103

outro aspecto a ser considerado quando tratamos da conservação da natureza.


O mar é um lugar de produção para os pescadores, portanto, se configura em
uma fonte de remuneração. Sendo assim, o principal instrumento para eles é a
natureza, seu local de vida e produção. A conservação, neste caso, deveria ser
intrínseca em suas vidas, natural, espontânea. Segundo Maldonado (1986), o
respeito pela natureza das comunidades que dependem dela para sobreviver é
natural, como se ocorresse um processo de interiorização a partir do momento
que nascem e crescem nesse meio. Mas, no grupo estudado, em vários
momentos percebeu-se que a percepção que possuem sobre a natureza é a de
que, apesar de fazerem parte dela e agirem sobre ela, possuem atitudes que
ora condizem com práticas de conservação, ora não, como veremos a seguir.
A maioria dos pescadores estudados, apesar de se considerarem
conservacionistas, possuem práticas que vão contra o que discursam, como foi
possível observar em campo. Muitos largam as redes, estragadas pelo mar, na
areia ou até mesmo diretamente no mar. Essas redes, que atualmente são
confeccionadas em náilon33, têm uma durabilidade maior, e assim demoram
muito mais tempo para se decomporem. Em conversa informal, um dos
pescadores admitiu que jogam muitas vezes sacos plásticos no mar, o que
acaba por matar alguns peixes quando ingeridos por eles. Diegues (1995),
afirma em seus estudos sobre a pesca, que após a Segunda Guerra Mundial a
atividade pesqueira sofreu alterações significativas, como a introdução das
redes de nylon, do gelo e do motor, isto é, insumos não mais fabricados pelos
pescadores manualmente. Nesse contexto, o autor ressalta nesse mesmo
período o surgimento das primeiras empresas industriais de beneficiamento e
captura de pescado, o que alterou e muito o modo de vida dos pescadores
artesanais, que até então não possuíam uma competição significativa em sua
atividade. Nas falas abaixo podemos perceber mais uma vez a dualidade dos
pescadores entrevistados, uma vez que apesar de admitirem que poluem a
natureza com o óleo dos barcos jogado na areia, acreditam que seu tipo de
pesca (artesanal) causa um impacto muito baixo ao meio ambiente, enquanto
afirmam que a pesca industrial, além de poluir o mar com óleo e lixo, ainda
“mata” os peixes pequenos que os pescadores artesanais poderiam

33
Ver tabela 8 – decomposição de materiais.
104

comercializar.

Você vê, não tem nada que estrague o meio ambiente aqui, a gente
pesca pouco, já a pesca industrial é diferente, eles trocam óleo aí
pra fora às vezes a gente encontra galão daqueles preto assim cheio
de óleo, óleo queimado que eles tiram do motor e jogam em alto
mar. Imagino se um galão desses estoura, quantos quilômetros de
óleo vai ficar espalhado no mar. Eles prejudicam a gente, o peixe
que a gente mata é de um quilo pra cima, eles não, já começam a
matar desde o filhotinho até o adulto. Aí os pequenos eles matam e
jogam fora, não aproveitam nada que a gente podia vender, comer.
Acho que isso que é destruir o meio ambiente né. (pescador P8-29
anos)

Eu conservo sim, tipo, a maioria da gente não faz nada que destrua
o meio ambiente, pesca pouco, não suja, não acabamo com os
peixes, se todo mundo pescasse que nem a gente não seria assim
com é, destruindo tudo. (pescador P7-35 anos)

Neste depoimento fica clara a visão que possuem de si mesmos, ou


seja, da categoria de pescadores artesanais. Eles acreditam que não
degradam a natureza porque a quantidade de pescado que capturam é
pequena, ao contrário da pesca industrial que, segundo Pimenta (2001),
realmente não dá chance para a natureza repor as espécies capturadas. Os
relatos dos pescadores retratam um cenário antigamente de abundância de
peixes nas proximidades da comunidade. Para pescar, naquele tempo, bastava
possuir os instrumentos necessários e dominar as técnicas de trabalho.
Segundo informações obtidas dos entrevistados, não era necessário remar
muito para poder pescar camarão, pescada, tainha, robalo ou sardinha. “Tinha
peixe por aqui tudo, por aqui em volta tudo dava” (pescador P1-63 anos).
As mudanças na base técnica da produção pesqueira artesanal com a
introdução do motor nas canoas, a substituição do fio de algodão pelo fio
sintético de nylon para a confecção das redes e a introdução da tarrafinha para
a pesca do camarão representaram impactos tecnológicos que tiveram fortes
105

reflexos sobre os estoques das diversas espécies (Diegues,1983). As


alterações técnicas no processo de trabalho da pesca artesanal contribuíram
para o esgotamento das espécies de pescado. Segundo Maldonado (1986), em
todo o litoral brasileiro, entretanto, fica a questão: qual o tamanho do impacto
produzido na degradação das espécies promovido pela pesca artesanal se
comparado com o impacto causado pelas embarcações grandes da pesca
industrial?
Deve-se admitir que os atuais apetrechos de trabalho da pesca artesanal
possuem uma capacidade de degradação ambiental relativamente menor do
que a tecnologia empregada pela pesca industrial e utilizam, dentre outros
equipamentos o sonar para localizar os cardumes, que são capturados com o
auxílio de grandes redes de pesca nem sempre adequadas e predatórias. Os
próprios entrevistados admitem que para pescador capturar o pescado
atualmente, apesar do barco no motor ter facilitado e muito suas vidas, precisa
navegar de uma a três horas para encontrar os peixes e camarões. Um dos
pescadores observa que o pescado está claramente mais escasso,

