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2018
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1Doutor em Ciências Sociais, subárea de Ciência Política pelo PPGCSO/UFJF, com período PDSE/CAPES na
Vysoka Skola Ekonomická v Praze. Email: [email protected]
tral que compõe um território específico, uno e KRISHNAN, Gopal. (org). (1996). Mapping the Nation.
New York. p. 17-38.
indiviso, que teria no Estado sua expressão po-
Bauer [1907(1996)] observa que a tarefa da ci- religião, ciência, arte e política que n ele
ência nesse propósito é o de explicar como sur- surtem efeito” (BAUER, 1996, p. 58).
ge tal comunhão de caráter e como os membros
de uma nação, apesar das diferenças individu- O autor também chama atenção pelo
ais, coincidem em uma série de aspectos e dife- fato da nação não ser uma coisa rígida, estando
rem de membros de outras nações. Assim, o sempre em transformação e sua regulação su-
autor argumenta que a “nação” surge como jeita às condições nas quais as pessoas lutam
uma comunhão de destino, não caracterizada pelas suas necessidades vitais e assim se man-
apenas por critérios de semelhança e sujeição a ter:
uma sina comum, tratando-se de uma experi-
“O caráter é determinado por aquele
ência comum de mesmo destino que se realiza
que rege esses fenômenos, pelo modo
através das constantes comunicações e intera- como conduz sua luta pela vida e ga -
ções contínuas entre seus envolvidos: rante suas necessidades de sobrevivên -
cia (...). Cada membro é produto de sua
“Não é a semelhança de destino, mas a nação e o caráter nacional nada mais é
experiência e o sofrimento comum do do que a orientação específica da von-
destino, vivenciado numa interação mú- tade que a comunhão de destino gera
tua geral, em constante ligação de uns em cada um como propriedade indivi-
com os outros que produz a nação” dual. A história das gerações passadas,
(BAUER, 1996, p. 57). as condições de sua luta pela vida, as
forças produtivas que elas dominam e
Bauer [1907(2000)], então, argumenta as relações de produção que estabele-
que a “nação” pode ser mais bem definida co- ceram, tudo isso continua a determinar
mo uma comunhão de caráter que brota de o comportamento de sua progenitura
uma comunhão de destino e não da mera se- natural e cultural. Desse modo, o pró-
melhança de destino. Ressalte-se que, daí, se- prio caráter nacional também perde
gue também a importância da língua para uma seu caráter substancial, isto é, a apa-
rência de ser algo duradouro e persis-
“nação”. O autor aponta duas maneiras de rea-
tente no fluxo dos fenômenos. Não
lização das causas efetivas e condições da luta
sendo nada além de um precipitado da
humana pela vida agregarem coletividades história, ele se modifica a cada hora, a
numa comunhão nacional de destinos: 1) a he- cada novo acontecimento que a nação
rança natural: comunhão de descendência e; 2) vivencia” (BAUER, 1996, p. 59).
a língua: comunidade de comunicação (trans-
missão oral de valores). O caso da herança na- Nossa abordagem sobre o entendimen-
tural é ilustrado pelo autor através da comu- to político sobre a questão da nação, encontra
nhão de descendência, efetuada através da seu ponto final nos escritos de Max Weber.
manutenção e mistura permanente de sangue. Weber (1982) define, inicialmente, a “nação”
Esses dois fatores edificam a comunidade cul- como uma comunidade de sentimentos. Trata-
tural, responsável pela formação do caráter na- se de uma organização coletiva que
cional que será determinado pelos valores cul- (com)partilha uma história e destino político
turais comuns transmitidos de geração para comum. O fato de toda “nação” compartilhar
geração: entre seu agrupamento social valores que os
agregam é a forma pela qual esta vai se dife-
“Mas o caráter do indivíduo nunca é a renciar das demais. Os mesmos fatores e valo-
simples totalidade das propriedades he-
res que vão levá-la a sua manutenção e, prova-
reditárias; é sempre determinado tam-
velmente, expansão, são os fatores que torna-
bém pela cultura que lhe é transmitida,
pela educação de que ele goza, legislação
rão essa coletividade um agrupamento político
a que está sujeito, costumes em que vive, e, assim, sua melhor forma de adequação e ex-
pressão de sentimentos reside na formação de
um Estado próprio. Em outras palavras, é, no
estejam aptos à comunicação entre si, uma vez histórica ou “assimilação”. O naciona-
que é apenas através da comunicação coletiva lismo linguístico refere-se essencialmen-
que se efetivará um sistema pedagógico trans- te à língua de uso oficial e da educação
pública” (HOBSBAWN, 1990, p. 116).
