EmbarcaMarajo WEB Reduz-1
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EmbarcaMarajo WEB Reduz-1
fortalecimento institucional
e desenvolvimento sustentável
ORGANIZADORES:
Katiuscia Miranda
Manoel Potiguar
Maura Moraes
Rosevany Mendonça
Ruth Corrêa da Silva
Estratégias locais de inovação,
fortalecimento institucional
e desenvolvimento sustentável
Organizadores:
Katiuscia Miranda, Manoel Potiguar, Maura Moraes,
Rosevany Mendonça, Ruth Corrêa da Silva
CDD 338.488115
Projeto Gráfico
Luciano Silva
www.rl2design.com.br
Agosto 2017
Estratégias locais de inovação,
fortalecimento institucional
e desenvolvimento sustentável
INSTITUTO PEABIRU
Com dezesseis anos de atuação e sede em Belém do Pará, o Instituto Peabiru é uma Organização
da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) dedicada à Amazônia Oriental – Pará, Amapá e
Maranhão. O instituto trabalha para que comunidades e organizações da sociedade civil local al-
cancem maior capacidade de agir, reclamar os seus direitos e exercitar sua plena cidadania.
PARCERIA
Em novembro de 2014 foi assinado um acordo de cooperação financeira entre o FSA, o IEB, o
Instituto Peabiru e o Instituto Vitória Régia com o propósito de viabilizar a realização do projeto
“Fortalecimento Institucional para o Desenvolvimento Sustentável no Marajó”, também conheci-
do como projeto Embarca Marajó.
SOBRE
OS AUTORES E ORGANIZADORES
Carlos Augusto Ramos - Engenheiro florestal pela Faculdade de Ciências Agrárias do Pará,
Brasil (atual Universidade Federal Rural da Amazônia). Consultor socioambiental independente
e da Comissão Pastoral da Terra e da regional da Fetagri no Marajó.
Dorinha Raiol - Jornalista pela Universidade Federal do Pará (UFPA), especialista em Gestão
Sustentável de Municípios pela Universidade Federal do Pará/Núcleo de Meio Ambiente, em Co-
municação e Política nos Órgãos Públicos pela Universidade da Amazônia (Unama) e em Teoria
Literária (UFPA). É editora do Jornal ‘Voz de Nazaré’ (Fundação Nazaré de Comunicação), em
Belém, Pará.
João Daltro Paiva - Filósofo pela Faculdade Pan Americana (FPA), com formação superior em
Gestão de Órgãos Públicos pela Universidade da Amazônia (Unama). É coordenador de projetos
do Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), em Belém, Pará.
Katiuscia Miranda - Engenheira ambiental pela Universidade do Estado do Pará (Uepa) e mes-
tranda em Desenvolvimento Rural Sustentável e Gestão de Empreendimentos Agroalimentares
do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA) - Campus Castanhal. É co-
ordenadora de projetos do Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), em Belém, Pará.
Maura Rejane Lameira de Moraes - Mestre em Serviço Social pela Universidade Federal
do Pará (UFPA) e especialista em Políticas Sociais pela UFPA e em Gestão de Organizações do
Terceiro Setor pela Unama. É coordenadora técnica do Instituto Internacional de Educação do
Brasil (IEB), em Belém, Pará.
Manoel Potiguar - Sociólogo, bacharel e licenciado pela UFPA. É gerente de projetos do Insti-
tuto Peabiru.
Marilia Tavares - Bacharel e licenciada em Etnodesenvolvimento pela UEPA, especialista em
Economia Solidária pela Universidade Federal do Tocantins (UFT). É coordenadora técnica na
Associação dos Municípios do Arquipélago do Marajó (Amam), vice coordenadora da Rede de Mu-
lheres e Homens Ribeirinhos do Marajó (Remhar) e diretora técnica do Instituto Lupa Marajó.
Rosevany Mendonça - Pedagoga pela Universidade do Estado do Pará (Uepa), especialista em
Economia Solidária e Microcrédito pela Faculdade do Pará (FAP) e especialista em Gestão Pública
pela Universidade Federal do Tocantins/Núcleo de Economia Solidária e em Gestão Sustentável
de Municípios pela Universidade Federal do Pará/Núcleo de Meio Ambiente. É consultora técnica
do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae)/PA na área do cooperati-
vismo e associativismo e consultora técnica social da Caixa Econômica Federal/Superintendência
Regional do Pará e coordenadora técnica pedagógica do Instituto Vitória Régia, em Belém, Pará.
Ruth Corrêa da Silva - Socióloga pela Universidade Federal do Pará (UFPA), com pós-gradu-
ação em Produção Familiar Rural e Ciências Sociais. É coordenadora de projetos do Instituto
Internacional de Educação do Brasil (IEB), em Belém, Pará.
Sumário
Lista de siglas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
Apresentação. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .10
Lista de siglas
Amam Associação dos Municípios do Arquipélago do Marajó
Apparp Associação dos Produtores e Pescadores Agroextrativistas do Rio Pagão
Appic Associação de Produtores e Pescadores Ilha Canaticu
Associação de Pescadores Artesanais e Moradores do Rio Pracuúba, Afluentes e
Aspam
Localidades Adjacentes de Muaná
ATAA Associação dos Trabalhadores Agroextrativistas do Rio Acuti Pereira
CAC Comitê de Aprovação de Crédito
CNPJ Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica
Codetem Colegiado de Desenvolvimento Territorial do Marajó
Diboa Difusão de Boas Práticas
DIST Desenvolvimento Integrado e Sustentável de Territórios
Emater Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Pará
Fapespa Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas
Fase Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional
FFCF Fundos Florestais Comunitários e Familiares
Ibam Instituto Brasileiro de Administração Municipal
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
Ideflor-Bio Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Estado do Pará
IDH Índice de Desenvolvimento Humano
IDHM Índice de Desenvolvimento Humano Municipal
IEB Instituto Internacional de Educação do Brasil
Inpe Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
IVR Instituto Vitória Régia
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 9
N
Apresentação
As ações têm como foco de atuação os 10 municípios onde trafega a agência Barco Ilha do Marajó: Bagre, Breves, Currali-
[1]
nho, Melgaço, Muaná, Ponta de Pedras, Portel, Salvaterra, São Sebastião da Boa Vista, Soure.
12 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável
CAPÍTULO
BREVE
CARACTERIZAÇÃO DA
MESORREGIÃO DO
MARAJÓ
Katiuscia Miranda
Ruth Corrêa da Silva
20 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável
1. Apresentação
O Marajó é uma mesorregião geográ- do Arari, Soure, Salvaterra, Cachoeira do
fica do estado do Pará com extensão terri- Arari, Ponta de Pedras e Muaná); micror-
torial de 104.140,00 km² (8% do território região do Furo de Breves (municípios de
paraense), composta por 16 municípios Afuá, Anajás, São Sebastião da Boa Vista,
distribuídos em três microrregiões geo- Breves e Curralinho); e a microrregião de
gráficas: microrregião do Arari (composta Portel (municípios de Gurupá, Melgaço,
pelos municípios de Chaves, Santa Cruz Bagre e Portel) (Figura 1) (IBGE, 2016).
Figura 1
Mesorregião geográfica do Marajó e suas microrregiões
2. Caracterização territorial
Entre as microrregiões marajoaras, as microrregiões do Furo de Breves e
a de Portel é a que ocupa a maior ex- do Arari ocupam respectivamente 29%
tensão territorial 45% (45.096,00 km²) (30.094,00 km²) e 28% (28.950,00 km²)
da mesorregião do Marajó, enquanto (Gráfico 1).
Gráfico 1
Área das microrregiões geográficas do Marajó
50.000,00 50%
45.000,00 45%
40.000,00 40%
35.000,00 35%
30.000,00 30%
Área (km2)
Área (%)
25.000,00 25%
20.000,00 20%
15.000,00 15%
10.000,00 10%
5.000,00 5%
0 0%
MICRORREGIÃO DO ARARI MICRORREGIÃO FURO MICRORREGIÃO DE
DE BREVES PORTEL
[2]
Disponível em https://cidades.ibge.gov.br/v4/brasil
22 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável
Figura 2
Mapa fundiário da mesorregião do Marajó até 2016
Gráfico 2
Distribuição das Áreas Protegidas na mesorregião do Marajó em 2016
70.000,00 140
60.000,00 120
50.000,00 100
40.000,00 80
30.000,00 60
20.000,00 40
10.000,00 20
0,00 0
FLONA RESEX TERRITÓRIO RDS PARQUE ASSENTAMENTO APA
QUILOMBOLA ESTADUAL
2.1. Desmatamento
Tabela 1
Área desmatada na mesorregião do Marajó por microrregião e município até 2016
Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados do Inpe/Prodes (2016)
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 25
Gráfico 3
Distribuição (%) do desmatamento no Marajó, por município, até 2016
48,4%
13,8%
Muaná
Cachoeira do Arari
Ponta de Pedras
Soure
Chaves
Breves
Curralinho
Anajás
Afuá
Portel
Bagre
Melgaço
Gurupá
Desmatado até 2016 (%)
Os fatores responsáveis pelo avanço sociedade em geral. Nos últimos anos, tem
do desmatamento incluem a exploração ocorrido discussões em torno das políticas
ilegal e predatória de madeira e palmito e para coibir o desmatamento no Marajó, a
a produção de grãos, centrada no cultivo exemplo da participação de alguns municí-
do arroz, que são desenvolvidas, em sua pios na elaboração do Plano de Prevenção
maioria, sem o devido licenciamento am- ao Desmatamento no Estado do Pará e a
biental e sem o controle e fiscalização efe- adesão de prefeituras ao Programa Muni-
tivos por parte do Estado. cípios Verdes (PMV).[3]
As taxas crescentes de desmatamen- Há também esforços em várias fren-
to na região do Marajó têm chamado a tes para a manutenção da biodiversidade
atenção dos órgãos governamentais e da no Marajó. As ações incluem desde a qua-
O PMV é um programa do Governo do Pará desenvolvido em parceria com municípios, sociedade civil, iniciativa privada,
[3]
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Ministério Público Federal (MPF). Tem como
objetivo combater o desmatamento no estado, fortalecer a produção rural sustentável por meio de ações estratégicas de ordena-
mento ambiental e fundiário e também de gestão ambiental, com foco em pactos locais, no monitoramento do desmatamento,
na implantação do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e na estruturação da gestão ambiental dos municípios participantes.