Claro que hoje o peixe tá mais escasso, então fica pior de sabe onde
ele tá. Primeiro quando vinha tainha, às vezes não tinha nada, daí
vinha um cardume bem grande e ficava pra lá de Praia de Leste,
ficava uns 3, 4, 5, 6 dias parado ali, ali ninguém mexia nele, nem
tinha rede boa pra jogar, mas dava pra ver. Cação vinha aqui no
seco, camarão pistola, um monte. Hoje não tem nada. Como diz a
turma: nos fomo na granja pega tudo as galinha e comemo tudo. A
moral da história é essa mesmo. Eu em 40 anos não criei nenhum,
só matei né. (pescador P2-60 anos)

Em todos os depoimentos, quando abordados sobre a questão da


conservação ambiental, os entrevistados comentaram sobre a influência da
pesca industrial na destruição da natureza. O depoimento abaixo se torna
crucial para entender a visão destes pescadores sobre a pesca industrial, ou
pelo menos o que afirmam, em suas falas, a maioria deles.

O que acaba com o peixe é a exploração. Por quê? Porque tudo que
106

eu matei na minha vida inteira de peixe, em 40 anos de pesca, os


cara matam numa noite, 80 toneladas, 150. Levam 150 toneladas e
abrem a rede e vão embora, deixam os peixe pequeno porque não
tem o que fazer com ele, o peixe sai morto já da rede. Eles se fazem
de bobo, porque os sardinheiro trabalham dentro da lei, eles alegam
que só pegam peixe grande e vivo, então aquela quantidade enorme
de peixe acabou assim, pela exploração, não da poluição. (pescador
P2-60 anos)

Os pescadores estudados, em sua maioria, comentam que o fator que


causou a diminuição do pescado foi a exploração das grandes embarcações.
Segundo Pimenta (2001), a quantidade de peixes capturada pela pesca
industrial realmente é muito maior do que a artesanal. Os pescadores
artesanais, de acordo com Diegues (1983), estão acostumados com a pequena
produção, portanto já se caracterizam como “pequenos produtores”. Não
aceitam a pesca industrial porque além de serem diretamente prejudicados por
ela, como afirmam nos depoimentos, acreditam que esta depreda
constantemente a natureza de uma forma violenta. Percebe-se que eles são
conscientes de que esse tipo de pesca tem um impacto alto sobre o
ecossistema. Acreditam que a pesca, em geral, além de ser considerada uma
atividade arriscada, é também bastante competitiva, o que, segundo
Maldonado (1986) se deve ao fato do mar ser considerado patrimônio comum.
Um dos pescadores, quando abordado sobre as técnicas da pesca industrial,
comenta que suas redes

(...) é muito pequena demais sabe, a malha deles não passa um


dedo. Olha a nossa aqui, é malha doze mais ou menos, assim, a
gente mede de ponta a ponta. Na malha deles não passa uma
pontinha de dedo, então mata tudo, desde os pequenininho até os
grandão. E assim tão acabando com o peixe, porque onde eles
cercam é cardume de peixe e o peixe encarduma pra desovar. Então
eu acho que a grande destruição do peixe ta nos barcos industrial.
(pescador P5-32 anos)
107

A pesca realizada pelo ser humano, uma vez considerado o pescado um


recurso natural renovável, passa a ter a necessidade de ser controlada, já que,
segundo Abdallah (1998), desequilibra o estoque desse recurso. Esse controle
se materializa através de regulamentações (voltadas para a exploração
racional dos recursos pesqueiros) da atividade pesqueira. De acordo com a
autora, “como a intensidade da pesca é um fator importante para definir o
estoque de pescado (podendo, inclusive, tornar questionável o caráter
renovável deste recurso), surge como aspecto relevante o gerenciamento da
exploração dos recursos pesqueiros para viabilizar a obtenção do melhor
proveito possível dessa atividade sem, contudo, comprometer o estoque de
peixes.” (p.38).
A legislação pesqueira brasileira possui variadas leis, decretos e
instruções normativas que proíbem a pesca até uma distância (em milhas) da
costa, assim como normas que proíbem a captura de determinadas espécies
de pescado. Há, de acordo com Abdallah (1998), várias categorias da
legislação da pesca no Brasil, que podem, no contexto da presente pesquisa,
serem alocadas em três grupos:
• Limitar a pesca por tempo: Estabelece estações do ano em que se
permite a pesca. A idéia é limitar os dias liberados para pescar e, assim,
manter o estoque reprodutivo de peixes,
• Licenças de pesca: Este instrumento implica emitir licenças de pesca em
número limitado.Dessa forma, restringe-se o número de barcos
autorizados a pescar. O propósito dessa regulamentação é controlar o
esforço de pesca.
• Restringir tipos de insumos utilizados na pesca: O controle de insumos
(instrumentos) utilizados na atividade pesqueira pode ser feito limitando
o tamanho do barco de pesca, limitando sua capacidade para estocar e
refrigerar o pescado, restringindo ou proibindo o uso de aparelhos para
localizar cardumes, entre outras formas.
Torna-se óbvio, então, que para administrar a exploração dos recursos
pesqueiros de forma racional, faz-se necessário regulamentar a atividade
pesqueira (isto é, captura e venda do pescado). Em Matinhos, o período de
defeso do camarão que compreende a cada ano três meses aproximadamente,
é a principal preocupação dos pescadores estudados em relação a legislação.
108

