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Biodiversidade Catarinense | 1
Governo do Estado de Santa Catarina
EDITORA DA FURB
EDITOR EXECUTIVO
C A PA S
Maicon Tenfen
Menino com lupa, foto: Edson Schroeder.
CONSELHO EDITOR IAL Vista da Serra Geral; Talha-mar (Rynchops niger);
Edson Luiz Borges Grimpeiro (Lepthastenura setaria). fotos: R enato R izzaro.
Elsa Cristine Bevian
G UA R DA S
João Francisco Noll
PR IMEIR A: Líquens. Foto: E dson Schroeder .
Jorge Gustavo Barbosa de Oliveira
Roberto Heinzle Aranha (Epicadus heterogaster); flor vermelha
Marco Antônio Wanrowsky (Sinningia macropoda); ninho de marreca-piadeira
Maristela Pereira Fritzen (Dendrocygna viduata); lagartas. Fotos: Lucia Sevegnani.
VERSO: Caeté (Heliconia farinosa). Foto: E dson Schroeder .
F i c h a C at a l o g r á f i c a el a b o r a da p el a B i b l io t e c a C e n t r a l da FURB
B615b Biodiversidade catarinense : características, potencialidades, ameaças / Lucia Sevegnani, Edson Schroeder
organizadores. - Blumenau : Edifurb, 2013.
252 p. : il.
ISBN 978-85-7114-336-4
Bibliografia: p. 244-251.
E lab o r a ç ã o Apoio
2 | Biodiversidade Catarinense
Folheada, a folha de um livro retoma o
lânguido e vegetal da folha folha,
e um livro se folheia ou se desfolha como
sob o vento a árvore que o doa;
folheada, a folha de um livro repete
fricativas e labiais de ventos antigos,
e nada finge vento em folha de árvore
melhor do que vento em folha de livro.
Biodiversidade Catarinense | 3
A obra Biodiversidade catarinense: características, potencialidades e ameaças
vem preencher uma lacuna de informações para o Ensino Básico,
sobretudo no que diz respeito aos conhecimentos relacionados
à biodiversidade do nosso Estado. Sabemos que, na escola,
crianças e adolescentes preparam-se para a sua vida social, portanto, é um
espaço significativo para a construção do conhecimento sobre a vida.
O livro aborda as características e inter-relações entre espécies que ocorrem nos
ecossistemas, além das ameaças a que estes estão submetidos. Destaca, também, as
potencialidades de uso e os serviços ambientais decorrentes do funcionamento dos
ecossistemas. O conhecimento de tais processos é fundamental na formação de estudantes
comprometidos com a construção de um mundo mais humano, inclusivo, solidário e
biodiverso. Conhecer e respeitar nosso patrimônio natural faz parte dessa construção.
Os conhecimentos reunidos nesta obra resultam do empenho de professores
pesquisadores da Universidade Regional de Blumenau - FURB, sensivelmente estimulados
pelo compromisso com a biodiversidade social e ecológica. Através da obra, pretendem
tornar as informações acessíveis aos professores e seus estudantes de todas as redes
de ensino de Santa Catarina. O poder das ideias, conceitos e pressupostos contidos na
obra, bem como a forma como foram organizados, certamente, estimularão a reflexão e
contribuirão para a formação cidadã do nosso povo, ambientalmente sensível e responsável.
Eis aqui mais uma importante contribuição da FURB, quando comemora os seus
49 anos. Nossa universidade participa, produz conhecimento científico e forma
profissionais comprometidos e preparados, entre eles professores e pesquisadores,
por intermédio dos 40 cursos presenciais de graduação e de pós-graduação –
11 cursos de mestrado e dois de doutorado, abrangendo 12 mil estudantes. Acumulamos,
nessas quase cinco décadas, significativo conjunto de conhecimentos científicos
relacionados às realidades catarinenses, especialmente sobre a biodiversidade.
4 | Biodiversidade Catarinense
C omo seria bom se esta obra já existisse há muitos anos e servisse
de referência fundamental a projetos pedagógicos em todas as
escolas! Ou como balizamento de decisões políticas e como
informação ao público em geral, contribuindo para evitar tantos e
tantos erros cometidos no processo de ocupação dos espaços catarinenses!
Mas, se tivesse surgido antes, os editores não disporiam do precioso acúmulo de
conhecimento sobre o ambiente natural catarinense que existe atualmente, fundamental
para todo e qualquer planejamento de uso e ocupação do solo com a obrigatória
proteção da biodiversidade, aqui apresentado de forma acessível e sintética.
Biodiversidade Catarinense: características, potencialidades, ameaças reúne num só volume o
que há de melhor nesse conhecimento acumulado no Estado, que teve no pioneirismo
do naturalista Fritz Müller seu maior expoente no século XIX. Na contribuição de
Fritz Plaumann para os insetos e na dupla dos gigantes Raulino Reitz e Roberto Miguel
Klein para a flora e vegetação catarinenses, os maiores expoentes no século XX e no
recente Inventário Florístico Florestal Estadual, as primeiras luzes do século XXI.
A biodiversidade, ou seja, a diversidade de ecossistemas, espécies e genomas só pode
ser entendida à luz da evolução geomorfológica, climática e da vida no planeta Terra.
Esta é a expressão máxima da vida no ambiente, num determinado tempo geológico,
que o ser humano, nele inserido, tem o dever e a obrigação de respeitar. Sem levar em
consideração a conservação da biodiversidade e a complexa gama de fatores físico-químicos,
ecológicos e temporais nela envolvidos, não se pode sequer pensar em sustentabilidade.
Mais que uma simples coletânea de textos afins, de diversos autores, este livro
compõe uma verdadeira “singnose”, uma espécie de sinfonia do conhecimento sobre
o tema, magistralmente regida pelos doutores Lucia Sevegnani e Edson Schroeder,
que souberam reunir e costurar, intercalar e interconectar, convergir e complementar,
formando um conjunto único, como jamais abordado em Santa Catarina.
Biodiversidade Catarinense | 5
N a presente obra, o Estado de Santa Catarina foi dividido em três
grandes regiões (Vertente Atlântica, Planalto e Oeste) para facilitar
o conhecimento das espécies e ecossistemas. Muito mais do que
fonte atualizada de informações sobre a fauna e a flora, se constitui
em uma declaração de amor por Santa Catarina. Fruto do trabalho dedicado dos
seus autores ao longo de mais de três anos, o estudo realizado apresenta com
aprofundamento científico um belíssimo painel da natureza catarinense. Desta
forma, esta obra representa uma fonte mais abrangente que as atualmente existentes
para os professores e estudantes das escolas catarinenses. Com ela, estes podem
enriquecer as aulas de Ciências, Biologia ou Geografia com conteúdo sobre espécies
e populações, cadeias alimentares entre outras informações sobre Santa Catarina.
Que este livro seja um elemento de incentivo para aulas que estimulem as novas
gerações de catarinenses a ter um olhar mais profundo sobre a nossa biodiversidade
e as leve a ultrapassar os muros das escolas e, principalmente, as paredes de suas
casas, para conhecer de perto a beleza da vida natural de Santa Catarina.
No primeiro capítulo, de autoria do professor doutor Edson Schroeder com
contribuição da professora doutora Lucia Sevegnani, estes organizadores e
também autores, registram a importância dos pais incentivarem seus filhos a
saírem de casa, visitarem parques nacionais, sítios, museus e universidades.
Num determinado trecho, professora Lucia Sevegnani afirma: "há mais perigos
dentro de uma casa com a internet que num passeio pela floresta". Sem dúvida,
a necessidade de reconectar toda uma geração fundamentalmente urbana, com
a natureza, é urgente. Precisamos reabrir os portões da escola para o mundo.
Porém, esta reabertura só será efetiva se prepararmos nossos estudantes para
esta nova realidade. Neste sentido, uma obra como a que você tem em suas
mãos se reveste de uma poderosa ferramenta para estimular os estudantes a se
encantar e conhecer in loco toda a maravilhosa biodiversidade catarinense.
6 | Biodiversidade Catarinense
P roduzido com recursos do governo estadual, repassados por meio da
Chamada Pública Biodiversidade, o livro Biodiversidade catarinense:
características, potencialidades e ameaças complementa o trabalho da
Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa
Catarina (Fapesc), órgão do governo estadual que repassa recursos públicos
principalmente a projetos de pesquisa selecionados por chamadas públicas.
O livro ajuda professores a disseminar informações entre estudantes matriculados a partir
do ensino fundamental, o único nível da educação brasileira não atendido diretamente por
essa instituição, dado que a Fapesc disponibiliza bolsas de pesquisa para alunos do ensino
médio até a pós-graduação e apoia financeiramente estudos conduzidos por pesquisadores.
A lacuna será preenchida com as oito mil cópias da presente obra, que serão distribuídas
gratuitamente em escolas das redes pública, privada e também para o ensino superior,
funcionando como material de referência para os docentes de todos esses diferentes níveis.
A Universidade Regional de Blumenau (FURB) – que agora apresenta este livro
impresso e em versão eletrônica, disponível para download também por meio da biblioteca
virtual criada no site da Fapesc – havia sido contemplada anteriormente com verbas
da Fapesc para efetuar o Inventário Florístico-Florestal de Santa Catarina, cujos
resultados estão publicados em quatro volumes e também disponibilizados on line.
Entretanto, faltava encontrar novos meios de difundir conhecimentos científicos
sobre os ecossistemas catarinenses e a Fapesc garantiu não só a produção do livro
Biodiversidade catarinense, mas também cursos de capacitação para os professores das
escolas que usarão a obra. Vale lembrar que ele também aborda aspectos da fauna
vertebrada, flora e ecossistema catarinense, tendo grande aplicação em aulas de
Ciências, Biologia e Geografia. Além de fotos e ilustrações, traz detalhes sobre espécies
e populações, entre outros assuntos, para despertar a curiosidade dos estudantes e
fomentar a preocupação ambiental desde cedo. Tem potencial inclusive para estimular
jovens cientistas a investigarem soluções que garantam o futuro de todos nós.
Biodiversidade Catarinense | 7
A G R A D E C I M E N T O S
Esta obra é resultado de trabalho abnegado dos au- Ignês Sevegnani, Lauro E. Bacca (Acaprena), Rudi R.
tores dos capítulos, que se esmeraram em trazer à luz Laps (UFMS), bem como críticas atribuídas ao Capítu-
tantas informações contextualizadas sobre as expres- lo 2: Alexandre Uhlmann (Embrapa- Florestas), Beate
sões da vida em nosso Estado. Frank, Luis O. M. Giasson (FURB), Luis R. M. Bap-
Somo gratos pela colaboração dos diferentes espe- tista (UFRGS), Marialva T. Dreher (FURB), Rosete
cialistas que nos brindaram com seu pensar e sentir, Pescador (UFSC) e Waldir Mantovani (USP). Agrade-
resultando em boxes ilustrativos: Alanza M. Zanini, cemos, também, pela revisão gramatical feita pela pro-
Alexander C. Vibrans, André L. de Gasper, Annete fessora Rafaela L. V. Otte.
Bonnet, Cintia Gruener, Claudia Fontana, Edilaine Ao Dr. Alexander C. Vibrans (FURB) pela cessão
Dick, Juarez J. V. Müller, Julio C. Refosco, Lauro E. das informações, do banco de dados e imagens do In-
Bacca, Luís O. M. Giasson, Marcos A. Danieli, Marial- ventário Florístico Florestal de Santa Catarina os quais
va T. Dreher, Miriam Prochnow, Rosete Pescador, Rudi se constituíram em lastro para esta obra.
R. Laps, Sidney L. Stürmer, Vanilde C. Zanette, Vera À Fapesc – Fundação de Amparo à Pesquisa e Ino-
L. S. Silva, Wigold B. Schäffer e Zelinda M. B. Hirano. vação de Santa Catarina pelos importantes recursos
A beleza da obra emergiu do olhar atento dos fo- que possibilitaram a elaboração dos 8.000 volumes des-
tógrafos sobre as espécies e ecossistemas existentes no te livro, fazendo com que professores das diferentes re-
território catarinense, os quais cederam as imagens para des e níveis de ensino do Estado possam utilizar como
publicação. Alguns registros como o da onça, anta, cas- base em suas aulas, portanto tornar a biodiversidade
cavel, tamanduá-bandeira, lobo-guará, veado-campeiro mais conhecida e valorizada.
e outros foram feitos em outros Estados, mas sua pre- À FURB – Universidade Regional de Blumenau
sença é importante na obra para alertar sobre dificulda- pela cessão do tempo dos professores, de sua infraes-
de ou até mesmo a impossibilidade de registrá-los aqui trutura e, principalmente, por apoiar a pesquisa cien-
por causa da caça, da restrição de hábitats e seus hábi- tífica sobre a biodiversidade do Estado ao longo de
tos. Portanto, nosso profundo agradecimento a: Alex décadas.
Balkanski, Anita S. dos Santos, André L. de Gasper, Somos gratos à Secretaria Estadual de Educação
Antônio de A. Corrêa Jr, Artur Stanke Sobrinho, Bernd pelo apoio na distribuição nas diferentes redes de en-
Marterer, Bertholdo Bachmann, César P. L. de Oliveira, sino, a qual, juntamente, com as demais secretarias de
Charles G. Boudreault, Daniela S. Mayorca, Djeison F. educação municipais, permitiu a chegada deste livro
de Souza, ECOAMA - Consultoria Ambiental, Edilai- aos professores das escolas.
ne Dick, Edson Schroeder, Fernanda Braga, Fernando À Camila Grimes pela atenta organização das refe-
Tortato, Ignês Sevegnani, Isamar de Melo, Iumaã L. C. rências apresentadas neste livro. E aos demais abnega-
Bacca, José C. Rocha Jr., Júlio C. de Souza Jr., Juliane L. dos servidores professores e técnicos administrativos
Schmitt, Juarês J. Aumond, Kátia G. Dallabona, Laudir e bolsistas da FURB: Ana C. Guztzazky, André L. de
L. Perondi, Lauro E. Bacca, Leila Meyer, Lucia Seveg- Gasper, Daniel R. Priester, Débora V. Lingner, Elcio
nani, Luis O. M. Giasson, Luiz Schramm, Marcelo R. Schuhmacher (Coordenador do PPGECIM), Fernanda
Duarte, Márcio Verdi, Marcos A. Danieli, Marcus Zilli, Bambineti; Leila Meyer, Maicon Tenfen (Editor chefe
Miriam Prochnow, Pâmela S. Schmidt, Priscila P. A. da Edifurb), Marcio Nunes (Chefe da Divisão de Pes-
Ferreira, Rafael Pasold, Renato Rizzaro, Rita S. Furuka- quisa), Morilo J. Rigon Jr., Peter Valmorbida e Sirleni
va, Tiago J. Cadorin, Tiago Maciel, Tiana M. Custódio Schmitt (Chefe da Divisão de Administração Contábil
e Tobias S. Kunz. e Patrimonial).
Agradecemos às crianças da Escola de Educação Aos que cederam os direitos de uso de sua imagem:
Básica Governador Celso Ramos e sua professora, Da- Ana M. Q. Imhof, Caio Y. Busana, Cynthia H. Rinnert,
núbia Lorbieski, que gentilmente cederam os desenhos Celso Menezes, Cláudia Fontana, Cláudia Siebert, Clau-
para esta obra. dimara Pfiffer, Danúbia Lorbieski, Edson Schroeder,
Os mapas e diagramas apresentados no livro foram Fabiana Fachini, Ilizete G. Lenartovicz, Karin E. Qua-
resultado do trabalho abnegado de Débora V. Lingner dros, Joel de Quadros, Lauro E. Bacca, Leila Meyer,
(IFFSC – Inventário Florístico Florestal de Santa Ca- Lourenço G. Isolani, Lucia Sevegnani, Márcio Verdi,
tarina, FURB), Carolina Schäffer (Apremavi – Asso- Marilete Gasparin, Paul Comtois, Peter Valmorbida,
ciação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida), Pierre J. H. Richard e Vaneila Bertoli.
Luana Schlei (IFFSC, FURB) e Maurici Imroth. Ao designer e assessor editorial Renato Rizzaro, por
Somos gratos pelas leituras e sugestões feitas ao evidenciar a beleza da biodiversidade na presente obra.
texto efetuadas por André L. de Gasper (FURB), Arno Às pessoas e entidades que através de suas ações
Wortmeyer, Conselho Editorial da Edifurb (FURB), protegem a biodiversidade catarinense.
8 | Biodiversidade Catarinense
S U M Á R I O
APRESENTAÇÃO | 10
Capítulo 1
Educação Científica para a
Conservação da Biodiversidade | 13
Capítulo 2
Olhares sobre a Biodiversidade | 31
Capítulo 3
As Grandes Unidades da Paisagem
e a Biodiversidade de Santa Catarina | 55
Capítulo 4
A Vegetação no Contexto
Brasileiro e Catarinense: uma Síntese | 71
Capítulo 5
A Vertente Atlântica | 93
Capítulo 6
O Planalto Central | 135
Capítulo 7
O Oeste | 173
Capítulo 8
A meaças à Biodiversidade | 197
Capítulo 9
Potencialidades de
Uso da Biodiversidade | 223
REFERÊNCIAS | 244
Biodiversidade Catarinense | 9
A P R E S E N T A Ç Ã O
Lucia Sevegnani
Edson Schroeder
organiz adores
B i o d i v e r s i d a d e C a t a r i n e n s e | 11
Foto: Edson Schroeder
12 | B i o d i v e r s i d a d e C ata r i n e n s e
C a p í t u l o 1
SCHROEDER, E. Educação científica para a conservação da biodiversidade. In: SEVEGNANI, L.; SCHROEDER, E.
Biodiversidade catarinense: características, potencialidades e ameaças. Blumenau: Edifurb, 2013, p. 12-29.
1 Doutor em Educação Científica e Tecnológica, biólogo, professor e pesquisador na Universidade Regional de Blumenau – FURB.
E S C O L A S - A B R A M S U A S
L ucia S evegnani
H
Doutora em Ecologia, bióloga, professora e pesquisadora na Universidade Regional de Blumenau – FURB
A B
Crianças em diferentes contextos de aprendizagem: a) ao redor da escola, observando a biodiversidade
circundante. Foto: Lucia Sevegnani e b) no Laboratório de Zoologia (FURB). Foto: Edson Schroeder
seus portões. Que leve seus estudantes Retomem o contato com o mundo
para fora em bem planejados passeios lá fora e verão quão belo e rico é.
ou experiências de observação: levem Pais permitam que seus filhos saiam,
ao museu, ao parque, à praia, à floresta, há mais perigos dentro de uma casa
aos campos e aos terrenos baldios, pois com a internet que num passeio pela
cada geração de estudantes é única. floresta. Se algo inesperado acontecer,
Façam exercícios de tocar, de cheirar, não queria processar a escola e pedir
de provar, de viver coisas simples e de indenizações absurdas. Aliás, esse
correr. Um dia sem fones de ouvido, um é um dos grandes motivos porque a
dia sem música eletrônica, somente o escola não efetua mais atividades ao
ruído das gargalhadas dos estudantes, ar livre com seu filho. Eventualidades
somente o som das falas ou da nature- podem ocorrer e ninguém, nem mesmo
za. Um dia de compartilhar lanche, de vocês, têm controle de tudo e, portanto
sentar no chão e andar descalço, um elas devem ser entendidas como tal.
dia de voltar a ser gente não confinada. Professores sintam a alegria e as
Se algum imprevisto ocorrer, ele marcas profundas que fazem no co-
é tão educativo quanto a experiên- ração dos seus estudantes, as ex-
cia de sair. Portanto, em favor da periências fora dos muros da escola
saúde mental dos professores e e quão revitalizante é para vós este
estudantes, em favor de uma vida dia. Programem-se, organizem-se e
mais ampla e repleta de significa- deixem-se levar pela vida... E boa ex-
dos, escolas abram seus portões! periência de sentir e permitir sentir.
18 | B i o d i v e r s i d a d e C ata r i n e n s e
em curto espaço de tempo e a repeti-las nas científicas. Neste sentido, conforme Chassot
avaliações. Aplica-se o perverso método da (2003, p. 28):
comparação, em que um desempenho padrão
é exigido, com a repressão sistemática da di- Hoje, não se pode mais conceber propostas
versidade e originalidade de um conhecimen- para um ensino de Ciências, sem incluir nos
currículos componentes que estejam orienta-
to científico/tecnológico ou escolar. Lembra- dos na busca de aspectos sociais e pessoais
mos Freire (1987), que sugeriu a expressão dos estudantes. Há ainda os que resistem a
“educação bancária”, uma educação onde o isso, especialmente, quando se ascende aos
estudante recebe o conhecimento do profes- diferentes níveis de ensino.
sor, que é depositado, pronto e acabado. Em
um segundo momento, o professor solicita Os conhecimentos derivados das ciências
que o estudante lhe devolva o que foi depo- humanas e naturais podem ampliar as ex-
sitado, acreditando, assim, estar contribuindo periências dos estudantes na construção de
para uma educação de qualidade. concepções adequadas sobre o meio natural,
Nossas realidades foram mudadas e nos- social e tecnológico. Além disto, os profes-
sos estudantes mudados também. O mundo sores precisam estar atentos às complexida-
contemporâneo do qual fazemos parte, nos des associadas aos conhecimentos sobre o
desperta para um desafio perante a neces- ambiente natural, à tecnologia e sociedade
sidade se sermos cidadãos cientificamente e, em função disto, lembrar que se trata de
educados, diante de um mundo em constan- um processo construtivo pelos estudantes,
tes mudanças, tanto sociais, culturais, eco- na medida em que vão desenvolvendo seu
nômicas, ambientais, como tecnológicas e processo cognitivo.
20 | Biodiversidade Catarinense
A B
C D
E F
G H
22 | Biodiversidade Catarinense
A B
C D
E F
Figura 2: Representação da biodiversidade por crianças a partir de um trabalho sobre a temática
Mata Atlântica em sala de aula: a) Nilvane de Lima (veado); b) William L. Pereira (onça-pintada);
c) Tamiris R. Avancini (saíra-de-sete-cores); d) Shelem L. Borgonovo (periquito-de-cara-suja);
e) Rubia A. Soares (perereca); f) Robson R. da Silva (capivara).
1.3 P ro f essores
e estudantes
ambienta l mente sensibi l i z ados
Entre as preocupações que cercam o ensi- Ainda é possível perceber que muitos
no a respeito do ambiente natural e da biodi- professores e professoras possuem uma con-
versidade que vem acontecendo nas escolas, cepção reducionista sobre temas como a
encontra-se a discussão a respeito da forma- biodiversidade. Outro problema relaciona-
ção e capacitação dos professores, com o ne- -se, ainda, a pouca importância que se atri-
cessário aprofundamento conceitual e teórico- bui a esses conhecimentos - a ênfase geral-
-reflexivo sobre aspectos associados ao ensino mente recai sobre conhecimentos que pouco
de Ciências e de Biologia e suas contribuições contribuem para a formação dos estudantes,
para a educação científica dos estudantes. Há se atentarmos para um importante aspecto
que se problematizar e romper com o modelo dessa formação: a construção de conheci-
tradicional de ensinar (CARVALHO; GIL- mentos mais significativa sobre o ambiente
-PÉREZ, 2000; ROSA, 2004). Entendemos natural e sua biodiversidade, como patrimô-
que a educação científica compreende várias nios que precisam ser conhecidos, respeita-
dimensões, entre elas, o processo de formação dos e conservados. Portanto, para que ocor-
dos professores. Essa formação tem sido um ra o desenvolvimento das pessoas, de um
ponto de partida para importantes reflexões país e de uma nação, a educação científica
visando às estratégias de mudanças na pers- é fundamental e necessária. Torna-se uma
pectiva da construção de sistemas que mudem exigência para a compreensão das comple-
o perfil do profissional da educação, capaz de xidades do mundo atual e hoje, mais do que
localizar os desafios da sociedade contempo- nunca, faz-se necessário promover e difun-
rânea e, de certa forma, também contribuir dir os conhecimentos científicos relaciona-
para o desenvolvimento científico. dos ao ambiente natural e à biodiversidade
26 | Biodiversidade Catarinense
Conforme Sforni (2004), aprender Ciên- ções que estabelecemos com os diferentes
cias e Biologia não significa apenas a assi- ecossistemas. Além da nossa estreita inter-
milação de novas informações, mas a pos- dependência com os demais seres que coa-
sibilidade de produção de um sistema de bitam conosco o planeta, perceber a neces-
pensamento organizado, já que este dirige o sidade de preservar e conservar os sistemas
pensamento para a própria atividade mental. naturais e seus componentes, torna-se con-
O livro “Biodiversidade catarinense: ca- dição necessária à sobrevivência.
racterísticas, potencialidades e ameaças” foi Existiria, portanto, um perfil definido
organizado com o objetivo de contribuir que caracteriza um professor mais adequado
para a construção de uma percepção mais para um ensino que estimula o conhecimen-
aprimorada da realidade catarinense em to, a conservação e a utilização sustentável
seus aspectos biodiversos, sua importância, dos nossos recursos naturais? A princípio,
beleza e as ameaças subjacentes, via educa- qualquer professor que, num primeiro mo-
ção científica de professores e estudantes. mento, consiga manter, juntamente com
Conhecer trata-se de uma etapa fundamen- seus estudantes, um vínculo mediado pelos
tal para esse processo construtivo para a conhecimentos científicos, com o objetivo
conservação dos ecossistemas, a utilização de desenvolver outros vínculos como a afe-
sustentável dos recursos, a manutenção dos tividade e o respeito pelo planeta. Neste sen-
serviços ambientais e a promoção do bem tido, evidenciamos três importantes dimen-
estar humano (Figura 4). Evidentemente, sões que fazem parte do projeto educativo
defendemos o ensino centrado na investi- do professor:
gação e na participação ativa dos estudan- a) visão: tem ideal comum com outros
tes, em detrimento daquele que evidencia professores sobre a importância de co-
a utilização da memória e da repetição do nhecer e preservar. Frustra-se ao per-
conhecimento, na grande maioria das ve- ceber sua incapacidade de fazer com
zes, destituídos de significados. Portanto o que essa visão se torne realidade;
livro se constitui numa fonte atualizada de b) formação: tem o conhecimento cientí-
informações para o professor que necessita fico fundamental e as habilidades para
saber mais sobre biodiversidade do Estado, ensiná-los;
na abordagem dessa temática junto com os c) compromisso: tem comprometimento
estudantes. com a vida em todas as suas manifes-
Inspirados em Chassot (2006; 2003) en- tações.
tendemos que o ensino acerca da biodiver- A escola, portanto, é o espaço para a dis-
sidade catarinense contribuirá para uma cussão e apropriação do conhecimento, ten-
leitura muito mais rica e estimulante, o que do em vista a construção de um mundo me-
implica em aprender a expressar os conheci- lhor. Segundo Warschauer (1993) é urgente
mentos adquiridos na interação com o am- pensar a formação humana em sua (auto)
biente e seus fenômenos naturais e sociais educação. Uma educação que lhe provê a in-
integrados. Isto envolve o conhecimento de tegridade como sujeito, respeitando a inte-
si como um organismo vivo e autoconscien- gridade do conhecimento e dos ecossistemas
te, percebendo e compreendendo as intera- (ver Box 2).
ECOFORMAÇÃO E A REDE I N T E R N
Vera L úcia de S ouz a e S ilva
Doutora em Engenharia de Produção, bióloga, professora e pesquisadora na Universidade Regional de Blumenau - FURB
A construção de
conhecimentos e de
estratégias inovadoras
para lidar com os
desafios advindos da sociedade
do conhecimento é objetivo da
ecoformação. Para desenvolver
A ecoformação possui algumas
características a serem consideradas:
a) vínculos interativos com o
entorno natural e social, pessoal e
transpessoal; b) desenvolvimento
humano a partir de e para a vida,
em todos os seus âmbitos de
atividades ecoformativas, maneira sustentável; c) caráter
precisamos ter uma percepção sistêmico e relacional que nos
transdisciplinar do conhecimento, permite entender a formação como
pois, para compreender a ciência redes relacionais e campos de
como um conjunto sistematizado aprendizagem; d) caráter flexível
de conhecimentos, o estudante e integrador das aprendizagens;
necessita ter a leitura muito mais e) princípios e valores de meio
abrangente, pois o conhecimento ambiente que consideram a Terra
científico não se apresenta de como um ser vivo, onde convergem
forma isolada. E nesta abordagem os elementos da natureza tanto vivos
transdisciplinar, o caráter de como inertes (TORRE, 2008, p. 21).
sustentabilidade é possível quando Nesta direção, o Programa de
se estabelecem relações entre Extensão REDE DE ESCOLAS
todos os elementos do objeto CRIATIVAS, na FURB, baseia-
estudado, com um olhar complexo da se na transdisciplinaridade,
realidade e de seus diversos níveis. complexidade e na ecoformação
A atitude transdisciplinar busca a como princípios investigativos e
transformação do ser humano na formativos e promove encontros
sua totalidade e adota como ponto de formação de professores e
de referência os valores humanos, o disseminação de experiências de
desenvolvimento da consciência, da escolas criativas. Faz parte da Red
criatividade, a defesa do meio natural, Internacional de Escuelas Creativas
a solidariedade e o desenvolvimento (RIEC), com atuação na Argentina,
sustentável e a convivência em Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia,
harmonia (D’AMBROSIO, 2002; Espanha, México, Perú e Portugal.
MORAES e TORRE, 2004; MORAES, Acesse mais informações no site
2008; SILVA, 2004; TORRE, 2011). www.escuelascreativas.com
28 | Biodiversidade Catarinense
A C I O N A L D E E S C O L A S C R I AT I VA S
SEVEGNANI, L.; COMTOIS, P. Olhares sobre a biodiversidade. In: SEVEGNANI, L.; SCHROEDER, E. Biodiversidade
catarinense: características, potencialidades e ameaças. Blumenau: Edifurb, 2013, p. 30-53.
Biodiversidade Catarinense | 31
2.1 C onceitos
Cada habitante do planeta Terra está rela- do todo e seu significado ecológico. Quando
cionado com a biodiversidade e, de alguma todos os componentes da biodiversidade são
forma, dela participa e depende. “Biodiversi- analisados em conjunto com seus meios físico
dade é a variedade da vida em todas as suas e químico, estes passam a ter a dimensão da
manifestações. Ela engloba todas as formas, ecosfera (ver conceito no item 2.3).
níveis e combinações da variação natural, e O conceito de biodiversidade adotado
assim, serve como um amplo conceito uni- nesta obra leva em consideração aquele apre-
ficador” (GASTON; SPICER, 2004, p. 4). sentado por Gaston e Spicer (2004), mas é
Esta palavra foi utilizada pela primeira vez complementada com a visão dos diferentes
em 1988, por Wilson, no âmbito da obra Bio- níveis de organização ecológica abordado por
diversity, traduzida para o português em 1997. Odum e Barret (2007), além do expresso na
A biodiversidade engloba três grupos de Convenção da Diversidade Biológica (1992),
elementos: a diversidade ecológica, a diver- apresentada neste capítulo.
sidade taxonômica e a diversidade genética Os estudos, geralmente, são focados nos
(GASTON; SPICER, 2004). Segundo estes níveis organização ecológica abaixo de bio-
autores, a diversidade ecológica compreende, ma, por causa do tamanho e intrincadas re-
entre outros, as populações, as comunidades, lações, pelas limitações metodológicas, de
os ecossistemas, as paisagens e os biomas. A tempo e recursos. No entanto, pesquisas
diversidade taxonômica abrange, entre ou- abrangendo a dimensão da ecosfera são ne-
tros, os indivíduos, as espécies, as famílias cessárias para entendimento de processos de
e os reinos dos seres vivos. E a diversidade mudança globais, como por exemplo, as cli-
genética engloba os componentes do código máticas (IPCC, 2007), e seus impactos sobre
genético, incluindo genes, cromossomos, até a vida no Planeta.
indivíduos e populações. No entanto, apesar A revolução industrial potencializou os
de apresentados de forma separada, os gru- impactos negativos sobre a biodiversidade.
pos de elementos da biodiversidade são inti- A grande preocupação da sociedade, espe-
mamente ligados e apresentam alguns deles cialmente do movimento ambientalista e da
em comum, como, por exemplo, a população. comunidade científica, a partir dos anos 70
Odum e Barret (2007) propõem outra do século XX, com os impactos das ações
classificação. Eles apresentam a hierarquia humanas sobre a biodiversidade, teve, entre
dos níveis de organização ecológica envol- seus resultados, a constituição de uma nova
vendo: célula, tecido, órgão, sistema de ór- área da Ecologia – a Biologia da Conserva-
gãos, organismo, população, comunidade, ção. Esta ciência tem foco na problemática da
ecossistema, paisagem, bioma e ecosfera. De extinção de espécies e ecossistemas, suas cau-
acordo com esses autores, cada um dos níveis sas e consequências, bem como a definição
citados, apresenta sete processos ou funções: de estratégias para a conservação.
regulação, desenvolvimento, evolução, fluxos Um grande marco internacional dessa pre-
de energia, comportamento, diversidade e in- ocupação ambiental, com pressões sobre os
tegração. Porém, cada nível de organização governos, foi a primeira Conferência das Na-
ecológica é importante e, quando analisado ções Unidas sobre o Meio Ambiente, em Es-
de forma separada, não expressa a dimensão tocolmo no ano de 1972 e, a partir desse ano,
32 | Biodiversidade Catarinense
eventos similares acontecem a cada década, Dentre os três níveis da biodiversidade
com diferentes países sede, tornando-se uma destacados pela CDB (1992) está o ecossiste-
oportunidade de fazer um balanço global da ma. Ele “é a primeira unidade na hierarquia
questão ambiental e definir rumos para o ecológica que é completa, ou seja, que tem
próximo decênio. Em duas oportunidades, todos os componentes (físicos e biológicos)
o evento ocorreu no Brasil. Na primeira, no necessários ao seu funcionamento” (ODUM;
Rio de Janeiro, em 1992, durante a qual foi BARRETT, 2007, p. 18). É composto por po-
discutida e aprovada a Convenção da Diver- pulações de diversas espécies que interagem
sidade Biológica (CDB, 1992), ratificada por entre si e com o ambiente físico no qual se
187 países. A outra conferência, em 2012, de- situam, e obtêm os meios e os recursos neces-
nominada Rio+20, as Nações Unidas (UN) sários a sua sobrevivência e reprodução.
resultou no documento “O futuro que que- Dentro dos ecossistemas, por exemplo, em
remos” (UN, 2012), o qual destaca a impor- uma floresta, podem existir muitas popula-
tância de uma economia verde. A Convenção ções de espécies de plantas, de animais e de
da Diversidade Biológica - CDB (1992) define micro-organismos interagindo entre si e com
em seu Art. 2º: o meio que habitam. Essas interações provo-
[...] Diversidade biológica como a variabilida-
cam modificações no ambiente e por ele são
de de organismos vivos de todas as origens, modificadas.
compreendendo, dentre outros, os ecossiste- As espécies são o segundo nível da biodi-
mas terrestres, marinhos e outros ecossiste- versidade destacadas pela CDB (1992). Como
mas aquáticos e os complexos ecológicos de por exemplo, a imbuia (Ocotea porosa), a onça
que fazem parte; compreendendo ainda a di- (Panthera onca) entre milhares de outras exis-
versidade dentro de espécies, entre espécies e tentes em Santa Catarina, conforme será
de ecossistemas.
abordado no item 2.2, deste capítulo.