missor de valores, tanto pela via da história
oral, quanto da história política, nos ambientes
Devidos aos efeitos da assimilação e da possí-
formais e informais de aprendizado.
vel erosão histórica – nosso próximo tópico –, o
Para que esses efeitos se tornem efica-
nacionalismo linguístico tomou corpo e se tor-
zes, é necessário, para uma nação, que seus
nou uma mentalidade política importante em
membros se comuniquem através de uma lín-
defesa das nações na constituição de um estado
gua comum, para, assim, o “espírito” e o sen-
próprio. Assim escreveu Otto Bauer:
timento nacional se difundirem através das
duas vias e ambientes citados: “A língua é o “É impensável que uma nação se man-
instrumento da educação e de toda comunica- tenha como uma comunidade cultural,
ção econômica e intelectual. A extensão efetiva à longo prazo, sem a comunhão da lín-
da cultura é marcada pela possibilidade de gua. Por outro lado, a comunhão da
compreender através da linguagem” (BAUER, língua ainda não garante a unidade na-
1996, p.59). cional. Isso indica que é necessária a vi-
O tratamento político da nação, nos tória de uma língua uniforme – nacio-
ajuda a compreender porque a adoção de uma nal – sobre os dialetos: a necessidade
de comunicação mais estreita criou a
língua única sempre implicou em uma escolha
língua uniforme, e a existência da uni-
política. O discurso da nacionalidade atrelado a
ão linguística passa então a submeter
uma língua única “era uma questão política, todos os que a dominam a uma in -
sobretudo nos movimentos políticos após fluência cultural semelhante” (BAUER ,
1810” (HOBSBAWN, 1990, p. 112). A língua 1996, p. 59).
nacional se apresentava como fator fundamen-
tal nos argumentos presentes nos conflitos ter- Assim se fez a ênfase na importância do
ritoriais internacionais, sendo defendida como uso político da língua para uma nação, refor-
a “alma da nação”, ou como critério crucial na çando a necessidade desta de se constituir em
definição de uma nacionalidade. Como ilustra- um estado próprio. O que está em jogo aqui é o
do por Hobsbawn (1990), em um trecho sobre o fato do estado deter o monopólio legítimo do
assunto presente na edição de 1842 da Revuse emprego bem compreendido da força física em
des Deuxs Mondes: “As verdadeiras fronteiras seu território (WEBER, 1985). Com isso, ele
naturais não são determinadas por montanhas também é o meio que detém o monopólio legí-
e rios, mas sim pela língua, pelos costumes, timo sob importantes elementos de controle da
pelas lembranças, por tudo aquilo que distin- produção, reprodução e modificação da cultu-
gue uma nação de outra” (Hobsbawn, 1990, p. ra. Na continuidade desse percurso, é, também,
118). O problema político se mostrava mais legítimo ao estado o monopólio do direito de
agravante para as nações que ainda não podi- interferir na vida das coletividades que habi-
am ser reconhecidas como detentoras de um tam o território sob seu controle. A nação, en-
estado próprio: tão, que nele se expressa, tende a usá-lo como
meio para homogeneizar e assimilar as demais
“O que fazia do problema da língua um culturas e coletividades (rivais e conflitantes),
problema mais explosivo era o fato de,
através de políticas que abrangem, por exem-
nas circunstâncias, qualquer nacionalis-
plo, a nomeação de uma língua oficial do terri-
mo ainda não identificado com um Esta-
do tornar-se necessariamente político.