Nesse período os pescadores (tanto artesanais como industriais) ficam


proibidos de capturara o camarão branco, por ser a época de reprodução dos
mesmos, ficando sujeitos a punição e multas caso realizem a atividade. O
Governo então concede um salário para os pescadores cadastrados que
compreende todo o período de defeso. Em relação a esta questão, um dos
pescadores comenta que,

Esse ano não teve defeso, a gente trabalha no defeso. Pra nós é
bom, a gente dá uma fugidinha de vez em quando, aí os barcos
grandes não e sobra mais pra gente. Se eles pagassem o salário
certinho nessa época aí sim a gente não ia, mas eles não pagam,
atrasam e como que a gente vai pagar as contas, comer. Às vezes
fecha a caçada no dia primeiro de março e você vai receber só em
junho, julho. E a água, a luz, ninguém come, ninguém bebe, isso é
um problema aqui pra nós. Se eles pegarem multa, prendem a
embarcação e fica preso na polícia federal. Perde rede e tem que
pagar uma multa de seis mil reais ainda. E a canoa fica presa uns 3,
4 dias. (pescador P2-60 anos)

Percebe-se nesse depoimento que os pescadores artesanais de


Matinhos raramente respeitam o defeso, mesmo sabendo das conseqüências
que essa atitude pode trazer ao equilíbrio da natureza. Em conversa, nota-se
que os pescadores justificam suas atitudes através da pesca industrial, dizendo
que nesse período as grandes embarcações não pescam e o salário atrasa.
Este se refere ao salário desemprego que os pescadores recebem do Governo
em períodos de defeso. Eles sabem do risco que correm se a fiscalização
(IBAMA e IAP) pegá-los, mas mesmo assim correm o risco.
A atividade de fiscalização do IBAMA objetiva garantir que os recursos
naturais do país sejam explorados racionalmente, em consonância com as
normas e regimentos estabelecidos para a sua sustentabilidade, visando
diminuir a ação predatória do homem sobre a natureza, buscando, segundo o
IBAMA também a implementação de uma política de fiscalização mais
educativa e menos punitiva. Com relação à pesca, o IBAMA atua no combate à
pesca predatória, principalmente nos períodos dos defesos das espécies
109

controladas, piracema e pesca predatória, através da presença permanente


dos Agentes de Defesa Ambiental, nos locais de captura, desembarque e
comércio de pescado, além de fazer a fiscalização e combate à atividade
pesqueira da frota marginal (sem autorização e/ou registro).
No caso dos pescadores artesanais, a embarcação deve estar
cadastrada junto a Capitania dos Portos de Paranaguá, assim como todos os
pescadores da embarcação devem possuir carteira de pescador profissional,
tirada também na Capitania. Segundo um pescador é necessário, para fazer a
carteira, “pegar autorização da Colônia, uma assinatura do presidente, o Seu
Mário, e depois ir lá em Paranaguá. Todo mundo tem que ter a carteira, se não
tiver leva multa do IBAMA, da Capitania” (pescador P5-32 anos). A maioria dos
pescadores entrevistados afirmam possuir a carteira, com exceção de dois,
mais novos, que dizem que ainda não tiveram tempo de ver essa questão.
Três dos pescadores entrevistados relataram que os órgãos
governamentais que cuidam da parte ambiental (em especial o IBAMA e IAP),
deixam a desejar no que se refere a proteção ambiental, já que não fazem
palestras, cursos ou até mesmo orientações para eles, de como cuidarem da
natureza. Os pescadores afirmam que muitos deles não cuidam da natureza
porque não tem conhecimento, “não sabem como cuidar”, como podemos
perceber nos depoimentos a seguir.

Falam que precisa tirar o óleo em uma latinha e guardar pra


devolver depois mas os cara pensam que é besteira. Que nem os
anzóis, os prego, deixam tudo na areia, soltam no mar. Tem uma
grande parte que cuida, hoje nós até não vemo piche na praia. Mas
os caras não sabem o que fazer, não acreditam só na nossa
palavra, e os cara do meio ambiente não ensinam eles como deve
fazer, o que pode acontecer. (pescador P10-45 anos)

É falta de ter alguma coisa educativa. Uma vez só tivemo uma


reunião, os cara do Meio ambiente diziam que quando você troca de
óleo do motor tem que jogar numa latinha. Mas não explicam o
porquê, o que pode acontecer... Então esse é o tipo de coisa que
precisava. (pescador P8-29 anos)
110