26 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável
3. Caracterização socioeconômica
O Marajó abriga uma população de bitam áreas urbanas. Isto ocorre na maior
489.353 mil habitantes (6,5% da popula- parte dos municípios, exceto em Soure e
ção do Pará) (IBGE, 2016), dos quais 56% Salvaterra, na microrregião do Arari, onde
(275.558 mil habitantes) vivem nas áreas a maioria da população do município vive
rurais e 44% (211.452 mil habitantes) ha- na área urbana (Tabela 2).
0,51), permanece sendo um dos mais bai- Pnud (2013) com base em mais de 200 in-
xos do país (PNUD, 2013), com a micror- dicadores de demografia, educação, renda,
região de Portel apresentando o pior índice trabalho, habitação e vulnerabilidade, com
(0,47 em 2010). O Índice de Desenvolvi- dados extraídos dos Censos Demográficos
mento Humano (IDH) é consolidado pelo de 1991, 2000 e 2010 (Tabela 2).
Figura 3
Principais segmentos produtivos na mesorregião do Marajó em 2016
Pescado
Pecuária bubalina
Ind. madeireira
Fruticultura
Construção civil
Tabela 2
Informações demográficas e IDHM da mesorregião do Marajó
Fonte: Elaborada pelos autores com dados do IBGE (2010) e Pnud (2013)
30 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável
Tabela 3
Produto Interno Bruto total e per capita dos municípios da mesorregião do Marajó em 2004 e 2014
População
no Pessoal PIB per PIB Total PIB per PIB Total
Municípios último ocupado capita [2004] x capita [2014] x
censo [2015] [2004] R$ 1.000(R$) [2014] R$ 1.000(R$)
[2010]
MRG DO ARARI 155.333 6.818 314.795 995.669
1. CACHOEIRA
22.786 834 2.451 41.981 6.645,1 146.857
DO ARARI
2. CHAVES 21.005 715 4.652 80.584 6.619 147.613
3. MUANÁ 34.204 1.105 1.685 45.683 5.702 212.773
4. PONTA DE
25.999 1.509 2.247 44.624 5.778 165.253
PEDRAS
5. SALVATERRA 20.183 944 2.241 37.704 5.599 123.110
6. SANTA CRUZ
8.155 341 3.225 17.769 5.777 53.094
DO ARARI
7. SOURE 23.001 1.370 2.184 46.450 6.104 146.969
MRG FURO DE
204.114 13.105 367.533 1.403.002
BREVES
1. AFUÁ 35.042 2.315 2.403 82.977 7.954 294.320
2. ANAJÁS 24.759 1.293 2.255 46.240 6.196 167.611
3. BREVES 92.860 7.364 2.163 182.528 6.307 613.983
4. CURRALINHO 28.549 1.156 1.229 27.736 5.268 166.408
5. SÃO
SEBASTIÃO DA 22.904 977 1.468 28.052 6.487 160.680
BOA VISTA
MRG DE
129.906 7.257 251.040 892.078
PORTEL
1. BAGRE 23.864 578 2.358 32.160 5.075 139.517
2. GURUPÁ 29.062 1.717 1.952 49.347 5.762 179.677
3. MELGAÇO 24.808 1.005 1.149 28.171 5.056 132.117
4. PORTEL 52.172 3.957 3.319 141.362 7.705 440.767
TOTAL
MESORREGIÃO 489.353 27.180 933.368 3.290.749
MARAJÓ
4. Referências bibliográficas
PARÁ. Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas (Fapespa). Diagnóstico So-
cioeconômico e Ambiental da Região de Integração do Marajó. 2016.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Censo Demográ-
fico, 2010. Disponível em: <www.ibge.gov.br>. Acesso em: 29 jul. 2017.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Estimativa popu-
lacional 2016. 1º de julho de 2016. Acesso em: 30 jul. 2017.
INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS ESPACIAIS (INPE). 2013. Dados de des-
matamento por município. Disponível em: <http://www.obt.inpe.br/prodes/index.php>.
Acesso em: 10 jun. 2017.
O ECO. Governo atualiza lista de municípios prioritários na Amazônia. Disponível em:
http://www.oeco.org.br/noticias/governo-atualiza-lista-de-municipios-prioritarios-na-
-amazonia/. Acesso em: 13 set.2017.
PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO (PNUD). Atlas
do Desenvolvimento Humano no Brasil. 2013. Disponível em: <http://atlasbrasil.
org.br/2013/pt/o_atlas/o_atlas>. Acesso em: 30 jul. 2017.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA). Relatório Analítico do Território do Ma-
rajó. 2012.
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 33
CAPÍTULO
BANCO COMUNITÁRIO
PRACUUBENSE: FOMENTO
E SOLIDARIEDADE NO
TERRITÓRIO MARAJOARA
Dorinha Raiol
Rosevany Mendonça
36 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável
1. Apresentação
É inegável dizer que, atualmente, desenvolvimento econômico, social e am-
convencionou-se falar na crise do mundo biental, ocorridas pela reestruturação pro-
do trabalho e do emprego, decorrente da dutiva, pela inovação tecnológica e princi-
reestruturação do capital estrutural, da re- palmente pelo avanço da mundialização
estruturação produtiva e da financeirização da economia capitalista. Tais mudanças
da vida contemporânea, que durante as têm como foco central das relações sociais
últimas décadas comprometeram efetiva- o consumo e não o ser humano. Difunde-
mente os processos produtivos e a vida em -se a crença de que o mercado é capaz de
sociedade. Mudanças de paradigmas dentro autorregular-se para o bem de todos e que
das fábricas, crises financeiras, revolução a competição é o melhor modo de relação
tecnológica, revolução científica a serviço entre os atores sociais, conforme reflexões
dos processos produtivos, novas formas de de Santos (2005).
comercialização, a vida “online”, tudo isso No Brasil não é diferente. Historica-
são produtos da era globalizada e fizeram mente, durante décadas, a população tem
base para que o mercado de trabalho pas- sofrido com a má distribuição de renda,
sasse por grandes mudanças, afetando dire- crises financeiras, inflação, redução de
tamente a vida dos seres humanos em todos empregos e informalidade crescente. O
os seus aspectos e dimensões. resultado dessa transformação é o grande
Essas mudanças estão cada vez mais número de pessoas vivendo abaixo da linha
velozes. São transformações profundas no de pobreza e excluídas financeiramente,
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 37
análise de viabilidade estrutural pela equi- me. Diferentemente de quase toda a zona
pe técnica do projeto, gestão municipal e ribeirinha marajoara, a vila possui alguma
entidades da sociedade civil que acompa- infraestrutura para sobrevivência na co-
nham o projeto, que se decidiram pela vila munidade, como energia elétrica 24 horas,
de São Miguel do Pracuúba. um posto de saúde, um microssistema de
A vila de São Miguel do Pracuúba foi abastecimento de água, escolas de educa-
escolhida para sediar o Banco Comunitá- ção infantil, ensino fundamental e turmas
rio por possuir as melhores condições es- de ensino médio modular e várias organi-
truturais e logísticas para o funcionamen- zações sociais atuantes, porém, a vila ca-
to, bem como um tecido social organizativo rece de políticas públicas de saneamento,
bastante dinâmico com uma associação infraestrutura e produção.
devidamente estruturada para gerir a ex- Por sua posição geográfica, está mais
periência comunitária. próxima do município de São Sebastião da
A vila possui uma população de cerca Boa Vista do que da sede do município de
de 800 famílias. Está situada às margens Muaná, bem como com a capital paraen-
do rio Pracuúba, distante quase quatro se, tendo disponibilidade de frota diária de
horas via fluvial do centro de Muaná. É viagens para a capital e para a cidade de
a vila mais povoada da zona rural muni- Abaetetuba, onde estão os maiores clientes
cipal, com uma extensa área de terra fir- do açaí e do camarão produzidos na vila.
Figura 1
Delimitação do município de Muaná
Pará
Brasil
América do Sul
Ilha do Marajó
Chaves
Afuá
Soure
Santa Cruz
do Arari
Anajás
Salvaterra
Cachoeira do Arari
Gurupá Breves
Muaná Ponta de
Pedras
Melgaço Curralinho
São Sebastião
da Boa Vista
Bagre
Portel
[4]
Informações colhidas durante a entrevista de campo realizada pela Jornalista Dorinha Raiol, contratada do projeto.
