Ensino Da Historia e Memória Coletiva 232
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CDU 37.01:930
PSICOLOGIA E HISTÓRIA
Podem-se citar estudos, diferentes entre si, que pertencem à “história das
mentalidades”: as representações ideológicas do mundo feudal em três estamentos:
os especialistas da oração, do combate e da produção (Duby, 1974); a vivência
popular da peste no século XIV como um castigo divino (Le Goff, 1974); as repre-
sentações da criança e a morte no antigo regime (Áries, 1962); o medo arcaico
que impulsionou a invasão dos camponeses franceses aos castelos, ameaçando a
dominação senhorial (Lefevre, 1956).
Com extrema generosidade, poderíamos ligar esta corrente de pesquisa ao
estudo de Ginzburg (1981) sobre a ascensão da cultura popular que sublinha as
idéias religiosas – vinculadas à tradição camponesa – do moleiro Menocchio, mor-
to na fogueira em meados do século XVII. Contudo, esse autor rechaça explicita-
mente que tenha tratado das mentalidades porque há componentes racionais na
visão de mundo do moleiro, que não aparecem naquelas; sobretudo, porque não
se devem assumir os riscos de uma perspectiva “interclassista” (que une o olhar de
Colombo ao de seus marinheiros), típicas de muitos estudos de mentalidades “co-
letivas”, já que generaliza em toda uma população o que é encontrado em um de
seus extratos.
AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
Assim como com as mentalidades, faremos uma caracterização geral das re-
presentações sociais, para nos dedicar de imediato aos aspectos pertinentes à nos-
sa discussão. Segundo S. Moscovici (1976), a noção de representações sociais
recupera o conhecimento do sentido comum que inclui aspectos tanto cognitivos
quanto afetivos e orienta a conduta dos indivíduos no mundo social. Essencial-
mente, trata-se de uma representação de um sujeito social imerso em um contexto
histórico e social a respeito de um objeto.
É uma forma de conhecimento prático: emerge das experiências de interação
e comunicação social; constitui-se para assumir novas situações que enfrenta a
atividade dos agentes, e cada indivíduo as utiliza para atuar sobre demais mem-
bros da sociedade. Além disso, as representações sociais são implícitas, no sentido
de que os indivíduos não têm consciência de sua existência como tal. Ou seja, as
produções coletivas, ao ser socialmente produzidas, transbordam a consciência
individual.
Os aspectos cognitivos das representações sociais adquirem para os psicólo-
gos um traço particular: a inclusão da pessoa em um grupo social e sua participa-
ção na cultura. Desse modo, elas contêm um conjunto de significados que delimi-
tam as posições adotadas pelos indivíduos, configurando sua identidade social.
Por outro lado, expressa as necessidades e os valores de um grupo social, o que as
distingue do conhecimento científico. Claramente, as representações sociais não
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são um reflexo da realidade, mas sua estruturação significante, o que faz com que,
para as pessoas, se convertam na própria realidade (Jodelet, 1989a).
A elaboração das representações sociais ocorre mediante os mecanismos de
ancoragem e objetivação. Segundo o último, selecionam-se aspectos do objeto
conceitual (por exemplo, da psicanálise), concretizando-o em um núcleo figurati-
vo. Assim, tais aspectos tornam-se “o real”, ou seja, são naturalizados. Por seu
turno, a ancoragem permite que as situações sociais inesperadas ou “não-familia-
res” sejam assimiladas pelo conjunto de crenças e valores preexistentes, conce-
dendo-lhes algum significado (Moscovici, 1986).
A perspectiva metodológica principal situa as representações sociais em um
processo histórico, buscando reconstruir sua sociogênese nas práticas sociais. Além
disso, os estudos utilizam entrevistas abertas e procedimentos etnográficos, assim
como procedimentos estatísticos no tratamento dos dados. Trata-se de uma com-
binação criativa de métodos qualitativos e quantitativos.