Percebeu-se, em várias falas, que realmente os pescadores estudados


são conscientes de há uma falta generalizada de informação sobre as questões
ambientais, salientando diversas vezes que não entendem como a ação que
exercem sobre a natureza pode prejudicá-la.
Apesar de todos os depoimentos aqui relatados, a grande questão é:
afinal, os pescadores artesanais são conservacionistas ou não? Pôde-se
perceber que, apesar de causarem algum impacto ambiental, assim como todo
o resto da sociedade, este ainda é muito baixo, quando comparados com a
pesca industrial. A adoção de técnicas de captura tem maior seletividade e
menor escala de predação, podendo considerá-la, então, menos impactante ao
ambiente explorado, no caso, o mar. Segundo Cardoso (2001), os pescadores
artesanais teriam entre suas preocupações, a continuidade e reprodução das
pescarias, advindo uma maior necessidade de conservação dos recursos
pesqueiros.
De acordo com a pesquisa realizada, certamente a visão desses
pescadores é bastante diferenciada daquelas trazidas por outros setores
sociais, já que o ambiente está intimamente ligado, de forma direta, nas
relações do pescador artesanal com seu objeto de trabalho, como se fosse
aquela natureza pouco mediada pelo trabalho humano (Tozoni-Reis, 2004).
Não cabe aqui, entretanto, criar uma imagem “ideal” do pescador
artesanal como sendo ecologicamente correto. Afinal, ele não deixa de ser um
produtor em busca de sua reprodução social e, por vezes, desrespeita os
ciclos de reprodução do pescado. No entanto, os pescadores artesanais
estudados possuem uma percepção de que a queda da produtividade na
pesca afeta diretamente o seu modo de vida, além de que a degradação do
seu ambiente de trabalho os afeta diretamente. Sendo assim, uma de suas
maiores preocupações está no esgotamento do pescado.
Apesar dos pescadores estudados não possuírem práticas diárias de
conservação da natureza, possuem ainda assim formas conservacionistas, já
que, segundo Cunha (2004), a observação sistemática da natureza, de acordo
com suas leis e movimentos internos, até mitos e crenças, constituem em si
atitudes de conservação da natureza.
111

REFLEXÕES FINAIS

Para que possamos ter uma visão mais abrangente do presente trabalho
e subsidiar algumas considerações, faremos agora uma síntese dos principais
aspectos abordados no texto. No primeiro capítulo abordamos o tema da pesca
e sua organização para retratarmos como se configura a pesca artesanal no
Brasil e mais especificamente na história do litoral paranaense. Percebemos
que os pescadores de que trata essa pesquisa se enquadram nos moldes da
pequena produção mercantil (Diegues, 1983), uma vez que possuem práticas
de manejo e modos de vida que estão de acordo com os ritmos da natureza,
além de possuírem um baixo impacto sobre o meio ambiente quando
comparados a pesca industrial.
Analisando a questão da atividade pesqueira, a opinião de Diegues
(1995) é importante para entendermos que os pescadores artesanais possuem
percepções e representações em relação ao mundo natural marcadas pela
idéia de associação com a natureza e dependência de seus ciclos, se
associando a modos de produção pré-capitalistas, próprios de sociedades em
que o trabalho ainda não se tornou mercadoria, onde há uma grande
dependência dos recursos naturais e dos ciclos da natureza, em que a
dependência do mercado já existe, mas não é total. Segundo Bonin (1984), o
que diferencia o pescador artesanal do agricultor, por exemplo, é a questão do
processo produtivo “terra” e “mar”, ou seja, o objeto de trabalho de um e de
outro, já que o dos agricultores se configura em torno de um bem, a terra
privada – portanto mercadoria -, e o dos pescadores é um bem comum.
Segundo a autora, é a mediação do mar que vai dar conteúdos específicos ao
processo de trabalho na pesca, uma vez que esse representa a relação prática
entre o homem e a natureza como determinado pela fase específica do
desenvolvimento das forças produtivas.
É essa mediação do mar que dá especificidade ao trabalho do pescador
artesanal. É a partir daí que se manifesta a identidade social e a representação
que o pescador faz do seu objeto de trabalho – o mar – e de si mesmo. Assim
sendo, como pudemos observar na pesquisa de campo, a relação dos
pescadores com o mar se torna muito forte e conseqüentemente, muito
importante em seus cotidianos.
112

Em um segundo momento procuramos discutir sobre os conhecimentos


tradicionais que os pescadores trazem em sua bagagem profissional, os quais,
pelo menos no universo pesquisado, são muito importantes sob o ponto de
vista da contribuição para a conservação da natureza, uma vez que esses
saberes são construídos pela observação constante do meio ambiente em que
vivem.
Tratar da modernidade dentro da perspectiva da importância do resgate
da tradição, nas proporções que assumem atualmente nossos problemas
socioambientais, demonstram o quanto é necessário o surgimento de um novo
caminho para a sociedade em geral. Caminho esse que deve ser comprendido
à luz de uma nova sensibilidade e de uma nova racionalidade acerca da
natureza. No caso estudado, ou seja, os pescadores artesanais de Matinhos,
uma das conclusões gerais aponta para a necessidade do diálogo entre o
conhecimento científico e os conhecimentos tradicionais. Como comenta
Diegues (1995), esse fator aparece como um elemento essencial para a
produção de novos conhecimentos e transformação das práticas científicas e
políticas de conservação; ao contrário do que pensam alguns
conservacionistas, trata-se muito mais de administrar visões e interesses
humanos, muitas vezes opostos, do que manejar processos naturais. Esse
diálogo entre os saberes pressupõe diálogo entre os homens em geral, e o
reconhecimento de que estas comunidades que possuem modos de vida e
trabalho tradicionais apresentam peculiaridades em sua forma de ver o mundo.
A idéia de que a construção de novas formas de conservação da
natureza envolve um amplo diálogo entre tradição e modernidade, ou seja, uma
nova relação entre o homem e a natureza, implica, primeiramente, em um olhar
sábio para frente e para trás. Ou seja, como Leff (2000) comenta, a tradição
precisa ser ressignificada, e os modos de vida dos pescadores estudados têm
uma grande contribuição nessa discussão, visto que a compreensão da pesca
artesanal enquanto tradicional nos leva a pensar em um resgate dos valores
em relação à natureza.
Através da hipótese primeira dessa pesquisa, pudemos avançar muito
no que se refere a questão ambiental em geral, uma vez que os resultados e
análises da pesquisa empírica permitem responder não somente se os
pescadores artesanais possuem práticas conservacionistas, mas também a
113

