Rev PR 111
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DESENVOLVIMENTO
ECONOMIA ESTADO SOCIEDADE
GOVERNO DO ESTADO DO PARANÁ
Governador ROBERTO REQUIÃO
CONSELHO EDITORIAL
Amália Maria Goldberg Godoy (UEM), Carlos Alberto Piacenti (UNIOSTE/Toledo),
Christian Azais (Université de Picardie), Cláudio Salvadori Deddeca (UNICAMP),
Clélio Campolina Diniz (UFMG), Elizabeth M. M. Querido Farina (USP),
Francisco de Assis Mendonça (UFPR), Francisco de B. B. de Magalhães Filho (UFPR),
Guilherme Delgado (IPEA), Hermes Yukio Higachi (UEPG), Jaime Graciano Trintin (UEM),
Jorge Accurso (FEE), José Alberto Magno de Carvalho (UFMG),
José Antonio Fialho Alonso (FEE), José Gabriel Porcille Meirelles (UFPR),
Juarez Rizzieri (USP), Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro (UFRJ),
Márcia R. Gabardo Camara (UEL), Márcio Pochmann (UNICAMP),
Maria Teresa de Noronha Vaz (Universidade do Algarve), Mauro E. Del Grossi (IAPAR),
Sachiko Araki Lira (IPARDES), Sérgio Aparecido Ignácio (IPARDES)
EDITORA
Marisa Valle Magalhães
ASSISTENTES EDITORIAIS
Carolina Botto de Lacerda
Janaína Lindbech
Secretária
Marcia Aparecida Leite Ribeiro
EDITORAÇÃO
Coordenação
Maria Laura Zocolotti
Revisão
Estelita Sandra de Matias
Projeto gráfico, diagramação e capa
Régia Toshie Okura Filizola
Formatação dos originais
Ana Batista Martins e Léia Rachel Castellar
Normalização bibliográfica
Maria Dirce Botelho Marés de Souza
RESUMO ABSTRACT
Conceitos centrais da vida contemporânea, Contemporary life central concepts such as
tais como política, civilização e cidadania, politics, civilization and citizenship, derive from
derivam da forma e organização da cidade. the city form and organization. A city conveys
A cidade expressa a divisão socioespacial do labor socio-spatial division, thus Henri Lefebvre
trabalho, e Henri Lefebvre propõe pensar sua proposes to think its transformation on the basis
transformação a partir de um continuum que of a continuum that extends from the political
se estende da cidade política ao urbano, onde city to the urban environment, when and where
se completa a dominação sobre o campo. it completes its countryside domination. The
A efetiva passagem da cidade ao urbano foi city’s transformation into urban environment
marcada pela tomada da cidade pela was marked by an industrial takeover that
indústria, trazendo a produção – e o brought power to production and to working
proletariado – para o espaço do poder. class. The city, as the surplus, power and fiesta
A cidade, lócus do excedente, do poder e da locus, as well as a privileged scenario of social
festa, cenário privilegiado da reprodução reproduction, was thus subordinated to the
social, ficou, assim, subordinada à lógica da industrial logics. The city thus experienced a
indústria. Sofreu, então, um duplo processo: double process: its centrality imploded upon
sua centralidade implodiu sobre si mesma e itself and its outskirts exploded upon the
sua periferia explodiu sobre o entorno sob a surrounding areas through the urban tissue,
forma de tecido urbano, que acabou por which carries within it the polis and civitas
carregar consigo o germe da pólis e da civitas. germ. Therefore, the urban praxis, formerly
Assim, a práxis urbana, antes restrita à restricted to the city, has now re-politicized the
cidade, re-politizou todo o espaço social. social space as a whole. In Brazil, urban
No Brasil, o urbano teve sua origem na política environment had its origin in the military
ao mesmo tempo concentradora e integradora government concentrating and integrating
dos governos militares, que deram seqüência politics that followed Vargas’s centralization
à centralização e expansionismo varguista e à and expansionism, and Kubitschek’s
interiorização desenvolvimentista juscelinista. developmental interiorizing. Today, the urban-
Hoje, o urbano-industrial impõe-se industrial process virtually imposes itself on all
virtualmente a todo o espaço social, na social space through the extended urbanization
urbanização extensiva dos nossos dias. of our days.
Palavras-chave: cidade; Lefebvre; urbano; Key words: city; Lefebvre; urban environment;
urbanização extensiva. extended urbanization.
*Este artigo foi publicado originalmente em inglês na revista Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v.21, n.3,
maio/jun. 2005.
**Arquiteto, mestre em Planejamento Urbano e Rural pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Ph.D.
em Planejamento Urbano, University of California - Los Angeles, 2004. Professor Adjunto do Departamento de Ciências
Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). [email protected]
Artigo recebido para publicação em abril/2007. Aceito para publicação em abril/2007.
INTRODUÇÃO
A relação entre cidade e campo situa-se, histórica e teoricamente, no centro
das sociedades humanas. A dominação da cidade sobre o campo, como resultado da
divisão entre trabalho intelectual e trabalho manual e através do comando do mercado
sobre as atividades de produção, é fato que marcou as sociedades humanas desde
tempos remotos, e particularmente as sociedades capitalistas industriais modernas em
que nos inserimos.
Os adjetivos urbano e rural, todavia, referentes à cidade e ao campo, ganharam
autonomia apenas recentemente e dizem respeito a uma gama de relações culturais,
socioeconômicas e espaciais entre formas e processos derivados da cidade e do campo,
sem, no entanto, permitirem a clareza dicotômica que os caracterizava até o século
passado. Ao contrário, cada vez mais as fronteiras entre o espaço urbano e o rural são
difusas e de difícil identificação. Pode-se supor que isso acontece porque hoje esses
adjetivos carecem da sua referência substantiva original, na medida em que tanto a
cidade como o campo não são mais conceitos puros, de fácil identificação ou
delimitação. O que são hoje as cidades de Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro,
Bela Vista de Minas ou qualquer outra cidade grande, média ou mesmo pequena no
Brasil contemporâneo ou no mundo? Onde começam e onde terminam? De outra
parte, o que é o campo na atualidade? A cooperativa agrícola da Cotia ou a Barretos
do peão boiadeiro em São Paulo? Povoados e distritos distantes como Milho Verde, ou
a periferia das cidades, chamada “área rural”? Ou, ainda, as grandes fazendas, as
agroindústrias, os acampamentos do MST, no Nordeste, no cerrado ou na Amazônia?
Em qualquer caso, a definição dos limites e da natureza, tanto do campo como da
cidade, é cada vez mais difusa e difícil.
Legalmente, no Brasil, as cidades são definidas pelos perímetros urbanos das
sedes municipais, e os territórios e populações considerados urbanizados incluem os
perímetros das vilas, sedes dos distritos municipais. Entretanto, as áreas urbanizadas
englobam amplas regiões circunvizinhas às cidades cujo espaço urbano integrado se
estende sobre territórios limítrofes e distantes em um processo expansivo iniciado no
século XIX e acentuado de forma irreversível no século XX.
Por outro lado, as cidades, ou o espaço político e sociocultural formado a
partir delas, vêm se tornando os centros da organização da sociedade e da economia.
Na escala mundial, poucas cidades organizam e comandam grandes blocos de
interesses e reordenam o espaço econômico global1; nas escalas local, regional e
nacional, as cidades definem as formas de organização da população e a localização
das atividades econômicas, referenciam identidades sociais e definem as formas várias
de constituição comunitária.
De fato, alguns dos conceitos centrais da vida contemporânea derivam da cidade,
tanto em sua forma espacial quanto em sua organização social. Da idéia grega de pólis
vem o conceito de política, enquanto do latim civis e civitas vêm cidadão, cidadania,
1
Uma vasta literatura discute as cidades mundiais e globais; ver Friedmann (1988) e Sassen (1991).
2
Até recentemente, o reconhecimento de uma civilização implicava a existência de civis, da cidade, e, assim, os
povos nativos brasileiros e norte-americanos, considerados seminômades e que não construíram cidades duradouras, eram
considerados não-civilizados, em oposição às civilizações dos Maias, Astecas e Incas, que produziram cidades cujas ruínas
perduraram. Abordagens etno-históricas, antropológicas e arqueológicas recentes questionam, entretanto, a pertinência
dessas classificações, enquanto a geografia contemporânea discute o próprio sentido da cidade como uma construção
posterior à chamada Revolução Agrícola. Ver, entre outros, Ericson (2001), Fausto (2000), Roosevelt (1994) e Soja (2000).
3
O termo urbano foi resgatado apenas no século XVI em português, segundo Houaiss, Villar e Franco (2001), para
se referir a cidade-império, e particularmente no século XVII à cidade-sede do Império Britânico em construção, segundo o
Webster’s Lexicon (LEXICON, 1987), sendo que mesmo a palavra city (vinda do francês cité e do latim civitas) se impôs na
língua inglesa a partir do centro financeiro de Londres, generalizando-se no período vitoriano em contraposição ao campo.
Raymond Williams (1973; 1983) mostra que a palavra city apareceu no século XIII de forma paradigmática referindo-se a
cidades ideais ou bíblicas (em lugar de borough ou town) e qualificando representações do poder: cidade provincial, cidade-
catedral etc. Para uma breve discussão dos conceitos de polis, civitas e urbs, ver Cardoso (1990) e Carpintero (1998).
4
A hipótese, muito heterodoxa e sistematicamente rejeitada, da precedência da cidade sobre o campo, foi
inicialmente apresentada por Jane Jacobs (1969) com base em descobertas arqueológicas da cidade de Çatal Huyuk. Hoje,
a discussão desta precedência vem ganhando peso com novas pesquisas arqueológicas envolvendo, entre outras, a lendária
Jericó. Ver Soja (2000).
ou seja, a cidade que mantém seu domínio sobre o campo (com a conseqüente extração
do mais-produto, ou excedente) a partir do controle apenas político. Nesse contexto, a
produção é centrada no campo, e a cidade, espaço não-produtivo privilegiado dos poderes
político e ideológico, retira do excedente produzido no campo as condições de reprodução
da classe dominante e de seus servidores diretos, militares e civis, que a habitam.5
Lefebvre propõe, entretanto, que se pense um continuum da cidade política à
“zona crítica” (o urbano), passando pela cidade mercantil e pela cidade industrial.
A primeira passagem é marcada pela entrada da praça de mercado no interior das muralhas
das cidades controladas por mosteiros ou castelos. Incentivadas pelas feiras locais e regionais
(em múltiplas escalas, mesmo “internacionais”) de artigos de luxo, as elites gradativamente
permitiram a entrada da burguesia nascente no espaço do poder, logo deslocando a
centralidade do poder dos palácios e mosteiros para a praça de mercado, consolidando a
economia de mercado, que teve nas cidades seu espaço privilegiado.6
Assim, a cidade mercantil, lugar central para onde os excedentes regionais eram
voluntariamente trazidos e comercializados, resulta da entrada da burguesia na cidade e de
sua eventual conquista. Os burgos mercantis deram novo sentido e força à cidade política,
transformando-a em centro mercantil. A relação entre campo e cidade teve, então, sua
primeira inflexão, e a extração do mais-produto não era mais apenas possibilitada pela
coerção político-ideológica e militar, mas também por um movimento voluntário do campo
em direção à capacidade articuladora da cidade como lócus do mercado. A inflexão do
campo à cidade foi, portanto, marcada pela economia: a produção do campo só se realizava
na praça de mercado, modificando e ampliando a dominação da cidade sobre o campo.
Cabe ressaltar, ainda, a sinergia da vida urbana na cidade mercantil, lugar central
de inovação e provimento dos bens e serviços para produção no campo e, também,
espaço privilegiado da vida em comunidade, onde a divisão do trabalho aprofunda-se por
meio das especialidades e complementaridades que ali se desenvolvem.
5
Considerando as novas abordagens citadas acima, a cidade sempre foi mais produtiva do que o campo, o que
garantiu de fato seu domínio, sendo que muitas vezes ela produziu o seu espaço rural a posteriori.
6
Lewis Mumford (1965) descreve com brilhantismo a passagem da praça de mercado à economia de mercado, em
seu livro A Cidade na História.
7
As condições gerais da produção, um conceito marxista resgatado por teóricos urbanos neomarxistas (LOJKINE,
1981; TOPALOV, 1979), abrangem: provisão, pelo Estado, de aparato legal que garanta as relações de propriedade privada
e livre circulação de mercadorias (incluindo terra e força de trabalho), serviços de transporte e comunicações, e a provisão
da infra-estrutura básica e serviços para o capital industrial e financeiro, assim como para a reprodução da força de trabalho.
8
Manuel Castells (1983) desenvolveu uma influente abordagem de inspiração neomarxista em que definiu a
especificidade do espaço urbano dentro do sistema econômico capitalista como o lócus privilegiado da reprodução da força
de trabalho, tornada possível pela concentração dos meios de consumo coletivo. Castells sofreu diversas críticas, de Lojkine
(1981), Topalov (1979) e outros autores, que chamaram a atenção para o fato de que a função do urbano no sistema
capitalista transcendia a reprodução da força de trabalho, constituindo-se também em lócus privilegiado das já referidas
condições gerais da produção.
9
Isso explica, em parte, no atual processo de industrialização, a ênfase na “revitalização de áreas centrais”, espaços
simbólicos do poder político e do resgate de valor de uso das elites, mais ou menos estendidos ao conjunto da população.
3 A URBANIZAÇÃO EXTENSIV
EXTENSIVAA NO BRA SIL
CONTEMPORÂNEO 11
10
O termo urbanização extensiva, apesar de sua inspiração claramente lefebvriana ao pretender resgatar aspectos
centrais do pensamento de Lefebvre sobre o fenômeno urbano, mais particularmente aliando à dimensão socioespacial o
elemento político implícito na praxis urbana, é de minha total responsabilidade e não foi utilizado por Lefebvre. Para outras
definições do termo, ver Monte-Mór (1994; 1997; 2003).
11
Partes do texto, neste item, foram apresentadas em Monte-Mór (2004).
século XX, o urbano se fazia presente em todo o território nacional, com destaque para
as fronteiras amazônica e do centro-oeste, onde a produção do espaço já se dava a
partir de uma base urbano-industrial que emanava dos centros metropolitanos e de seus
desdobramentos sobre as regiões agrárias articuladas à base agroindustrial do País.
É nesse sentido amplo que se pode falar de uma urbanização extensiva que se
impõe no espaço brasileiro para muito além das cidades, integrando espaços rurais e
regionais ao espaço urbanoindustrial mediante a expansão da base material requerida
pela sociedade e pela economia contemporâneas e as relações de produção que são
(ou devem ser) reproduzidas pela própria produção do espaço. Neste contexto,
multiplicam-se as fronteiras (urbanas), tanto internamente e nas franjas das aglomerações
quanto nos espaços regionais e rurais incorporados à lógica urbano-industrial dominante.
A urbanização extensiva caminha, assim, ao longo dos eixos viários e redes de
comunicação e de serviços em regiões “novas”, como a Amazônia e o Centro-Oeste,
mas também em regiões “velhas”, como o Nordeste, em espaços residuais das regiões
mais desenvolvidas, nas “ilhas de ruralidade” no interior mineiro ou paulista. Em toda
parte, a lógica urbano-industrial impõe-se ao espaço social contemporâneo, no urbano
dos nossos dias.
REFERÊNCIAS
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1998. Tese (Doutorado) - Universidade de São Paulo.
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Pennsylvania Museum, v.43, n.2, p.1-30, 2001.
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THE NEW Lexicon Webster ’s dictionar y of the English language. New York: Lexicon
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LOJKINE, J. O estado capitalista e a questão urbana. São Paulo: M. Fontes, 1981.