tório, seu uso obrigatório nos meios de comu-
Pois o Estado era a máquina que tinha nicação, nas instituições administrativas e no
que ser manipulada se uma “nacionali- conjunto de instituições e aparelhos que com-
dade” quisesse se transformar em uma preendem o sistema de educação e de difusão
“nação” ou se proteger contra a erosão de mensagens do estado. Dessa forma, a língua
tanto figura como o meio crucial para o reco- fatores e critérios étnicos, linguísticos ou num
nhecimento da legitimidade dos direitos das destino comum era impraticável por ambas as
nações, assim como o meio em que uma nação, partes. Quem dominava, acreditava que conce-
que controla um certo território, limita as capa- der tais direitos às nações dominadas era mu-
cidades políticas de outras nações intraterrito- niciá-las em direção a suas independências, por
riais. Pois em casos de não expansão, certo é isso a necessidade da crença na assimilação:
que uma nação se mantém e se perpetua nos
territórios onde é dominante até onde for do- “A combinação de diferen tes nações
minante. num só Estado é uma condição tão ne-
cessária da vida civilizada quanto a
combinação dos homens na sociedade.
Na união política, as raças inferiores se
Dominação e Política de Assimilação
eleva m através do convívio com raças in-
telectualmente superiores. As nações es-
Outro ponto importante a ser ressalta- gotadas e decadentes são revigoradas
do, quando se aborda o debate sobre nação e os pelo con tato com a vitalidade mais jo-
movimentos nacionalistas, especialmente aque- vem. As nações em que se perderam os
les atuantes no final do século XVIII e ao longo elementos da organização e a capacidade
do XIX, reside na influência que o debate so- de governo, quer pela influência desmo-
freu das teorias evolucionistas, as quais funcio- ralizante do despotismo, quer pela ação
navam como justificativa política da domina- desintegradora da democracia, são res-
gatadas e reeducadas sob disciplina de
ção de uma nação sobre outra. Defendia-se a
uma raça mais forte e menos corrompi-
ideia de que nações atrasadas no interior do
da” (ACTON, Lord, [1862(1996)], p. 37).
processo de modernidade – industrialização e
inserção no sistema capitalista – eram nações Heinich von Treitschke, influente pen-
inferiores e fracas. De acordo com tal discurso, sador político alemão do final do século XIX,
nações pequenas e “fracas” estavam destinadas assim escrevia sobre o assunto: “Os estados
ao perecimento. A solução contra esse destino não nascem da soberania do povo, mas são cri-
residia em fundirem-se com nações mais pode- ados contra a vontade do povo, o estado é o
rosas, capazes de “reoxigenar” suas instituições poder da raça mais forte que se estabelece”
e impulsioná-las dentro do curso vigente do (Apud GUIBERNEAU, 1998, p. 16). Suas con-
progresso (BALAKRISHNAN, Gopal et al, cepções políticas influenciariam Max Weber,
1996; GUIBERNEAU, 1998). uma vez que frequentava sua casa devido a
O discurso data do século XIX, época grande amizade que este tinha com seu pai.
em que muitas das pequenas nações, as quais Assim, Treitschke segue suas observações polí-
reivindicavam um estado próprio, se encontra- ticas acerca da relação entre os estados e as na-
vam sob domínio de outras, como aquelas do- ções estabelecendo inicialmente que:
minadas pelo Império Austro-Húngaro. O dis-
curso evolucionista foi tomado como legitima- “O Estado é o p oder da raça mais forte
dor da dominação vigente e do processo de que se estabelece sobre as demais e
unificação e expansão territorial de outras na- exerce seu poder por meio da guerra,
ções mais poderosas. Na teoria, um estado he- sendo a única entidade capaz de man-
terogêneo, composto de várias nações era acei- ter um monopólio da violência, sendo
tável, pois defendia que as nações pequenas, o seu direito às armas o fato que dis-
tingue o estado das outras formas de
atrasadas e mais fracas só tinham vantagens a
vida organizada” (Apud GUIBERNE-
ganhar (HOBSBAWN, 1990, p.45-46). No en-
AU, p. 17).
tanto, os aparelhos administrativos e escolares
obrigavam as pequenas nacionalidades à ado- O apelo às armas seria válido “até o fim da
ção da língua e as leis da nação dominante. Na História, residindo nesse o ponto o caráter sa-
prática, a defesa de um estado não baseado em grado da guerra, sendo esta uma das ativida-
des mais normais das nações” (Apud GUI- crito e; 3) Uma comprovada capacidade para a
BERNEAU, p. 17), e dessa forma o autor con- conquista 4 .