complexidade da atividade profissional como sendo a grande mediadora da


relação homem-natureza. Para os pescadores estudados, em primeiro lugar a
profissão é a sua essência, um saber-fazer específico, construindo assim a
identidade social do grupo. É principalmente nesse aspecto que a presente
pesquisa se torna relevante sob os pontos de vista científico e social.
Trabalhar com a construção da identidade dos pescadores de Matinhos
foi relevante não somente por essa ser uma questão primordial no resgate da
valorização das formas tradicionais de produção, mas também para
entendermos a complexidade de modos de vida diferenciados do urbano
dominante. Os pescadores estudados constroem suas identidades antes
mesmo de saberem que profissão irão seguir. Crescem em um meio que
valoriza a proximidade com o mar, com os ciclos naturais; percebem os ventos,
as marés, o voar dos pássaros, as nuvens... e essa diferença nos leva a
concluir que esses pescadores valorizam os tempos da natureza, e esse fator
não deixa de ser uma prática conservacionista. Prática essa que se torna,
quando adultos, um valor ambiental, criando uma racionalidade que, apesar da
implantação de novas tecnologias no setor pesqueiro34, deixa que transpareça
a sustentabilidade dos recursos utilizados para sua atividade profissional.
Concluímos que é o tipo de pesca que praticam – artesanal – e não somente
ações secundárias que exercem em seus cotidianos35 que justificam o fato de
suas práticas não degradarem a natureza, ou, mais especificamente, não
colocarem em risco a reprodução dos recursos pesqueiros.
Em contraposição, como observamos no texto apresentado, surge a
necessidade de refletirmos sobre as práticas utilizadas pela pesca industrial.
Pudemos perceber, não somente através das entrevistas e das conversas
informais com os pescadores de Matinhos, mas também através da bibliografia
utilizada, que os pescadores industriais possuem práticas que dificultam a
recomposição dos recursos pesqueiros. E esse fato interfere diretamente no
trabalho dos pescadores artesanais, colocando muitas vezes, segundo eles,
em risco o estoque de pescados. Uma das falas, já comentadas no corpo deste
trabalho, mas que nos chama muito a atenção, leva-nos a refletir sobre essa
questão: “...tudo que eu matei na minha vida inteira de peixe, em 40 anos de

34
Canoas de fibra de vidro, motor nos barcos, redes de náilon, etc.
35
Jogar óleo do motor dos barcos na areia, por exemplo.
114

pesca, os cara (pescadores industriais36) matam numa noite” (pescador P2 –


60 anos). Reclamam, ainda, da inclusão da pesca artesanal nos períodos de
defeso, alegando que o baixo impacto ambiental de sua atividade, quando
comparado à pesca industrial, justificaria a permissão de pesca para o ano
inteiro. Aqui chegamos a mais uma conclusão importante dentro do contexto
pesquisado: criar mecanismos eficientes de fiscalização da exploração do
recurso pesqueiro é crucial à implementação de quaisquer medidas de
conservação e exploração racional do recurso pesqueiro, evitando-se, com
isso, que o estoque seja explorado além de sua capacidade de sustentação.
Para os pescadores de Matinhos, tornar-se pescador artesanal costuma
ser uma herança familiar. A maioria dos entrevistados, como observamos,
iniciam na pesca já na infância, num processo de constante socialização.
Quando crianças seus trabalhos são vistos como “ajuda”, são executados de
uma maneira lúdica. Com o passar do tempo essa “ajuda” é substituída, aos
poucos, por obrigações cada vez mais concentradas na atividade. Em
conversa, um dos pescadores entrevistados comentou que antigamente as
crianças ajudavam mais na pesca, mas, por conta da legislação, a atuação dos
Conselhos Tutelares vedou este tipo de trabalho, considerado como trabalho
infantil. Como pudemos perceber, os mais jovens iniciam-se como aprendizes,
saindo ao mar com pescadores mais experientes e essa é uma das etapas
obrigatórias para se tornar um pescador profissional.
Analisando a situação atual do grupo pesquisado, a profissão continua a
ter atratividade entre os jovens das famílias envolvidas com a pesca, mas, no
entanto, a variedade de setores econômicos cresceu consideravelmente, o que
leva muitos jovens do grupo a optarem por outras profissões. Alguns dos
entrevistados comentaram que ainda continuam na pesca porque não
conseguiram “nada melhor”. Isso nos leva a pensar nos riscos que a atividade
pesqueira proporciona, tanto em questões financeiras como em questões de
saúde37. Essa falta de interesse dos jovens, oriundos de famílias de
pescadores, pela atividade pesqueira, se dá por essas questões ou estes já
não compartilham mais com uma identidade de pescador artesanal? Estas são
questões para as quais ainda não temos respostas, temos apenas