Clóvis Ultramari*
Denis Alcides Rezende**
RESUMO ABSTRACT
A partir de uma breve retrospectiva da gestão The three different phases of the present
urbana brasileira, ensaiada para os anos a article aim at formatting the way of building
partir da década de 70, este artigo apresenta and using space in our cities and are based
três fases distintas que formatam a maneira on a brief retrospective of Brazilian urban
de se construir e consumir o espaço de nossas management from the seventies on. After
cidades. Com base nessas fases, discute-se a analyzing the previous phases, the article
eventualidade de uma quarta fase, a discusses a fourth phase, the contemporary
contemporânea, que seria caracterizada pela one that would have as its main
(re)valorização dos processos de planejamento characteristic to (re-)valorize planning
e de realização de planos diversos. De fato, processes and carry out some other plans.
nos últimos anos, a elaboração de Planos In fact, recently Municipal Master Plans and
Diretores Municipais e Planos Estratégicos tem Strategic Plans have been designed for
ocorrido de forma quase que generalizada Brazilian cities in a generic way, mainly
para as cidades do Brasil, sobretudo após a after the City Statute Federal Law has came
entrada em vigor da lei federal Estatuto da into effect. The fact that such planning and
Cidade. O fato de tais instrumentos de management tools lack approaches
planejamento e de gestão não aportarem idéias different from those being practiced, seems
e atos que os diferenciem daquilo até então to impair the establishment of the fourth
observado parece impedir a determinação de phase and postpones really innovator
uma quarta fase, relegando-se para o futuro procedures. The article is mainly structured
os procedimentos verdadeiramente inovadores. on the basis of the aforementioned
O texto se estrutura primeiramente na retrospective. In addition, it contextualize the
retrospectiva mencionada, contextualiza os aforementioned plans and shows
Planos citados e então traz as conclusões. conclusions. The analysis sources are
A fonte das análises apresentadas provém do academic and professional works of some
trabalho acadêmico e profissional dos autores authors who made a critical analysis of
na realização e na crítica desses Planos. those plans.
Palavras-chave: Plano Diretor Municipal; Key words: Municipal Master Plan; Municipal
Planejamento Estratégico Municipal; Políticas Strategic Planning; Municipal Policies;
Municipais; Gestão Urbana. Urban Management.
INTRODUÇÃO
Ao se analisar o trato das cidades nas últimas décadas pela perspectiva da gestão
pública, pode-se falar em três períodos distintos a serem descritos neste artigo. Se, no
início, a prática não se fazia concomitante com o pensar sobre a cidade ou com a produção
intelectual que sobre ela se fazia, mais recentemente parece haver concordâncias,
indicando, portanto, um acerto da teoria ou um reconhecimento da prática em relação
àquilo que vinha sendo dito e defendido há mais tempo. Se, por um lado, essas
concordâncias entre prática e teoria ainda são pontuais, por outro permitem formatar o
raciocínio otimista que caracteriza o entendimento de cidade adotado neste artigo
(a despeito de sua crítica velada aos resultados dos atuais processos de elaboração,
aprovação e implantação dos atuais Planos Diretores e Estratégicos).
O objetivo deste artigo é contextualizar, nessa rápida retrospectiva, os principais
instrumentos de uma possível política urbana brasileira, sobretudo a partir dos anos 2000,
dentre os quais se destacam os Planos Diretores Municipais, construídos segundo princípios
impostos pela Lei Federal Estatuto da Cidade, e os Planos Estratégicos Municipais,
construídos por uma visão mais orientada pelo mercado, participativos, porém focados
no interesse do setor econômico privado.
Na retrospectiva aqui apresentada, evidentemente, a definição das fases por
meio da cronologia das décadas é uma simplificação da realidade observada, havendo,
desse modo, grandes períodos de sobreposição de idéias e fatos, assim como recorrência
e permanência dos mesmos. Fica para uma outra pesquisa o aprofundamento da relação
das fases aqui discutidas com o cenário internacional, certamente com fatos e interesses
de impacto significativo na forma como nossas cidades têm sido pensadas e geridas1.
1 AS TRÊS FASES
Relativamente aos três períodos aqui considerados, segundo a perspectiva da
gestão pública brasileira, tem-se primeiramente uma fase de Ação Administrativa, em
que o poder local vê a cidade apenas como um compromisso de prover infra-estruturas e
serviços urbanos. Não se discutem aqui seus interesses e capacidades em responder
positiva ou negativamente a esse compromisso, fato, aliás, que perpassa os três períodos
analisados neste trabalho. As outras instâncias de poder, federal ou estadual2, participavam
dessa percepção por meio do repasse de recursos para o cumprimento parcial desses
compromissos, uma vez que era – e ainda é – reduzida a capacidade de inversão do
poder que trabalha em nível local. No caso brasileiro, pode-se situar essa fase na década
de 70, período em que ainda havia disponibilidade de recursos a serem repassados aos
1
É desnecessário, aqui, indicar a importância das agências internacionais de financiamento, capazes de impor um
modus operandi urbano em nível global.
2
No Brasil, não se tem a instância regional de poder, apesar de muito ensaiada nos debates de elaboração da
Constituição Federal Brasileira, de 1988. As instituições para administrar funções de interesse comum dos municípios das
regiões metropolitanas fazem parte das estruturas político-administrativas estaduais.
3
É do final dessa década, por exemplo, o início da discussão sobre o que se chamaria de “reforma urbana”,
lembrando a mesma disputa fundiária no campo. Em termos legais, esse debate se inicia mais ampliadamente com a
proposta de lei do senador Pompeu de Souza, a qual se chamaria de Estatuto da Cidade, aprovado apenas em 2001.
resultados, pelos pressupostos de uma ecologia urbana4 mais tradicional, que procura,
simples ou utopicamente, o equilíbrio e a adaptabilidade do morador urbano com o
meio ambiente, por meio de políticas públicas do poder local.
Se, do primeiro para o segundo período, a transição parece ser mais clara, do
segundo para o terceiro percebe-se uma difusão de idéias e de práticas, que ora prioriza
o social, ora o ambiental; isso a despeito de a produção científica insistir na possível
convivência e na possibilidade de satisfazer esses dois interesses. Nesse período,
percebe-se pois co-existências ora possíveis, ora virtualmente inviáveis em nível da gestão.
A inserção da questão ambiental, tal qual a reconhecemos hoje, na teorização
do espaço urbano e na sua gestão, tem sido indicada mesmo como um paradigma que
se impôs fortemente na gestão urbana. Alguns autores, por exemplo, observavam a
existência de um divisor temporal na questão urbana que é aquele marcado pelo fim do
modelo desenvolvimentista, pela agudização das crises sociais e pela emergência do
tema ambiental (PACHECO et al., 1992). O fato de a questão ambiental surgir como um
ponto importante para a gestão das cidades em um momento de agudização de crises,
ou mesmo, como o é para muitos autores, delas decorrente, faz com que seja possível
conectar problemas ambientais urbanos com infra-estruturas e serviços públicos inadequados
ou inexistentes. É dessa forma, aliás, que migrou-se, adaptada e adequadamente, uma
preocupação ambiental pensada para ambientes não antropizados para uma preocupação
ambiental para espaços construídos e de alta densidade. Se, num primeiro momento, a
preocupação com a devastação dos recursos naturais (devastação florestal, por exemplo)
surge no meio urbano como uma preocupação tão-somente com cortes de árvores e
desejo de aumento de área verde, num segundo momento migra para uma defesa de
serviços e infra-estruturas urbanas que conciliem interesses estritamente ambientais
(a não poluição dos rios, por exemplo) com a garantia do atendimento a necessidades
urbanas (disponibilidade de água passível de ser tratada em volume suficiente para
consumo atual e futuro e de maneira economicamente viável).
Assim, esses tipos de problemas ambientais urbanos, ao se evidenciarem, provocam
uma crítica implícita ao papel do Estado, tradicional provedor de infra-estruturas e serviços
urbanos. Com isso, críticas dirigidas à capacidade de gerência urbana realizada pelo Estado
são então expressas mais ostensivamente, chegando-se a propor sua revisão ou mesmo
substituição. Documentos internacionais como Agenda 21 (CONFERÊNCIA, 1992) e Habitat
II (CONFERÊNCIA, 1996), por sua vez, também assimilam esse entendimento de problema
ambiental urbano, relevando a importância do Estado – no caso, o poder local – para sua
solução5. Entre as responsabilidades que são repassadas ao Estado está a própria
4
O conceito de ecologia urbana que se utiliza aqui é aquele que reduz o problema ambiental na cidade a algo
que pode ser resolvido, dentre outros, pelo instrumento da educação ambiental, acreditando que o conhecimento, por
si só, da crise ambiental e da importância da natureza pode enfrentar questões de ordem complexa, de fundo também
social, político e econômico.
5
Estaria aí, talvez, um dos paradoxos observados nesses documentos, sobretudo na Agenda 21 (CONFERÊNCIA,
1992). Esse documento, ao mesmo tempo em que defende soluções alternativas ao Estado, como aquelas de parceria
entre comunidade e setor privado para o encaminhamento de soluções, deixa implícito sua revalorização como mediador,
regularizador e mesmo como responsável para a maioria das metas apresentadas na Carta, seja pela via de planejamento
e de novas legislações, seja pela via de investimentos.
implementação da Agenda 21 Global por meio das Agendas 21 Locais: “Cada autoridade
local deve iniciar um diálogo com seus cidadãos, organizações locais e empresas privadas
e aprovar uma Agenda 21 Local” (CONFERÊNCIA, 1992, Capítulo 28, p. 212). Além da
práxis que esses documentos propõem, recomendando a participação comunitária, por
exemplo, as tarefas a serem cumpridas pelos poderes locais são portanto ampliadas,
transformando seus responsáveis em gestores ambientais urbanos. Fica evidente também,
nesses documentos, o enfrentamento da questão ambiental urbana por meio do provimento
de serviços e infra-estruturas. Habitat II, por exemplo, fala de adequate shelter for all6
(CONFERÊNCIA, 1996, Capítulo 3), e a Agenda 21 impõe limites temporais para o
provimento de água, esgoto e tratamento a todos os assentamentos humanos7.
Reiterando esses três períodos da gestão urbana, observa-se também a posição
das agências de financiamento internacionais (um dos principais agentes que atuam no
espaço urbano). A partir de uma retrospectiva da atuação dessas agências em políticas
de desenvolvimento urbano (tradicionalmente dividida em três fases)8, pode-se sugerir a
existência de mudanças positivas quando de suas intervenções mais recentes,
caracterizadas pela crescente importância da questão ambiental.
A primeira fase, que se inicia na década de 60 e prossegue até meados dos
anos 70, caracteriza-se por projetos públicos de larga escala, produção em massa de
serviços urbanos como habitação, água e esgoto, design urbano e rígido funcionalismo
urbano. Neste caso, segue-se o modelo proposto pela Carta de Atenas em 1933
(CONGRESSO INTERNACIONAL DE ARQUITETURA MODERNA, 1964), na qual a cidade
deve conter zonas distintas de uso, tais como habitação, comércio e indústria. As críticas
a essa fase foram inúmeras, sobretudo pelo seu baixo impacto nas estruturas urbanas,
pela dificuldade de os países em desenvolvimento resgatarem suas dívidas, pela adoção
de medidas ambientalmente incorretas e por não priorizarem as áreas mais carentes das
cidades. Vale lembrar que, tal qual inúmeros outros autores, Alain Lipietz, em O Capital
e seu espaço (1988), critica esse tipo de intervenção, fundamentado no fato de que este
pouco teria contribuído para o atendimento de necessidades básicas das classes mais
carentes das cidades.
Uma segunda fase começa ser observada a partir de meados dos anos 70,
quando ficam ostensivos os fracassos dos megaprojetos urbanos. Da parte dos países em
desenvolvimento agrava-se o problema de quitar as dívidas; da parte dos industrializados
ocorre o corte de empréstimos. Surge, pois, a valorização dos “padrões locais”, ou seja,
tipologias locais de assentamento como favelas e cortiços começam a ser aceitas,
adotam-se tecnologias locais, buscam-se ações de curto prazo, enfatizam-se os recursos
6
Está incluída, no termo adequate, a visão mais abrangente da habitação, sendo pois complementada com infra-
estruturas e serviços básicos.
7
No capítulo 21 da Agenda 21 (Manejo ambientalmente saudável dos resíduos sólidos e questões relacionadas
com os esgotos), item 21.39, explicita-se o objetivo de “até o ano 2025, oferecer a toda a população urbana serviços
adequados de tratamento de resíduos” (CONFERÊNCIA, 1992). Do mesmo modo que o esgoto, outros serviços urbanos,
com prazos específicos, mereceram a mesma preocupação temporal.
8
Vide artigo de Edmundo Werna (1996) “As políticas urbanas das agências multilaterais de cooperação internacional
para países em desenvolvimento”.
9
Ignacy Sachs retoma esse tema, afirmando a dificuldade da comunidade em exercer o papel de crítica de um
determinado sistema e ao mesmo tempo ser propositora de soluções (SACHS, 1994).
compartimentos das cidades brasileiras, fruto de uma postura dita estratégica, executiva,
de resultados. Internacionalmente, este fenômeno tem inclusive sugerido a adoção da
expressão Renascença Urbana, devido ao impressionante volume de megaprojetos de
renovação urbana que tem sido implementado em cidades dos Estados Unidos e Europa.
Num cenário mais otimista, essas intervenções seriam resultado de um
Planejamento Estratégico, construído de modo participativo10 e tendo como premissa
um projeto para a cidade, ao contrário de intervenções pontuais, à espera de seus
resultados replicarem.
Da mesma maneira que na avaliação de um Plano Estratégico, no caso dos
Planos Diretores, num cenário ideal, sua elaboração seria participativa de fato e não
apenas cumpridora das obrigações legais; teria uma visão integrada do município, indo
além da preocupação com o ordenamento do espaço físico urbano, e avançaria,
pragmaticamente, no interesse social da propriedade.
A análise dos resultados de uma e de outra forma de fundamentar a gestão
urbana atual – se por meio de um Plano Diretor ou de um Plano Estratégico – é dificultada
pela curta perspectiva histórica que ainda se tem. As indicações que se tem não são,
porém, animadoras. Planos Diretores parecem repetir instrumentos já disponibilizados
pela lei às administrações dos municípios e não utilizados. Planos Estratégicos parecem
sofrer da falta de recursos para implementar as propostas indicadas em um processo
participativo ou mesmo pelo interesse de um governante.
O objetivo deste artigo não é o de analisar se os resultados de uma ou de outra
forma de construção da gestão urbana têm sido mais ou menos positivos, nem tampouco
se construídos da forma como sugere a teoria urbana contemporânea (baseada na
participação popular, dentre outros). O que se busca é reconhecer se tais instrumentos
constituiriam de fato uma nova fase na gestão urbana brasileira ou não.
Para Villaça (2005),
A idéia do Plano Diretor existe no Brasil, pelo menos desde 1930 [...]. Desde então a idéia do
Plano Diretor alastrou-se entre nós com grande intensidade [...] é impressionante como um
instrumento que nunca existiu na prática possa ter adquirido tamanho prestígio por parte da
elite do país.
Uma das críticas que se pode fazer aos PDMs – sem aqui discutir seus aspectos
metodológicos e operacionais – é a que diz respeito à amplitude de seus propósitos para
uma realidade complexa e mutante tal como a realidade urbana da atualidade.
“Os Planos Diretores fracassaram não só em São Paulo, mas em todo o Brasil e América
Latina. Fracassaram não só porque eram falhos, mas porque tomaram os desejos pela
realidade.” (SINGER, 1995, apud VILLAÇA, 2005).
10
No caso do Plano Diretor, a exigência legal do Estatuto da Cidade é clara em termos de participação popular.
No caso do Plano Estratégico, o qual não conta com referência em lei que obrigue sua realização, nem mesmo sua
metodologia de elaboração, parece ser recorrente entre os autores a importância desse processual participativo. “Antes
de iniciar a elaboração de um projeto de PEM em uma cidade é necessário dedicar tempo para sua organização, onde
podem ser trabalhadas as atividades: definição da metodologia do projeto; constituição da equipe multidisciplinar e
comitês; divulgação do projeto (na Prefeitura e no Município); capacitação das pessoas envolvidas; elaboração dos planos
de trabalho; e formalização dos procedimentos de gestão do projeto PEM.” (REZENDE; CASTOR, 2006).
Das fases aqui ensaiadas, pode-se dizer que a gestão pública urbana caminhou
para: 1) a ampliação de suas responsabilidades; 2) um compromisso maior com a
participação popular; e 3) um compromisso dividido entre as demandas ambientais,
demandas sociais e restrições econômicas. Os Planos Diretores Municipais e os Planos
Estratégicos adotam, minimamente, no discurso, esses preceitos e essas “novidades”.
Todavia, parecem ter agregado pouco de diferente no processo até então conhecido.