42 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável
Para que a experiência fosse efetiva- Cabe destacar como fator importante
da e obtivesse impacto social e econômico do processo metodológico a implantação
na comunidade, adotou-se a metodologia da moeda social “pracuúba” e do corres-
de implantação, já aprovada pela Rede pondente bancário. Também vale enfati-
Brasileira de Bancos Comunitários.[5] Essa zar o levantamento de informações acerca
metodologia adota várias fases de implan- da produção e consumo comunitário e a
tação, que vão desde a sensibilização da organização do conselho gestor do banco,
comunidade e de suas entidades e repre- que foram fundamentais como subsídios
sentações, passando por processos forma- (técnicos e humanos) para determinar um
tivos e gerenciais, até a instrumentalização eixo condutor de decisão de ações e nor-
física e humana do banco. Neste sentido, mativas gerenciais, pois nesta modalidade
foram operacionalizadas quatro fases con- de gerenciamento financeiro comunitário
secutivas: i) sensibilização e disseminação o agente condutor e financiador são os (as)
da proposta dentro da comunidade; ii) próprios (as) comunitários (as).
formação e capacitação comunitária e da As fases da operacionalização ti-
equipe gestora; iii) mapeamento da produ- nham como eixo condutor o protagonis-
ção e consumo comunitário; e iv) estrutu- mo comunitário e a solidariedade. Todas
ração física, fiscal e humana. as ações desenvolvidas, desde a sensibi-
[5]
Entidade de articulação e organização dos 143 Bancos Comunitários existentes no Brasil, gerenciada pelo Instituto Palmas.
44 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável
O Banco Comunitário tem ajudado muito o povo da região, não só o muanense, mas
também o boavistense, movimentando recursos e a comunidade. É muito bom esse
movimento financeiro aqui em Pracuúba. Esse dinheiro ficava em Muaná ou São
Sebastião da Boa Vista, agora fica por aqui.
Nilton Santos Freitas (Caco),
presidente da entidade gestora do banco
[6]
Entidade gestora do 1º Banco Comunitário do Brasil – Palmas.
50 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável
[7]
O CAC foi estabelecido pelo regimento interno e formado por eleição dentro da comunidade, composto por um represen-
tante da entidade gestora, um representante da comunidade e um representante da coordenação do banco.
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 53
Gráfico 1
Número de movimentações financeiras efetivadas pelo Banco Comunitário Pracuubense de abril/2016 a março/2017
MOVIMENTAÇÕES FINANCEIRAS
1812
1596 1612
1513 1477 1487
1277
1146
1076
696
570
323
ABRIL
MAIO
JUNHO
JULHO
AGOSTO
SETEMBRO
OUTUBRO
NOVEMBRO
DEZEMBRO
JANEIRO
FEVEREIRO
MARÇO
Fonte: Projeto Embarca Marajó
Gráfico 2
Recursos financeiros (R$) movimentados pelo Banco Comunitário Pracuubense no período de abril/2016 a março/2017
$ 300.000,00
$ 250.000,00
$ 200.000,00
$ 150.000,00
$ 100.000,00
$ 50.000,00
$ 0,00
ABRIL
MAIO
JUNHO
JULHO
AGOSTO
SETEMBRO
OUTUBRO
NOVEMBRO
DEZEMBRO
JANEIRO
FEVEREIRO
MARÇO
Período
O banco para mim aqui é tudo, ajudou Me beneficiou diretamente e tenho certeza
muito, é um capital que gira na própria que cada morador foi beneficiado, foi a me-
comunidade. Melhorou muito, as pesso- lhora de todos e da própria comunidade.
as não vão para fora, o dinheiro fica aqui, Antônio dos Anjos Barbosa,
a gente vende a nossa mercadoria, gera morador
benefícios para todos. Melhorou cem por
cento a nossa comunidade.
Foi muito bom para todos da nossa comu-
Lúcia Bahia,
dona de uma loja de variedades
nidade ribeirinha, aqui do nosso querido
Marajó.
Maria do Socorro Magno Coelho,
moradora
Com o banco funcionando aqui na nos-
sa comunidade, nem entro em fila, che- Outros moradores também expres-
go, entro e vou embora. Deixei de receber saram os bons resultados provenientes da
em Muaná, em (São Sebastião) Boa Vista, grande movimentação na comunidade du-
antes pagava trinta reais só de passagem. rante o calendário de pagamento do Bolsa
É muito gratificante a presença do banco Família:
8. Referências bibliográficas
ARRUDA, Marcos. Indo mais fundo numa nova arquitetura financeira. 2 de mar-
ço, 2009. Disponível em: <www.polis.org.br/download/27.pdf>. Acesso em: 9 jun. 2012.
BANCO PALMAS. Disponível em: <http://www.bancopalmas.org.br/>. Acesso em: 6 jun.
2012.
COELHO, Frankim. Dicionário A Outra Economia. 2003. Dantas, Luis Guilherme
Cardoso. Plano de formação sobre os conteúdos da oficina sobre gestão de Fun-
dos Solidários. Belém, 2015.
INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, SOCIAL E AMBIENTAL DO
PARÁ (IDESP). Estatística de Município. Disponível em: iah.iec.pa.gov.br/iah/fulltext/ge-
oreferenciamento/ulianopolis.pdf. Acesso em: 20 ago. 2015.
SANTOS. Boaventura de Sousa. Produzir para viver: os caminhos da produção
não capitalista. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.
FAVARETO, Anilson; BITTENCOURT, Gerson & M, Reginaldo (Orgs). Desenvolvi-
mento Local Sustentável e Solidário: novos princípios, novos desafios, São Pau-
lo, Plural Cooperativa, 2000.
VALENTE, Rosevany Mendonça. A organização de finanças solidárias com base
em Bancos Comunitários, como estratégia para o desenvolvimento local e sus-
tentável. Monografia. 2013.
SINGER, Paul. Economia solidária: um modo de produção e distribuição. In:
SINGER, P.; SOUZA, A.R. (orgs). A economia solidária no Brasil: a autogestão como res-
posta ao desemprego. São Paulo: Contexto, 2000.
SINGER, Paul. Introdução à Economia Solidária. 1ª. ed. 3. reimp. São Paulo: Perseu
Abramo, 2002.
58 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável
CAPÍTULO
EXPERIÊNCIA
DO FUNDO
SOLIDÁRIO AÇAÍ
DE PORTEL
João Daltro Paiva
Katiuscia Miranda
Ruth Corrêa da Silva
60 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável
1. Apresentação
O IEB iniciou sua atuação no Marajó sem a qualidade social e ambiental da vida
em parceria com a Federação de Órgãos dos moradores da comunidade.
para Assistência Social e Educacional Porém, assim como o açaí Euterpe
(Fase) Amazônia no município de Guru- Olerácea, que se desenvolve em uma tou-
pá. Nos últimos três anos, suas ações têm ceira com várias brotações em diferen-
contribuído para o fortalecimento da go- tes estágios de desenvolvimento, na qual
vernança florestal no território do Mara- haverá diversas árvores adultas, o Fundo
jó, por meio de um conjunto articulado Açaí também multiplicou e complexificou
de ações desenvolvidas pelo instituto, tais sua influência. Hoje são contabilizados 16
como cursos, oficinas, consultorias espe- projetos ou ações desenvolvidas com re-
cializadas, intercâmbios de experiências, cursos do fundo e parceiros, tais como a
assessoria em gestão de entidades sociais. construção de uma ponte de 690 metros
Durante a realização dessas ações, o interligando a área de várzea e terra-fir-
IEB começou a interagir com as iniciativas me da comunidade, a instalação de uma
de gestão local protagonizadas pela comuni- mini agroindústria para o beneficiamento
dade de Santo Ezequiel Moreno, localizada da fruticultura comunitária e o início da
no rio Acuti Pereira, em Portel, no arqui- construção de uma pousada e restauran-
pélago do Marajó, Pará. Uma dessas inicia- te. Estimulados pelos benefícios do fundo,
tivas foi uma experiência de fundo flores- os comunitários interromperam o ciclo de
tal comunitário, conhecido como “Fundo exploração predatória do palmito de açaí e
Açaí”, que foi constituído num longo pro- começaram a fazer o manejo dos açaizais
cesso de organização social que culminou para aumentar a produção de frutos. Ade-
com sua criação na safra de açaí de 2010. A mais, começaram a atuar diretamente na
ideia para formação do fundo era simples: a política da merenda escolar municipal, por
cada lata de açaí coletada e comercializada, meio da inclusão de produtos da culinária
o membro da comunidade doaria R$ 1,00, agroextrativista[8] no cardápio.
formando um fundo que custearia investi- O êxito do fundo levou o IEB a propor
mentos em bens e serviços que melhoras- à comunidade Santo Ezequiel Moreno reali-
[8]
Termo utilizado pelos membros da comunidade Santo Ezequiel Moreno para designar uma culinária que expressa a iden-
tidade e a cultura alimentar dos povos ribeirinhos. Essas práticas culinárias têm base nos costumes alimentares locais, mas
possuem uma “nova roupagem” (apresentação visual, combinação de sabores etc.), o que possibilitou ofertar alimentos sau-
dáveis aos estudantes da rede pública de ensino.
