A Produção Arquitetônica Dos Espaços Imaginários No Cinema: Resumo
A Produção Arquitetônica Dos Espaços Imaginários No Cinema: Resumo
A Produção Arquitetônica Dos Espaços Imaginários No Cinema: Resumo
Resumo:
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Arquiteta e Urbanista pela FAU Mackenzie. Realiza pesquisas na área de Direção de Arte, sendo
integrante do grupo de pesquisa Arte, Design: linguagens e processos. Possui experiência em assistência
editorial no Periódico Cadernos de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo editado pelo Mackenzie.
Introdução
A concepção da Arquitetura como expressão de qualidade estética fez com que esta
matéria fosse classificada como um dos membros das belas artes - juntamente com
escultura, pintura, música e poesia - por filósofos como Immanuel Kant (1724-1804)
e Friedrich Hegel (1770-1831). Entretanto, diferente das demais, a Arquitetura
possui um vocábulo tridimensional, que inclui o homem em uma imersão de espaço,
possibilitando a caminhada e vivência de diferentes percepções, e interações na
própria arte (ZEVI, 1948).
Assim, pressupõe que a representação arquitetônica em meios que não sejam através
da experiência de vivenciá-la seja incompleta, porém, a sua representação imagética
tem importante papel nos processos criativos, tanto na pré-construção, quanto na
pós. Os primeiros precursores dessa reprodução foram os desenhos manuais, os
conhecidos croquis, que são uma das principais ferramentas utilizadas pelos
arquitetos para manipularem os diferentes aspectos de seus registros gráficos em sua
concepção projetual (PERRONE, 2018), além de serem muito utilizados na
concepção de storyboard.
A noção de perspectiva advinda das pinturas renascentistas, por sua vez, foi
essencial para interpretação correta dos volumes, profundidade, espaço internos ou
paisagens, e todo tipo de grafia que busca reproduzir as características
tridimensionais da realidade, sobretudo a arquitetura. Essa concepção foi essencial
para facilitar o entendimento de resultado de algumas intenções projetuais,
entendendo melhor a ambiência pretendida. A arquitetura de imagens visuais, por
sua vez, ganhou um destaque evidente em razão dos projetos passarem a adotar a
estratégia da persuasão instantânea, com edificações que se tornam verdadeiros
produtos visuais (PALLASMAA, 2011). Neste contexto, as fotografias fizeram
papel importante nessa representação arquitetônica por possuírem caráter
documental ao registrar transformações das cidades no mundo.
Em 1927, outro filme alemão importante abriu caminho para a área de ficção
científica em termos de histórias e tecnologia, configurando a primeira distopia
científica. Do diretor Fritz Lang e roteiro de Thea von Harbou, o filme “Metrópolis”
(1927) mostra as injustiças sociais através da arquitetura da cidade, com a elite
morando na parte elevada, enquanto uma segunda cidade é encontrada nos
subterrâneos, onde os trabalhadores operam máquinas para sustentar as camadas de
cima.
O filme traz inovações para a época por ser o primeiro a trazer um caráter futurista a
uma personagem principal inédita, a cidade. Para isso, foi preciso o levantamento de
diversas referências arquitetônicas, como características da cidade de Manhattan e
do estilo art déco, para traduzir o fascínio por grandes escalas, com edifícios
imponentes e a energia da época industrial em visuais limpos e linhas alongadas. O
responsável por tornar essa ideia possível é o arquiteto e pintor Eugen Schufftan
(1893-1977), com a invenção da técnica que leva o seu nome (LEZO, 2010).
Figura 01 e 02: Set de filmagem do filme Metrópolis com indicação dos elementos
necessários (ator, maquete e espelho) para processo Schufftan e o resultado final.
