Cort Ada

Fazer download em doc, pdf ou txt
Fazer download em doc, pdf ou txt
Você está na página 1de 21

UNIDADE 1: ANTROPOLOGIA E EDUCAÇÃO UM DIÁLOGO POSSÍVEL

Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de:


- Identificar as diferentes correntes teóricas da Antropologia;
- Descrever a relação entre Antropologia e educação.

Introdução
Você já observou a diversidade de grupos que compõem a sociedade em que vivemos?
Já se perguntou sobre a infinidade de relações culturais que resultam dos contatos entre esses
grupos? Agora, imagine toda essa diversidade associada ao espaço da sala de aula, por exemplo.
Como gerir essa gama de teias de significados nesse universo, é um desafio que todo
professor/educador enfrenta na sua prática diária. É nesse sentido que a Antropologia pode
contribuir na compreensão dos fenômenos educacionais. O professor/educador precisa ter um olhar
antropológico sobre o seu espaço de atuação. Esse olhar o auxiliará a lidar com os conflitos e as
contradições que surgem do confronto e do contato entre os diferentes grupos sociais, contribuindo
para uma prática docente relativizadora.

1.1 A Antropologia e suas Especialidades


A Antropologia é um campo do conhecimento bastante recente, que demarca seu
espaço, sobretudo, após os contatos dos europeus com outros povos distantes, durante as
expansões marítimas. Porém seus métodos de análise e suas teorias foram se constituindo ao longo
dos séculos XVIII, XIX e XX.
Podemos definir a Antropologia como uma ciência que busca o conhecimento
abrangente do ser humano, pois, “o seu interesse está no homem como um todo – ser biológico e
ser cultural – preocupando-se em revelar os fatos da natureza e da cultura” (MARCONI; PRESOTTO,
2001, p. 24). Devido à amplitude de seus campos de interesse, temos uma divisão em áreas: a
Antropologia Física ou Biológica, que se preocupa com os aspectos biológicos do homem; a
Antropologia Social e/ou Cultural, voltada para a dimensão sociocultural, por exemplo, o estudo das
instituições sociais, e a Arqueologia, que investiga os vestígios, as pistas da existência de grupos
humanos já desaparecidos.

Saiba mais
A palavra Antropologia, etimologicamente, vem do grego antrophos – homem/ pessoa e logos –
razão/ pensamento e significa Estudo do homem.

Como você pode observar, é bastante amplo o campo de investigação dessa ciência.
Alguns autores divergem sobre essa divisão, porém ela é um recurso didático para que possamos
compreender a especificidade da Antropologia. Roberto DaMatta (1997, p. 28-9), por exemplo,
entende que “[...] a Arqueologia é uma subdisciplina da Antropologia Geral, e mais especificamente,
da Antropologia Cultural (ou Social), já que seu objetivo é chegar ao estudo das sociedades do
passado”. A linha que demarca essas áreas é bastante tênue e, muitas vezes, fazemos uso de
conceitos que estão presentes em mais de uma delas.

Vejamos agora um breve histórico do desenvolvimento da Antropologia enquanto


ciência e disciplina.

1.2 Desenvolvimento Histórico das Principais Teorias Antropológicas


DaMatta (1997, p. 88) explica que:
falar de ‘história da antropologia’ é especular sobre o modo pelo qual os homens
perceberam suas diferenças ao longo de um dado período de tempo, [...] um
domínio especial onde podemos realizar uma importante reflexão sobre nós
mesmos através do estudo dos ‘outros’.
Apesar das especificidades de cada área dessa ciência, podemos dizer que ela é uma
forma de conhecimento sobre a diversidade cultural, uma busca por descobrirmos quem somos a
partir do outro, esteja ele longe ou perto, presente ou extinto. É uma maneira de nos situarmos
frente aos vários mundos sociais e culturais, abrindo possibilidades de ampliarmos nossa capacidade
de agir, sentir e refletir sobre o que nos torna tão singulares e diferentes.
Os primeiros relatos sobre esse outro, descoberto em terras longínquas na época das
grandes navegações, eram feitos por meio de cartas, diários, relatórios dos viajantes, comerciantes,
missionários, militares, entre outros. Esses relatos se constituíram em uma literatura sobre a
diversidade cultural dos povos descobertos pelos europeus. A carta de Pero Vaz de Caminha sobre o
descobrimento do Brasil é um exemplo desses relatos.
Porém, é a partir da influência das teorias de Charles Darwin (1809-1882) e de seu
tratado sobre “A Origem das Espécies” que a Antropologia começa a desenvolver-se teoricamente.
Surge o evolucionismo social, que pode ser caracterizado, segundo DaMatta (1997, p. 91-7), por
quatro ideias gerais:
1. As sociedades humanas deviam ser comparadas entre si por meio de seus costumes,
[...] como entidades isoladas de seus respectivos contextos.
2. Os costumes têm uma origem, uma individualidade e um fim.
3. As sociedades se desenvolvem de modo linear [...] da mais simples para a mais
complexa e da mais indiferente para a mais diferenciada, numa escala irreversível.
4. Todas as formas sociais, políticas, econômicas, religiosas, jurídicas e morais
desconhecidas foram reduzidas ao eixo do tempo [...] a grande máquina capaz de
eliminar as diferenças e reduzir o estranho ao familiar.
O que essas quatro ideias fundamentais sobre o evolucionismo social querem afirmar é
que todas as formações sociais estão numa linha evolutiva que considera como atrasados, selvagens
e primitivos todos os costumes que não fazem parte do último estágio, o mais evoluído da sociedade.
O fato de que, como as diferenças estão subsumidas na ideia de que o outro sou eu, num estágio
mais atrasado, faz com que todas as possibilidades de pensar e conceber esse outro como um igual
sejam anuladas, posto que ele estará sempre num estágio diferente.
Fortaleceram-se, assim, as práticas preconceituosas e discriminatórias que, ainda hoje,
estão presentes em nossa sociedade. Além disso, as teorias evolucionistas justificaram, por um longo
tempo, os planos colonialistas, na afirmação de que essas sociedades ou grupos humanos que
estavam em um estágio inferior deveriam evoluir para o estágio mais avançado.
Outro dado interessante é que os antropólogos do evolucionismo social não iam a
campo realizar suas pesquisas. Eram antropólogos de gabinete, ou seja, recebiam os relatos e dados
e sistematizavam o conhecimento sobre os povos primitivos, sem nunca entrar em contato com eles.
Um dos principais representantes da teoria evolucionista é Edward Tylor (1832-1917), precursor,
também, do conceito de cultura que veremos mais adiante. Porém, apesar de todas as críticas que
foram feitas ao evolucionismo, foi a partir dele que a Antropologia se constituiu como disciplina
acadêmica e ciência que tem um método próprio de análise.
A próxima perspectiva teórica que veremos propõe o fim dessa conduta de gabinete,
vista anteriormente. Trata-se da perspectiva do funcionalismo, que tem como principal
representante Bronislaw Malinowski (1884-1942). Um dos aspectos fundamentais do trabalho do
antropólogo, segundo esse autor, é a observação participante. Tal postura coloca o pesquisador em
contato direto com o grupo a ser investigado e procura relacionar os seus costumes não a partir de
um eixo temporal como no evolucionismo, mas compreendendo-os em um sistema coerentemente
integrado de relações sociais. DaMatta (1997, p. 105) afirma que:
a comparação, na perspectiva funcionalista, não é algo que vai somente numa
direção, situando sempre os ‘nativos’ como cobaias e inocentes, como são de fato
os machados e canoas dos museus, neutros em sua situação de objetos deslocados
sendo vistos por um visitante que jamais cortou uma árvore ou remou. Mas algo
que dialeticamente faz sobre si mesmo uma volta completa, envolvendo a reflexão
sobre a sociedade e os costumes do observador.
Essa postura permitiu um conhecimento mais aprofundado das diversas lógicas de cada
sociedade humana. Uma posição relativizadora que procura compreender os costumes e sintetizar os
dados de determinado grupo humano para além de um plano da história determinada pelo
progresso, como é o caso do evolucionismo.
Outra crítica ao evolucionismo e seu método comparativo se estrutura com Franz Boas
(1858-1949) e o culturalismo norte-americano. Laraia (1996, p. 36) afirma que Boas
[...] atribuiu à antropologia a execução de duas tarefas: a) a reconstrução da
história de povos ou regiões particulares; b) a comparação da vida social de
diferentes povos, cujo desenvolvimento segue as mesmas leis. [...] São as
investigações históricas – reafirma Boas – o que convém para descobrir a origem
deste ou daquele traço cultural e para interpretar a maneira pela qual toma lugar
num dado conjunto sociocultural.
Boas desenvolve o particularismo histórico, no qual “cada cultura segue seus próprios
caminhos em função dos diferentes eventos históricos que enfrentou [...] sendo essa possibilidade de
desenvolvimento múltiplo o objeto de uma abordagem multilinear” (LARAIA, 1996, p. 37).
Essa perspectiva teórica avançou bastante, em relação ao evolucionismo e ao
funcionalismo, pois percebe as sociedades e seus costumes como resultado de uma construção
histórica e não como recortes em estágios evolutivos ou como atendendo a funções específicas num
sistema social integrado. Cada cultura deve ser entendida dentro de sua própria lógica, ou seja,
apesar de determinado costume ou hábito cultural nos parecer totalmente alheio, por não fazer
parte de nossa cultura, deve ser entendido dentro de seu esquema social. Assim conseguimos
ultrapassar o olhar pré-conceituoso, pré-concebido aos grupos diversos ao nosso.
Ainda no século XX, a partir dos anos 40, temos o desenvolvimento do estruturalismo
como teoria antropológica. Seu mais ilustre representante foi Claude Lévi-Strauss (nascido em 1908),
antropólogo francês que considera cultura como sistemas estruturais, ou seja, um sistema simbólico
que é a criação acumulativa da mente humana – o mito, a arte, o parentesco e a linguagem -– e que,
por isso, permite desvendar os princípios da mente que geraram essas elaborações culturais.
Assim é preciso verificar os pontos elementares para explicar uma sociedade, por
exemplo, a família existe em todas as sociedades, porém de formas diferentes. É o que esse autor
chama de paralelismo cultural, ou seja, estruturas semelhantes em culturas diferentes. Laraia (1996,
p. 63) afirma que isso se explica “pelo fato de que o pensamento humano está submetido a regras
inconscientes, ou seja, um conjunto de princípios [...] que controlam as manifestações empíricas de
um dado grupo”. Essas regras inconscientes manteriam determinadas estruturas em diferentes
formações sociais. Seria como afirmar que o ser humano tem uma unidade psíquica e que em dados
momentos aproxima os grupos pelas manifestações empíricas desse inconsciente.
Lévi-Strauss refere-se à estrutura como a um sistema que reflete a realidade social ou
cultural, seu funcionamento, as alterações a que está sujeita, o rumo das transformações provocadas
por fatores externos à cultura, e as previsões de reação, quando alguma de suas partes for afetada.
Nos anos 60, uma nova forma de análise é delineada na antropologia, a partir do
método hermenêutico, a interpretação. Clifford Geertz é o principal representante dessa vertente
que percebe a cultura como sistemas simbólicos, uma teia de significações. Para esse autor, cabe ao
antropólogo fazer uma descrição densa na qual esteja contida a interpretação dos símbolos de
determinada cultura na busca de significados construídos socialmente. Schwarcz (2001, s/p) explica
que:
para Geertz o trabalho antropológico sempre foi tarefa de ‘corpo a corpo’ – uma
grande e complexa experiência de campo -, mas nem por isso menos severa.
Revelar as singularidades de outros povos, examinar o alcance e a estrutura da
experiência humana, aí estavam dispostos os maiores trunfos dessa antropologia
interpretativa, hermenêutica para alguns, simbólica ou criativa para outros.
Assim Geertz inaugura uma nova forma de fazer a etnografia, tomando a cultura como
um texto que deve ser lido e interpretado, tanto por seus integrantes como pelo pesquisador.
Mais recentemente, a partir da década de 1980, observamos um movimento que tem
atingido vários campos do saber. Trata-se da crise dos paradigmas científicos e o surgimento de
novas propostas de análise. Na Antropologia, as teorias pós-modernas têm sua expressão nos
trabalhos de James Clifford e George Marcus. Para eles, a cultura é um processo polissêmico. A
Antropologia passa a dar voz, em seu trabalho etnográfico, a uma polifonia, exatamente, devido à
diversidade cultural. É um movimento de crítica à autoridade etnográfica e seu texto clássico.
Saiba mais