Ao contrário, tão-somente reforçam as características acima listadas. A despeito do avanço
que se observa, comprovadamente lento11, vale a leitura do processo segundo os
paradigmas anunciados por Thomas Khun (1996), o qual reitera a importância de as
mudanças ocorrerem aos saltos e não de forma contínua, sem romper estruturas há
muito estabelecidas.
De fato, se analisados do ponto de vista dos resultados, a baixa apropriação
daquilo proposto nos Planos Diretores elaborados nos anos 70 já não havia permitido
seu entendimento como um instrumento capaz de caracterizar uma fase na gestão
urbana. Do mesmo modo, as intervenções urbanas que pretensamente resultariam de
Planejamentos Estratégicos Municipais não são capazes de reproduzir no cenário brasileiro
o mesmo fenômeno de Renascença Urbana, conforme observado nos Estados Unidos e
Europa. O impacto desses dois instrumentos talvez seja um generalizado e ainda mais
sofisticado ordenamento jurídico urbano, fruto das legislações básicas contidas nos Planos
Diretores, e alguns exemplos de transformação física pontuais, incapacitados de
redirecionar a história das cidades onde são implantados.
O que parece haver, pois, são anos marcados por um esforço de realização de
planos, de mobilização comunitária, de legislações e mesmo de algumas intervenções;
ao contrário das fases anteriormente apresentadas, que teriam influenciado mais
visivelmente a forma e a apropriação do tecido urbano.
Muito se tem dito dos resultados positivos desses instrumentos contempora-
neamente aplicados em termos de capacitação, ou seja, o processo tem sido educativo
para se entender as cidades e para participar democraticamente das decisões
governamentais. Todavia, mais uma vez esses são resultados pouco significativos para
justificar a caracterização de uma nova fase na gestão urbana brasileira, mesmo porque
são fenômenos já observados anteriormente, de forma dispersa nas fases anteriores.
SÍNTESE
O que se procurou mostrar neste artigo foi a alternância de instrumentos e
entendimentos que se observa ao longo das décadas relativamente à gestão urbana
brasileira, ora valorizando ora relegando prioridades e agentes executores do processo
de construção da cidade. Um fenômeno que surpreende pela constante revalorização
de problemas, soluções e prioridades necessárias; que temporalmente inverte os papéis
11
A demora na implementação dos processos participativos ou mesmo num entendimento mais inclusivo do espaço
urbano pode ser comprovada pela lentidão parlamentar em aprovar o Estatuto da Cidade como legislação que revê certos
princípios na gestão urbana brasileira.
REFERÊNCIAS
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Acesso em: 1997.
A TRAJETÓRIA RECENTE
DO PLANEJAMENTO TERRITORIAL NO BRASIL:
apostas e pontos a observar
Renato Cymbalista*
RESUMO ABSTRACT
Este artigo procura contribuir para o debate em The present article aims at contributing to the
torno da trajetória recente do planejamento discussion on the recent path of the Brazilian
territorial no Brasil, foco desta publicação. Uma territorial planning. Mainly, it focuses the actors
atenção especial será dada para os atores que involved in the most recent steps taken by the
vêm protagonizando os mais recentes passos das related policies to identify the scale and extent
políticas em questão, procurando identificar a escala of recent changes in that area. From the policy
e o alcance de mudanças recentes nessa área. arrangements point of view, the last two
Adotando o ponto de vista dos arranjos políticos, decades showed significant changes that are
reconhece-se que as duas últimas décadas foram closely related to the territorial policy technical
de significativas transformações, que se relacionam tools. After identifying such recent movement,
com proximidade com inovações também no the article focuses on some of the main
instrumental técnico das políticas territoriais. Após perspectives placed by those who formulate
identificar esse movimento recente, o texto trata the new territorial planning based on the
de algumas das principais apostas explicitadas pelos national movement for municipal master plans,
protagonistas dessa nova formulação de plane- one of the main recent processes. On the other
jamento territorial, baseado em um dos principais hand, we recognize the new social actors, tools
processos recentes, o movimento nacional em prol and perspectives are not good enough to
da construção de planos diretores municipais. Por change the Brazilian urban scenario and that
outro lado, reconhece-se que novos atores sociais, new discourses are not necessarily followed by
novos instrumentos técnicos e novas apostas não new practices or changes in the territorial issue.
têm sido suficientes para a efetiva transformação Taking into consideration that fighting for the
do quadro urbano no País, e que a renovação de territorial planning renewal is a medium to long
discursos não é necessariamente acompanhada term issue, this article shows that some fighting
por uma renovação nas práticas e ainda menos fronts were set up in the last years presupposing
por transformações na realidade territorial. permanent follow up and assessment – a work
Assumindo que a luta pela renovação do plane- that has just begun.
jamento territorial é de médio a longo prazo, o Key words: Urban planning; Urban Reform;
texto aponta algumas das frentes dessa luta que Urbanism; Master plan.
vêm sendo abertas nos últimos anos, e que
pressupõem ainda acompanhamento e avaliações
permanentes – trabalho que apenas se inicia.
Palavras-chave: Planejamento urbano; Reforma
urbana; Urbanismo; Plano Diretor.
*Arquiteto e urbanista, mestre e doutor pela FAU-USP. Coordenador do Núcleo de Urbanismo do Instituto Pólis e
professor de História da Cidade na Faculdade de Arquitetura Escola da Cidade. Investigador visitante do Instituto de Ciências
Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa (2004), do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE) em
Lisboa (2004) e do Centro de Estudos de Além Mar da Universidade Nova de Lisboa (2005-6). É pesquisador (faculty) do
Lincoln Institute of Land Policy. [email protected]
Artigo recebido para publicação em dezembro/2006. Aceito para publicação em abril/2007.
1
Esta primeira parte do trabalho baseia-se no texto “Instrumentos de planejamento e gestão da política urbana: um
bom momento para uma avaliação”, de minha autoria, publicado em BUENO, Laura M.; CYMBALISTA, Renato (Org.). Plano
diretor municipal: novos conceitos de planejamento territorial. São Paulo: Anna Blume: Instituto Pólis: PUCCAMP, 2007.
propuseram no nível local instrumentos que superassem a idéia da legislação como objeto
puramente técnico, explorando suas múltiplas alianças com as desigualdades da sociedade
e elaborando instrumentos urbanísticos que jogassem o peso do Estado e da regulação a
favor – e não contra, como de costume – da democratização do espaço da cidade.
Experiências como as AEIS, em Diadema, o PREZEIS, em Recife, e o Profavela, em Belo
Horizonte, todas iniciadas na década de 1980 ou início dos anos 1990, estão entre os
primeiros resultados práticos dessa nova abordagem.2
As potencialidades desse novo arranjo de forças políticas evidenciaram-se na
imensa mobilização social prévia à Constituição de 1988, que logrou inserir no texto
constitucional um viés marcado pelos direitos humanos e cidadania. Especificamente na
área da política urbana, a mobilização resultou em uma proposta de reformulação da
legislação através da Emenda Popular da Reforma Urbana, encaminhada ao Congresso
Constituinte em 1988 pelo movimento nacional pela reforma urbana, que recebeu mais
de 250 mil assinaturas, logrando sua inclusão no texto constitucional. Após uma série de
negociações e concessões por parte dos atores da reforma urbana, a emenda popular
resultou no capítulo de política urbana da Constituição (artigos 182 e 183).
No capítulo de política urbana da Constituição, estavam contidas propostas que
procuravam viabilizar novos instrumentos urbanísticos de controle do uso do solo, para
que se pudesse, entre outros objetivos, possibilitar o acesso a terra, democratizando o
solo urbano. Após a aprovação da Constituição de 1988, a disputa pela renovação dos
instrumentos de regulação urbanística, política urbana e planejamento territorial continuou
percorrendo o caminho duplo das lutas em nível local e nacional.
Na frente de atuação local, o modelo descentralizador e municipalista adotado
pela Constituição significou também uma maior autonomia para que os municípios
construíssem seus próprios instrumentos de planejamento e gestão urbana.
Vários setores – agregados principalmente em torno do Fórum Nacional da
Reforma Urbana – permaneceram na luta pela conclusão do processo, que era a
regulamentação do capítulo de política urbana. Já em 1990, surge o Projeto de Lei
5.788/90, destinado a efetivar essa regulamentação. O PL 5.788/90 tramitou por mais de
uma década no Congresso, foi sendo intensamente discutido e alterado e resultou
posteriormente no Estatuto da Cidade, ao qual nos referimos em seguida.3 No que diz
respeito à política habitacional, em 1992 foi proposto via iniciativa popular o Projeto de
Lei 2.710, que propunha a criação de um sistema nacional de política habitacional
(CYMBALISTA; MOREIRA, 2006).
Os primeiros anos do século XXI marcaram um novo momento no progressivo
movimento de construção de uma nova institucionalidade para as políticas urbana e
habitacional no País. Em 2001, foi aprovada em nível federal a Lei n.o 10.257, de 10 de
julho de 2001, conhecida como Estatuto da Cidade, de caráter marcadamente progressista,
instituindo as diretrizes e instrumentos de cumprimento da função social da cidade e da
2
Um balanço dessas primeiras experiências encontra-se em Mourad (2001). Sobre a experiência de Recife, ver
Araújo (1994).
3
Para uma análise do processo de tramitação do Estatuto da Cidade, ver Bassul (2005).
4
Organização não-governamental baseada em São Paulo criada para amparar as propostas de governo do
candidato Lula.
5
“A transformação do problema da habitação numa prioridade nacional requer uma estrutura governamental capaz
de formular a política urbana nacional e as políticas setoriais de reforma urbana, habitação, saneamento e transporte urbano
e de articular os diferentes agentes, instâncias e níveis de governo no sentido de implementar uma estratégia nacional para
equacionar a questão urbana e habitacional no Brasil. Utilizando a estrutura administrativa da SEDU (Secretaria de Estado do
Desenvolvimento Urbano), que seria extinta, o Ministério das Cidades e da Habitação teria um papel decisivo para articular
política e tecnicamente a criação do Sistema Nacional de Habitação [...] No Sistema proposto, não caberia ao Ministério,
em hipótese alguma, qualquer função executiva, uma vez que a execução dos programas e projetos deverá estar prioritariamente
sob a responsabilidade de órgãos municipais, intermunicipais e, excepcionalmente, estaduais ou a agentes promotores
públicos não estatais ou privados. Ao Ministério caberia sobretudo uma ação planejadora, normativa e articuladora, tendo
a função de normatizar as ações governamentais nesta área, formular Planos Nacionais e criar um Sistema Permanente de
Dados sobre a questão urbana e habitacional, capaz de permitir a obtenção de diagnósticos precisos.” (INSTITUTO CIDADANIA,
2000, p.33).
6
O ConCidades foi regulamentado pelo Decreto 5.031, de 2 de abril de 2004, que foi substituído pelo Decreto
federal 5.790, de 25 de maio de 2006.
7
É o caso das resoluções que estabelecem diretrizes para os processos participativos dos planos diretores
(Resolução 25) e para seus conteúdos mínimos (Resolução 34), que vêm sendo seguidas por inúmeros municípios.
8
Lei Federal n.o 11.124, de 16 de junho de 2005, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Habitação de
Interesse Social, regulamentada pelo Decreto no 5.796, de 6 de junho de 2006.
Villaça (1998) é um dos autores que fazem essa crítica aos planos diretores tradicionais.
9
3,6% não haviam ainda iniciado o processo. O prazo estabelecido pelo Estatuto da Cidade
claramente “pegou”, dado relevante em um país com tantas leis que “não pegam”, como
o Brasil. Neste caso específico, o notável esforço empenhado pelos grupos envolvidos com
a agenda da reforma urbana nesses últimos anos claramente produziu efeitos no sentido de
reverberar e resultar em processos em centenas de municípios, abrindo assim inúmeras
novas trincheiras para a disputa em torno da política urbana e da regulação da terra nos
municípios. Cumprida esta etapa, que capturou parte significativa da capacidade crítica e
propositiva do movimento pela reforma urbana, o prazo final dado pelo Estatuto da Cidade
pode também ser visto como momento de uma mudança de horizontes, rumo a um
movimento mais avaliativo do que propositivo, de balanço das experiências recentes.
10
Inicia-se também a produção bibliográfica que documenta esses processos. Destaco: Souza (2007) e Baltrusis
(2007). Checar também o Banco de Experiências de Planos Diretores Participativos do Ministério das Cidades (BRASIL).
11
São poucos os artigos que problematizam o funcionamento de conselhos específicos, dentre os quais destaco
Pereira (2002).
12
Essa expulsão diretamente promovida pelo Estado vem sendo apontada por vários trabalhos, em sua modalidade
mais violenta, a exemplo do de Fix (2001). Wilderode (1997) mostra uma versão menos explícita desses processos de
expulsão, com resultados igualmente perversos, a partir do instrumento das operações interligadas.
13
Outra variante do mesmo instrumento são as ZEIS demarcadas sobre áreas já ocupadas com favelas, loteamentos
clandestinos ou irregulares, que facilitam posteriores trabalhos de urbanização e regularização, instrumento que será tratado
a seguir.
Tais alertas devem ser levados em conta para o monitoramento do impacto das
AEIS de áreas desocupadas que vêm sendo propostas no contexto dos recentes planos
diretores, em municípios tão diversos quanto Santo André, São Paulo, Catanduva,
Fortaleza, Salvador, entre muitos outros.14 O maior desafio antecede todos esses: tirar
as AEIS de áreas desocupadas do papel e fazer com que os perímetros delimitados em
lei sejam efetivamente incorporados a uma política habitacional municipal está se
revelando uma tarefa bastante difícil, principalmente em municípios mais populosos e
que têm preços de terra mais altos.
14
Um trabalho que levanta uma série de questões a serem observadas ao se analisar a ZEIS é o de Ferreira e
Motisuke (2007). Sobre o caso de Diadema, ver Tsukumo (2002).
15
Constituição Federal, art. 216: “§1o O poder público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá
o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras
formas de acautelamento e preservação. / §2o Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação
governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem” [grifos meus].
16
Um exemplo disso é o texto de Jesus e Lott (2005) que trata da trajetória de consolidação do Conselho
Deliberativo de Patrimônio Cultural de Belo Horizonte-MG.
18
Plano Diretor de Diadema (Lei municipal 161/2002), arts. 14; 30-32; 62; 95.
19
Plano Diretor de Diadema (Lei municipal 161/2002), anexo 2.
61 foram aprovadas, a maior parte delas alterando usos e parâmetros para áreas específicas
da cidade, mostrando que o Legislativo reluta em abrir mão do controle sobre as alterações
pontuais nos parâmetros urbanísticos (SANTORO; CYMBALISTA; NAKASHIMA, 2007).
Esses apontamentos mostram que é necessário aumentar o monitoramento dos
planos diretores após seu encaminhamento às câmaras dos vereadores, pois a
responsabilidade do Legislativo sobre a aprovação e posterior revisão é bastante grande.
Além dos pontos desenvolvidos acima, a recente leva de planos diretores suscita muitas
outras questões, que podem e devem ser desenvolvidas em pesquisas futuras.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não é o caso de encerrar este texto com um tom por demais otimista. Assim
como vêm trazendo inovações, os últimos anos da política urbana têm também revelado
a alta capacidade de adaptação dos esquemas tecnocráticos e clientelistas, mesmo em
um contexto democrático. Este texto não está especificamente focado nessas forças, e
serão necessários ainda muitos estudos para identificar como elas articularam-se nos
novos processos. Mas a própria disposição de uma série desses atores em defender suas
posições e disputar em público em torno da regulação urbanística e do planejamento
urbano é sinal de que algo mudou também entre eles.
Mesmo identificando grandes problemas, reconhecendo limites, levando em conta
as dificuldades de todas as ordens enfrentadas pelos municípios e pelo governo federal
para levar adiante políticas de democratização do planejamento e da gestão urbana,
parece-me difícil negar que os anos recentes têm sido de intensa experimentação em
busca da efetivação das novas potencialidades permitidas pela Constituição e pelo Estatuto
da Cidade. Quais conquistas foram atingidas por essas inúmeras experiências é uma
pergunta em grande medida em aberto.
Dessa forma, este artigo assume uma posição clara em relação à pergunta
básica desta publicação: os recentes eventos relacionados ao planejamento e à política
urbana significam, sim, transformações nas formas de gestão das cidades brasileiras.