clui que: “a grandeza da história consiste no Para as nações pequenas, a assimilação
perpétuo conflito entre as nações, sendo uma era o caminho para sua extinção. Contra tal po-
tolice qualquer tentativa de suprimir a rivali- lítica, e na defesa da edificação de um estado
dade entre estas. Assim, a guerra é a ciência próprio, líderes de pequenas nações organiza-
política por excelência” (Ibidem, ibid.). ram diversos movimentos e insurreições que
Treitschke justifica a assimilação através ficaram conhecidos como a guerra das raças
do que aponta como duas forças poderosas em (Foucault, 2005). Trata-se de um discurso que
ação na história, verificáveis na tendência que foi um forte instrumento político para os naci-
todo estado tem em amalgamar sua população onalistas dos séculos XVIII e XIX:
através da linguagem, nos costumes e numa
única unidade: “Nação e estado devem coinci- “O discurso da guerra das raças não per-
dir. Só as nações bravas têm uma existência tence aos oprimidos, não é o discurso do
povo e reivindicado por ele. Foi um dis-
segura, um futuro, um desenvolvimento; as
curso das oposições e diferentes grupos
nações covardes são derrotadas, e é assim que
de oposição. Instrumento de crítica e de
deve ser” (Apud GUIBERNEAU, 1998, p. 19). luta contra uma forma de poder dividido
Em outro trecho, encontramos a continuidade e entre os diferentes inimigos ou a diferen-
a conclusão que faz de tais argumentos: tes formas de oposição a esse poder”
(FOUCAULT, 2005, p. 89).
“Todas as verdadeiras obras-primas da
poesia e da arte se erguem no solo das Raça, nessa guerra, designa uma cliva-
grandes nacionalidades. Um estado de
gem histórico-política, ampla e relativamente
maior tamanho significa um estado
fixa. A guerra das raças é decorrência da coabi-
mais poderoso. Os estados de maior
tamanho têm o poder de impor seu
tação entre dois grupos (étnicos) que não têm
próprio modo de pensar, apres entam- em suas origens igualdade de idioma e credo,
se como “estados superiores” e estimu- que não se misturaram por diferenças e privi-
lam sua arte e cultura a serem tidas légios no que concerne ao direito, à distribuição
como certas” (Apud GUIBERNEAU, das fortunas e ao exercício do poder, e que só
1998, p. 19). se encontram unificadas (mas não unidas) por
intervenções decorrentes de fatores implicados
Acompanhando as apologias da assimi- por ocorrência de invasões, guerra e a conse-
lação, outro discurso figurava no cenário polí- quente dominação por uma das partes e a ten-
tico: o “Princípio do Ponto Crítico”. Segundo são e insuportabilidade de continuidade de su-
Hobsbauwn (1990, p.48-49), esse outro discurso jeição à Pax estabelecida.
se mostrava mais útil que qualquer outro que Uma vez discutidos os conceitos teóri-
debatia as questões da nacionalidade e buscava cos centrais de nosso estudo acerca da impor-
eliminar um número de pequenas nações, ain- tância da língua na construção e legitimação
da que a existência de muitas se mostrava in- dos estados nacionais, passaremos para a análi-
questionável. Três critérios foram utilizados se política e histórica da Tchecoslováquia.
para o reconhecimento de uma nação: 1) Sua
associação histórica com um Estado existente
ou com um Estado de passado recente e razoa-
Uma Análise Histórica do Estado
velmente durável; 2) A existência de uma elite
cultural longamente estabelecida, que possuís- Tchecoslovaco. Um Passado que
se um vernáculo administrativo e literário es-
4 Conforme relata Hobsbawn, a ideia de um povo imperi-
al funcionava como forma de tornar uma população cons-
ciente de sua existência coletiva, enquanto a conquista
funcionava como prova darwiniana do sucesso evolucio-
nista enquanto espécies sociais.