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 61
Na saúde não era diferente, a desas- Diante dessa situação de abandono ha-
sistência imperava. Em 2004, ocorreram via duas alternativas possíveis. Uma era mi-
no município de Portel muitos casos de rai- grar para locais que oferecessem melhores
va causada pela mordida de morcegos he- condições de vida. A outra era permanecer
matófagos contaminados, levando 15 pes- na comunidade e se mobilizar para torná-la
soas à morte, a maioria da comunidade São um lugar onde os direitos fossem garantidos,
Bento, localizada no rio Acuti Pereira. Ade- se vivesse com alegria, fartura e dignidade e
mais, era rotineira a ocorrência de diarreia onde as riquezas dos rios e das florestas fos-
na infância e problemas de pele. Em 2010, sem verdadeiramente propriedade daquela
os indicadores de saúde ainda eram alar- população. A comunidade decidiu escolher
mantes: 10% da população do município a segunda opção e, juntamente com lideran-
havia sido acometida de malária. ças, materializou o Fundo Açaí.
Muitas das vezes a gente conversava com a minha avó, né; eu gostava
de conversar com eles (avós) para pegar um histórico de 62 pra cá. As
atividades que exerciam na comunidade, na época na localidade que não
era uma comunidade, era muito farto, eles falavam (os avós) que era mui-
to farto, de caça, de peixe... tinha muita madeira, o açaí, o palmito, tinha
muito.... Aí chegou o momento que a família foi começando a casar, né,
e aí foi começando também a se estender o trabalho agrícola, acabando
um pouco a questão da seringa e começando um pouco a agricultura
familiar, só na monocultura também. De lá, já foi começando a extração
do palmito ilegal, feito pelas famílias aqui da comunidade.
Teofro Lacerda,
liderança comunitária e membro da coordenação do Fundo Açaí
A extração predatória do palmito tam- reu de forma intensa nos anos 1990 e se
bém foi intensificada e todos os membros prolongou por mais de uma década.
das famílias da comunidade se envolviam Havia uma pressão histórica de agen-
na exploração. O palmito foi explorado à tes externos na exploração dos recursos da
exaustão, ao ponto de faltar palmito e açaí comunidade. Eram “invasores provenien-
para a alimentação das famílias. Isto ocor- tes de Portel e outros municípios, como
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 71
Melgaço e Breves, que vinham roubar a ambiental para o “problema dos morce-
madeira e o palmito”. Os próprios comu- gos”. A partir daí pressionaram as esferas
nitários tiveram que enfrentar esse proble- de governo e mobilizaram as organizações
ma, e a matriarca (avó) da família de Teofro da sociedade civil supralocal para darem
Lacerda dialogava com os invasores. Con- uma resposta. Foram então realizados
tudo, é importante destacar que não havia estudos que concluíram a relação entre
ainda uma preocupação socioambiental o desmatamento intensivo na região e o
ou de conservação dos recursos florestais grande ataque dos morcegos. Diante des-
nesse enfrentamento. A questão era que sa situação grave, foi necessário encontrar
o roubo de “madeira” e “palmito” por pes- soluções.
soas externas à comunidade diminuiria os O ano de 2004 foi um marco na re-
ganhos que os comunitários poderiam ter lação da comunidade com o uso dos seus
com a exploração direta ou com a autoriza- recursos naturais. Em busca de solução,
ção de extração de tais recursos por outros. foram implementadas diversas ações. Em
Contudo, o ano de 2004 foi espe- 2004, foi fundada a ATAA, que permitiu
cialmente marcante na memória da co- relações institucionais mais fortalecidas
munidade como um período de perdas com parceiros, como a Fase. Em 2006,
de vidas. O ataque de morcegos hemató- numa parceria com a Fase, foi elaborado
fagos a humanos era considerado “nor- um diagnóstico sócio-econômico-ambien-
mal” pelos moradores das áreas rurais de tal do rio Acuti Pereira, que possibilitou
Portel. Contudo, naquele ano, os ataques identificar o impacto do açaí na economia
transmitiram a raiva, matando 15 pesso- das famílias. Foi identificado, por exem-
as em comunidades no rio Acuti Pereira, plo, que o consumo de açaí pelas famílias
especialmente em São Bento, sendo que proporcionava uma economia mensal nas
10 casos foram confirmados laboratorial- despesas com o “rancho” de uma família
mente como raiva virótica. da Santo Ezequiel Moreno de R$ 100,00
Apesar de não ter havido nenhum a R$ 120,00 quando comparados com as
óbito na comunidade Santo Ezequiel Mo- despesas de famílias do Médio e do Alto
reno relacionado à raiva transmitida pela Acuti Pereira, respectivamente. Por fim,
mordida do morcego, o fato gerou muito de 2005 a 2006, com base no diagnóstico,
medo entre todos os que moravam ao lon- foi elaborado o Plano de Uso dos Recursos
go do rio Acuti Pereira. As lideranças co- Naturais do rio Acuti Pereira. Efetivamen-
meçaram a questionar se havia uma causa te a comunidade passou do luto à luta:
72 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável
...também a madeira, né, que foi tirado muita madeira, aí veio a consequência até
daquele surto de morcego, que aconteceu a triste causa de várias pessoas ter
falecido né e também ...estou com trinta anos que tô morando aqui, o problema
que a gente enfrentou muito foi sobre isso. Aí depois que a gente começou a se
organizar, de 2004 já para cá a gente começou a se organizar enquanto Asso-
ciação e com cursos e apoios de outras pessoas da comunidade que vieram pra
cá. E a gente foi pegando mais informação, tendo apoio das outras pessoas, das
autoridades, conseguimos também organizar e preservar uma área nossa que era
de pesca predatória. As pessoas não vieram mais de outro lugar para pescar nos-
so peixe e também nem tirar as açaizeiras, né, agora a gente já preserva também,
e só quando faz o manejo que tira o açaizal.
Maria Luiza,
presidente do Fundo Açaí
Ressalta-se que houve uma ampla mo- 2007 a 2010: a curva do ordenamento
bilização de organizações públicas das três territorial e da solidariedade
esferas de governo, assim como de organi- concreta
zações da sociedade civil supralocal para o
enfrentamento da questão da raiva causada Com o apoio de parceiros, a comu-
por morcegos. Porém, a comunidade não se nidade buscou o ordenamento territorial,
deu por satisfeita com as iniciativas propos- com o objetivo de promover o manejo sus-
tas e, principalmente, com o discurso oficial tentável de seus recursos sob o controle
que fazia a desconexão do “problema de e a gestão comunitária. Diversas pessoas
saúde pública” com “os problemas ambien- apoiaram a comunidade: Carlos Augusto
tais”. Assim, a iniciativa da comunidade em (então técnico da Fase), Daniel Francez
buscar respostas sistêmicas à epidemia e à (Prefeitura Municipal de Portel), Rodrigo
perda de entes queridos se apresenta como Delgado (Prefeitura de Portel) e membros
uma chave de leitura necessária dos proble- da Prelazia do Marajó. As parcerias foram
mas socioambientais na Amazônia paraense. fundamentais nesse processo:
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 73
...aí a gente viu a dificuldade da gente conseguir aqueles R$ 190,00 por pes-
soa, prá comprar o conjugado em 2009. Então daí a gente começou a pen-
sar como, o que que a gente vai fazer prá gente começar a conseguir algum
projeto prá comunidade não tendo mais aquele alto valor para cada família? Aí
começa a pensar o que a gente tem e o que a gente pode fazer para melhorar.
E o que a gente tinha muito era açaí, a gente vendia muito açaí, a gente chegou
a vender prá mais de 20 mil latas de açaí. Então a gente viu que isso era um
recurso que a gente tinha todo ano, mas que a gente via o recurso sair sem
deixar o benefício prá comunidade. Então se a gente tinha uma comunidade,
tinha o recurso, então pensamos que a gente tinha que bolar uma estratégia
para ver em que esse recurso vai ajudar a comunidade. No meu entendimen-
to, que eu tenho quase certeza que as pessoas pode confirmarem que o que
levou a gente a criar, a fazer esse fundo, foi a compra desse conjugado, que
puxou muito no bolso de cada família.
Sônia do Socorro,
idealizadora e uma das coordenadoras do Fundo Açaí
Antes de 2010 nós tínhamos um grande Tenho 32 anos. Com a idade de 10 anos
problema de transporte para ir para nos- lembro que a gente ia pro centro, tinha tempo
so próprio trabalho, que é longe, no cen- que ficava tapado de barranco, tinha que pas-
tro. Então a gente ia pro centro, a gente sar o barranco e depois ia de ponte de pau
caminhava, a gente ia de canoa até uma roliço, andava caindo. Isso era a grande difi-
certa parte, depois largava a canoa e de- culdade que tínhamos. Minha avó chamava
pois íamos de estiva que era de madeira até de frouxo para os homens, a gente vinha
rolante, né. Eu posso dizer que eu mesma com paneiro de lenha pela estiva, tinha que
cheguei a pegar uma grande queda, com tirar lenha no mato e vinha, trabalhava com
meu filhinho que tava com três meses e mandioca, farinha, torrando. Para chegar em
tava no colo. Então antigamente, esse era casa era altas horas da noite, às vezes com
o grande problema que a gente enfren- lanterna alumiando...aí o pessoal foi roçando
tava antes de 2010. Esse era o grande o barranco e foi melhorando, mas com um
problema que tínhamos. certo tempo volta o barranco.