Esta afirmação é defendida aqui com o relato da história recente das transformações
institucionais e regulatórias, sustentado por um arranjo inédito de atores sociais que vêm
interferindo no desenho das políticas e do marco legislativo. De uma temática de
tratamento eminentemente técnico pelo poder público, a questão urbana foi reconhecida
como espaço de reprodução de desigualdades e, por isso mesmo, objeto de disputas
que pressupõe uma estrutura institucional e política para seu enfrentamento. Mudou o
jogo, e mudaram também os jogadores, com a inclusão de segmentos anteriormente
alijados do debate.
A posição bastante desvantajosa por parte dos planejadores para lidar com os
desafios das cidades brasileiras (mesmo com atores sociais, hipóteses e instrumentos
renovados) é também um dado. Mas não convém tratar esta situação como “mais do
mesmo”: mudaram os processos de urbanização, mudaram as apostas do planejamento
territorial, mudou a moldura institucional. Considerar tais transformações “cosméticas”
ou “irrelevantes” é desconsiderar a luta de milhares de pessoas de vários segmentos
REFERÊNCIAS
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RESUMO ABSTRACT
Este artigo analisa o processo de criação de This article analyzes the creation process of
municípios no Estado do Paraná a partir da cities in the state of Paraná from mid-
metade do século XX, com destaque para o twentieth century on highlighting the period
período que vai de 1988 a 1996, em que um between 1988 and 1996, when the
determinado contexto institucional favoreceu institutional context favored such action in
tal ação no Brasil como um todo, devido às Brazil due to the following characteristics:
seguintes características: a) descentrali- a) decentralization of the city emancipation
zação da regulamentação do processo process regulation through legal mechanism
emancipacionista em favor dos estados, com definition by the state house of
a definição de seus mecanismos legais pelas representatives; b) increasing the treasury
assembléias legislativas; b) ampliação dos resources transferred to the cities by the
recursos fiscais transferidos aos municípios federal government; and c) dynamics of the
pela União; e c) dinâmica da relação entre relationship between State Executive and
os poderes Executivo e Legislativo nos próprios Legislative powers. Thus, the present study
estados. O estudo adota, portanto, uma uses a neo-institutionalist approach in view
abordagem neo-institucionalista, tendo em of the strategies used by the actors under
vista as estratégias de seus atores sob esse this institutional context.
contexto institucional. Key words: Paraná municipalities; city
Palavras-chave: municípios do Paraná; creation; institutional context.
criação de municípios; contexto institucional.
*Agradeço aos dois pareceristas anônimos as sugestões e críticas feitas a este artigo.
**Cientista social, mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Professor de Sociologia no
Ensino Médio. [email protected]
Artigo recebido para publicação em dezembro/2006. Aceito para publicação em abril/2007.
INTRODUÇÃO
A criação de municípios no Brasil assumiu, nas décadas de 1980 e 1990, uma
certa proporção que ainda necessita de reflexões para sua melhor compreensão. Em
especial após a promulgação da Constituição de 1988, quando novas regras do jogo
foram propostas ao tema estudado, o País viu-se diante de um novo surto emancipacionista,
em que sua base territorial interna foi amplamente modificada.1
O aumento significativo de municípios exigiu do governo federal uma medida
preventiva que limitasse as emancipações municipais, a Emenda Constitucional n.o 15/96,
que freou consideravelmente tal processo.2 No Paraná, por exemplo, nenhum novo
município surgiu depois dessa emenda. Novamente, pela Proposta de Emenda
Constitucional (PEC) n.o 13/2003, rediscutem-se as regras para a emancipação de
municípios, até então inconclusas.
A tabela 1 apresenta os números do aumento dos municípios brasileiros por
estado, entre 1988 e 2000.
1
“No cenário brasileiro foram constantes as modificações no número de municípios: de 1940 a 1960 surgiram 1.192
novas unidades, e entre 1960 e 1970 mais 1.186. No período do governo militar houve um refreamento desse processo, sendo
que de 1970 a 1980 apenas 39 municípios foram criados em todo o país.” (MENDES apud PINHEIRO; MOTTA, 2003, p. 718).
2
Em 1967, também o governo federal, diante de milhares de municípios que estavam em processo de criação
no Brasil, editou a Lei Complementar n.o 01/67, que centralizou o processo de criação de municípios no âmbito federal.
De acordo com Bremaeker (1996), a Emenda Constitucional n.o 15/96 centralizou novamente o processo.
3
Os termos “criação de municípios” e “emancipação municipal” serão utilizados aqui para se referir ao resultado
final da decisão política que eleva determinada localidade a um ente federativo autônomo.
4
“Existem três tipos distintos de instituições presentes no processo emancipacionista: [instituições] delimitadoras
(federais, estaduais e municipais) definem o estoque de localidades emancipáveis, isto é, as localidades ou distritos
passíveis de serem legalmente emancipados; [instituições] estimuladoras (legislação que regulamenta a transferência de
recursos aos municípios, o FPM [Fundo de Participação dos Municípios] e os fundos estaduais formados pelo ICMS [Imposto
sobre Circulação de Mercadorias e Serviços]) ampliam o interesse das lideranças políticas e do eleitorado das localidades
em questão, sobretudo a partir da década de 1980, devido ao grande incremento das transferências de recursos fiscais
aos municípios; e [instituições] processuais (Constituição Federal, legislação federal e estadual e regimentos internos das
assembléias legislativas) determinam a forma pela qual o processo legislativo deve seguir até a promulgação da lei e a
possibilidade de interferência de cada ator político durante esse processo, ‘vetando’ ou ‘alavancando’ a criação de
municípios.” (TOMIO, 2002a, p.69).
5
Para uma visão geral do significado da teoria neo-institucionalista e uma revisão bibliográfica do tema, conferir
os textos de Limongi (1994), Marques (1997), Hall e Taylor (2003). Para exemplos de estudos institucionalistas no Brasil:
Figueiredo e Limongi (1994; 2001), ao estudarem a produção legislativa do Congresso Nacional e sua relação com o
Poder Executivo; Tomio (2005), em uma abordagem histórico-institucional na compreensão das decisões favoráveis à
criação de municípios no Rio Grande do Sul; Andrade (1998), sobre o processo decisório no interior dos Poderes Executivo
e Legislativo no município e no Estado de São Paulo; e Santos (2001), sobre o desempenho das assembléias legislativas
em diversos estados brasileiros e sua relação com os respectivos Executivos.
outros que são responsáveis pela fragmentação territorial em curso. Nessa perspectiva, a criação de
municípios não é um fim, mas um meio pelo qual são dados aos interessados no processo novas
possibilidades. Estas possibilidades estão associadas à criação de territórios e ao controle de recursos
econômicos (CIGOLINI, 1999, p.100-101; sem grifos no original).
Assim como Moura e Ultramari, Cigolini conclui que a criação dos novos municípios
está ligada ao controle dos territórios, ao controle do poder, ao controle dos recursos
econômicos e à multiplicação de espaços de poder por parte dos deputados estaduais e
líderes municipais dos novos entes federativos.
A dissertação de Cigolini é pioneira na tentativa de compreender as causas das
emancipações municipais no Paraná; todavia, os argumentos do autor podem também
ser melhor compreendidos como integrantes de um contexto institucional que propiciou
essa explosão de municípios no Paraná.
Pieruccini, Tschá e Iwake (2005) realizaram uma “radiografia” do aumento do
número de municípios na região Oeste do Paraná desde 1914, com a criação do município
de Foz do Iguaçu até o ano de 2000, observando em especial as características
diferenciadas que geraram o processo emancipatório ao longo das décadas de 1950 a
1990. É um dos poucos estudos que visam analisar, ao longo das décadas, as causas
emancipacionistas no Paraná, sem ser este, contudo, o foco central do trabalho.
Para os autores, “no início da década de 1950, a região Oeste do Paraná
experimenta um surto de crescimento que por si só justifica as emancipações ocorridas
naquele momento” (PIERUCCINI; TSCHÁ; IWAKE, 2005, p.87). Fatores como a extensa
área territorial paranaense “vaga” e a iniciativa de empresas privadas na formação de
vilas na região contribuíram para a formação dos novos municípios. Antes desse período,
a região era quase totalmente desvinculada do universo econômico paranaense, inclusive
com ruas quase inexistentes; tal abandono explicaria em parte a criação do Território do
Iguaçu (1943 a 1946).6 Nas décadas de 1960 e 1970 critérios políticos passaram a
sobressair na criação dos municípios, com planos de desenvolvimento do governo para a
região e incentivo à agricultura. A respeito das décadas de 1980 e 1990, percebe-se que
os autores apenas descrevem um pouco da história dos novos municípios, não discutindo
e investigando as causas que os geraram. Nesse sentido, há a necessidade de se aprofundar
o tema das causas emancipacionistas no Estado.
Vale também destacar os estudos sobre a história de cada município paranaense
(origem, formação e criação) realizados por Balhana, Machado e Westphalen (1969, v. 4)
e Ferreira (1996), porém sem a intenção de buscar o porquê das causas emancipacionistas.
A próxima seção traz uma descrição e interpretação das dinâmicas das
emancipações municipais no Paraná pós-1947, que, por sua vez, permitem compará-lo
com o período pós-1988. Na perspectiva do institucionalismo histórico, privilegia-se a
organização institucional da comunidade política, considerando-a como um fator
essencial a estruturar o comportamento coletivo e os distintos resultados políticos (HALL;
TAYLOR, 2003), para entender, assim, o grande aumento na quantidade de municípios
no Paraná nesse período.
6
Para detalhes sobre a criação do Território do Iguaçu, ver Lopes (2002).
7
“Nota-se que apenas seis municípios: Palmas, Clevelândia, Foz do Iguaçu, Guarapuava, Londrina e Sertanópolis
abrangiam mais de 50% do território paranaense.” (IPARDES , 2004, Caracterização do território, p.1).
8
Assim são resumidos os períodos de governo, de Moysés Lupion a Paulo Pimentel (1947-1971): “Os governos
colocam a necessidade de povoar o território e modernizar a economia, remetendo-se invariavelmente à necessidade de
produção de uma dada população. Suas práticas voltam-se ao detalhe, pretendendo-as disciplinadoras, moralizadoras e
higienizadoras” (IPARDES, 1989, p.98).
9
Para Kunhavalik, a criação de municípios no governo de Bento Munhoz é estratégica no sentido de impedir a
divisão do Paraná: “Uma política relevante diz respeito à criação de municípios, principalmente nas regiões Norte e
Oeste/Sudoeste do Estado. Com esta política, o governo desmembra alguns municípios de grande extensão territorial,
como é o caso de Mangueirinha e de Clevelândia, no Sudoeste, e de Paranavaí, no Norte. É certo que o crescimento
demográfico e econômico destas regiões implica uma reestruturação territorial. Mas a elaboração de uma divisão
territorial mais fragmentada tem também um sentido político. Visa-se com isso impedir a constituição de fortes poderes
locais e o surgimento de políticas emancipatórias [referente ao Território do Iguaçu]. Indiretamente, procura-se fortalecer
o poder político da capital” (KUNHAVALIK, 2004, p.193).
10
C f. Paraná (1983). Diante das dificuldades financeiras dos municípios paranaenses, o governador reclamou:
“Todavia, a comprovação dessa realidade tem como conseqüência a necessidade de revisão dos critérios de divisão
territorial e de severo realismo na criação de novas unidades comunais” (PARANÁ, 1983, p. X). As Mensagens dos
Governadores, documentos enviados à Assembléia Legislativa por ocasião da abertura dos anos legislativos, no período
de 1979 a 1996, são uma das referências para se detectar a posição dos governadores quanto às emancipações
municipais (favorável, indiferente ou contrária).
Sobre o histórico dos repasses financeiros federais aos estados e municípios, ver Carvalho (2002) e Tomio (2002b).
11
“Hoje, o FPM é a fonte de receita mais importante para 259 dos 399 municípios paranaenses.” (APÓS cinco
12
13
Fernando Abrúcio associa a proposição e a condução do processo de criação de município nos estados ao
Executivo. Para Abrúcio, “o Governador ainda se utilizava de outro instrumento para obter mais poder na esfera estadual:
a criação de municípios, para aumentar o seu ‘curral eleitoral’. Embora o processo de criação de municípios não seja
atribuição do Executivo estadual, o governador conseguia influir fortemente no processo, na medida em que os
municípios eram criados por meio de plebiscito na região que desejava se emancipar e, numa etapa posterior, por
intermédio da aprovação na Assembléia Legislativa. A partir dos estudos de caso, constatou-se que os governadores
atuaram incentivando e às vezes financiando políticos e grupos ‘emancipacionistas’ em áreas onde possuíam interesse
eleitoral, além de conseguir facilmente a aprovação da criação de municípios nas Assembléias, já que as dominava por
completo” (ABRÚCIO, 1998, p.104).
14
Moura e Ultramari (1994) e Cigolini (1999) também apontaram outras regras constitucionais que não foram
respeitadas na criação dos novos municípios no Paraná.
15
“O Governador Roberto Requião entrou com um pedido de inconstitucionalidade contra a lei que prorrogou para
1º de maio a criação de novos municípios [Lei Complementar n. 66/92], porém as eleições foram permitidas pelo Supremo
Tribunal Federal.” (ELEIÇÕES, 1992).
16
Foi constituído inclusive um “Bloco Parlamentar Municipalista no âmbito do Poder Legislativo, composto por
quinze membros [...] que deverá funcionar até 31 de dezembro de 1995, com a finalidade de promover estudos, debates
e acompanhamento das políticas setoriais e globais do interesse do desenvolvimento sistêmico e orgânico das comunidades
locais, municípios e do Estado do Paraná, bem como desenvolver atividades correlatas [...]” (PARANÁ, 1995; sem grifos
no original).
17
A extensão territorial do município de origem é um fator importante na possível divisão desse município. Ver
Bremaeker (1993) e Shikida (1999).
18
Cf. Brasil, 2003. O Paraná é um dos estados que se posicionaram a favor da revisão do § 4.o do art. 18 da
Constituição Federal.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Um contexto institucional propício estimulou as emancipações municipais no
Paraná entre 1988 e 1996. Ao todo foram criados 81 municípios. Tal ritmo emancipacionista
foi possível devido à Constituição Federal de 1988, que descentralizou a regulamentação
do processo em favor dos estados, e à Constituição Estadual de 1989 e posterior Lei
Complementar estadual n.o 56/91, que definiram os mecanismos legais para as
emancipações, somando a isso a ampliação dos recursos fiscais transferidos aos municípios.
As “regras do jogo” possibilitaram ao Legislativo paranaense um amplo controle
sobre o processo de criação de municípios. O mecanismo legal que delegava a iniciativa
da proposição da criação de um novo município à própria localidade interessada contribuiu
decisivamente para que o Legislativo pudesse controlar o processo de criação de municípios
no Estado do Paraná. Esse amplo controle consolidava-se ainda com a aprovação do
plebiscito por meio de Resolução pela própria ALEP e, por fim, a possibilidade de seu
presidente promulgar municípios a cujo respeito o Executivo vetava ou silenciava.
Porém, alguns limites a esse amplo controle do Legislativo impediram um número
maior de municípios no Estado. Entre eles há a dinâmica da interação com o Executivo.
Como visto, a posição contrária às emancipações municipais do governo Requião e sua
coalizão majoritária na Assembléia dificultaram parcialmente que municípios fossem criados.
E, por fim, a Emenda Constitucional federal n.o 15/96 centralizou o processo e,
por não estar legalizada, impede ainda hoje que novos municípios possam ser criados.
Apesar disso, o contexto institucional possibilitou ao Legislativo paranaense impor
um ritmo emancipacionista ao Estado extremamente relevante, comparado ao de outros
estados brasileiros (ver tabela 1).
A aprovação de municípios ad referendum em 1990 sugere um período em que
as regras do jogo ainda não estavam consolidadas. E a criação de municípios com uma
população menor do que a exigida por lei evidencia que, em situações subótimas, as
instituições acabam resolvendo tais impasses.