Finalmente, mencionamos alguns dos temas estudados na teoria das repre-
sentações sociais: a psicanálise (Moscovici, 1976), a loucura (Jodelet, 1989b; 1992),
a inteligência (Mugny e Carugati, 1985), o gênero (Lloyd e Duveen, 2003), a
autoridade institucional (Emler, Ohana e Moscovici, 1987), o campo educativo
(Gilly, 1980; Lautier, 1999), a saúde e a doença (Herzlich, 1986). Como se vê, as
pesquisas não tratam das significações sociais que os agentes concedem à totalidade
social, mas a seus setores relativamente bem delimitados.
OUTRAS CONVERGÊNCIAS
Uma tese central da versão clássica da história das mentalidades é que elas
são de longa duração, de acordo com o enfoque da escola dos Annales. Os historia-
dores mostram que as mentalidades mudam de forma muito lenta, justamente por
serem vinculadas “às profundidades” das representações arcaicas, autênticas mar-
cas residuais das concepções mais intelectuais; isto é, um mundo que carece da
agilidade dos instrumentos dos meios intelectuais, muito mais suscetíveis à modi-
ficação.
Le Goff (1999) exemplifica com o conceito de autoridade na Idade Média. Os
pensadores rechaçavam a novidade e refugiavam-se sempre na autoridade da Bí-
blia; mesmo quando o pensamento escolástico renovava os problemas filosóficos,
limitavam-se a afirmar a autoridade dos professores. Até os magistri do século XII,
no nascente mundo acadêmico, voltam a assumir traços e funções sagradas. Esse
autor ainda destaca que a mentalidade medieval que negava a perspectiva na arte,
na história, não chegava a assumir essa dualidade. Assim, os cruzados que iam a
Jerusalém acreditavam que iam matar os carrascos de Cristo, e não seus sucesso-
res ou os filhos de seus sucessores.
Para os historiadores dos Annales, as mentalidades são zonas de relativa imo-
bilidade das crenças coletivas e constituem uma expressão do atraso da evolução
mental em relação à evolução econômica, técnica e social. Segundo Braudel, são o
lugar das “prisões de longa duração”. Mesmo aceitando a existência dessas cren-
ças e sua lenta modificação, os historiadores posteriores não desprezaram os tra-
ços do instante e da brusca mudança. Segundo Volvelle (1989), deve-se incluir o
estudo de uma revolução, particularmente a francesa de 1789, com suas rupturas
abruptas. Uma história das “festas revolucionárias”, as “resistências” ou a
descristianização dos costumes, com seus respectivos contrastes de classe.
As representações sociais foram postuladas por Moscovici para dar conta das
interpretações do senso comum que não correspondiam às representações coleti-
vas de Durkheim. Uma das principais razões é que elas se referem a formas de
consciência social cuja transformação é lenta, enquanto as representações sociais
mudam mais aceleradamente. Elas se associam aos intercâmbios sociais cotidia-
nos da vida moderna, criam e recriam a si mesmas em condições que as tornam
muito mais maleáveis ou mutáveis. Sem dúvida, algumas representações sociais
apresentam uma forte estabilidade temporal, como demonstram os estudos de
gênero. Mas boa parte delas apresenta uma história relativamente breve, com
modificações significativas.
Um estudo sobre a representação da inteligência em professores franceses,
realizado entre 1978 e 1988 (Lautier, 2001), evidencia a noção de curta duração.
Os jovens docentes de 1978 contrastam a inteligência e a criatividade, o que se
vincula muito claramente com os debates típicos do maio de 1968 na França.
Enquanto a inteligência era interpretada como sinônimo de segurança, rigidez e
controle, a criatividade envolvia um compromisso emocional e era própria da ima-
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O SIGNIFICADO DA RECIPROCIDADE
REFERÊNCIAS
*
Agradeço a colaboração de N. Pizzarroso, da UPND, por suas observações sobre a escola
francesa de psicologia histórica e pela bibliografia que me apresentou.
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