No caso da Antropologia brasileira, segundo Marconi e Presotto (2001), somente no


século XIX, com as expedições ao interior do país, é que a investigação ganha status científico. Antes
desse período, as pesquisas tinham um caráter descritivo e empírico, sem uma sistematização dos
dados registrados.
Nas primeiras décadas do século XX, os estudos indígenas no Brasil interessaram mais
aos europeus, especialmente os alemães. Alguns trabalhos de pesquisadores brasileiros se destacam
nesse período, embora não parecesse interessante esse objeto de estudo para eles. Capistrano de
Abreu, por exemplo, pesquisou e escreveu sobre os Kaxinauá, e Roquete Pinto estudou os Pareci e
Nambikuara.
Porém, dos anos 1930 em diante, desenvolvem-se trabalhos importantes na tentativa de
compreender as várias manifestações da cultura brasileira. Temos Gilberto Freire com seu clássico
Casa Grande & Senzala, Sérgio Buarque de Holanda com Raízes do Brasil e Caio Prado Jr. com
Formação do Brasil contemporâneo. Esses autores e trabalhos são referências nos estudos
antropológicos brasileiros, exatamente por buscarem delinear os traços que definem nossa cultura.
Ainda nesse período, é criada a Universidade de São Paulo que conta, em seu quadro de professores,
com nomes importantes das Ciências Sociais, como, por exemplo, Lévi-Strauss, que influencia
fortemente a teoria antropológica brasileira.
Atualmente, os trabalhos antropológicos no Brasil são referência mundial,
principalmente por desenvolverem um conjunto teórico específico que se conforma com o seu
objeto de estudo, uma sociedade multicultural. Destacam-se os trabalhos de Darcy Ribeiro, Carlos
Rodrigues Brandão, Ruth Cardoso, entre outros.
Esse pequeno delineamento histórico da ciência antropológica teve por objetivo que
você se familiarizasse com as discussões sobre os diferentes métodos construídos pelos mais
variados estudiosos das sociedades e das diversas culturas. Porém, não é objetivo da disciplina torná-
lo um antropólogo, nem esgotar o tema da história da antropologia, mas, sim, prepará-lo para lidar
com a diversidade cultural na escola e, principalmente, no espaço da sala de aula.

1.3 Relações entre Antropologia e Educação


Gusmão (1997) entende que
na relação entre Antropologia e Educação abre-se um espaço para debate, reflexão
e intervenção, que acolhe desde o contexto cultural da aprendizagem, os efeitos
sobre a diferença cultural, racial, étnica e de gênero, até os sucessos e insucessos
do sistema escolar em face de uma ordem social em mudança [...] em jogo, as
singularidades, as particularidades das sociedades humanas, de seus diferentes
grupos em face da universalidade do social e sua complexidade através dos tempos
e, em particular, num mundo que se globaliza.
A Antropologia e seus pensadores estiveram, no passado e no presente, preocupados
com o campo das diferenças e das práticas educativas. Existe, portanto, uma convergência dos
estudos da cultura, campo da antropologia, e dos estudos dos mecanismos educativos, campo da
pedagogia, que permite que se fale em Antropologia da Educação. Assim, ambas estabelecem um
diálogo do qual fazem parte o debate teórico-metodológico das pesquisas educativas, relacionadas
às diferentes formas de vida que desafiam o conhecimento, principalmente nos dias atuais.
Em um movimento de tensão e de compreensão, é que emerge o diálogo entre
antropologia e educação, posto que ambas são devedoras científicas do processo de imposição de
uma cultura sobre outra, criado pelo colonialismo europeu, cujo objetivo era suprimir a alteridade
em favor de uma vida cultural e uma pedagogia do tipo homogeneizadora e etnocêntrica.

Saiba mais
O ponto comum desse diálogo é o conceito de cultura que veremos detalhadamente na
próxima aula, mas que, aqui, representa o aparato necessário ao homem para viver a vida,
diferenciar os mundos da cultura e da natureza, bem como construir um saber que envolve
processos de aprendizagem e socialização. Poderíamos citar uma série de exemplos de diversidades
sociais e várias situações pedagógicas que só seriam compreendidas se relativizadas.
A luta pelos interesses no mundo cultural afirma a existência concreta dos diferentes
grupos humanos que transitam na antropologia e na educação. Essa luta implicou uma série de
aspectos como a dominação, a espoliação, enfim, situações que muitas vezes obstruíram a produção
cultural de vários grupos, em favor de uma cultura hegemônica. Gusmão (1997) explica que
[...] a antropologia nasce de relações historicamente constituídas entre os homens
e, por sua natureza, busca compreender o outro diferente de si – de seu mundo de
origem, a Europa do século XIX – dialogando com outras formas de conhecimento,
tendo por base e pressuposto central o mundo da cultura, as relações entre os
homens e a construção do saber.
Essa autora afirma, também, que “vivemos uma época em que é preciso resgatar e
redimensionar o mundo das diferenças e da diversidade, o que exige renovar a visão de mundo e das
coisas” (GUSMÃO, 1997). Daí a necessidade de aproximar esses dois campos do conhecimento para o
avanço dos debates sobre a diversidade cultural e suas implicações para o processo de
aprendizagem.
Poderíamos ficar enumerando uma série de pontos de contato entre a antropologia e a
educação, mas, ao longo de todas as aulas, essa temática será recorrente e irá sendo melhor
esclarecida. Mas, até aqui, você já percebeu a importância de se estabelecer um diálogo entre essas
áreas do conhecimento, se quisermos compreender melhor o ser humano em seu universo cultural e
as dimensões do ensino.
UNIDADE 2: BASES CONCEITUAIS SOBRE A CULTURA E SUAS IMPLICAÇÕES PARA A EDUCAÇÃO

Esperamos que, ao final desta unidade, você seja capaz de:


- Identificar os conceitos de cultura a partir das teorias antropológicas;
- Descrever as relações entre cultura e educação.

Introdução
Você já ouviu alguém dizer “Nossa! Fulano é tão culto” ou “Sicrano não tem um pingo de
cultura”? Essa é uma maneira de pensar em cultura, comum a um grande número de pessoas.
Cultura entendida dessa maneira refere-se ao nível de conhecimento, à sofisticação e educação que
uma pessoa tem. Será que quanto mais cultura tem os membros de uma sociedade, mais civilizada
ela é? Será que cultura é só isso? O conceito de cultura é bem mais complexo que uma simples
hierarquização entre cultos e incultos ou entre mais e menos civilizados.
O Antropólogo, quando usa esse conceito, o compreende como peça fundamental de
seu estudo sobre um grupo humano qualquer. Além disso, tal conceito contribui para a compreensão
das diferenças culturais, fundamental, por exemplo, para você, futuro professor, que lidará com elas
o tempo todo no universo escolar.