Comparando o período posterior a 1947 com o período posterior a 1988 no
Paraná, identificaram-se semelhanças importantes: um mesmo contexto institucional geral
que moldou o ambiente de decisão política para esses dois momentos, em que se destaca
a ampliação dos recursos fiscais transferidos aos municípios por parte tanto do Estado
quanto da União; e a descentralização da regulamentação do processo emancipacionista
em favor dos estados, com a definição dos mecanismos legais e o controle da maior
parte do processo das emancipações pela Assembléia Legislativa. O ritmo extremamente
expressivo do período de 1947 a 1967 deu-se principalmente pela iniciativa dos Poderes
Executivo e Legislativo paranaenses em favor da criação dos novos municípios e do
amplo estoque de localidades emancipáveis; o período de 1988 a 1996 teve na iniciativa
das localidades e no controle do processo pelo Legislativo as causas de seu ritmo.
O caso da Assembléia Legislativa do Paraná, neste estudo específico sobre as
emancipações municipais, mostra que a determinação das instituições, com suas regras
e mecanismos no processo decisório, constrange as estratégias de seus atores, levando a
determinadas conseqüências, como, nesse caso, a ampla autonomia do Legislativo na
condução da criação dos novos municípios paranaenses.
REFERÊNCIAS
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RESUMO ABSTRACT
Este artigo discute concepções e práticas de The present article discusses urban
planejamento e gestão urbanos em Belém, planningand management concepts and
Pará, a partir da análise de duas intervenções practices in Belém, in the State of Pará –
urbanas desenvolvidas nos últimos anos na Brazil. The discussion is based on the
sua área central. Norteadas por uma analysis of two urban interventions recently
concepção estratégica de planejamento e carried out in downtown Belém. Such
gestão, tais intervenções têm promovido a interventions were based on planning and
produção de uma nova paisagem e de uma management strategy concepts and
nova imagem para a cidade. Trata-se da provided new landscapes and image to the
criação de espaços de renovação urbana que city. They brought about urban renovation
usam como pretexto a natureza, a cultura e centered on nature, culture and memory
a memória como centralidade simbólica e as symbolic ways of legitimating urban
como forma de legitimar uma dada management concepts.
concepção de gestão urbana. Key words: planning; urban management;
Palavras-chave: planejamento; gestão downtown; urban policies; Belém.
urbana; área central; políticas urbanas; Belém.
*Geógrafo, doutor em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo (USP). Professor Associado I do Instituto
de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Pará (UFPA). [email protected]
**Geógrafo, mestre em Planejamento do Desenvolvimento, doutorando em Geografia Humana pela USP.
Professor Assistente I da Universidade Federal do Amapá. [email protected]
Artigo recebido para publicação em dezembro/2006. Aceito para publicação em abril/2007.
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, as políticas de renovação urbana têm ganho novas tendências.
No Brasil, práticas emergentes buscam considerar a complexidade da vida urbana, a
participação popular e a descentralização. Mesmo com a pretensão da novidade, algumas
experiências em curso têm combinado práticas convencionais com novos elementos
que, pelo menos no plano da superfície, mostram-se inovadores, não evidenciando,
entretanto, uma ruptura definitiva ou pontos de inflexão com relação às velhas práticas.
Não obstante as importantes diretrizes previstas da função social da cidade, seja
no Estatuto da Cidade, seja em Planos Diretores considerados inovadores, supõe-se que
algumas vertentes de políticas urbanas emergentes não têm conseguido superar as práticas
tidas como convencionais, mas principalmente readequá-las às novas demandas locais e
globais. É a respeito desta problemática que a presente discussão pretende avançar.
A partir da análise das intervenções urbanas realizadas na área central de
Belém, Pará, busca-se compreender o perfil das políticas urbanas que as orientaram,
relacionando-as com a produção de novos espaços e com o tipo de imagem que se
deseja para a cidade.1
Para isso, colocaram-se três questões norteadoras: 1) qual o perfil de gestão e
de planejamento urbano que orientou as intervenções do governo do Estado do Pará na
área central de Belém nos últimos anos?; 2) que implicações tais intervenções trazem
para a área central e para a configuração de uma nova imagem da cidade?; 3) que
mudanças e permanências, relacionadas às políticas urbanas, são reveladas por meio
dessas intervenções?
Para responder a essas questões, utilizou-se a sistematização teórica desenvolvida
por Souza (2002), que destaca oito critérios importantes para identificar tipos diferentes
de gestão e planejamento de cidades, a saber: idéia-força central; filiação estética; escopo;
grau de interdisciplinaridade; permeabilidade em face da realidade; grau de abertura
para com a participação popular; atitude ante o mercado; referencial político-filosófico.
Depois de fazer a discussão teórica sobre a gestão e o planejamento urbanos,
procurou-se, com base na análise de duas intervenções urbanas desenvolvidas pelo governo
do Estado do Pará (complexos “Estação das Docas” e “Feliz Lusitânia”) e do confronto
das mesmas com a teorização desenvolvida por Souza (2002), traçar um perfil da concepção
e tendência das políticas urbanas na área central e das imagens de cidade a ela vinculadas.
1
A nova realidade da área central de Belém são as intervenções urbanas realizadas pelos poderes públicos
municipal e estadual com o intuito de resgatar o rio, o patrimônio histórico e a herança cultural como representações
simbólicas da cidade e da região e de produzir espaços “públicos” voltados para o lazer e o turismo.
2
Processo que decorre da dinâmica de revitalização de áreas antigas e consideradas degradadas, seguida de uma
conseqüente substituição de populações pobres por classes mais abastadas, acompanhando a revalorização do ambiente
construído (SMITH; WILLIAMS apud CRIEKINGEN, 2006).
obter efeitos internos, principalmente quanto à construção de uma ampla adesão social ao
seu modelo de planejamento e gestão urbana, e apagar a imagem de que o planejamento
urbano é apenas um discurso ideológico que não se concretiza em práticas reais.
Para a mesma autora, existe uma série de fenômenos que estão exercendo
pressão sobre os instrumentos tradicionais de planejamento. Dentre eles, destaca o
dinamismo das mudanças econômicas mundiais, as crises geopolíticas, as inovações
tecnológicas e as novas atitudes socioculturais; os diversos agentes econômicos que atuam
no espaço urbano e que exigem do poder público um conjunto de intervenções voltadas
para a competitividade; o processo de globalização e de regionalização (integração dos
mercados e formação de blocos econômicos), que abrem espaço para a competitividade
urbana pela atração de investimentos, empregos, turistas e financiamentos públicos
(SÁNCHEZ, 1999).
Dentre as perspectivas de planejamento e gestão urbana que buscam enfrentar
esses novos desafios colocados pela realidade, algumas têm sido consideradas nas
discussões teóricas recentes, recebendo diferentes denominações, como planejamento
politizado, planejamento estratégico e planejamento participativo.
Villaça (2004) argumenta que na década de 1990 houve um novo ímpeto em
termos de planejamento urbano no Brasil, que procurou rejeitar os planos tradicionais, os
superplanos e os diagnósticos técnicos, e que buscou legitimar uma nova forma de
planejamento e gestão, fundamentada na politização do plano diretor. Nessa nova proposta,
os problemas a serem enfrentados ganharam uma dimensão muito mais política que
técnica, passando a estar na pauta dos movimentos populares e dos partidos políticos.
Interpretando essa fase mais recente e as políticas urbanas emergentes, Sánchez
(1999, 2003) destaca o planejamento estratégico como prática recorrente do planejamento
e da gestão urbana no mundo contemporâneo. Surgido nos Estados Unidos nos anos
oitenta, propagou-se depois para a Espanha, com o “modelo de Barcelona”, e, nos anos
noventa, para a América Latina, através das consultorias espanholas. Neste último
continente, o planejamento estratégico e o marketing de cidades têm se apresentado
como instrumentos recorrentes em face do processo de globalização da economia, obtendo
grande índice de adesão. As principais propostas desse modelo estão relacionadas ao
redesenho espacial das cidades com o fito de romper com a carência infra-estrutural e
implantar novas relações de produção.
Nessa perspectiva de competitividade, as áreas centrais têm sido mobilizadas
constantemente como espaço de investimentos e de formação de uma nova imagem
para as cidades que se lançam ao mercado, procurando atrair consumidores e investidores.
É o que acontece nas práticas de planejamento e gestão urbana na área central de
Belém nos últimos anos, onde um conjunto de intervenções, voltadas principalmente
para o lazer e o turismo, foram realizadas.
Dentre essas intervenções, pode-se destacar o complexo “Estação das Docas” e
o projeto “Núcleo Histórico-Cultural Feliz Lusitânia”, obras realizadas pelo Governo do
Estado do Pará. A questão central que se coloca, neste caso especificamente, é saber
quais as concepções de gestão e planejamento urbanos que guiaram essas intervenções
e que tipo de imagem da cidade e de prática espacial liga-se a essas concepções, de
maneira a identificar mudanças e permanências nas práticas de intervenção urbana.
3
A cidade de Belém, localizada no estuário amazônico, é banhada pelo rio Guamá e pela baía do Guajará.
4
As informações sobre esse projeto foram sistematizadas a partir das seguintes fontes: Pará (2000a, 2000b, 2001,
2002a) e ESTAÇÃO (2002).
5
As informações sobre este projeto foram sistematizadas a partir de Pará (2002b).
6
Nessa escala, tem-se: 1.o coerção - situação em que não se permite nem mesmo o acesso às aparências,
ocorrendo, no geral, em regimes ditatoriais e totalitários; 2.o manipulação - situações em que a população é induzida a
aceitar determinada intervenção, por meio de propagandas maciças e outros mecanismos. O Estado, para não usar a
força física/bruta, busca outros mecanismos de convencimento, ressaltando-se que, nesse processo, o diálogo não é
estabelecido verdadeiramente; 3.o informação - o Estado disponibiliza as informações sobre as intervenções realizadas,
sendo que, dependendo da cultura política e do grau de transparência das regras do jogo, essas informações serão mais
ou menos completas, menos ou mais ideológicas; 4.o consulta - o Estado não apenas permite o acesso à informação,
como também consulta a população para saber sua opinião e sugestão sobre a intervenção; no entanto, o fato de
consultar não garante que as opiniões e sugestões sejam incorporadas, pois na maioria das vezes são os argumentos
técnicos que têm maior valor; 5.o cooptação - faz alusão à cooptação individual (de líderes populares e de pessoas-chave)
ou de segmentos mais ativos (ativistas), que fazem parte da administração, de canais participativos ou de instâncias de
participação. Assim como na consulta, a população, por meio de indivíduos selecionados e/ou de canais de participação,
é ouvida, ainda que não possua poder deliberativo. O avanço (se é que existe) em relação à informação e à consulta
consiste no fato de que aqui são criadas instâncias permanentes. A cooptação é vantajosa para apenas alguns indivíduos,
porém para a coletividade ela é perniciosa; 6.o parceria – é o primeiro grau de participação autêntica, em que o Estado
e a sociedade civil organizada colaboram, por meio do diálogo e da transparência, para a implantação de determinada
política pública; 7.o delegação de poder - corresponde a um avanço em relação à parceria, pois o Estado abre mão de
algumas de suas “prerrogativas exclusivas”, transferindo-as para a sociedade civil; 8.o autogestão - trata-se de um nível
que vai para além do paradigma capitalista, pressupondo uma sociedade autônoma, o que não impede que ela seja
utilizada de forma residual dentro do modelo capitalista. As principais características da autogestão são: a ausência de
um poder que está acima da sociedade (Estado), a existência de uma sociedade autônoma, a participação de indivíduos
livres e conscientes de seu papel social etc.
Assim,
As vertentes principais das suas ações estratégicas têm sido a verticalização com agregação de
valor em setores vocacionais do Estado como: a mineração e a agroindústria e o
desenvolvimento do turismo (PARÁ, 2002a, p.57).
Interesses sociais, culturais e políticos passam a ser comandados por uma lógica
econômica, de competitividade, empresariamento e privatização. E o centro histórico
torna-se importante nessa nova estratégia relacionada às políticas urbanas e de
desenvolvimento do Estado:
Tem sido claro, para todos que buscam equacionar soluções para melhoria urbana da cidade,
particularmente o chamado Centro Histórico, que surgem ações de reequilíbrio funcional, que
implicam em um plano sincrônico de investimentos governamentais e privados e, no caso,
tomando a preservação do patrimônio já constituído como fundamento (PARÁ, 2002b, p.76).
que a mesma não tenha sido claramente assumida, pois, para o secretário de Cultura,
idealizador dos projetos, suas intervenções não estão comprometidas com nenhuma escola:
Meu trabalho não tem compromisso com nenhuma escola, a minha perspectiva é eclética,
talvez até pela minha história de vida. Assim como faço restauro, faço arquitetura contemporânea,
e até arquitetura regionalista (FERNANDES, 2005, p.3).
A interpretação do desenho e da forma espacial e arquitetônica concebida para
os dois projetos nos levam facilmente a constatar, contudo, a monumentalidade desses
projetos e o caráter eclético na composição da estética urbana proposta, visivelmente
desarticulada de projetos sociais, seja do ponto de vista da habitação social, que não foi
contemplada nas intervenções, seja do ponto de vista do circuito inferior da economia
urbana presente na área central, que, a exemplo da habitação social, não ganha visibilidade
nos documentos e material publicitário que concebem e divulgam os dois projetos.
Segundo Harvey (2000), a pós-modernidade na cidade não pode ser dissociada
da forma de organização que o capitalismo assumiu na atualidade. Para esse autor,
enquanto o fordismo (economia de escala, Estado de bem-estar, universalismo,
padronização, homogeneização e sindicalização) está associado à modernidade, o pós-
fordismo ou modelo de acumulação flexível (produção fracionada, aprendizagem prática,
desregulamentação, flexibilidade, individualização, ecletismo) está associado à pós-
modernidade. Se a modernidade defende um projeto de cidade que se articula com um
projeto de sociedade (dimensão política e social), a pós-modernidade propõe um projeto
estético que não necessariamente está articulado com um projeto social. Na verdade,
para a pós-modernidade o que se deve cultivar é um tecido urbano fragmentado,
identificado pela superposição de formas, pela efemeridade, pelo ecletismo e pela projeção
de imagens urbanas, marcas bastante presentes nos dois projetos em discussão .
Uma forma de se verificar a pós-modernidade urbana, tanto no “Estação das
Docas” como no “Feliz Lusitânia”, é através da superposição de formas espaciais, que
assume uma singularidade especial, já que se trata de uma forma arquitetônica pretérita
que passa a assumir um novo uso/função.
No caso do complexo “Estação das Docas”, a antiga área portuária é
transformada em área de lazer e turismo, passando os elementos de sua funcionalidade
a ganhar um novo sentido: os antigos galpões servem agora de espaços para restaurantes,
bares, lojas, teatro, exposições etc.; os guindastes, que outrora serviam para descarregar
os navios, hoje funcionam como objetos estéticos atrativos; as paredes de ferro, para
muitos tidas como símbolo da modernidade, foram substituídas por paredes de vidro,
símbolo que muito se aproxima da linguagem arquitetônica pós-moderna.
Além disso, destaca-se a climatização artificializada à beira-rio, que prescinde
da brisa da baía para suavizar os dias e noites de calor equatorial belenense; os palcos
móveis que deslizam por trilhos suspensos colocados bem acima da cabeça dos visitantes,
um misto de sofisticação com distanciamento e frieza; as escadas rolantes, que relembram
as bay sides miamizadas de “outros mundos”.
Foram restaurados e revitalizados quatro galpões de ferro pré-fabricados na Inglaterra, no início
do século, que serviram para o armazenamento de carga. A Estação das Docas seguiu o exemplo
do que foi feito em centros como Nova York, São Francisco e Buenos Aires, onde esses portos
foram transformados em pólos turísticos (ESTAÇÃO, 2002, p.8).
