Fotogenia e Arquitetura
Fotogenia e Arquitetura
Fotogenia e Arquitetura
Fotogenia e arquitetura
Fernando Freitas fuão
A fotogenia é a retórica da câmera fotográfica. Sua função, desde o início, foi a de orientar,
organizar, projetar e selecionar todo o universo representável da câmara e, naturalmente, até
mesmo de docilizar corpos humanos. O estudo da arquitetura desde a ótica da fotogenia
pode ser uma poderosa ferramenta de análise dos objetos arquitetônicos, e da cidade.
Ela esteve presente nas bases das vanguardas da arquitetura do inicio do século XX,
entretanto foi mascarada pelos discursos funcionalistas, mecanicistas, puristas, objetivistas,
racionalistas, plasticistas, construtivistas.[1] Por exemplo, Laszó Moholy-Nagy, em La Nueva
Visión y reseña de un artista evidencia -quase sob a forma de um dicionário a influencia que
a fotografia teve sobre o cubismo e a arquitetura moderna: distorsão, giro dos objetos, cortes
(o emprego de partes em lugar do todo), deslocamentos, superposição de distintas vistas do
objeto, introdução de linhas geométricas exatas, retas e curvas, planos positivos/negativos,
múltiplas formas em uma.[2]
Uma das primeiras tentativas de definir uma Fotogenia parte da figura de Louis Delluc (1890-
1924) e praticamente a associa à teoria do Cinema: "todo aspecto que não seja sugerido
pelas imagens em movimento não é fotogênico." [3]
O belo passou a ser simplesmente o que os olhos não vêm normalmente, ou o que não
podem ver: uma visão desconcertante, que só uma câmera produz.
"A natureza que fala à câmera é distinta da que fala aos olhos." Como disse W. Benjamin na
Pequeña historia de la fotografía, [6]
A «objetiva», tal como o "olho do proletariado", é um olhar que tem sua origem na
inteligência militar da indústria da aviação. O narcisismo de uma arquitetura de massas se
fez realidade na construção de habitação social, projetada de cima, e publicadas desde
baixo.
"Em 1913, Alvin Langdon Coburn, membro da Photo-secession incluiu em sua mostra
pessoal de Goupil Gallery de Londres uma serie de cinco fotografias que se intitulava New
York from its pinnacles. Eram vistas para baixo, e a perspectiva distorcida sublinhava o
desenho abstrato de ruas, praças e edifícios. No catálogo assinalou-se que uma delas era
quase tão fantástica em sua perspectiva como uma fantasia cubista." [8]
Como observou Kostelanetz: "Na era dos balões e aeroplanos, a arquitetura podia ser vista
não só de frente e de lado, mas também desde cima". [10]
A apreensão da visibilidade total do corpo é sugerida por uma seleção de cortes
premeditados em uma fragmentação do corpo e através um acúmulo de detalhes. Deste
vasto inventário fotográfico do corpo surgem os topos fotogênicos. A aparência do edifício,
tal como de uma pessoa, está submetida, portanto, a uma serie de testes óticos onde nem
todos os registros se mostram favoráveis. O fotógrafo terá que escolher entre os vários
ângulos do objeto, aqueles que lhe são favoráveis, ou seja, fotogênicos. Essa seleção,
fotogênica acaba criando modelos, ídolos, idolatria. Ou melhor, a criação de ídolos passa
pela fotogenia.
Andreas Fenninger, ao descrever as características que os corpos devem possuir para ser
fotogênicos, implicitamente destacou alguns postulados estéticos construtivos utilizados no
algoritmo do projeto arquitetônico moderno, como por ex: claridade e simplicidade na
estrutura, nos contornos e formas x confusão, desordem do sujeito, contraste x falta de
contraste.- forma clara, interessante e vigorosa.- profundidade de espaço (perspectiva) x
ausência de elementos que permitam apreciar a profundidade e o tamanho relativo.-
estrutura superficial viva.[11]
Susan Sontag assinalou com grande perspicácia esse fato ao dizer que "O envelhecimento é
a causa da fotogenia e, neste sentido a arquitetura e a fotografia estão sujeitos à mesma e
inexorável promoção sob a passagem do tempo; muitos edifícios, e não só o Partenon,
talvez pareçam melhor como ruínas". Uma peculiar visão do Romantismo que a câmera
escura ajudou a construir. A câmera é o feitiço de morte, testemunho de uma falsa
imortalidade.[12]
A proliferação desses espaços, que originalmente eram de cunho ‘comum’, espaços público
que a utopia moderna previa, não teve outro papel a não ser desempenhar o papel do
passe-partout do objeto arquitetônico. Acrescente-se também os princípios da mítica cidade
agrária dos higienistas, os postulados racionalistas corbusianos à estética da fotografia.
[1] Não desenvolverei a influencia que a fotografia teve nas vanguardas artísticas, praticamente todos os 'ismos' artísticos
surgidos nos últimos cem anos encontram na fotografia o denominador comum entre eles. Veja-se, por exemplo:
Beaumont Newhall, The History of photography, New York, 1982, em especial veja-se o capitulo "En busca de la forma",
pp.199-212. Philippe Dubois, La fotografía y el arte contemporáneo, em Jean-Claude Legmany y André Rouillé, "La
Historia de la Fotografía", Barcelona, 1988, pp.232-53, Rosalind Krauss, Jump Over Bauhaus, em "Octuber" nº 15 (winter
1980). Veja-se também sobre a fotografia na Bauhaus o ensaio de Jefrey Browning, Modern Architecture and
Photography; a simbiotic relationship, em "Archetype¨" nº II & III, 1981, pp. 60-62. Sobre a influencia da fotografia no
construtivismo veja-se: Benjamin Buchloh, From Faktura to Factography, em"Octuber" nº 30, 1984, pp.83-119. Sobre as
relações do futurismo com a fotografía veja-se; Giovanni Lista, Futurist photography, «Art Journal», winter 1981, pp.358-
364.
[2] La Nueva Visión y reseña de un artista, Buenos Aires, s/d.p.64
[3]
Delluc, L, em Homero Thevewet & Joaquim Romaguera, Textos y manifiestos del Cine, Barcelona, 1984, p.325.
[4]
Le Cinématográphe vu de l'Etna, citado em Thevewet, op. cit.; p.337. Sobre a importância da fotogenia veja-se, "La
esencia del cine", de Jean Epstein, Buenos Aires, 1972, em especial o capítulo: 'rapidez y fatiga del hombre espectador',
que se antecipava aos estudos de Guy de Bord, y Paul Virilio.
[5] Delluc, op. cit.; p. 327.
[6] Benjamin, W.; Pequeña historia de la fotografía, p.67
[7] Benjamin, W., La obra de arte en la época de su reproductibilidad técnica, op. cit.; p.55.
[8] B. Newhall, op. cit.; p. 199.
[9]
Paul Virilio, em sua Estética de la Desaparición, Barcelona, 1988, p.64.
[10]
Kostelanetz, R.; Laszó Moholy-Nagy, N.Y, 1979, p.63
[11]
Feininger. Arte y técnica en la fotografía, Barcelona, 1969, pp.19-24.
[12]
Sontag, S., op. cit.; pp.89-90.