36
Grifo meu.
37
Ver capítulo 1, item 1.1 do presente trabalho.
115

inquietações, visto que é difícil prever como caminhará a realidade desses


jovens daqui para frente. Mas, a partir da pesquisa, pudemos perceber que os
jovens estão deixando de se interessar pela atividade, e isso pode acarretar em
uma quebra da identidade de pescador artesanal de Matinhos e sua não
reprodução social.
Analisando o papel dos mestres, depositários dos saberes tradicionais
da pesca, percebemos que, apesar de não serem nos dias atuais
indispensáveis para a saída ao mar, ainda representam um “porto seguro” aos
demais pescadores estudados. São, portanto, figuras essenciais para a
valorização não somente do grupo em si, mas dos conhecimentos que
possuem sobre a natureza que os rodeia. Ainda hoje percebemos que os
pescadores mais jovens pedem conselhos aos mestres na hora de sair para a
pescaria e isso representa a confiança neles depositada.
Uma questão não abordada nas entrevistas mas que acredito ser
bastante relevante para refletirmos sobre a conservação da natureza são os
comentários feitos pelos próprios pescadores, em conversas informais, sobre a
importância de terem “alguma coisa educativa”, deixando claro que há uma
falta de programas de educação ambiental38 na comunidade e justificando suas
atitudes frente ao meio ambiente pela falta destes. É necessário que esses
programas viabilizem uma ampliação da consciência ambiental desses
pescadores, oportunizando assim possibilidades maiores de participação nas
decisões de mudanças em seu ambiente de trabalho e principalmente como
um meio de perceberem-se como “fiscais” e, ao mesmo tempo, responsáveis
pela conservação da natureza. A educação ambiental, tão crucial para
desenvolvermos uma nova racionalidade ambiental, entra aqui como uma
sugestão para trabalhos futuros, que venham a complementar não somente
essa pesquisa, mas um universo muito mais amplo que engloba as formas
tradicionais de vida e sua valorização.
Todas essas questões foram abordadas neste trabalho. Tiveram o
objetivo de buscar caminhos para, se não a valorização dos saberes
tradicionais, pelo menos a possibilidade de refletirmos sobre o papel da ciência
em relação à conservação da natureza, na medida em que o conhecimento

38
Ver capítulo 2, item 2.2 do presente trabalho.
116

científico tem autorizado a adoção de práticas de conservação que não estão


alcançando os objetivos propostos.
De uma forma geral, acredito que as contribuições deste trabalho
constituem-se na demonstração de que outros tipos de conservação devem ser
priorizados, além de ressaltar a importância de nos voltarmos para a natureza
encarando-a como aliada, como essencial a nossa sobrevivência, e a forma
como os pescadores estudados lidam com as questões ambientais, de uma
forma geral, nos leva a crer que o modelo econômico vigente ainda é – senão o
principal – um dos maiores obstáculos para a perca dos valores relacionados à
natureza.
Nossa investigação procurou apresentar também uma contribuição para
pensarmos em práticas de conservação ambiental atreladas a modos de vida
tradicionais ou, de alguma forma, que diferem das formas de vida urbanas,
uma vez que seu contato e dependência da natureza é muito mais intensa.
Nós, que vivemos em cidades onde muitas vezes não podemos (ou não temos
o hábito) observar o meio ambiente que nos rodeia, precisamos valorizar as
práticas – talvez inconscientes – dos pescadores artesanais, visto que, como
Diegues (1995) coloca, a relação que possuem com a natureza é de total
dependência e vem se construindo há muitas gerações. Além disso, precisam
se adaptar com um tempo diferente do urbano-industrial, já que seguem os
ritmos da natureza e não o tempo ditado pelo relógio.
Observar o dia-a-dia do grupo foi uma experiência bastante rica no
sentido de acreditar que podemos, se não resolver, pelo menos amenizar os
problemas ambientais através de um diálogo constante com povos que
carregam com si o respeito pela natureza. São essas reflexões que nos
permitem também, assim como Maldonado (1986) coloca, pensar que esses
pescadores conhecem os limites da coleta de pescado de acordo com o ritmo
da natureza, tendo assim, como condição primordial de sua reprodução social,
a manutenção – ou pelo menos a tentativa - do equilíbrio ambiental.
Para finalizar, gostaria de voltar rapidamente a meu ponto de partida, ou
seja, a grande inquietação de investigar se os pescadores possuem práticas de
conservação da natureza. Sobre essa questão, depois de percorrer um longo
caminho em busca de uma resposta adequada, posso concluir que, pelo
menos o grupo estudado, possui sim práticas de conservação da natureza,
117

uma vez que estas estão implícitas em seu dia-a-dia, convivem em


consonância com os ciclos naturais, e, acima de tudo, gostaria de ressaltar que
é o modo de vida que levam que me fez chegar a essa consideração. O
conjunto de conhecimentos teóricos e também práticos que os pescadores
artesanais apresentam sobre o comportamento, reprodução e até mesmo
hábitos dos peixes, assim como os ciclos naturais oferece uma rica fonte de
informações de como manejar, conservar e utilizar os recursos pesqueiros de
uma maneira sustentável. Uma nova concepção de conservação da natureza
precisa ser concebida em parâmetros mais complexos dos que tem sido até
agora adotados e esses novos parâmetros incluem a conservação não só dos
recursos naturais, mas também a conservação da sócio-diversidade, isto é, da
diversidade social e cultural das populações locais (Diegues, 2000).
Finalizando essa pesquisa, queremos ressaltar que essas considerações
não pretendem esgotar o assunto, mas apenas contribuir para a discussão do
tema e apontar caminhos para outras pesquisas na área.
118