Maria Oneide Alves, Telma do Socorro,
comunitária integrante do Fundo Açaí comunitária integrante do Fundo Açaí
Como relatado, além das “pontes ro- somente aumentou a produção, mas trouxe
lantes”, havia o problema dos “barrancos” ganhos financeiros e conservou os açaizais.
que se formam no rio pelo acúmulo de As condições para mais um salto qua-
vegetação. Sem poder usar os barcos, as litativo na comunidade estavam estabele-
famílias tinham que se deslocar a pé e pe- cidas: internalizar uma parte do recurso
las pontes rolantes. Porém, se de um lado financeiro gerado pelo açaí para a melho-
havia problemas, por outro havia soluções ria das condições de vida da comunidade,
– um rio sempre tem duas margens. gerar bens e serviços que pudessem servir
Conforme relatos durante a sistemati- a todos, gerar bens comuns. A solução veio
zação, em 2010, a produção de açaí na co- a partir de uma iniciativa simples: cada co-
munidade se destacava no município, uma munitário contribuiria com um valor por
vez que os açaizeiros já não eram mais supri- cada lata de açaí coletada (inicialmente foi
midos para a exploração predatória do pal- R$ 1,00, hoje são R$ 2,00), formando uma
mito. A mudança na prática produtiva não “poupança coletiva”.
76 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável
Assim, a criação do Fundo Açaí se cisão de fazer com que os recursos finan-
constituiu inicialmente numa estratégia ceiros gerados pela floresta ficassem na
de solução autônoma da comunidade fren- própria comunidade, porém numa lógica
te às ausências de políticas públicas ou sua de internalização coletiva, de aquisição de
baixa efetividade, a qual passou pela de- bens e serviços de uso comunitário.
Não foi logo uma reunião, foi através da necessidade de infraestrutura, o açaí
saía e não deixava nada na comunidade. Foi através de uma conversa entre eu
e Sônia, foi pensado em criar uma estratégia de cada lata de açaí que cada um
tirava deixar um real para investir na comunidade e, através dessa coleta, vamos
saber quanto vamos arrecadar...outras pessoas também conversamos...e, aí, na
reunião de domingo na comunidade apresentamos a proposta. E muita gente
não concordou, meu próprio pai era resistente, pois dizia que uns iam pagar e
outros não, mesmo assim iniciamos, muitos pagaram, começamos a anotação
no caderno, o nome das pessoas que contribuíam. Aí veio a questão da amplia-
ção do centro comunitário, e em 2012 veio a ponte, e cada ano que passava ia
aumentando o número de pessoas que participavam do fundo.
Teofro Lacerda,
liderança comunitária e membro da coordenação do Fundo Açaí
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 77
Comunitário caminhando sobre a ponte em direção aos açaizais (Comunidade Santo Ezequiel Moreno, Portel)
Foto: © Acervo Embarca Marajó / Juliana Lima
78 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável
Como se pode perceber, a ponte foi maior provocação reflexiva e que está bem
um verdadeiro salto logístico dentro da co- presente naqueles que “olham de fora” a
munidade, que possibilitou uma série de experiência: são as demandas internas a
outras melhorias, mas também validou a uma estratégia de uso e conservação dos
viabilidade do fundo no interior da comu- recursos naturais da comunidade como
nidade e demonstrou sua potencialidade ação de apropriação territorial.
transformadora. Porém, ainda havia uma Esse período foi marcado por uma
questão mais profunda a enfrentar: a rela- mudança de mentalidade, que é reconheci-
ção de apropriação e de expropriação que da por quem conhece “de fora” a experiên-
os comunitários viviam em relação ao seu cia. Conforme Carlos Ramos (Consultor),
território. Uma situação emblemática des- eles passaram a entender e a defender a
ta relação ambivalente com o território e os ideia de que a conservação dos recursos na-
seus recursos florestais era a exploração de turais aumentava o ganho econômico. Para
madeira e palmito. As famílias permitiam Antonio Vaz (Gerente de Extensão Rural da
a exploração de palmito e madeira por ter- Secretaria de Desenvolvimento Econômico
ceiros, recebendo destes algum valor pecu- de Portel – Sede), foi a afirmação da auto-
niário pela autorização da exploração dos nomia da comunidade para não bater à por-
recursos. Porém, essas mesmas famílias ta do prefeito ou do vereador para pedir fa-
defendiam seu território de invasores que vores – prática tradicional no Marajó e que
desejavam roubar esses recursos. vem se acentuando pelo assistencialismo e
Contudo, não se deve vincular esta paternalismo. Já para Gracionice (presiden-
reação à uma consciência da necessidade te do Sindicato dos Trabalhadores e Traba-
de preservar os recursos naturais, mas à lhadoras Rurais de Portel – STTR), os co-
preocupação em não ter perdas econômi- munitários conseguiram se empoderar do
cas que impactariam a sobrevivência das grande potencial dos recursos naturais em
famílias. Dessa forma, pelo desconheci- gerar recursos financeiros para a sustenta-
mento de alternativas e pela alta penosida- bilidade da comunidade. Por isso, o Fundo
de do trabalho agrícola em relação à extra- Açaí foi um instrumento para quebrar o pa-
ção predatória, a estratégia de reprodução ternalismo, tornar a comunidade indepen-
da comunidade estabelecida pelas relações dente e demonstrar que uma comunidade
comerciais com terceiros que exploravam é capaz de gerenciar o seu recurso natural
seus recursos florestais contribuía com o e o seu recurso financeiro.
esgotamento da madeira, açaí e palmito. De fato, progressivamente, os comuni-
É nesse contexto mais amplo que se tários foram entendendo que o fundo tam-
apresentou outra demanda, menos iden- bém poderia ajudar no enfrentamento dos
tificável na superfície dos relatos comuni- problemas maiores do território e não somen-
tários, mas que emergiu a partir de uma te nas situações específicas da comunidade.
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 79
Nesse sentido, o fundo foi se con- Frente a uma narrativa que é comum
formando e contribuindo na estratégia de na região amazônica de expropriação de
macrodefesa do território, possibilitando terras e de expulsão de comunidades agroe-
apoios para a participação de comunitá- xtrativistas de territórios secularmente ocu-
rios em espaços de discussão de políticas pados por tais comunidades, a constituição
públicas, em formação e capacitação, na de uma “poupança comunitária” é um dis-
articulação de parcerias. Importante des- curso sobre a perenidade do lugar vivencial
tacar que o “fundo não é tudo”, a comu- dessas comunidades. Isto porque poupar é
nidade demonstrou possuir várias estraté- um discurso e prática de quem vislumbra
gias, outras formas de atuação para fazer para si e para os outros (família e comuni-
o enfrentamento às ameaças ao território. dade) um horizonte de futuros naquele lu-
Porém, o fundo também se revelou como gar e não fora dele; quem faz e fala dessa
uma estratégia de apropriação territorial, forma sente-se pertencente ao território e,
de permanência na comunidade, de afir- mais ainda, é capaz de construir resistên-
mação de posse. cias de formas diversas e complexas.
80 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável
Quadro 1
Projetos ou ações realizadas a partir do Fundo Açaí na comunidade
Santo Ezequiel Moreno, Portel, Pará
Projetos/Ações Parcerias
1 Ampliação do centro comunitário e 1 Fundo: recursos financeiros
construção do banheiro com caixa d’água Comunidade: mão de obra
ONG Tramitty: Caixa d’água
2 Construção da ponte de 690 metros 2 Fundo: recursos financeiros
Comunidade: mão de obra
Prefeitura: transporte de parte da madeira
Agroindústria Aparecida/Gilberto Dinadau: madeira
3 Canalização de água e bomba elétrica 3 Fundo: recursos financeiros
Comunidade: recursos financeiros provenientes do
dízimo, coleta e rifas e a mão de obra
4 Gerador de luz da comunidade 4 Fundo: recursos financeiros
5 Criação de aviário 5 Fundo: recursos financeiros
Comunidade: mão de obra
Doação de empresa
6 Tanque de piscicultura (atualmente está 6 Fundo: recursos financeiros
desativado) Comunidade: mão de obra
7 Data show 7 Fundo: recursos financeiros
8 Construção de uma pousada e 8 Fundo: recursos financeiros
restaurante (início da construção) Comunidade: mão de obra
9 Mini agroindústria 9.1 Para a construção da estrutura física
Fundo: recursos financeiros
Comunitários e comunidade: recursos financeiros
advindos de coleta
Prefeitura: apoio financeiro
9.2 Para as máquinas
Banco do Brasil, com participação de 22 comunitários
10 Construção da igreja 10 Fundo: recursos financeiros
Comunidade e comunitários: mão de obra
11 Empréstimo para resolver situações de 11 Fundo e comunidade: recursos financeiros
saúde Obs: Este é o único caso no qual a modalidade é de
empréstimo, ou seja, um apoio individual em que o
comunitário que recebe o apoio deve devolver o recurso
ao fundo
12 Participação de comunitários em eventos 12 Fundo e comunidade: recursos financeiros
13 Passarelas que ligam as moradias 13 Fundo: recursos financeiros
Comunitários: mão de obra
Sema de Portel: madeira
14 Documentação da Associação, pagamento 14 Fundo: recursos financeiros
de contador
15 Apoio a primeira feira de ciências da 15 Fundo: recursos financeiros
Gleba Acuti Pereira – maio de 2016 Apoios diversos: IEB, IVR, comunitários, comunitários
de Melgaço, STTR, Sede
16 Construção da casa de apoio para o 16 Fundo: recursos financeiros para compra da madeira
viveiro de mudas frutíferas e florestais Ideflor: telha
Esse conjunto de iniciativas dos mais No caso das parcerias, ainda vale a
variados portes e finalidades permite per- pena destacar que os comunitários afir-
ceber que o foco central do fundo é o apoio maram que não é algo espontâneo ou
à melhoria da qualidade de vida da comu- feito de forma improvisada, é algo que
nidade em geral. Não há ações voltadas se aprende a fazer. Nesse sentido, as for-
para uma determinada família ou indiví- mações e capacitações contribuíram para
duo, como mostra a exceção apresentada que as lideranças percorressem um ca-
no quadro acima no caso do empréstimo minho “menos acidentado” na busca de
a um comunitário para cuidados com a parceiros a partir da organização social da
saúde. Quantitativamente, houve um grau comunidade.