O problema é que essas paisagens, na área central, tornam-se cada vez mais
“programadas” e “formatadas”, valorizando o molde espacial e os desenhos urbanos
homogêneos, em detrimento da espontaneidade do cotidiano e da singularidade
dos objetos produzidos. Os espaços são ainda mais seletivos e gentrificados do ponto
de vista do consumo/convívio (CRIEKINGEN, 2006) e da freqüência de seus usuários
(FRÚGOLI JR., 2006), voltados para uma demanda solvente, reforçando o que coloca
Arantes a respeito dessas formas de intervenção, que consideram os apelos culturais
como uma estratégia de controle presente nas novas políticas urbanas:
À medida que a cultura passava a ser o principal negócio da cidade em vias de gentrificação,
ficava cada vez mais evidente para os agentes envolvidos na operação que era ela, a cultura, um
dos mais poderosos meios de controle do urbano no atual momento de reestruturação da
dominação mundial. Mais ou menos nos seguintes termos, como se pode ler num estudo
posterior de Zukin acerca das estratégias culturais de redesenvolvimento urbano, cujo miolo
novamente reside na propagação da imagem de um centro de inovação, qualquer que ela seja,
dos serviços financeiros à segurança máxima dos públicos solventes (ARANTES, 2000, p.33).
Diante dessa questão, pode-se dizer que nas intervenções realizadas pelo Governo
do Estado na área central de Belém existe, de forma clara, uma preocupação com a
filiação estética, expressa por meio de um ecletismo típico do pós-modernismo na cidade,
o que se aproxima das conclusões de Souza (2002) sobre a perspectiva de planejamento
e gestão urbanos estratégicos ou mercadófilos.
O escopo, nas perspectivas de planejamento e gestão urbana, pode assumir
desde um caráter estritamente físico-territorial até aqueles que possuem uma natureza
“social abrangente”, conforme já pontuamos. Para Souza (2002), o modelo físico-territorial
clássico/convencional preocupa-se com o ordenamento espacial, o traçado urbano, a
densidade e a adequação do uso do solo com vistas a uma cidade ideal, a ser alcançada
por meio de planos. Nesse caso, as diretrizes e metas a serem seguidas a fim de se
alcançar aquele objetivo tornam-se fundamentais. Diferentemente, o modelo de
planejamento não estritamente físico-territorial, por seu turno, é aquele que possui uma
dimensão social mais abrangente, sendo a ordem espacial uma dentre outras preocupações.
As intervenções realizadas na área central de Belém fazem parte de um
projeto maior do Governo do Estado do Pará, que é o de pensar as ações estratégicas
do Estado voltadas para a agregação de valor em setores como a mineração, a
agroindústria e o desenvolvimento do turismo. A este, segundo mostra Pará (2002a),
foi reservado um investimento na ordem de 219 milhões de reais direcionados para
realizações físicas e institucionais.
Nos casos analisados, há uma preocupação que não se limita à dimensão física
e paisagística, ainda que estas sejam vistas como alavancas do incremento de outros
setores e como motores de um possível desenvolvimento local, conforme já apontamos
em outro momento:
Essa proposta de resgate da interação cidade-rio, assumida pelo poder estadual, justifica-se, a
despeito da sua seletividade, como elemento de forte e segura forma de atração de investimentos
econômicos para a cidade, a partir da venda de uma imagem que se pretende competitiva,
voltada especialmente para o turismo. A geração de emprego e renda, nestes termos, é uma
decorrência dessas condições (TRINDADE JR.; AMARAL; SANTOS, 2003, p.16).
7
A equipe técnica do projeto “Estação das Docas” foi formada por Paulo Chaves Fernandes e Rosário Lima
(arquitetura), Couceiro e Rubim Arquitetos Associados Ltda. e a arquiteta Conceição Lobato (desenvolvimento), Rosa
Grena Kliass Planejamento e Projetos Ltda. (paisagismo), Gilberto Franco, Nilson Amaral e Paulo Chaves Fernandes
(iluminação) e Luciano Oliveira e Paulo Chaves Fernandes (programação visual).
8
O enfoque reconstrutivista está relacionado à perspectiva autonomista e trabalha com uma dialética entre teoria
e empiria. Ainda que se utilize de balizamentos teóricos e metateóricos para análise da realidade empírica, esse enfoque
procura, acima de tudo, dialogar com a realidade (SOUZA, 2002).
equipe técnica do governo e a sociedade não foi consultada, como bem se constata no
caso do “Estação das Docas”, em que o convencimento sobre a importância e a eficiência
deste foi colocado e divulgado em termos de estética, de imagem e de viabilidade econômica:
Inaugurado em junho de 2000, o projeto já estava no papel sete anos antes, resultado de um
concurso promovido pelo Governo do Estado do Pará que escolheria uma destinação para
aquela área, até então desocupada. O projeto vencedor, assinado pelos arquitetos Paulo
Chaves e Rosário Lima, está aí, belo, e já tornou-se indispensável para o lazer dos paraenses
e dos milhares de turistas que passam pela Estação todos os anos (ESTAÇÃO, 2005, p.16).
O Projeto de Recuperação da Estação das Docas concluiu, através de metodologia padrão
empregada em estudos de viabilidade econômica e financeira de “shopping centers”, que o
Projeto ampliaria as receitas governamentais apenas pela geração direta de impostos e encargos
num montante aproximado de R$ 490.000 mensais, valor que amplamente ressarce o governo
do esforço para a implementação do Projeto, ademais de outros benefícios sociais – do tipo de
geração de 478 empregos diretos e 1.600 indiretos – e econômicos, pela contribuição do
Projeto à dinâmica do turismo na cidade de Belém (PARÁ, 2002b, p.83).
Os antigos galpões do Porto de Belém, que foram construídos pelos ingleses no início do
século XX, foram transformados no maior complexo de lazer e turismo da região amazônica,
formando um belíssimo conjunto de 32.000 m2 de área, que comporta galerias de arte, teatro,
restaurantes, bares, minifábrica de cerveja, lojas, bancos, além de um espaço apropriado para
a realização de feiras e exposições (PARÁ BUSINESS, 2000, p.129).
Ainda que o discurso que busca legitimá-lo realce a preocupação do planejamento
compartilhado como algo que tenha sido colocado como parte das intervenções, no
“Feliz Lusitânia” a tomada de decisão também não se diferencia muito da forma de
elaboração e encaminhamento dada ao “Estação das Docas”. Nos documentos
relacionados às intervenções é possível encontrar elementos que indicam que o projeto
foi uma iniciativa do Governo do Estado, sem a participação da sociedade em fóruns de
participação popular nos processos decisórios, uma vez que o mesmo foi definido via
Secretaria de Cultura e somente depois anunciado ao público em busca de sua adesão,
especialmente em jornais e revistas que divulgam o turismo:
[...] Adotou-se a solução que mantém o objetivo inicial, de abrir o espaço público à visão da
baía, mas que preserva o capítulo da história do forte [...] O resultado agrada logo a quem
chega pela Praça Frei Caetano Brandão, depois de ver o casario recuperado da Rua Padre
Champagnat, novo endereço do Museu do Círio. A visão do Forte do Presépio é encantadora:
o pano de fundo é a imponência da Baía do Guajará, com as ilhas que circundam Belém,
realçadas pelo céu raiado e multicolorido. O clima de romantismo completa-se com a brisa que
percorre o monumento (VER-O-PARÁ, 2003, p.14).
O Forte foi um dos monumentos históricos que ganhou cara nova em outubro do ano passado,
com a inauguração da terceira etapa do projeto Feliz Lusitânia. Uma das novidades após a
reforma é o Museu do Encontro, que recria a história dos índios Tupinambás antes, durante e
após a dominação portuguesa.
A vista é uma verdadeira aula de história. Em exposição, estão desde urnas funerárias marajoaras,
chamadas igaçabas, a objetos trazidos depois da colonização, como louças e moedas. No pátio,
ficam canhões originais do século XIX, que seguiam o modelo americano produzido para a
Guerra de Secessão. Destaque para a bela vista da baía do Guajará, com o Mercado Ver-o-Peso
ao fundo (FOLHA DO TURISMO, 2003, p.28).
9
Em questionário aplicado junto aos usuários da “Estação das Docas”, em agosto de 2002, verificou-se que, das
imagens que melhor representam a cidade de Belém, a Estação das Docas apareceu em quarto lugar, com 11,31%,
perdendo apenas para o complexo do Ver-o-Peso (20,80%), para as igrejas antigas (13,50%) e para o Forte do Castelo
(11,68%). Deve-se ressaltar que a Estação das Docas tem apenas quatro anos, sendo inclusive premiada em salões de arte
e arquitetura, ao passo que as demais imagens possuem mais de cem anos.
10
Entre as principais empresas presentes na “Estação das Docas” destacam-se alguns restaurantes, como “Caponne”,
“Lá em Casa” e “Spazzio Verdi”, e outras empresas com filiais na cidade, a exemplo da “Cairu” (sorveteria) e da “Vale Verde
Turismo” (empresa de turismo).
voltados para um grupo seleto de consumidores, já que é constituído por uma demanda
de mercado associada a uma política de incentivo ao turismo e às classes de médio e
alto status locais.
Trabalha-se, então, com uma forma de gestão e, por conseqüência, definem-se
usos e funcionalidades para a área central, concebidos também como estratégicos, seja
para fins de mercado, seja para fins de apropriação mais segura no sentido da
“revitalização” dos mesmos. Nessa concepção, o estratégico é principalmente o que
está na lógica da projeção econômica, mas não necessariamente na lógica da projeção
social (TRINDADE JR.; AMARAL; SANTOS, 2003).
Essa idéia de que nas intervenções do Governo do Estado existe uma
preocupação com demandas econômicas e, conseqüentemente, com um público-alvo
das classes média e alta e com o turista, é reforçada pela produção de uma “cidade
mercadoria”, um produto de luxo, que deve ser consumido por uma demanda solvável.
Por isso, o “Estação das Docas”, que inicialmente (à época do concurso para escolha do
projeto) tinha sido orçado em 6,2 milhões de reais, dois anos depois, no final do primeiro
contrato, teve seu valor aumentado para 9,3 milhões, e depois para 16,2 milhões, até
ser concluído por um total de 24 milhões (PINTO, 1999). Esta mudança nos valores da
obra, segundo o secretário de cultura, justifica-se pela necessidade de torná-la mais
rica, suntuosa e cheia de detalhes: paredes de vidro fumê, climatização, escada rolante
e elevador, palco móvel etc. (BESSA, 2001).
Além dos custos com a produção da obra, deve-se acrescentar que o Estado,
por meio da Secretaria Executiva da Cultura, arcou também com a transferência dos
armazéns pertencentes à Companhia Docas do Pará (CDP) e passou a arcar com um
repasse mensal à Administração do Complexo, como forma de garantir a manutenção
do projeto, conforme argumentou o Secretário de Cultura:
Além de projetar, licitar, realizar e implantar, a secretaria mantém todas as obras que restaura,
com exceção do Pólo Joalheiro e do Quartel de Óbidos. O segredo não é só fazer, é preservar.
Veja a Estação das Docas, com quase cinco anos de inaugurada, e o Feliz Lusitânia, com dois:
estão como novas, não parecem obras do governo (FERNANDES, 2005, p.2).
fazer passeio de barco às proximidades de Belém11. Tal postura acaba negando uma
demanda social interna destinada ao uso da orla para fins de circulação ribeirinha. O rio
e a orla passam a ser vistos como espaços de lazer e turismo, negligenciando sua dimensão
vivida e as práticas urbanas ribeirinhas inseridas na metrópole. A criação de um terminal
de transporte fluvial como ponto de apoio a essa circulação ribeirinha não se torna
prioridade nas preocupações de intervenção na área central, para onde, é importante
ressaltar, converge a maior parte dos fluxos ribeirinhos do interior do Estado do Pará e de
parte da Amazônia, conforme critica Pinto (1999).
Quando se analisa a intervenção urbana realizada pelo Governo do Estado no
núcleo inicial da cidade de Belém – Núcleo Histórico e Cultural “Feliz Lusitânia” –, fica
ainda mais explícito que a atitude do mesmo em face do mercado é acrítica ou de
aceitação total. Diferente do “Estação das Docas”, em que a acessibilidade do usuário à
área do empreendimento não é limitada pelo pagamento de ingresso, no “Feliz Lusitânia”
o acesso à maior parte dos espaços considerados públicos só é permitido por meio de
aquisição de ingresso12. A idéia de espaço público é suplantada pela de espaço coletivo.
Nesse contexto, questiona-se sobre o papel reservado aos espaços públicos
inseridos nessas estratégias de revitalização. Conforme sugere Berdoulay (1999), o espaço
que tem a qualidade de público é aquele que nos permite tomar consciência da presença
do outro e que se mostra sensível à alteridade, nele se desdobrando a mise-en-scène de
si e dos outros. Na mesma linha, Gomes (2002) considera que a natureza do espaço
público está relacionada ao sentido de co-presença e de coabitação, marcado pela
pluralidade, civilidade e diálogo, resultando de uma relação contratual.
Essa condição, que confere o estatuto de espaço público, parece ser
constantemente negada quando se pensa nos novos espaços centrais revitalizados,
implicando, por conseguinte, um verdadeiro “recuo da cidadania” (GOMES, 2002), haja
vista que a inscrição material no espaço confere, igualmente, ao indivíduo a possibilidade
de ser mais ou menos cidadão (SANTOS, 2002).
Esse recuo tende a ocorrer pelo caráter que as áreas centrais passam a assumir
historicamente, conforme adverte Gomes (2002), devido a novos atributos relacionados
às cidades modernas, a saber: a) apropriação privada dos espaços comuns, muitas vezes
com o aval do poder público; b) progressão de identidades territoriais, construídas com
base no discurso da diferença, que nega a coabitação e a co-presença; c) emuralhamento
da vida social, que nega o acesso de pessoas, selecionando os usuários de determinados
espaços por sua condição socioeconômica; d) crescimento de “ilhas utópicas”, que simulam
uma situação de espaço público, mas que de fato constituem apenas espaços coletivos,
destituídos dos atributos da condição de públicos.
11
O passeio de barco para conhecer Belém e seus arredores através da empresa Valeverde, que atua na Estação
das Docas, custa, por pessoa: Ilha dos Papagaios, com duração de 4 horas, R$ 80,00; Furos e Igarapés, com duração de 3
horas, R$ 70,00; Furos e Igarapés, com almoço e voadeira, com duração de 7 horas, R$ 180,00; Orla Matinal, com duração
de 1 hora e 30 minutos, R$ 25,00; Orla ao Entardecer, com duração de 1 hora e 30 minutos, R$ 25,00.
12
Apesar de não haver a necessidade de pagamento de ingresso para entrar na Estação das Docas, pode-se dizer
que ela é também um espaço gentrificado do ponto de vista do consumo, seletivo e excludente, seja pela sua estética do
espetáculo (luxo e suntuosidade), seja pela falta de identificação com a classe de menor poder aquisitivo, seja ainda pela
ausência de condição econômico-financeira que possibilite o acesso aos benefícios que o empreendimento oferece.
A exemplo do “Estação das Docas”, outro aspecto que denota a abertura para
com o mercado no “Feliz Lusitânia” é a presença de diversos empreendimentos privados
– todos com relativa consolidação no mercado – funcionando nas dependências do
mesmo por meio da concessão de serviços. Dentre os empreendimentos localizados
dentro do “Feliz Lusitânia” pode-se destacar: galeria, butique, casa de recepções, loja
de artesanato, sorveteria, café, bar e restaurante.
Além disso, deve-se ressaltar que essa atitude acrítica em face do mercado também
se manifesta na transformação do cidadão em consumidor, que aceita ser chamado de
usuário e deposita toda sua expectativa nos objetos de consumo, seja pela sua presença
imediata ou pela esperança ou promessa de poder obtê-la. Os objetos, para atraírem
consumidores, precisam estar na ordem do dia – de preferência internacional –, pressupondo
uniformização/homogeneização.
Sobre o referencial político-filosófico da gestão e planejamento urbano, Souza
(2002) os classifica desde o ultraconservadorismo capitalista, em sua versão neoliberal,
até a sua superação, passando por visões de centro-esquerda, pela social-democracia e
por aquilo que o autor convencionou chamar de liberalismo de esquerda.
A partir da apreciação tanto do “Estação das Docas” quanto do “Feliz Lusitânia”,
pode-se dizer que há uma inspiração de caráter neoliberal subjacente às propostas de
intervenção urbana, pois a cidade é produzida em um contexto de competitividade
urbana (“guerra dos lugares”), pela atração de investimentos e de turistas, em que a
projeção da cidade através do marketing urbano (cidade veiculada nos meios de
comunicação), os investimentos em espaços espetaculares, fragmentados e gentrificados
(espaços seletivos) e a apropriação de espaços públicos pela iniciativa privada (o Estado
produz e mantém espaços sobre o controle da iniciativa privada já consolidada no mercado
local) tornam-se elementos visíveis.