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122

ANEXOS

ANEXO I
Roteiro para entrevista aos pescadores artesanais de Matinhos-PR

• Como e quando você começou a pescar?


• Na sua opinião, quais foram às mudanças mais significativas na pesca
desde que você começou na profissão?
• Qual é o tipo de pesca que você pratica? Você pode descrevê-la para
mim?
• Sua família contribui para o seu trabalho? Seus filhos são pescadores?
• Para você, o que significa Natureza?
• Qual a importância que você dá para a conservação do meio ambiente?
• Você se considera um conservador da Natureza?
• Na sua opinião, seus conhecimentos sobre a pesca e sobre o mar têm
valor para a ciência? Como você acha que esses conhecimentos podem
contribuir para a ciência?
• Como você vê a figura do mestre de barco? Qual o seu papel?
• Como é passado o conhecimento para os pescadores iniciantes?
• Quais as conseqüências, na sua opinião, da degradação do meio
ambiente para sua profissão?
123

ANEXO II
QUESTIONÁRIO DA FUNDACENTRO

LEVANTAMENTO DAS CONDIÇOES DE TRABALHO QUE ENVOLVEM AS ATIVIDADES DE


PESCA E MERGULHO PROFISSIONAL
Questionário do Trabalhador

NUMERO DO QUESTIONÁRIO:_________________ DATA:___/___/___


PESQUISADOR:_____________________________________________
AREA SUJEITA AO DEFESO: ( ) SIM ( ) NAO

IDENTIFICAÇÃO

01. Dados pessoais:


Nome:______________________________________________________
Endereço:___________________________________________________
Comunidade:________________________________________________
Município/Distrito/Estado:_______________________________________
Idade:____RG:_____________CPF:_____________
Ministério da Agricultura:_____________PIS:____________
Sexo: ( ) Masculino ( ) Feminino

02. Local e data de nascimento: ________________________________________


03. Há quanto tempo reside nesta Comunidade? __________________________

04. Grau de instrução:


( ) Analfabeto
( ) Ensino Fundamental Incompleto (menos que a 8a série)
( ) Ensino Fundamental Completo (8a série completa)
( ) Ensino Médio Incompleto (menos que a 3a série do 2° grau)
( ) Ensino Médio Completo (3a série do 2° grau)
( ) Superior Incompleto
( ) Superior Completo
( ) Outros

05. Curso de Aperfeiçoamento / Qualificação:


( ) Sim Qual? _____________________________________________________
Onde? _____________________________________________________
Duração:____________________________________________________
( ) Não

06. Estado Civil :


( ) Solteiro
( ) Casado
( ) União Consensual
( ) Desquitado/Divorciado
( ) Viúvo

07. Renda Mensal:_______________________________________________


N° de filhos : ____________________________________________________
N° de dependentes :_______________________________________________
Quantos trabalham em sua casa? _________________________________
Tamanho da residência (Número de peças): _________________________
Tipo da residência: ( ) Alvenaria ( ) Madeira ( ) Outras____________________
Possui Instalação:
( ) Elétrica / Luz
124

( )Hidráulica / Água -( ) Poço Artesiano ( ) Água encanada


( ) Sanitária / Esgoto -Tipo:____________________________________

VIDA PROFISSIONAL

08. Com que idade você começou a trabalhar? __________________

09. Quais as profissões que você já exerceu? _____________________

10. Profissão: _____________________________


Função exercida: ______________________________
Exerce outras atividades remuneradas atualmente?
( ) Sim, qual a atividade? __________________________
( ) Não

11. Há quanto tempo você trabalha como pescador?


( ) Menos de um ano
( ) 1 -5 anos
( ) 5 -10 anos
( ) Mais de 10 anos

12. Relação de trabalho:


( ) Registro em carteira de trabalho
( ) Sociedade
( ) Conta própria
( ) Cooperativa
( ) Outros

13. Você tem férias regularmente?


( ) Sim
( ) Não

14. Associado:
( ) Sim
( ) Não
Caso positivo: ( ) Associação ( ) Sindicato ( ) Colônia ( ) Outros

15. Porque você é pescador? __________________________________________

16. Qual o tipo de espécie capturada? ___________________________________


Quantidade capturada (Média em kg): ________________________
Qual a área de trabalho:
( ) Pesca em alto mar ( ) Pesca somente na baía ( ) Pesca em alto mar e na baía Local de
pesca? _____________________________
Possui interesse no cultivo? ( )Sim ( ) Não
Caso positivo, qual espécie?
( ) Ostra ( ) Caranguejo ( ) Camarão ( ) Robalo ( ) Outros, quais? ____________
Outros interesses:
( ) Artesanato, qual?_______________________
( ) Cursos, qual?_________________________

CONDIÇÕES DE TRABALHO E SAÚDE

17. Trabalha embarcado?


( ) Não
( ) Sim

Em caso negativo, quantas horas você trabalha, em média, por dia?