significativo de iniciativas, uma vez que se Finalmente, em todas as 16 iniciati-
tem como data de referência para a im- vas, a própria comunidade ou os comuni-
plantação do fundo o ano de 2010, ou seja, tários aparecem como “parceiros”, porém,
em 6 anos foram realizados 16 projetos ou o que se tem aí é algo muito mais relevan-
ações, uma média de mais de duas inicia- te: trata-se da apropriação das iniciativas
tivas por ano. pelos membros da comunidade, a respon-
Outro elemento a destacar é a diver- sabilização dos membros da comunidade
sificação de parcerias, tanto no volume do com a implantação das iniciativas. Antes
aporte, quanto no tipo do parceiro. Nos re- de ser uma ideia na cabeça de uma lide-
latos sobre a parceria como estratégia foi rança, é algo da comunidade e assumido
destacado que a parceria é fruto de duas por ela. Como comentado por Milton Costa
ações complementares: o fortalecimento (técnico da Emater local), é uma comu-
da própria comunidade e ações proativas nidade com um líder extraordinário, mas
na busca de parceiros. A busca de parcei- onde os conhecimentos e propostas são
ros é uma estratégia coletiva: construídos coletivamente.
Na minha mente...se não tiver conversa, a parceria não vem, a comunidade não
pode ficar de braço cruzado esperando, tem que ir atrás de parceiro. Importante
fazer a documentação, fazer ofício, manter uma comunicação ativa e ter insis-
tência para conseguir a parceria e mostrar a força da comunidade, do coletivo,
parceria não se faz sozinho.
Marcos Baia,
comunitário integrante do Fundo Açaí
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 83
alimentos, ou seja, formação das capacida- uma vez que o Fundo Açaí é uma estraté-
des locais para o aprimoramento da culiná- gia de longo fôlego para a permanência no
ria agroextrativista desenvolvida pela comu- território e legitimação de sua proprieda-
nidade com receitas próprias, tais como a de, ao ponto de que a ausência de energia
coxinha de açaí e o bolo de açaí. elétrica que impossibilita o funcionamento
É uma ação que afirma de forma sig- atual do maquinário é considerada uma
nificativa que a comunidade vislumbra um situação temporária e solucionável, pois a
futuro nesse território, apesar de todas as mini agroindústria é um “investimento” no
adversidades que enfrenta. Expressa mais futuro da comunidade:
Não melhorou só para a reunião, mas também para a educação, porque ao mes-
mo tempo que era reunião em uma casa que não tinha parede, a gente também
estudava dentro dela, que era uma casinha, depois que ampliaram o centro
comunitário passou a ser a escola também, que funcionou no centro até 2015.
Antes as crianças e adultos estudavam no centro comunitário.
Maria Claúdia,
secretária do Fundo Açaí
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 87
Ações de fortalecimento organizacional: custeio da organização documental da associação e pagamento de serviços de contabilidade.
[9]
Ações de mobilização social: possibilitar a participação de comunitários em eventos de mobilização social ou discussão de
[10]
pautas voltadas a políticas públicas ou conflitos territoriais, e a realização da 1ª Feira de Ciências do Acuti Pereira.
88 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável
Aqui estamos construindo uma nova ci- As pessoas olham e dizem: “essas pes-
ência para o Marajó: quando fazemos o soas não são capazes, são de comunida-
biscoito da croeira, o biscoito do tucumã, des”, “comunitário não tem capacidade
quando faz a coxinha do açaí e isso vai para gerenciar recursos financeiro e re-
para a merenda escolar, e aí fazemos a curso natural”. A partir do Fundo Açaí eles
relação com a bolacha Maria lá do Sul, o tiveram a organização de grupos: grupo
suco engarrafado. Que coisa maravilhosa de monitoramento da produção, grupo de
a gente descobrir a riqueza que temos e monitoramento financeiro, que faz o con-
que estamos potencializando. O fundo ser- trole. Então, hoje, eles sabem fazer o seu
viu pra despertar os homens públicos do próprio planejamento familiar, porque deu
Marajó – e não só do Marajó – de que o pra eles a visibilidade do quanto eles pro-
Marajó, a Amazônia, ela é viável. duzem na safra e na entressafra do açaí
e quanto eles gastam, o quanto tem de
Antônio Vales,
Gerente de Extensão Rural- Sede resultado e de prejuízo.
Gracionice Corrêa,
presidente do STTR
Para acontecer, tudo isso valeu a pena porque o fundo ajudou a criar vários tra-
balhos. A comunidade se tornou autônoma, passou a ter gestão da sua produção,
não existe um patrão, mas sim a coletividade. Só existiu esse trabalho porque
houve uma coletividade, todos tinham direitos e deveres e a gestão é de todos.
Nilson Silva,
comunitário integrante do Fundo Açaí
É uma relação que busca fazer com dito que era ditada pelo aviamento, com
que a floresta seja efetivamente uma ri- grandes perdas econômico-financeiras
queza apropriada pela comunidade, modi- para as famílias extrativistas, ao mesmo
ficando o curso histórico no qual a floresta tempo, se apresenta como uma possibili-
era riqueza para os outros e não para os dade complementar ao crédito fornecido
agroextrativistas. Altera-se igualmente o pelo sistema bancário.
significado do trabalho, ou melhor, recu- Experimenta-se então uma reci-
pera-se o seu significado de transforma- procidade entre o ser humano e a na-
ção da natureza que gere bem-estar para tureza: a comunidade cuida da floresta
quem trabalha. Nesse sentido, o processo e a floresta oferece seus frutos, que são
do Fundo Açaí mostrou-se como alterna- transformados pelo trabalho da comuni-
tiva substitutiva à lógica de acesso ao cré- dade em dinheiro, mas não dinheiro para
96 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável
Trata-se da disputa pela posse e uso dos ajudar no enfrentamento dos problemas
recursos naturais, que não dá sinais de da comunidade.
retroceder. Ao contrário, os conflitos em Assim, seria importante que a comu-
torno da terra, da água e das florestas nidade começasse a refletir sobre quanto o
se acirraram na conjuntura recente, ao fundo pode colaborar na solução de outros
mesmo tempo em que o marco legal do problemas, na busca de soluções por políti-
uso e posse dos territórios vem sofrendo cas públicas, na participação em discussões
pressões para alterações que avançam e espaços públicos, especialmente aqueles
sobre os direitos que as populações des- que tematizam a questão do ordenamento
ses territórios possuem. Assim, um desa- territorial. O fundo pode ser um componen-
fio é inserir cada vez mais o fundo como te no conjunto de estratégias da comunida-
uma das estratégias de defesa territorial de para a organização e gestão comunitária,
da comunidade, mas não a única. De ajudando a melhorar a vida na comunidade,
fato, ainda que o fundo seja relevante na mas é preciso participar dos espaços de dis-
estratégia da comunidade – mas não foi cussão e definição de políticas públicas, evi-
só o fundo –, as outras estratégias vieram tando, assim, o risco de isolamento.
5. Palavras na jusante
Esse processo de sistematização eviden- A experiência evidencia e ensina
ciou a capacidade de uma comunidade ribei- que a maior riqueza do Marajó é o seu
rinha marajoara de se transformar, em fazer povo, que, quando organizado para a bus-
da dor, da ausência e das perdas históricas ca de interesses coletivos, é capaz de mu-
que vinha sofrendo um encontro com a espe- dar sua realidade, fazendo do pequeno, o
rança, com a dignidade e com seus direitos. grande.
6. Participantes da Sistematização
Nº Nome Instituição/Comunidade
Nº Nome Instituição/Comunidade
7. Referências bibliográficas
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Valorização os Produtos Florestais da Amazônia Brasileira: caso da castanha-do-brasil.
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Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 101
CAPÍTULO
LUPA - MARAJÓ:
OBSERVATÓRIO E AÇÃO
NO ÂMBITO DO PROJETO
EMBARCA MARAJÓ
Carlos Augusto Ramos
Marilia Tavares
Manoel Potiguar
104 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável
1. Apresentação
No âmbito do Projeto Embarca Ma- Este documento apresenta uma aná-
rajó, o Instituto Peabiru desenvolveu ações lise sucinta dos resultados obtidos pela
em quatro eixos: a) implementação dos parceria entre o Instituto Peabiru e a ONG
Centros de Difusão de Boas Práticas Socio- Lupa-Marajó, de Curralinho, Pará, na es-
produtivas (Centros Diboa); b) assessora- tratégia do Projeto Embarca Marajó de
mento a quatro Fundos Florestais Comu- fortalecer a organização marajoara da so-
nitários e Familiares (FFCF); c) incubação ciedade civil na promoção de estudos so-
do Lupa-Marajó e assessoramento à Coo- cioeconômicos e construção participativa
perativa Sementes do Marajó; e d) reali- de tecnologias sociais. Este trabalho está
zação do I Festival de Cinema do Marajó. dividido em três seções: 1) inserção do Lu-
Ressalta-se que os três primeiros eixos es- pa-Marajó no projeto Embarca Marajó; 2)
tão intimamente ligados numa estratégia Centros Diboa; e 3) resgate e difusão dos
de fortalecimento das iniciativas locais, Fundos Florestais Comunitários e Familia-
iniciativas de desenvolvimento endógeno res como tecnologia de fortalecimento da
marajoara. socioeconomia comunitária e familiar.