2.1 O desenvolvimento do conceito de cultura


O termo cultura foi definido primeiramente por Edward Tylor (1832-1917), autor já
mencionado anteriormente, quando discutimos a teoria evolucionista social. Segundo Laraia (1996,
p. 25), Tylor compreende a cultura
[...] em seu amplo sentido etnográfico, este todo complexo que inclui
conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade
ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade.

Esse conceito de Tylor, elaborado em 1871, foi bastante inovador para sua época e
abarcava todas as possibilidades de realização humana, enfatizando um caráter de aprendizagem da
cultura, em oposição aos determinismos biológico e geográfico que defendiam uma aquisição inata.
Saiba mais

Depois da sistematização elaborada por ele, vários antropólogos também contribuíram


para uma ampliação do conceito de cultura. Porém, não existe uma definição única, muito menos um
consenso, pois os conceitos estão inseridos na dinâmica social e, quando ela se modifica, eles
também se alteram. Como afirma Marconi e Presotto (2001, p. 42) afirma que
desde o final do século passado (XIX) os antropólogos vêm elaborando inúmeros
conceitos sobre a cultura. Apesar da cifra ter ultrapassado 160 definições, ainda
não chegaram a um consenso sobre o significado exato do termo (grifo nosso).
Dessa forma, você pode perceber a complexidade desse conceito e a importância de
situá-lo frente às principais teorias antropológicas, para que se tenha uma compreensão mais ampla
e mais consistente. É o que faremos a seguir.
Tylor é um antropólogo do evolucionismo social. Ele busca apoio para seu método de
análise nas ciências da natureza e, portanto, acredita que “a cultura pode ser um objeto de estudo
sistemático, pois trata-se de um fenômeno natural que possui causas e regularidades” (LARAIA, 1996,
p. 30). Esse autor estava preocupado com a formulação de leis que explicassem as várias culturas, ou
seja, seu objetivo eram as generalizações. Como esse era o ponto importante de seu estudo, a
diversidade cultural passava despercebida, explicada como parte da desigualdade de estágios em
que se encontravam as várias formações sociais. Importava a uniformidade cultural, na qual todos
alcançariam o último e mais evoluído dos estágios, e não a diversidade.
No entanto não podemos deixar de destacar os méritos do pensamento de Tylor; entre
eles, a definição de cultura como entendemos atualmente e a crítica aos relatos dos viajantes,
quando classificava e analisava as culturas, já iniciando uma crítica aos teóricos de gabinete.
Outra definição que queremos apresentar do conceito de cultura é a de Franz Boas em
1938, também já mencionado anteriormente e adepto do método comparativo. Segundo Marconi e
Presotto (2001, p. 43), Boas define cultura como “a totalidade das reações e atividades mentais e
físicas que caracterizam o comportamento dos indivíduos que compõem um grupo social”.
Boas critica o evolucionismo por usar o método comparativo de forma equivocada e
simplista, propondo que se comparem os “resultados obtidos pelos estudos históricos das culturas
simples e da compreensão dos efeitos das condições psicológicas e dos meios ambientes” (LARAIA,
1996, p. 36). Para ele, são as pesquisas históricas que auxiliam o antropólogo a descobrir a origem de
determinado traço cultural e compreender como ele se situa em uma formação cultural.
Observe como o conceito de cultura de Boas amplia o de Tylor, na medida em que se
volta para a totalidade de um grupo social em seu contexto histórico específico. Assim não
percebemos as formações sociais distribuídas em uma linha unilinear, mas cada uma em sua
particularidade histórica.
Vejamos agora o que significa cultura para Malinowski, que definiu esse termo em 1944:
“o todo global consistente de implementos e bens de consumo, de cartas constitucionais para os
vários agrupamentos sociais, de ideias e ofícios humanos, de crenças e costumes” (MARCONI;
PRESOTTO, 2001, p. 43).
Lembrando-se da unidade anterior, Malinowski era um antropólogo funcionalista. Cada
cultura, para ele, é um sistema integrado de relações, no qual, cada aspecto desempenha uma
funcionalidade, ou seja, nada ocorre por acaso ou está errado e fora do lugar. Vejamos um exemplo
dado por DaMatta (1997, p. 102) sobre o funcionalismo de Malinowski.
Se carruagens foram usadas antigamente e são usadas hoje em dia, isso não ocorre
porque elas são traços que sobraram dos bons tempos antigos [...] as carroças a
cavalo têm, pois, uma função (um papel) a cumprir e esse papel é o de lembrar ou
sinalizar para o passado [...] porque ela nos remete, por contraste, a uma faceta do
mundo urbano, onde a velocidade tornou-se perturbadora. Esse é [...] o significado
social da carruagem.
Observe como o exemplo se adéqua ao conceito de cultura de Malinowski. O todo
global consistente, em que nada se perde. Só para diferenciar, se analisássemos o exemplo anterior,
na lógica evolucionista, diríamos que as carruagens deveriam ser logo substituídas pelos modernos
carros da sociedade atual, pois ela é um resquício de sociedades menos evoluídas que nada têm a ver
com nossa civilização. No entanto ela é importante para a compreensão funcionalista de cultura, pois
sua sobrevivência desempenha uma função social importante nessa mesma sociedade civilizada.
Avançando um pouco, Ruoso (2004) cita que Lévi-Strauss define a cultura como um
sistema de símbolos
[...] onde todas as coisas estão relacionadas de forma que a alteração de um desses
elementos resultaria na alteração de todo o sistema. O que há de comum em todos
esses sistemas presentes em diferentes culturas é a estrutura.
A proposta de Lévi-Strauss com o estruturalismo é mapear aquilo que há em comum a
qualquer cultura, como uma estrutura fundamental da própria condição humana. Para Laraia (1996),
esse antropólogo elabora uma nova teoria da unidade psíquica da humanidade por tentar
compreender os princípios mentais que engendram a cultura.
Levi-Strauss afirma que a cultura se iniciou quando o homem convencionou a primeira
regra: a proibição do incesto. Esse é um padrão de comportamento comum a todas as sociedades
humanas - a questão da unidade psíquica – que gerou uma série de estruturas dentro dos sistemas
simbólicos das culturas, por exemplo, o matrimônio.
Temos ainda a definição de cultura proposta por Geertz em sua antropologia
interpretativa. Para esse autor, a cultura não deve ser tomada como “[...] um complexo de
comportamentos concretos, mas um conjunto de mecanismos de controle, planos, receitas, regras,
instruções (que os técnicos de computadores chamam de programa) para governar o
comportamento” (GEERTZ citado por LARAIA, 1996, p. 63).
Dessa forma, seria como se todos os homens fossem geneticamente aptos para receber
um programa que é o que chamamos de cultura, por exemplo, uma criança está preparada para ser
socializada em qualquer cultura, porém será programada por um contexto real onde crescerá. Temos
um equipamento para viver mil vidas, mas vivemos apenas uma.
Para Geertz, e veja como ele avança em relação ao estruturalismo de Levi-Strauss, uma
cultura não é determinada por uma unidade psíquica humana, pois assim estaríamos admitindo que
os significados estão na mente dos indivíduos apenas, sem serem partilhados. Os atores do sistema
cultural partilham símbolos e significados entre eles, “estudar a cultura é, portanto, estudar um
código de símbolos partilhados pelos membros dessa cultura” (LARAIA, 1996, p. 64).
Esse delineamento teórico do conceito de cultura é fundamental para que você possa
situar-se criticamente sobre esse termo tão complexo. Isso o ajudará a compreender as suas
implicações para a educação.

2.2 Cultura e educação


Agora que você já tem uma idéia do que é cultura, a partir do desenvolvimento desse
conceito descrito anteriormente, precisa compreender as relações existentes entre ela e a educação.
O antropólogo Carlos Rodrigues Brandão (1995, p. 11) explica que
a educação é, como outras, uma fração do modo de vida dos grupos sociais que a
criam e recriam, entre tantas outras invenções de sua cultura, em sua sociedade.
Formas de educação [...] entre todos os que ensinam-e-aprendem, o saber que
atravessa as palavras da tribo, os códigos sociais de conduta, as regras do trabalho,
os segredos da arte ou da religião, do artesanato ou da tecnologia que qualquer
povo precisa reinventar, todos os dias, a vida do grupo e a de cada um de seus
sujeitos [...] e desde onde ajuda a explicar de geração em geração, a necessidade
da existência de sua ordem.
A educação, portanto, é uma invenção humana e faz parte da cultura de cada grupo
humano. Ela desempenha um papel fundamental na socialização dos membros de uma sociedade, e
varia de uma para outra. Como a cultura pressupõe um aprendizado do modo de vida dos grupos
sociais, eis aí sua mais importante relação com a educação. Por isso, não podemos falar de uma única
educação, mas de educações, da mesma forma que não podemos falar de uma cultura única.