Nessa convenção são ressaltados três ní- O terceiro nível destacado pela CDB
veis da biodiversidade, sobre os quais as na- (1992) é relativo à diversidade dentro das es-
ções se propuseram atuar: a diversidade de pécies, ou seja, a sua variabilidade genética.
ecossistemas, de espécies, e a diversidade ge- Por exemplo, todos os seres humanos perten-
nética dentro de cada espécie. Com fins de cem à mesma espécie: Homo sapiens, mas entre
definição de políticas de conservação am- as pessoas há diferenças que torna possível
biental, a convenção tem três principais ob- separar uma das outras. A razão das diferen-
jetivos, apresentados no Art. 1º: a conserva- ças está na composição genética (genótipo)
ção da biodiversidade; o uso sustentável dos existente dentro das células do corpo de cada
componentes da biodiversidade; repartição ser humano e se expressa na aparência (fenó-
justa e equitativa dos benefícios resultantes tipo), influenciada pelas respostas do organis-
da utilização comercial ou não, dos recursos mo às condições e recursos ambientais a que
genéticos (CDB, 1992). está sujeito. Assim, também todas as demais
Apesar da existência de outros níveis de espécies de seres vivos apresentam diferenças
organização ecológica (de célula à ecosfera), intraespecíficas (entre os organismos da mes-
a CDB aborda três. A presente obra restringe ma espécie) e diferenças interespecíficas (em
um pouco mais o foco (espécies e ecossiste- relação às outras espécies).
mas e de forma geral – as paisagens e bio- A variabilidade genética possibilita aos or-
mas), devido a amplitude da temática e da rica ganismos e, por consequência, às populações
biodiversidade catarinense. suportar, de formas distintas, as condições
34 | Biodiversidade Catarinense
A B
C D
E F
G H
Figura 1. Espécies e famílias da flora catarinense: a) Flores de Senecio brasiliensis, asterácea; b) Flores
de Sinningia macropoda, gesneriácea (Parque Municipal da Mata Atlântica, Atalanta); c) Flor de Dugue-
tia lanceolata, Anonácea; d) Flores de Myrrhinium atropurpureum, mirtácea; e) Fruto e sementes
de Aspidosperma australe, apocinácea; f) Infrutescências de Urera caracasana, urticácea; g) Fruto de
Eugenia cereja, mirtácea; h) Semente com arilo de Virola bicuhyba, miristicácea. Fotos: Lucia Sevegnani
A m ú sica da vida
L ucia S evegnani
U
Doutora em Ecologia, bióloga, professora e pesquisadora na Universidade Regional de Blumenau – FURB
36 | Biodiversidade Catarinense
CDB (1992), coordenada e apresentada por tas três características resulta em sete clas-
pesquisadores do Jardim Botânico do Rio ses, desde as mais brandas até mais restritas
de Janeiro, mostrou que são reconhecidas formas de raridade (CAIFA; MARTINS,
pela ciência, até o momento, 44.261 espé- 2010). A forma mais restritiva de raridade
cies nativas do Brasil, sendo 4.565 de Fun- é a classe que abrange espécie com limita-
gos, 4.237 de Algas, 1.531 de Briófitas, 1.250 da área de ocorrência; apresentando elevada
de samambaias e Licófitas, 24 de Pinidae especificidade por hábitat; e baixa densida-
ou Gimnospermas e 32.654 de Angiosper- de populacional (CAIFA; MARTINS, 2010;
mas (RIO DE JANEIRO, 2013). Destas es- FONTANA, 2012). O Inventário Florísti-
pécies, foram registradas 15.782 no bioma co Florestal que amostrou grande parte das
Mata Atlântica, sendo 45% endêmicas ou florestas de Santa Catarina evidenciou que
exclusivas (STEHMANN et al., 2009). Em cerca de 30% das espécies tiveram presen-
Santa Catarina, o número apontado por Reis tes, na amostra, com menos 10 indivíduos
et al. (2011) é de 6.500 espécies de plantas, no Estado (VIBRANS et al., 2012a) e esse
alguns dos exemplares destas constam na Fi- fato é muito preocupante.
gura 1a-h. A variação da composição de espécies
O número de espécies de animais regis- também pode ser analisada através da diver-
trados para o Brasil também é elevado, es- sidade alfa (α) – local; diversidade gama (γ)
tando entre 103,7 mil e 136,9 mil; sendo – ou regional; e a diversidade beta (β) – va-
que o número dos cordados encontra-se riação da composição de espécies entre áreas
entre 7.120 a 7.150 espécies: urocordados e (RICKLEFS, 2003).
cefalocordados (140 – 2 respectivamente), A identificação das espécies brasileiras tem
peixes (3.420), anfíbios (687), répteis (633), sido um trabalho árduo e efetuado ao longo
aves (1.696) e mamíferos (541); o número de séculos, por pesquisadores nas universida-
de “invertebrados” pode variar de 96.660 a des, institutos de pesquisa e herbários. Nos
128.840 espécies, predominando os artró- últimos anos, o resultado de tamanho esfor-
podes (88.790 a 118. 290 espécies) (LEWIN- ço tem começado a se tornar mais visível ao
SOHN; PRADO, 2005). A Figura 2 pode público, via internet. Por exemplo, o esforço
dar uma ideia de como é rica em espécies e abnegado dos pesquisadores brasileiros no
formas a ordem dos Insetos – Coleópteros, sentido de registrar as espécies de plantas, de
apesar de muitos dos apresentados não se- revisar coleções de algas e fungos, sob coor-
rem nativos do Brasil. denação dos pesquisadores do Jardim Botâ-
As espécies possuem tamanhos variados nico do Rio de Janeiro, está disponível on-line
de população, podendo ser raras ou comuns, a partir de 2010, no endereço: http://flora-
em determinado ecossistema, paisagem, dobrasil.jbrj.gov.br/. Esse banco de dados é
bioma ou ecosfera. O conceito de rarida- frequentemente atualizado, possibilitando
de também possui diferentes significados ao internauta consultar nomes das espécies,
(GASTON, 1994). Rabinowitz, Cairnse e de família, ver as imagens das exsicatas, sua
Dilon (1986), apresentaram metodologia que distribuição nos Estados brasileiros e o bio-
permite circunscrever classes de raridade, ma de sua ocorrência. Outra grande iniciati-
abrangendo três dimensões: o alcance geo- va é banco de dados de coleções científicas
gráfico, a amplitude ecológica (especificida- do Brasil, Species Link (http://splink.cria.org.
de por habitat) e o tamanho da população br/), o qual possibilita consultas on-line por
(número de indivíduos). O cruzamento des- espécie, por coletor e por região.
38 | Biodiversidade Catarinense
Figura 3. Parte de uma população de capivaras em seu ecossistema, Blumenau. Foto: Lucia Sevegnani
40 | Biodiversidade Catarinense
manas. Porém, o conhecimento dessas fragi- nas regiões tropicais, as florestas e as savanas
lidades ou perdas pode apontar o rumo das (ver definições no Capítulo 4), são os biomas
ações de restauração ambiental. mais ricos em espécies em áreas continentais;
Passaremos agora ao próximo nível de or- e os recifes de corais em áreas marinhas (OS-
ganização ecológica acima de ecossistema BORNE, 2000). Na América do Sul, espe-
- a paisagem (ODUM; BARRET, 2007). Os cialmente no Brasil, encontram-se as maiores
ecossistemas compõem diferentes paisagens áreas cobertas por florestas tropicais (GUA-
– “entendida como mosaico, onde a mistura RIGUATA; KATTAN, 2002), e significa-
de ecossistemas locais, ou de usos da terra, se tivas áreas de savanas (GOTTSBERGER;
repele de forma semelhante em uma área com SILBERBAUER-GOTTSBERGER, 2006),
amplitude de quilômetros” (FORMAN, 2006, com elevada riqueza de espécies e de ecossis-
p.13). Ainda, segundo o autor, no interior de temas e paisagens.
uma paisagem muitos atributos tendem a ser Por último, o mais amplo nivel de orga-
similares e se repetem na área, tais como, a ge- nização ecológica é a ecosfera, formada pelo
omorfologia, os tipos de solos, de vegetação e conjunto de biomas continentais e marinhos
de fauna, bem como os padrões de distúrbios, do planeta (ODUM; BARRET, 2007). Esta é
de uso da terra e de ocupação humana. entendida como um amplo sistema constitu-
O conjunto das paisagens com fisionomia ído por grupos de unidades de níveis inferio-
semelhante constitui o próximo nível de or- res, interdependentes e, portanto, inclui to-
ganização ecológica - o bioma é um sistema dos os organismos vivos da Terra interagindo
regional ou subcontinental grande, caracte- com o ambiente físico (ODUM; BARRETT,
rizado por um tipo de vegetação principal e 2007). Ela abrange a biosfera, litosfera, hi-
submetidos a um clima particular (ODUM; drosfera e a atmosfera. Os ciclos de matéria e
BARRET, 2007). O conceito de bioma, no energia perpassam a biodiversidade em todos
entanto, não é consenso entre os pesquisado- os seus níveis influenciando na sua distribui-
res. Coutinho (2006) apresenta a evolução do ção em escala global. Mas as ações humanas
conceito de bioma, e dentre vários apresenta- estão alterando processos e reduzindo biodi-
dos, cita também o proposto por Whittaker, versidade da ecosfera.
em 1971: bioma é o maior tipo de comunidade Com o aumento populacional humano pla-
num dado continente, concebida em termos netário e também brasileiro, agravada pelos
de sua fisionomia, este englobando a vegeta- modos de produção e a intensidade de con-
ção e a fauna. De acordo com Fiaschi e Pirani sumo, todos os níveis da biodiversidade estão
(2009, p. 4), “bioma se refere a uma área com sendo afetados, com redução da variabilidade
homogeneidade fisionômica independente da genética, do número de espécies, do tamanho
composição florística”. De acordo com Walter populacional e da área da abrangência, a estru-
(1986) os biomas podem atingir mais de um tura e composição originais de ecossistemas,
milhão de quilômetros quadrados. São exem- paisagens, biomas e, portanto, da ecosfera.
plos de biomas continentais: o Amazônia, o O Brasil, em geral, e Santa Catarina em
Cerrado; a Caatinga; o Mata Atlântica, o Pam- especial, apresentam grandes variações geo-
pa e o Pantanal (IBGE, 2004), ver Capítulo 4. morfológicas, de clima, de solo (ver Capítulo
A distribuição dos biomas no planeta re- 3), de disponibilidade de água, bem como rica
sulta da dinâmica geológica e climática, bem biota (conjunto de seres vivos de um local),
como, do processo evolutivo da vida ao lon- conforme foi apresentado anteriormente. Mas
go do tempo (WALTER, 1986). Geralmente, com a abundância de recursos naturais, espe-
42 | Biodiversidade Catarinense
entre aquelas de grande interesse alimentar Figura 5: Pinhões com tamanhos diferentes pro-
para a humanidade (ver Box 2), comprome- duzidos em diferentes épocas do ano, perten-
centes a duas variedades de pinheiro-do-paraná
tendo a segurança alimentar do futuro. (Araucaria angustifolia); à esquerda pinhões do
Portanto, frente às ameaças à biodiversida- pinheiro-caiová; à direita do pinheiro-macaco,
de, em todos os seus níveis de organização, segundo informação de morador de Urubici. Ob-
servar sob os pinhões a mesa feita com madeira
ações de proteção e manejo sustentável preci- de pinheiro-do-paraná, sendo visíveis os anéis
sam ser tomadas. de crescimento. Foto: Lucia Sevegnani
S
R osete P escador
Doutora em Botânica, engenheira agrônoma, professora e pesquisadora da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC
44 | Biodiversidade Catarinense
2.4 Dinâmicas
nos Ecossistemas
alimentação humana
E stabi l idade ou
2 . 4 .1
R esi l i ê ncia dos S istemas
46 | Biodiversidade Catarinense
três palavras destacadas pelos autores: resis- mas, aos poucos, pode se desenvolver e atingir
tência, persistência e resiliência. A resistência elevada complexidade. Este fato apresentado
é ato ou efeito de resistir; força que se opõe evidencia a capacidade de persistir, ou seja, ser
a outra, que não cede à outra. Persistência é destruída e novamente voltar a reconstituir,
o ato de persistir, perseverança; de continuar, portanto, apresenta resiliência, no sentido
de insistir. E, a resiliência é o ato de resilir, apresentado por Holling (1973), ou estabilida-
de saltar para trás, de voltar ou retornar ao de de resiliência segundo Begon, Townsend e
ponto de partida. Harper (1996) e Odum e Barret (2007).
Por exemplo, em um costão batido pelas Em ambientes fisicamente instáveis como
ondas do mar: a onda é resiliente – sofre o as zonas costeiras aos oceanos, margens e
impacto com a rocha, se desmancha e se re- ilhas nos rios, as dinâmicas podem ser mais
organiza, e novamente... ou seja, é persistente; frequentes que em outras áreas distantes
a rocha que recebe o impacto da onda perma- destes locais. As formações pioneiras com
nece firme, ela é resistente, é estável. influência marinha (vegetação de restinga)
A estabilidade pode ser percebida em ecos- ou fluviomarinha (manguezais) são tipos de
sistemas, como as florestas existentes em Santa vegetação submetidos a frequentes estresses
Catarina. Esta possui muitas espécies de plan- naturais e durante as marés excepcionalmen-
tas (componentes estruturais) e de animais e te altas podem ser fortemente perturbados.
micro-organismos (componentes intersticiais), Durante estes episódios, em muitas áreas esta
todos desempenhando, em conjunto, muitas vegetação pode ser totalmente dizimada. No
funções, interconectados com a atmosfera, entanto, passado o evento que as destruiu, se
com a água e com o solo. Num dado momen- instalam novamente, com semelhante fisio-
to, durante uma tempestade com ventos fortes nomia e muitas vezes com a mesma compo-
em alguns poucos pontos pode ocorrer a que- sição de espécies e funcionamento ecológico,
da de algumas árvores, abrindo clareiras. Com ou seja, são resilientes ou persistentes. Nas
o passar do tempo a floresta se restabelece dos margens de rios as inundações é que provo-
distúrbios existentes naqueles locais, as clarei- cam a destruição da vegetação, mas depois
ras são fechadas pelo crescimento de novas ár- ela novamente se reestrutura.
vores e o ecossistema se mantém como flores- Outro exemplo, a Estepe, ou campos suli-
ta. Isso evidencia a estabilidade desta floresta, nos, existente no planalto do estado de Santa
no sentido expresso por Holling (1973), ou Catarina, é vegetação resiliente. Esta ao lon-
apresenta estabilidade de resistência no senti- go do seu processo evolutivo esteve submeti-
do atribuído por Begon, Townsend e Harper da às condições limitadas de recursos, clima
(1996) e Odum e Barret (2007). estressante, pastejo pelos animais e episódios
Por outro lado, a resiliência pode ser per- esporádicos de fogo. Após uma queimada, a
cebida logo após o corte e queima de uma vegetação de campo novamente começa a se
floresta, fato esse, muito comum na história instalar ou ainda, brotar e pouco tempo de-
da vegetação de Santa Catarina. Se área após pois, apresenta fisionomia e funções muito
a queimada foi abandonada, com a chegada semelhantes a anterior ao incêndio.
de sementes provenientes das áreas vizinhas No entanto, se a frequência dos distúrbios
trazidas pela fauna ou pelo vento, em algumas como os incêndios nos campos for muito ele-
décadas, na área poderá haver uma nova flo- vada e a extensão atingida é muito ampla, as
resta. Inicialmente, não com todas as espécies condições para se restabelecer podem ser per-
presentes na floresta anteriormente existente, didas e a capacidade de persistir foi destruída.
2.4.2 C ic l o adaptati v o
48 | Biodiversidade Catarinense
Para exemplificar o ciclo adaptativo dos estabilidade ou resistência (HOLLING,
sistemas apresentado por Holling e Gunder- 1973; HOLLING; GUNDERSON, 2002;
son (2002) e Drever et al. (2006) (Figura 6), WALKER et al, 2006).
será utilizado uma floresta e as mudanças Em geral, quando na ecologia se aborda
que podem nela ocorrer. Uma floresta bem a sucessão ecológica (CLEMENTS, 1916;
conservada e bem desenvolvida, ou seja, em GLEASON, 1939; BRAUN-BLANQUET,
K (fase de conservação de recursos) contém 1979; KLEIN, 1980; SIMINSKI et al., 2011),
muitas espécies e fortes teias de interações en- se detalha os processos que ocorrem entre as
tre elas e o meio. No caso desta floresta sofrer fases r e K, deixando de levar em conta as
um grande incêndio, ocorre rápida liberação fases Ω e α do ciclo adaptativo dos ecossiste-
dos recursos armazenados, saindo via solo, mas, portanto, constituindo-se em uma visão
água ou ar; diz-se então que o sistema entrou parcial da dinâmica ecológica desses.
na fase Ω (fase de liberação de recursos). O Para lembrar, sucessão ecológica são alte-
amontoado de cinzas sobre o solo e os restos rações na estrutura e na composição de es-
de troncos parcialmente queimados, podem pécies que ocorrem em uma determinada
abrigar sementes vivas, que juntamente com área, ao longo do tempo (KLEIN, 1980).
outras que chegam via dispersores, iniciam a A sucessão pode ser primária quando se de-
colonização da área. O ecossistema passa en- senvolve sobre uma área que não havia sido
tão por intenso e rápido processo de reorga- colonizada anteriormente, por exemplo, uma
nização, a fase α. Nessa fase, a colonização duna (KLEIN, 1980). A sucessão é dita se-
por plantas, animais e micro-organismos e o cundária quando a colonização e o desenvol-
aproveitamento dos recursos disponíveis é rá- vimento de uma comunidade de seres vivos
pida e importante. Também é nesse momento se dão onde antes havia outra comunidade
que podem chegar espécies diferentes daque- instalada (KLEIN, 1980). Por exemplo, num
las que havia na floresta antes da queimada, local que havia floresta e esta foi cortada para
ou seja, está aberta a possibilidade para a en- fazer agricultura, no momento que a área for
trada de componentes novos. Em seguida, abandonada ao processo de sucessão ecoló-
ocorre outra fase, caracterizada pelo rápido gica, nova comunidade pode se instalar e de-
crescimento das espécies presentes, aprovei- senvolver. Dizemos então que se trata de uma
tando o máximo da luz, de nutrientes e do es- vegetação secundária. Estudos em sucessão
paço disponível, ou seja, a fase r. Com o pas- ecológica, em geral, abrangem as fases r e K
sar das décadas e até mesmo séculos, na área do ciclo adaptativo apresentado por Holling e
pode estar presente novo conjunto florestal, Gunderson (2002).
semelhante na estrutura e função da floresta Algumas áreas florestais de Santa Catarina
original, contendo grande diversidade de es- são remanescentes das florestas originais que
pécies e desempenhando funções ecológicas havia quando os colonizadores chegaram nes-
importantes - a fase K. As fases apresentadas te Estado. Muitas dessas sofreram exploração
são partes do ciclo adaptativo desta floresta. madeireira, mas continuaram a ser floresta.
Mas qual a fase tem maior estabilidade ou Podemos afirmar à luz dos conceitos apre-
resistência e qual tem maior resiliência ou per- sentados que estas florestas podem ser bons
sistência? No ciclo adaptativo a fase α é aque- exemplos de florestas estáveis (HOLLING,
la que apresenta maior resiliência e capacida- 1973) ou com estabilidade de resistência
de de incorporar inovação, e esta habilidade (BEGON; TOWSEND; HARPER, 1996;
decresce em direção à fase K - com maior ODUM; BARRET, 2007).
Dos quase 28% de florestas atualmente entanto, há muitas áreas em estádio inicial,
presentes em Santa Catarina, a maior parte ou seja com cobertura herbácea e arbustiva
é resultado do processo sucessional ocorrido (Figura 7). Essas áreas com florestas secun-
após o corte raso da floresta. A instalação das dárias bem desenvolvidas, contém vegetação
espécies nativas da floresta e seu desenvolvi- que passou por todas as fases do ciclo adap-
mento ocorreram após o abandono das áreas tativo (HOLLING; GUNDERSON, 2002).
que estiveram sujeitas às queimadas, seguidas, Pode-se afirmar que as florestas secundá-
muitas vezes, por décadas sucessivas de uso rias de Santa Catarina são resultado da resi-
para agricultura ou pecuária, segundo infor- liência dos ecossistemas, no sentido Holling
mações levantadas pelo IFFSC (VIBRANS (1973). Perceber que os ecossistemas têm ca-
et al., 2012a). As florestas resultantes desse pacidade de resiliência possibilita entender
processo sucessional são secundárias, e pre- que as florestas podem ser restauradas nas
dominantemente em estádio médio e avan- áreas em que foram dizimadas. Todavia, a
çado de sucessão (VIBRANS et al., 2012a, contínua redução do tamanho dos fragmen-
SEVEGNANI et al., 2012b, 2013a, b) no tos florestais na paisagem, agravados pela
50 | Biodiversidade Catarinense
simplificação interna a esses, através do cor- tar quando as pessoas reduzem a resiliência,
te seletivo de espécies de interesse; da roçada através da remoção da diversidade de respos-
do sub-bosque da floresta com o corte das tas dos grupos funcionais, dos níveis tróficos,
trepadeiras, dos arbustos e dos jovens das es- ou ainda, impactando os ecossistemas via
pécies arbóreas; da colocação do gado para emissão de poluentes, provocando mudanças
pastejar no interior da floresta; da captura e climáticas, e alterando a magnitude, a fre-
morte da fauna, e do uso de agrotóxicos no quência e a duração do regime de distúrbios
seu entorno, traz intensas e graves perturba- (FOLKE et al., 2004). Pois os efeitos combi-
ções que podem levar o ecossistema, com o nados, e frequentemente sinergéticos dessas
tempo, a não ser mais uma floresta. Assim pressões podem tornar os ecossistemas mais
reduzindo a resiliência dos ecossistemas pre- vulneráveis às mudanças, tornando-os me-
sentes na paisagem. nos capazes de absorver distúrbios, passando
Estudos efetuados em ecossistemas tem- para um estado indesejável alternativo e de-
perados e tropicais evidenciaram que a proba- gradado, no qual se restringe a capacidade de
bilidade de regime de mudança pode aumen- gerar serviços ambientais.
Olhares sobre a B i o d i v e r s i d a d e | 51
Figura 8: Representação de panarquia
com ciclos adaptativos aninhados,
evidenciando influências entre diferentes
escalas. Fonte: http://www.resalliance.
org/index.php/key_concepts.
Ilustração adaptada por Luana Schlei
52 | Biodiversidade Catarinense
na rápida restauração do sub-bosque e a flo- ecológicos (ver Box 2, Capítulo 7) para que
resta pode recuperar as espécies e a estrutu- funcionem como biodiversos remanescen-
ra anterior a colocação do gado. tes, ou seja, fontes de espécies para colonizar
A presença de áreas suportes ou rema- áreas degradadas e propiciar a reorganização
nescentes na paisagem abrigam as ligações de novos ecossistemas ricos em biodiversi-
móveis, que em conjunto com os legados dade.
biológicos, presentes na área degradada, têm As unidades de conservação como o Par-
implicação sobre a recuperação dessas áreas, que Nacional da Serra do Itajaí, o Parque
bem como podem diminuir o tempo neces- Estadual do Tabuleiro, o Parque Nacional
sário à reorganização e continuidade do ci- das Araucárias, Parque Nacional de São Joa-
clo adaptativo, ou seja, facilitar a restauração quim e outras precisam estar a salvo de ações
ecológica (RODRIGUES, et al. 2009). humanas que as degradem para que possam
A ampliação das áreas agrícolas, com pe- cumprir seu papel de abrigo e disseminador
cuária ou plantios de espécies exóticas como de vida. Especialmente neste Estado, con-
o Pinus e o Eucalyptus em larga escala nas tendo 72% do território com outros usos,
paisagens (SCHAADT, 2012), reduzem as pois, muito desse percentual, apresenta-se
áreas suportes ou remanescentes. Este fato é degradado.
agravado pela caça de animais (especialmen- Para finalizar, ressaltamos a necessidade
te mamíferos, aves e répteis) e o uso de agro- de manter a estabilidade dos ecossistemas
tóxicos (com forte ação sobre os insetos). especialmente aqueles na fase K do ciclo
Esses fatores diminuem a quantidade e a ri- adaptativo, ou seja, manter nas propriedades
queza de espécies da fauna (os elos móveis). as florestas bem desenvolvidas e ricas em es-
Com isso, áreas degradadas que precisam ser pécies e funções; bem como garantir a resi-
restauradas podem se tornar não resilientes liência ecológica nas paisagens para que áre-
e o sistema passar para um estado alternati- as degradadas possam se restaurar e assim
vo e, o estado degradado. E se a resiliência manter os processos ecológicos e a elevada
da área for fraca irão se formar ecossistemas biodiversidade no espaço e no tempo.
empobrecidos em sua composição e funções Destaca-se, também, a importância de
ecológicas. uma educação científica para a biodiversi-
Situações de intensa degradação e poucos dade, que precisa começar nas escolas, com
remanescentes de vegetação nativa, e esses objetivo de torná-la conhecida; propiciar
ainda subordinados às pressões humanas, entendimento de seu funcionamento, bem
se verificam em muitas áreas do oeste, pla- como de suas fragilidades frente às ações
nalto e sul de Santa Catarina (VIBRANS et humanas. Os estudantes necessitam estar
al., 2012a) e portanto, são merecedoras de cientes dos inúmeros serviços ambientais
políticas de conservação que revertam este (proteção da água, da biodiversidade, fon-
quadro. te de produtos e lazer, proteção contra os
As unidades de conservação podem au- desastres naturais) que a biodiversidade, em
xiliar na minimização deste problema, para todos os seus níveis de organização, produz.
tanto, precisam ser bem protegidas, bem Pois, é a biodiversidade, um dos grandes pi-
como distribuídas nas diferentes regiões do lares, que mantém e condiciona o bem estar
Estado e interconectadas por corredores das populações humanas.
As Grandes Unidades da
Paisagem e a Biodiversidade
de Santa Catarina
J uarês J osé A umond 1
AUMOND, J. J.. As grandes unidades da paisagem e a biodiversidade de Santa Catarina. In: SEVEGNANI, L.; SCHROEDER, E.
Biodiversidade catarinense: características, potencialidades e ameaças. Blumenau: Edifurb, 2013, p. 54-69.
1 Doutor em Engenharia Civil, Mestre em Geografia, geólogo, professor na Universidade Regional de Blumenau – FURB
Biodiversidade Catarinense | 55
ticas constituem-se hoje no Aquífero Gua- desse supercontinente. Durante a Era Pa-
rani. Nesse sentido, esta fase da história leozoica e parte da Era Mesozóica, a flora
geológica é, em parte, também a história da e a fauna podiam migrar livremente por
evolução climática das terras gondwânicas. esse grande continente (Figura 1).
Os ecossistemas eram diferentes e neles Cerca de 170 milhões de anos atrás, no
ocorriam plantas e animais muito primiti- período Triássico, esse supercontinente co-
vos. As plantas e animais que conhecemos meçava a se fragmentar dando origem a vá-
hoje ainda não existiam. As Gimnosper- rios continentes menores que conhecemos
mas (Coníferas) apareceram apenas no pe- hoje, como a América do Sul, Austrália,
ríodo Carbonífero e dominaram durante Antártida, entre outros (Figura 2). A Amé-
toda a Era Mesozoica e as Angiospermas, rica do Sul começava a se afastar da África
as plantas com flores, só apareceram cerca (quatro centímetros por ano) dando início à
de 125 milhões de anos atrás, no Cretá- formação do Oceano Atlântico. O fenôme-
ceo médio e se expandiram na Era Ceno- no de afastamento dos continentes deno-
zoica, dominando até os dias atuais. No mina-se deriva continental. As placas tec-
início predominavam grandes e primitivas tônicas atuais que formam os continentes e
samambaias. Posteriormente, com a ame- os assoalhos oceânicos ainda se movimen-
nização da temperatura, apareceram libé- tam horizontalmente vários centímetros
lulas gigantes com mais de meio metro de por ano, fato que gerou, nesses 170 milhões
envergadura, e os primeiros vertebrados de anos, uma distância de cerca de 6.000
terrestres, os anfíbios primitivos, diferen- km entre a costa sul-americana e africana.
tes dos atuais, circulavam pelos banhados Durante o processo de afastamento entre
Linha do Equador
Linha do Equador
★
Polo Sul Polo Sul ★
56 | Biodiversidade Catarinense
América do Sul e África, grandes fendas mutações genéticas e o isolamento geográfico
geológicas se abriram, permitindo o vaza- determinaram uma evolução da vida distinta
mento de lava resultando no maior derrame entre eles.
vulcânico ocorrido em área continental do Em tempos geológicos mais recentes, nas
planeta. Esses derrames de lavas vulcânicas últimas dezenas de milhões de anos, outros
formaram o planalto vulcânico catarinense. fenômenos geológicos chamados de isostasia
Passados milhões de anos, a América do e epirogênese provocaram uma pulsação ver-
Sul ficou isolada e cercada de oceanos por tical para cima e para baixo de amplas áreas
todos os lados. A fauna e a flora, agora iso- do continente. A epirogênese é um movimen-
ladas geográfica e reprodutivamente, evoluí- to vertical muito lento, de subida ou descida,
ram diferenciadamente dos ecossistemas do de grandes áreas da crosta terrestre; e a isos-
território africano. É por isso que na África tasia é a tendência na qual a crosta da Terra
os ecossistemas, como as savanas com seus tende a tomar permanentemente um equilí-
leões, leopardos, rinocerontes, elefantes e bú- brio, afundando para compensar a sobrecarga
falos, são tão diferentes dos ecossistemas e da de pressões ou elevando-se pelo alívio dessas
fauna que ocorrem na América do Sul, mais (LEINS; AMARAL, 1972). Na Era Cenozoi-
especificamente no Brasil e em Santa Catari- ca ocorreu um soerguimento da Serra Geral
na. Aqui temos a onça, a anta, os gambás, a e o basculamento (inclinação) para oeste do
ema e muitos outros animais, diferentes da planalto vulcânico, condicionando, a partir
fauna africana. daí, o estabelecimento dos sistemas de drena-
Desde a separação dos continentes, fe- gens dos rios atuais. Dois grandes sistemas de
nômenos geológicos e climáticos diferentes, drenagens se formaram com o basculamento,
barreiras ecológicas, recursos diferenciados, a vertente do interior situada no planalto vul-
Figura 3: O perfil geomorfológico leste-oeste do Estado de Santa Catarina evidencia o resultado dos
movimentos verticais (Epirogênese e Isostasia) dos últimos milhões de anos que elevaram parte da
crosta formando o planalto catarinense e a Serra Geral (Fonte: Juarês J. Aumond).
Figura 4: A pulsação vertical do território catarinense criou uma grande diversidade de paisagens: a
Costa Leste; o Planalto Sedimentar (centro-norte), o Planalto Vulcânico (centro-oeste).
(Adaptado de PELUSO-JUNIOR, 1991)
58 | Biodiversidade Catarinense
gicas para evolução climática e paisagística râneas, a Serra Geral condicionaram uma
até as condições atuais. A Serra Geral é, na evolução diferenciada da flora e da fauna
realidade, um degrau que galga o planalto na Costa Leste, no Planalto Sedimentar e
vulcânico, e nas áreas com maiores altitu- no Planalto Vulcânico catarinense.
des são registradas, anualmente, as tempe- Até cerca de 10.000 anos atrás, o mundo
raturas mais frias do Estado. vivia uma Era do Gelo; o clima era muito
Na Costa Leste é onde ocorrem as Serras frio e seco e isso impedia a expansão das
Litorâneas e a Serra do Mar, formadas pe- florestas. Daquele tempo até os dias atuais,
las rochas ígneas e metamórficas mais anti- com o aquecimento global ainda em curso,
gas que formam o embasamento cristalino o clima ficou mais quente e úmido criando
do Estado de Santa Catarina. Trata-se de as condições ideais para que as florestas se
área com maior influência do oceano, com expandissem. Nessas condições mais quen-
a ocorrência de muitas chuvas, chamadas tes e úmidas é que se formaram os ecos-
chuvas orográficas, que se formam junto sistemas e a biodiversidade atuais de Santa
às montanhas. Essas chuvas são originárias Catarina. Na Costa Leste, no embasamento
do movimento ascendente da umidade ad- cristalino e nas Planícies Litorâneas, esta-
vinda do mar e empurrada pelos ventos em beleceu-se a Floresta Ombrófila Densa, as
direção às serras. Na parte alta dos morros restingas com seus sistemas lagunares e os
e montanhas, ao encontrar temperaturas manguezais. No Planalto Vulcânico e Se-
mais baixas, propiciam a condensação dos dimentar se estabeleceram a Floresta Om-
vapores de água e provocam as chuvas oro- brófila Mista ou Floresta com Araucárias,
gráficas. Condicionada a esta precipitação a Floresta Estacional Decidual ou Floresta
frequente e intensa, ocorre a Floresta Om- Subtropical da Bacia do Uruguai e a Estepe
brófila Densa ou Floresta Pluvial da Encos- ou Campos Sulinos, denominados de regi-
ta Atlântica, cujos termos ombrófilo e plu- ões fitoecológicas do bioma Mata Atlânti-
vial se devem a essas chuvas características. ca em Santa Catarina. Algumas espécies de
Essa diversidade da paisagem com cli- plantas e animais conseguem viver em vá-
mas diferentes, recursos diferenciados e rias dessas regiões fitoecológicas, outras são
barreiras ecológicas, como as Serras Lito- exclusivas de apenas uma dessas regiões.
60 | Biodiversidade Catarinense
Foto: Charles G. Boudreault Figura 6: Manguezal no Canal do Linguado, Baía da Babitonga em
São Francisco do Sul. Foto: Edson Schroeder
O Planalto Sedimentar (Figuras 9 e 10) foi pelos vales dos rios. Nesses vales esculpidos
esculpido nas últimas dezenas de milhões de pelos rios, na região do Alto Vale do Itajaí,
anos, após sua elevação provocada pelos mo- devido a altitudes mais baixas e às condições
vimentos geológicos verticais positivos. Esse climáticas mais amenas dentro das vertentes,
planalto se estende pelo centro-norte do Es- a Floresta Ombrófila Densa avança planalto
tado de Santa Catarina e foi modelado pela adentro. Nos altiplanos, nas cotas mais altas,
erosão sobre rochas sedimentares deposita- ocorre a Floresta Ombrófila Mista, onde pre-
das no passado pelo mar, pelas geleiras, e em dominam Cambissolos (solos rasos) e condi-
lagos e planícies. Constitui hoje uma paisa- ções climáticas diferenciadas cuja temperatu-
gem escalonada e de superfície plana, cortada ra média anual permanece abaixo de 16° C.