O Centro Diboa é uma ação do Insti- tem mostrado que o abismo entre ricos e
tuto Peabiru, no âmbito do projeto Embarca pobres se mantém firme, sem perspectiva
Marajó, que objetiva, a partir de iniciativas a curto prazo de significativas mudanças.
locais previamente identificadas pelo ins- O “progresso” prometeu melhorias de vida
tituto em trabalhos anteriores, incentivar e não cumpriu (ALER, 2016). Por isso, ini-
a difusão dessas boas práticas locais e tor- ciativas como as de economia com auto-
ná-las pontos de difusão para um determi- nomia de Curralinho e Portel são valiosas
nado território, no caso, o Marajó. São so- para o Marajó, região de preocupantes in-
bretudo centros virtuais (não físicos), com dicadores sociais (RAMOS, 2017).
o propósito de intercambiar boas práticas Os Centros Diboa reconhecidos e tra-
organizativas cujos protagonistas de repasse balhados pelo Instituto Peabiru/Lupa-Mara-
do conhecimento são as próprias lideranças jó no âmbito de ações para o fortalecimento
comunitárias que lideram seus processos dos Fundos Solidários Florestais, foram:
de transformação. O Lupa-Marajó, nesse
sentido, avaliou quais iniciativas poderiam a) a Central de Associações do Rio Canati-
ser verdadeiras escolas sem paredes, com cu (hoje Cooperativa Sementes do Ma-
capacidade real de repassar conhecimento, rajó), em Curralinho – selecionada por
ao mesmo tempo em que oferecem a opor- sua forte organização de base (CARVA-
tunidade de uma profunda reflexão para al- LHO & SILVA, 2015), com 19 associa-
ternativas de desenvolvimento local. ções locais, em que o capital social se
Observe-se que muitas comunidades configura como fator determinante para
amazônicas e africanas provocam os estu- o sucesso da comercialização do açaí e
diosos e tomadores de decisão mundiais a camarão e criação de uma poupança
pensar a lógica civilizatória do Bem-Viver, coletiva a partir destes produtos;
um novo marco conceitual alternativo, b) a comunidade Santo Ezequiel Moreno,
portanto, da vida humana neste século. no rio Acuti Pereira, em Portel – cujas
A ideia de desenvolvimento proposta pelo ações de gestão ambiental, manejo flores-
mercado globalizado e governos de países tal e FFCF modificaram o modo de vida
que dele dependem não superou as desi- das famílias locais, gerando conscientiza-
gualdades sociais no planeta, ao contrário, ção e dignidade para as pessoas[11].
Conferir o capítulo 3 desta publicação, que trata amplamente dessa experiência a partir da reflexão dos sujeitos que a
[11]
vivenciaram.
108 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável
A abordagem metodológica dos Centros Diboa considerou os saberes locais para a difusão do conhecimento. Na
foto, debate sobre o manejo dos recursos naturais, em oficina promovida pelo Lupa/ Instituto Peabiru, no porto de
seu Miguel Baratinha, comunidade Boa Esperança (Curralinho).
Foto: Márcio Santos
Os Fundos Florestais Solidários são, hoje, um resultado da organização social de comunidades como Santo Ezequiel
Moreno. Na foto, participantes de oficina promovida pelo Lupa/Instituto Peabiru em visita às instalações desta
comunidade a partir do Fundo Açaí.
Foto: Márcio Santos
tinação dos recursos, o método adotado também foi a oportunidade para o debate
foi a divisão simples entre as famílias, com outras entidades representantes de
no formato conhecido como “caixinha” extrativistas, como associações, sindica-
(Ramos et al., 2014). tos e cooperativas de outros municípios do
A partir de 2014, com a estratégia im- Marajó, e para discutir diferentes formas
plementada pelo Projeto Embarca Marajó, de FFCF.
a partir dos Centros Diboa, a troca de ex-
periências entre técnicos e lideranças co- 4.1. Alguns resultados dos fundos
munitárias de Portel e Curralinho intensi-
ficou-se através de seminários e encontros. 4.1.1. Rio Canaticu, em Curralinho
Percebendo essa oportunidade, o Instituto
Peabiru e o Lupa-Marajó apresentaram a Em Curralinho, no rio Canaticu, as
experiência às comunidades de Portel e comunidades locais pertencentes ao “por-
Curralinho, e, estas, umas às outras. Essa to açaí” fortaleceram, além das reservas
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 111
Tabela 1
Produção de açaí da comunidade Boa Esperança no período 2012-2014
Parâmetro
Produção de Produção em Preço médio da rasa
Ano Receita estimada
rasas (Unid) toneladas (14 kg) durante a safra
2012 7.363,00 103,08 R$ 9,00 R$ 66.267,00
2013 8.000,00 112,00 R$ 20,00 R$ 160.000,00
2014 8.300,00 116,20 R$ 30,00 R$ 249.000,00
Total 16.300,00 228,20 - R$ 409.000,00
Tabela 2
Produção de açaí da comunidade Sagrada Família no período 2013-2014
Parâmetro
Produção de Produção em Preço médio da rasa
Ano Receita estimada
rasas (Unid) toneladas (14 kg) durante a safra
2013 3.800,00 53,20 R$ 9,00 R$ 34.200,00
2014 3.900,00 54,60 R$ 30,00 R$ 117.000,00
Total 7.700,00 107,80 - R$ 151.200,00
uma de suas principais atividades econô- venda de açaí diretamente com as grandes
micas. Sua entidade representativa é a As- embarcações. Acredita-se que os recur-
sociação de Produtores e Pescadores Ilha sos obtidos seguiram a mesma ordem dos
Canaticu (Appic). R$ 10.000,00 do ano anterior.
Na safra de açaí de 2014, iniciaram
uma experiência de organização local ***
dialogando diretamente com os grandes
barcos compradores (aqui chamado de Esses formatos de FFCF que se de-
atravessador 1) de açaí que vinham de senvolveram no rio Canaticu apresentam
Macapá, no Amapá. A partir dessa relação, a peculiaridade de serem ferramentas so-
puderam visualizar o ganho dos atravessa- ciais agregadoras de grande quantidade
dores locais sobre seu trabalho (aqui deno- de famílias. Além disso, a estratégia dos
minado de atravessador 2). fundos ganha maior repercussão entre as
Com a amostra de 5.054 rasas de comunidades do Canaticu a partir do mo-
açaí vendidas diretamente às embarca- mento em que a Central de Associações
ções de fora do município, as lideranças assumiu esse arranjo, o dos “portos do
do rio Tartaruga perceberam que, quando açaí”, em 2014, como sua principal forma
o atravessador local (atravessador 2) agia de comercializar seus produtos. Atualmen-
para entregar a rasa para ao atravessador te (maio de 2017), a cooperativa Sementes
1, recebia R$ 2,00/rasa de açaí, adquiri- do Marajó assumiu a tarefa, ampliando a
da do extrativista. No momento em que iniciativa. São 11 portos[12] de escoamen-
os extrativistas venderam sem passar pelo to de produção, o que envolve mais de mil
atravessador 2, eliminaram a dependência famílias.
de um elo extra da cadeia, recebendo um Essas frentes de trabalho coletivo fo-
valor extra de cerca de R$ 10.000,00 pelo ram fortalecidas com a transformação da
volume de açaí, que foi dividido entre os Central de Associações do Rio Canaticu
comunitários. em Cooperativa Sementes do Marajó, bem
No ano seguinte, na safra de 2015, como com o apoio de organizações da socie-
diante desse resultado, a Appic resolveu se dade civil. Esse é o caso do próprio Lupa Ma-
organizar para aumentar o poder de capta- rajó, desde 2010, do Instituto Peabiru, que
ção, com a implantação de porto comuni- atua na região do Canaticu desde 2011, e
tário central para efetuar as operações de do Instituto ProNatura, desde 2013. O Pro-
Hoje, embora se discuta a possibilidade de criação de um fundo em cada porto, este arranjo se restringe somente ao es-
[12]
coamento da produção das famílias, uma forma mais organizada de agregar volume à produção das mais de 1.500 famílias
do rio Canaticu.
114 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável
O Instituto ProNatura é organização do 3º setor de atuação internacional, sediada no Rio de Janeiro. Seus trabalhos focam
[13]
na “luta contra problemas sociais, econômicos e ambientais enfrentados por comunidades rurais de países em desenvolvi-
mento. O objetivo é encontrar alternativas econômicas viáveis para as pessoas que lutam para viver em ambientes sob cons-
tante ameaça” (extraído do site http://www.pronatura.org).