Saiba mais

Assim, no cotidiano dos diferentes grupos humanos, seja em uma tribo indígena ou
numa metrópole, “todas as situações entre pessoas, e entre pessoas e a natureza, mediadas pelas
regras, símbolos e valores da cultura do grupo, têm em menor ou maior escala a sua dimensão
pedagógica” (BRANDÃO, 1995, p. 20). Todos os que convivem no grupo, aprendem, seja da sabedoria
dos seus integrantes, seja da norma dos seus costumes, o saber que os torna aptos, pessoalmente e
socialmente, para a convivência social, para o trabalho, para a guerra, para o amor.
Esse autor destaca outro aspecto importante nessa relação da cultura com a educação.
Trata-se do processo de endoculturação, por meio do qual um grupo socializa, em sua cultura, seus
membros como sujeitos sociais. Todo o conhecimento que existe em uma cultura e que é adquirido
pela experiência pessoal com o mundo e com os outros membros dela, tudo o que se aprende
independente de como se aprende, faz parte desse processo, e a educação é o seu campo mais
importante.
Quando uma mãe corrige seu filho para que fale corretamente a língua do grupo, ou
quando explica à filha as regras sociais para ser mulher, ou quando o pai ensina o filho a fazer uma
flecha, ou quando os guerreiros saem com os mais novos para ensiná-los a caçar, a educação aparece
como resultado de formas sociais de condução e controle nesse processo de ensinar e aprender.
Até aqui falamos do ensino informal, aquele que não está restrito a um lugar específico
nem a um corpo técnico especializado que aplica as teorias educacionais e no qual o espaço
educacional não é o escolar. Ele se refere ao saber da comunidade, àquilo que todos conhecem de
alguma maneira e que envolve situações pedagógicas interpessoais familiares e comunitárias, porém
destituídas de técnicas pedagógicas escolares.
Mas as sociedades se complexificam e a cultura se transforma e, mesmo as mais
primitivas, acabam desenvolvendo hierarquias que passam a distribuir desigualmente o
conhecimento. Isso pode vir a reforçar as diferenças, ao contrário do saber anterior, que afirmava a
comunidade. É o começo da separação entre os que sabem e os que fazem, os que planejam e os que
executam. É o momento em que a educação se transforma em ensino e inventa a pedagogia, a teoria
da educação. Mas, o que isso significa? Brandão (1995, p. 28) explica que
significa que, para além do saber comum de todas as pessoas do grupo e
transmitido entre todos livre e pessoalmente, para além do saber dividido dentro
do grupo entre categorias naturais de pessoas (homens e mulheres, crianças,
jovens, adultos e velhos) e transferido de uns aos outros segundo suas linhas de
sexo e idade, por exemplo, emergem tipos e graus de saber que correspondem
desigualmente a diferentes categorias de sujeitos (o rei, o sacerdote, o guerreiro, o
professor, o lavrador), de acordo com a sua posição social no sistema político de
relações do grupo.
Significa, também, o surgimento do ensino formal, momento em que a educação se
sujeita à pedagogia e passa ao espaço escolar, estabelece suas regras e tempos, produz seus
métodos e constitui seus especialistas que cumprirão uma missão: ensinar. Aparecem, nesse cenário,
a escola, o aluno e o professor. Novas relações se estabelecem com a cultura.
A cultura de uma sociedade reúne significados comuns aos diversos grupos que
pertencem a ela, ou seja, existe uma unidade cultural. Porém, essa cultura geral não se restringe ao
conjunto das subculturas dessa mesma sociedade. As pessoas vivem as culturas de seus grupos, as
subculturas, que também estão imbuídas dos significados comuns à sociedade, mas elas não
conseguem experimentar toda a cultura dessa sociedade.

Com o aumento da divisão social do trabalho, ocorre o distanciamento dos indivíduos e


grupos, adaptando-os cada vez mais à sua própria cultura e diminuindo a experiência das outras
culturas. Ela diferencia as atividades distribuindo-as entre os indivíduos ou grupos em sociedade.
Além disso, reparte as profissões entre as classes sociais diferentes.
Na sociedade moderna e industrial, a divisão social do trabalho encaminha os indivíduos
às atividades que lhes foram atribuídas, conformando-os às suas culturas específicas ou subculturas e
tornando-os inexperientes em outras. Portanto, na sociedade industrial, indivíduos ignoram
indivíduos e grupos ignoram grupos, apesar de existir uma cultura geral (VIEIRA, 1996).
Como a educação prende-se às culturas produzidas pelas sociedades, a escola, na
sociedade industrial, retrata muito bem a situação delineada anteriormente. Nela, quase sempre se
valoriza aquilo que se desvaloriza na casa do aluno e vice-versa. Nela, valoriza-se a cultura geral, em
detrimento das subculturas. Tanto os professores quanto os alunos expressam essa cultura geral por
meio de suas culturas específicas, ou seja, vêem a sociedade a partir da cultura dos seus grupos e
têm posição particular na interpretação da cultura geral.
Os professores não experimentam toda a cultura geral e, dessa forma, não são
superiores às culturas de seus alunos. O simples fato de exercerem a docência não lhes confere a
superioridade inata de sua cultura específica sobre as dos alunos. O respeito à pluralidade das
culturas nascidas na sociedade e a rejeição ao apego exagerado a determinada cultura é condição
essencial ao exercício da atividade docente.
Importante, até esse momento, é que você tenha compreendido que a relação da
cultura com a educação se dá nos processos de socialização e endoculturação, pois a cultura
pressupõe um aprendizado, que nos vários momentos da história da educação, se dá de formas
diferenciadas. Hoje, temos, além dos conhecimentos, das normas e regras sociais que são
apreendidos no convívio familiar e comunitário, a educação escolar com uma cultura própria, a
cultura escolar, na qual também se desenvolvem saberes e comportamentos específicos, e, ainda, se
evidencia a construção de ritos e rituais que a definem, além das práticas que a constituem. Mas esse
é um tema que veremos mais adiante, na aula quatro.

Síntese da unidade
Nesta aula, você conheceu o conceito de cultura e o seu desenvolvimento histórico nas
principais teorias antropológicas como o evolucionismo, o funcionalismo, o estruturalismo e a
antropologia da interpretação. Também compreendeu as relações entre a cultura e a educação
informal e escolar. Observou a importância dos conceitos de socialização e endoculturação como
norteadores dessa compreensão. Certamente percebeu a importância de um olhar antropológico
para observar as diferentes subculturas que convivem no espaço escolar e ter uma conduta de
respeito a essa pluralidade cultural que nos rodeia.
UNIDADE 3: MULTICULTURALISMO E IMPLICAÇÕES EDUCATIVAS

Esperamos que, ao final desta unidade, você seja capaz de:


- Conhecer a perspectiva multicultural da sociedade;
- Compreender as relações entre multiculturalismo e educação.

Introdução
No ocidente moderno, consideramos crianças de doze ou treze anos de idade, muito
novas para se casarem, porém, em algumas culturas, casamentos entre crianças dessa idade são
vistos como algo natural. Os judeus não comem carne de porco, e os indianos não comem carne de
vaca. No ocidente, comemos ostra, por exemplo, mas não comemos gatinhos ou cães de estimação;
no entanto, ambos são considerados iguarias no mercado chinês. Esses diversos traços de
comportamento, segundo Giddens (2005, p. 40), “são aspectos de amplas diferenças culturais que
distinguem as sociedades umas das outras”.
As sociedades mais simples tendem a ser monoculturais, ou seja, culturalmente mais
uniformes. O Japão, embora sendo uma sociedade moderna e industrializada, tem-se mantido
bastante monocultural. No entanto a tendência, em sociedades mais complexas, é tornarem-se cada
vez mais diversas culturalmente ou multiculturais. Essa perspectiva tem ampliado o debate sobre o
diferente e trazido à discussão novos conceitos como o de multiculturalismo que veremos a seguir.

3.1 O que é multiculturalismo?


O multiculturalismo ou pluralismo cultural, como correntemente conhecemos, significa
a existência de muitas culturas em uma localidade ou território. Segundo Ferreira Silva (2003), o
termo multiculturalismo originou-se das lutas contra o racismo, empreendidas pelos negros norte-
americanos e, durante um bom tempo, parecia ser específico dos problemas desse país. Porém, com
a intensificação da migração, esse tema passou a fazer parte das preocupações de diversos países.
Giddens (2005) afirma que, no Reino Unido, a diversidade étnica vem aumentando nos
últimos anos e os grupos étnicos minoritários já representam 6% de toda a população britânica. Além
disso, a maioria dos membros desses grupos é nascida lá, por exemplo, 96% dos indianos que têm
até dezesseis anos, são cidadãos britânicos. Essa é uma tendência mundial.

No caso do Brasil, a situação é bastante acentuada, pois a pluralidade cultural aqui é