Em ambos os casos, a palavra utilizada é národ. rante toda sua vida na Boêmia. Em suas obras, tratou a
história local a partir da fundação do estado da Boêmia
Termos como: nacionalistický (nacionalista), na-
em 600 D.C. e posteriormente a fundação da dinastia
cionalizmus (nacionalismo), nacionálný (nacio- Premslide e os feitos da nobreza tcheca até 1125, ano de
nal) derivaram do latim, mas ganharam uma publicação de sua terceira crônica e sua morte. A Crônica
inicia com a história dos três irmãos Duques que fundari-
conotação negativa durante o período entre
am as nações eslavas: Lech, Lechia (região da Polônia);
Guerras. Assim, as palavras que expressam po- Cech, Czechia (Boêmia, Morávia e Silésia); e Rus. Ruthenia
sitivamente o amor pela nação encontram seu (Rússia, Bielorrússia e Ucrânia).
7 Autor desconhecido. A obra é uma compilação de anti-
uso em: národný (nacional). Vlastenec (patriota)
gos contos até então disponíveis apenas no latim.
do como mais problemático, pelo fato das pri- cação (1848). Entre as lideranças de maior des-
meiras obras datarem do século XVII, período taque, figuram no lado tcheco os nomes de Jo-
em que a identidade nacional começa a ser po- sef Dobrovský, para a primeira fase e Josef
liticamente discutida. Alguns historiadores si- Jungmann e Frantisek Palacky, para a segunda
tuam que o termo slovák (eslovaco) passa a ser geração. No lado eslovaco, figuram os nomes
utilizado como definição de grupo étnico ape- de Juraj Papanék e Anton Bernolak, para a
nas em 1485, permanecendo, todavia, como primeira geração, seguidos de Jan Kollar, Pavel
uma definição vaga até ser trabalhada pelos Safarik e L’udovit Stur, para a segunda.
nacionalistas dos séculos XVIII (PYNSENT, O fato de nosso trabalho se debruçar na
1994). Produções literárias em linguagem ver- importância da língua para a nação e, como
nácula anteriores aos séculos XIV e XV são esta teve papel fundante nos movimentos naci-
muito raras, sendo o latim a língua franca nesse onalistas, abordaremos apenas as duas primei-
período. Sabe-se, também, que a língua tcheca ras gerações, o que deixa de fora um dos mais
se fazia presente na literatura eslovaca, sobre- importantes nomes da história tchecoslovaca,
tudo na prática litúrgica protestante, os quais como o de Tomás G. Masaryk – maior nome da
utilizavam o formato tcheco presente na Bíblia área de filosofia presente na terceira geração do
de Kralice (SETON-WATSON, 1943). movimento nacionalista, sendo também o pri-
O conceito linguístico de nacionalidade meiro presidente da república binacional da
implica um entendimento político que situa a Tchecoslováquia. Nossa justificativa reside no
língua como a alma de uma nação, e assim su- fato de que as mentes mais brilhantes, das duas
geria que cada nação tivesse sua própria lín- primeiras fases, eram acadêmicos que traba-
gua. Dessa forma, tanto a adesão quanto a lhavam como tradutores, poetas, filólogos, jor-
promoção de uma linguagem literária tcheca e nalistas e escritores. Por influência do roman-
eslovaca, implicavam na defesa de que ambas tismo, fizeram um minucioso trabalho de pes-
as nações existiam por direito. Ressalta-se que quisa e coleta de manuscritos antigos – muitos
a linguagem, em ambos os casos abordados, forjados para fins políticos (HROCH, 1986 e
não saiu de algum dialeto utilizado pelas mas- 1996) -, músicas e demais obras, proporcionan-
sas da população nativa, mas foi construída a do uma releitura, atualização e (re)construção
partir das formas comunicativas já utilizadas do folclore e cultura local. Quanto mais se reve-
pelas elites educadas (SETON-WATSON, 1943; lava o passado, mais o sentimento nacional ga-
POLISENSKÝ, 1991). A construção de um dis- nhava forças e se expandia rumo às massas.