De maneira resumida pode-se afirmar que essa forma espacial da cidade é
produzida de maneira padronizada e sofisticada, de modo a fazer com que a mesma
seja inserida em uma ótica de mercado, cujos investimentos servem para transformá-la
numa mercadoria vedete, consumida por um grupo seleto (demanda solvente). Como
conseqüência, o uso principal da cidade é privado, seletivo e excludente, pois beneficia
um pequeno grupo social (turistas e classes média e alta) em detrimento da maioria da
população que vive a cidade no seu cotidiano. Por fim, a demanda social da mesma é
marcada pelo empreendedorismo, pela competitividade, pela demanda de mercado,
pelo controle privado e pelas ações economicamente estratégicas (TRINDADE JR.;
AMARAL; SANTOS, 2003).
Nesse aspecto pode-se dizer que a perspectiva de gestão e planejamento de
cidades adotada para o “Estação das Docas” e para o “Feliz Lusitânia” aproxima-se
bastante do modelo de gestão estratégica de cidades, que tem seu referencial político-
filosófico assentado no neoliberalismo, difundido mundialmente a partir dos anos 1980
e que busca tratar a cidade como mercadoria e como empresa, mesclado com fortes
elementos ainda do planejamento convencional que marcaram as práticas urbanas
no passado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base no quadro a seguir é possível afirmar que o modelo de gestão urbana
subjacente à proposta de intervenção do “Estação das Docas” e do “Feliz Lusitânia”
tem uma orientação precisamente afinada com a gestão estratégica de cidades, dado
que a maioria dos elementos desse modelo de gestão mostra-se presente nos projetos
de intervenção urbana analisados. Por outro lado, pode-se observar que alguns elementos
caracterizadores do modelo tecnocrático de gestão – ausência de interdisciplinaridade,
presença de um modelo apriorístico, acentuado grau de pseudoparticipação etc. –
continuam a existir de forma residual.
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RESUMO ABSTRACT
O objetivo geral do projeto de extensão The “Barra Neighborhood Historical and
universitária “Programa de Revitalização Cultural Revitalization Program” was
Histórico-Cultural do Bairro da Barra”, developed by “Tourism and Hostelry” and
desenvolvido pelos Cursos de Turismo e “Architecture and Urban Design” students at
Hotelaria e Arquitetura e Urbanismo da Universidade do Vale do Itajaí (Vale do Itajaí
Universidade do Vale do Itajaí, 1 propôs a University) in the State of Santa Catarina, with
revalorização histórico-cultural do Bairro da the aim of making local population aware of
Barra, em Balneário Camboriú, Santa their historical-cultural context and valorizing
Catarina, talvez lócus único no município this interesting neighborhood urban
que oferece traços significativos de sua environemnt, located in Balneário Camboriú,
origem e uma condição urbana que ainda Santa Catarina. In that municipality, Barra
nos reporta a uma trama tradicional. Os neighborhood is a unique place for it shows
caminhos buscados para essa revitalização significant signs of its origin and tradition.
foram: a melhora da qualidade ambiental The path taken for this job was the following:
urbana, a conscientização da população 1) establishing guidelines to improve the
para os caracteres identitários do lugar e a urban environmental quality; 2) making the
inserção daquele território no contexto population aware of the unique character of
turístico do município. Por meio de um the place; and 3) inserting that territory in
diagnóstico (que incluiu desde entrevistas the Balneário Camboriú tourism economic
com a população até um levantamento context. The studies made by Universidade
minucioso das estruturas físicas e ambientais do Vale do Itajaí students sought to prove the
do bairro) e da análise do status quo do bairro hypothesis that urban design can be the best
traçaram-se diretrizes para a melhoria da tool for revitalization. Therefore, urban
qualidade da paisagem urbana e da landscape quality improvement guidelines
reconstituição dos espaços e elementos were drawn through diagnosis (which
identitários significativos. O caminho da included interviews with the population and
pesquisa foi mostrado por teóricos a meticulous analysis of the neighborhood
contemporâneos que revelaram o papel do physical and environmental structures) and
lugar frente às teorias da urbanização study of the neighborhood status quo. These
*Arquiteto e Urbanista, doutor em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade de São Paulo (USP).
Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). [email protected]
**Arquiteto e Urbanista, mestre em Estruturas Ambientais Urbanas pela FAU-USP. Professor do Curso de Arquitetura
e Urbanismo da UNIVALI. [email protected]
1
Além dos autores, participaram do Programa de Extensão os professores: Dra. Maria Isabel Kanan, Dra. Josildete P.
de Oliveira e Ms. Mirian T. Pinheiro.
Artigo recebido para publicação em dezembro/2006. Aceito para publicação em abril/2007.
modernista. Kelvin Linch, Aldo Rossi e guidelines also included rebuilding relevant
Nolbert-Schulz, entre outros, sedimentaram spaces and their significant urban elements
os conceitos que permitiram que as leituras located on the Camboriú river banks where
do território extrapolassem o contexto we can find the Fisherman Square. It also
funcional e dirigiram as propostas “pós- addressed revitalization of the historical hill
modernas” de requalificação espacial para where Nossa Senhora do Bom Sucesso chapel
dentro de parâmetros que incorporam o was built in 1840. This research followed the
sensível e a memória como fatores theoretical path used by contemporar y
preponderantes. Desse modo, o Programa de scholars such as Kelvin Linch, Aldo Rossi and
Revitalização Histórico-Cultural do Bairro da Nolbert-Schulz who drove the “post-modern”
Barra ancorou-se nessas perspectivas urban proposals within parameters that
teóricas para suas proposições. incorporate sensitiviness and histor y as
Palavras-chave: urbanização turística; preponderant factors.
requalificação urbana. Key words: tourism urbanization; urban
re-qualification.
INTRODUÇÃO
A proposta de se operar um “programa de revitalização histórico-cultural” no
Bairro da Barra, em Balneário Camboriú, Santa Catarina, parte do desejo de se constituir
uma reserva cultural em um município onde o processo de urbanização caminhou em
função do mercado turístico, dando via a uma intensa e exagerada ocupação da planície
costeira por uma elite econômica e exógena, penalizando a população nativa e privando-a
de seus espaços, paisagens, tradições e qualidade de vida.
Desse modo, a elaboração de um diagnóstico que validasse o reconhecimento
do Bairro da Barra como um receptáculo de fortes características históricas e culturais,
bem como aproximar-se daquela população e conscientizá-la do valor de seu patrimônio
cultural e ambiental e da importância de preservá-lo afastado do modelo de “urbanização
turística” implementado na orla central da cidade de Balneário Camboriú, foram os
motivadores deste trabalho.
Além disso, numa outra esfera operada por profissionais da área de Turismo e
Hotelaria, o programa buscou também dar subsídios à população para sua inserção no
mercado turístico e mostrar as possibilidades de conciliar a preservação histórico-cultural
com o turismo.
O objetivo geral do trabalho foi realizar um diagnóstico do bairro que nos trouxesse
elementos para a revitalização do sítio histórico-cultural do Bairro da Barra a partir de
propostas de requalificação urbana, da conscientização da população a respeito de seu
patrimônio histórico e cultural e do incentivo ao desenvolvimento do turismo. Assim, a
análise deste diagnóstico nos levou à criação de parâmetros técnicos tais como índices de
urbanização, ocupação de espaços livres, diretrizes de desenho urbano e regularização
viária e sugestões legislativas que futuramente possam se estabelecer.
Desse modo, pode-se inferir como objetivos específicos consolidados pela
pesquisa: 1) o resgate do material documental iconográfico do bairro; 2) a promoção de
conscientização sobre a importância da revitalização cultural e histórica do bairro por
meio de palestras e mostras do material elaborado pela equipe de pesquisa; 3) o
reconhecimento e valorização das paisagens significativas e suas relações com o tecido
urbano; 4) a elaboração de um diagnóstico completo da estrutura física, social e urbanística
do bairro; 5) a elaboração de diretrizes de requalificação urbanística por meio das análises
e discussões do grupo de pesquisa com a comunidade; 6) a divulgação do Bairro da Barra
como destino turístico-cultural.
O presente texto, que apresenta os caminhos do projeto e sua pesquisa,
divide-se em duas seções. A primeira procura dar ciência do contexto geográfico e social
da área de estudo, e a segunda busca ilustrar as bases teóricas que orientaram o trabalho.
A seguir, ainda nesta introdução, apresentamos um resumo da metodologia utilizada.
O percurso metodológico trilhado durante os dois anos de pesquisa (2005 e
2006) abordou procedimentos que procuraram amparar o referencial teórico e passaram
por diferentes etapas, a iniciar pelo extenso levantamento bibliográfico e iconográfico
nos acervos locais disponíveis.
que resguardou o bairro como uma “reserva de terras”, uma alternativa de expansão do
mercado imobiliário que somente agora começa a mostrar sua face, dados os recentes
condomínios fechados que começam a ser implementados na parte oeste do bairro.
Nesse contexto também se observa a falta de valorização do patrimônio histórico-
cultural, que contribui para o descaso e para o processo de depredação ou abandono do
patrimônio tangível, bem como para o esquecimento do patrimônio intangível. Esse
quadro é preocupante, no momento em que tal processo está sendo ampliado pelo
problema econômico local, já que o patrimônio cultural não é utilizado como atrativo
turístico. Não reconhecer a importância da história, tampouco do patrimônio histórico-
cultural, retrata, antes de tudo, uma educação que foi falha ao trabalhar a categoria
pedagógica da conscientização.
Quanto aos espaços públicos do Bairro da Barra, é importante notar que estes
são os “suportes” e “anteparos” para a visibilidade das arquiteturas ditas “tradicionais”
e para o convívio com os grupos locais. Aqui, portanto, adquirem relevância porque
expõem conflitos de usos historicamente consolidados com usos atualmente almejados
(operados efetivamente na lógica da “diversão” turística).
Vale lembrar também que a estrutura viária do Bairro da Barra apresenta áreas
de servidão junto às margens do estuário, entre as residências dos pescadores e garagens
de barcos. Essas servidões fazem parte de uma trama tradicional que merece ser
preservada e que tem potencial para implementação e consolidação de espaços públicos
que garantam o acesso às margens, numa paisagem única.
Com isso, analisar o patrimônio paisagístico e arquitetônico do Bairro da Barra,
relacionando-o com o quadro edificado contemporâneo, poderá colaborar na elaboração
de diretrizes de desenho de espaços públicos, feitos com ênfase para os usos dos cidadãos
locais conjuntamente com os usos turísticos.
O Bairro da Barra conta com uma população de aproximadamente 2.600
habitantes, que se dedicam, na sua maioria, à pesca. Outras atividades importantes são
o comércio e a extração de pedras, atividade que vem perdendo sua importância devido
aos impactos ambientais e reforço da fiscalização do município. O perfil socioeconômico
dessa população é de média e baixa rendas. Com a implantação de novos condomínios
fechados no bairro, esse perfil tende a se alterar. Como este texto foca seu objetivo na
questão da morfologia urbana, esta deve se relacionar com a qualidade ambiental, que
se reflete nas possibilidades de desenvolvimento do turismo e, portanto, no
desenvolvimento socioeconômico do bairro. Com esta preocupação surge a análise das
estruturas espaciais existentes e sua reformulação.
Como um primeiro ponto de análise, cuidou-se de verificar os aspectos
gerais da paisagem e da morfologia urbana do bairro. Em fotografia de 1930 (figura 7),
observa-se a característica ainda rural da área. Nota-se a grande área de vegetação em
proporção às casas em pequenas propriedades rurais (coberturas de duas águas e telhas
cerâmicas, um pavimento, residenciais) disseminadas pela área. Observa-se, também,
quando se analisam as fotografias das duas décadas seguintes, que a homogeneidade
construtiva permanece.
Além disso, é necessário frisar que o rio Camboriú sempre teve uma forte relação
com as atividades da região, sendo o elemento principal da constituição da morfologia
urbana e da tipologia arquitetônica da área estudada no Bairro da Barra. O uso da
margem do rio é caracterizado pela pesca. Os grandes lotes ocupados pelas residências
dos pescadores também são usados para as atividades relacionadas à pesca: guarda de
barco, rancho de pesca, depósito de redes e equipamentos, terreiro de confecção/reparo
de redes etc.
Em áreas adjacentes observa-se a implantação irregular no lote das casas
tradicionais, que colabora para a formação de pequenos páteos, usados para a construção
de embarcações. As alterações nesta paisagem começaram a ser notadas a partir de
1980 (figuras 8 e 9) e foram intensificadas após a abertura da Rodovia Interpraias, uma
década depois. O desenvolvimento do sistema viário do Bairro da Barra contribuiu para
a configuração (preservação ou transformação) de diferentes setores que, em maior ou
menor escala, apresentam certa homogeneidade tipológica.
A análise de uso do solo do Bairro da Barra foi elaborada pelos autores deste
artigo. Pela análise do mapa do ano de 1887 (figura 18), percebe-se que a freqüência de
comércio se dá ao longo do trajeto da principal via de acesso ao bairro naquela época.
Mas toda genialidade de um arquiteto ou um designer não poderá dar significado a uma
forma (nem dar forma a uma nova função) se não se apoiar em processos de codificação
existentes [...] a forma denota a função só com base num sistema de expectativas e hábitos
adquiridos, e, portanto, com um código (ECO, 1986, p.200).
Com a leitura social do lugar, surgem o valor da memória e cultura locais,
a recomposição do tecido urbano, restauração, revitalização, reciclagem dos centros
urbanos etc., como dados de intervenção. Enquanto espaço de significação, esses
projetos envolvem e (re)conhecem outras disciplinas e sintaxes, até então não
incorporadas (oficialmente) pela espacialidade dita modernista.
Nesse processo todo, as práticas de estetização simbólica do lugar podem se
transformar numa instrumentalidade em favor de alguns governos para gerenciar conflitos
sociais: assim, procura-se compensar as diferenças materiais entre os diferentes grupos
socioeconômicos através do patrocínio da característica cultural, que os identifica e
representa na sociedade como um todo.
[...] a competição interlocal não é apenas pela atração da produção, mas também pela
atração de consumidores, através da criação de um centro cultural, uma paisagem urbana ou
regional agradável ou outro artifício (HARVEY, cf. SANTOS, 1996, p.198).
Daí o surgimento de modalidades espaciais reconhecidas no mundo inteiro
pelo valor simbólico, tais como shopping-centers, centros de convenções, parques
temáticos, centros culturais e museus. Incluem-se, neste programa, a “vida” cultural, a
“boa” arquitetura, centros históricos preservados e com qualidade de segurança,
transportes coletivos e alternativos. De outra maneira, a qualificação desta natureza
também pode ser apropriada pelo mercado, principalmente pelo mercado imobiliário.
Aí, a “contenção”, “preservação”, “revitalização” dos assentamentos existentes passam
a estar em conformidade com a própria lógica desse mercado de especulação. Nesse
sentido, para o nosso objeto de estudo, o Bairro da Barra pode ser alvo de uma
“estetização” dos pescadores com seus hábitos e arquiteturas característicos, atendendo,
em primeiro plano, à “diversão” do turista em “admirar” a “cultura local” e, como
contrapartida, gerando o dinheiro para o grupo “admirado”.
REFERÊNCIAS
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n. 58, p. 83-85, fev./mar. 1995.
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gestão urbanos. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 2002.
VENTURI, Robert. Complexidade e contradição em arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
PONTO DE VISTA
INSTITUCIONALIZAÇÃO DE REGIÕES
METROPOLITANAS: qual o sentido?
Rosa Moura*
Diócles Libardi*
Maria Isabel Barion*
1
Segundo a Lei Complementar 14/73: I - planejamento integrado do desenvolvimento econômico e social;
II - saneamento básico, notadamente abastecimento de água e rede de esgotos e serviços de limpeza pública; III - uso do
solo metropolitano; IV - transportes e sistema viário; V - produção e distribuição do gás combustível canalizado;
VI - aproveitamento dos recursos hídricos e controle da poluição ambiental, na forma do que dispuser a lei federal;
VII - outros serviços incluídos na área de competência do Conselho Deliberativo por lei federal.