62 | Biodiversidade Catarinense
Figura 9: Planalto
Sedimentar na região de
Dona Emma, no Alto Vale do
Itajaí, em Santa Catarina.
Foto: Bertholdo Bachmann
64 | Biodiversidade Catarinense
Figura 11: Escarpa da Serra Geral, destacando os derrames de lavas basálticas com seus cânions, no
Parque Nacional dos Aparados da Serra (ICMBio), na divisa entre Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Foto: Juarês J. Aumond
66 | Biodiversidade Catarinense
As Grandes Unidades da Paisagem e a Biodiversidade de Santa Catarina | 67
Figura 13: Basalto encoberto por solo com pequena espessura, Parque Nacional de São Joaquim
(ICMBio), em Urubici, Santa Catarina. Foto: Juarês J. Aumond
Urubici (Figura 14), Campos Novos, Campo pos de rochas criaram grande diversidade de
Erê e Água Doce. Do ponto de vista da evo- paisagem incluindo as Serras e as Planícies
lução da vegetação, estes campos são mais Litorâneas, a Serra Geral e os Planaltos. As
antigos que as florestas do Estado. altitudes variadas criaram condições climáti-
Nos bordos da Serra do Mar e Geral, em cas diferenciadas em cada região, incluindo
pequenas áreas, ocorre também a denomina- insolação, temperatura, umidade, solos, entre
da Floresta Nebular adaptada às temperatu- outras características, que influenciaram o
ras mais frias e aos intensos nevoeiros e pre- estabelecimento dos ecossistemas atuais. Os
cipitações (Figura 15). ecossistemas e a sua biodiversidade atual re-
No oeste de Santa Catarina, nas altitudes sultaram de um grande número de variáveis
mais baixas dos rios Peperi-Guaçú, Antas, abióticas e bióticas que interagiram espacial e
Chapecó, Irani, Jacutinga, Peixe, Canoas e temporalmente. Como resultado desses fato-
Pelotas, bem como às margens do rio Uru- res, a vida evoluiu até se expressar na forma
guai, onde ocorrem condições climáticas di- como se conhece hoje. Portanto, a biodiver-
ferenciadas, com temperaturas médias mais sidade existente hoje no território catarinense
elevadas predomina a Floresta Estacional é consequência dos fenômenos geológicos e
Decidual. climáticos, bem como dos processos de evo-
Os movimentos geológicos de milhões lução orgânica, ocorridos ao longo de mi-
de anos passados, agindo sobre diferentes ti- lhões de anos.
68 | Biodiversidade Catarinense
Figura 14: Estepe ou campo sulino com sua vegetação herbácea e arbustiva, Parque Nacional de São
Joaquim (ICMBio), em Urubici, Santa Catarina. Foto: Juarês J. Aumond
Figura 15: Floresta Nebular no alto do Morro da Igreja, Parque Nacional de São Joaquim (ICMBio), em
Urubici, Santa Catarina. Foto: Juarês J. Aumond
A Vegetação no Contexto
Brasileiro e Catarinense:
uma Síntese
L ucia S evegnani 1
E dson S chroeder 2
SEVEGNANI, L.; SCHROEDER, E. A vegetação no contexto brasileiro e catarinense: uma síntese. In: SEVEGNANI, L.;
SCHROEDER, E. Biodiversidade catarinense: características, potencialidades e ameaças. Blumenau: Edifurb, 2013, p. 70-91.
Biodiversidade Catarinense | 71
Atlântica, Caatinga, Pampa e Pantanal (Fi- uma fauna e outros organismos vivos as-
gura 1), nem sempre obedecendo ao conceito sociados, e de outras condições ambien-
de bioma apresentado por Coutinho (2006). tais, como a altitude, o solo, alagamentos,
Coutinho (2006, p. 6) faz uma revisão e o fogo, a salinidade, entre outros.
apresenta as diferentes concepções do con- Como pode ser observado na Figura 1, o
ceito de bioma e sintetiza: Brasil apresenta duas grandes áreas flores-
Bioma é uma área do espaço geográfico, tais: a amazônica e a atlântica. Estas duas
com dimensões de até mais de um milhão são separadas por uma diagonal de vegeta-
de quilômetros quadrados, que tem por ção não florestal: a Caatinga, o Cerrado e
características a uniformidade de um ma- o Pantanal. No extremo sul do país, outra
croclima definido, de uma determinada área de vegetação não floresta: a Pampa.
fitofisionomia ou formação vegetal, de Na literatura científica, em geral, os bio-
72 | Biodiversidade Catarinense
mas abrangem a vegetação com semelhan- (49,29% do Brasil) (Figura 3a); o Cerrado,
te fisionomia e subordinada a semelhante com 2.036.448 km 2 (23,92%) (Figura 3b); o
clima, independente de que continente essa Mata Atlântica, abrangendo 1.110.182 km 2
ocorra. Os biomas mundiais são: Tundra. (13,04%) (Figuras 2 e 3c); o Caatinga, com
Floresta de Coníferas, Floresta Temperada, 844.453 km 2 (9,92%) (Figura 3d); o Pam-
Floresta Tropical, Savana, Deserto e Es- pa, cobrindo 176.496 km 2 (2,07%) (Figura
tepe. No entanto, o IBGE (2004) decidiu 3e) e o Pantanal com 150.355 km 2 (1,76%)
subdividir a vegetação brasileira em seis (Figura 3f ) (IBGE, 2004). Cada bioma é
biomas (Figura 1) tendo em vista a aplica- composto por diferentes regiões fitoeco-
ção de políticas voltadas à conservação. lógicas, que no Brasil podem ser florestas,
A área territorial de cada bioma é di- campinarana, savana ou estepe (IBGE,
ferente: o Amazônia, com 4.196.943 km 2 1992; 2012).
C D
E F
Figura 3: Biomas brasileiros: a) Amazônia - floresta e rio, Pará. Foto: Charles G. B oudreault; b) Cer-
rado em Goiás. Foto: Daniela S. M ayorca; c) Mata Atlântica - PARNA Serra do Itajaí (ICMBio), Santa
Catarina. Foto: Lucia Sevegnani; d) Caatinga - Santa Cruz, Rio Grande do Norte. Foto: Rita S. Furukava;
e) Pampa - Quaraí, Rio Grande do Sul. Foto: P riscila P. A. Ferreira; f) Pantanal - Mato Grosso do Sul.
Foto: Tiana M. C ustódio
OESTE
76 | Biodiversidade Catarinense
4.2 V egetação de S anta C atarina
O Estado de Santa Catarina compreen- ao longo dos Capítulos 5, 6 e 7. Reis et al.
de uma área de 95.736 km 2 , cuja capital é (2011) listam para Santa Catarina 6.500 es-
Florianópolis, sendo constituído por 293 pécies de plantas.
municípios (Figura 4), com população de Há também ecossistemas associados à
6.248.436 habitantes, 84% residindo em Floresta Ombrófila Densa, resultantes da
área urbana e 16% na área rural, segundo o ação do Oceano Atlântico sobre a costa,
censo 2010 do IBGE. Este Estado encon- denominados de Formação Pioneira com
tra-se totalmente inserido no bioma Mata Influência Fluviomarinha - manguezal (Fi-
Atlântica. gura 8e) e de Formação Pioneira com Influ-
Em Santa Catarina o bioma Mata Atlân- ência Marinha - restinga (Figura 8f ) (IBGE,
tica está representado por quatro regiões 2012). A partir do Inventário Florístico Flo-
fitoecológicas (IBGE, 1992) (Figuras 5, 6): restal de Santa Catarina, a cobertura flores-
Floresta Ombrófila Densa ou Floresta Plu- tal do Estado é de 29% (VIBRANS et al.,
vial Atlântica (Figura 8a); Floresta Ombró- 2012a) (Figura 7), predominando vegetação
fila Mista ou Floresta com Araucária (Fi- em estádio de sucessão avançado e médio.
gura 8b); Floresta Estacional Decidual ou Isso significa que a quase totalidade dos re-
Floresta Subtropical da Bacia do Uruguai manescentes florestais atuais resultam do
(Figura 8d); e Estepe (LEITE, 2002; IBGE, crescimento da vegetação após o corte raso
2012) ou Campos Sulinos (PILLAR et al., ou do intenso processo de exploração ma-
2009), (Figura 8c), as quais serão detalhadas deireira ocorrido no século XX (Figura 9).
LESTE
Figura 5: Perfil ideal da distribuição da vegetação Oeste – Leste aproximadamente na latitude 27° Sul, no
Estado de Santa Catarina. FED - Floresta Estacional Decidual; FOM - Floresta Ombrófila Mista; E - Este-
pe; FOD - Floresta Ombrófila Densa e FP - Formações Pioneiras. Desenho: Lucia Sevegnani.
Figura 7: Distribuição dos remanescentes florestais com mais de 10 ha, tomando por base o Atlas de
Remanescentes, 2008 (SOSMA; INPE, 2009) em Santa Catarina. Elaborado por Débora V. Lingner (IFFSC)
78 | Biodiversidade Catarinense
A B
C D
E F
Figura 8: Regiões Fitoecológicas e Formações Pioneiras de Santa Catarina: a) Floresta Ombrófila Densa,
Parque Nacional Serra do Itajaí (ICMBio); b) Floresta Ombrófila Mista. Fotos: Lucia Sevegnani; c) Estepe
em Bom Jardim da Serra. Foto: Márcio Verdi; d) Floresta Estadual Decidual, no rio Pelotas. Foto: Miriam
Prochnow; e) Formação Pioneira de Influência Fluviomarinha (manguezal) em Florianópolis. Foto: Tiago J.
Cadorin; f) Formação Pioneira de Influência Marinha (restinga), Florianópolis. Foto: Lucia Sevegnani.
80 | Biodiversidade Catarinense
Figura 10: Regiões hidrográficas de Santa Catarina e aquíferos subterrâneos. Fonte: Santa Catarina (2012)
B A C I A S H I D R O G R Á F I C A S
B eate F rank
O
Doutora em Engenharia de Produção, física, professora aposentada da Universidade Regional de Blumenau,
especialista em Gestão de Recursos Hídricos
82 | Biodiversidade Catarinense
E A B I O D I V E R S I D A D E
Cursos d’água
Zona ripária (áreas de inundação)
Floresta em planície não inundável
Floresta em relevo levemente ondulado
Floresta em relevo acentuado (cabeceiras)
Campos
Representação de uma bacia hidrográfica destacando seus compartimentos. Desenho: Mauricí Imroth
M Ü L L E R , O I N C R Í V E L F R
L auro E duardo B acca
S
Mestre em Ecologia, biólogo, professor aposentado da Universidade Regional de Blumenau,
ex-diretor do Museu de Ecologia Fritz Müller
84 | Biodiversidade Catarinense
I T Z D O L E S T E
Residência e atual Museu de Ecologia Fritz Müller em Blumenau, Santa Catarina; o naturalista em
diferentes idades. Fotos: arquivo do Museu de Ecologia Fritz Müller
O
curadora do Herbário Dr. Pe Raulino Reitz
86 | Biodiversidade Catarinense
E ROBERTO MIGUEL KLEIN
B
C
A
D esde a invenção da
fotografia, no início do
século 19, até o lançamento
dos globos virtuais, as
técnicas de visualização da Terra,
conhecidas como sensoriamento
remoto tiveram um avanço notável,
engineering.purdue.edu/~biehl/
MultiSpec/> e SPRING <www.
inpe.br>). As imagens, elas próprias
podem ser adquiridas facilmente
através de páginas especializadas,
como por exemplo: <www.cbers.
com.br>, página do satélite brasileiro
especialmente nas últimas décadas. de sensoriamento remoto.
As imagens de satélite e as imagens Florenzano (2011) se propõe a
aéreas configuram uma ótima facilitar a iniciação na tecnologia de
ferramenta para apoiar os estudos informações sobre a Terra. Neste livro
de meio ambiente, ecologia e a autora demonstra que as técnicas
biodiversidade. Através da informação envolvidas no uso de imagens aéreas
presente nestas imagens é possível e orbitais não são simples, mas
identificar e analisar a superfície também não é um bicho-de-sete-
terrestre, a atmosfera, as águas, cabeças. Basicamente as imagens são
os oceanos. É possível identificar produzidas por câmeras a bordo de
componentes, fenômenos e estados. E aviões ou satélites, que captam a cena
também ter uma visão geral de grandes através do registro das quantidades de
áreas, como o Parque Nacional da Serra energia refletida ou absorvida pelos
do Itajaí (Figura 1) no Vale do Itajaí, SC; materiais presentes na superfície
um Estado inteiro ou mesmo, aproximar terrestre, um pouco abaixo dela (solo
para visualizar a copa de uma árvore. ou primeiras camadas de água) ou
Atualmente está à disposição grande um pouco acima dela (atmosfera).
número de produtos para usuários finais O usuário interpreta estes dados
de imagens, muitos deles gratuitos e e faz, assim, análises que geram
outros não. Os globos virtuais são os informações sobre, dentre outros,
produtos mais acessíveis (Nasa World a atmosfera e seus componentes,
Wind, Google Earth, Google maps, sobre as áreas antropizadas, sobre o
Bing Maps) tendo como principal solo e as águas, seus componentes
característica a facilidade e simplicidade e suas características e sobre os
de uso. As imagens de satélite e aéreas recursos naturais. Os estudos podem
são produtos que requerem algum abordar, por exemplo, análises de
conhecimento para sua utilização, alteração da vegetação ao longo
mas acessíveis, através de tutoriais do tempo, tanto a supressão
disponíveis (Multispec <https:// quanto a recuperação, análises de
88 | Biodiversidade Catarinense
NTO PARA REGISTRAR A BIODIVERSIDADE
O I N V E N TÁ R I O F L O R Í S T I C O F L O R E S
A lexander C hristian V ibrans
O
Doutor em Geografia, engenheiro florestal, professor e pesquisador na Universidade Regional de Blumenau – FURB;
coordenador do IFFSC
90 | Biodiversidade Catarinense
S TA L D E S A N TA C ATA R I N A ( I F F S C )
Livros contendo os resultados do Inventário Florístico Florestal de Santa Catarina, editado pela Edifurb.
tarinense (REITZ, 1965), não foram mais fragmentos florestais de Santa Catarina
observadas em 2010. Além disso, 32% terem área menor que 50 hectares.
de todas as espécies arbóreo-arbus-
tivas foram encontradas com menos
de 10 indivíduos em todo o Estado.
7 Os estudos genéticos do IFFSC mos-
tram que várias espécies importantes
sob os aspectos ecológico e/ou eco-
A Vertente Atlântica
L ucia S evegnani 1
R udi R icardo L aps 2
E dson S chroeder 3
O
5 .1 L oca l i z ação
morador ou o turista que -organismos e inúmeros cursos d’água.
vive ou transita pela Vertente Neste capítulo, será abordado como as
Atlântica percebe os morros e florestas da Vertente Atlântica se estru-
vales, em geral, cobertos por turam, como as plantas interagem com os
floresta. Verde que para muitos é como um animais e com os micro-organismos, de-
imenso tecido estendido na paisagem, sem sempenhando funções ecológicas. Funções
grandes significados ou particularidades que estas essenciais para a qualidade de vida dos
lhe desperte os sentidos. Mas, ao observar ecossistemas e humana.
com atenção, se pode perceber diferentes No âmbito deste trabalho, será denomi-
tonalidades. Elas são resultantes das dife- nada Vertente Atlântica a área das bacias hi-
rentes espécies que compõem esta floresta drográficas cujos rios drenam para o litoral
e, no entremeio, vivem os animais e micro- do Estado de Santa Catarina (Figura 1).
SEVEGNANI, L.; LAPS, R. R.; SCHROEDER, E. A Vertente Atlântica. In: SEVEGNANI, L.; SCHROEDER, E. Biodiversidade
catarinense: características, potencialidades e ameaças. Blumenau: Edifurb, 2013, p. 92-133.
Biodiversidade Catarinense | 93
Figura 1: Localização da Vertente Atlântica em Santa Catarina.
Elaborado por Débora Vanessa Lingner (IFFSC)
94 | Biodiversidade Catarinense
polis, na planície, varia de 22 a 20°C; nas altitu- SEVEGNANI, 2009), inundações rápidas
des entre 200 e 300 m as médias podem estar e inundações lentas (TACHINI, 2009; TA-
entre 20 e 18ºC; e acima de 400 m entre 18 e CHINI; KOBIYAMA; FRANK, 2009), re-
16°C (NIMER, 1990). Quanto maior a altitude sultando em centenas de mortes de pesso-
e distância do oceano, na Vertente Atlântica, o as, bilhões de reais em prejuízos materiais
número médio anual de dias com ocorrência de (FRANK; SEVEGNANI, 2009).
geada pode variar entre um e cinco. Os solos na Vertente Atlântica podem ser
A precipitação de chuva apresenta varia- muito variáveis em sua origem, estrutura e
ções importantes entre a parte sul e norte da fertilidade. EMBRAPA (2006) registrou: De-
Vertente Atlântica, sendo mais abundante no pósitos Fluviais e Marítimos ainda inconso-
norte. Os valores médios anuais de precipi- lidados, Neossolos, Cambissolos, Argissolos,
tação situam-se entre 2.000 L/m2 (extremo Gleissolos, Organossolos, estes distribuídos
norte) e 1.250 L/m2 ou milímetros (de Imbi- na paisagem, formando mosaicos, dependen-
tuba até Criciúma) (NIMER, 1990). A umi- tes do relevo, do processo de evolução, do teor
dade relativa do ar é elevada, com média anu- de água e da quantidade de matéria orgânica
al acima de 85%. presentes no solo. No entanto, predominam
No entanto, episódios de intensa preci- os Cambissolos e Argissolos nas encostas, e
pitação localizada, podem ocorrer havendo nas planícies, Gleissolos e Organossolos, es-
dias com 100 L/m2/dia, ou 100 mm, desen- tes geralmente em locais com maior concen-
cadeando os desastres ambientais como as te- tração de água e matéria orgânica em seu in-
midas inundações rápidas (enxurradas) e es- terior. Nesta região predominam solos ácidos
corregamentos de encostas. Quando os dias com fertilidade de baixa até média.
extremamente chuvosos são consecutivos, Portanto, conforme abordado anterior-
provocam as inundações lentas (enchentes) mente, a geologia, o relevo, o clima, o solo,
tão frequentes e conhecidas, especialmente a dinâmica da água e a história evolutiva da
no Vale do Itajaí. região propiciaram condições favoráveis para
Episódio extremo de chuvas ocorreu em a vida (ver Capítulo 3). Esta se expressa na
2008, no Leste de Santa Catarina, atingin- forma de ecossistemas, de espécies e na varia-
do mais de 40 municípios, com precipitação bilidade genética existente em cada espécie, e
de chuva entre 750 e 550 L/m2, em três dias isso é denominado de biodiversidade (CDB,
(SEVERO, 2009), com extensos e violen- 1992), com importância reconhecida e valor
tos escorregamentos de solo (AUMOND; inestimável.
5. 3 A biodi v ersidade
Cálculos aproximados da cobertura origi- la Densa com 28.558 km2 originais (restan-
nal e atual efetuado pelo Inventário Florísti- do 11.847 km2); Floresta Ombrófila Mista
co Florestal de Santa Catarina, tomando por com 8.804 km2 (restando 3.232 km2); a Es-
base o mapa fitogeográfico (KLEIN, 1978), tepe com 1.385 km2 (restando 257 km2); e
e imagens de satélite de 2010, estimaram que vegetação litorânea englobando a Formação
a Vertente Atlântica compreende área total de Pioneira com Influência Marinha (restinga),
40.150 km2, com remanescentes atuais de ve- e Formação Pioneira com Influência Fluvio-
getação (15.813 km2). marinha (manguezal) com área de 1.403 km2
Esta se subdivide em Floresta Ombrófi- (remanescendo 396 km2), conforme a Figura
A Vertente Atlântica | 95
1 e Figura 7 do Capítulo 4. Assim, a cober- ta apresentam grande número de espécies
tura florestal é formada predominantemente comuns entre as Florestas Ombrófila Mista
por vegetação secundária em estádio avan- e Densa, resultante do avanço das espécies
çado e médio de sucessão, instalada após da Densa por sob a Mista. Em alguns locais
longas décadas de exploração de madeiras, o pinheiro-do-paraná (Araucaria angustifolia)
corte raso, exploração de lenha e após aban- estava presente, às vezes formando grandes
donadas as terras, sendo permitindo o pro- agrupamentos de dezenas de milhares de
cesso sucessional, de acordo com o IFFSC árvores, como em Dona Ema, Trombudo
(SEVEGNANI et al., 2013b) Central, Vitor Meireles, Rio do Sul, Doutor
A Floresta Ombrófila Mista no interior Pedrinho, Ituporanga, Imbuia e Lauro Mül-
da Vertente Atlântica encontra-se, predomi- ler. Essa espécie pode também estar, como
nantemente, nas partes altas, especialmente elemento isolado, imerso em uma matriz
ao norte de Santa Catarina, incluindo o alto florestal com características mais tropicais.
Vale do Itajaí; no topo da Serra do Tabulei- Curiosamente, os núcleos com pinheiros-
ro; e em Lauro Müller, com uma pequena -do-paraná podiam tanto estar localizados
mancha na base da Serra Geral. na parte alta dos vales e chapadões como na
Esses núcleos de Floresta Ombrófila Mis- base desses (Figura 2a, b).
A B
Figura 2: Floresta Ombrófila Mista na Vertente Atlântica: a) No fundo de vale em Dona Emma;
b) No alto como na Área de Relevante Interesse Ecológico da Serra da Abelha (ICMBio).
Desenho e foto: Lucia Sevegnani
96 | Biodiversidade Catarinense
5.3.1 R egião F itoecológica da F loresta O mbrófil a D ensa
Figura 3: Perfil ideal da Floresta Ombrófila Densa em Santa Catarina, atingindo altura de até 35 m, com
elevada complexidade estrutural e rica em espécies. Desenho: Lucia Sevegnani
A Vertente Atlântica | 97
BOX 1
Abundância de epífitos na
superfície de uma árvore
na Vertente Atlântica em
E
Blumenau, Santa Catarina.
Foto: Lucia Sevegnani
pífitos são plantas que vivem alimentos, assim como acontece com as
sobre outras plantas, utilizando- plantas terrícolas. Então é fundamental para
-as apenas como suporte. Como os epífitos esta umidade, a água que escorre
exemplos, podemos citar as pela casca das árvores, a da chuva e a água
orquídeas, as bromélias e os cactos. Ao que acumula nos “tanques” das próprias
contrário da crença popular, epífitos não plantas, formados pela união da base das
são parasitas, ou seja, não se alimen- folhas, como por exemplo, em bromélias.
tam das plantas onde estão apoiadas. As bromélias, que vivem em grande
O que esse grupo representa para a quantidade na vegetação mais próxima ao
biodiversidade em Santa Catarina? A res- mar, são muito importantes para o bom
posta é: muito! Nesta região, foram ob- e completo “funcionamento” da floresta.
servadas aproximadamente 500 espécies Elas dão às florestas como que retribuições
de epífitos, principalmente orquídeas, por utilizarem as árvores como suporte. A
bromélias e samambaias, mas há também água acumulada nos tanques de um grande
representantes das aráceas, gesneriáceas, grupo de bromélias serve para saciar a sede
piperáceas e rubiáceas, além de musgos, de vários animais, como aves e macacos,
hepáticas e liquens. Esse número se asse- que ficariam muito vulneráveis aos preda-
melha ao de árvores na Vertente Atlântica. dores se necessitassem descer ao solo. As
Nas outras regiões do Estado elas tam- bromélias também servem de abrigo para
bém existem, só que em menor quantidade, animais que se deslocam pela copa das
pois de leste para oeste diminui a umidade árvores (ROCHA et al., 2004). Além disso,
do ar e a regularidade, ao longo do ano, com as flores dos epífitos servem de alimento
que ocorrem chuvas (REITZ, 1983). E os para os animais ao longo de todo o ano,
epífitos dependem da água disponível na at- fornecendo pólen e néctar, bem como as
mosfera e nutrientes que eles captam direta- partes tenras das folhas - os ‘palmitos’ do
mente do ar, pois não estão fixados no solo, centro da roseta de bromélias são arran-
que poderia servir como um reservatório de cadas por macacos para se alimentarem.
98 | Biodiversidade Catarinense
Enleadas aos troncos e ramos sobem, assim, frágeis no alto das árvores, oriundas de peque-
apoiadas, as trepadeiras com seus caules delga- nas sementes ali depositadas pelas aves. Essas
dos e resistentes, cobrindo parte das copas das enviam suas raízes para o solo, bem como ra-
árvores com sua folhagem densa e extensas ízes adventícias que formam um anel ao redor
ramificações. Das 213 espécies de trepadeiras do tronco que, aos poucos, levam à morte a ár-
registradas pelo IFFSC, destacam-se na Verten- vore hospedeira, pois esses anéis impedem que
te Atlântica o cipó-abuta (Abuta selloana), Cissus estas produzam novo floema e xilema (Figura
spp., o cipó-são-joão (Pyrostegia venusta), Dioclea 4b). Com a morte da árvore hospedeira, a fi-
sp., o pente-de-macaco (Amphilophium crucige- gueira-mata-pau utiliza o seu espaço na floresta
rum), a escada-de-macaco (Phanera microstachya), e seus nutrientes.
Ipomoea sp. (Figura 4a) e Stizophyllum riparium Há também as plantas parasitas, as quais
(SEVEGNANI et al., 2013b). inserem suas raízes diretamente no sistema de
Fazendo parte desse magnífico conjunto condução da planta hospedeira, retirando desta
encontram-se as figueira-gameleira (Ficus gomel- os nutrientes para sua subsistência. Conforme
leira), figueira-de-folha-miúda (Ficus organensis), Sevegnani et al. (2013b), são exemplo as ervas-
figueira (Ficus luschnathiana, F. guaranitica); mal- -de-passarinho (Figura 4d) (Struthanthus polyrhi-
vácea - mata-pau-de-espinho (Spirotheca passiflo- zus, S. vulgaris e Tripodanthus acutifolius) que reti-
roides) e urticáceas, figueira-mata-pau (Coussapoa ram seiva bruta do xilema, e as menos comuns,
microcarpa). Estas plantas constrictoras nascem os cipós-chumbo e as balanoforáceas, que não
A B C
D E F
Figura 4: Sinúsias da floresta: a) Trepadeira (Ipomoea sp.); (b) Figueira-mata-pau (Ficus gomelleira) cons-
trictando a árvore hospedeira garajuva (Buchenavia kleinii) e também um palmiteiro (Euterpe edulis).
Observar as raízes adventícias transversais, emitidas pela figueira; c) Planta holoparasita (Lophophytum
mirabile), Balanophoraceae, com sua inflorescência de cor amarela; d) Hemiparasita erva-de-passarinho
(Struthanthus sp.) sobre a árvore hospedeira (Alchornea glandulosa) que possui as folhas maiores; e)
Hepáticas epífilas. Fotos: Lucia Sevegnani; f) Cipó (Monstera adansonii). Foto: Juliane L. Schmitt
A Vertente Atlântica | 99
possuem folhas fotossintetizantes e cujas raízes estas cinco de palmeiras (sendo a mais comum
haustoriais retiram seiva elaborada diretamente o palmiteiro Euterpe edulis), arvoretas e arbustos
do floema da planta hospedeira (Figura 4c). A (SEVEGNANI, 2003; VERDI, 2008).
família balanoforácea, exclusivamente holopa- Na Floresta Ombrófila Densa na Vertente
rasita, possui sete espécies em Santa Catarina Atlântica, o Inventário Florístico Florestal de
(Helosis cayennensis, Langsdorffia heterotepala, L. hy- Santa Catarina amostrou (SEVEGNANI et al.,
pogaea, Lophophytum mirabile (Figura 4c), L. lean- 2013b, p. 127):
dri, Scybalium fungiforme e S. glaziovii) (CARDO- [...] 1.901 espécies, sendo estas: 23 licófitas,
SO; BRAGA, 2012). 265 monilófitas, três gimnospermas e 1.610
Na floresta há também plantas que nascem angiospermas, e do total, 496 espécies de
sobre as árvores como epífitos e, à medida que epífitos. As famílias mais ricas em espécies,
crescem, lançam raízes para o solo e dele reti- mas nem sempre com maior número de gê-
ram os nutrientes e água. O número de raízes neros foram: Orchidaceae (209 espécies; 87
que produzem é tão elevado que chegam a for- gêneros), Myrtaceae (141; 16), Asteraceae
mar cortinas, descendo do topo das árvores em (103; 45), Melastomataceae (87; 10), Fabace-
determinados locais na floresta. Com esta es- ae (78; 44), Bromeliaceae (71; 14), Rubiaceae
tratégia podemos citar o cipó-imbé (Philodendron (67; 33), Piperaceae (64; 3), Solanaceae (64;
spp), Monstera spp. (Figura 4f) e os Anthurium 11), Lauraceae (52; 9), Polypodiaceae (46; 16)
spp., cujas raízes são utilizadas para fazer cestos, e Pteridaceae (36; 10). A Floresta Ombrófila
vassouras e outros objetos de decoração. Densa existente atualmente em Santa Cata-
Outro grupo de seres vivos, tais como mus- rina é extremamente biodiversa, abrangendo
gos, hepáticas e liquens, se desenvolve sobre as 22,4% das espécies vasculares citadas para a
folhas das plantas, denominados de epífilos (Fi- Floresta Ombrófila Densa do Brasil.
gura 4e). Se fossem somadas às espécies de plantas,
Em pesquisas efetuadas na Floresta Ombró- todas as espécies de fungos, bactérias, proto-
fila Densa (Figura 5a), do Parque Natural Mu- zoários e de animais: os vermes, crustáceos, in-
nicipal São Francisco de Assis, com 23 ha, em setos, aranhas, moluscos, aves, répteis, peixes e
Blumenau, foram registradas em hectare (1 ha = mamíferos, o número total seria muito elevado.
10.000 m2 = um campo de futebol oficial) apro- Estima-se que possam ser encontradas milhares
ximadamente 180 espécies de árvores, dentre de espécies que residem ou usam parcialmen-
A B
Figura 5: Floresta Ombrófila Densa: a) Interior do Parque Natural Municipal São Franscisco de Assis
(FAEMA), Blumenau. Foto: Lucia Sevegnani; b) Floresta pertencente à Formação Montana entre São José
e Palhoça, no Parque Estadual da Serra do Tabuleiro (FATMA). Foto: Tiago J. Cadorin
A Ve r t e n t e At l â n t i c a | 101
A B
C D
E F
Figura 6: Vertente Atlântica: a) Floresta Ombrófila Densa Montana no PARNA Serra do Itajaí (ICMBio),
Santa Catarina; b) Floresta Ombrófila Densa Submontana e Montana, Joinville; c) Canela-preta (Ocotea
catharinensis) PARNA Serra do Itajaí (ICMBio); d) Ribeirão em floresta PARNA Serra do Itajaí (ICMBio).
Fotos: Lucia Sevegnani; e) Veado-mateiro (Mazama gouazoubira) no PARNA da Serra do Itajaí (ICMBio),
Foto: Éder Caglioni; f) Anta (Tapirus terrestris), Foto: Alex Balkanski - Iniciativa Nacional para a Conservação
da A nta Brasileira (Lowland Tapir Conservation Initiative)
D E F
G H I
J K L
Figura 7: Animais da Vertente Atlântica: a) Cuíca (Gracilinanus microtarsus). Foto: Artur Stanke Sobri-
nho (ECOAMA); b) Tatu-galinha (Dasypus novemcinctus) Foto: Tiago J. Cadorin; c) Rato-de-espinho (Eu-
ryzygomatomys spinosus) Foto: Artur Stanke Sobrinho (ECOAMA); d) Aracuã (Ortalis guttata); e) Tuca-
no-de-bico-preto (Ramphastos vitellinus); f) Gavião-carijó (Rupornis magnirostris); g) Surucuá-variado
(Trogon surrucura); h) Saíra-sete-cores (Tangara seledon); i) Rendeira (Manacus manacus). Fotos: Tiago
J. Cadorin; j) Caninana (Spilotes pullatus) Foto: José C. Rocha Jr. (ECOAMA); k) Jararacuçu (Bothrops
jararacussu) Foto: Tobias S. Kunz; l) Perereca (Hypsiboas poaju). Foto: Luiz M. Giasson
A Ve r t e n t e At l â n t i c a | 10 3
5.3.1.2 F ormação M ontana
Na meia encosta ou na faixa altitudinal, com- morros, havendo algumas espécies que estão
preendida entre 1.000 e 400 m, os solos são um praticamente extintas no território catarinen-
pouco mais profundos que no topo das elevações, se, como a onça-pintada (Panthera onca) e a anta
tendo melhores condições para o desenvolvi- (Tapirus terrestris) (Figura 6f). Outras, felizmente,
mento da Floresta Ombrófila Densa, Formação ainda estão presentes como, por exemplo, a sus-
Montana (Figuras 6a e 6b). Em geral, contendo suarana ou leão-baio (Puma concolor) (ver Box 2),
muitas nascentes, córregos e ribeirões (Figura a jaguatirica (Leopardus pardalis) e outros gatos-
6d). Por isso, as árvores podem ser altas, atingin- -do-mato, os porcos-do-mato ou cateto (Pecari
do de 20 a 25 m. Como espécies arbóreas mais tajacu), o queixada (Tayassu pecari), o veado (Maza-
importantes encontram-se o palmiteiro (Euterpe ma gouazoubira) (Figura 6e), o quati (Nasua nasua),
edulis), a canela-preta (Ocotea catharinensis) (Figura o tatu-galinha ou tatu-molina (Dasypus novemcinc-
6c), o tanheiro (Alchornea triplinervia), a peroba tus) (Figura 7b), o caxinguelê (Guerlinguetus ingra-
(Aspidosperma australe), a copiúva (Tapirira guianen- mi), os ratos silvestres (Akodon spp., Delomys sp.),
sis), o pau-óleo (Copaifera trapezifolia), o guamirim a paca (Cuniculus paca), a cutia (Dasyprocta azarae),
(Myrcia pubipetala) entre dezenas de outras, muitas o tamanduá-mirim (Tamandua tetradactyla), cuíca
delas com grande importância econômica. (Gracilinanus microtarsus) (Figura 7a) o gambá (Di-
Na copa, entremeando os ramos, numerosas delphis marsupialis), o bugio-ruivo (Alouatta clami-
e bem diversificadas comunidades de epífitos tans), o macaco-prego (Cebus nigritus), o rato-de-
(bromélias, orquídeas, samambaias e outras es- -espinho (Euryz ygomatomys spinosus) (Figura 7c).
pécies de ervas) disputam espaço e a luz que se Os morcegos também fazem parte da fauna
infiltra por entre as folhas das árvores que, ao da Vertente Atlântica: como insetívoros (Myotis
balanço dos ventos, vicejam e se reproduzem. A ruber – Figura 8a, Lasiurus ega), frugívoros (Stur-
serapilheira pode ser espessa, propiciando boa nira lilium – Figura 8c, Artibeus spp), polínívoro
proteção ao solo, havendo locais com denso ta- e nectarívoro (Glossophaga sp., Anoura sp.), onívo-
pete de bromélias ou caetés, cobrindo-o. ro (Mimon bennettii – Figura 8b, Carollia sp.) e o
A maior parte dos animais vertebrados não morcego-vampiro (Desmodus rotundus).
são exclusivos de uma formação, pois se des- Grande número de espécies de animais ma-
locam por grandes áreas. Em Santa Catarina míferos, especialmente as de maior porte, estão
foram registradas 169 espécies de mamíferos sob forte pressão de caça, comprometendo os
(CIMARDI, 1996). Estes podem ocorrer per- serviços ecológicos desenvolvidos nos ecossis-
meando tanto as planícies como as encostas dos temas por estes.