curso hegemônico dependeu das habilidades No território tcheco, a fase da Escolari-
das lideranças políticas. Habilidade conferida dade (1770-1810) é retratada como um produto
tanto no discurso político da história da nação, direito do Iluminismo e da influência do Ro-
assim como no processo de construção da mo- mantismo alemão. Conquistas como a dos di-
derna linguagem literária de tais povos. reitos subjetivos, a diminuição da censura e o
estabelecimento da patente de tolerância, assim
como as liberdades de reunião e expressão,
Os Movimentos Nacionalistas Tcheco e proporcionaram o surgimento dos primeiros
Eslovaco: Língua, Letramento e Politiza- jornais políticos (HROCH, 1986 e 1996). Outros
ção fatores fundamentais se deram em consequên-
cia das reformas escolares, a abolição da servi-
Três gerações de movimentos naciona- dão, o fim dos direitos estatais do Tribunal de
listas tcheco e eslovaco são identificadas tanto Chancelaria da Boêmia e a política de germani-
pelo tipo de atividade exercida, assim como zação linguística das instituições administrati-
pela atuação de suas lideranças (HROCH, vas dentro do Império Habsburgo. A influência
1996). Assim, essas fases são divididas dentro do romantismo alemão se fez, em grande parte,
dos seguintes movimentos: 1) Escolaridade entre os letrados e acadêmicos que desenvolve-
(1770-1810); 2) Agitação (1810-1848); 3) Massifi- ram seus estudos em língua alemã, tendo nas
obras de Johan Gottfried von Herder sua prin- tcheca, mesmo acreditando, dada sua dificul-
cipal fonte norteadora. Isso se explica pelo fato dade de aprendizado, que está nunca poderia
de que, dentro de seu gênio literário, uma na- ser utilizada nas artes e na ciência (PYNSENT,
ção autêntica se justifica pela sua língua e, só 1994).
através do uso de sua própria língua que se A fase da escolaridade, na Eslováquia,
torna possível a promoção de uma autentica teve início no mesmo período que no território
literatura nacional (HROCH, 1986). tcheco e, assim como no território vizinho, suas
Por efeito das instituições onde estuda- primeiras lideranças nacionalistas também es-
ram, a primeira geração de acadêmicos nacio- creviam em línguas estrangeiras, sendo o latim
nalistas publicava suas obras em latim ou ale- aquela com uso mais comum, com uso do tche-
mão, tendo suas atividades financiadas pela co para outros tipos de publicações. O ambien-
nobreza boêmia descontente com o fim de seus te intelectual, que caracteriza os movimentos
privilégios no Tribunal de Chancelaria. Entre nacionalistas eslovacos foi protagonizado por
as atividades financiadas, destacam-se os estu- duas correntes competidoras pela hegemonia
dos em História, os quais tinham por finalida- das ideias: os Eslovacos-Católicos e os Tchecos-
de inicial defender a língua local como uma lovacos-Protestantes, os quais dedicaram seus
característica marcante da nação tcheca e, pos- esforços nesse período para resolver conflitos
teriormente proceder com sua recodificação. sobre linguística. Para os eslovacos, o problema
Nesse período são fundadas as primeiras insti- não era de reinterpretação de sua própria his-
tuições nacionais tchecas: a Sociedade de Ciên- tória, mas de escrevê-la ao mesmo tempo que
cia da Boêmia, em 1784; a primeira Editora se codificava sua língua. O ponto de partida foi
tcheca, Ceská expedisse8 , em 1790; e a disciplina a Grande Morávia e a gramática desenvolvida
de estudos em língua e literatura tcheca, na pelos irmãos Cyrillo e Methodius, seguida de
Universidade Carolíngia de Praga (Univerzita visões sobre sucessões após o fim da Grande
Karlova v Praze), em 1793. Ainda quem em 1719 Morávia, as quais se mostravam bem variadas
tenha surgido o primeiro jornal em língua entre as lideranças dos movimentos nacionais
tcheca, foi no ano emblemático de 1789 que (PYNSENT, 1994).