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=pU0k9YzNMwM&t=624s
Apesar do cinema ser concebido na Europa, a América foi grande responsável pelo
avanço tecnológico e difusão da sétima arte. Thomas Edison, por exemplo, foi um
dos principais contribuidores para esse feito, por ser o inventor do Kinetoscope (em
português, Cinetoscópio), primeiro equipamento que se tem registro de gravações
cinematográficas, com reprodução individual (SABADIN, 2018). Com a instalação
deste equipamento no seu estúdio Black Maria, em 1892, tem-se o primeiro estúdio
no formato que conhecemos atualmente. Sua principal característica é pintura
externa em preto para auxiliar na captação da iluminação natural através de um teto
retrátil. Além disso, ainda contava com uma estrutura que garantia o giro do estúdio
para que este acompanhasse o movimento do sol durante o dia.
Após o episódio conhecido como “Guerra das Patentes de Thomas Edison”, grandes
estúdios cinematográficos foram formados, tais como IMP/Universal; Paramount,
Fox, United Artists, Columbia e Metro-Goldwyn-Mayer (MGM). Em busca de
cenários naturais e clima agradável, os estúdios começaram a se expandir pela
América do Norte, em direção a Costa Leste, onde acharam um subúrbio de terrenos
baratos chamado Hollywood, que hoje possui o próprio conceito de cinema
(SABADIN, 2018). Assim, a arquitetura do cinema era, muitas vezes, as paisagens
naturais do lugar. A região atraiu rapidamente artistas de várias áreas e, em 1927,
produtores da área fundaram a Academy of Motion Picture Arts and Sciences (em
português, Academia de Artes e Ciências Cinematográficas), para conferir ao
cinema caráter intelectual, cultural e artístico, que posteriormente criaria a
premiação do Oscar.
Um filme que surgiu nesse ambiente e que se consagrou como a maior bilheteria do
cinema é o clássico “...E O Vento Levou” (1939). Passado por diversos diretores,
como Victor Fleming, George Cukor e Sam Wood, o filme contou com a produção
de David O. Selznick, um nome de grande importância para os estúdios na época.
Em razão da constante mudança de diretores ao longo das filmagens, o filme corria
o risco de ter uma mistura de concepções estéticas, o que poderia acarretar uma
linguagem visual confusa.
As inovações da época
Passada essa reestruturação, uma Nova Hollywood surge em razão de novos talentos
que possuíam um amplo repertório de quem havia crescido com influência da
televisão. Nessa época, que se compreende principalmente nos anos 60 e 70, houve
a expansão das fronteiras geográficas, com parcerias entre os estúdios norte-
americanos e os europeus. A transição entre os anos 70 e os 80, por sua vez, teve
como principal audiência o público jovem. Com esse novo foco, as comédias
românticas ganharam espaço e os cenários passaram a ser os colégios e ambientes
descontraídos frequentados por esse público (SABADIN, 2018).
O período também foi marcado pela abertura de portas para produções focadas em
gêneros de aventuras e ficção científica, auxiliados pelo avanço da computação
gráfica. A construção do cenário físico nos sets de filmagens de estúdios
cinematográficos alinhados com a tecnologia de efeitos especiais, principalmente os
gerados através de CGI (Computer generated imagery, em português, Imagens
geradas pelo computador), tornam-se essenciais para ambientar o espectador na
história a partir desse período. Um grande exemplo da utilização dessa dupla é a
famosa saga da cultura pop, “Star Wars”. Criada por George Lucas em 1977, a
franquia é considerada uma das maiores do cinema, com três trilogias
cinematográficas, e diversos spin-offs, composta por séries animadas e jogos de
videogame. O motivo de tamanho sucesso é, sobretudo, a criação narrativa de todo
um universo imaginário com 32 planetas diferentes, mostrados em apenas 10 filmes.
Dessa época, outra produção que vale ser citada é “Blade Runner” (1982), do diretor
Ridley Scott. Situado em um futuro distópico, o filme utiliza da arquitetura para
mostrar tanto a diversidade dos povos retratados no longa, como também a
decadência que uma cidade superpopulosa pode possuir. Segundo o diretor no
documentário “Dangerous Days” (2007), a equipe de artes utilizou como base a
cidade de “Metrópolis” (1927), com tomadas guia do filme de Lang, e a utilização
de maquetes dos prédios e da técnica Matte Painter - representação pintada de um
cenário, ambiente, ou localização distante - muito semelhante à solução já citada do
filme expressionista, porém transformado em uma distopia escura e poluída,
diferente do precedente. Assim, foi possível criar planos gerais com grande
conglomeração de arranha-céus, que nascem de subúrbios superpovoados; chaminés
industriais, e edifícios com arquitetura eclética, com a utilização das ordens
clássicas, até volumetrias funcionais, com pirâmides e cilindros (ALTAMIRANO,
2014).