2
As leis estaduais que vêm instituindo tais unidades mantêm em seu escopo orientações mínimas para
organização do sistema de gestão e, em alguns casos, além da área metropolitana, identifica áreas de expansão – nas
legislações do Estado de Santa Catarina, denominadas “área de expansão metropolitana”; nas do Estado de Minas
Gerais, “colar metropolitano”; na de Goiás, “região de desenvolvimento integrado”.
3
As RIDES estão previstas nos artigos 21, inciso IX, 43 e 48, inciso IV da Constituição Federal. Sua institucionalização
compete à União por envolver municípios de mais de uma unidade federativa.
Aglomeração urbana: corresponde a uma mancha contínua de ocupação constituída por mais
de uma unidade municipal, envolvendo intensos fluxos intermunicipais com comutação diária,
complementaridade funcional, agregadas por integração socioeconômica decorrente de
especialização, complementação e/ou suplementação funcional. Pode ser derivada de
periferização de um centro principal por sobre municípios vizinhos; da conurbação entre
núcleos de tamanho equivalente ou não, mesmo sem periferia, polarizada por estes centros
urbanos; da incorporação de municípios próximos, independentemente de continuidade de
mancha, desde que mantenham relações intensas (IPARDES, 2000); ou ainda resultante do
“sítio geográfico (cidades geminadas)” (DAVIDOVICH; LIMA , 1975). Pode ter caráter
metropolitano ou não-metropolitano.
Metrópole: “Organismo urbano onde existe uma complexidade de funções capazes de atender
a todas as formas de necessidade da população urbana nacional ou regional” (SANTOS, 1965,
p.44). Corresponde à cidade principal de uma região, aos nós de comando e coordenação de
uma rede urbana que não só se destacam pelo tamanho populacional e econômico, como
também pelo desempenho de funções complexas e diversificadas (multifuncionalidade), e
que estabelecem relações econômicas com várias outras aglomerações. Concretiza-se por
uma extensão e uma densificação das grandes cidades (ASCHER, 1995). É considerada o lugar
“privilegiado e objeto de operação do denominado processo de globalização, ou seja, dos
mercados globais” (SOUZA, 1999), funcionando e evoluindo segundo parâmetros globais,
mas guardando especificidades “que se devem à história do país onde se encontram e à sua
própria história local” (SANTOS, 1990, p.9). As metrópoles diferenciam-se pela variedade de
bens e serviços que oferecem e pelo mercado de trabalho diversificado (VELTZ, 1996).
Pode-se incorporar à noção de metrópole características atribuídas às cidades globais, como os
lugares centrais, onde se efetivam ações de mercados e outras operações globalmente
integradas, ao concentrarem perícia e conhecimento, serviços avançados e telecomunicações
necessárias à implementação e ao gerenciamento das operações econômicas globais, bem
como ao acolhimento de matrizes e escritórios de empresas, sobretudo das transnacionais
(SASSEN, 1998), bancos e agências de serviços avançados de gerenciamento e de consultoria
legal, e de profissionais qualificados (COHEN, 1981, p.300), e por serem irradiadoras do
progresso tecnológico, como meios de inovações (SASSEN, 1998).
4
Esse estudo foi desenvolvido em rede nacional, decorrente de convênio entre o IPEA/UNICAMP/IBGE, com
participação de instituições regionais, dentre as quais o IPARDES, na coordenação das análises da Região Sul.
5
Estudos mais detalhados sobre as aglomerações paranaenses são encontrados em IPARDES (2005), Deschamps
(2004), Delgado, Deschamps e Moura (2004), referentes à Região Metropolitana de Curitiba; e Moura e Werneck (2000),
sobre a ocupação contínua litorânea.
Como o estudo aponta que os níveis de médio a muito alto são os que
efetivamente se integram à dinâmica da aglomeração, no caso da RM de Curitiba o
aglomerado metropolitano se configura por 14 entre os 26 municípios que compõem a
unidade formal. Entre esses 14, além do pólo, apenas sete municípios combinam taxas
de crescimento populacional elevada, alta densidade populacional, fluxos e proporções
de deslocamentos pendulares elevados, as menores proporções de ocupação em
atividades agrícolas e as maiores participações na renda regional, além da localização
de atividade estratégica do ponto de vista metropolitano, como o caso da presença de
aeroporto internacional. Os demais, alguns são tipicamente cidades-dormitórios, outros
já apontam tendências de incorporação em curto prazo a essa dinâmica, e outros ainda
apresentam características tipicamente rurais.
6
Além da imprecisão na aplicação de conceitos e assincronismo entre os limites estabelecidos nas leis e o
espaço configurado efetivamente pelas aglomerações, há um movimento contínuo de inserção de municípios nas
unidades já criadas, muitas vezes derivado mais da diversificação de interesses políticos que das transformações
inerentes à própria dinâmica regional, além das sucessivas emancipações, fazendo com que os perímetros regionais
estejam em constante mutação.
136
Olinda Itaguajé
Diamante
Santo Paranapoema Santa
do Norte Antônio Inês Lupionópolis
Marilena Itaúna do Caiuá Inajá Santo Porecatu
do Sul Terra Rica Inácio
São Pedro Centenário Alvorada
Nova do Sul
Porto do Paraná São João do Sul
Rico Londrina Cafeara Primeiro
do Caiuá Paranacity Color ado Florestópolis de Maio
Nossa Senhora
Guair açá das Graças
Loanda Miraselva Sertaneja
Paranavaí Guaraci Bela Vista Itambaracá
Cruzeiro do Sul Lobato
Prado Leópolis Andirá Cambar á
Ponto de Vista
do Paraíso Sertanópolis
Querência Santa Ferr eir a
do Norte Cr uz de Santa Fé Jaguapitã Rancho Santa
Uniflor
Monte Flórida Alegr e Mariana Barra do Jacaré
Amapor ã Munhoz
Castelo Santa Santa Planaltina Atalaia Cambé
Isabel Nova Aliança Alto Paraná de Mello
Bandeirantes Jacarezinho
do Ivaí Mônica do Paraná do Ivaí Tamboara Ângulo
Pitangueiras Ibiporã Uraí Cor nélio
Nova Esperança Iguaraçu Ribeirão
Mirador Paraíso Presidente Rolândia Jataizinho Procópio Santa Amélia ESTADO DO PARANÁ
do Norte Castelo Astorga Nova Santo Antônio Clar o
São Carlos Branco Mandaguaçu América da Platina
Ivaté Douradina Tapira Guaporema do Ivaí Floraí Abatiá
São Manoel Sabáudia da Colina
Cidade do Paraná Maringá Assaí
Icaraíma Nova Ribeir ão
Nova Gaúcha Japurá São Jor ge Arapongas São Sebastião Fátima do Pinhal Guapirama MUNICÍPIOS SEGUNDO NÍVEL
Olímpia Ourizona da Amoreira Joaquim Carlópolis
Indianópolis do Ivaí Paiçandu Mandaguari Jundiaí
Rondon Sarandi Londrina Távora DE INTEGRAÇÃO NA
Santa Cecília Santo Antônio do Sul
São Tomé Doutor
Alto Paraíso Maria Helena do Pavão do Paraíso DINÂMICA DA AGLOMERAÇÃO
Camargo Floresta
Marialva Apucarana ConselheiroQuatiguá
Jussara Ivatuba Jandaia Nova Santa Congonhinhas
Bár bara Mairinck Salto do
Umuarama do Sul RMs DE CURITIBA,LONDRINA e MARINGÁ
Cambira Califórnia SiqueiraItararé
Esperança Tapejara Terra Boa Itambé Bom Sucesso Campos
Cianorte São Jerônimo Jaboti Santana
São Jorge Nova Xambr ê Cruzeiro Engenheiro Marumbi Novo
do Oeste Itacolomi Marilândia da Serra Tomazina do Itararé
do Patrocínio Beltrão Ibaiti Japira Nível de integração (RM institucionalizada)
Quinta Rio Bom do Sul Tamar ana
do Sol São Pedro Kalor é Wenceslau Pólo
Pérola
Tuneiras do Oeste Sapopema Figueira Braz
Cafezal Fênix do Ivaí Mauá da Serr a São José Muito Alto
Altônia Per obal da Boa Vista
do Sul Peabiru Bor razópolis Pinhalão Alto
São João
Araruna Faxinal Médio
Barbosa do Ivaí Curiúva
Mariluz Moreira Sales Ferr az Lunardelli Cruzmaltina Baixo
Francisco Iporã Alto
Campo Mourão Cor umbataí Lidianópolis Arapoti
Alves Piquiri Ventania
muito Baixo
Janiópolis Farol do Sul
Godoy Grandes Ortigueira Não inserido em RM
Brasilândia Jardim Alegr e
Goioerê Moreira Rios
Guaíra Terra Roxa do Sul Boa Telêmaco Borba Aglomeração Urbana ou Metropolitana
Formosa do Quarto Rancho Esperança Ivaiporã Rosário
Palotina Oeste Centenário Alegre do Ivaí
(segundo IPEA, 2002)
d'Oeste Iretama Rio Branco Sengés
Mamborê Ar apuã Arir anha do Ivaí Jaguariaíva
Jesuítas Luiziana do Ivaí
Nova Maripá Jur anda Imbaú
Santa Assis Iracema Nova Tebas Piraí do Sul
Mercedes Chateaubriand do Oeste
Rosa Manoel Ribas
Nova Ubiratã
Marechal Aurora Roncador
Cândido Quatro Reserva
Campina
Pato Rondon Pontes da Lagoa Cândido de Abr eu Tibagi
Br agado Anahy Doutor Ulysses
Toledo Tupãssi Cafelândia Nova Cantú Pitanga
Mato Rico
Entre Rios Iguatu
do Oeste
Cor bélia Adrianópolis
São Ouro Verde
José das Br aganey Altamira Castro
do Oeste
Palmeiras do Paraná
Palmital Santa Maria Car ambeí
Laranjal Boa Ventura Cerro Azul
Diamante Campo do Oeste de São Roque
d'Oeste São Pedro Santa
do Iguaçu Bonito Tunas do Paraná
Santa Helena Tereza Diamante Ivaí
Ipiranga
Vera Cruz do Oeste do Sul Turvo
do Oeste Cascavel
Marquinho Campina
Itaperuçu Rio Branco
Missal Ramilândia Goioxim
do Simão do Sul Bocaiúva
Ibema Guaraniaçu Ponta Grossa
Guamiranga Imbituva do Sul
Itaipulândia Campo Guaraqueçaba
Catanduvas Nova Laranj eiras Magro Campina Grande
Medianeira Prudentópolis Teixeira Almirante
Céu Azul Lindoeste Cantagalo do Sul
Espigão Soar es TamandaréColombo
Alto do Campo Largo Antonina
Matelândia Laranjeiras G uarapuava
São Miguel Iguaçu Quatro Barras
Santa Boa do Sul Virmond
do Iguaçu Vista da Três Quedas Pinhais
Santa
Lúcia Aparecida
Barras do Palmeira
Capitão do Iguaçú Irati Curitiba Piraquara
Terezinha Leônidas Mar ques Paraná Fernandes Porto
Serranópolis Candói Balsa Nova
de Itaipu Rio Bonito Pinheiro Amazonas Morretes
do Iguaçu
Nova Pr ata do Iguaçu Porto Paranaguá
Foz do Iguaçu Cruzeiro Bar reiro Araucária São José
do Iguaçu Boa do Iguaçu São Jorge
São João dos Pinhais Pontal do
Capanema Esperança Inácio Martins Rebouças
d'Oeste Foz do do Triunfo Fazenda Paraná
Realeza do Iguaçu
Sulina Saudade Jordão Rio Grande
do Iguaçu Rio Azul
Planalto Santa Salto Dois Contenda
Izabel do Lontra Vizinhos Lapa
Chopinzinho Pinhão Matinhos
do Oeste São João Reserva
Pér ola Mandir ituba Guaratuba
Enéas do Iguaçu Quitandinha
d´ OesteBela Vista Verê Mallet
da Caroba Nova São Mateus do Sul Tijucas
Ampére EsperançaMarques Cr uz Machado Antônio do Sul
do Sudoeste Itapejara Olinto Campo do
Pranchita d´ Oeste Coronel Vivida Mangueirinha Agudos
Pinhal de Bom Tenente
São Bento Francisco Beltrão Paulo Frontin do Sul
Santo Antônio Sucesso
Manfrinópolis do Sul União da Rio Negr o
do Sudoeste Piên
Salgado Vitória
Bom JesusFilho Honór io Serpa Cor onel
Domingos Bituruna Paula Freitas
do Sul Renascença Pato Branco Porto
Flôr da Serr a Soares Vitória
Bar racão do Sul Marmeleiro
Vitorino
Mariópolis
Clevelândia
Palmas General
Carneiro
Tanto em relação à sistemática de gestão das RMs instituídas nos anos 1970,
quanto das constituídas pelos estados após 1988, permanecem entraves para a consolidação
de modelos operacionais capazes de responder às necessidades da gestão compartilhada,
conforme MOURA et al. (2004):
i) a organização da gestão apoiada nos conselhos consultivos e deliberativos,
das leis anteriores, não se mostrou operacional. Mesmo assim, muitas
das novas legislações incorporaram disposições quanto a modelos similares.
A estruturação de órgãos técnicos para planejamento e gestão
metropolitana também encontrou limitações, tanto que, entre as primeiras
RMs instituídas, poucas mantiveram esses órgãos em funcionamento,
mesmo assim precariamente;
ii) as unidades regionais não se ancoram em um arcabouço institucional
que efetivamente estruture sua complexa dinâmica. Reconhecidamente,
são espaços de expressão econômica e social, porém não de direito, pois
não circunscrevem territórios aptos a normatizar, decidir ou exercer o poder,
situando-se num hiato entre a autonomia do município – reforçada na
Constituição de 1988 – e a competência da União quanto à gestão para
o desenvolvimento;
iii) a simples instituição de unidades regionais cria apenas um recorte, uma
embalagem, que nem sempre reflete uma configuração espacial.
Tampouco induz ao estreitamento de relações entre segmentos que
consolidam uma dimensão política com efetivo poder regional – possível
apenas se legitimamente articulada entre as forças que produzem o espaço,
corporificando uma unidade de gestão (MOURA, 2002);
iv) a realização de pactos social e territorial esbarra na fragilidade do complexo
ambiente jurídico-institucional das regiões, sob pressão de hegemonias e
poder político e de disputas político-partidárias, que prejudicam a tomada
de decisões de âmbito regional. Conflitos são parte da realidade, ocorrem
e devem ocorrer em qualquer circunstância. Daí, a presença do Estado é
fundamental, para extrair dos conflitos soluções e alternativas para ações
que melhorem o coletivo;
v) a dispersão de agências e estruturas setoriais responsáveis pelo
planejamento e execução das funções públicas de interesse comum,
a fragmentação governamental e a superposição de leis e decretos
têm dificultado, senão inviabilizado, a eficácia do planejamento e
gestão metropolitanos;
vi) a descentralização em curso, especialmente no que se refere às políticas
de cunho social, não considera o âmbito regional inerente a elas, reforçando
a visão estritamente local. Ademais, as soluções adotadas isoladamente
por municípios são muitas vezes impróprias às exigências extramunicipais;
7
Consórcio intermunicipal representativo de um processo de integração regional, em funcionamento desde o início
da década de 1990. Congrega sete governos municipais, além de entidades públicas e privadas da região. Associa-se a uma
Agência de Desenvolvimento Econômico e, a despeito dos conflitos e embates, vem apresentando resultados satisfatórios
no que concerne a ações cooperadas entre os municípios, o Estado e a sociedade civil.
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Notas de Pesquisa
OS VÁRIOS PARANÁS:
diversidade, desigualdade e inserção
diferenciada na divisão social do trabalho*
Rosa Moura**
Diócles Libardi**
Sandra Terezinha da Silva**
Maria Isabel Barion**
*Esta pesquisa contou com a coordenação técnico-metodológica de Carlos Antônio Brandão, da Universidade
Estadual de Campinas (UNICAMP).
Além dos autores desta nota, participaram dessa pesquisa os técnicos do IPARDES: Nelson Ari Cardoso, Fernando
Raphael Ferro de Lima e o acadêmico de economia Ricardo Kingo Ingo.
**Pesquisadores do Núcleo de Estudos Regionais e Urbanos do IPARDES.