A B C
Figura 8: Morcegos da Vertente Atlântica: a) Morcego insetívoro (Myotis ruber); b) Morcego onívoro
(Mimon bennettii). Fotos: Artur Stanke Sobrinho (ECOAMA); c) Morcego insetívoro (Sturnira lilium).
Foto: Tiago João Cadorin
GRANDES CARNÍVOROS
C intia G ruener
A
Mestre em Engenharia Ambiental, bióloga, membro da equipe do Projeto Carnívoros/
Parque Nacional Serra do Itajaí, ICMBio
A Ve r t e n t e At l â n t i c a | 10 5
As aves têm sido outro grupo rico com 337 cobra-d’água (Liophis miliaris), muçurana (Clelia
espécies registradas para a Floresta Ombrófila rustica), a caninana (Spilotes pullatus) (Figura 7j)
Densa, em Santa Catarina (ROSÁRIO, 1996), bem como o lagarto-de-papo-amarelo (Tupinam-
muito importantes por suas insubstituíveis fun- bis merianae), entre outros.
ções ecológicas, agindo como predadoras, po- Os anfíbios, como a perereca (Hypsiboas poaju)
linizadoras e dispersoras. Como seu número é (Figura 7l), são um grupo muito rico em espé-
elevado, não será possível citar todas, portanto, cies na Vertente Atlântica, com muitos estudos
serão destacadas algumas: o macuco (Tinamus evidenciando sua importância e fragilidade fren-
solitarius), o inhambu (Crypturellus obsoletus), o jaó te às mudanças ambientais. São citadas 144 es-
(Crypturellus noctivagus), o tucano-de-bico-verde pécies para Santa Catarina (17% do Brasil) (LU-
(Ramphastos dicolorus), o tucano-de-bico-preto CAS, 2008), (ver Box 3).
(Ramphastos vitellinus) (Figura 7e), o araçari (Sele- Na copa das árvores ou no solo, os anfí-
nidera maculirostris), o jacu-açu (Penelope obscura), o bios, répteis, aves e mamíferos capturam in-
jacupemba (Penelope superciliaris), a jacutinga (Pipile setos, apanham avidamente folhas ou brotos,
jacutinga) praticamente extinta, a aracuã (Ortalis frutos, pólen e néctar, bem como, ovos ou fi-
guttata) (Figura 7d), o surucuá-variado (Trogon lhotes de outras espécies, cada um conforme
surrucura) (Figura 7g), os gaviões (Amadonastur seus hábitos alimentares e necessidades. Na
lacernulatus, Pseudastur polionotus, Spizaetus tyrannus, floresta, também fazem seus ninhos e geram
Elanus leucuros), o gavião-carijó (Rupornis magniros- e alimentam suas crias.
tris) (Figura 7f) e o urubu (Corag yps atratus). Há, Insetos diurnos e noturnos coletam pólen,
também, centenas de passeriformes como os néctar, óleos essenciais, resinas das flores ou cas-
sabiás, a rendeira (Manacus manacus) (Figura 7i), ca das árvores, bem como cortam fragmentos
a saíra-sete-cores (Tangara seledon) (Figura 7h), os de folhas, flores e ramos jovens para comer dire-
gaturamos, os tiés, entre tantas. tamente, como o fazem as lagartas e gafanhotos,
Os répteis também se fazem presentes: jara- ou para alimentar as colônias de fungos, como
raca (Bothrops jararaca), jararacuçu (Bothrops jarara- o fazem as formigas (Acromyrmex spp., Atta spp.,
cussu) (Figura 7k), coral-verdadeira (Micrurus sp.), entre dezenas de outras) e deles se alimentando.
R
L uís O. M. G iasson
Doutor em Zoologia, biólogo, professor e pesquisador na Universidade Regional de Blumenau - FURB
evisão recente e geral dos an- arredondadas castanhas, seus girinos também
fíbios catarinenses inventariou têm coloração e manchas muito belas. A pere-
144 espécies (LUCAS, 2008) e reca-de-pijama (Hypsiboas leptolineatus) e a rã-
o número pode ainda aumentar. -piadeira (Leptodactylus plaumanni) são belos re-
Esta pode ser considerada uma riqueza de espé- presentantes dos planaltos catarinense e gaúcho.
cies bastante elevada e reflete em grande parte Uma rã intrigante é a rã-das-cachoeiras (Hylo-
a diversidade de ecossistemas catarinenses. des perplicatus) (Figura b), também da vertente
Uma curiosidade frequente é sobre qual é a atlântica, espécies desse gênero têm a peculiari-
diferença entre sapos, rãs e pererecas. Essas dade de coaxarem durante o dia, ao contrário da
são designações populares, mas estes dão maioria das outras espécies que são noturnas.
indícios sobre hábitos dos anfíbios. Os sapos Isso porque os ambientes que usa são sempre
são anfíbios com pouca mobilidade, com pernas protegidos da radiação solar e são sempre muito
curtas, locomovendo-se por saltos curtos, com úmidos pelos respingos d´água das cachoeiras.
dorso verrucoso, os mais típicos têm glândulas Um sapinho legitimamente catarinense, mais
volumosas atrás dos olhos, as paratóides. As precisamente do oeste, em Arvoredo, Xaxim,
rãs têm pernas mais longas e fortes, geralmen- Xavantina e Seara é o Melanophryniscus spec-
te mais lisas ou escorregadias e se utilizam de tabilis (Figura c), cujo próprio nome diz ser um
saltos rápidos e longos como estratégia de fuga espetáculo, apesar das verrugas e tubérculos,
contra predadores. As pererecas são mais asse- um bem na ponta do focinho. Quando fustigado
melhadas às rãs, com pernas em geral menos por predador, arqueia as costas e vira as pal-
robustas, mas têm a particularidade de pode- mas das mãos e a sola dos pés para cima como
rem escalar superfícies verticais por possuírem um aviso sobre suas toxinas, mas isso impede
discos adesivos nas extremidades dos dedos. sua fuga rápida. Ele pertence à mesma família
Algumas espécies têm distribuição geo- do sapo cururu (Rhinella icterica) (Figura d) que
gráfica mais ampla como a rã-martelo (Hyp- apresenta glândulas de veneno como proteção,
siboas faber), que na verdade é uma perere- as paratóides. A secreção desta glândula tem
ca, seu nome popular se refere ao som que aspecto leitoso viscoso e, em geral, o sapo só ex-
produz como uma batida forte e seca. pele esse veneno em borrifo quando molestado
A distribuição geográfica é mais restrita para e suas glândulas comprimidas. Não há maiores
perereca-verde-de-olhos-vermelhos (Aplasto- problemas no contato com a pele, desde que se
discus ehrhardti) (Figura a) que está associada a lave a área. Complicações surgem se o veneno
pequenos córregos em Floresta Ombrófila Densa entrar em contato com mucosas como os olhos e
de Santa Catarina e Paraná. Outra perereca com ferimentos na pele. Frequentemente os cães aca-
ocorrência bem limitada é a Hypsiboas poaju, bam sofrendo as consequências por importunar
encontrada em poucas localidades de Rancho os sapos. Para saber mais sobre anfíbios, procu-
Queimado e entornos, além dos adultos serem re livros na biblioteca ou na internet, pois quanto
muito bonitos em tons de verde e com manchas mais se sabe, mais fascinantes se tornam.
A B C D
Espécies de Anfíbios: a) Aplastodiscus ehrhardti; b) Hylodes perplicatus;
c) Melanophriniscus spectabilis; d) Rhinella icterica. Fotos: Luis O. M. Giasson
A Ve r t e n t e At l â n t i c a | 107
BOX 4
Q
Doutora em Ecologia, bióloga, professora e pesquisadora na Universidade Regional de Blumenau – FURB
A B
Palmiteiro (Euterpe edulis): a) Na floresta. Foto: Lucia Sevegnani;
b) Araçari-poca (Selenidera maculirostris) dispersor dos seus frutos. Foto: Tiago J. Cadorin
A B
C D
Figura 9: Arbustos e ervas de sub-bosque: a) Grandiúva-d’anta (Psychotria nuda); b) Xaxim (Alsophila
setosa); c) Caeté (Calathea quadrangularis); d) Caeté-banana (Heliconia farinosa). Fotos: Lucia Sevegnani
A Ve r t e n t e At l â n t i c a | 10 9
BOX 5
O
Doutora em Biologia Comparada, biomédica, professora e pesquisadora na Universidade Regional de Blumenau - FURB
110 | B i o d i v e r s i d a d e C a t a r i n e n s e
5.3.1.4 F ormação T erras B ai x as
Estendendo-se sobre as planícies dos de Araranguá é muito pequena – 65 km.
rios e ribeirões, e na base das encostas e nas Esta serra apresenta altitudes próximas de
proximidades do Oceano Atlântico em al- 1.000 m (Figura 10a). Portanto a Formação
titudes inferiores a 30 m, encontra-se a ve- Terras Baixas divide a planície com a For-
getação desenvolvida sobre terrenos nivela- mação Pioneira de Influência Marinha com
dos pelos avanços e recuos da água do mar a presença de lagoas, lagunas, cordões are-
nos últimos cinco milhões de anos (Período nosos e praias. E em poucos pontos abai-
Geológico Quaternário). xo do município de Laguna, o manguezal
No sul do Estado, a distância entre o herbáceo.
Oceano Atlântico e a Serra Geral na região Quando presente, esta floresta pode ter al-
A B C
Figura 10: a) Perfil ideal da vegetação entre o Oceano Atlântico e a Serra Geral na altura de 29°20’’ no
sul do Estado de Santa Catarina. Desenho: Lucia Sevegnani; b) Baixada do Maciambu, Parque Estadual do
Tabuleiro (FATMA). Foto: Charles G. Boudreault; c) Coqueiro-gerivá (Syagrus romanzoffiana). Foto: Lucia
Sevegnani; d) Olandi (Calophyllum brasiliensis). Foto: Tomaz Longhi
A V e r t e n t e A t l â n t i c a | 111
tura de 20 m, apresentar-se estruturada por bimucronata), arvoreta com suas característi-
árvores que formam o dossel, entremeadas cas flores brancas e acúleos no caule.
por centenas de muitos palmiteiros, além Em ambientes brejosos, no âmbito das
de arvoretas e arbustos, e extenso agrupa- formações Terras Baixas e Aluvial, como
mento de bromélias no solo. também, nas Formações Pioneiras de In-
Destacam-se na Floresta Ombrófila fluência Marinha (restingas) e de Influên-
Densa de Terras Baixas (Figura 10b), árvo- cia Fluviomarinha (os manguezais) ocor-
res como a copiúva (Tapirira guianensis), os rem espécies de animais, algumas delas
olandis ou guanandis (Calophyllum brasilien- características, tais como: a garça-morena
se) (Figura 10d), a figueira-de-folha-miúda (Egretta caerulea), o tachã (Chauna torquata), a
(Ficus organensis), o tapiá-guaçu ou tanhei- saracura-matraca (Rallus longirostris), a ma-
ro (Alchornea triplinervia), guamirim-araçá ria-catarinense (Hemitriccus kaempferi), o bi-
(Myrcia brasiliensis) e o ipê-da-várzea (Han- cudinho-do-brejo (Stymphalornis acutirostris)
droanthus umbellatus), o seca-ligeiro (Pera gla- e o garrinchão-de-bico-grande (Cantorchilus
brata) e o coqueiro-gerivá (Syagrus romanzo- longirostris).
ffiana) (Figura 10c). Ao longo da costa catarinense, a vegeta-
Nas depressões do terreno podem ter re- ção pertencente à Formação Terras Baixas
manescido pequenas lagoas ou brejos, com entra em contato com a Formação Pioneira
solos saturados pela água. Nestes locais de Influência Marinha (restinga), ou com
forma-se cobertura herbácea densa, domi- a Formação Pioneira de Influência Fluvio-
nada por tiriricas (Cyperus spp.), juncos ( Jun- marinha (manguezais), muitas vezes fican-
cus spp.) e taboas (Typha dominguensis), inter- do difícil discernir onde estão os seus li-
caladas por esporádicos arbustos e árvores mites. Essas Formações serão tratadas em
em pontos um pouco melhor drenados. Em subcapítulos independentes por causa de
alguns locais, podem se formar grandes suas características diferenciadas e grande
agrupamentos de silva ou maricá (Mimosa importância ecológica e social.
5.3.1.5 F ormação A l u v ia l
A vegetação da Formação Aluvial se de- Nas áreas mais altas e declivosas há pre-
senvolve ao longo das margens dos rios, in- sença de milhões de nascentes formadoras
dependente da altitude, podendo, portanto, de pequenos córregos, em geral com águas
estar presente em todas as formações desde rápidas e com fundo pedregoso. Essas
a Altomontana até a de Terras Baixas, colo- águas são claras, com alta taxa de oxigê-
nizando sedimentos recentes ou antigos e nio dissolvido, com baixa concentração de
sendo afetada diretamente pelas oscilações nutrientes e plâncton. Nesses córregos são
do aquífero freático. encontradas espécies de cascudinhos (Hy-
Nas encostas dos morros, montanhas e postomus spp.) podendo ser exclusivos de de-
serras e nas planícies da Vertente Atlânti- terminado rio, ou mesmo de uma bacia hi-
ca há densa rede hidrográfica formada por drográfica, e piavas (Astianax spp.), larvas
nascentes, córregos, ribeirões e rios (Figura de insetos tricópteros, dípteros ou libélulas,
11), nos quais as águas escoam em direção além de outras formas de vida fazendo par-
ao Oceano Atlântico. te do ecossistema aquático.
112 | B i o d i v e r s i d a d e C a t a r i n e n s e
A B C
D E F
G H I
Figura 11: Formação Aluvial: a) Ilhas fluviais do Itajaí-açu, Indaial; b) rio Itajaí-açu em Blumenau; c) Sal-
gueiros (Salix humboldtiana) às margens do rio Itajaí-açu, Blumenau; Fotos: Lucia Sevegnani; d) Capivaras
(Hydrochoerus hydrochaeris); e) Cágado (Phrynops hilarii). Fotos: L auro E. Bacca; f) Frango d´água co-
mum (Gallinula galeata); g) Savacu-de-coroa (Nyctanassa violacea). Fotos: Tiago J. Cadorin; h) Trepadeira
(Stizophyllum riparium) em Ibirama; i) Cutia-de-espinho (Raulinoa echinata) gênero e espécie endêmi-
cas das corredeiras do rio Itajaí-açu. Fotos: Lucia Sevegnani.
A V e r t e n t e A t l â n t i c a | 113
Na base das encostas ou áreas com rele- linoa echinata) (Figura 11i), a bromélia (Dickya
vo mais suave estão os ribeirões que provêm ibiramensis) e a trepadeira (Daleschampia riparia)
da parte alta. Estes, agora com maior volume (KLEIN, 1980). Pelo tamanho pequeno de
de água, podem apresentar trechos com cor- suas populações e pela restrita área de ocor-
redeiras (Figura 12), em outros, com águas rência, essas espécies são muito vulneráveis
mais lentas, formando remansos. ao processo de extinção. Mas, pode haver ou-
Em certos ambientes especiais, como nas tras ao longo dos grandes e pequenos rios da
ilhas intercalares às corredeiras (Figura 11a) Vertente Atlântica, ainda desconhecidas para
e margens do rio Itajaí-açu (Figura 11b) e rio a ciência e já em perigo, pois em muitos cur-
Itajaí do Norte, entre Ibirama e Blumenau, há sos d’água estão sendo implantadas centrais
três espécies de plantas endêmicas ou exclusi- produtoras de energia elétrica e, em suas mar-
vas do Vale do Itajaí: a cotia-de-espinho (Rau- gens, agricultura, pecuária e cidades.
Figura 12: Corredeiras do rio Itajaí-Açu em Apiúna local da endêmica Raulinoa echinata – Rutaceae.
Desenho: Lucia Sevegnani
Nos locais com águas um pouco mais cal- 13a), o acará (Geophagus brasiliensis) (Figura 13b),
mas há acúmulo de matéria orgânica e valores a piava-de-rabo-amarelo (Astyanax cabripinnis),
ainda elevados de oxigênio, no entanto, estes a piava-de-rabo-vermelho (Astyanax aff. fas-
inferiores aos trechos de corredeiras. Com ciatus), piava (Foto 13d), o tijabicu (Oligosarcus
maior disponibilidade de nutrientes, prolife- aff. jensii), o jundiá (Rhamdia quelen) e o sagua-
ram o fito e zooplancton, aumentando a quan- ru (Cyphocharox santacatarinae) e os cascudos
tidade de espécies e indivíduos presentes. (Figura 13c). Esses peixes atraem predadores
Nestas águas, os insetos depositam seus como as lontras (Lontra longicaudis). No fundo
ovos, gerando profusão de larvas, que se ali- dos rios, muitos invertebrados permeiam o
mentam da matéria orgânica e servem de ali- lodo, compondo as cadeias tróficas, cada vez
mento para peixes e crustáceos. Podem estar mais complexas, ao longo dos rios da Vertente
presentes a traíra (Hoplias malabaricus) (Figura Atlântica.
114 | B i o d i v e r s i d a d e C a t a r i n e n s e
A B C D
Figura 13: Peixes coletados no ribeirão Naufrágio, Presidente Nereu: a) Traíra (Hoplias malabaricus); b)
Acará (Geophagus brasiliensis); c) Cascudo. Fotos: Isamar de Melo; d) Piava no rio Neisse, em Apiúna.
Foto Lucia Sevegnani
Quando os cursos d’água formados nas en- (Gallinula galeata) (Figura 11f), o savacu-de-coroa
costas atingem a planície, suas águas perdem (Nyctanassa violacea) (Figura 11g), as saracuras, os
velocidade e o poder de transportar os sedi- biguás, a jaçanã, as garças, os martim-pescadores.
mentos. Nesses locais a água escoa lentamen- Há, também, cágados (Phrynops hilarii) (Figura 11e),
te em direção ao Oceano Atlântico. A taxa de as rãs-de-corredeiras (Hylodes spp.), as rãs-manteiga
oxigênio dissolvido é menor, há grande con- (Leptodactylus ocellatus), além de pacas, cutias e lon-
centração de nutrientes advindos da parte alta tras.
que se deposita no fundo ou fica em suspensão, Originalmente, no âmbito da Floresta Ombró-
também propiciando abundância de vida. fila Densa, a Formação Aluvial tinha continuida-
Quando os solos concentram muita água de com as demais formações (Terras Baixas, Sub-
no aquífero freático e este se encontra a menos montana, Montana e Altomontana), formando um
de um metro de profundidade na maior parte grande manto de floresta desde a margem dos rios
do tempo, diz-se que os solos são hidromórfi- até o topo dos morros, podendo estar ausente em
cos. Essa condição limita o desenvolvimento e alguns trechos.
o bom funcionamento do sistema radical das No momento atual, muito da continuidade en-
plantas, podendo levá-las à morte. No entanto, tre a margem do rio e a encosta foi interrompida
existem espécies que suportam bem essas con- pelos usos do solo pelas pessoas, com muitos im-
dições, como por exemplo, o salgueiro (Salix pactos ao solo, ao ecossistema rio, ver com mais
humboldtiana) (Figura 11c), o branquilho (Sebas- detalhes no Capítulo 8.
tiania commersoniana), os sarandis (Calliandra sp. A região Sul do Brasil passou por intensas mu-
e Phyllanthus sp.), o ingá-feijão (Inga marginata), danças climáticas, especialmente nos últimos 100
o ipê-amarelo (Handroanthus umbellatus), a silva mil anos, com períodos glaciais (frios e secos) e in-
(Mimosa bimucronata), o olandi (Calophyllum bra- terglaciais (quentes e úmidos), conforme apresenta-
siliensis), a figueira-de-folhas-miúdas (Ficus orga- do no Capítulo 3. Em cada evento geoclimático, a
nensis) entre outras, podendo inclusive resistir vegetação se restringiu ou se expandiu por diferen-
às inundações, por longos períodos. Nas mar- tes lugares, por vezes, cobrindo toda a paisagem,
gens do rio Itajaí do Norte, encontra-se a rara ora deixando áreas sem cobertura florestal ora sem
trepadeira (Stizophyllum riparium) (Figura 11h), cobertura herbácea. Portanto, a rede formada por
da família Bignoniaceae. rios, ribeirões e nascentes foi e é importante corre-
Nas planícies com rios contendo águas mais dor, por onde as espécies de plantas, animais e mi-
calmas, vivem os haréns de capivaras (Hydrochoerus cro-organismos podem se deslocar ou se abrigar.
hydrochaeris) (Figura 11d), maior roedor do mundo, Finalizada a apresentação da Floresta Ombró-
nativo de grande parte da América do Sul. Esta fila Densa serão, a seguir, abordadas duas outras
espécie se alimenta de plantas herbáceas que cres- formações associadas a esta: a Formação Pioneira
cem às margens dos rios. Por entre esta vegetação de Influência Marinha – a restinga e a Formação
também fazem tocas e ninhos os frangos-d´água Pioneira de Influência Fluviomarinha - manguezal.
A V e r t e n t e A t l â n t i c a | 115
5.3.2 F ormação
P ioneira com I n f lu ê ncia M arin h a -
V egetação de R estinga
M arilete G asparin 1
L ucia S evegnani 2
A
E dson S chroeder 3
GASPARIN, M.; SEVEGNANI, L.; SCHROEDER, E. Formação pioneira com influência marinha - vegetação de restinga. In:
SEVEGNANI, L.; SCHROEDER, E. Biodiversidade catarinense: características, potencialidades e ameaças. Blumenau: Edifurb,
2013, p. 116-127.
1 Mestre em Ensino de Ciências Naturais e Matemática, bióloga e professora da Rede Pública Estadual de Ensino. Apoio FAPESC
2 Doutora em Ecologia, bióloga, professora e pesquisadora na Universidade Regional de Blumenau – FURB
3 Doutor em Educação Científica e Tecnológica, biólogo, professor e pesquisador na Universidade Regional de Blumenau – FURB
116 | B i o d i v e r s i d a d e C a t a r i n e n s e
provém de ambientes vizinhos que são geolo- (Androtrichum trig ynum), orvalhinha ou drósera
gicamente mais antigos como a Floresta Om- (Drosera brevifolia), junco ( Juncus acutus), bata-
brófila Densa, porém, aparecem ainda espécies teira-da-praia (Ipomoea pes-caprae) (Figura 14c),
de origem andina, do sul da América do Sul e feijão-da-praia (Canavalia rosea), capim-das-du-
Antártida (CORDAZZO et al., 2006). nas (Panicum racemosum), cipó-da-praia (Ipomoea
É grande a riqueza de espécies de plantas en- imperati), carrapicho-da-praia ou rosetão (Aci-
contradas na restinga (KORTE et al., 2013b). carpha spathulata), pinheirinho-da-praia (Remirea
Dentre elas destacam-se, segundo Klein (1978), maritima), grama-da-praia (Sporobolus virginicus)
Falkenberg (1999) e Cordazzo et al. (2006): e mangue-da-praia (Scaevola plumieri), palmeira
capotiragua (Blutaparon portulacoides), salsa-da- (Butia catharinensis) (Figura 14a mangue-formiga
-praia (Hydrocotyle bonariensis), marcela (Achyro- (Clusia criuva), caraguatá (Bromelia antiacantha)
cline satureioides), margarida-das-dunas ou mar- (Figura 14b), cipó-leiteiro (Mandevilla funiformis)
cela-graúda (Senecio crassiflorus), junco-da-praia (Figura 14d), entre tantas outras.
A B
C D
Figura 14: Biodiversidade na Formação Pioneira de Influência Marinha: a) Butiá-da-praia (Butia cathari-
nensis) em Imbituba; b) Caraguatá (Bromelia antiacantha). Foto: Charles G. Boudreault; c) Batateira-da-
-praia (Ipomoea pes-caprae); d) Cipó-leiteiro (Mandevilla funiformis). Demais fotos: Lucia Sevegnani
A V e r t e n t e A t l â n t i c a | 117
Há também espécies endêmicas de restin- da biodiversidade local, inclusive afetando as
ga como unha-de-gato (Mimosa catharinensis), espécies endêmicas de plantas e animais.
que se encontra na lista das ameaçadas de ex- Destacam-se entre os répteis o lagartinho-
tinção. Plantas como o butiá-da-praia (Butia -da-praia (Liolaemus occipitalis) (Figura 18d) -
catharinensis) (Figura 14a) são característica espécie rara, encontrada somente em Santa
das restingas catarinenses e fornecem ali- Catarina e no Rio Grande do Sul, além de ou-
mento para vários animais frugívoros, além tros répteis como cágado-preto (Acanthochelys
de ser utilizada pela população litorânea na spixii), jararaca-pintada (Bothrops pubescens),
confecção de artefatos e de bebidas, venda e cobra-cega-de-crista (Amphisbaena kingii), na-
consumo de frutos. riguda (Xenodon dorbigny), falsa-coral (Oxyrho-
Entre a vegetação, encontramos intera- pus rhombifer), coral-verdadeira (Micrurus alti-
ções ecológicas importantes como a simbiose rostris); corredeira-listrada (Liophis flavifrenatus)
existente entre plantas e fungos micorrízicos e anfíbios como rã-manteiga (Leptodactylus
(para mais detalhes, ver Box 4, Capítulo 7). latrans). Dentre os mamíferos há o gambá-de-
Os fungos se alojam nas raízes das plantas -orelha-preta (Didelphis aurita), cuica-d’água
permitindo melhor absorção de nutrientes, (Chironectes minimus), catita (Monodelphis sorex),
especialmente em ambiente limitado de re- bugio-ruivo (Alouatta clamitans), lontra (Lontra
cursos (CORDAZZO et al., 2006). longicaudis), gato-do-mato (Leopardus tigrinus),
As plantas acabam por influenciar na di- gato-maracajá (Leopardus wiedii), cateto (Pecari
nâmica local, inclusive no aparecimento e ins- tajacu), capivara (Hydrochaerus hydrochaeris). São
talação dos animais, em geral, não exclusivos encontradas, ainda, várias espécies de mor-
deste ambiente, entre eles, os insetos, aves e cegos. Entre os peixes encontrados nas lagu-
mamíferos. Muitas aves preferem a restinga nas, lagoas ou pescados no mar registram-se:
e, algumas vezes, as espécies diferem de um o robalo (Centropomus paralellus), o linguado
ambiente para outro. Dentre as espécies que (Citharichthys spilopterus) e a sardinha (Sardi-
ocorrem na restinga destacam-se, nas planí- nella brasiliensis) (SCHIEFLER; SOARES,
cies arenosas com vegetação rasteira ou au- 1994; VILLANUEVA; SILVA, 1995; GUA-
sente, o chimango (Milvago chimango), quero- DAGNIN; LAIDNER, 1999; NAKA; RO-
-quero (Vanellus chilensis), sábia-do-campo DRIGUES, 2000; GRAIPEL; CHEREM;
(Mimus saturninus), coruja-buraqueira (Athene XIMENEZ, 2001; BARBOSA, 2003; CHE-
cunicularia) (Figura 28f), curriqueiro (Geosit- REM et al., 2004; PIANENTINI; CAMP-
ta cunicularia), caminheiro-zumbidor (Anthus BELL-THOMPSON, 2006; CARVALHO;
lutescens). Aves como pomba-galega (Patagioe- ZOCCHE; MENDONÇA, 2009; GHIZO-
nas cayennensis), pica-pau-anão-de-coleira (Pi- NI-JÚNIOR et al.,2009); KUNZ; GHIZO-
cumnus cirratus), rendeira (Manacus manacus), NI-JÚNIOR; GIASSON (2011).
cambacica (Coereba flaveola), saíra-de-costas- Falkenberg (1999, p.8), após longo estudo
-pretas (Tangara peruviana) e saí-azul (Dacnis das espécies e ecossistemas que compõem a
cayana) são encontradas na restinga arbórea. restinga e ampla revisão da literatura, decidiu:
Há, também, caranguejos que fazem suas to-
[...] adotar para a restinga catarinense uma
cas na areia, como a maria-farinha (Ocypode
classificação fitofisionômica bastante mais
quadrata). Neste ambiente frágil e dinâmico, a simples, reconhecendo três tipos básicos (I a
vegetação tem um papel fundamental na sua III) [...] e subdividindo o primeiro em três ti-
fixação e conservação, fazendo com que sua pos de ambientes:
destruição acabe por implicar na diminuição I Restinga herbácea
118 | B i o d i v e r s i d a d e C a t a r i n e n s e
1.1. Restinga herbácea/subarbustiva de praias O presente trabalho reconhece as dife-
e dunas frontais renças fisionômicas existentes na Formação
1.2. Restinga herbácea/subarbustiva de dunas Pioneira de Influência Marinha (Figura 15),
internas e planícies
mas para fins didáticos decide descrever os
1.3. Restinga herbácea/subarbustiva de lagu-
nas, banhados e baixadas diferentes ecossistemas pertencentes à restin-
II. Restinga arbustiva ga como popularmente são chamados.
III. Restinga arbórea (ou mata de restinga).
Figura 15: Perfil ideal da Formação Pioneira de Influência Marinha com os ecossistemas de praia, duna,
lagoa, banhado. Desenho: Lucia Sevegnani
5.3.2.1 P raias
As praias (Figura 16a) são formadas por de exposição ao sol, intensidade e frequên-
depósitos de materiais erodidos e inconsoli- cia dos ventos, taxa de oxigênio presente no
dados como areia e cascalho, transportados substrato arenoso, variação na granulometria
e depositados por processos sedimentares do sedimento e na declividade do terreno e
associados às ondas e correntes costeiras ge- intensidade do hidrodinamismo das ondas e
radas por ventos e variação de maré (SOU- das correntes oceânicas. São classificadas em
ZA et al., 2008). Correspondem ao primeiro calmas ou protegidas e expostas ou batidas
ecossistema terrestre que faz encontro com (CORREIA; SOVIERZOSKI, 2009).
o mar e apresentam base geológica arenosa, São ambientes ricos em vida, embora a ve-
rochosa ou areno-lodosa, com diferentes ân- getação seja ausente ou muito rara. As espé-
gulos de inclinação (CORREIA; SOVIER- cies de plantas comuns nas praias catarinen-
ZOSKI, 2009). ses foram citadas por Falkenberg (1999) e são
As praias arenosas, muito comuns em apresentadas no ecossistema dunas, neste sub-
Santa Catarina, são constituídas por areias -capítulo. Os animais encontrados nesses lo-
claras de origem carbonática ou escuras, de cais são invertebrados e normalmente vivem
origem vulcânica. As praias podem também parcial ou totalmente enterrados no substrato
ser rochosas ou areno-lodosas (CORREIA; como é o caso do caranguejo maria-farinha
SOVIERZOSKI, 2009). Esses ecossistemas (Ocypode quadrata), corrupto (Callichirus major)
recebem influência da variação da tempera- (Figura 18e), da pulga-da-praia (crustáceo an-
tura da água e do ar, duração dos períodos fípode), das tatuíras (Emerita brasiliensis), dos
A V e r t e n t e A t l â n t i c a | 119
A B
C D
E F
Figura 16: Ecossistemas presentes na Formação Pioneira de Influência Marinha. a) Complexo da Lagoinha
do Leste, Florianópolis; b) Lagoa do Peri, Florianópolis. Fotos: Charles G. Boudreault; c) Duna fixa, praia
do Campeche, Florianópolis. Foto: Lucia Sevegnani; d) Duna móvel no Parque Estadual do Acaraí (FATMA).
Foto: Edson Schroeder; e) Costão da Praia da Conceição, Bombinhas. Foto: Lucia Sevegnani; f) Curso d’água
na Baixada do Maciambu, Parque Estadual do Tabuleiro (FATMA), Palhoça. Foto: Charles G. Boudreault.
12 0 | B i o d i v e r s i d a d e C ata r i n e n s e
equinodermos - bolachas-da-praia e das es- de Santa Catarina e Rio Grande do Sul que
trelas-do-mar, dos moluscos bivalves. ocorre em dunas costeiras.
Dentre os vertebrados encontrados nas Os cordões arenosos (Figura 16a) são
praias ou próximo delas, estão o atobá-mar- formados por depósitos de areia trazidos
rom (Sula leucogaster), o tesourão (Fregata mag- pelas ondas do mar que se acumulam em
nificens), o gaivotão (Larus dominicanus) (Figu- um determinado local, formando línguas de
ra 18a) e o trinta-réis-de-bico-amarelo (Sterna areia. Frequentemente, nessas regiões, não
hirundinacea). Das aves que forrageiam na se verifica o estabelecimento de comunida-
areia, lista-se o piru-piru (Haematopus pallia- des de plantas ou sua instalação é muito di-
tus) e a batuíra-de-coleira (Charadrius colla- fícil. Porém, são áreas que apresentam um
ris); o talha-mar (Rynchops niger), entre outros grande número de nutrientes trazidos pelas
(NAKA; RODRIGUES, 2000). Destaca-se ondas do mar e que servem de alimento
como réptil o lagartinho-da-praia (Liolaemus para diversos animais, como por exemplo,
occipitalis) (Figura 18d), espécie endêmica para as aves.
As lagoas costeiras (Figura 16b) são cor- xinal, a Lagoa dos Freitas, a Lagoa Urus-
pos d’água dos mais variados tamanhos. sanga Velha, a Lagoa Arroio Corrente e a
Alguns são ecossistemas formados por Lagoa Jaguaruna.
pequenas depressões com preenchimento Embora no Brasil o termo lagoa costeira
temporário com água da chuva e/ou do mar popularmente se refira aos corpos d’água iso-
como é o caso dos espelhos d’água tempo- lados ou conectados com o mar, cientifica-
rários que ocorrem nas dunas da Joaquina, mente há definições mais precisas. A maioria
Santinho e Ingleses. Outros são corpos das lagoas é na verdade laguna, pois estas são
d’água de grandes extensões e se consti- formadas quando o corpo d’água permanece
tuem em regiões de interface entre zonas ligado ao mar por fluxo e refluxo de marés.
costeiras, águas interiores e águas costeiras As lagoas costeiras são isoladas do mar, sem
marinhas (ESTEVES, 1998). Esses corpos refluxo (ESTEVES, 1998).
d’água grandes são as lagoas e lagunas. Em A Lagoa do Peri (Figura 16b) tem sua ori-
Santa Catarina, encontramos vários corpos gem através do isolamento de enseadas e pe-
d’água denominados popularmente de lago- quenas baías por cordões de areia, não sofre
as, tais como: Lagoa da Conceição, Lagoa influência das marés e é um reservatório de
do Peri e o maior complexo lagunar do Es- água doce responsável por abastecer o sul da
tado, formado pela Lagoa do Imaruí, La- Ilha de Santa Catarina (SILVA, 2000).
goa de Santo Antônio e Lagoa Mirim, que Nas lagoas, encontra-se um pequeno nú-
estão interligadas por canais entre si e por mero de espécies de plantas aquáticas, com
um único canal (o Canal da Barra de Lagu- raízes que normalmente se fixam no lodo
na) através da Lagoa de Santo Antônio ao existente no fundo ou são flutuantes quando
Oceano Atlântico. Além dessas lagoas, en- são encontradas em locais mais profundos, ou
contramos ainda outras, como a Lagoa do ainda, anfíbias quando podem vicejar em ter-
Sombrio, a Lagoa do Caverá, a Lagoa Mãe ra firme e em ambiente aquático (IRGANG;
Luzia, a Lagoa dos Esteves, a Lagoa do Fa- PEDRALLI; WAECHTER, 1984). A espé-
A V e r t e n t e At l â n t i c a | 121
cie exótica mais comum é soldanela-d’água (Callinectes danae), camarões e moluscos conhe-
(Nymphoides indica) que se encontra presa ao cidos como marisquinho e berbigão. As aves
fundo da lagoa e nos locais mais rasos está características desse ambiente são: biguá (Pha-
associada ao junco (Scirpus californicus), tiririca lacrocorax brasilianus), pernilongo-de-costas-
(Heliocharis geniculata), aguapé (Eichhornia spp.) -brancas (Himantopus melanurus), garça-bran-
e pinheirinho-d’água (Myriophyllum brasiliense), ca-grande (Ardea alba), garça-branca-pequena
além do Peri (Fuirena robusta), que deu nome à (Egretta thula), frango-d’água (Gallinula galeata),
lagoa devido a sua abundância (BRESOLIN, maçarico-de-perna-amarela (Tringa flavipes) e
1979). o martim-pescador-grande (Megaceryle torqua-
A Lagoa da Conceição, na Ilha de Santa ta) (NAKA; RODRIGUES, 2000; PIACEN-
Catarina é, na realidade, uma laguna que está TINI; CAMPBELL-THOMPSON, 2006).
ligada ao mar pelo canal da Barra da Lagoa. A Lagoa de Santa Marta, que de fato é
Sua formação ocorreu através de sedimen- uma laguna, liga-se ao norte com o sistema
tos trazidos pelos ventos e ondas formando lagunar Santo Antônio-Imaruí e Mirim e, ao
barreiras que acabaram isolando parcial- sul, com o sistema lagunar Camacho-Laran-
mente o corpo lagunar do oceano, durante jal-Garopaba do Sul (SCHERER et al., 2006)
o período Holoceno (BARBOSA, 2003). As (Figura 17).
águas vindas dos morros e das chuvas fi- As lagoas do Sombrio e do Caverá estão
cavam aprisionadas na lagoa. Nas margens descritas nos trabalhos realizados por Ale-
do canal, a vegetação encontrada é consti- xandre e Aguiar (2000). A lagoa do Sombrio
tuída, principalmente, de gramíneas como está localizada nos municípios de Sombrio e
capim-da-praia (Spartina densiflora) e juncos, São João do Sul e liga-se à Lagoa do Caverá
que impedem a erosão das margens e prote- pelo rio Caverá e à Lagoa de Fora, através do
gem pequenos peixes e crustáceos marinhos rio Novo. A lagoa do Sombrio apresenta uma
(BARBOSA, 2003). salinidade menor que 0,5%, comportando-se
A fauna da Lagoa da Conceição é abundan- como uma lagoa com água doce. Essas lagoas
te e diversificada, compreendendo espécies são usadas para a pesca artesanal de espécies
de peixes como sardinha, peixe-rei, corvina, como robalo, traíra, cará, corvina, bagre, tai-
tainha. Aparecem ainda crustáceos como siris nha, linguado e siri.
12 2 | B i o d i v e r s i d a d e C ata r i n e n s e
A B
C D
E F
Figura 18: Animais da Formação Pioneira de Influência Marinha. a) Gaivotão (Larus dominicanus). Foto:
Tiago J. Cadorin; b) Tapicuru-de-cara-pelada (Phimosus infuscatus). Foto: Charles G. Boudreault; c) Lagar-
to-teiú (Tupinambis teguxim). Foto: Tiago J. Cadorin; d) Lagartinho-da-praia (Liolaemus occipitalis). Foto:
César P. L. de Oliveira; e) Corrupto (Callichirus major). Foto: Lucia Sevegnani; f) Coruja-buraqueira (Athene
cunicularia). Foto: César P. L. de Oliveira
A V e r t e n t e At l â n t i c a | 12 3
5.3.2.3 Os ban h ados ou p â ntanos
Os banhados (Figura 16f) são ecossiste- asper), Paspalum spp., Panicum spp., Potamogeton
mas existentes em áreas baixas entre dunas, spp., gravatá ou caraguatá (Eryngium pandanifo-
entremeando a vegetação de restinga, onde se lium, E. burneum), alface-d’água (Pistia stratiotes),
acumulam as águas das chuvas, bem como às pinheirinho-d’água (Myriophyllum aquaticum),
margens de lagoas que durante as épocas de chapéu-de-couro (Echinodorus grandiflorus, E.
chuvas estão parcialmente ou totalmente co- longiscapus), entre tantas outras.
bertas pelas águas (Bresolin, 1979). Exis- Algumas aves encontradas nos banhados
tem banhados em vários locais da Ilha de San- ocorrem em função da vegetação paludíco-
ta Catarina tais como Jurerê e Rio Tavares, e la (de banhado) como garça-branca-pequena
também no Pântano do Sul e na localidade de (Egretta thula), garça-branca-grande (Ardea
Morro das Pedras. alba), socozinho (Butorides striata), marreca-de-
Nas áreas úmidas, podendo ser brejos, ba- -pé-vermelho (Amazonetta brasiliensis), saracura-
nhados ou pântanos, margens de lagoas e la- -do-banhado (Pardirallus sanguinolentus), saracu-
gunas, e nas depressões intercordões arenosos ra-anã (Pardirallus nigricans), sana-carijó (Porzana
com substrato orgânico, com lâmina d’água albicollis), pinto-d’água-comum (Laterallus me-
sub-superficial, aflorante rasa, às vezes até pro- lanophaius), tapicuru-de-cara-pelada (Phimosus
funda, grande e rico conjunto de espécies de infuscatus) (Figura 18b), jaçanã (Jacana jacana),
plantas podem se instalar, em alguns momen- narceja (Gallinago paraguaiae), canário-do-brejo
tos formando comunidades quase que mono- (Emberizoides ypiranganus), polícia-inglesa (Stur-
específicas. nella supercilliaris), chopim-do-brejo (Pseudoleistes
Falkenberg (1999) cita as espécies mais fre- virescens) e cardeal-do-banhado (Amblyrhamphus
quentes nesses ambientes: papa-mosca (Drosera holosericeus) (NAKA; RODRIGUES, 2000).
brevifolia, D. capillaris), Utricularia spp., Paepalan- As lagoas, lagunas e banhados, com sua rica
thus polyanthus, Paepalanthus spp.), sempre-viva biodiversidade não são ambientes estáveis, po-
(Eriocaulon magnificum, Eriocaulon spp.), junco ou dendo sofrer mudanças, com o passar dos anos,
gunco (Juncus acutus, Juncus spp.), Cyperus spp., através do preenchimento progressivo das ex-
Rhynchospora spp., junco ou piri (Scirpus mariti- tensões de água por motivo do desenvolvimen-
mus, Scirpus spp.), botão-de-ouro, sempre-viva to da vegetação e da sedimentação. O assore-
(Xyris spp.), erva-de-bicho (Polygonum spp.), amento é gradativo, provocado por aluviões,
cruz-de-malta (Ludwigia spp.), taboa (Typha pela deposição de detritos animais e plantas no
domingensis); quaresmeira (Tibouchina asperior, T. fundo e pelo avanço e desenvolvimento da ve-
trichopoda e Acisanthera alsinifolia), musgo (Sphag- getação. Desta forma, o contínuo assoreamento
num spp., soldanela-d’água (Nymphoides indica), transforma lagunas e lagoas em pântanos, po-
aguapé (Pontederia lanceolata, Eichhornia crassipes, dendo, com o avanço da sedimentação no local,
E. azurea); samambaia-do-mangue (Acrosti- permitir o desenvolvimento de uma floresta.
chum danaeifolium), Fimbristylis spadicea, Cladium Nesse caso, a sucessão ecológica em laguna e la-
mariscus, Salicornia sp., guaicuru (Limonium goas, processo de mudança nas comunidades de
brasiliense), Sporobolus virginicus; lentilha-d’água plantas e animais, bem como nas características
(Lemna spp.); Salvinia spp., margarida-do-ba- físicas do ambiente ao longo do tempo, pode
nhado (Senecio bonariensis); capim-do-mangue ser de milênios (BEHLING et al., 2009), partir
(Spartina alterniflora, S. densiflora); capim-treme- de ambiente úmido até a condição de solo bem
-treme (Briza uniolae), capim-pluma (Erianthus drenado (OSBORNE, 2000).
124 | B i o d i v e r s i d a d e C ata r i n e n s e
5.3.2.4 A s dunas
As dunas (Figura 16c e d) têm sua cons- é uma grande barreira para o deslocamento
tituição predominantemente arenosa com da areia pelos ventos.
aparência de uma pequena elevação produ- As dunas têm sua importância, fun-
zida pela ação dos ventos que amontoam cionando como barreira natural da invasão da
a areia, situada no litoral ou no interior do água do mar e da areia em áreas interiores e
continente, podendo estar recobertas, ou balneários, protegendo o lençol de água doce,
não, por vegetação. As dunas recobertas evitando a entrada de água salgada, protegen-
pela vegetação são denominadas de dunas do também as costas das ressacas.
fixas (Figura 16c), enquanto as dunas sem Nas dunas fixas (Figura 16c), caracteriza-
esta cobertura são conhecidas como móveis das por apresentar um substrato mais estável,
e as parcialmente cobertas como semimó- há maior biodiversidade, maior quantidade
veis, pelo fato de se deslocarem com a ação de matéria orgânica e menor pH. A influência
dos ventos (BRASIL, 2002). maior da vegetação nesses locais está relacio-
As dunas podem ser frontais, quando de nada com a distância até o aquífero freático.
frente para o mar, tendo uma parte diaria- Falkenberg (1999) arrola as dezenas de es-
mente tocada pelas ondas. Na sua parte pos- pécies em dunas e planícies de Santa Catari-
terior, inicia-se a colonização por espécies na, nem todas com nome popular conhecido
herbáceo-arbustivas, desencadeando proces- ou usado: Alternanthera brasiliana, A. moquinii;
so de fixação do substrato arenoso. aroeira-vermelha (Schinus terebinthifolius) (Fi-
De acordo com CORDAZZO et al. gura 19a); carquejinha (Baccharis articulata); B.
(2006), a formação das dunas ocorre a par- radicans; Senecio platensis; erva-de-santa-maria
tir da deposição de areia levada pelas ondas (Chenopodium spp.); cipó-lixa (Davilla rugosa);
que, ao secar nas marés baixas, é transpor- camarinha (Gaylussacia brasiliensis); Cenirosema
tada pelo vento até a energia se dissipar ou virginianum; tansagem (Plantago catharinea); An-
até encontrar uma barreira, onde se acumula. drotrichum trig ynum; Andropogon arenarius, capim-
Quanto maior a velocidade do vento, maior é -rabo-de-burro (Andropogon bicornis), capim-tre-
o tamanho dos grãos transportados e maior é me-treme (Briza spp.), Eragrostis spp., Imperata
a distância que estes podem ser levados. brasiliensis, Paspalum arenarium, Schizachyrium
A vegetação que aparece nas dunas cos- spp., Chloris retusa, Ambrosia elatior, Conyza
teiras não se distribui homogeneamente, spp., Gamochaeta spp., Pterocaulon spp., Tibou-
apresentando-se disposta em faixas ou man- china versicolor, (pega-pega Desmodium spp.), ba-
chas, podendo ir de cobertura herbácea até leeira (Cordia monosperma).
arbustiva e na posição oposta à direção pre- Como trepadeiras, Falkenberg (1999) cita:
dominante dos ventos pode ter inclusive o esporão-de-galo (Strychnos trinervis), orquídea-
desenvolvimento de cobertura formada por -baunilha (Vanilla chamissonis), Norantea bra-
arvoretas. Essa disposição ocorre por causa siliensis, Marcgravia polyantha, cará (Dioscorea
das variações nas feições topográficas, além spp.), maracujás (Passiflora spp.), salsaparrilha
de fatores ambientais como a salinidade, (Smilax spp.), Paullinia spp. (cipó-timbó), além
profundidade do lençol freático, movimen- de outras.
tação da areia e disponibilidade de nutrien- Quando as dunas estão fixas pela vegeta-
tes, temperatura e o vento, fatores que au- ção e também em áreas mais abrigadas dos
mentam a taxa de transpiração. A vegetação ventos, com o passar do tempo e com a me-
A V e r t e n t e At l â n t i c a | 12 5
lhora nas condições do substrato, há forma- maria-mole (Guapira opposita); guamirim (Myr-
ção de emaranhada cobertura arbustiva e cia brasiliensis), Eugenia spp.; Myrcia rostrata, M.
herbácea podendo atingir, em alguns locais, multiflora, M. selloi), ipê-amarelo (Handroanthus
porte de arvoretas. A mesma espécie pode es- pulcherrimus, Handroanthus spp.); pau-ripa (Or-
tar sobre as dunas com um tamanho inferior mosia arborea), tucaneira (Citharexylum myrian-
a um metro de altura e na floresta atingir 30 thum), guapeba (Pouteria lasiocarpa), carobi-
m, por exemplo, a maria-mole (Guapira oppo- nha ( Jacaranda puberula), camboatá-vermelho
sita). Muitas das espécies que se encontram (Cupania vernalis), camboatá-branco (Matayba
na restinga arbórea são oriundas da Floresta intermedia), Ternstroemia brasiliensis; pau-ange-
Ombrófila Densa, que ocorre na vizinhan- lim (Andira sp.). Nos solos úmidos, são fre-
ça. Falkenberg (1999) cita as espécies nessas quentes: ipê amarelo (Handroanthus umbellatus),
condições: mangue-formiga (Clusia criuva); olandi ou guanandi (Calophyllum brasiliense),
tanheiro ou tapiá-guaçu (Alchornea tripliner- esta especialmente na metade norte de Santa
via), jerivá ou coquinho-de-cachorro (Syagrus Catarina, algodão-da-praia ou uvira (Hibiscus
romanzoffiana), figueiras-mata-pau (Ficus or- tiliaceus), cortiça (Annona glabra), jacatirão-do-
ganensis, Coussapoa microcarpa), ingá (Inga lus- -brejo (Huberia semiserrata), guamirim (Myrcia
chnathiana); pau-gambá (Abarema langsdorffii), multiflora, M. dichrophylla).
canela-amarela (Nectandra oppositifolia), canela- Permeando as arvoretas da restinga, po-
-merda (N. megapotamica), canela-da-praia, dem ser encontrados arbustos e ervas, às ve-
canela-do-brejo (Ocotea pulchella) (Figura 19b), zes formando agrupamentos mais ralos, e em
cupiúva (Tapirira guianensis), araçazeiro (Psi- outras, muito densos, tais como guaricana ou
dium cattleyanum), baga-de-pomba (Byrsonima gamiova (Geonoma schottiana), tucum (Bactris seto-
ligustrifolia); caúna (Ilex theezans, Ilex spp.); se- sa), chal-chal (Allophylus edulis), cutia (Esenbeckia
ca-ligeiro (Pera glabrata), baga-de-macaco (Po- grandiflora), laranjeira-do-mato (Actinostemon con-
soqueria latifolia); pau-leiteiro (Sapium glandula- color), caúna (Ilex pseudobuxus, Ilex spp.), cocão
tum); embaúba (Cecropia glaziovii); capororoca (Erythroxylum amplifolium, E. argentinum, Erythro-
(Myrsine spp.); baguaçu (Eugenia umbelliflora), xylum spp); pimenteira-do-mato (Mollinedia
A B
Figura 19: Espécies sobre dunas fixas: a) Aroeira-vermelha (Schinus terebinthifolius);
b) Canela-do-brejo (Ocotea pulchella). Fotos: Lucia Sevegnani
12 6 | B i o d i v e r s i d a d e C ata r i n e n s e
spp.), xaxim (Alsophila spp.), baga-de-morcego melia antiacantha) (FALKENBERG, 1999).
(Guarea macrophylla), cacto, tuna ou mandacaru Quanto à fauna vivendo nas dunas, mere-
(Cereus hildmannianus), caeté Heliconia farinosa), cem destaque o lagarto-teiú (Tupinambis tegu-
grandiúva-d’anta (Psychotria spp.), Alibertia conco- xim) (Figura 18c) e, entre as aves ocorrem a
lor, Rudgea spp., Piper spp., Peperomia spp., Coc- coruja-buraqueira (Athene cunicularia) (Figura
cocypselum spp., as samambaias (Blechnum spp., 18f), o caminheiro-zumbidor (Anthus lutescens)
Rumohra adiantiformis, Polypodium robustum, Polypo- e o curriqueiro (Geositta cunicularia), que nor-
dium spp.), as bromélias terrícolas que formam malmente são encontradas entre as dunas e a
densos tapetes sobre o solo e, algumas vezes, restinga arbórea, além de marrecas, socós e
podem estar como epífitos (Aechmea spp., Vrie- garças que se alimentam nas lagoas entre as
sea spp., Nidularium innocentii) e caraguatá (Bro- dunas (Figura 16a).
Os costões rochosos (Figura 16e) são am- com relação aos demais ambientes arenosos,
bientes litorâneos formados por afloramentos sendo caracterizada por Clusia criuva (mangue-
de rochas, ou seja, substrato consolidado, situ- -formiga), associada às cactáceas dos gêneros
ados no limite entre o oceano e o continente Cereus e Opuntia, além das muitas bromeliáceas
(BDT, 2006 apud SANTOS; GOMES, 2006). dos gêneros Vriesia, Bromelia, Canistrum, Aech-
Sua origem é muito mais antiga que as restin- mea (IBGE, 2003). A variação nas espécies é
gas vizinhas. Em geral, estes não são englo- resultante dos fatores como os níveis de maré e
bados sob a denominação geomorfológica de exposição ao ar, sombreamento, inclinação do
restinga. costão e grau de exposição à ação das ondas.
Os costões rochosos são importantes ecos- Os costões podem ser divididos em três zo-
sistemas da região entre marés por apresentar nas que são: supralitoral, mediolitoral e infrali-
uma alta riqueza de espécies que são valiosos toral adotada por ALMEIDA (2008). Em San-
ecológica e economicamente, como mexilhões, ta Catarina, há inúmeros costões distribuídos
ostras, crustáceos, algas micro e macroscópicas ao longo do litoral, que propiciam a formação
e uma variedade de peixes que utilizam esses de pequenas baías e praias que fazem a zona
locais para se alimentar, crescer e se reproduzir costeira tão atrativa aos visitantes.
(COUTINHO, 2002). Portanto, como foi evidenciado, a Forma-
Nesses locais, o limite de substrato faz com ção Pioneira de Influência Marinha ou restin-
que ocorram fortes interações biológicas (her- ga e os costões podem ser ricos em espécies
bivoria, predação e competição) entre a grande de plantas que se organizam no espaço, propi-
diversidade de espécies ali encontradas. ciando a formação de ecossistemas que cum-
Os costões expostos são ambientes que prem funções de proteção da costa, da biodi-
apresentam uma biodiversidade limitada pela versidade, bem como fornecem recursos para
escassa quantidade de nutrientes disponíveis, o consumo humano. Quando a vegetação de
a salinidade e a intensa radiação (ALMEIDA, restinga e dos costões é destruída ou se encon-
2008). tra sob contínuos distúrbios provocados pelas
No pontal rochoso, cuja degradação da ro- ações humanas (ver Capítulo 8 sobre ameaças
cha origina grande parte dos sedimentos que à biodiversidade), esta pode se recuperar atra-
formam as praias e dunas, a vegetação varia vés do processo de sucessão secundária.
A V e r t e n t e At l â n t i c a | 12 7
5.3.3 F ormação P ioneira com I n f l u ê ncia
F l u v iomarin h a – M angue z a l
R egina A parecida da R osa 1
L ucia S evegnani 2
E dson S chroeder 3
A
pico próprio.
Formação Pioneira de Influ-
ência Fluviomarinha não per-
tence a Floresta Ombrófila
Densa, mas está associada a
esta. Por isso, é tratada independente em tó-
ROSA, R. A. da; SEVEGNANI, L.; SCHROEDER, E. Formação pioneira com influência fluviomarinha - manguezal. In:
SEVEGNANI, L.; SCHROEDER, E. Biodiversidade catarinense: características, potencialidades e ameaças. Blumenau:
Edifurb, 2013, p. 128-133.
1 Mestre em Ensino de Ciências Naturais e Matemática, bióloga e professora da Rede Pública Estadual de Ensino. Apoio FAPESC
2 Doutora em Ecologia, bióloga, professora e pesquisadora na Universidade Regional de Blumenau – FURB
3 Doutor em Educação Científica e Tecnológica, biólogo, professor e pesquisador na Universidade Regional de Blumenau –
FURB
12 8 | B i o d i v e r s i d a d e C ata r i n e n s e
A
Figura 20: Formação Pioneira de Influência Fluviomarinha: a) Fisionomia. Foto: Edson Schroeder;
b) Água com coloração negra resultante da presença de compostos fúlvicos e húmicos em manguezais,
São Francisco do Sul. Foto: Lucia Sevegnani
A V e r t e n t e At l â n t i c a | 12 9
As adaptações que as plantas do mangue- - Diferentes de outras espécies de plantas,
zal podem apresentar foram destacadas por as sementes do mangue (Rhizophora mangle)
Cordazzo e Seeliger (1995): germinam ainda presas à planta-mãe, só se
- As folhas apresentam características de separando desta ao atingir um determinado
espécies que vivem em regiões com clima tamanho. Durante a queda, estando a maré
seco, dotadas de cutícula espessa, possibili- baixa, a plântula pode afundar no lodo e de-
tando maior resistência ao ataque de micro- senvolver um novo adulto, ou ainda cair na
-organismos e às agressões dos sais aos teci- água durante a maré cheia e ser levada pela
dos da planta; correnteza para outras regiões, às vezes muito
- As plantas possuem estruturas para eli- distantes do local de origem. Esta estratégia
minar o excesso de sal; da semente germinar fixa à planta é vantajo-
- Presença de raízes pneumatóforas, ou sa, pois o lodo, além de ser anóxico, é inunda-
seja, que se desenvolvem para fora do subs- do periodicamente, o que dificulta a fixação
trato e apresentam-se ricas em lenticelas – pe- dos diásporos (fruto e semente) no substrato.
quenas aberturas que facilitam as trocas ga- Os animais do mangue também desenvol-
sosas, como no caso de Avicennia schaueriana e veram características especiais para resistir
Laguncularia racemosa; à dessecação durante a maré baixa e às va-
- Presença de raízes-escora (raízes adven- riações na salinidade decorrente da variação
tícias) que partem da extremidade dos ramos da maré. Durante a maré cheia há entrada de
curvos em direção ao lodo, auxiliando e ofe- água do mar (alta salinidade), porém, quando
recendo sustentação da planta no substrato a maré baixa, a água do rio (baixa salinidade)
(Rhizophora mangle) (Figura 20a); domina o ambiente.
Figura 21: Perfil ideal da Formação Pioneira de Influência Fluviomarinha, também denominada de man-
guezal. Desenho: Lucia Sevegnani
As plantas que podem ser encontradas como os chama-marés (Uca spp.), mariscos
nesse ecossistema são constituídas por um (como o Pholas campechianus) e outros ani-
pequeno número de espécies exclusivas e mais que vivem enterrados na lama e areia.
associadas, algumas delas podendo ocorrer, Entre esses animais destaca-se uma espé-
também, em outras formações litorâneas. cie de balanoglosso (Balanoglossus gigas), um
Entre as espécies restritas aos manguezais animal vermiforme descoberto pelo natu-
estão o mangue-vermelho ou mangue-ver- ralista Fritz Muller nas praias do litoral
dadeiro (Rhizophora mangle), mangue-preto catarinense no século XIX. A fauna dos
ou siriúba (Avicennia schaueriana), mangue- manguezais é bastante variada: podemos
-branco ou mangue-de-sapateiro (Laguncu- encontrar peixes, aves, répteis e mamífe-
laria racemosa). O desenvolvimento e o ta- ros além dos organismos microscópicos.
manho de cada árvore irão depender das Esses animais podem ser provenientes de
condições do ambiente, como o tipo de ambientes terrestres, marinhos ou de água
solo, quantidade de chuva e variação das doce e podem permanecer no manguezal
marés. durante toda a sua vida ou apenas parte
Como espécies associadas há: algodo- dela (NANNI; NANNI, 2005).
eiro-da-praia (Hibiscus tiliaceus), avencão- Dentre a rica fauna vertebrada, po-
-do-mangue ou samambaia-do-mangue dem-se citar aves como biguá (Phalacro-
(Acrostichum danaefolium) (Figura 22d), ca- corax brasilianus) (Figura 22e), garça-azul
pim-praturá ou capim-paraturá (Spartina (Egretta caerulea), garça-branca-pequena
alterniflora, S. densiflora) (VANUCCI, 2002). (Egretta thula), garça-moura (Ardea cocoi ),
Outras espécies podem ocorrer próximas trinta-réis-de-bico-vermelho (Sterna hirun-
dos manguezais, dependendo da salinidade dinacea), maçarico-branco (Calidris alba),
e da drenagem do solo. figuinha-do-mangue (Conirostrum bicolor),
Com relação aos animais, o caranguejo- pernilongo-de-costas-brancas (Himantopus
-uçá (Ucides cordatus) é muito conhecido, melanurus) (Figura 22f ); mamíferos como
mas há outras espécies de caranguejos, gambá (Didelphis aurita), cuíca (Lutreolina
A Ve r t e n t e At l â n t i c a | 131
crassicaudata), lontra (Lontra longicaudis), pa- rostris); peixes como a tainha (Mugil plata-
cão ou ratão-do-banhado (Myocastor coypus), nus), corvina (Micropogonias furnieri ), robalo
mão-pelada (Procyon cancrivorus); répteis (Centropomus parallelus), linguado (Cithari-
como o jacaré-papo-amarelo (Caiman lati- chthys spilopterus), entre tantos outros.
C D
E F
Figura 22: Formação Pioneira de Influência Fluviomarinha. a) Vista geral da vegetação, Canal do Lingua-
do, São Francisco do Sul. Foto: Lucia Sevegnani; b) Manguezal herbáceo e arbóreo, São Francisco do Sul;
c) Manguezal com substrato lodoso. Fotos: Edson Schroeder; d) Samambaia-do-mangue (Acrosticum da-
naefolium). Foto: Lucia Sevegnani; e) Biguá (Phalacrocorax brasilianus); f) Pernilongo-de-costas-brancas
(Himantopus melanurus). Fotos: Tiago J. Cadorin
A Ve r t e n t e At l â n t i c a | 13 3
Foto: Márcio Verdi
C ap
a p í tulo
t u l o 6
O P lanalto Central
L ucia S evegnani 1
R udi R icardo L aps 2
E dson S chroeder 3
SEVEGNANI, L.; LAPS, R. R.; SCHROEDER, E. O planalto central. In: SEVEGNANI, L.; SCHROEDER, E. Biodiversidade
catarinense: características, potencialidades e ameaças. Blumenau: Edifurb, 2013, p. 134-171.
Figura 1: Localização do Planalto Central em Santa Catarina. Elaborado por Débora V. Lingner (IFFSC)
Excetuando-se as áreas das bacias tributá- bém, o Morro da Igreja – Urubici, com 1.822
rias do Iguaçu – cujas águas vão compor o m, nos bordos da Serra Geral. No interior
rio Paraná, a maior parte da área do Planalto do Planalto Central, estão presentes as serras
Central tem pendente voltada para sudoeste, da Taquara Verde, da Moema, do Jaraguá, na
desaguando no rio Uruguai (SANTA CATA- parte nordeste e norte do Estado e nas outras
RINA, 1986). partes central e sul deste, as serras do Espi-
Essa região apresenta relevo extremamen- gão, da Anta Gorda, da Pedra Branca e da
te variável expresso em extensos planaltos, Farofa (Santa Catarina, 1986). Estas separam
vales encaixados, bordos de serras, com al- sub-bacias hidrográficas e propiciam condi-
titudes entre 400 e 1.823 m, predominando ções diferenciadas de clima para o desenvol-
aquelas entre 800 e 1.200 m. São destaques vimento da vegetação. (Ver Capítulo 3).
como pontos elevados: o Morro Bela Vista do Recobrindo a maior parte do relevo do
Guizoni – Bom Retiro, com altitude de até Planalto há uma tênue e fértil camada, o
1.823 m, ponto culminante do Estado e, tam- solo, que suporta a vida. Há pequenas áre-
O P l a n a lt o C e n t r a l | 137
ro e com ventos fortes, e a neve está rela- definição dos termos no Capítulo 4.
cionada com a entrada de uma frente po- Ressalte-se que não há concordância
lar, causando a queda brusca das tempera- entre os pesquisadores sobre a melhor no-
turas, com presença de neblina ou chuva menclatura para os campos. Iganci et al.
fina e ventos fortes (NIMER, 1990; BA- (2011) denominaram de Campos de Cima
CKES, 2009). da Serra (Brazilian Subtropical Highland
A precipitação é intensa e bem distri- Grasslands) e constataram que são ricos
buída ao longo do ano no Planalto Catari- em espécies endêmicas. Pillar et al. (2009)
nense ficando entre 1500 a 1750 L/m 2 ou os chamam de campos sulinos, incluindo
milímetros (NIMER, 1990). Nas bordas nesta dominação o bioma Pampa (presen-
das serras, a umidade presente no ar, em te no Rio Grande do Sul, Uruguai, Argen-
geral, oriunda do Oceano Atlântico, en- tina). A presente obra segue a denomina-
contra barreiras, ascende para as partes ção dada pelo IBGE (2012), embora se
mais altas e se condensa, formando densa considere que melhor interpretação possa
neblina ou nuvens que se precipitam em surgir com o aumento do conhecimento
forma de chuvas intensas e frequentes. A científico sobre esta vegetação e análises
presença de neblina é uma forte caracte- biogeográficas, incluindo o Cone Sul da
rística do Planalto, deixando na superfície América do Sul.
das plantas e do solo pequena quantidade A espécie que marca a fisionomia do
de água, relevante para o suprimento das Planalto é a Araucaria angustifolia (Figura
necessidades hídricas de plantas, animais 3), conhecida como pinho-brasileiro, pi-
e micro-organismos nos intervalos entre nheiro, pinheiro-do-paraná, pertencente à
as chuvas. família botânica Araucariaceae, uma coní-
As paisagens do Planalto Central, de- fera exclusiva da América do Sul, ocorren-
terminadas pelo relevo, hidrografia, tipos do somente no Sul e Sudeste do Brasil e
de solo e climas, abrigam característica em pequena parte do território da Argen-
biodiversidade, constituindo três regiões tina e do Paraguai, nos limites com nosso
fitoecológicas, com rico conjunto de es- país (REITZ; KLEIN; REIS, 1979).
pécies e importante variabilidade genética O Inventário Florístico Florestal de San-
contida nelas, adaptadas e resistentes às ta Catarina (IFFSC), baseado no mapea-
condições ecológicas. mento da vegetação feita por Klein (1978),
As três regiões fitoecológicas existentes efetuou cálculo da cobertura original de
no Planalto Central Catarinense são: a Flo- Floresta Ombrófila Mista (FOM) no Pla-
resta Ombrófila Mista, também conhecida nalto Central Catarinense chegando-se a
como floresta com araucária ou mata de 21.650 km 2 de Floresta Estacional, Deci-
araucária; a Floresta Estacional Decidual, dual (FED) 1.997 km 2 e de Estepe 10.301
chamada também de floresta subtropical km 2 , totalizando 33.942 km 2 . A partir dos
do rio Uruguai (KLEIN, 1978; IBGE, levantamentos de campo, cruzados com da-
1992; 2012; LEITE; KLEIN, 1990); e a dos de imagens de Satélite, o IFFSC obteve
Estepe (LEITE, 2002; IBGE, 2012), de- valores atualizados para 2010 da vegetação
nominada de campos naturais, campos de da região agora em foco o Planalto Cen-
altitude (KLEIN, 1978) ou campos su- tral: Floresta Ombrófila Mista com 3.426
linos (PILLAR et al., 2009), Campos de km 2 , Floresta Estacional Decidual com 322
Cima da Serra (IGANCI et al., 2011). Ver km 2 e Estepe com 1.114 km 2 , totalizando
O P l a n a lt o C e n t r a l | 139
BOX 1
P I N H E I R O E P I N H ÃO – T E S
L ucia S evegnani
O
Doutora em Ecologia, bióloga, professora e pesquisadora na Universidade Regional de Blumenau – FURB
C D
E F G
Pinheiro-do-paraná (Araucaria angustifolia): a) Formando a Floresta Ombrófila Mista; b) O pinheiro-do-
-paraná; c) Ramo com microstróbilo. Fotos: Lucia Sevegnani; d) Ramo com megastróbilo. Foto: Tiago J.
C adorin; e) Planta jovem; f) Pinha (megastróbilo) com pinhão (semente). F otos: L ucia S evegnani; g)
Caxinguelê ou serelepe (Guerlinguetus ingrami) principal dispersor do pinhão. Foto: Tiago J. Cadorin
O P l a n a lt o C e n t r a l | 141
Figura 3: Perfil ideal da Floresta Ombrófila Mista no Planalto Central de Santa Catarina. Desenho: Lucia Sevegnani
Muito comum no Planalto são as barbas- Klein (1960, p. 22) em seu trabalho “O as-
-de-velho, pendentes dos ramos dos pinhei- pecto dinâmico do pinheiro-brasileiro” res-
ros e demais árvores, imprimindo aspecto saltou: “No Estado Santa Catarina as matas
rendado aos ramos destas. Há espécies com o de araucária se distribuem por quase todo o
mesmo nome popular, mas sem relação taxo- planalto, sendo, porém interrompidas a cada
nômica: os líquens (Usnea spp.) (Figura 4a) e passo pelos campos naturais, que formam
uma bromélia (Tillandsia usneoides) (Figura 4b). como que ilhas, umas maiores e outras me-
Ambos os grupos de espécies aproveitam a nores, quase todas atravessadas pelas ma-
água da chuva ou da neblina, bem como o tas de pinheiros’’. Essa floresta apresentava
gás carbônico e a luz para fazer a fotossíntese. maior exuberância na parte oeste do Estado.
A B C
Figura 4: Barbas-de-velho: a) Usnea sp.; b) Tillandsia usneoides; c) Comparação entre as duas.
Fotos: Lucia Sevegnani
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A B
C D
E F
Figura 5: Vegetação e mastofauna do Planalto Central: a) Expansão da floresta a partir da margem
dos cursos d´água por sobre os campos, Bom Jardim da Serra; b) Fisionomia marcada pela Arauca-
ria angustifolia, Urubici. Fotos: M árcio V erdi ; c) Porco-do-mato ou queixada (Tayassu pecari). Foto :
P rojeto C arnívoros do Parque Nacional da Serra do I tajaí/CENAP-ICMB io ; d) Tatu-mulita (Dasypus hy-
bridus); e) Quati (Nasua nasua). Fotos: T iago J. Cadorin; f) Graxaim-do-campo ou raposa-do-campo
(Lycalopex gymnocercus). Foto : L ucia Sevegnani
A B
C D
Figura 6: Aves do Planalto Central: a) Papagaio-de-peito-roxo (Amazona vinacea). Foto: Tiago J. Cadorin;
b) Gralha-picaça (Cyanocorax chrysops); c) Tucano-de-bico-verde (Ramphastos dicolorus).
Fotos: Tiago T. Maciel; d) Urubu-de-cabeça-preta (Coragyps atratus). Foto: Tiago J. Cadorin
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A B C
D E F
G H I
Figura 7: Espécies características algumas com frutos dispersos por animais: a) Cinnamomum
amoenum; b) Myrcianthes myrcioides; c) Casearia decandra; d) Cambará (Gognatia polymorpha);
Fotos: Lucia Sevegnani; e) Guarantã ou varaneira (Cordyline spectabilis). Foto: Márcio Verdi; f) Manacá-da-
-serra (Tibouchina sellowiana); g) Pinheiro-bravo (Podocarpus lambertii). Fotos: Lucia Sevegnani; h) Bra-
catinga (Mimosa scabrella). Foto: Márcio Verdi; i) Casca-d’anta (Drimys brasiliensis). Foto: Lucia Sevegnani.
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A B
C D
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G H
Figuras 8: Peixes do município de São Joaquim: a) Lambari (Astyanax gr. scabripinnis); b) Lambari
(Steindachnerina biornata); c) Lambari (Leporinus amae); d) Cascudo (Hemiancistrus fuliginosus);
e) Cascudo (Hypostomus isbrueckeri); f) Joana (Crenicichla jurubi); g) Mandi (Rhamdella longiuscula);
h) Jundiá (Rhamdia quelen). Fotos: Bernd Marterer
Após ter sofrido com intensa exploração angustifolia, imbuia (Ocotea porosa) (Figura
no século XX, que reduziu a Floresta Om- 9b) e xaxim-mono (Dicksonia sellowiana) (Fi-
brófila Mista a percentuais críticos, o mo- gura 9a), pois as três foram incluídas na lis-
mento é de recuperação. Essa recuperação ta das espécies ameaçadas de extinção pelo
se evidencia pelo avanço nos estádios su- Ministério do Meio Ambiente.
cessionais e passando a dominar o avança- O Inventário Florístico Florestal de
do. A melhoria foi motivada, principalmen- Santa Catarina efetuou estudos em 2008 e
te, pelo advento das leis que restringiram o 2009 na Floresta Ombrófila Mista do Pla-
corte da floresta e das espécies: Araucaria nalto Central catarinense, cobrindo 112
Tabela 1. Espécies mais importantes na estrutura da Floresta Ombrófila Mista, no Planalto Central,
baseado no Inventário Florístico Florestal de Santa Catarina (VIBRANS et al., 2013a).
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A B C
Figura 9: Espécies características do Planalto Central: a) Xaxim-mono (Dicksonia sellowiana);
b) Imbuia (Ocotea porosa); c) Canela-lageana (Ocotea pulchella). Fotos: Lucia Sevegnani
A B C
Figura 10: Espécies de árvores da Floresta Ombrófila Mista: a) Camboatá (Matayba elaeagnoides);
b) Erva-mate (Ilex paraguariensis); c) Canela-lageana (Ocotea pulchella). Fotos: Lucia Sevegnani
15 0 | B i o d i v e r s i d a d e C ata r i n e n s e
A Floresta Ombrófila Mista apresenta dos- portantes registrado é muito semelhante en-
sel em torno de 15 m e altura total média infe- tre os estádios avançado e médio e, em geral,
rior a 10 m de altura (VIBRANS et al., 2013a). as diferenças estão entre as espécies raras, a
Esses valores diferem daqueles referenciados quantidade e o tamanho dos indivíduos das
à época das pesquisas da flora de Santa Ca- espécies estudadas. Em muitos fragmentos,
tarina, informados por Klein (1960), quando foi constatada a presença de taquarais e cara-
afirmava que o primeiro estrato era composto zais (ver Box 3).
por pinheiros-do-paraná, alcançando até 35 m O estádio inicial de sucessão ecológica não
de altura. Atualmente, essa espécie está com compôs o referido estudo e, possivelmente, a
altura total média de 13 m. Portanto, os valo- vegetação nesse estádio apresenta médias de
res obtidos pelo Inventário Florístico Florestal diâmetros e alturas abaixo dos valores do es-
indicam uma floresta jovem, em processo de tádio médio e sejam diferentes na composição
desenvolvimento, com diâmetros ainda pe- e no número de espécies.
quenos e com restrito estoque de madeiras de Na Floresta Ombrófila Mista, muitas fisio-
interesse comercial. O número médio de espé- nomias da vegetação podem ser observadas
cies para todos os 112 fragmentos estudados e estas podem estar em diferentes estados de
foi de 36, quando o valor esperado situa-se em conservação (Figura 11a-d).
torno de 60, estes baseados em levantamentos Outra importante constatação advinda do
históricos. Inventário é que a floresta existente acima de
O Inventário Florístico Florestal de Santa 1.200 m de altitude é diferente daquela presen-
Catarina registrou na Floresta Ombrófila Mis- te na parte inferior a essa cota. Essa diferença
ta do Planalto 1.107 espécies de árvores, arbus- se reflete na fisionomia da vegetação, a qual
tos, ervas, trepadeiras, epífitos e, entre estas, é mais baixa e as espécies são resistentes às
181 espécies de samambaias (ver Box 2) e duas condições de temperaturas baixas, pois é fre-
Pinidae ou gimnospermas. Esses números são quente a ocorrência anual de geadas e neve,
muito significativos e representam 40% das além de elevada radiação, ventos intensos e
espécies citadas por Stehmann (2009) para com variação na umidade do ar, do solo e na
esta região fitoecológica no Brasil, fato que espessura deste.
merece destaque e ações responsáveis. As espécies mais importantes nessas flo-
Os fragmentos de Floresta Ombrófila Mis- restas de acordo com o Inventário Florístico
ta amostrados pelo Inventário Florístico Flo- Florestal são: Dicksonia sellowiana, Araucaria
restal de Santa Catarina são secundários, ou angustifolia, cascas-d’anta (Drimys angustifolia, D.
seja, vegetação que se desenvolveu após corte brasiliensis), Ocotea pulchella, Clethra scabra, Mimosa
raso da floresta original; e raros remanescentes scabrella, repetindo espécies abaixo dessa alti-
com floresta primária (SEVEGNANI et al., tude, mas também tendo especificidades. Foi
2013a). Ainda, segundo este estudo, trata-se também observado que determinado grupo
de fragmentos em estádio sucessional avan- de espécies está mais abundante em altitudes
çado, caracterizados por apresentar diâmetro acima 1.200 m: Drimys angustifolia, Weinmannia
médio de 23 cm, número médio de espécies humillis, Clethra uleana, Myrceugenia myrcioides,
40 e densidade absoluta de 610 indivíduos por Acca sellowiana e Myrceugenia euosma. Cabe o re-
hectare; em estádio médio (diâmetro médio de gistro de 29% das espécies amostradas perten-
19 cm, número médio de espécies 35 e densi- cerem à família Myrtaceae, sendo os gêneros
dade absoluta de 484 indivíduos por hectare). Myrceugenia, Myrcia e Eugenia os mais ricos em
No entanto, o conjunto de espécies mais im- espécies (SEVEGNANI et al., 2013a).
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BOX 2
O
Mestre em Botânica, biólogo, professor e pesquisador na Universidade Regional de Blumenau - FURB
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A B
C D
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BOX 3
TAQ UA R A I S E CA R A Z A I S –
A V I DA P O R E N T R E M E I O ÀS TOU C E I R AS
L ucia S evegnani
C
Doutora em Ecologia, bióloga, professora e pesquisadora na Universidade Regional de Blumenau – FURB
Carazal (Chusquea sp.). Foto: Márcio Verdi - IFFSC Taquaral (Merostachys sp.). Foto: André L. de Gasper - IFFSC
15 4 | B i o d i v e r s i d a d e C ata r i n e n s e
6.1.2 M atas nebulares , um enigma a ser decifr ado
matinha nebular
Figura 12: Perfil ideal da Floresta Ombrófila Mista no Planalto Central de Santa Catarina,
destacando a “matinha nebular”. Desenho de Lucia Sevegnani
O P l a n a lt o C e n t r a l | 15 5
A B
15 6 | B i o d i v e r s i d a d e C ata r i n e n s e
ticularidades na composição das espécies, sultados das histórias evolutivas e proces-
principalmente entre aquelas com maior sos ecológicos diversos que favoreceram a
valor de importância na comunidade, ocorrência e dominância de umas em de-
como por exemplo: Myrceugenia regnelliana, trimento de outras espécies.
Drimys angustifolia, Crinodendron brasiliense Entremeio aos ramos e troncos das es-
e Maytenus boaria (no Morro da Igreja, em pécies arbóreas desenvolvem-se delicadas
Urubici); Siphoneugena reitzii, Ilex microdon- samambaias (Hymenophyllum polyanthos, Hy-
ta, Ocotea pulchella, Myrceugenia alpigena e M. menophyllum rufum) e orquídeas, destacan-
glaucescens (em Bom Jardim da Serra); Ilex do-se (Sophronitis coccinea) com flores ver-
microdonta, Siphoneugena reitzii, O. pulchella, melhas de rara beleza. Há também espécies
Myrceugenia alpigena e Weinmannia paulliniifo- raras: Aechmea recurvata e Vriesea rastrensis
lia (em Bom Jesus da Serra, na Serra do (bromeliáceas), Rhipsalis houlletiana (cactá-
Rio do Rastro). Essas diferenças são re- cea), Oncidium ottonis, Rodrigueziella gomesio-
A B
O P l a n a lt o C e n t r a l | 157
ides (orquidáceas), Peperomia trineura (pipe- Para tentar explicar os fatores que afe-
rácea) entre musgos, hepáticas e liquens. tam o desenvolvimento dessa vegetação,
Como hemiparasitas, as ervas-de-passari- Falkenberg (2003) fez importante revi-
nho Struthanthus polyrhizus e S. uraguensis (lo- são de trabalhos científicos, bem como
rantáceas) (FALKENBERG, 2003). analisou algumas das variáveis de solo.
A riqueza de espécies endêmicas das Concluiu que o conhecimento das vari-
matas nebulares (Figura 13a) e vegetação áveis ambientais (precipitação, neblinas
rupícola (VR) na Serra do Corvo Branco frequentes, temperaturas baixas, radiação,
(Figura 13b), Morro da Igreja, Bom Jardim teores de alumínio e nutrientes do solo,
da Serra, em SC e na Serra da Rocinha, no temperatura do solo no inverno, ventos
Rio Grande do Sul, com distribuição res- frequentes e fortes) das áreas estudadas
trita a determinados pontos, foi registrada e o entendimento da sinergia entre estas
por Falkenberg (2003, p. 144): ainda são incipientes para explicar a fisio-
nomia observada.
Das 58 espécies, cerca de ¼ é praticamen- Entretanto, a frequente presença de
te exclusivo da vegetação rupícola; 24 es- água na superfície das folhas, influencian-
pécies (41%) ocorreram na VR em apenas
uma das áreas, 15 (26%) ocorreram em
do nas trocas gasosas, as altas concentra-
duas, 14 (24%) ocorreram em 3 áreas e só ções de alumínio no solo e a presença de
5 ocorreram em todas as áreas: Eryngium ventos fortes podem ter efeitos sobre o
smithii, Mimosa taimbensis, Gunnera manicata, desenvolvimento das plantas, mas esses
Glechon discolor e Tibouchina ramboi, conside- fatores e outros precisam ser amplamen-
radas geralmente abundantes e comuns. Há te avaliados, especialmente nas condições
uma maior riqueza de endemismos nas 3 dessa vegetação do Sul do Brasil.
áreas mais ao norte, 36 na Serra do Corvo
Branco, 28 no Morro da Igreja e 31 na Ser-
A riqueza, raridade, exclusividade e fra-
ra do Rio do Rastro, e apenas 18 na Serra gilidade da vegetação rupícola, das matas
da Rocinha (RS). nebulares e das espécies que as compõem,
existentes no Planalto de Santa Catarina e
Essas matinhas se caracterizam por do Rio Grande do Sul, colocam-nas em ris-
plantas arborescentes com baixa estatu- co de extinção. Portanto, demandam polí-
ra, com altura entre seis e sete metros de ticas de preservação efetivas, como a rápida
altura e oito a 27 cm de diâmetro médio consolidação dos três parques nacionais (de
(Falkenberg, 2003), troncos curtos e São Joaquim, da Serra Geral e dos Apara-
com denso esgalhamento, folhas diminu- dos da Serra); a suspensão do fogo como
tas pilosas ou sem pelos, em geral, com cor prática de manejo dos campos e a retirada
acastanhada. Essas plantas, como o urti- do gado que permeia as matas nebulares
gão (Gunnera manicata) (Figura 14a), muitas (FALKENBERG, 2003). Chama a atenção
vezes, se desenvolvem sobre solos rasos e no Planalto, a orquídea (Hadrolaelia coccinea)
orgânicos resultantes do processo de lenta (Figura 14b) que por sua beleza é altamente
decomposição da matéria orgânica, prove- cobiçada e arrancada dos ramos das árvores
niente da vegetação situada no dossel. onde se encontra.
Figura 15 (página ao lado): Floresta Estacional Decidual no rio Pelotas. Foto: Miriam Prochnow
15 8 | B i o d i v e r s i d a d e C ata r i n e n s e
6.2 R e g i ã o f i t o e co l ó g i c a d a
Fl or e s ta E s tac ion a l D ec i dua l
Com área pequena no Planalto Central ca- gundo Klein (1972), essa floresta continha ár-
tarinense, encontra-se a Floresta Estacional vores atingindo até 40 m de altura, apresentan-
Decidual, especialmente ao longo da calha do marcada deciduidade de folhas durante os
do rio Pelotas, na parte mais baixa dos rios meses desfavoráveis ao desenvolvimento (par-
Canoas e do Peixe e ao longo do rio Uruguai, te do outono, inverno e início da primavera).
em direção ao oeste do Estado (Figura 1). Os fatores que levam à deciduidade das
Abrangia originalmente 1.997 km2 original- folhas nessa região são principalmente de ori-
mente, mas os remanescentes atuais nesta re- gem climática (fotoperíodo curto, temperatu-
gião aqui delimitada ficaram reduzidos a 322 ras mais baixas, precipitação um pouco menos
km2, baseado nos dados do Inventário Florís- intensa) (ALBERTI; LONGHI; MORELAT-
tico Florestal de Santa Catarina (ver Figura 7, TO, 2011), mas também pode estar relaciona-
no Capítulo 4). do à genética da espécie. Por exemplo, o ce-
Pesquisas realizadas nessa tipologia flores- dro (Cedrela fissilis) (Figura 16a) perde as folhas,
tal e área aqui circunscrita em Santa Catarina independentemente de estar nas florestas de
são poucas (KLEIN, 1978; SCHUMACHER Santa Catarina ou do Mato Grosso, ou ainda
et al., 2011; SEVEGNANI et al., 2012). Se- na Floresta Ombrófila Densa, no litoral de
O P l a n a lt o C e n t r a l | 15 9
São Paulo. A maior parte das espécies de- Como pode ser evidenciado, o rio Uru-
cíduas provém da rota seca na parte central guai e seus afluentes são importantes cor-
da América do Sul, via bacia do rio Para- redores ecológicos para as espécies que so-
ná, onde a sazonalidade na precipitação é bem ou descem os rios dessa bacia, sejam
presente; essas espécies chegam ao planalto de plantas, animais, fungos ou micro-orga-
catarinense via calha do rio Uruguai e se ex- nismos. E para que esse corredor continue
pandem para as laterais nos fundos de vales a ter sua grande função, as florestas ciliares
e planícies dos seus afluentes (rio do Peixe) ou Áreas de Preservação Permanentes pre-
e confluentes (rios Pelotas e Canoas), pois é cisam ser mantidas. As espécies estacionais,
a partir da junção destes dois, que se forma na verdade, encontram-se nos locais onde as
o rio Uruguai (KLEIN, 1978) (Figura 15). temperaturas de inverno não atinjam valores
A B
O P l a n a lt o C e n t r a l | 161
Dentre as vinte espécies que mais se des- ceas, efetuada predominantemente por aves e
tacam na atualidade, nesta Floresta, encon- morcegos, mas também pelo vento (anemó-
tram-se: Ocotea puberula (Figura 16c), Luehea filas) nas leguminosas, meliáceas e malváceas
divaricata, Nectandra megapotamica, N. lanceolata, citadas. No conjunto das espécies existentes
Cupania vernalis e Machaerium stipitatum, Cedre- na área, os polinizadores e dispersores são
la fissilis (Figura 16a) e Aspidosperma australe mantidos com recursos (pólen, néctar, frutos)
(Figura 16b). Essas espécies, juntamente com e esses animais servem de alimento para ou-
outras citadas na Tabela 2, são predominan- tros animais e micro-organismos, compondo
temente Lauraceae, Fabaceae ou Legumino- ampla teia de interações, nas quais todas as es-
sae, Sapindaceae e Malvaceae. São espécies pécies são importantes.
polinizadas por insetos (entomófilas) de di- A Floresta Estacional Decidual encontra-se
ferentes tamanhos como abelhas, moscas, muito fragmentada e os poucos remanescen-
borboletas, fornecendo a elas recursos como tes em bom estado de conservação preservam
néctar e pólen. importantes espécies do ponto de vista econô-
A dispersão é zoocórica nas espécies de lau- mico e ecológico, mas predominam as flores-
ráceas, sapindáceas, rutáceas, rosáceas e arecá- tas secundárias (SEVEGNANI et al., 2012).
Tabela 2. Espécies mais importantes na estrutura da Floresta Estacional Decidual na bacia do Pelotas,
Canoas e do Peixe, no Planalto Central Catarinense, baseado no Inventário Florístico Florestal de Santa
Catarina (VIBRANS et al., 2013a).
A Estepe, em Santa Catarina, é uma região A Estepe desenvolve-se sobre solos ra-
fitoecológica campestre, rica em biodiversi- sos, e em geral, nos mais profundos e bem
dade (IBGE, 2012), de grande beleza natu- estruturados, que se encontram nas depres-
ral, com importância econômica e cultural sões do terreno, ocorre a Floresta Ombró-
(PILLAR et al., 2009). fila Mista. Esse conjunto é denominado o
Em Santa Catarina, esta vegetação ocorre mosaico campo-floresta, característico do
em quatro grandes manchas (Capítulo 4, Fi- Planalto Central catarinense, como mostra a
gura 6), sendo a maior delas o Planalto Cen- Figuras 17 e 18.
tral Catarinense, especialmente nas bacias do Em alguns locais o solo é bem drenado
Pelotas e Canoas, que tem como principais e em outros pode formar grandes depósitos
municípios Bom Jardim da Serra, Bom Reti- de sedimentos e matéria orgânica com aquí-
ro, Campos Novos, Curitibanos, Lages, São fero freático aflorante ou subsuperficial, de-
Joaquim e Urubici (Figura 1). nominados de brejos ou turfeiras.
Figura 17: Perfil ideal da Estepe em Santa Catarina. Desenho: Lucia Sevegnani
OLIVEIRA, T., SEVEGNANI, L.; SCHROEDER, E.. A região fitoecológica da Estepe ou Campos Sulinos. In: SEVEGNANI, L.;
SCHROEDER, E. Biodiversidade catarinense: características, potencialidades e ameaças. Blumenau: Edifurb, 2013, p. 163-171.
1 Mestre em Ensino de Ciências Naturais e Matemática, bióloga e professora no SESI/EJA e no Instituto Blumenauense de
Ensino Superior - IBES. Apoio FAPESC
2 Doutora em Ecologia, bióloga, professora e pesquisadora na Universidade Regional de Blumenau – FURB
3 Doutor em Educação Científica e Tecnológica, biólogo, professor e pesquisador na Universidade Regional de Blumenau – FURB
O P l a n a lt o C e n t r a l | 16 3
Por meio de evidências paleoecológicas, para a conservação de recursos hídricos, no
foi constatado que a expansão da Floresta armazenamento de carbono no solo; oferece
Ombrófila Mista sobre a Estepe é um proces- alimento para a fauna e abriga espécies endê-
so relativamente recente, tendo início há me- micas e ameaçadas de extinção (BOLDRINI,
nos de 4.000 anos, no Holoceno (BEHLING 2009; BENCKE, 2009). As queimadas e o
et al., 2009), portanto, os campos são mais pastejo do gado têm sido considerados pelos
antigos, se comparados às florestas. pesquisadores como fatores mantenedores
A Estepe apresenta uma vegetação tipi- da Estepe no Planalto (OVERBECK et al.,
camente herbácea, entremeada por arbustos 2009). Ainda segundo eles, o fogo tem sido
e poucas árvores (Figura 18b), abrangendo frequente desde o Holoceno (nos últimos 10
em Santa Catarina uma área aproximada de mil anos), aumentando sua intensidade a par-
13.537 km2 e, segundo Boldrini (2009), pos- tir do final do século XVIII.
sui grande biodiversidade em seu interior. A região fitoecológica Estepe pode apre-
Esta região fitoecológica contribui, ainda, sentar diferentes fisionomias de acordo com
A B
Figura 18: Fisionomias da Estepe: a) Campos pastejados, Bom Jardim da Serra. Foto: Márcio Verdi;
b) Estepe em altitude de 900 m com densa cobertura do solo por gramíneas, entremeadas por
arbustos da espécie vassoura-do-campo (Baccharis uncinella). Foto: Lucia Sevegnani
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A
B C
Figura 19: Estepe ou Campos Sulinos no Planalto Central: a) Campos pastejados, Bom Jardim da
Serra, Parque Nacional de São Joaquim (ICMBio); b) Curso d´água no mosaico campo-floresta; c)
Campo com presença de arbustos em meio a nevoeiro (Baccharis uncinella). Fotos Márcio Verdi
A B
Figura 20: Paisagens e espécies da Estepe: a) Turfeira ou brejo de altitude com musgo Sphagnum, e
a samambaia (Blechnum schomburgkii), Bom Jardim da Serra. Foto: Márcio Verdi; b) Curicaca (The-
risticus caudatus) caçadora de insetos, moluscos e pequenos vertebrados. Foto: Tiago J. Cadorin
O P l a n a lt o C e n t r a l | 167
de vegetação, dependentes do grau de hidro- 20b) e espécies de mamíferos como ratos,
morfia, profundidade dos solos e da estação cutias e pacas (Cuniculus paca), além do ve-
do ano (ZANIN et al., 2009). Ainda segundo ado (Mazama guazoubira), lobo-guará (Chry-
esses autores, há predominância de Asterace- socyon brachyurus), leão-baio (Puma concolor),
ae e Poaceae, e em alguns locais as melasto- graxaim-do-campo ou raposa-do-campo
matáceas Rhynchanthera e Tibouchina imprimem (Lycalolopex g ymnocercus) (Figura 21a), ta-
sua marca na fisionomia da vegetação duran- manduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla)
te a primavera e o verão. Pelas características (Figura 21b).
da vegetação e biodiversidade, este estudo Os répteis: jararaca cruzeira (Bothrops
concluiu que essa área é bem conservada. neuwiedi ), jararaca (B. jararaca), cascavel
A rica diversidade de espécies de plantas (Crotalus durissus) (Figura 21d), além de an-
presentes na Estepe ou Campos Sulinos no fíbios como perereca (Hypsiboas leptolinea-
bioma Mata Atlântica, em geral, está distri- tus) (Figura 21e), perereca (Scinax squaliros-
buída nas famílias Asteraceae ou Compositae tris) (Figura 21f ), encontram nessa região
(24%), Poaceae ou Graminae (20%), Fabace- fitoecológica abrigo e local de reprodução
ae ou Leguminosae (7%), Cyperaceae (7%) que permeiam as demais fisionomias dos
e Apiaceae (3%) e as demais famílias (39%) campos, bem como áreas florestais adja-
(BOLDRINI, 2009). Ainda segundo essa au- centes.
tora, na família das compostas destacam-se, Os peixes são o grupo de cordados com
principalmente, a arnica-do-campo (Acmella maior diversidade de espécies e maior ín-
bellidioides), a carqueja (Baccharis milleflora), a dice de endemismo. O lambari (Astyanax
vassoura-do-campo (Baccharis uncinella), o al- bimaculatus), o acará-diadema (Geophagus
meirão (Hypochaeris lutea), a margarida-melada brasiliensis) e o cascudo (Hemiancistrus chlo-
(Senecio conyzaefolius), o alecrim-do-campo (Se- rostictus) são os principais representantes
necio brasiliensis) e o cravo-do-campo (Tricho- da ictiofauna dos campos. Jenynsia eirmos-
cline catharinensis). Já na família com menor tigma (GHEDOTTI; WEITZMAN, 1995)
diversidade nos campos, a Apiaceae, as prin- é uma espécie endêmica do planalto das
cipais espécies pertencem ao gênero Eryn- araucárias.
gium, sendo a caraguatá (E. pandanifolium) e Neste ambiente está presente também
o gravatá-do-banhado (E. horridum) as mais uma grande variedade de anfíbios, cerca
representativas. de 60 espécies, destas 17 são endêmicas
A fauna de maior porte permeia os cam- nos Estados do Rio Grande do Sul e Santa
pos e as florestas, havendo espécies com Catarina. No sudeste de SC, encontramos
preferências por ambientes mais abertos. A o sapinho-verde-de-barriga-vermelha (Me-
fauna é o grande agente dispersor de se- lanophryniscus cambaraensis), o sapo-cururu
mentes, juntamente com o vento. Algumas (Rhinella icterica) que é um dos maiores sa-
espécies são endêmicas e muitas daquelas pos do Sul do Brasil e a perereca-marmo-
de maior porte encontram-se na lista das reada (Dendropsophus nahdereri), espécie esta
espécies ameaçadas de extinção. Uma das endêmica dos Estados de RS, PR e SC.
aves que permeiam os campos é o quero- E nesse belo ambiente foram encontra-
-quero (Vanellus chilensis) (Figura 21c), com das 54 espécies de répteis, sendo como as
seu canto estridente anuncia a chegada de mais representativas o lagartinho-pintado
forasteiros. Destaca-se a presença frequen- (Cnemidophorus vacariensis) que tem a sua dis-
te de curicaca (Theristicus caudatus) (Figura tribuição limitada e está ameaçado de ex-
C D
E F
Figura 21: Animais do Planalto Central: a) Raposa-do-campo (Lycalopex gymnocercus) importante
predador de pequenos mamíferos e aves tanto na Estepe quanto em fragmentos da Floresta Ombrófila
Mista. Foto: Tiago J. Cadorin; b) Tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla). Foto: Fernanda Braga;
c) Quero-quero (Vanellus chilensis). Foto: Tiago J. Cadorin; d) Cascavel (Crotalus durissus). Foto: Marcelo
R. Duarte; e) Perereca (Hypsiboas leptolineatus); f) Perereca (Scinax squalirostris). Fotos: Luís M. Giasson
O P l a n a lt o C e n t r a l | 16 9
tinção; o lagarto-de-uvas (Anisolepis grilli) phila, que são migratórios de verão e ame-
ocorrendo em áreas de afloramentos ro- açados de extinção pela captura ilegal e
chosos dos campos; a jararaca-cotiara (Bo- destruição dos ambientes. O caboclinho-
thropoides cotiara) que é uma espécie endêmi- -de-barriga-preta (Sporophila melanogaster),
ca dos campos sulinos; e a falsa muçurana a noivinha-de-rabo-preto (Xolmis domini-
(Pseudoboa haasi), espécie de serpente que ha- canus), o veste-amarela (Xanthopsar flavus),
bita a Floresta Ombrófila Densa e o Planalto o junqueiro-de-bico-reto (Limonoctites rec-
Central e se encontra ameaçada de extinção. tirostris) são espécies que dependem dire-
A Estepe, por sua heterogeneidade am- tamente de campos naturais e banhados.
biental, contribui para que ocorra uma A gralha-azul (Cyanocorax caeruleus) é a ave
rica diversidade de aves na Região Sul, símbolo da floresta de araucária e o papa-
especificamente em Santa Catarina. Essa gaio-charão (Amazona pretrei ), juntamente
região abriga aves raras e pouco conheci- com o papagaio-do-peito-roxo (Amazona
das como o narcejão (Gallinago undulata), vinacea), são espécies que se alimentam do
o bacurau-tesoura-gigante (Macropsalis for- pinhão e estão ameaçadas de extinção. A
cipata) e os caboclinhos do gênero Sporo- curicaca (Theristicus caudatus) e a siriema
Figura 22: Restauração ecológica em área original de floresta nebular, transformada em pastagem,
e assim mantida com o uso de fogo e pastejo pelo gado: a) Em 2009 o gado foi retirado e o fogo foi
17 0 | B i o d i v e r s i d a d e C ata r i n e n s e
(Cariama cristata) são aves típicas e facil- Mesmo tendo uma fauna tão rica e di-
mente encontradas nos campos abertos de versa, a Estepe sofre com a ação do ho-
Santa Catarina. mem que interfere nesse ambiente nega-
Para concluirmos sobre esta fantástica bio- tivamente, através do fogo periódico, dos
diversidade faunística da Estepe, falaremos agrotóxicos e com a caça. Os impactos im-
sobre os mamíferos, grupo este que apresenta pingidos (Capítulo 8) e as potencialidades
53 espécies. O maior mamífero do planalto da Estepe estão detalhados no Capítulo 9.
das araucárias é o puma, leão-baio ou suçu- Nos locais onde a matinha nebular foi
arana (Puma concolor) que vive nas áreas com retirada houve instalação da Estepe. Nes-
floresta com araucária e entre capões e cam- tas áreas agora com Estepe e sob frequen-
pos. Outras espécies de mamíferos que ocor- te queimada e pastejo pelo gado, esta se
rem nesta região são o cachorro-do-campo mantém. Porém, após a retirada dos fato-
ou graxaim (Lycalopex g ymnocercus), o zorrilho res de degradação a vegetação florestal,
(Conepatus chinga), a irara (Eira barbara), o vea- retorna paulatinamente, como está ocor-
do-campeiro (Ozotocerus bezoarticus) e o tatu- rendo no interior do Parque Nacional de
-de-rabo-mole (Cabassous tatouay). São Joaquim (Figura 22 a, b).
O P l a n a lt o C e n t r a l | 171
Foto: Marcos A. Danieli - Parque Nacional da Araucárias (ICMBio)
C a p í t u l o 7
O Oeste
L ucia S evegnani 1
R udi R icardo L aps 2
E dson S chroeder 3
SEVEGNANI, L.; LAPS, R. R.; SCHROEDER, E. O Oeste. In: SEVEGNANI, L.; SCHROEDER, E. Biodiversidade catarinense:
características, potencialidades e ameaças. Blumenau: Edifurb, 2013, p. 172-195.
B i o d i v e r s i d a d e C ata r i n e n s e | 17 3
Figura 1: Localização das regiões fitoecológicas no Oeste catarinense.
Elaborado por Débora V. Lingner (IFFSC)
Esta região apresenta altitudes maiores dias em janeiro de 22 a 24º C (valores mais
ao norte, na Serra do Chapecó (com pico de elevados nas partes baixas da Bacia do Uru-
1.340 m) e ao extremo noroeste na Serra do guai e afluentes). Em Itapiranga e São João
Capanema (altitudes acima de 800 m), sendo o do Sul, os valores podem se situar entre 24 e
ponto mais baixo às margens do rio Uruguai 26º C; os valores menores de verão ocorrem
em Itapiranga (150 m). O oeste encontra-se, em Água Doce e Passos Maia, com 20º C
em uma pendente direcionada para o sul, a (NIMER, 1990).
partir dos limites com o Estado do Paraná Em relação à precipitação, esta é a região
até a divisa com o Rio Grande do Sul, no rio que mais chove no Estado de Santa Catarina,
Uruguai, propiciando fluxos em direção aos com chuvas abundantes e bem distribuídas
pequenos, médios e grandes rios. As altitudes em todos os meses do ano e totais anuais mé-
predominantes nesta região situam-se entre dios superiores a 1.750 mm, chegando a va-
400 e 800m. O oeste abrange as Regiões Hi- lores maiores que 2.000 mm próximos ao rio
drográficas - RH1, RH2 e pequena porção da Uruguai, ou seja, em torno de 2.000 L/m2/
RH3 (Figura 10, Capítulo 4). ano ou milímetros (SANTA CATARINA,
As temperaturas médias anuais situam- 1986; NIMER, 1990).
-se entre 16 ºC (nas partes mais altas) e 18º C O número anual médio de geadas é de cin-
(próximo ao rio Uruguai); as mínimas médias co (próximo do rio Uruguai) e 30 na divisa
de julho entre 13° e 15º C; e as máximas mé- com o Paraná. Diante desses valores de pre-
174 | B i o d i v e r s i d a d e C ata r i n e n s e
Figura 2: Remanescentes florestais com mais de 10 hectares presentes no oeste.
Elaborado por Débora V. Lingner (IFFSC)
O O e s t e | 17 5
7.1 R egião Fitoecológica da Floresta
Estacional Decidual
A B
Figura 3: Perfil ideal da Floresta Estacional Decidual: a) Durante o inverno, com algumas árvores sem
folhas; b) Durante o verão. Desenhos: Lucia Sevegnani
17 6 | B i o d i v e r s i d a d e C ata r i n e n s e
(Cedrela fissilis), guatambu (Balfourodendron Pujante floresta de caráter subtropical e
riedelianum), açoita-cavalo (Luehea divarica- continental. As árvores maiores atingin-
ta), Bastardiopsis densiflora, Machaerium nyc- do de 30 a 40 m de altura dão a esta flo-
resta um cunho imponente, sem, contudo
titans, jaborandi (Pilocarpus pennatifolius),
formar uma cobertura superior contínua.
marmeleiro (Ruprechtia laxiflora), entre de- Os troncos destas árvores são grossos, de
zenas de outras. fuste longo e seu esgalhamento, de modo
Outra característica desta floresta que geral, mais largo do que apresentado pelas
pode ser destacada é a grande quantidade árvores da mata pluvial de encosta atlânti-
de espécies do dossel que possui dispersão ca, imprimindo assim facie próprio e muito
de sementes e frutos feita pelo vento (es- característico.[...]. Durante a época hiber-
nal, quando a quase totalidade das árvo-
pécies anemocóricas), como por exemplo:
res do componente do estrato superior se
grápia, angico, cabreúva, canafístula, ce- encontram destituídas de folhas, a floresta
dro, os ipês, o louro-pardo, entre outras. apresenta aspecto de verdadeira mata deci-
A descrição feita por Klein (1972) sobre a dual. [...]. Apresenta elevada percentagem
Floresta Estacional de Santa Catarina evi- de espécies exclusivas, bem como um nú-
dencia suas características: mero relativamente pequeno de espécies
A B
C D
Figura 4: Fisionomias da vegetação do Oeste: a) Floresta Estacional Decidual Parque Estadual Fritz
Plaumann (FATMA), Concórdia. Foto: Lucia Sevegnani; b) Floresta Estacional Decidual às margens
do rio Uruguai e nas ilhas vegetação reófila. Foto: M árcio Verdi; c) Floresta Ombrófila Mista. Foto:
Lucia Sevegnani; d) Estepe ou campos sulinos. Foto: A nita S. dos Santos
O O e s t e | 17 7
arbóreas altas e sobretudo pela quase ab- pungens), pessegueiro-bravo (Prunus myrtifo-
soluta ausência de epífitos. [...]. Constitui lia), entre outras (KLEIN, 1978; STEH-
um prolongamento da pujante floresta do MANN et al., 2009). Menos frequente é
rio Paraná, vinda através da província de
o pinheiro-do-paraná (Araucaria angustifo-
Misiones, Argentina, uma vez que é sepa-
rada das matas do vale do rio Iguaçu, pelos lia) (KLEIN, 1978). A maior parte dessas
bosques de pinhais (KLEIN, 1972, p.12). espécies possui dispersão dos frutos e se-
mentes por animais, ou seja, são zoocóri-
cas.
No interior da Floresta Estacional De- A mistura de espécies – ora dominan-
cidual outro conjunto, o das espécies ca- do um grupo maior das estacionais e ora
racterísticas da Floresta Ombrófila Mista, da mista (Figura 5) – evidencia como são
se faz presente. Sua quantidade varia den- variáveis as condições ambientais no oes-
tro da vegetação, algumas com pequeno e te de Santa Catarina. Essas variações na
outras com maior número. composição das florestas também são per-
Dentre as espécies da Floresta Mista cebidas na fisionomia da vegetação, quan-
(Figura 4c), presentes na Estacional se do há, maior ou menor, deciduidade do
podem destacar: canela-fedida (Nectandra dossel das comunidades florestais.
megapotamica), canela-amarela (Nectandra O IFFSC registrou semelhante situa-
lanceolata), canela-guaica (Ocotea puberu- ção (Vibrans et al., 2013a). Verificou-
la), sassafrás (Ocotea odorifera), canela-fogo -se que, apesar do estado de degradação
(Cryptocarya aschersoniana), aroeira-brava em que se encontravam os fragmentos flo-
(Lithrea brasiliensis), guabiroba (Campo- restais, muitas vezes ficava difícil afirmar
manesia xanthocarpa), guabiju (Myrcianthes se a área amostrada estava no âmbito da
Figura 5: Perfil ideal da Floresta Estacional Decidual, situada na parte baixa dos vales do rio
Peperi-guaçu e rio Chapecó, intercalada com a Floreta Ombrófila Mista, na parte alta, no Oeste de
Santa Catarina. Desenho: Lucia Sevegnani
17 8 | B i o d i v e r s i d a d e C ata r i n e n s e
Floresta Ombrófila Mista ou da Flores- dários jovens, ou seja, que se desenvolve-
ta Estacional Decidual. Posterior análise ram após o corte raso ou a exploração in-
mostrou em quais unidades dominavam tensiva da floresta primária pré-existente.
os elementos da Floresta Estacional e em Estas florestas têm metade da altura e di-
quais outras unidades as espécies da Flo- âmetros encontrados em florestas primá-
resta Ombrófila Mista (GASPER et al., rias originais nesta região.
2012b). Este estudo evidenciou, também, Foram encontradas, no Oeste, florestas
haver diferença significativa entre a Flo- em estágio avançado ou médio de regene-
resta Estacional Decidual do oeste e aque- ração, e nelas faltam as grandes árvores,
la do leste, esta última compreendendo a com alturas superiores a 20 m (que pode-
floresta a partir da Bacia do rio do Peixe riam atingir até 40 m) como a grápia (Apu-
em direção aos rios Pelotas e Canoas. leia leiocarpa) (Figura 6a); essas contêm
Importante perceber que a mistura de menor riqueza de espécies no seu interior
espécies da Floresta Estacional, muitas de- quando comparada com a floresta pri-
las anemocóricas (dispersadas pelo vento) mária original da região (KLEIN, 1972,
e da Floresta Ombrófila Mista, predomi- GASPER et al., 2012b, VIBRANS et al.,
nantemente zoocóricas (dispersadas pelos 2012b).
animais), possibilita que muitos animais É possível com auxílio das ferramentas
(tucanos, jacus, cutias, bugios, anta, vea- de mapas disponíveis na internet, consta-
dos, caxinguelê, entre outros), além de mi- tar como a paisagem do Oeste possui raros
lhares de espécies de insetos, possam vi- fragmentos florestais grandes e numero-
ver no interior da Floresta Estacional. Os sos de pequeno tamanho, imersos em uma
animais de maior porte podem, inclusive, matriz agrícola e pecuária. Esses fragmen-
se deslocar por longas distâncias transpor- tos são florestas secundárias em estádio
tando muitas sementes, aumentando a taxa avançado ou médio de regeneração. Em
de troca entre os fragmentos florestais. O um forte contraste, na margem oeste do
naturalista Fritz Plaumann registrou a en- rio Peperi-Guaçu existe uma vasta e exu-
tomofauna do Oeste de Santa Catarina e a berante floresta da Província de Misiones,
partir do seu trabalho pode-se ver quanto na Argentina, onde a legislação ambiental
foi e é rica a biodiversidade dessa região adequada restringiu o corte.
do Estado (ver Box 1). O IFFSC avaliou a composição das es-
O estado de conservação da Floresta pécies e estrutura (alturas e diâmetros)
Estacional tem sido há muito tempo mo- destes fragmentos florestais secundários.
tivo de preocupação, pois estudos indi- Constatou que as espécies, presentes no
cavam que a cobertura de floresta nesta estádio sucessional avançado, com maio-
região era inferior a 16% e em contínua re- res valores de importância fitossociológica
dução (SOSMA; INPE, 2004; 2008; 2010), (o valor de importância é obtido pela soma
tornando-se a área mais degradada e com entre a densidade, frequência e dominân-
poucas florestas de Santa Catarina. cia relativas) são: canela-fedida (Nectandra
Esta situação foi confirmada pelo megapotamica), açoita-cavalo (Luehea divari-
IFFSC, quando não foi encontrada Flores- cata), canela-amarela (Nectandra lanceolata),
ta Estacional Decidual primária. A vegeta- canela-guaica (Ocotea puberula), aguaí-ver-
ção existente, atualmente, na paisagem, se melho (Chrysophyllum marginatum), farinha-
constitui de fragmentos florestais secun- -seca (Machaerium stipitatum), cedro (Cedre-
O O e s t e | 17 9
A B C
Figura 6: Espécies da Floresta Estacional Decidual: a) Grápia (Apuleia leiocarpa). Foto: Leila Meyer;
b) Coqueiro-gerivá (Syagrus romanzoffiana). Foto: Tiago j. Cadorin; c) Cedro (Cedrela fissilis).
Foto: J uliane Schmitt
la fissilis) (Figura 6c), canjerana (Cabralea colonização e dispersão das espécies). Esta
canjerana), coqueiro-gerivá (Syagrus roman- repetição pode acontecer quando há per-
zoffiana) (Figura 6b) e camboatá-vermelho turbações frequentes na floresta, como a
(Cupania vernalis). Para o estádio médio, abertura para retirada de madeira ou roçada
embora as dez primeiras espécies não este- do sub-bosque desta para introduzir gado,
jam na mesma ordem deste valor, somente fatos estes que mantêm as condições favo-
cafezeiro-do-mato (Casearia sylvestris) e cam- ráveis para espécies pioneiras e secundárias
bará (Aloysia virgata) não estavam entre as iniciais, exigentes de muita luz, mesmo com
dez primeiras do avançado (SEVEGNANI o passar do tempo.
et al., 2012b). Outro fator pode estar influenciando na
O número de espécies de árvores e arvore- manutenção do mesmo conjunto florístico:
tas (diâmetro igual ou maior que 10 cm) por a falta ou a pequena quantidade de animais
unidade amostral de 4.000 m2 esteve entre capazes de dispersar sementes de espécies de
14 e 60. Esses números foram obtidos em árvores que estão em fragmentos florestais
55 fragmentos florestais estudados na região distantes uns dos outros. Os animais pre-
oeste dentro da Floresta Estacional, baseado cisam atravessar amplas áreas abertas, nas
no Inventário. No estádio avançado houve quais há agricultura e pastagem e, portanto,
tendência de ocorrer maior número de espé- estão suscetíveis à captura por predadores ou
cies, ou seja, mais que 39 por área amostrada. caçadores humanos, e até mesmo aos agro-
A semelhança entre as principais espécies tóxicos utilizados nos cultivos. Para um ani-
do estádio avançado e médio pode indicar mal de floresta atravessar uma grande área
que a comunidade está continuamente sen- sem florestas pode significar grande risco
do alterada e, portanto, repetindo o con- de morte. A falta de dispersores, bem como
junto florístico já existente (com algumas de corredores ecológicos têm sido documen-
alterações dependendo da capacidade de tada em vários estados brasileiros como no
18 0 | B i o d i v e r s i d a d e C ata r i n e n s e
BOX 1
A
ex-diretor do Museu de Ecologia Fritz Müller
s dificuldades após a
Primeira Grande Guerra
fizeram os pais de Fritz
Plaumann (Alemanha,
02/05/1902 – Nova Teotônia, Seara, SC,
22/09/1994) a migrar para o Brasil. Os
reveses iniciais no lote colonial, onde
chegaram em 15/11/1924, foram de fazer
qualquer um desistir: o sufocante calor
do verão num lugar distante e isolado,
sem médico, farmácia, nem sequer
caminhos transitáveis. Infestação de
pulgas e diarréias prostrantes castigaram
a família nas primeiras semanas.
Em 1925, Fritz Plaumann decidiu
iniciar a coleção e catalogação da
entomofauna, que o deixou famoso no
Brasil e no mundo. Com a mudança para
a vila próxima de Nova Teotônia, em Residência e
1928, lugar em que passou o resto da Fritz Plaumann
vida, intensificaram-se os contatos com em Seara, SC, 1989.
especialistas de mais de 12 países. Fotos: Lucia Sevegnani
A dedicação de Plaumann ao trabalho
era surpreendente. Duplicava, já em
1938, o número de espécies de Dípteros
então conhecidas para toda a América
Latina. Além das coletas, Plaumann desabafou: “o tempo perdido nem uma
criava insetos, para conhecer e registrar eternidade seria capaz de trazer de volta”.
todo seu ciclo de vida. Coletou em várias Mesmo assim, foram cerca de 80.000
partes do Sul do Brasil. A Segunda exemplares coletados, preparados e
Grande Guerra prejudicou por cinco etiquetados um a um, resultando em
anos os contatos com especialistas no cerca de 17.000 espécies diferentes,
exterior, mas as coletas e a incessante vários gêneros e 1.500 espécies novas
catalogação continuavam. Já na velhice, para a ciência e 150 denominadas
sofreu com a patética burocracia em homenagem ao coletor. Uma
brasileira, que insistia em controlar nova família de ácaros aquáticos
os poucos milhares de insetos que foi denominada Plaumaniidae, tipo
coletava, enquanto bilhões de outros de homenagem recebida por raros
desapareciam com o desmatamento cientistas. Que bom que as florestas
galopante e o surgimento do veneno da região conheceram este incrível
agrícola DDT, logo aplicado largamente Fritz do Oeste catarinense a tempo,
na agricultura. Quase aos 80 anos, antes do avassalador desmatamento!
O O e s t e | 181
BOX 2
A
Doutor em Ecologia, biólogo, professor e pesquisador na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul - Campus Campo Grande
18 2 | B i o d i v e r s i d a d e C ata r i n e n s e
oeste de São Paulo, Paraná e também no Rio As florestas remanescentes também de-
Grande do Sul (ver Box 2). sempenham importantes serviços ambientais,
Diante do exposto, constata-se que tem tais como a proteção da água, minimização
havido recuperação das florestas nas últimas da erosão, amenização climática especial-
décadas na região Oeste, mas ainda estão sub- mente nesta região tão suscetível à estiagem,
metidas a constantes perturbações. Portanto, tempestades, vendavais, granizo e calor acen-
a presença de floresta é um ótimo indicativo tuado (HERRMANN, 2006).
da qualidade de um ambiente, mas, além da Apesar da fragmentação e das perturba-
quantidade de área, deve-se analisar sua biodi- ções a que está submetida a Floresta Esta-
versidade e sua complexidade estrutural, pois cional Decidual de Santa Catarina, esta é um
esses três indicadores podem evidenciar como importante reservatório da biodiversidade do
as pessoas conservam sua vegetação e prote- Estado (Vibrans et al., 2012b) e abriga es-
gem os animais que lhe são característicos. pécies raras e comuns (ver Box 3).
7. 2 A F l or e s ta O m bróf i l a M i s ta no Oeste
Apesar de ser subdividida em seções resta, dominado por imbuia (Ocotea porosa)
com fins didáticos, os diferentes tipos de – árvore de copa larga, com altura até 20
vegetação - Floresta Estacional Decidual m, tronco tortuoso e muito grosso, em al-
(Figuras 4a, b) e Ombrófila Mista (Figu- guns casos atingindo quase dois metros de
ra 4c) e Estepe (Figura 4d) - estão interco- diâmetro, formado por madeira resistente
nectados na paisagem (Capítulo 4, Figura e escura. Além desta espécie, também há
6), ora ficando mais evidente um tipo, ora outras árvores de grande porte, como sa-
outro, conforme explicitado anteriormente. popema (Sloanea hirsuta), camboatá (Matayba
De acordo com Klein (1978), todo o pla- elaeagnoides), canela (Ocotea diospyrifolia), gua-
nalto de Santa Catarina estava coberto por raperê (Lamanonia ternata), carne-de-vaca
florestas onde o pinheiro-do-paraná (Arau- (Clethra scabra), canela-fedida (Nectandra me-
caria angustifolia) imprimia fisionomia à ve- gapotamica), guabiju (Myrcianthes pungens), ca-
getação e predominando de modo absoluto nela-amarela (Nectandra lanceolata), canela-
no estrato superior em quase toda a área -lageana (Ocotea pulchella), pessegueiro-bravo
de sua ocorrência. Esta floresta ocupava os (Prunus myrtifolia), guabiroba (Campomanesia
divisores de água das bacias dos afluentes xanthocarpa), pimenteira (Cinnamodendron di-
do rio Uruguai (rios Rancho Grande, Jacu- nisii), e arvoretas: erva-mate (Ilex paragua-
tinga, Irani, Chapecó, das Antas e Peperi- riensis), caúnas (Ilex microdonta, I. dumosa),
-Guaçu), em geral em altitudes acima de congonha (Ilex theezans), guaçatunga (Case-
500 m. O pinheiro-do-paraná é árvore im- aria decandra), vacunzeiro (Allophylus edulis)
ponente, atingindo 35 a 40 m de altura e e leiteiro (Sapium glandulosum). Por entre as
mais de um metro de diâmetro, adaptado às arvoretas e árvores despontavam milhares
condições de frio e precipitações abundan- de colmos de taquara-mansa (Merostachys
tes, estas bem distribuídas durante o ano. multiramea), aglomerados muito característi-
Embaixo da ampla copa dos pinheiros, cos na floresta com pinheiro-do-paraná e
desenvolve-se o segundo estrato da flo- imbuias.
O O e s t e | 18 3
BOX 3
R
C láudia F ontana
Mestre em Engenharia Ambiental, bióloga, consultora ambiental
18 4 | B i o d i v e r s i d a d e C ata r i n e n s e
A B
C D
Figura 7: Floresta Ombrófila Mista no Oeste: a) Parque Nacional das Araucárias (ICMBio).
Foto: Marcos A. Danieli; b) Floresta Ombrófila Mista e Floresta Estacional no Parque Nacional das
Araucárias (ICMBio); c) Rio Chapecó; Fotos: Edilaine Dick. d) Zona de amortecimento do Parque
Nacional das Araucárias (ICMBio). Fotos: Marcos A. Danieli
Observadas de cima, as florestas com arau- Persea). Nos faxinais, os pinheiros são espar-
cária parecem muito homogêneas (Figura sos e pequenos, entremeados de sub-bosque
7a-d), mas, quando analisadas a composição baixo, contendo aquifoliáceas (Ilex paraguarien-
florística e a fisionomia da comunidade, apre- se e I. dumosa) e mirtáceas (Myrceugenia, Myrcia,
sentam diferenças, e Klein (1978) separou-as Eugenia), além de densos taquarais (Merostachys
em duas formações: a Floresta de Araucária spp.) e carazais (Chusquea spp.). No sistema de
ou Pinhal e a Floresta de Faxinal. De acordo classificação atual do IBGE (1992, 2012) e
com esse autor, na primeira formação, os pi- aplicado à Santa Catarina (SANTA CATA-
nheiros são de grande porte com sub-bosque RINA, 1986) estas duas formações apresen-
de lauráceas (Ocotea, Nectandra, Cryptocarya e tadas por Klein (1978) foram incorporadas
O O e s t e | 18 5
dentro da região fitoecológica da Floresta mannia paulliniaefolia), canela-lageana (Ocotea
Ombrófila Mista. A vegetação denominada pulchella) e pessegueiro-bravo (Prunus myrtifo-
de faxinais possivelmente se desenvolveu em lia). Há densos conjuntos de taquaras (Meros-
áreas com restrição edáfica, ou seja, com so- tachys multiramea) e, nos locais de solos mais
los ácidos, com alta quantidade de alumínio úmidos, emaranhados de catanduvas (Rhyn-
e rasos, como o caso do Faxinal dos Guedes. chospora hieronymi) com as bordas do caule
Klein (1978) fez uma bela descrição do Fa- muito cortantes.
xinal dos Guedes (Figura 8a, b), situado no Os faxinais de Campos Erê foram des-
alto da Serra do Tigre, com extensão de 16 critos por Klein (1978) como uma floresta
a 20 km e largura de quatro a sete quilôme- em que predominavam pinheiro-do-paraná,
tros. Segundo ele, este faxinal cresce sobre carne-de-vaca, guamirim (Myrcia obtecta), ca-
solos pouco profundos, úmidos e compac- nela-lageana, caúnas, erva-mate e, com maior
tos. Os pinheiros-do-paraná são esparsos e frequência, pessegueiro-bravo, cambuí (Sipho-
baixos, contendo sub-bosque de guaraperê neugena reitzii), guamirim (Myrceugenia euosma),
(Lamanonia ternata), guamirim (Myrcia obtecta), canela-louro (Nectandra grandiflora), pasto-de-
carne-de-vaca (Clethra scabra), congonha (Ilex -anta (Coussarea contracta), pitanga (Eugenia
theezans), caúna (I. dumosa) e erva-mate (I. para- uniflora) e xaxim-bugio (Dicksonia sellowiana)
guariense) (Figura 8c). São também frequentes: (Figura 7), muitas espécies com relações com
cambuí (Myrciaria tenella), gramimunha (Wein- micorrizas (ver Box 4).
A B
18 6 | B i o d i v e r s i d a d e C ata r i n e n s e
BOX 4
A
Doutor em Genética e Biologia do Desenvolvimento, biólogo, professor e pesquisador
na Universidade Regional de Blumenau
O O e s t e | 187
A vegetação atual foi levantada pelo In- mirim-branco, pessegueiro-bravo, guaperê
ventário Florístico Florestal de Santa Cata- e canela-lageana, além de outras (Tabela 1).
rina, baseada numa amostra de 13 unidades Do total de espécies amostradas, 92 es-
amostrais de 4.000 m 2 cada, na Floresta tavam somente em uma unidade amostral
Ombrófila Mista somente na região oeste e 54 espécies com apenas um indivíduo,
do Estado. Nelas foram encontradas 138 ou seja, muito raras como: Myrcia laruot-
espécies de árvores e arbustos, com diâ- teana, Agonandra excelsa, Maytenus aquifolia,
metro igual ou maior que dez centímetros. Seguieria aculeata, Myrceugenia glaucescens,
Como espécies mais comuns nessa flores- entre outras. Isso evidencia a fragilidade
ta destacam-se xaxim-bugio, camboatã, da biodiversidade diante da fragmentação
pinheiro-do-paraná, vassourão-preto, gua- florestal atual.
Tabela 1: Espécies com maiores valores de importância para a Floresta Ombrófila Mista na região oeste
de Santa Catarina, de acordo com o Inventário Florístico Florestal de Santa Catarina. N = número
de indivíduos amostrados; U = número de unidades amostrais que a espécie ocorreu no inventário,
AB = área basal média (m2), DA = Densidade Absoluta média (número de indivíduos/hectare), FA = Fre
quência Absoluta, DoA = Dominância absoluta (m2/hectare), VI= Valor de Importância (em %).
18 8 | B i o d i v e r s i d a d e C ata r i n e n s e
como o diâmetro e altura das árvores, nota- com as espécies de animais, especialmen-
-se valores em torno de metade daqueles re- te as de maior porte, como a onça-pintada
gistrados pelos estudos do século passado. (Panthera onca) (Figura 9a), o tamanduá-mi-
Atualmente, as florestas estão esvaziadas de rim (Tamandua tetradactyla) (Figura 9b) e o
espécies e com plantas com menor tamanho, veado-mateiro (Mazama guazoubira) (Figura
com menor quantidade daquelas de valor 9c), outrora abundantes e atualmente amea-
econômico madeirável. O mesmo acontece çadas de extinção.
A B
Figura 9: Mamíferos que também ocorrem no Oeste de Santa Catarina: a) Onça-pintada (Panthera onca).
Extinta em Santa Catarina, mas era nativa em todo o território. Foto: Fernando Tortato; b) Tamanduá-
-mirim (Tamandua tetradactyla). Foto: I umaã L. C. Bacca; c) Veado-mateiro (Mazama guazoubira).
Foto: R afael Pasold
O O e s t e | 18 9
7. 3 A Estepe ou C a m po s S u l i n o s
Nas regiões mais altas do oeste de Santa de conservação, merecendo das instituições
Catarina, ocorre um tipo especial de vege- de pesquisa do Oeste maiores esforços de
tação, com certeza ainda mais antiga que as caracterização e pressões para sua conserva-
florestas, denominada de Estepe Ombrófila ção. Durante a elaboração dos planos de ma-
(Leite, 2002), também conhecida como nejo das unidades de conservação do Oeste,
Campos Sulinos (PILLAR et al., 2009) e foi possível também amostrar importantes
campos do planalto (Klein, 1978), não ha- aspectos da biodiversidade presente, confor-
vendo um consenso entre os pesquisadores me pode ser evidenciado no Box 5.
sobre qual a melhor denominação para esta Baseando-se nas descrições feitas por
importante e característica região fitoecoló- Klein (1978) e em recente e magnífica sínte-
gica (IBGE, 1992; 2012). se do conhecimento sobre os Campos Suli-
Todavia, mais relevante que sua deno- nos publicado por Pillar et al. (2009), serão
minação é sua importância como ecossiste- apresentadas as características gerais desses
ma, cobrindo as terras altas em três grandes campos.
manchas, sendo o maior abrangendo as ca- Os campos do planalto ocorrem em áre-
beceiras do rio Chapecó (Água Doce, Passos as com solos pouco profundos (Figura 10a),
Maia e Abelardo Luz), a segunda em Irani, muitas vezes contendo afloramentos rocho-
Ponte Serrada e Catanduvas e um núcleo sos, os denominados neossolos litólicos. Nas
menor em Campo Erê, totalizando 1.695 depressões dos terrenos, podem se formar
km². São campos ainda pouco conhecidos brejos de pequena até grandes extensões,
cientificamente quanto à sua flora e estado acumulando grandes depósitos de matéria
A B
Figura 10: Estepe ou Campos Sulinos em Água Doce: a) Campos alterados pelo pastejo e fogo;
b) Manchas de floresta entremeiam o campo. Fotos: Anita S. dos Santos
19 0 | B i o d i v e r s i d a d e C ata r i n e n s e
orgânica em forma de húmus, com caracte- cio conyzifolius, S. juergensii, S. oleosus, S. pulcher,
rística coloração negra. Trichocline catharinensis,Vernonia catharinensis e
Ao longo dos cursos d’água, podem de- V. tweedieana. Dentre as gramíneas mais fre-
quentes e dominantes nestes campos está
senvolver-se núcleos de vegetação arbórea
o capim-caninha (Andropogon lateralis), mas
(Figura 10b), variando na estrutura (altura, outras, também importantes Axonopus siccus,
diâmetros, densidades) e na composição de Paspalum maculosum, Schizachyrium tenerum e S.
espécies, pertencentes à Floresta Ombrófi- spicatum. Nos campos mal drenados, salienta-
la Mista, podendo ter presença de Araucaria -se Andropogon macrothrix e Paspalum pumilum,
angustifolia. embora A. lateralis também ocorra nestes am-
As famílias de plantas mais comuns que bientes.
permeiam os campos no âmbito do bioma
Mata Atlântica, segundo Boldrini (2009), A frequência do fogo nos campos como
são: Asteraceae ou Compostas (24%), Poa- forma de manejo das pastagens nos últimos
ceae ou Gramíneas (20%), Fabaceae ou Le- 150 anos (BEHLING et al., 2009; Bol-
guminosas (7%), Cyperaceae (7%), Apiace- drini, 2009), tem provocado a extinção
ae ou Umbelíferas (3%) e demais famílias local de espécies não resistentes a ele. Por
(39%). Boldrini (2009) registrou 1.700 es- exemplo, as espécies hibernais prostradas
pécies pertencentes somente as dez famílias e com gemas muito superficiais – com ca-
mais importantes nos campos sulinos (Pam- pacidade de suportar condições climáticas
pa e campos do planalto) do Rio Grande do muito variáveis ao longo do ano – foram
Sul e Santa Catarina. Embora Santa Catarina lentamente suprimidas pelo fogo. Estas fo-
não tenha em seu espaço territorial o bioma ram substituídas por espécies estivais, que
Pampa, nossos campos são ricos em espé- melhor vegetam em uma estação, as quais,
cies pela diversidade de altitudes (de 800 a em geral, formam touceiras eretas, ou ces-
1.827 m) em que podem ocorrer diferentes pes, dentro das quais as gemas ficam prote-
tipos de solo e variação na umidade deste, gidas do fogo. Portanto, a alta percentagem
bem como histórico de uso pelas pessoas. de solo descoberto associada à dominância
Segundo Boldrini (2009, p. 66): de espécies cespitosas eretas e de ciclo esti-
val é característica nos campos do planalto
A família Asteraceae se caracteriza pela ex- de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul
pressiva diversidade florística, bem como (BOLDRINI, 1997; 2009).
populacional. Seus táxons (gêneros ou es- Uma importante estratégia de sobrevi-
pécies) apresentam variados hábitos, em vência das espécies do campo é capacidade
suas diversas formas biológicas e, devido ao
de rebrota após distúrbio provocado por ge-
seu extraordinário potencial ornamental, os
campos são cobertos por um colorido exube- ada, neve e até mesmo o fogo. Muitas espé-
rante durante o período de florescimento das cies apresentam xilopódios e rizomas abai-
múltiplas espécies que os compõem. Entre xo do nível do solo, ou mesmo bulbos, que
as espécies que se destacam nos ambientes protegem as gemas da ação dos fatores de
desta região, citam-se: Acmella bellidioides, Bac- perturbação, permitindo a rebrota (FIDE-
charis milleflora (carqueja), B. trimera (carqueja), LIS; APPEZZATO-DA-GLÓRIA; PFA-
B. uncinella (vassoura-do-campo), Calea phyllo-
DENHAUER, 2009).
lepis, Eupatorium bupleurifolium, Eupatorium ta-
nacetifolium, Hieracium commersonii, Hypochaeris Grande parte das espécies do campo, es-
lutea, Holocheilus monocephalus, Mikania decum- pecialmente gramíneas e ciperáceas, possui
bens, Perezia squarrosa subsp. cubataensis, Sene- polinização pelo vento, havendo sincronia
O O e s t e | 191
na época de floração de uma mesma espécie, pelo e também são ingeridos).
numa determinada área. Alguns frutos des- As demais famílias de angiospermas pos-
sas espécies são dispersos pelo vento, outros suem flores com atrativos como o néctar,
por animais, especialmente as aves (no caso pólen ou óleos, para animais, tais como os
de frutos a serem ingeridos) e mamíferos (no insetos (abelhas, moscas, borboletas e be-
caso de frutos/sementes que se aderem ao souros), aves (beija-flores, cambacicas e saí-
ras), ou mamíferos (morcegos). Essas plantas
são denominadas de zoófilas.
Muitas espécies de angiospermas pos-
suem frutos ou sementes atrativas e forne-
cedoras de recursos para os animais. Quan-
do os frutos são dispersos por animais eles
são chamados de zoocóricos. Esses frutos e
sementes, após serem engolidos, permane-
cem no trato digestório até serem defecados,
ou ser rapidamente regurgitados, após cur-
A to período de permanência no interior do
corpo do animal. Desta forma, os animais
espalham as sementes por curta, média ou
longa distância da planta matriz, possibili-
tando às espécies de plantas colonizar novos
ambientes.
Muitas espécies de animais habitam esses
campos. Algumas são migratórias (marre-
cas, andorinhas, papa-capins, certas espécies
de borboletas e libélulas), outras residentes.
Permeiam o mosaico campo floresta bus-
B cando em ambos os ecossistemas alimento
e abrigo. Algumas são predadoras de outros
animais como raposa-do-campo (Lycalopex
g ymnocercus), lobo-guará (Chrysocyon brachyu-
rus) (Figura 11a), tamanduá-bandeira (Myr-
mecophaga tridactyla), puma (Puma concolor),
curicacas (Theristicus caudatus) (Figura 11c),
gralha-azul (Cyanocorax caeruleus), gralha-pi-
caça (Cyanocorax chrysops), tucano (Ramphas-
tos dicolorus), quati (Nasua nasua), mão-pelada
(Procyon cancrivorus), lontra (Lontra longicaudis),
C irara (Eira barbara), martim-pescador (Me-
Figura 11: Animais da Estepe: a) Lobo-guará gaceryle torquata) dentre outros. Há também
(Chrysocyon brachyurus). Foto: L auro E. Bacca; os herbívoros e frugívoros como veado-ma-
b) Pica-pau-do-campo (Colaptes campestris) na teiro (Mazama guazoubira), porcos-do-mato
Estação Ecológica da Mata Preta (ICMBio).
Foto: Antônio de A. Correia Junior; c) Curicaca (Tayassu pecari), bugio-preto (Alouatta caraya),
(Theristicus caudatus). Foto: Lucia Sevegnani caxinguelê ou serelepe (Guerlinguetus ingrami),
19 2 | B i o d i v e r s i d a d e C ata r i n e n s e
ratos-do-campo, sabiás (Turdus sp.) entre ou- campos também é armazenada grande quan-
tros. Há, também, os comedores de insetos e tidade de carbono no solo, nos denominados
suas larvas, como o pica-pau-do-campo (Co- Organossolos (solos orgânicos, com colora-
laptes campestris) (Figura 11b). ção negra), pois as condições de baixa tem-
Os animais, através da dispersão de se- peratura em grande parte do ano dificultam
mentes, são vetores que levam espécies a ação decompositora de bactérias e fungos e
existentes em capões de florestas para colo- por isso formam-se grandes depósitos de hú-
nizar os campos, muitas vezes expandindo mus no solo. Parte dos nutrientes ali retidos
a floresta centrifugamente. Se não fossem é absorvida pelas plantas, mantendo a fertili-
a ação do fogo e das roçadas dos campos dade e a cobertura efetuada pela vegetação, e
para propiciar o pastejo pelo gado (além esta protege os solos contra a erosão. Se de-
da própria ação do gado se alimentando de gradados ou drenados, passam a liberar para
brotos), muitas áreas atualmente cobertas a atmosfera toneladas de gás carbônico, que é
por campos seriam florestas. um dos gases responsáveis pelo efeito estufa.
Os Campos de Água Doce e Palmas No interior dos campos em depressões
(SC/PR) são também importantes áreas se formam banhados ou brejos, com solos
para a conservação de algumas espécies de hidromórficos, com afloramento de água à
aves. Espécies associadas a campos nativos, superfície temporária ou permanente. Nas
como a noivinha-de-rabo-preto (Xolmis do- áreas um pouco mais baixas dentro deles
micanus), o caminheiro-grande (Anthus natte- pode haver acúmulo de água em poças ou
reri) e o caboclinho-de-barriga-preta (Sporo- ainda formando pequenos córregos. São
phila melanogaster) estão presentes na região. grandes reservatórios de água, de carbono e
Outras espécies associadas a campos úmi- abrigam conjuntos de espécies adaptadas à
dos, como o curiango-do-banhado (Ele- condição de encharcamento variável. Muitas
othreptus anomalus); à floresta de araucária, espécies herbáceas ou arbustivas de ciperáce-
tais como o grimpeiro (Leptasthenura setaria) as, samambaias, asteráceas e leguminosas se
e o cisqueiro (Clibanornis dendrocolaptoides) desenvolvem formando tufos de tamanho e
ou a grandes áreas (como a águia-cinzenta composição específica variável.
Urubitinga coronata) também estão presentes Conforme abordado neste capítulo, as
na área, ressaltando sua importância à bio- três regiões fitoecológicas presentes no oes-
diversidade (BENCKE et al., 2006). te (Floresta Ombrófila Mista, Floresta Esta-
Nestes riachos ocorrem espécies de ani- cional Decidual e Estepe) entremeiam a ma-
mais ameaçados ou raros. A esponja-de- triz agropecuária com intenso uso do solo.
-água-doce (Houssayella iguazuensis) ocorre Diante do pequeno percentual de cobertura
apenas nos rios turbulentos ao longo do rio florestal do oeste e a intensidade da fragmen-
Uruguai entre o Rio Grande do Sul e San- tação e a necessidade de garantir a manuten-
ta Catarina, estando ameaçada pelo repre- ção dos serviços ambientais, as Unidades de
samento dos rios da região (VOLKMER- Conservação, entendidas como espaços onde
-RIBEIRO; ROSA-BARBOSA, 2008). a vida nativa pode se expressar, são impres-
Os campos são locais importantes como cindíveis e valiosas (ver Box 5). Por isso, a
armazenadores e disponibilizadores de água, região oeste necessita ampliar o número e a
em geral, por estarem em áreas altas abrigam área abrangidas por Unidades de Conserva-
as nascentes dos principais rios regionais, ção e proteção integral, sob pena de perda
como o Chapecó, o Irani e o Jacutinga. Nos irreversível de sua biodiversidade.
O O e s t e | 19 3
BOX 5
P
Mestranda em ecologia e bióloga
19 4 | B i o d i v e r s i d a d e C ata r i n e n s e
E DE SANTA CATARINA
O O e s t e | 19 5
Foto: Luiz Schramm
C a p í t u l o 8
A meaças à Biodiversidade
L ucia S evegnani 1
R udi R icardo L aps 2
E dson S chroeder 3
M arilete G asparin 4
R egina A parecida da R osa 5
T atiana de O liveira 6
SEVEGNANI, L.; LAPS, R. R.; SCHROEDER, E.; GASPARIN, M.; ROSA, R. A. da; OLIVEIRA, T. de. Ameaças à biodiversidade.
In: SEVEGNANI, L.; SCHROEDER, E. Biodiversidade catarinense: características, potencialidades e ameaças. Blumenau:
Edifurb, 2013, p. 196-221.
B i o d i v e r s i d a d e C ata r i n e n s e | 19 7
dos pela destruição da biodiversidade, por população humana passa por sérias dificulda-
isso a percepção momentânea de que sua des- des de acesso aos alimentos, energia e combus-
truição é economicamente lucrativa. tível, mas a outra parte (a menor delas) conso-
Os 7.000.000.000 (sete bilhões) de habitan- me exageradamente os recursos naturais e bens
tes humanos em 2010, e ainda em processo de tecnológicos, gerando muito resíduo e poluição,
crescimento, demandam mais quantidades de bem como injustiça social. Este consumo acaba
alimentos, combustíveis, terras para cultivo, fer- exigindo a destruição da biodiversidade, porque
tilizantes, agrotóxicos, matéria-prima mineral 40% de tudo o que a Terra consegue produzir é
e produtos industrializados. A maior parte da utilizado pelas pessoas (WILSON, 1997).
As maiores ameaças que pairam sobre a com espécies nativas, alterando as teias
biodiversidade em todos os continentes, se- alimentares e o ambiente físico.
gundo a CBD (2010), são: 5. A acumulação da poluição por fósfo-
1. Perda de hábitat provocada pela mu- ro ou nitrogênio, devido à lixiviação
dança de uso do solo, em particular oriunda das áreas agrícolas, esgotos e
através da conversão dos ecossistemas efluentes industriais, causam prolifera-
naturais em áreas de cultivo agrícolas. ção de algas nos ambientes aquáticos,
Mais da metade dos 14 biomas da Ter- produzindo componentes tóxicos e
ra têm tido entre 20 e 50% de sua área consumindo o oxigênio da água. Este
total convertida em áreas agrícolas. fato pode levar à morte os peixes e de-
2. Uso insustentável uso dos ecossistemas mais espécies dos rios, lagos e mares,
e sobre-exploração da biodiversidade. criando as chamadas ‘zonas mortas’.
Muitas espécies são usadas pelas pes- Isso pode acontecer em maior núme-
soas para satisfazer suas necessidades ro de áreas devido ao adensamento
básicas (alimentação, combustível, mo- urbano litorâneo e aumento das áreas
radia), mas o desperdício e o consumo agrícolas, de acordo com informações
exagerado ameaçam muito mais. obtidas no site da Comissão da Biodi-
3. As mudanças climáticas em curso tor- versidade Biológica (http://www.cbd.
nar-se-ão progressivamente mais ame- int/2010).
açadoras nas próximas décadas. Isso É importante ressaltar que, subjacente a
afetará as cadeias alimentares (animais todas ameaças listadas, há um motor que
e plantas disponíveis para servir de ali- leva à degradação – o sistema de produção
mento), a fenologia das plantas (época insustentável. Este explora os recursos na-
de frutificação, floração e crescimento) turais até a exaustão, explora a mão de obra
e sua sincronização com os ritmos bio- dos trabalhadores e estimula o consumo, ge-
lógicos dos animais. rando muitos resíduos poluentes.
4. As plantas e animais invasores, pro- Todas essas ameaças também estão pre-
vindos de outras regiões ou países, po- sentes no território catarinense em maior
dem causar grandes danos às espécies ou menor escala, dependendo das atividades
nativas, por competir por alimento, econômicas, da concentração populacional
transmitir novas doenças, causar mu- humana e do histórico de uso dos recursos
danças genéticas, quando se cruzam naturais. Como as ações humanas no ter-
19 8 | B i o d i v e r s i d a d e C ata r i n e n s e
ritório catarinense são diversas, relativas à detalhados alguns dos fatores de impacto,
agricultura, pecuária, indústria, comércio, mas não devem ser vistos como indepen-
transportes, geração de energia, turismo e dentes, mesmo que seja fácil compreendê-
moradia, estas impactam negativamente a -los isoladamente. Esses precisam ser ana-
vida natural dos ecossistemas, beneficiando lisados em conjunto, agindo em sinergia, ou
alguns grupos de seres vivos e prejudicando seja, onde o efeito de um se amplia com o
a maior parte do que existe. A seguir serão efeito do outro fator.
8.1.1 Sistema d e p r o d u ç ã o e p a d r õ e s d e co n s u m o
Ameaças à B i o d i v e r s i d a d e | 19 9
Na Floresta Ombrófila Mista em toda A exploração indiscriminada das es-
sua área de ocorrência no Estado, as árvo- pécies produtoras de madeira comercial
res que mais produziram madeira foram o levou ao esgotamento desse recurso na-
pinheiro-do-paraná (Araucaria angustifolia) tural, bem como à recessão econômica do
(Figura 1a) e, desta, também se colhia o pi- setor, no final da década de 80 do sécu-
nhão (semente) para servir de alimento; a lo XX. A retirada das melhores árvores
imbuia (Ocotea porosa) – árvore símbolo de afetou a variabilidade genética das popu-
Santa Catarina (Figura 1b), a canela-fogo lações, e esse efeito se propagará pelas
(Cryptocarya aschersoniana), a canela-lageana futuras gerações (REIS et al., 2012a), ou
(Ocotea pulchella), a canela-amarela (Nectan- reduziu o tamanho populacional a núme-
dra lanceolata), o sassafrás (Ocotea odorifera), ros muito críticos em todo o estado, com
o cedro (Cedrela fissilis), a peroba (Aspidos- cerca de 30% das espécies amostradas
perma australis) e, mais tarde, também o xa- nas f lorestas pelo IFFSC com menos de
xim-mono (Dicksonia sellowiana) (Figura 1c) dez indivíduos no território catarinense
– usado na confecção de vasos para plantas (VIBRANS et al., 2012a). (Ver Box 5, no
ornamentais. O pinheiro-do-paraná, a im- Capítulo 4).
buia, o sassafrás e o xaxim-mono estão na A abertura de estradas para a explora-
lista das espécies ameaçadas de extinção. ção de madeira e trânsito por entremeio
No Oeste, onde ocorria a Floresta Es- à f loresta gerou milhões de clareiras,
tacional Decidual, as espécies foco eram permitindo que grande quantidade de
o angico (Parapiptadenia rigida), a grápia luz atingisse o solo. Dessa forma, pro-
(Apuleia leiocarpa) (Figura 1f ), a cabreúva piciando crescimento rápido de espécies
(Myrocarpus frondosus), os ipês (Handroan- cicatrizadoras de clareiras (Figura 2)
thus spp.), o louro-pardo (Cordia trichoto- como taquaras (Merostachys spp.) e carás
ma), a maria-preta (Diatenopterix sorbifolia), (Chusquea spp.) e, dependendo da região,
a canafístula(Peltophorum dubium) (Figura 1e), proliferaram espécies como embaúba (Ce-
além do cedro (Cedrela fissilis) (Figura 1d) e cropia glaziovii ), grandiúva (Trema micran-
das canelas (REITZ; KLEIN; REIS, 1979). ta), tucaneira (Citharexylum myrianthum) na
Na Vertente Atlântica, a canela-preta Vertente Atlântica; no Planalto Central
(Ocotea catharinensis) (Figura 1g) e demais na Floresta Ombrófila Mista a bracatin-
canelas (Ocotea spp., Nectandra spp. e Crypto- ga (Mimosa scabrella) e o vassourão-bran-
carya spp.), o cedro, a peroba (Aspidosperma co (Piptocarpha angustifolia); no Oeste, na
australis) (Figura 1i), a pindabuna (Duguet- Floresta Estacional baga-de-pomba (Alo-
tia lanceolata), garajuva (Buchenavia kleinii), o phyllus edulis), timbó (Ateleia glazioveana),
sassafrás (Ocotea odorifera) (Figura 1h) – do canela-imbuia ou canela-burra (Nectandra
qual se extraía o óleo de sassafrás, valio- megapotamica), bem como o emaranhado
so no mercado internacional de essências de plantas trepadeiras, entre tantas ou-
e o palmiteiro (Euterpe edulis) – do qual se tras. Como evidenciado, as perturbações
extraía o palmito para alimentação huma- na f loresta propiciam a entrada de espé-
na (REITZ; KLEIN; REIS, 1979). Destas, cies secundárias, cujas comunidades são
a canela-preta, o sassafrás e o palmiteiro denominadas de capoeiras e capoeirões,
também estão na lista das espécies ameaça- com menor número de espécies e comple-
das de extinção. xidade estrutural.
D E F
G H I
Figura 1: Espécies madeireiras valiosas e sobre-exploradas em Santa Catarina: a) Pinheiro-do-paraná (Arau-
caria angustifolia); b) imbuia (Ocotea porosa); c) xaxim-mono (Dicksonia sellowiana); d) cedro (Cedrela fissilis);
e) canafístula (Peltophorum dubium). Foto: Márcio Verdi; f) grápia (Apuleia leiocarpa); g) canela-preta (Ocotea ca-
tharinensis); h) sassafrás (Ocotea odorifera); i) peroba (Aspidosperma australis). Demais fotos: Lucia Sevegnani
Em áreas com relevo acidentado como ecológica (ver Capítulo 2), ou seja, recupe-
os vales, estas estradas favorecem os es- ram-se após perturbação. No entanto, a in-
corregamentos de terra, mesmo décadas tensa ou contínua supressão de espécies de
após a sua abertura, como ocorrido no interesse, como aconteceu e ainda acontece
Vale do Itajaí em 2008 (FRANK; SE- em Santa Catarina (VIBRANS et al., 2012a),
VEGNANI, 2009). reduz a disponibilidade de alimento para as
As florestas têm capacidade de resiliência espécies de animais.
A B
C D
A agricultura familiar deve ser mantida e aspergidos com o uso de tratores, de pessoas
apoiada por políticas públicas, no entanto, a ou de aviões. Seus impactos negativos afetam
agricultura cobrindo dezenas de hectares com as populações de insetos e demais grupos de
um mesmo cultivo e uso constante de agrotó- animais, incluindo os vertebrados; de micro-
xicos, tem sérios impactos sobre a biodiversi- -organismos como fungos, bactérias e algas;
dade e provocam degradação grave dos solos. bem como as plantas sensíveis ao seu efeito.
Os riscos advêm, principalmente, do uso Os agrotóxicos induzem à seleção de es-
dos agrotóxicos (Figura 5) e fertilizantes que pécies resistentes, nativas do Brasil ou exó-
se disseminam silenciosamente pelo ar, pela ticas, podendo estas se tornarem pragas ou
água ou nas plantas cultivadas, matando, in- patógenos, afetando cultivos ou ecossistemas;
toxicando, provocando males de curto ou limitam, também, as redes de interações entre
longo prazo sobre a biota. Segundo a ANVI- espécies como a polinização, a herbivoria, a
SA – Agência Nacional de Vigilância Sanitá- predação e a dispersão de sementes. O des-
ria, em 2009, foram vendidos mais de 780 mil matamento e o uso de agrotóxicos causaram
toneladas de agrotóxicos no país. o desaparecimento de muitas espécies de in-
Denominados de herbicidas, fungicidas, setos em todo o Estado, registrados por Fritz
acaricidas, nematicidas ou inseticidas, entre Plaumann no Oeste. Felizmente, as embala-
outros, os agrotóxicos são pulverizados ou gens vazias de agrotóxicos estão sendo reco-
8.1.5 E s p é c i e s E xó t ic a s I n va s or a s
Outra ação humana na zona rural e ur- e campos do Sul do Brasil, originário da
bana é a introdução de espécies exóticas Europa, está invadindo milhares de hecta-
(intencional ou não) nas propriedades. As res de florestas e agricultura, causando per-
espécies exóticas invasoras no Brasil são das enormes aos ecossistemas e às lavouras;
consideradas ameaças à biodiversidade, há também o caramujo africano (Achatina
abarcando dezenas de espécies de animais fulica) (Figura 6); o lírio-do-brejo (Hedichium
e plantas que invadem ecossistemas, ocu- coronarium) (Figura 5), Pinus spp., Casuarina
pando os lugares e os recursos das espécies equisetifolia, a uva-do-japão (Hovenia dulcis),
nativas. São exóticas por não serem nativas champaca (Magnolia champaca), o ligustro ou
do Brasil e consideradas invasoras porque alfeneiro (Ligustrum lucidum) e o espinhento
aparecem como espontâneas em áreas em urze ou maleza (Ulex europaeus) nos campos
que não são cultivadas têm alta taxa repro- do planalto. Das 102 espécies de plantas
dutiva, sendo de difícil controle. exóticas registradas pelo IFFSC nas flores-
Alguns exemplos famosos de espécies tas e sua proximidade, a mais frequente foi
exóticas invasoras são o javali (Sus scrofa), a uva-do-japão.
introduzido com fins de caça, nas florestas No entanto, o inventário das florestas
Figura 7: Plantação de Pinus sp. no planalto de Santa Catarina. Foto: Márcio Verdi
8.1.7 A caça
A caça de animais como mamíferos, aves, mortos, para alimentação, tráfico, e outros.
répteis e, inclusive, insetos como as borboletas Espécies comuns ou raras, endêmicas ou
coloridas, são outro grande e impactante fator de não, estão com populações muito reduzidas, o
degradação. A caça está proibida no Brasil desde que significa que têm poucos indivíduos para
1967 pela LEI N° 5.197, há 46 anos, e é catego- se cruzar e produzir filhotes. Os animais que
rizada como crime ambiental, conforme previs- conseguem escapar dos desmatamentos, das
to na LEI No 9.605, de 1998. No entanto, essa queimadas, dos agrotóxicos, dos atropelamen-
atividade humana tem sido constatada em toda tos em rodovias são insistentemente persegui-
Santa Catarina, desde a colonização, reduzindo dos e mortos por caçadores dotados de armas
ou eliminando espécies dos ecossistemas. possantes e armadilhas (Figura 8).
As espécies de maior tamanho são os maio- Sem a fauna de grande porte e restrito núme-
res alvos: veados, onça, puma, gatos-do-mato, ro das de pequeno porte, as teias alimentares são
jaguatirica, porcos-do-mato, raposa-do-campo, empobrecidas e os serviços ambientais como a
graxaim, tatus, macacos, cutias, pacas, capiva- dispersão de sementes, polinização, controle na-
ras, gambás, jacus, ema, marrecas, perdizes, tural de população de outros animais e plantas
gaviões, macucos, rolas, jacarés, jararacuçu, ja- são reduzidos, com grande impacto negativo
raracas, cascavéis, lagartos e até beija-flores são para os ecossistemas. A existência de florestas
Figura 8: Os animais não podem viver sem a sua pele, mas, com certeza, as pessoas podem viver sem a
pele deles. Da esquerda para a direita: quati, jaguatirica, ovelha e raposa-do-campo. Foto: Lucia Sevegnani
Santa Catarina é rica em minérios, sen- a água e o solo com os rejeitos piritosos,
do os mais importantes: o carvão mineral, liberadores de compostos de enxofre que
o caulim, as argilas vermelhas, o calcário, acidificam a água subterrânea e superficial
as rochas (basalto, granito, gnaisse, sei- (Figuras 9a, b).
xos), areias e ouro. A mineração que cobre As demais atividades de mineração estão
maior área de exploração contínua é a de dispersas pelo Estado gerando divisas eco-
carvão mineral efetuada na bacia do rio nômicas e muitos impactos ambientais nas
Tubarão e Araranguá no sul do Estado, áreas de exploração. A retirada de seixos e
abrangendo 5.700 ha de áreas degradadas areia do leito dos rios tem provocado es-
e, destes, 1.700 ha estão em processo de corregamentos das margens afetando áreas
recuperação ambiental. Esta contamina rurais e urbanas.
A B
Figura 9: Poluição resultante da mineração do carvão: a) Rejeitos piritosos e seu efeito na água, em Cri-
ciúma, 1998; b) Recuperação parcial, mas ainda com poluição dos cursos d’água, em Urussanga, 2012.
Fotos: Lucia Sevegnani
8.1.9 Hidrelétricas e P a r q u e s E ó l i co s
Num mundo e país cada vez mais de- Os barramentos de rios (Figura 4a), ou ca-
pendente de megaquantidades de energia nalização da água para tubulações, necessá-
e com muito desperdício, grande parte das rios ao funcionamento de centrais hidrelétri-
fontes potenciais de geração de energia está cas modificam a dinâmica dos rios, gerando
sendo, ou serão, exploradas. O Brasil é um impactos negativos importantes, perenes e
líder mundial em produção e uso da ener- temporários, sobre a biodiversidade dos rios
gia originada da água, através das Usinas e zona ripária. Ou seja, extinguem-se os rios
Hidrelétricas (UHE), Aproveitamento Hi- naturais. Os movimentos migratórios dos
droelétrico (AHE) e Pequenas Centrais Hi- animais aquáticos, especialmente os peixes,
drelétricas (PCH). são também barrados. Espécies que fazem pi-
Figura 10a: Usina Hidrelétrica de Barra Grande, em Anita Garibaldi. Foto: Marcio Verdi
Ameaças à B i o d i v e r s i d a d e | 2 11
criadas. As populações humanas são muito Embora não utilizem a água, destaca-se
afetadas e sofrem com os empreendimentos outro tipo de empreendimento de geração de
pela necessidade de deixar o local, pelo atraso energia, os parques eólicos. Essa é uma tec-
no processo indenizatório das terras e, tam- nologia recentemente utilizada no Brasil, mas
bém, pela dificuldade de construir novos la- está em franco processo de expansão, inclusi-
ços no novo espaço, fato que gerou o justo ve no planalto de Santa Catarina. Inicialmen-
movimento social dos “Atingidos por Barra- te considerada de baixo impacto, constatou-se
gens”. no Brasil que as torres com suas pás gigantes e
Após a entrada em funcionamento da hi- giratórias emitem vibrações na atmosfera cir-
drelétrica, os ecossistemas aquáticos e ter- cundante, fazendo com que morcegos e aves
restres se reorganizam, contando com as se desorientem, batendo mortalmente nas pás.
espécies que restaram e as que chegam, aos Os morcegos são as vítimas mais frequen-
poucos, através dos processos de dispersão e tes e abundantes, e sua falta no ecossistema
migração. No entorno dos reservatórios, deve gera perda de serviços ambientais. Como as
ser mantida área de proteção permanente para linhas de torres podem atingir até 10 km de
amortizar os fatores de degradação sobre a extensão ou formar agrupamentos dessas e
água, bem como possibilitar a instalação e o ter até 100 m de altura, os impactos são pre-
fluxo de espécies ao longo das margens. ocupantes.
8 .1 .1 0 Poluiç ão d o a r , da água e d o s ol o ru r a l ou u r ba no
A poluição está distribuída em todos os floresta vizinha. Toda essa poluição afeta a
meios e em todas as regiões de Santa Ca- biodiversidade próxima e distante.
tarina. Apresenta características e inten- A poluição da água, determinada pelos
sidades variáveis, dependendo do tipo, da efluentes industriais e esgoto urbano, cada
quantidade e da frequência da emissão dos vez mais rico em produtos químicos, am-
poluentes. pliados pela carga de resíduos sólidos depo-
No ambiente urbano há a poluição at- sitados no leito dos rios, causam a morte da
mosférica, através do lançamento contínuo biodiversidade dos rios e oceano. Há, tam-
de gases tóxicos provindos das indústrias bém, a alteração do tamanho, da largura e da
e do trânsito; a sonora (sons de diferentes dinâmica dos cursos d´água, resultantes das
fontes); a luminosa (as luzes noturnas per- obras de engenharia, tais como dragagens,
manentemente acesas provocam mortalida- retificações, aterramentos e tubulação. Essas
de de milhões de insetos todas as noites, obras afetam o ecossistema rio e a zona ripá-
bem como, reduzem a população dos mais ria. Com isso, espécies são postas em risco,
sensíveis, além de impedir que se observe o especialmente as restritas a esses ambientes.
maravilhoso universo estrelado exposto na A contaminação do solo, provocada por
tela do céu noturno); a térmica (gases aque- resíduos sólidos (lixo), líquidos de toxidade
cidos liberados na atmosfera). Há, ainda, a variada e demandantes de longo tempo de
formação de ilhas de calor, resultante da degradação, está por toda a parte. Quando
concentração de área construída e redução os resíduos são destinados para os aterros
da cobertura florestal no entorno de casas e controlados, o seu volume é imenso pela fal-
cursos d´água - o aumento da temperatura ta de ações de redução, reciclagem, reutiliza-
pode ser de até dois graus em relação a uma ção e boa destinação dos resíduos.
212 | B i o d i v e r s i d a d e C ata r i n e n s e
Figura 10b: Nascente do rio Itajaí na Reserva Rio das Furnas, município de Alfredo Wagner:
categoria um e ótima qualidade, antes de passar por áreas agrícolas. Foto: Renato Rizzaro
Figura 11: Quati atropelado em rodovia (Nasua nasua). Foto: Djeison F. de Souza
8.1.12 Portos
Os complexos portuários de São Fran- ras, afetando a biota das águas litorâneas,
cisco, de Itajaí, de Imbituba recebem, anu- das restingas e manguezais e das cidades.
almente, centenas de navios provindos dos Os derrames de combustíveis, esgotos e
mais diferentes países (Figura 13). Eles demais poluentes são frequentes e de alto
transportam nossa produção agrícola, pe- impacto. Responsáveis pelos grandes flu-
cuária, papel e celulose e demais produtos xos de exportação e importação, os portos
industriais, trazendo manufaturados de provocam destruição dos ecossistemas es-
outros países. Mas também trazem consi- tuarinos, na desembocadura dos principais
go espécies que podem se tornar invaso- rios e baías catarinenses.
Os balneários, tão comuns na faixa litorâ- seus arranha-céus, está tornando alguns bal-
nea de Santa Catarina, são locais de lazer de neários selvas-de-pedra, como em Balneário
da maior parte da população estadual e dos Camboriú (Figura 13), Meia Praia e parte de
milhões de turistas que nos visitam. Todos Florianópolis (Figura 14a).
buscam belas paisagens, atividades culturais A urbanização das grandes e pequenas
e de lazer nas cidades polo. No entanto, a cidades litorâneas, em geral, se dá pela ocu-
densidade das construções urbanas, com pação das restingas e dos manguezais, re-
Ameaças à B i o d i v e r s i d a d e | 215
movendo a vegetação nativa, impermeabili- ainda capaz de assegurar a manutenção da
zando e poluindo o solo e a água, gerando vida para o futuro. Cada prefeitura deseja
muitos resíduos (Figuras 14a, b). A biodiver- urbanizar o mais lindo recanto natural de
sidade perde espaço para as pessoas e suas seu município e as perdas de ecossistemas
atividades e não há zoneamento costeiro vão se acumulando.
Figura 13: Adensamento urbano em Balneário Camboriú ocupa toda a orla marítima. Foto: Luiz Schramm
Ameaças à B i o d i v e r s i d a d e | 217
8.1.14 Erosão gen étic a - a b i o d i v e r s i d a d e s e va i s i l e n c i o s a
A variabilidade genética é o terceiro nível do dois irmãos naturais são cruzados entre si.
da biodiversidade, sendo o segundo, o nú- Para os animais chamamos isso de consan-
mero de espécies e o primeiro, os diferentes guinidade, mas a palavra certa é alta endo-
ecossistemas formados por elas, de acordo gamia, ou seja, sucessivos cruzamentos entre
com a Convenção para a Diversidade Bioló- aparentados, resultando em baixa variabili-
gica (CDB, 1992). A expressão “erosão gené- dade genética. Espécies de plantas e animais
tica” traz consigo o sentido de perda lenta, como a anta, a onça, os veados, entre cente-
progressiva e silenciosa. nas de outras, estão na mesma situação que a
No mundo existem sete bilhões de pessoas Araucaria. Somente a conservação dos ecos-
diferentes. Se considerada somente a espécie, sistemas pode minimizar a perda genética.
poderia ser deixado somente um casal para As ameaças apresentadas até aqui são nu-
representar os humanos, pois esses são todos merosas e, quando ocorrem em conjunto,
Homo sapiens. Com certeza, com essa ação, a seus efeitos se ampliam, causando danos aos
humanidade ficaria muito empobrecida gené- três níveis da biodiversidade (genética, de es-
tica e culturalmente, além de muito fragili- pécies e de ecossistemas). Portanto, a valio-
zada frente às doenças provocadas por vírus, sa vida nativa do Estado de Santa Catarina
bactérias e aos fatores climáticos. precisa de proteção e conservação. A prote-
Mas, se consideramos absurdo tomar essa ção exige manter a biodiversidade intocada
decisão em relação às pessoas, esquecemos e ela deve ocorrer no interior das Unidades
que é exatamente isso que estamos fazendo de Conservação. A conservação significa o
com as populações de milhares de espécies uso criterioso, racional e sustentável, man-
de animais, plantas ou micro-organismos, co- tendo saudáveis os ecossistemas bem como
nhecidos ou não, presentes em nosso planeta. as populações viáveis em seu interior. Uma
Vamos dar alguns exemplos: o pinheiro-do- tarefa vultosa e árdua, mas com benefícios
-paraná (Araucaria angustifolia) teve suas popu- para todos, todos. A educação tem um papel
lações tão exploradas que, a análise genética fundamental nesse processo de conservação
feita por Reis et al. (2012a), evidenciou que a e preservação das espécies, pois contribui de
variabilidade genética dessa espécie está se- forma significativa para a educação científica
melhante àquela encontrada nos filhos, quan- do cidadão.
218 | B i o d i v e r s i d a d e C ata r i n e n s e
vivências dos estudantes, estimuladas pelos deve propiciar aprofundamento teórico e prá-
professores. Portanto, é necessário que haja tico sobre a biodiversidade. Pois, somente é
docentes que possam desenvolver ações em possível formar um cidadão ciente e defensor
prol da educação científica e da valorização da conservação da vida se isso for estimulado
da vida junto aos estudantes (ver Capítulo 1). desde a mais tenra idade e ampliado ao longo
A formação dos professores é tarefa das de toda sua trajetória escolar.
universidades e centros educacionais e esta
8.2 Espécies a m e aç a da s de ex ti nç ão
Ameaças à B i o d i v e r s i d a d e | 219
A B
D
Figura 15: Espécies ameaçadas de extinção: a) Palmiteiro (Euterpe edulis). Foto: Lucia Sevegnani;
b) Veado-campeiro (Ozotoceros bezoarticus). Foto: Fernanda Braga; c) Onça-pintada (Panthera onca).
Foto: Fernando Tortato; d) Anta (Tapirus terrestris). Foto: Danilo Kluyber (Iniciativa Nacional para a
Conservação da Anta Brasileira / Lowland Tapir Conservation Initiative)
Potencialidades de uso
da Biodiversidade
L ucia S evegnani 1
R udi R icardo L aps 2
E dson S chroeder 3
Fu nções
A
9.1 e co l ó g i c a s e s e r v i ç o s a m b i e n ta i s
SEVEGNANI, L.; LAPS, R. R.; SCHROEDER, E. Potencialidades de uso da biodiversidade. In: SEVEGNANI, L.; SCHROEDER, E.
Biodiversidade catarinense: características, potencialidades e ameaças. Blumenau: Edifurb, 2013, p. 222-243.
A B
T U R I S M O E M Á R E A S N AT U R A I S:
M arialva T omio D reher
O
Doutora em Engenharia de Produção, administradora, professora e pesquisadora na Universidade Regional de Blumenau - FURB
A B
C D
Figura 2: Desastres frequentes em Santa Catarina que a biodiversidade pode amenizar. a) Tem-
pestades ameaçadoras; b) Escorregamento de encosta em 2008, Ilhota; c) Escorregamento de en-
costa após corte para construção de residência em 2008, Blumenau; d) Toneladas de escombros
formadas por mobiliário doméstico, comercial ou industrial, em Rio do Sul, inundação de ago/11.
F otos: L ucia S evegnani; e) Estiagem no Oeste. Foto:L audir L. P erondi; f) Inundação lenta, ou enchen-
te em Blumenau, 2011. F oto: L ucia S evegnani
C O M O O S M O R A D O R E S DA Z O N A R U
J uarez J osé V anni M üller
Mestre em Fitotecnia, engenheiro agrônomo e pesquisador da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural
de Santa Catarina, coordenado do IFFSC - socioambiental)
A EPAGRI realizou
o levantamento
socioambiental dos
recursos florestais de
Santa Catarina financiado pela FAPESC,
que buscou identificar as espécies
de plantas nativas mais utilizadas,
água são os serviços das florestas
naturais mais usados e valorizados
pelos moradores de seu entorno.
Para que as pequenas propriedades
se mantenham viáveis economicamente
e fornecendo condições adequadas
para a manutenção dos agricultores
seus usos atuais e potenciais, sua no campo, são necessárias políticas
importância para a população do ponto públicas voltadas à agricultura familiar.
de vista econômico, social e cultural e Dessa forma, pode-se evitar a tendência
as percepções dos moradores sobre as atual de êxodo rural, envelhecimento
matas nativas. A pesquisa foi realizada da população residente e predomínio
por intermédio da aplicação de um de pessoas do sexo masculino nas
questionário junto aos moradores propriedades, como foi observado
do entorno de 123 remanescentes nesta pesquisa. Consegue-se também
florestais, totalizando 777 entrevistas a preservação do meio ambiente e o
nas diferentes regiões do Estado. fornecimento dos serviços ambientais
Dos resultados, destacamos indispensáveis aos catarinenses.
que os recursos florestais nativos Sugerem-se algumas ações como
pouco contribuem para a renda das a melhoria das condições de vida
populações do entorno das áreas dos habitantes do meio rural (saúde
florestais; apenas a erva-mate e pública, saneamento, telefonia,
araucária contribuem para formação acesso à internet, estradas, coleta
da renda familiar. As matas são de lixo, educação, entre outros); e a
percebidas como mais importantes na realização de campanha permanente de
prestação de serviços ambientais do educação ambiental e esclarecimento
que para o fornecimento de produtos. sobre a legislação ambiental.
A proteção e a regularização de fontes Certamente essas ações serão
de água e rios é a função ambiental muito efetivas na manutenção do ser
das florestas mais valorizada. humano no meio rural, recuperando
Os entrevistados citaram 176 espécies a sua dignidade e interrompendo
madeiráveis e 274 espécies não a erosão de seus conhecimentos
madeiráveis, todas nativas de Santa centenários, e tendo a participação
Catarina. A proteção de nascentes deles como parceiros na manutenção
juntamente com a produção de e preservação dos ecossistemas.
P R O P O S TA S P A R A U M A N O VA P O L Í
A lexander C hristian V ibrans
Doutor em Geografia, engenheiro florestal, professor e pesquisador na Universidade Regional de Blumenau,
Coordenador do IFFSC
O 2
inventário das florestas ca- Programa de silvicultura de espécies
tarinenses veio preencher arbóreas nativas visando, além da
uma lacuna no conhecimento salvaguarda do material genético ainda
sobre o “terço florestal” do existente, mediante sua reprodução,
território do Estado de Santa Catarina e tanto plantios de recuperação em
permite aos gestores deste território, a áreas protegidas, como em áreas de
partir de sua abrangente base de dados, preservação permanente e de Reserva
elaborar medidas para desenvolver o Legal nas propriedades particulares,
potencial social, econômico e ambiental bem como a expansão da cobertura
dos seus recursos florestais (ver Figu- florestal nativa, mediante plantio de
ra). Permite ainda saber quais as bacias florestas destinadas à produção;
hidrográficas que demandam maior prote-
ção de suas florestas, visando garantir a
proteção dos mananciais e dos aquíferos;
para minimização dos desastres ambien-
3 Programa de incentivo ao manejo
de produtos madeireiros e não
madeireiros de florestas secundárias,
tais; bem como saber o município ou baseadas em formas tradicionais
região do Estado que enfrenta problemas de utilização, como em formas
na conservação dos recursos florestais. inovadoras de colheita seletiva de
árvores maduras em remanescentes
Ao mesmo tempo, possibilita à so- de florestas secundárias;
ciedade catarinense acesso aos dados
coletados e às informações geradas,
permitindo-lhe cobrar do poder público
agilidade na implantação de uma nova
4 Programa de defesa florestal,
envolvendo prevenção e controle
de incêndios, defesa fitossanitária
política florestal, verdadeiramente orien- e controle de espécies invasoras;
tada para os interesses coletivos. Esta
deve ser composta por uma série de pro-
gramas considerados prioritários, como: 5 Programa de integração das ações
de licenciamento, fiscalização e
regularização ambiental das propriedades
Propriedade rural com floresta e uso do solo diversificado na Valada Mosquitinho, em Agronômica.
Foto: Lucia Sevegnani
Embora geralmente abrigando mais es- mado por jardim (cultivo de flores), horta
pécies exóticas que nativas, os quintais são (de hortaliças) e pomar (de frutíferas) para
ricas fontes de recursos. Todo aquele que colher um ramalhete de flores, uma bacia
teve a oportunidade de ir ao quintal – for- de crocantes hortaliças ou para subir no
A B
Figura 4: Biodiversidade nos quintais: a) Casa rodeada pela biodiversidade de espécies cultivadas;
b) Casa deserto. Fotos: Lucia Sevegnani
9. 6 U n i d a d e s
d e co n s e r va ç ã o :
fo n t e s d e b i o d i v e r s i d a d e
U N I D A D E S D E C O N S E R VA Ç Ã O - P R E
L auro E duardo B acca
D
Mestre em Ecologia, biólogo, professor aposentado da Universidade Regional de Blumenau,
ex-diretor do Museu de Ecologia Fritz Müller
24 0 | Biodiversidade Catarinense
Figura 5: Vista aérea do Parque Nacional da Serra do Itajaí (ICMBio), no Vale do Itajaí - o hostspot de
biodiversidade do Estado de Santa Catarina. Foto: Lucia Sevegnani
W igold B. S chäffer
M
Administrador de Empresas, ambientalista e sócio fundador da APREMAVI
e ex-coordenador do Núcleo Mata Atlântica e Pampa do Ministério do Meio Ambiente
A B
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Renato Rizzaro/Reserva Rio das Furnas
Impresso nas Oficinas Gráficas da Impressul
Jaraguá do Sul - Santa Catarina