( ) 4 -6 horas
125

( ) 6 -8 horas
( ) Mais de 8 horas

Em caso de embarcado, as saídas para a pesca são:


( ) Diárias_________ ( ) N° de horas ____________
( ) Semanais ( ) N° de dias __________________
( ) Outros ( ) Especificar:
( ) N° de dias no período especificado

18. Condições de vida no trabalho:


Nas embarcações:
Local das refeições ( ) Bom ( ) Regular ( ) Ruim
Qualidade das refeições ( ) Bom ( ) Regular ( ) Ruim
Local de descanso ( ) Bom ( ) Regular ( ) Ruim
Local de sanitários ( ) Bom ( ) Regular ( ) Ruim

Para o pescador de terra :


Local das refeições ( ) Bom ( ) Regular ( ) Ruim
Qualidade das refeições ( ) Bom ( ) Regular ( ) Ruim
Local de descanso ( ) Bom ( ) Regular ( ) Ruim

19. A que horas você se levanta para o trabalho?


( ) 4 horas
( ) 5 horas
( ) 6 horas
( ) 7 horas
( ) 8 horas
( ) Outras, especifique:____________________________

20. Qual o tempo médio utilizado de sua residência ao porto/barco?


( ) menos de 01 hora
( ) de 01 a 02 horas
( ) de 02 a 03 horas
( ) de 03 a 04 horas
( ) Mais de 05 horas

21. E o tempo médio utilizado do barco pesqueiro ao local da pesca?


( ) Menos de 01 hora
( ) de 01 a 02 horas
( ) de 02 a 03 horas
( ) de 03 a 04 horas
( ) Mais de cinco horas

22. E a que horas costuma se deitar?


( ) 21 horas
( ) 22 horas
( ) 23 horas
( ) 24 horas
( ) 1 hora

23. Quais são os seus apetrechos de trabalho?


( ) Rede
( ) Anzol
( ) Tarrafa
( ) Barco
( ) Outros. Quais? ____________________________

24. De modo geral, as condições dos seus apetrechos de trabalho são:


( ) Boas
( ) Regulares
126

( ) Ruins

25. Dê sua opinião sobre as condições de trabalho:


Com relação ao ruído ______________________
Com relação à vibração ______________________
Com relação à condições térmicas ___________________
Com relação à umidade _______________________
Com relação à iluminação ______________________

26. Qual o tipo de embarcação que você utiliza no seu trabalho?


Embarcação: ( ) Bote ( ) Barco ( ) Canoa
Tipo: ( ) Motorizado ( ) Remo
Própria ( ) Sim ( ) Não

27. Qual a roupa que você utiliza no seu trabalho?_________________

28. Que fatores importantes, na sua opinião, poderiam melhorar as suas condições de
trabalho?___________________

29. Em seu ambiente de trabalho existe algo que prejudique a sua saúde
( ) Sim, o que?_____________________
( ) Não

30. Você já esteve afastado por doença ou acidente do trabalho?


( ) Sim ( ) Não
Se sim, por quê?_________________
Por quanto tempo? _______________

31. Indique com que freqüência você apresenta os sintomas descritos abaixo? Coloque o
número correspondente obedecendo aos seguintes critérios:

(1) Sempre ( ) Cansaço na vista


(2) Algumas vezes ( ) Dores nas costas
(3) Raramente ( ) Dores no pescoço e ombros
(4) Nunca ( ) Dor de cabeça
. ( ) Câimbras
( ) Outros. Quais?

32. Existem equipamentos de salvatagem em sua embarcação?


( ) Não
( ) Sim, quais?________________________
( ) Colete salva vidas
( ) Cobertor
( ) G.P.S.
( ) Balsa
( ) Sinalizadores
( ) Bujão com água potável
( ) Bóia circular com cabo retivida
( ) Caixa de primeiros socorros
( ) Lanterna de mão
( ) Outros______________________

33. Você sabe prestar os primeiros socorros?


( ) Sim ( ) Não

34. Você sabe alguma coisa sobre Segurança e Saúde do Trabalhador?


( ) Sim ( ) Não ( ) Um pouco

35. Você tem informações sobre os seus direitos e deveres previdenciário e/ou trabalhistas?
( ) Sim ( ) Não
127

36. Você tem recebido o seguro desemprego na época do defeso?


( ) Sim, qual o período:________________________________________
Tipo de defeso: ( )Mar aberto ( ) Baía Espécie:_____________________
( ) Não, por quê?_____________________________________________

37. Participa de alguma atividade comunitária ou social?


( ) Sim -Quais?____________________
( ) Não
( ) Outras -Especifique:___________________

38. Nos momentos de folga, que lazer você tem?_________________________

39. Como é o seu relacionamento com seus companheiros de trabalho?


( ) Informal ( ) Formal
( ) Tenso ( ) Descontraído

40. Fuma: ( ) Sim ( ) Não

41. Ingere bebida alcoólica: ( ) Sim ( ) Não

42. Comentários:_________________________________________

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