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 115
Em Santo Ezequiel Moreno, a comu- total de 1,6 mil toneladas de frutos ven-
nidade fez o monitoramento da safra que didos. Nesse período, cada uma das 27
antecede o projeto Embarca Marajó, no qual famílias integrantes do fundo contribuiu
levantou informações de produção para dois com R$ 21.000,00 nessa receita geral, pro-
períodos, de 2010 a 2011 e de 2012 a 2014, duzindo cerca de 59 toneladas no período
conforme dados da ATAA (2014). 2010-2014.
Em cinco anos de safra (2010-2014), A produção de frutos de açaí, segun-
a comunidade Santo Ezequiel Moreno mo- do o levantamento realizado pelo Lupa-
vimentou cerca de R$ 580.000,00 com a -Marajó/ Instituto Peabiru, é apresentada
comercialização de frutos de açaí, num na tabela a seguir:
Tabela 3
Produção de açaí da comunidade Santo Ezequiel Moreno no período 2010-2014
Parâmetro
Produção de Produção em Preço médio da rasa
Ano Receita estimada
rasas (Unid) toneladas (14 kg) durante a safra
2010 10.954,00 782,43 R$ 10,00 R$ 109.540,00
2011 6.231,00 445,07 R$ 12,00 R$ 74.772,00
2012 17.686,00 247,60 R$ 15,00 R$ 265.290,00
2013 5.603,00 78,44 R$ 10,00 R$ 56.030,00
2014 3.769,00 52,77 R$ 20,00 R$ 75.380,00
Total 44.243,00 1.606,31 R$ 581.012,00
Os valores por rasa arrecadados va- 2014, o valor por rasa aumentou, a partir
riaram durante os anos. Entre 2010 e da estratégia de arrecadação por unidade
2012, o valor adotado foi de R$ 1,00 por vendida. Os maiores investimentos apli-
rasa comercializada. A partir de 2013, os cados pela comunidade Santo Ezequiel
valores poupados por rasa comercializada Moreno nos últimos anos foram voltados
foram de R$ 2,00. Apesar de a produção principalmente para a infraestrutura co-
de açaí ter diminuído nas safras 2013 e munitária.
116 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável
4.2. Expansão dos Fundos Florestais Em Chaves, apesar de não ter sido
Comunitários e Familiares para uma atividade direta do Projeto Embarca
outras localidades no Marajó Marajó, foi possível levar a experiência por
meio da parceria com a Secretaria Munici-
Os intercâmbios promovidos pelos pal de Meio Ambiente (Sema) de Chaves e
Centros Diboa, do Projeto Embarca Mara- de um membro do Colegiado de Desenvol-
jó, proporcionaram que outras localidades vimento do Marajó (Codetem), que acom-
tomassem conhecimento e se inspirassem panha o desempenho dos Fundos Flores-
nas iniciativas para implantar os FFCFs. tais como tecnologia social.
Estes foram os casos das comunidades do Na comunidade Sagrado Coração de
rio Ubussutuba, no município de Chaves; Jesus, em Curralinho, houve a influência
e do rio Carutá, no município de Melga- das comunidades Sagrada Família e Boa
ço; bem como da comunidade Tartaruga, Esperança para o início de implantação
em Curralinho, todos no Marajó. Essas dos fundos. Na comunidade foi criado o
comunidades perceberam que, a partir de porto comunitário do açaí, onde são fei-
sua própria produção, poderiam promover tas as transações comerciais de frutos de
a transformação cidadã. Uma economia açaí através da associação, destinando-se
com autonomia (RAMOS, 2015). R$ 1,00/rasa comercializada para a pou-
pança coletiva.
Em Melgaço, no rio Carutá, qua-
tro famílias adotaram o Fundo Florestal e
passaram a poupar cerca de R$ 2.000,00
por safra de açaí, para serem aplicados
em insumos e equipamentos. Esse mé-
todo baseou-se na experiência da comu-
nidade Sagrada Família, que arrecada de
R$ 2.000,00 a R$ 4.000,00 por safra em
seu fundo coletivo. Em Breves, na região
da estrada, que contou com participan-
tes nos Centros Diboa, o Fundo Solidário
Florestal adaptou sua metodologia para a
farinha-de-mandioca, principal produto da
localidade. Nessa região, 19 mulheres e 6
5. Considerações finais
A estratégia de ação do Projeto Em- da Região Metropolitana de Belém, sem,
barca Marajó em fortalecer o capital hu- para isto, depender de atravessadores.
mano das lideranças locais se mostrou bas- Em relação ao rio Acuti Pereira, é no-
tante efetiva e frutífera. A participação de tória a mudança ocorrida nos últimos dez
integrantes do Lupa Marajó nas oficinas e anos. Da situação de grave risco social e am-
ações do projeto, atuando desde a concep- biental encontrada em 2004, de dependen-
ção metodológica das oficinas e logística, as- tes de compradores de palmito e ameaçados
sim como da discussão relacionada aos seus por madeireiros e fazendeiros, a comunidade
resultados, possibilitou seu fortalecimen- Santo Ezequiel Moreno, hoje, é prova de que
to para a efetiva implementação de proje- é possível uma maior autonomia das comu-
tos em seu território. Isso representa um nidades pelas suas próprias iniciativas. Isto
exemplo de que ações de desenvolvimento tem reflexo direto na gestão, na autoestima
endógeno promovem mudanças significati- e na dignidade da comunidade, que agora se
vas no fortalecimento da entidade de base. apresenta como referência em Portel.
Os Centros Diboa mostraram que Em regiões como o Marajó, em que
escolas sem paredes são perfeitamente não há bancos e caixas eletrônicos e se
exequíveis, permitindo a troca de conhe- depende de sistemas de correspondentes
cimento entre as comunidades. Entre os bancários precários e insuficientes como
exemplos está o fortalecimento da Coopera- as casas lotéricas, a criação de sistemas lo-
tiva Sementes do Marajó, que em 2016 su- cais de poupança como os FFCFs se apre-
perou pendências fiscais para se qualificar senta como uma oportunidade comple-
como fornecedor de merenda escolar para mentar, ainda que não busque substituir
a Prefeitura Municipal de Curralinho. Da o sistema formal. O importante resultado
mesma forma, a cooperativa se apresenta é a educação financeira para a poupança,
como negociadora da safra de centenas de o aprendizado para a importância de deci-
produtores com empresas de maior porte sões coletivas e a verificação que se pode
118 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável
6. Referências bibliográficas
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PORTEL. Indicadores Socioeconômicos e Ambientais. 2016. Secretaria de Meio Ambien-
te de Portel. Documento Interno.
120 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável
CAPÍTULO
LIÇÕES, APRENDIZADOS
E CAPITAL GERADO
PELO PROJETO
EMBARCA MARAJÓ
Dorinha Raiol
Ruth Corrêa da Silva
122 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável
NEVES, L. M.W; PRONKO, M. A; MENDONÇA, S. R. de (2009). Capital Social. Dicionário da Educação Profissional em
[14]
[15]
Idem nota 14.
[16]
Idem nota 14.
124 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável
Isso está expresso nas experiências nistrativa, jurídica até a promoção de cida-
descritas nesta publicação. Os diversos de- dania com viabilização de direitos básicos.
poimentos das pessoas e entidades ao lon- Um exemplo desse processo de or-
go da obra demonstram a disposição dos ganização social e comunitária é a di-
homens e mulheres como atores principais nâmica de criação do Fundo Açaí, que
do processo desencadeado pelo projeto. exigiu “um esforço significativo de reu-
Um elemento comum a essa disposi- niões, encontros, debates, conversas in-
ção de luta para a melhoria da qualidade dividuais e coletivas sobre o assunto, ou
de vida na região é a visão da importân- seja, um exaustivo investimento em con-
cia da organização comunitária, que é um vencimento do maior número de pesso-
processo essencial para o êxito de qualquer as sobre o que o fundo poderia significar
ação. É perceptível para as organizações para alavancar as condições de vida da
envolvidas nas iniciativas em todos os mo- comunidade.”
mentos das experiências apresentadas a A organização foi também o fator de-
necessidade da organização da coletivida- cisivo para a instalação do Banco Comuni-
de, sem desconsiderar, entretanto, outros tário na vila de São Miguel de Pracuúba,
tipos de ordenação, como o administrativo com uma associação devidamente estrutu-
e o logístico. A partir da construção de uma rada para tomar conta da gestão e os as-
base de confiança entre os comunitários, pectos de infraestrutura necessários.
permeada pela solidariedade, foi possível Seguramente, os Fundos Florestais e
alcançar os objetivos pretendidos pelas o Banco Comunitário sob a área de inter-
diversas experiências inseridas na área venção do projeto, assim como outros or-
de intervenção do projeto, destacando-se, ganismos dessa natureza, são hoje resulta-
neste sentido, a importância da união e dos da organização social da comunidade,
organização da comunidade para a viabili- tornando-se uma via de luta em defesa do
zação de suas necessidades e, consequen- território. Junto a isso, repercute-se tam-
temente, a melhoria das condições de vida. bém a importância da organização pro-
Todas as entidades comunitárias tra- dutiva, baseando-se particularmente na
balhadas pelo projeto são detentoras de realidade extrativista do Marajó, onde as
histórias singulares nesse processo orga- cooperativas tornaram-se instrumentos
nizativo, indo da criação da entidade, de necessários no processo produtivo e na
Bancos Comunitários ou dos Fundos So- comercialização dos produtos, especial-
lidários, passando pela constituição admi- mente o açaí.
126 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável