Recurso Especial #1.671.422 - SP

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Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.671.422 - SP (2017/0110208-3)

RELATOR : MINISTRO RAUL ARAÚJO


RECORRENTE : ASDA
ADVOGADO : ALDE DA COSTA SANTOS JÚNIOR - DF007447
RECORRENTE : CCH
ADVOGADOS : REGINA BEATRIZ TAVARES DA SILVA - SP060415
LUÍS EDUARDO TAVARES DOS SANTOS - SP299403
EMENTA

RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DE


FAMÍLIA. CASAMENTO. ALTERAÇÃO DO REGIME DE BENS DE
SEPARAÇÃO TOTAL PARA COMUNHÃO UNIVERSAL.
RETROAÇÃO À DATA DO MATRIMÔNIO. EFICÁCIA "EX TUNC".
MANIFESTAÇÃO EXPRESSA DE VONTADE DAS PARTES.
COROLÁRIO LÓGICO DO NOVO REGIME. RECURSO ESPECIAL
PROVIDO.
1. Nos termos do art. 1.639, § 2º, do Código Civil de 2002, "é admissível
alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido
motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões
invocadas e ressalvados os direitos de terceiros".
2. A eficácia ordinária da modificação de regime de bens é "ex nunc",
valendo apenas para o futuro, permitindo-se a eficácia retroativa ("ex
tunc"), a pedido dos interessados, se o novo regime adotado amplia as
garantias patrimoniais, consolidando, ainda mais, a sociedade conjugal.
3. A retroatividade será corolário lógico do ato se o novo regime for o da
comunhão universal, pois a comunicação de todos os bens dos cônjuges,
presentes e futuros, é pressuposto da universalidade da comunhão,
conforme determina o art. 1.667 do Código Civil de 2002.
4. A própria lei já ressalva os direitos de terceiros que eventualmente se
considerem prejudicados, de modo que a modificação do regime de bens
será considerada ineficaz em relação a eles (art. 1.639, § 2º, parte final).
5. Recurso especial provido, para que a alteração do regime de bens de
separação total para comunhão universal tenha efeitos desde a data da
celebração do matrimônio ("ex tunc").

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas,


decide a Quarta Turma, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do
Sr. Ministro Relator. A Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti e os Srs. Ministros Antonio Carlos
Ferreira, Marco Buzzi e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator. Sustentou,
oralmente, o Dr. Alde da Costa Santos Júnior, pela parte recorrente.
Brasília, 25 de abril de 2023 (Data do Julgamento)

MINISTRO RAUL ARAÚJO - Presidente e Relator

Documento: 2288833 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 30/05/2023 Página 1 de 6
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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUARTA TURMA

Número Registro: 2017/0110208-3 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.671.422 / SP

Números Origem: 10564132220148260100 20160000239471 20160000479887

PAUTA: 18/04/2023 JULGADO: 18/04/2023


SEGREDO DE JUSTIÇA
Relator
Exmo. Sr. Ministro RAUL ARAÚJO
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro RAUL ARAÚJO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. ANTÔNIO CARLOS PESSOA LINS
Secretária
Dra. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI

AUTUAÇÃO
RECORRENTE : A SDA
ADVOGADO : ALDE DA COSTA SANTOS JÚNIOR - DF007447
RECORRENTE : CCH
ADVOGADOS : REGINA BEATRIZ TAVARES DA SILVA - SP060415
LUÍS EDUARDO TAVARES DOS SANTOS - SP299403

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Família - Casamento

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão
realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Adiado o julgamento para a próxima sessão (25/4/2023).

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.671.422 - SP (2017/0110208-3)
RELATOR : MINISTRO RAUL ARAÚJO
RECORRENTE : ASDA
ADVOGADO : ALDE DA COSTA SANTOS JÚNIOR - DF007447
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RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO RAUL ARAÚJO:


Trata-se de recurso especial interposto por A. S. D. A. e C. C. H. D. A., com
fundamento no art. 105, III, "a" e "c", da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal de Justiça
do Estado de São Paulo, assim ementado (e-STJ, fl. 107):
"EMENTA - CASAMENTO - ALTERAÇÃO DE REGIME DE BENS
(separação total para comunhão universal) - Decreto de procedência -
Recurso interposto pelos autores, pleiteando que a alteração retroaja à
data da celebração do casamento - Inadmissibilidade - Modificação de
regime de bens que possui efeito ex nunc - Inteligência do art. 1.639, §
2º, do Código Civil - Precedentes, inclusive do C. STJ - Sentença mantida
- Recurso improvido."

Opostos embargos de declaração, foram rejeitados (e-STJ, fls. 160/163).


Nas razões do recurso especial, os recorrentes apontam violação do art. 1.667 do
Código Civil de 2002, bem como divergência jurisprudencial, argumentando que a modificação do
regime de bens deve produzir efeitos ex tunc. Assim, pedem o provimento do recurso especial,
determinando-se que o regime da comunhão universal de bens adotado pelas partes retroaja à data
do casamento, importando a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas
dívidas passivas.
O Ministério Público Federal manifestou-se pelo desprovimento do recurso
especial (e-STJ, fls. 264/271).
Inicialmente, proferi decisão negando provimento ao recurso especial (e-STJ, fls.
285/287).
Após a interposição de agravo interno, reconsiderei a decisão monocrática para
submeter o julgamento do recurso ao colegiado (e-STJ, fl. 320).
É o relatório.

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.671.422 - SP (2017/0110208-3)
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VOTO

O SENHOR MINISTRO RAUL ARAÚJO (Relator):


Os recorrentes ajuizaram a presente ação ordinária visando à alteração do regime
de separação total para o regime de comunhão universal de bens, sob o argumento de que o
regime de separação total adotado no matrimônio, celebrado em 02/09/2004, não atendia mais aos
interesses do casal, tendo em vista que a relação se solidificou e os cônjuges construíram o
patrimônio por esforço comum.
O d. Juiz de Direito da 9ª Vara da Família e Sucessões do Foro Central Cível da
Comarca de São Paulo julgou procedente o pedido, para alterar o regime de bens estabelecido,
quando do matrimônio, para o da comunhão universal, alcançando tal modificação os bens
adquiridos após o trânsito em julgado da sentença.
Os autores apelaram quanto aos efeitos da modificação do regime de bens,
afirmando que devem retroagir à data do matrimônio, porque a finalidade da ação é exatamente a
comunicação de todos os bens presentes existentes, independentemente da data de aquisição.
O eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo negou provimento à apelação,
nos termos da seguinte fundamentação (e-STJ, fls. 108/109):
"Em que pesem os reclamos dos apelantes, reputo correta a r. sentença
ao consignar, em sua parte dispositiva, que a alteração do regime de
bens deferida possui eficácia a partir do trânsito em julgado.
Com efeito, descabido que a alteração retroaja à data da celebração do
casamento, como pretendem os recorrentes, haja vista que a sentença de
procedência, em casos tais, gera efeitos ex nunc. Possui, portanto, efeito
prospectivo, de sorte que não incide sobre o patrimônio já constituído.
Essa a exegese do artigo 1.639, § 2º, do Código Civil.
Em comento ao referido dispositivo legal, NELSON NERY JÚNIOR e
ROSA MARIA ANDRADE NERY, na Obra Código Civil Comentado, 10ª
edição, Editora Revista dos Tribunais, às págs. 1.429/1.430, ensinam
que:

'Eficácia da modificação. O novo regime de bens passa a


produzir efeitos a partir do trânsito em julgado da autorização do

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Juiz, entre os cônjuges. Após a averbação no assento de
casamento e nos registros respectivos fundamentais ao
resguardo dos interesses de terceiro (registro imobiliário, junta
comercial, registro de pessoa jurídica, etc.), passa a ter eficácia
erga omnes'.” (grifou-se)

Como se vê, não obstante tenha sido concedida a modificação do regime de bens do
casamento, de separação total para comunhão universal, consignou-se que a alteração do regime
deferida teria eficácia somente a partir do trânsito em julgado, ou seja, os efeitos seriam ex nunc.
O Código Civil de 2002 dispõe:
Art. 1.639. É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento,
estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver.
§ 1º O regime de bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data
do casamento.
§ 2º É admissível alteração do regime de bens, mediante autorização
judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a
procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros.

Art. 1.667. O regime de comunhão universal importa a comunicação de


todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas,
com as exceções do artigo seguinte.

Art. 1.668. São excluídos da comunhão:


I - os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e
os sub-rogados em seu lugar;
II - os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro
fideicomissário, antes de realizada a condição suspensiva;
III - as dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas
com seus aprestos, ou reverterem em proveito comum;
IV - as doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ao outro com a
cláusula de incomunicabilidade;
V - Os bens referidos nos incisos V a VII do art. 1.659.

No recurso especial, apontou-se como violado o artigo 1.667 do Código Civil de


2002, acima transcrito. Os recorrentes argumentam que a alteração do regime do casamento para
comunhão universal implica a comunicação de todos os bens do casal, não sendo possível
determinar que tal comunicação ocorrerá apenas com relação aos bens adquiridos após o trânsito
em julgado da sentença que determinou tal modificação, sob pena de desvirtuamento do próprio
regime da comunhão universal. Complementam que comprovaram nos autos, mediante a
apresentação de certidões - inclusive atualizadas no curso do processo -, a inexistência de dívidas e
de prejuízos a terceiros, o que foi ressaltado na r. sentença de primeiro grau.

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A questão controvertida consiste, então, nos efeitos retroativos ou prospectivos
da modificação do regime de bens no casamento, quando ocorre de separação total para
comunhão universal, ou seja, se operam os efeitos a partir do trânsito em julgado da sentença
(eficácia ex nunc), como decidiram as instâncias ordinárias, ou se devem retroagir à data do
matrimônio (eficácia ex tunc), como postulam as partes.
Como é cediço, a modificação do regime de bens foi admitida pelo Código Civil de
2002, especialmente no seu art. 1.639, § 2º, supratranscrito.
Nos termos da literalidade da norma, a alteração do regime de bens não poderá
prejudicar os direitos de terceiros. Constata-se, assim, a preocupação de se proteger a boa-fé
objetiva, em desprestígio da má-fé, de modo que a alteração do regime não poderá ser utilizada para
fraude em prejuízo de terceiros, inclusive de ordem tributária.
Assim, em qualquer hipótese, havendo prejuízo para terceiros de boa-fé, a alteração
do regime de bens deve ser reconhecida como ineficaz em relação a esses, o que não prejudica a
sua validade e eficácia entre as partes e de modo geral.
Quanto aos efeitos da sentença que defere a alteração do regime de bens, as
instâncias ordinárias seguiram a posição segundo a qual os efeitos dessa alteração são ex nunc, ou
seja, a partir do trânsito em julgado da decisão.
Para fundamentar tal posicionamento, o v. acórdão recorrido cita julgado da eg.
Terceira Turma do STJ (REsp 1.300.036/MT, DJe de 20.05.2014) reconhecendo a eficácia ex
nunc da alteração do regime de bens, tendo por termo inicial a data do trânsito em julgado da
decisão judicial que o modificou. Por oportuno, colhe-se do voto do ilustre Relator do aludido recurso
especial, o sempre admirado Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, a seguinte fundamentação:
"O segundo ponto controvertido situa-se em torno da fixação do termo
inicial dos efeitos dessa alteração do regime de bens: retroação à data do
casamento (eficácia "ex tunc") ou a partir da data do trânsito em julgado
da decisão judicial que o alterou (eficácia "ex nunc").
Essa questão, ainda hoje debatida na doutrina e na jurisprudência, é
relevante na espécie, pois as partes, após alguns anos de união estável,
casaram-se, em 24/05/1997, pelo regime da separação de bens,
alterando esse regime para comunhão parcial em 2007, deflagrando-se
o processo de separação em outubro de 2008.
Em relação a eficácia "ex tunc", o acórdão recorrido sintetiza os
argumentos em prol dessa tese, sendo o principal deles o de que o regime
de bens do casamento deve ser único ao longo de toda a relação
conjugal.
Em relação à eficácia "ex nunc", o argumento central é no sentido de
que a eficácia da alteração de um regime de bens, que era válido e
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eficaz, deve ser para o futuro, preservando-se os interesses dos cônjuges
e de terceiros.
Penso ser esta segunda a melhor orientação, pois não foi estabelecida
pelo legislador a necessidade de que o regime de bens do casamento seja
único ao longo de toda a relação conjugal, podendo haver a alteração
com a chancela judicial.
Devem-se respeitar os efeitos do ato jurídico perfeito celebrado sob a
égide do Código Civil de 1916, conforme expressamente ressalvado pelos
artigos 2035 e 2039 do Código Civil de 2002.
Além disso, devem ser preservados os interesses de terceiros que,
mantendo relações negociais com os cônjuges, poderiam ser
surpreendidos com uma alteração no regime de bens do casamento.
Nesta Corte, analisando a possibilidade de alteração do regime de bens
nos casamentos celebrados sob a égide do Código Civil de 1916,
encontram-se dois precedentes no sentido de que os efeitos da decisão
que a homologa se operam a partir da alteração, ficando regidos os fatos
anteriores e os efeitos pretéritos pelo regime de bens anterior.
Nesse sentido, avulta precedente desta Terceira Turma da relatoria da
eminente Ministra Nancy Adrighi, cuja ementa foi a seguinte:

Direito civil. Família. Casamento celebrado sob a égide do


CC/16. Alteração do regime de bens. Possibilidade.
- A interpretação conjugada dos arts. 1.639, § 2º, 2.035 e 2.039,
do CC/02, admite a alteração do regime de bens adotado por
ocasião do matrimônio, desde que ressalvados os direitos de
terceiros e apuradas as razões invocadas pelos cônjuges para
tal pedido.
- Assim, se o Tribunal Estadual analisou os requisitos
autorizadores da alteração do regime de bens e concluiu pela
sua viabilidade, tendo os cônjuges invocado como razões da
mudança a cessação da incapacidade civil interligada à causa
suspensiva da celebração do casamento a exigir a adoção do
regime de separação obrigatória, além da necessária ressalva
quanto a direitos de terceiros, a alteração para o regime de
comunhão parcial é permitida.
- Por elementar questão de razoabilidade e justiça, o
desaparecimento da causa suspensiva durante o casamento e a
ausência de qualquer prejuízo ao cônjuge ou a terceiro, permite
a alteração do regime de bens, antes obrigatório, para o eleito
pelo casal, notadamente porque cessada a causa que exigia
regime específico.
- Os fatos anteriores e os efeitos pretéritos do regime anterior
permanecem sob a regência da lei antiga. Os fatos posteriores,
todavia, serão regulados pelo CC/02, isto é, a partir da alteração
do regime de bens, passa o CC/02 a reger a nova relação do
casal.
- Por isso, não há se falar em retroatividade da lei, vedada pelo

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art. 5º, inc. XXXVI, da CF/88, e sim em aplicação de norma geral
com efeitos imediatos.
Recurso especial não conhecido.
(REsp 821.807/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA
TURMA, julgado em 19/10/2006, DJ 13/11/2006, p. 261) - grifo
nosso.

Analisando caso semelhante, o Min. Jorge Scartezzinni (REsp


730546/MG, 4ª Turma, julgado em 23/08/2005, DJ 03/10/2005) preferiu
voto nos seguintes termos, adotando o mesmo entendimento:

Destarte, consoante a orientação doutrinária ora em


apreço, quanto aos casamentos celebrados sob a égide do
CC/1916, em curso quando da promulgação da nova disciplina
jurídica civil, em razão da própria dinâmica do matrimônio,
cujos efeitos, quanto ao regime de bens (contrato especial de
Direito de Família de prestação contínua), não se exauriram sob
a vigência deste, projetando-se, ao revés, sob a vigência do
CC/2002, aplicam-se imediatamente as novas regras legais,
perfazendo-se possível a alteração do regime patrimonial
mediante decisão judicial.
Assim, in casu, tem-se que os bens adquiridos antes da
prolatação de decisão judicial que venha a alterar o regime de
bens remanescerão sob os ditames do pacto de comunhão parcial
anteriormente estabelecido: o novo regime de separação total de
bens incidirá tão-somente sobre bens e negócios jurídicos
adquiridos e contratados após a decisão judicial que autorizar,
nos termos do art. 1.639, § 2º, do CC/2002, a modificação
incidental do regime de bens.

No plano doutrinário, relembro duas lições acerca da questão que se


orientam no mesmo sentido:

O novo regime de bens passa a produzir efeitos a partir do


trânsito em julgado da autorização do juiz, entre os cônjuges.
Após a averbação no assento de casamento e nos registros
respectivos fundamentais ao resguardo dos interesses de
terceiros (registro imobiliário, junta comercial, registro de
pessoa jurídica etc), passa a ter eficácia 'erga omnes'. (NERY
JUNIOR, Nelson. Código Civil Comentado, 10. ed., São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, p. 1429).

A sentença que declarar a mudança do regime terá efeitos 'ex


nunc' e substituirá o pacto antenupcial, se houver, por
intermédio de mandado de averbação ao cartório de Registro
Civil para alteração no assento de casamento e ao cartório de
Registro de Imóveis do domicílio do casal. (DE CARVALHO
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FILHO, Milton Paulo. Código Civil Comentado: doutrina e
jurisprudência/Coord. Cezar Peluso, 5. ed. rev. e atual,
Barueri/SP: Manole, 2011, p. 1857).

Portanto, merece acolhida o primeiro tópico da irresignação recursal,


modificando-se o termo inicial da alteração do regime de bens para a
data do trânsito em julgado da decisão judicial que o homologou."

Além do julgado acima, indicado no v. acórdão recorrido, há mais dois julgados sobre
o tema, também oriundos da eg. Terceira Turma: REsp 1.947.749/SP, Relatora Ministra Nancy
Andrighi, j. em 14.09.2021, DJe de 16.09.2021; e REsp 1.533.179/RS, Relator Ministro Marco
Aurélio Bellizze, j. em 08.09.2015, DJe de 23.09.2015.
Realmente, tais julgados reconhecem a eficácia ex nunc da alteração do regime de
bens, tendo por termo inicial a data do trânsito em julgado da decisão judicial que o modificou.
A hipótese dos autos, contudo, não tem exata correspondência com aquelas julgadas
pela eg. Terceira Turma.
No REsp 1.947.749/SP, as partes objetivavam a modificação do regime da
separação obrigatória de bens (casamento com pessoa que contava com 15 anos de idade) para
o regime da comunhão universal de bens. Não se discutiu naquele caso a eficácia retroativa do
regime da comunhão universal de bens, uma vez que, em se tratando de hipótese em que a própria
lei impede a comunicabilidade de bens àqueles que contraem matrimônio diante de causa suspensiva,
não seria pertinente, diante da posterior modificação do regime de bens, que o patrimônio amealhado
naquele período passasse a se comunicar entre os cônjuges.
No presente recurso, as partes pedem a alteração do regime da separação eletiva
de bens para o regime da comunhão universal de bens. A situação, portanto, é diversa, na
medida em que as partes estavam voluntariamente casadas pelo regime da separação de bens e,
valendo-se da autonomia da vontade, optam por alterar aquele regime para o da comunhão universal
de bens, manifestando, expressamente, a intenção de comunicar todo o patrimônio,
inclusive aquele amealhado antes de formulado o pedido de alteração. Nesse contexto,
dificilmente se terá prejuízo para terceiros, dado que o casamento, preexistente e de conhecimento
público, se fortalece com o novo regime adotado.
No REsp 1.533.179/RS, as partes objetivavam a modificação do regime de bens
em sentido contrário ao da presente hipótese. Pretendiam migrar do regime da comunhão parcial
de bens para o regime da separação eletiva de bens. Nessa situação, era pertinente a aplicação
de efeitos ex nunc, porque, a partir da homologação do pedido, os cônjuges passaram a deter

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patrimônio exclusivo e terceiros poderiam vir a ser prejudicados em razão de uma comunicação mais
restrita do patrimônio. O casamento, preexistente e de conhecimento público, não se fortalece com o
novo regime adotado.
No REsp 1.300.036/MT, citado no v. acórdão recorrido, as partes obtiveram
anteriormente a modificação do regime da separação eletiva de bens para o regime da
comunhão parcial de bens, sem debate acerca dos efeitos retroativos ou prospectivos da
alteração decretada. Todavia, posteriormente, já em face de separação judicial, trouxeram a
debate o argumento de que o novo regime escolhido pelas partes implicara uma comunicação mais
ampla do patrimônio, sem que as partes houvessem manifestado expresso interesse em
estender a referida comunicação ao patrimônio exclusivo a cada uma delas; entendeu-se
pertinente, então, aplicar efeitos ex nunc à modificação.
Assim, repise-se, a hipótese do presente recurso é diversa, na medida em que as
partes casaram-se pelo regime da separação eletiva de bens e, valendo-se da autonomia de
vontade, optam agora por alterá-lo para o regime da comunhão universal de bens (o que
supera, portanto, a comunhão parcial), manifestando, expressamente, a intenção de
comunicar todo o patrimônio, inclusive aquele amealhado antes de formulado o pedido de
alteração.
É de se atentar que a aplicação dos efeitos ex nunc visa assegurar os interesses de
terceiros. No entanto, no caso dos autos, a retroatividade (efeitos ex tunc) não teria o condão de
gerar prejuízos a terceiros, porque todo o patrimônio titulado pelos recorrentes continuaria
respondendo, em sua integralidade, por eventuais dívidas, conforme inteligência do art. 1.667 do
Código Civil de 2002, que dispõe que o regime da comunhão universal de bens importa a comunhão
de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas.
Com efeito, na hipótese de alteração do regime de bens para o da comunhão
universal, o próprio casamento se fortalece, os vínculos do casal se ampliam e a eficácia ex tunc
decorre da própria natureza do referido regime.
Sobre o tema, explica NELSON ROSENVALD:
"Com efeito, imaginando se tratar de modificação de um regime de
comunhão para uma separação absoluta, é de se lhe reconhecer efeitos
ex nunc, não retroativos... De outro modo, hipoteticamente admitida a
mudança de um regime separatório para a comunhão universal,
naturalmente, vislumbra-se uma eficácia retroativa, ex tunc. Assim,
entendemos que dependerá do caso concreto a retroação ou não dos
efeitos da sentença.
De qualquer modo, é certa a possibilidade dos interessados requererem,
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expressamente, ao juiz que estabeleça a retroação da eficácia do
comando sentencial, optando pelos efeitos ex tunc. Outrossim, no que
tange à esfera jurídica de interesses de terceiros, a eficácia, será,
invariavelmente, ex nunc, não retroativa..." (Direito das Famílias. Rio de
Janeiro. Ed. Lumen Iures, 2008, p. 228)

Nessa linha, é possível que os interessados requeiram ao juiz que estabeleça a


retroação dos efeitos da sentença, optando pelos efeitos ex tunc. No que tange à esfera jurídica de
interesses de terceiros, a lei já ressalva os direitos de terceiros que eventualmente se considerem
prejudicados, de modo que a modificação do regime de bens será considerada ineficaz em relação a
eles.
A vedação, em caráter absoluto, à retroatividade implicaria inadmissível
engessamento, retardando os benefícios que adviriam de um regime presumivelmente mais vantajoso
para as partes e terceiros. O que não se pode fazer é retroagir para prejudicar, para alterar uma
situação do passado em prejuízo da sociedade. Ao contrário, se a retroatividade é benéfica para a
coletividade, se não viola o patrimônio individual, nem prejudica terceiros, ou seja, se o retroagir não
produz desequilíbrio jurídico-social, deve ser admitido.
Segundo LUCIANO LOPES PASSARELLI, "se entendermos que os efeitos da
modificação não retroagirão para alcançar os bens existentes quando do ajuizamento do
pedido, parece que estaríamos criando restrição não feita pela lei" (Modificação do regime de
bens no casamento - Aspectos gerais e reflexos no patrimônio imobiliário do casal. Revista de
Direito Imobiliário: RDI, v. 27, n. 57, jul./dez. 2004. p. 99).
Ora, havendo alteração da separação eletiva de bens para a comunhão universal,
como no caso, só haveria de fato uma comunhão "universal" se os bens já existentes se
comunicarem. Sendo o regime primitivo o da separação de bens, com a alteração para comunhão
universal, todos os bens presentes e futuros devem entrar para a comunhão.
Como a própria lei já ressalva os direitos de terceiros (a alteração do regime de bens
será ineficaz perante eles), não há por que o Estado-juiz criar embaraços à livre decisão do casal
sobre o que melhor atende a seus interesses.
É difícil também imaginar algum prejuízo aos credores, visto que esses, com a
alteração do regime para comunhão universal, terão mais bens disponíveis para garantir a cobrança
de valores. Independentemente de constar na decisão judicial, o patrimônio continuará respondendo
pelas dívidas existentes. Quanto a eventual credor prejudicado, vale a ressalva feita pela lei que diz
respeito à ineficácia em relação a direito de algum terceiro que venha a alegar prejuízo.

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Para SÉRGIO GISCHKOW PEREIRA: "parece-me que o próprio texto
legislativo conduz à possibilidade da eficácia retroativa: se assim não fosse, perderia sentido
a expressão 'ressalvados os direitos de terceiros'. Esta ressalva é relevante exatamente
porque o efeito da mudança de regime pode ser retroativa; ninguém pensaria em se
preocupar com terceiros que, por exemplo, se tornassem credores dos cônjuges depois da
alteração de regime devidamente publicada" (Observações sobre os Regimes de Bens e o Novo
Código Civil. Revista Juris Plenum, Caxias do Sul (RS), v. 2, n. 12, nov. 2006. p. 90).
Na opinião de ÉLCIO ARRUDA: "em dadas situações, a retroatividade será
necessária e até imperativa, por constituir corolário lógico do ato: assim, por exemplo, se o
novo regime for da comunhão universal (mais amplo), a abrangência de todo acervo
patrimonial até então arregimentado, desde o início do casamento, é pressuposto lógico à
universalidade da comunhão; em idêntica vertente, eleito o regime de separação de bens
(mais restrito), o patrimônio até então granjeado deverá ser tomado em conta e partilhado,
para concretização futura da própria separação. Em suma, a eficácia ordinária da alteração
de regime de bens é ex nunc, permitida a eficácia ex tunc se e quando corolário lógico da
mudança ou a pedido dos interessados, hipótese em que o exame de pertinência e viabilidade
será ainda mais acurado" (Problemas atuais do direito patrimonial de família. Regime de bens.
Estrutura e função. Revista IBDFAM: Famílias e Sucessões, Belo Horizonte, n. 5, set./out. 2014. p.
70).
Salvo melhor juízo, a alteração de regime de bens, contemplada no art. 1.639, § 2º, do
Código Civil de 2002, pode ter eficácia retroativa (ex tunc), se os cônjuges assim o estipularem,
sempre ressalvados os direitos de terceiros, de maneira que estes só poderão ser atingidos se a
mudança lhes for favorável.
Como regra, a mudança de regime de bens valerá apenas para o futuro, não
prejudicando os atos jurídicos perfeitos. Mas a modificação poderá alcançar os atos passados se o
regime adotado (exemplo: alteração de separação convencional para comunhão parcial ou universal)
beneficiar terceiro credor pela ampliação das garantias patrimoniais. Aceitável, portanto, a retroação
decorrente de explícita manifestação de vontade dos cônjuges.
No particular, a retroatividade será decorrência lógica se o novo regime for o da
comunhão universal, pois ele só será efetivamente universal se implicar comunicação de todos os
bens, presentes e futuros, dos cônjuges. Impossível seria pensar em comunhão universal que
implicasse comunicação apenas dos bens adquiridos a partir da modificação do regime. Seria
contraditório com o próprio regime jurídico da comunhão universal se entrassem para a comunhão
somente os bens futuros.

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A mutabilidade do regime de bens nada mais é do que a livre disposição patrimonial
dos cônjuges, senhores que são de suas coisas. Não há sentido proibir a retroatividade à data da
celebração do matrimônio livremente manifestada pelos cônjuges de comunicar todo o patrimônio,
inclusive aquele amealhado antes de formulado o pedido de alteração do regime de bens,
especialmente no caso em que a retroatividade é corolário lógico da mudança para a comunhão
universal.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para que a alteração do
regime de bens de separação total para comunhão universal tenha efeitos desde a data da
celebração do matrimônio ("ex tunc"), alcançando todos os bens atuais do casal, independentemente
da data de aquisição.
É como voto.

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.671.422 - SP (2017/0110208-3)
VOTO

MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI: Sr. Presidente, ouvi atentamente


a sustentação oral e o cuidadoso voto de V. Exa.
Acompanho o entendimento de que a alteração do regime de bens é
retroativa ao início do casamento, mas com a ressalva feita pela lei, a qual nem precisa
constar da decisão judicial, de que são ressalvados os eventuais direitos de terceiro.
Isso pode acontecer, em tese, até mesmo no caso em que se pretende
alterar o regime da separação de bens para o regime de comunhão universal. Isso
porque pode haver terceiro que se alegue credor de obrigação de só um dos cônjuges e
que essa alteração estaria prejudicando o direito daquele eventual credor, uma vez que
metade do patrimônio do devedor passaria a pertencer ao outro cônjuge. Mas nada
disso se alega no presente caso e tudo fica resolvido com a ressalva feita na própria lei,
a qual é uma ressalva que diz respeito à ineficácia da mudança de regime em relação
ao direito de algum terceiro que, eventualmente, venha a alegar prejuízo, do que não se
cogita no presente caso.
Ademais, neste caso, como a mudança é para comunhão universal, seria
contraditório com o próprio regime jurídico da comunhão universal que fosse uma
comunhão universal só para o futuro.
Portanto, acompanho o voto do Relator também nesse sentido de que é o
novo regime é retroativo e de que eventual prejuízo terá que ser alegado em outra via
por algum eventual terceiro prejudicado, se houver.
É como voto.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUARTA TURMA

Número Registro: 2017/0110208-3 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.671.422 / SP

Números Origem: 10564132220148260100 20160000239471 20160000479887

PAUTA: 18/04/2023 JULGADO: 25/04/2023


SEGREDO DE JUSTIÇA
Relator
Exmo. Sr. Ministro RAUL ARAÚJO
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro RAUL ARAÚJO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. ANTÔNIO CARLOS PESSOA LINS
Secretária
Dra. TAYNAH RODE DA SILVA PETINI

AUTUAÇÃO
RECORRENTE : A SDA
ADVOGADO : ALDE DA COSTA SANTOS JÚNIOR - DF007447
RECORRENTE : CCH
ADVOGADOS : REGINA BEATRIZ TAVARES DA SILVA - SP060415
LUÍS EDUARDO TAVARES DOS SANTOS - SP299403

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Família - Casamento

SUSTENTAÇÃO ORAL
Dr(a). ALDE DA COSTA SANTOS JÚNIOR, pela parte .: ALEXANDRE SILVA D AMBROSIO

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão
realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Quarta Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do
voto do Sr. Ministro Relator.
A Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti e os Srs. Ministros Antonio Carlos Ferreira, Marco
Buzzi e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.

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