uma característica e não um fato recente. Além das etnias que contribuíram para a constituição da
nossa maneira de ser, temos as migrações que continuam acontecendo e enriquecendo nosso
contexto.
Resgatar a trajetória histórica do termo multiculturalismo, segundo Ferreira Silva (2003,
p. 18), significa retomar os clássicos, entre eles, Tocqueville (1805-1859), que
[...] lançou as bases para a compreensão do pluralismo cultural e político presente
na formação da sociedade norte-americana. [...] ofereceu um panorama dessa
configuração social a partir da diversidade característica dos imigrantes que
povoaram o território norte-americano e [...] na complexificação desse mosaico
representado pela imigração branca, acrescentam-se as populações negras
escravizadas e as populações indígenas.
Quando Toqueville destacou o pluralismo na sociedade americana, estava teorizando
sobre o processo de democratização na América. Embora, na época, o sentimento fosse de
reconhecimento dessa pluralidade cultural, isso não impediu a constituição de uma nação que
segregou e perseguiu o diferente. Vários grupos indígenas foram exterminados, e os negros, lançados
em guetos.
Burity (2001) afirma que “falar de multiculturalismo é falar do manejo das diferenças em
nossas sociedades”. Porém não se trata apenas de um discurso em defesa da diversidade na
sociedade contemporânea, mas de uma série de pontos fundamentais ligados entre si e que se
apresentam conflituosos. Vamos ver esses pontos:
a) o reconhecimento da não homogeneidade étnica e cultural dessas sociedades
contemporâneas;
b) o reconhecimento da não integração dos grupos que carregam e defendem as
diferenças étnicas e culturais em relação à matriz dominante, após o fracasso das
políticas assimilacionistas e diferencialistas;
c) a mobilização dos próprios recursos políticos e ideológicos da tradição dominante nos
países ocidentais – liberalismo- contra os efeitos dessa não integração;
d) a demanda por inclusão e pluralidade de esferas de valor e práticas institucionais,
para a reparação de exclusões históricas;
e) a demanda por reorientação das políticas públicas, para assegurar a
diversidade/pluralidade de grupos minoritários.
Como você pôde observar, diversas ênfases podem ser dadas ao termo
multiculturalismo, porém somente quando esses pontos conflituosos forem longamente discutidos
por vários segmentos da sociedade é que poderemos percebê-lo não mais como um discurso, mas
como uma prática de reconhecimento de formas culturais e de sua representação na cultura
nacional.
Os pontos levantados anteriormente demonstram a impossibilidade de se falar em um
único modelo de multiculturalismo. Silva (1999, p. 86-87) nos fala da existência do multiculturalismo
liberal humanista e do crítico. No primeiro, “as diferenças culturais seriam apenas a manifestação
superficial de características humanas mais profundas” assim, “os diferentes grupos culturais se
tornariam igualados por sua humanidade comum”. Em nome dessa humanidade comum é que esse
tipo de multiculturalismo prega o respeito, a convivência pacífica entre as diversas culturas e a
tolerância. No segundo, no entanto, as diferenças culturais não se separam de relações de poder,
“não é apenas a diferença que é resultado de relações de poder, mas a própria definição de
humano’”. Esses dois tipos de multiculturalismo e suas implicações em relação à educação são temas
que veremos mais adiante.
Para concluir, Canen e Oliveira (2002) explicam que o multiculturalismo é um campo
teórico e político que tem sido bastante discutido atualmente. Principalmente depois do fracasso do
projeto da modernidade, voltado para uma homogeneização cultural natural da humanidade e à
ideia de acúmulo do conhecimento rumo ao progresso. Segundo elas,
o projeto multicultural, por sua vez, insere-se em uma visão pós-moderna de
sociedade, em que a diversidade, a descontinuidade e a diferença são percebidas
como categorias centrais. Da mesma forma, contrapondo-se à percepção moderna
e iluminista da identidade como uma essência estável e fixa, o multiculturalismo
percebe-a como descentrada, múltipla e em processo permanente de construção e
reconstrução (CANEN; OLIVEIRA, 2002).
É necessário, portanto, perceber a sociedade constituída por identidades plurais,
derivadas das diferenças de gênero, raças, padrões culturais e lingüísticos, classes sociais, habilidades
e outros marcadores identitários e questionar a construção dessas diferenças, dos preconceitos, dos
estereótipos contra aqueles percebidos como diferentes em sociedades excludentes como a nossa.
Essa é uma perspectiva do multiculturalismo, sobretudo em sua vertente mais crítica, e que já se
delineia com outra terminologia, a perspectiva intercultural, que veremos na unidade seis.

3.2 Multiculturalismo e Educação


Muito já se tem discutido sobre as relações da educação com a perspectiva
multiculturalista, e uma série de posições teóricas surgiram a partir dessas discussões.
Porém a questão que se coloca é como utilizar tais teorias para construir uma educação
multicultural? Vejamos.
O multiculturalismo liberal humanista, citado anteriormente, afirma a existência de uma
igualdade entre todas as pessoas, que é conquistada por meio de oportunidades sociais
educacionais, de modo que todos possam competir igualmente pelas oportunidades na sociedade
capitalista. Bastaria, então, que a educação multicultural, nessa perspectiva, ensinasse a tolerância, o
respeito ao diferente. Silva (1999, p. 88) afirma que,
apesar de seu impulso aparentemente generoso, a idéia de tolerância, por
exemplo, implica também uma certa superioridade por parte de quem mostra
tolerância. Por outro lado, a noção de respeito implica um certo essencialismo
cultural, pelo qual as diferenças culturais são vistas como fixas, como já
definitivamente estabelecidas, restando apenas respeitá-las.
O problema está no fato de que esse multiculturalismo tem um caráter conservador e vê
o negro, por exemplo, aos pés da escada da civilização, e as outras etnias, menos a branca, com uma
bagagem cultural inferior. É preciso nivelar esses grupos, construindo uma cultura comum e
reduzindo a ideia de diversidade ao acréscimo dos grupos étnicos à cultura dominante.
Uma educação multicultural nesses moldes apenas percebe a existência da diversidade
cultural, mas anula o conflito e as contradições existentes entre os vários grupos étnicos.
Como um contraponto a essa noção de educação multicultural, temos a perspectiva
crítica, que salienta a preocupação tanto de professores como de alunos em modificar as situações
sociais e culturais, bem como os aspectos ideológicos que provocam a discriminação. Nela, os
conflitos são aceitos e surgem das interrelações humanas como um elemento motivador e
provocador. Mais uma vez, Ferreira Silva (2003, p. 36) nos esclarece que
nessa concepção se estabelece o reconhecimento das diferenças na igualdade sem
mascarar os conflitos que surgem do contato entre culturas, porém apontando o
diálogo como possibilidade de convivência entre as culturas [...] não se considera
uma cultura superior a outra, mas diferentes entre si.
A diferença, nesse modelo crítico, é percebida como um produto histórico e as questões
específicas relacionadas à etnia, gênero, classe e outros marcadores identitários são vistas como
resultado das lutas sociais mais amplas. Uma educação inspirada nessa concepção não se limita a
ensinar a tolerância e o respeito, mas se volta para a análise dos processos pelos quais as diferenças
são produzidas, o que significa dizer que elas, mais que toleradas ou respeitadas, são colocadas
sempre em questão.
Adotar essa orientação na educação e na formação de professores em uma sociedade
multicultural, segundo Canen e Oliveira (2002), é incorporar, aos discursos curriculares, uma postura
que não essencialize as identidades, mas que as perceba como altamente mutantes, em permanente
transformação. Tal desafio refere-se à implementação de práticas pedagógicas multiculturais,
comprometidas com o questionamento da construção das diferenças.
Aqui vale ressaltar a crítica feita por Trindade (2003, p. 13) sobre a educação
multicultural quando afirma que
[...] trabalhar com o multiculturalismo na escola não é apenas colocar imagens de
todas as etnias que compõem nossa escola no mural, festejar o Dia do Índio, o Dia
Nacional da Consciência Negra. Não é apenas debater o sistema de cotas e outras
ações afirmativas. Nem ter a imagem de uma virgem negra como padroeira do
Brasil. Tampouco ter o atleta do século como ícone nacional quando o que se conta
é o dinheiro e não a cor da pele.
Trabalhar o multiculturalismo na escola implica, segundo ela, uma educação inclusiva,
crítica e criativa que inclua na pauta a diferença, o contato, o diálogo. Significa colocar a própria
escola em questionamento sobre o seu papel. Principalmente no caso brasileiro, pois uma prática
docente que seja voltada para a diversidade étnica e cultural da nossa população, que, ao longo da
história do Brasil, vem sendo alijada dos direitos civis, sociais e humanos, precisa ter como palavras-
chave o diálogo, o estudo, a criação, o amor e o compromisso com a transformação e a construção.
É essencial se perguntar: o que nós como educadores faremos? Como serão e deverão
ser nossas aulas? Como nosso currículo se configurará? O que a autora nos remete a pensar é que
não haverá uma fórmula única para lidar com a sociedade multicultural na escola. Cada contexto,
cada realidade exigirá do educador posturas que privilegiem a autonomia, o contato, o diálogo e o
movimento. Há que se questionar até mesmo a disposição das disciplinas como a história, a física, a
psicologia entre outras, na discussão das diferenças na sociedade contemporânea. Resumindo, tudo
está por se fazer.
UNIDADE 4: A CULTURA DA ESCOLA RITOS, RITUAIS E PRÁTICAS ESCOLARES

Esperamos que, ao final desta unidade, você seja capaz de:


- Compreender a cultura escolar nos seus diferentes aspectos;
- Reconhecer as práticas culturais na escola e suas implicações para a educação.

Pré-requisitos
Para um bom entendimento desta aula, você precisa retornar à unidade dois e reler o
tópico que discute as relações da cultura com a educação e o surgimento da escola. Sugerimos,
também, que você leia o texto Cultura escolar: quadro conceitual e possibilidades de pesquisa, que
será utilizado como referência nesta unidade. Nele, você encontrará o desenvolvimento do conceito
de cultura escolar, bem como a indicação dos campos de pesquisa nessa área.

Introdução
Folheando a revista Por um Triz: cultura e educação, encontramos um relato bastante
ilustrativo de nossa aula. Com o nome Alterações na rotina, o texto aborda a implantação dos cantos-
atividade e do café-da-manhã de uma creche em São Paulo. Antes da implantação, a entrada das
crianças era bastante tumultuada, pois a educadora ficava recepcionando os pais, enquanto elas
ficavam ociosas no parque. O café-da-manhã não oferecia às crianças autonomia na escolha, pois
elas dependiam dos adultos para servir-se. Não havia organização apropriada do espaço nem troca
de afetividade. Imagine a bagunça! Depois da implantação, a porta de entrada fica aberta e as
educadoras esperam suas crianças nas salas com os cantos-atividade, nos quais são colocados
brinquedos e jogos aos quais elas têm livre acesso e livre escolha para brincar, e fazem isso até a
hora do café. Nele, foi implantado um sistema de self-service, com mais de uma opção de alimentos
para as crianças. Como o refeitório é também uma sala de aula, as educadoras fazem um
revezamento de turmas para não prejudicar a rotina das atividades em cada sala. Mas e o que isso
tem a ver com cultura escolar? Tudo, pois ela pode ser entendida “como um conjunto de práticas,
normas, ideias e procedimentos que se expressam em modos de fazer e pensar o cotidiano escolar”
(FRAGO citado por SILVA, 2006). Exatamente ao que se refere o relato. Vamos nos aprofundar mais
nessa definição?

4.1 A Cultura da Escola e suas Especificidades


Embora a escola já seja objeto de estudos de várias áreas do conhecimento, por
exemplo, da história, da sociologia e da política entre outras, os estudos sobre a cultura da escola são
bastante recentes. Preocupados em penetrar o cotidiano do universo escolar e conhecer seus fazeres
ordinários, entendendo-a como produtora de uma cultura própria e original, alguns autores, desde
os anos 90, vêm desenvolvendo trabalhos importantes para a compreensão desse espaço de
vivências.

Entre eles, André Chervel que, ao estudar as disciplinas escolares, destacou a


singularidade e originalidade da cultura escolar. Tal estudo revelou, também, o duplo papel social da
escola: além de formar os indivíduos, criar uma cultura “que vem por sua vez penetrar, moldar,
modificar a cultura da sociedade global” (CHEVEL citado por VIDAL, 2005, p. 8). Para ele, a origem e a
difusão da cultura escolar só se dão no espaço da escola. Daí a sua originalidade.
Outro autor, Forquin (1993, p. 167), ao desenvolver estudos sobre como a escola e a
sociedade selecionam elementos da cultura para transmiti-los aos indivíduos, explica que
[...] a escola é também um “mundo social”, que tem suas características de vida
próprias, seus ritmos e seus ritos, sua linguagem, seu imaginário, seus modos
próprios de regulação e transgressão, seu regime próprio de produção e de gestão
de símbolos.
Assim como Chevel, esse autor vê a escola como uma instituição que possui uma cultura
própria, tecida por seus atores principais, professores, alunos, familiares e gestores que constroem
os discursos e as práticas que a definem.
Frago, autor citado na introdução desta aula, é também um dos estudiosos da cultura da
escola e ressalta a importância dos estudos sobre o espaço e o tempo escolares e a alfabetização
como parte dessa cultura e como “conformadores de aspectos cognitivos e motores dos sujeitos
sociais” (VIDAL, 2005, p. 5). Frago citado por Silva (2006, s/p), vê no conceito de cultura escolar
[...] modos de pensar e atuar que proporcionam a seus componentes estratégias e
pautas para desenvolver-se tanto nas aulas como fora delas – no resto do recinto
escolar e no mundo acadêmico – e integrar-se na vida cotidiana das mesmas. [...]
esses modos de fazer e de pensar – mentalidades, atitudes, rituais, mitos,
discursos, ações – amplamente compartilhados, assumidos, não postos em
questão e interiorizados, servem a uns e a outros para desempenhar suas tarefas
diárias, entender o mundo acadêmico educativo e fazer frente tanto às mudanças
ou reformas como às exigências de outros membros da instituição, de outros
grupos e, em especial, dos reformadores, gestores e inspetores.
Assim os indivíduos e suas práticas são fundamentais para que possamos compreender
a cultura escolar e perceber como a cultura, de uma maneira geral, está presente nas ações no
cotidiano da escola, seja quando ela influencia os sistemas curriculares ou quando cria ritos e
linguagens próprios desse espaço.
Por fim, temos Dominique Julia citado por Silva (2006), que entende a cultura escolar
como conjunto de normas e regras. Esse conceito evidencia, para ele, que a escola não é apenas um
lugar de transmissão de conhecimentos, mas éprincipalmente um lugar de “inculcação de
comportamentos e habitus” (JULIA citado por SILVA, 2006, s/p). Silva (2006, s/p) complementa
dizendo que
seja cultura escolar ou cultura da escola, esses conceitos acabam evidenciando
praticamente a mesma coisa, isto é, a escola é uma instituição da sociedade, que
possui suas formas próprias de ação e de razão, construídas no decorrer da sua
história, tomando por base os confrontos e conflitos oriundos do choque entre as
determinações externas a ela e as suas tradições, as quais se refletem na sua
organização e gestão, nas suas práticas mais elementares e cotidianas, nas salas de
aula e nos pátios e corredores, em todo e qualquer tempo, segmentado, fracionado
ou não.
Os enfoques desses autores, embora diferenciados, revelam a importância do estudo
das práticas escolares como culturais. O conceito que está subjacente em toda a sua discussão é o
conceito antropológico de cultura, pois a escola é um espaço no qual circula uma série de símbolos e
significados compartilhados por vários atores e em constante movimento de ressignificação. Mas,
como podemos compreender a cultura da escola? Através do estudo dos seus ritos e rituais, das
práticas, discursos e linguagens, dos fazeres ordinários e cotidianos. Vamos, agora, por meio de
alguns relatos, observar esses aspectos.

4.2 Cultura Escolar e Práticas Escolares


Vidal (2005, p. 16) afirma que
[...] cadernos, provas escolares, diários de classe, cartazes, quadros, [...] formato de
quadro-negros, ardósias ou lousas individuais, faixas, barras; bem como a
associação do papel a outros materiais como tecido, plástico e sucata. Emerge
como relevante a referência aos vários objetos da escrita como giz, lápis, caneta,
giz de cera, lápis de cor, canetas coloridas. Esses objetos culturais e muitos outros,
individuais e coletivos, necessários ao funcionamento da aula, trazem as marcas da
modelação das práticas escolares, quando observados na sua regularidade. Mas
portam índices das subversões cotidianas a esse arsenal modelar, quando
percebidos em sua diferença.
Tais índices de subversão são percebidos nas várias formas inventivas com que os
usuários se apropriam dos objetos culturais e nas mudanças que imprimem nas práticas escolares.
Outras fontes, como fotos, autobiografias, história oral, podem contribuir na compreensão desses
fazeres e da “constituição de corporeidades nos sujeitos da escola” (VIDAL, 2005, p.17). Vamos ver
um relato de Garcia (1999, p. 56-9) sobre o cotidiano e as práticas culturais escolares.

Um dia, Mercedes chegou à escola e encontrou uma de suas alunas, a Rosinha,


acocorada no chão e chorando. Abaixou-se para perguntar à menina por que
chorava e Rosinha lhe contou que [...] seu avô lhe dera um cachorrinho e que a
mãe não lhe permitira levar para a escola. [...] As duas entraram juntas na sala de
aula e, logo, logo, Mercedes pôs em discussão o problema de Rosinha, sugerindo
que pensassem juntos o que poderia ser feito. [...] Depois de muita argumentação
e contra argumentação acabaram chegando a um consenso. As crianças iriam em
comissão perguntar se a diretora permitiria a presença de um cachorro na escola,
e, se ela permitisse, iriam escrever para a mãe de Rosinha dizendo que todos se
responsabilizariam pelo cachorrinho.[...] A diretora, apesar de relutante, acabou
cedendo, com algumas condições – não poderia aparecer sujeira de cachorro. [...] À
medida que se sentiu compreendida e ajudada, Rosinha parou de chorar e sua
expressão de tristeza desapareceu de seu rosto, fazendo reaparecer o brilho de
seus olhos cor de mel. Ao voltarem para a sala de aula, a professora propôs que
fizessem juntos uma carta para a mãe de Rosinha. E assim fizeram. A carta ficou
imensa, pois todos queriam participar.[...] À medida que a carta ia sendo escrita, as
crianças a liam, ainda que não soubessem ler como a escola exige. [...] Uma das
crianças quis fazer um desenho na própria carta e o fez. [...] Quando tudo parecia
acabado, alguém lembrou que carta precisa de envelope. Mercedes então ensinou
como se pode fazer um envelope, com papel, tesoura, cola e régua. [...]mas era
preciso ensinar o que é uma régua, para que serve e como se usa. Mercedes o fez e
as crianças foram aprendendo a ler uma régua. [...] logo elas estavam querendo
medir a mesa, o tamanho dos pés, a janela, a porta; tudo o que viam queriam
medir. [...] No dia seguinte as crianças chegaram cedo para fazer o envelope. [...]
Alguns envelopes ficaram tortos, outros lambuzados, outros ficaram muito
pequenos para caber a carta. Finalmente escolheram o envelope que lhes pareceu
o mais bem feito e no qual coubesse a carta.

Há uma riqueza de detalhes que o relato nos revela sobre o que foi discutido até aqui,
nesta aula. O espaço da sala de aula, lugar privilegiado da transmissão de conhecimentos, se
transformou num espaço de vivências que proporcionou tanto situações de aprendizagem como de
construção de valores e responsabilidades. Uma série de situações culturais foi sendo criada à
medida que as práticas iam sendo desenvolvidas, por intermédio de ações altamente
compartilhadas.
Vários atores se envolveram, os alunos, a professora, a diretora, os familiares, dando
significado aos fazeres, à medida que “aprendiam a participação e a organização, o respeito pela
palavra do outro e a lutar pelo direito à palavra, a argumentar, a persuadir, a fazer alianças, a criar
estratégias para enfrentar problemas” (GARCIA, 1999, p. 60).
Estamos diante do que afirmava Frago citado por Silva (2006), já citado anteriormente,
sobre a cultura da escola como modos de pensar e atuar que proporcionam aos seus componentes
estratégias e pautas para desenvolver-se tanto nas aulas como fora delas e integrar-se na vida
cotidiana das mesmas.
Assim como a cultura de um grupo social ou uma sociedade que, por meio de suas
práticas, cria ritos e rituais, a cultura da escola, da mesma forma, também produz os seus. Como
exemplos de ritos sociais, temos o casamento, o baile de debutantes, o chá de panela, a corrida de
toras entre os KraHô . Como exemplos de rituais na escola, temos o conselho de classe, o
planejamento, o recreio, entre outros. Vejamos o ritual do conselho de classe.

Saiba mais

Os Conselhos de Classe são reuniões, normalmente bimestrais, entre professores,


coordenadores e diretores de escolas, tanto públicas quanto privadas, para definir a situação dos
alunos frente às avaliações. Normalmente, têm data estabelecida para acontecer e não há aulas
nesse dia, pois os alunos não podem participar. Cada professor leva o seu diário de classe, e o
coordenador, a lista de turmas e professores responsáveis. Em algumas escolas, a avaliação do
desempenho dos alunos é feita de um a um. Como são várias disciplinas, o aluno é avaliado por
vários professores. Em outras, essa avaliação recai apenas sobre os que estão de recuperação.
Embora o ritual do conselho de classe possa variar em alguns aspectos, ele segue padrões
semelhantes. Um exemplo de conselho de classe é o relato, que você vê a seguir, extraído de Alves
(1999).
No decorrer de uma discussão sobre os conteúdos mínimos no Conselho de Classe
da escola urbana [...], a professora Suzana fala sobre sua turma, que ela considera
“difícil”, pois tem vários alunos carentes, que não têm rendimento. À pergunta da
diretora sobre quais alunos estão de recuperação, a professora assinala oito
crianças, começando a falar sobre cada uma delas e destaca o caso da aluna
Alessandra. As demais professoras, inclusive a orientadora pedagógica e a diretora
da escola, também se manifestam sobre o caso. “A Alessandra, ela melhorou, no
comportamento e tudo... mas ela não escreve nada. (Suzana, professora
responsável). O tempo da Alessandra é diferente né? Ela vai ter que ter mesmo
um.... (Diretora). Ela se nega. Eu acho que ela é até capaz, mas eu acho que ela se
nega, quando ela queria fazer, ela fazia (Tereza, coordenadora).
Um dos principais objetivos dessa prática é avaliar o processo de aprendizagem,
proporcionando uma discussão livre entre professores, coordenadores e diretor, para a solução dos
problemas detectados. Apesar das críticas feitas a ela, sua importância como um rito escolar é
assinalada pelo encontro de falas, sentimentos e significados sobre a escola e seus atores.

Síntese da unidade
A cultura da escola ou cultura escolar é um campo novo de investigação nas pesquisas
das várias áreas do conhecimento. Ela pode ser entendida como modos de pensar e fazer, atitudes,
rituais, mitos, discursos e práticas, amplamente compartilhados pelos seus vários atores,
professores, alunos, familiares e gestores, que orientam uns e outros a desempenhar suas tarefas
diárias. Esta cultura da escola é compreendida através do estudo dos ritos e rituais, das práticas, dos
discursos que ocorrem no universo escolar. Vários autores se destacam nos estudos dessa cultura,
entre eles, Dominique Julia, André Chevel e Frago. Tais estudos contribuíram para que se
evidenciasse a escola como produtora de uma cultura própria que é dinâmica e interfere no contexto
mais amplo da cultura geral da sociedade.
UNIDADE 5: ETNOCENTRISMO E IDENTIDADE CULTURAL NA ESCOLA: INCLUSÃO E EXCLUSÃO

Esperamos que, ao final desta unidade, você seja capaz de:


- Identificar o conceito de etnocentrismo e os processos de inclusão e exclusão;
- Descrever o processo de construção da identidade cultural na escola.

Introdução
Aprendemos, nos meios de comunicação, na mídia, nos filmes, revistas e jornais, nos
livros, a idealizar algumas características humanas como as representantes legítimas e naturais do
que seja ser humano. Aprendemos este preconceito relativo ao que seja um ser humano ideal e
quando nos deparamos com nossos alunos reais ou abrimos mão dessa idealização ou passamos a
exercer nosso racismo, machismo, etnocentrismo; passamos a estigmatizar e tornar invisível a
realidade que nos cerca (TRINDADE, 2003).
Ao agirmos dessa forma, perpetuamos as situações de exclusão em nossa sociedade e
continuamos a reproduzir a desigualdade, seja ela social, econômica ou cultural.
Daí a importância de conhecermos os conceitos de etnocentrismo e identidade cultural,
enfocando a realidade da inclusão e exclusão como situações presentes na escola. Além disso,
conhecer o processo de construção da identidade cultural na instituição escolar, pois ela é um espaço
em que as diferenças se encontram e as culturas se cruzam.

5.1 Entendendo o Etnocentrismo


Vamos iniciar esta aula nos indagando: qual o significado deste termo? Qual sua
importância para esta disciplina e para o curso? Qual sua relação com a escola?
Como você viu nas aulas anteriores, a Antropologia é a ciência que busca investigar o
outro, aquele que é essencialmente diferente de nós. Sua gênese aparece nos relatos dos primeiros
viajantes europeus que tentavam descrever os exóticos costumes dos povos com os quais
mantinham contato (COSTA, 1997, p. 107).
Notou que a autora assinala que essa ciência busca investigar o outro? Pois então, o
entendimento sobre o etnocentrismo recai justamente na preocupação de quem é o outro e,
também, de denominar quem é o eu.
Rocha (1994, p. 7) assinala que o etnocentrismo é uma visão de mundo em que o nosso
próprio grupo é tomado como centro de tudo e de todos os outros valores, modelos e definições do
que é a existência.
Associando essa concepção à realidade atual e escolar, podemos observar que a visão
etnocêntrica defende a cultura de uma região como sendo superior à outra, por exemplo, o nível
educacional de escolas privadas do sudeste, onde o sistema de ensino é o mesmo de todo o país,
tem uma preparação de qualidade mais elevada, é superior às existentes na região nordeste. Isso
porque essa visão toma como centro do saber um determinado lugar – no caso a região sudeste.
Vejamos outros autores enfocando a definição do termo etnocentrismo. Marconi e
Presotto (2001, p. 52) enfatizam que esse termo significa a supervalorização da própria cultura, em
detrimento das demais. Todos os indivíduos são portadores desse sentimento e a tendência na
avaliação cultural é julgar as culturas segundo os moldes da sua própria. Essas autoras ainda
assinalam que a ocorrência da grande diversidade de culturas vem testemunhar que há modos de
vida bons para um grupo e que jamais serviriam para outro. Quando se fala dessa realidade, o
etnocentrismo torna-se evidente em casos de manifestações no comportamento agressivo ou em
atitudes de superioridade e até de hostilidade.
Assim como Rocha, essas autoras também entendem que o etnocentrismo julga as
culturas conforme os modelos próprios, desprezando com isso, as outras. Essas são questões que
podem ser identificadas com o preconceito. Sobre isso, Itani (1998, p. 119) afirma que,
frequentemente nos defrontamos com atitudes preconceituosas, seja em atos ou
gestos, discursos e palavras. A sala de aula não escapa disso. E trabalhar com essa
questão, e mesmo com a intolerância, não está entre as tarefas mais fáceis do
professor. Mas não são questões novas. Há muito as sociedades vêm lutando para
manter as escolas um pouco resguardadas dos conflitos decorrentes da
intolerância entre diferentes grupos.
A concepção que se tem é de uma estreita relação existente entre essas temáticas
(etnocentrismo e preconceito), pois, como assinala o autor, “para trabalhar com essas questões, é
preciso compreendê-las, saber como se manifestam e em que bases são expressas, notadamente se
levarmos em conta que elas não podem ser analisadas fora de seus contextos” (ITANI, 1998, p. 119).
Ao tratarmos de temas importantes como o preconceito e a identidade cultural, que se
refletem, também, na realidade escolar, é fundamental compreender seus aspectos conceituais,
pois, assim, os que lidam com os mesmos, como os professores, alunos e os demais componentes da
instituição escolar, podem buscar soluções mais elaboradas. Vamos ver esses aspectos.

5.2 O Preconceito
Você já se perguntou: existe preconceito em nossa sociedade? E a escola como encara o
preconceito? Os alunos, como agem diante de um caso de preconceito? São algumas indagações
dentre muitas existentes. O racismo, por exemplo, é um tipo de preconceito presente em nossa
sociedade, que desperta nas pessoas indignação e discussões.

Itani (1998) explica que há inúmeras formas de expressão de preconceitos na sociedade,


entre eles, gestos; o olhar da diferença; o comentário em voz baixa, o cochicho como uma atitude
“para não ofender o outro”.
Você observou que, somente nessas formas citadas, muitas discussões podem ser
suscitadas, em especial, na escola? Por exemplo: sobre o tema do racismo, vemos o caso do sistema
de cotas para negros nas universidades ser debatido nos meios intelectuais, jornalístico e televisivo.
Recentemente, a escritora Lya Luft, em seu ponto de vista na Revista Veja, tratou desse assunto, com
o título – Cotas: o justo e o injusto. Nesse artigo, a autora assinala que o tema libera muita
verborragia populista e burra, produz frustração e hostilidade. Instiga o preconceito racial e social.
Ela resume dizendo que “a ideia das cotas reforça conceitos nefastos: o de que negros são menos
capazes e precisam de um empurrão e o de que a escola pública é péssima e não tem salvação” (LYA
LUFT, 2008, Veja, 6 fev. 2008). Discutiremos mais sobre cotas para negros na aula sete.
Para analisar esta situação tão adversa na sociedade, na realidade das pessoas e da
escola “é imprescindível um olhar relativista, pois essa posição liberta o indivíduo das perspectivas
deturpadoras do etnocentrismo” (MARCONI; PRESOTTO, 2001, p. 52), e do preconceito, seja em qual
lugar ocorrerem tais situações: em casa, na escola, nos grupos de amigos.
Certamente, você deve ter visto que essas questões estão próximas e interligadas, e
devem ser sempre revisitadas pela escola, pois ela é um ambiente de debates constantes,
evidenciando soluções, por meio de programas educativos, com o objetivo de proporcionar aos
alunos uma vida digna de reconhecimento de valores culturais e de enriquecimento intelectual.