O filme “A Origem” (2010), do diretor Christopher Nolan, por sua vez, além de
utilizar da arquitetura na direção de arte para a construção dos cenários, também a
utiliza como enredo, cuja principal história é a possibilidade de sonhos serem
manipulados por arquitetos para construir uma realidade imaginária. A construção
do irreal dessa obra encontra-se também associada diretamente ao cenário
construído, que busca representar o infinito da mente humana. Para ilustrar, tem-se a
cena icônica do corredor de hotel que submete os personagens à gravidade zero,
onde construiu-se uma grande estrutura o qual funcionamento assemelha-se muito à
roda gigante.
Por sua vez, a família de classe alta, para quem eles vão trabalhar, reflete a situação
financeira oposta quando sua elegante casa é apresentada. Projetada por um famoso
arquiteto coreano da trama, o cenário principal consiste em um minimalismo
moderno, com predominância de madeira e concreto, e conceito aberto, que
possibilita integração da sala com o jardim através de uma divisória de vidro. Este é
um espaço habitacional que conquistou seu lugar na ordem social (FINN, 2019). O
trabalho do designer de produção do filme, Lee Ha Jun, ao concretizar a área
imaginada pelo diretor exigiu referência não de um estilo arquitetônico, mas a
pesquisa de várias casas com design minimalista para capturar uma ótima disposição
do espaço. É quando essa casa é ampliada a cômodos secretos que a história também
expande em sua dimensão de enredo e críticas sociais.
As duas casas apresentadas representam a verdade das duas famílias e a forma como
elas existem economicamente. Enquanto uma possui uma belíssima vista de cima, a
outra aparece quase enterrada. Não é apenas o princípio do filme “Metrópolis”
(1927) (topo da elite, base da massa), mas a própria ideia de que o traçado urbano, e
mesmo doméstico, é uma narrativa em si (NIOLI, 2019). Assim, percebe-se que
essa obra, como também as demais apresentadas, não contam uma história sobre a
arquitetura em si, mas mostram como narrativas diversas são contadas por meio da
linguagem arquitetônica.
Conclusão
Nessa área técnica e criativa são encontrados lugares para novos significados e
intenções, que garantem total diferença na complexidade da arte cinematográfica e
em sua narrativa. Dessa forma, conclui-se, através da análise cronológica, que a
produção arquitetônica dos espaços imaginários é essencial no cinema para passar as
intenções e interpretações pretendidos no filme.
Referências Bibliográficas
NIOLA, Gabriele. Parasite: the movie of the year uses architecture to talk to
everyone. 2019. Disponível em:
https://www.domusweb.it/en/art/2019/11/17/parasite-is-the-film-of-the-year-and-it-
uses-architecture-to-talk-to-everyone.html. Acesso em: 28 dez. 2019.
O GABINETE do Dr. Caligari. Direção de Robert Wiene. Polônia: Universum Film
Ag, 1920. P&B. Legendado.
SABADIN, Celso. A História do Cinema para quem tem Pressa. Rio de Janeiro:
Valentina, 2018. 192 p. ISBN 978-85-5889-066-3
SADOUL, Georges. História do Cinema Mundial: das origens a nossos dias. São
Paulo: Martins Fontes, 1963. 213 p. ISBN: 9789722405577
VIAGEM a Lua. Direção de Georges Méliès. França: Star Film, 1902. (14 min.),
P&B. Legendado
ZEVI, Bruno. Saber ver a arquitetura. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1948. 298
p. (Coleção Mundo da Arte). ISBN 978-85-7827-084-1