5.3 Identidade Cultural


Vamos tomar como base para o início desse item um questionamento: como identificar
na realidade escolar as investidas de uma visão etnocêntrica? Para tanto, é importante lembrar que,
na sala de aula, há uma diversidade cultural imensa, mas que nela os alunos aprendem que têm uma
identidade cultural muito rica a ser conhecida.
Esse conhecimento se dará por meio de uma abordagem histórico-social e cultural de
nosso país. Para tanto, as escolas devem ter toda uma estrutura física e pedagógica para repassar aos
alunos como se deu a formação da cultura brasileira e da sua identidade. Por isso, é importante a
você, futuro professor, um enfoque, dentro da literatura antropológica e sociológica, do conceito de
identidade cultural. A construção desse conceito se deu de maneira instável corpo das ciências
sociais.
O termo identidade vem do latim identitade e significa qualidade do que é idêntico,
paridade absoluta, analogia e conjunto de elementos que permitem saber quem uma pessoa é; e a
cultura, como você viu na aula um, apenas relembrando, é definida, como correntemente
conhecemos, por um todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes
ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade.
Dessa forma, a identidade cultural pode ser compreendida, inicialmente, como um
conjunto de características comuns pelas quais os grupos sociais constroem sentido de
pertencimento. A identidade é construída de forma dinâmica, nas relações sociais, pelos grupos
humanos. Denys Cuche (2002) assinala que a cultura pode existir sem a consciência de identidade e
as estratégias de identidade construídas pelos grupos sociais e/ou Estado podem manipular e até
modificar uma dada cultura. Para esse autor, a identidade busca uma nova norma de aproximação
que é sempre consciente, enquanto a cultura depende de processos inconscientes (CUCHE, 2002).
O conceito que Cuche (2002) emprega para o termo identidade cultural, refere-se, de
forma abrangente, à sociedade, mas voltemos nossa atenção para a realidade da identidade cultural
na escola. Para isso, vamos mostrar o cotidiano de uma escola no Rio de Janeiro, que por meio de um
projeto: Projeto Brasileirinho – Os Tons da Aquarela Cultural de nosso País, apresentado pela
professora de Filosofia, Vânia Corrêa Pinto, em 2005, procurou enfocar um convite ao descobrimento
do Brasil multicultural. Um dos objetivos desse projeto apresentado pela docente foi perceber as
diversidades culturais brasileiras, compreendendo-as como resultantes de um processo histórico,
proporcionando aos alunos o conhecimento da identidade cultural do nosso país. Pinto (2005)
explica as razões do projeto, asseverando que
o motivo principal para a realização desse trabalho surge a partir do momento em
que se observa no dia-a-dia do aluno um desconhecimento sobre as raízes
populares de nossa cultura, principalmente no que diz respeito ao conhecimento
da música popular brasileira. Os meios de comunicação, com o estabelecimento de
uma indústria cultural de massa, muitas vezes transformam nossos alunos em um
enorme mercado potencial de consumidores, atraídos pelos produtos oferecidos,
sem terem chance de uma opção, de uma escolha.
Nas palavras da professora, podemos observar o desenvolver da identidade cultural, a
preocupação em inovar as aulas, dinamizando o cotidiano dos alunos e, ao mesmo tempo,
enfocando a importância do conhecimento da cultura, por meio também do universo cultural
artístico brasileiro. Essa foi uma intenção positiva de mostrar a história sócio-cultural do Brasil, a
partir da música.
A professora evidencia então, que,
através do contato do aluno com um universo pouco conhecido, se fará possível a
construção de novos conceitos, conhecimentos e ideias; o aluno terá a chance
também de refletir sobre sua própria identidade cultural. Os temas sugeridos nas
músicas levarão os alunos a um universo de possibilidades para o conhecimento
dacultura de seu país (PINTO, 2005).
Assim podemos ver que a escola tem inúmeros recursos pedagógicos relevantes a serem
desenvolvidos pelos professores, nas aulas, para evidenciar a construção da identidade cultural.
Essas iniciativas servem como defesa para a própria escola contra os preconceitos, o etnocentrismo,
que prejudica o desenvolvimento escolar e da sociedade.
Como você viu até agora, a escola está propensa a passar por vários desafios, mas,
também, tem outros aspectos que, por um lado, elevam sua eficiência, quando trabalha para incluir
os alunos em seu ambiente e, por outro, quando recebe críticas da sociedade e de poderes
constituídos, por excluí-los.

5.4 Processos de Inclusão e de Exclusão


Esses termos carregam um forte discurso ideológico que, muitas vezes, serve de
justificação para políticas que acabam por favorecer mais a classe dominante que aqueles que estão
em situação de exclusão. À parte da discussão política, vamos compreender o que é exclusão, para
que possamos visualizar as possibilidades de inclusão.
A discussão sobre a exclusão social apareceu na Europa na esteira do crescimento
dos sem-teto e da pobreza urbana, da falta de perspectiva decorrente do
desemprego de longo prazo, da falta de acesso a empregos e rendas por parte de
minorias étnicas e imigrantes, da natureza crescentemente precária dos empregos
disponíveis e da dificuldade que os jovens passaram a ter no mercado de trabalho
(DUPAS citado por ARAÚJO, 2006).
Ainda para esse autor, a exclusão tem um caráter multidimensional e representa o não
acesso, tanto aos aspectos econômicos quanto à segurança, à justiça, à educação, à informação e à
cidadania. Outro autor citado por Araujo explica que “exclusão é um processo complexo,
multifacetado, que ultrapassa o econômico do ponto de vista da renda e supõe a discriminação, o
preconceito, a intolerância e a apartação social” (SPOSATI citado por ARAÚJO, 2006).
Se a exclusão não é apenas econômica e envolve outras esferas da vida social, podemos
percebê-la, também, no universo escolar. A exclusão afeta, portanto, toda a sociedade e, quando se
trata da escola, a responsabilidade desta aumenta ainda mais, pois as explicações a dar à sociedade
são mais exigentes. Além disso, as cobranças desta são de uma escola de qualidade, que inclua os
alunos e seja uma instituição com capacidade de reduzir as desigualdades e, consequentemente,
diminuir o número de excluídos.
Mesmo que existam intenções positivas nas escolas e na sociedade em combater o
fenômeno social da exclusão, existe também uma inclusão disfarçada. Lane citada por Alves (2006, p.
38) afirma que
quem são os excluídos, disfarçados em incluídos? São aqueles que para não
denunciarem as injustiças decorrentes da ideologia dominante, necessária para a
manutenção do poder de alguns e de um status quo, são incluídos no sistema. São
os negros, que denunciam a escravidão, hoje disfarçada em preconceitos ou
discriminações ambíguas. São os deficientes que denunciam a ausência da Saúde
Pública e de educação reabilitadora. São os pobres que denunciam a injustiça
econômica e a má distribuição de renda que impede o acesso à saúde e à
educação.
Essa é uma reflexão crítica sobre exclusão/inclusão, pois percebe que a inclusão não se
dá no nível da situação de excluído, mas com ações que são mais um paliativo para silenciar grupos
potencialmente aptos a afrontar o status quo. Porém, apesar desse aspecto nocivo dessa relação, há
que se levar em conta as discussões e as ações que estão sendo dirigidas aos excluídos socialmente.
Muito bem, e na escola, o que ocorre em relação à exclusão? Será que ela exclui ou
inclui? François Dubet (2003), em seu artigo A escola e a exclusão explica que
no final das contas, os alunos mais favorecidos socialmente, que dispõem de
maiores recursos para o sucesso, são também privilegiados por um conjunto de
mecanismos sutis, próprio do funcionamento da escola, que beneficia os mais
beneficiados. Essas estratégias aprofundam as desigualdades e acentuam a
exclusão escolar na medida em que mobilizam, junto aos pais, algo que não é só o
capital cultural, este entendido como um conjunto de disposições e de
capacidades, especialmente linguísticas.[...] A escola espera que os pais sejam
pessoas informadas, capazes de orientar judiciosamente seus filhos e ajudá-los com
eficácia nas tarefas. [...] Quanto mais ativos são os métodos pedagógicos, mais eles
mobilizam os pais, seus recursos culturais e suas competências educativas.
A escola favorece os mais bem preparados socialmente e exclui os que não se
enquadram nesse sistema. Vejamos um exemplo bem característico da nossa realidade escolar.
Rui, aluno de nove anos, que frequentava a primeira série de uma escola pública de
primeiro grau e residia na favela, ia mal na escola porque, além de desligado,
escrevia tudo errado. Para algumas professoras era retardado; para outras,
imaturo; para outras, ainda, vítima de uma família desestruturada. Não tinha
mesmo jeito, e Rui, após frequentar três anos a primeira série, desistiu da escola
(CAMPOS, 2001).
A exclusão aqui se refere ao grau de aprendizagem do aluno. Os estudantes têm tempos
diferenciados para aprenderem as mesmas coisas e a escola padroniza esse tempo como comum a
todos. Essa é uma forma de deixar de fora aqueles que são mais lentos. Esse é apenas um aspecto.
Como a escola é um universo social, com uma cultura própria, ela faz uso dos mesmos mecanismos
que a própria sociedade utiliza para excluir.
Apesar da crítica abordada anteriormente sobre uma inclusão disfarçada, muitas são as
discussões sobre a escola inclusiva. Esse debate começou, quando vieram à tona as demandas dos
grupos portadores de deficiência, seja ela física ou mental. Porém tem se ampliado para outros
grupos minoritários. É o que você verá a seguir na aula 6, sobre a educação intercultural que se
refere à inclusão de grupos étnicos e, também, na aula sete, com as ações afirmativas contra a
exclusão, por exemplo, o sistema de cotas para negros nas universidades.

Você também pode gostar