surge o primeiro jornal político e nacionalista As duas primeiras grandes lideranças
tcheco: Krameniusovy císarské prazké postovské eslovacas-católicas eram os padres Juraj Pa-
noviny (Real Praga Notícias, de Kramenuis); em pánek e Anton Bernolák. Papánek publicou em
1806, Jan Nejedlý funda o primeiro jornal de 1780 a primeira obra sobre a história eslovaca:
literatura tcheca, Hlastel ceský (O Arauto Tche- Historia gentis Slavae. De regno regisbuque Slo-
co)9 . varum (História do Povo Eslavo. Do Reino e
A historiografia produzida nesse perío- Reinado Eslovaco). O livro aborda uma história
do tinha por finalidade desamarrar a história eslava direcionada para os eslovacos. Em sua
da nação tcheca de velhos mitos produzidos obra, Papánek defendia que a nobreza eslovaca
sob um ponto de vista dogmático católico, havia sido integrada à nobreza húngara, quan-
promovendo a reabilitação do período da Con- do da conquista do território por estes e, por
trarreforma e do movimento Hussitá (SETON- conta disso, a baixa nobreza que havia se for-
WATSON, 1943). No que concerne a recodifi- mado logo após a expulsão dos turcos possuía
cação da língua, Josef Dobrovský exerceria direitos iguais aos demais dentro da Natio
uma liderança fundamental com seu dicionário Hungarica. Papánek argumentava também que
e gramática, publicados em 1809 (primeira par- o estado Húngaro, ao entrar em contato com o
te) e 1821 (segunda parte). Dobrovský, também povo eslovaco, herdara costumes da Grande
fundador dos estudos tchecos-eslavônios, esta- Morávia, sendo esta, apresentada durante toda
beleceria as bases da recodificação da língua sua obra, como o primeiro grande estado eslo-
vaco. Os eslovacos também aparecem como
8Fundada por Václav Matej Kramenius. civilizadores dos nômades e “bárbaros” magia-
9 Ver: SETON-WATSON, 1943; HROCH, 1986; res, os quais teriam se cristianizado e aprendi-
POLISENSKÝ, 1991.
do agricultura básica com os eslovacos. Apon- tar inicialmente com uma rede de 581 membros
tando o Rio Danúbio como o berço dos povos sobre o território eslovaco.
eslavos, Papánek tratou de colocar os eslovacos A corrente protestante permanecia em
como os mais diretos descendentes originais do defesa da linguagem literária tcheca (Biblictina),
povo eslavo, e sua língua como a mais próxima utilizada na Biblia de Kralice12 e, consequente-
da língua-mãe eslava. Uma história de subju- mente era a linguagem adotada pela população
gação também fora elaborada pelos nacionalis- protestante. Os protestantes eslovacos recorre-
tas eslovacos, onde os grandes adversários fi- ram aos protestantes tchecos para obter fundos
guravam nos magiares e alemães. Muito da para suas atividades. Essa interação produziu
identidade nacional também se produzia em um conceito de existência remota de uma tribo
contraste com os dois povos, somado aos tur- tcheco-eslovaca. Assim, ideais de uma nação
cos. As guerras otomanas figuraram por vezes eslava entre ambas passavam a ganhar algum
como o tema preferidos dos poetas nacionalis- terreno. Sob liderança de Bohuslav Tablic e Ju-
tas. Mas coube aos alemães o status de inimigo raj Palkovic, as ideias de uma comunidade lin-
maior, devido a oposição aos Habsburgos e os guística e cultural tcheco-eslovaca encontrari-
privilégios que a população germânica desfru- am seu lugar de publicidade nas livrarias aber-
tava em seu território e a obrigação do uso do tas, na fundação da Sociedade Tcheco-Eslovaca
idioma alemão em instituições escolares e ad- e com o estabelecimento da cadeira tchecoslo-
ministrativas. Muito tempo depois, soube-se vaca no Liceu Protestante de Bratislava.
que Papanék havia inventado uma linha de reis A fase de agitação política tem início
eslovacos que nunca existiram10 . aproximadamente em 1810. É nesse período
No mesmo ano da publicação de Pa- que toma forma uma ideologia nacional, com
pánek, ocorria, no Seminário Geral de Bratisla- as atividades nacionalistas se mostrando for-
va, um ciclo de debates em torno da codifica- temente presentes em muitas produções como
ção da língua local promovida pela Sociedade obras musicais, jornalísticas e literárias. Nesse
Promotora da Língua Eslovaca, cuja liderança período, ser patriota era escrever em língua
se fazia pelo padre Anton Bernolák. Sete anos local (HROCH, 1996).
após o Seminário, Bernolak apresentou sua Joseph Jungmann, maior liderança tche-
Dissertatio philologio-critica de litteris Slovarum ca desse período, formula, em 1806, o primeiro
(Dissertação Filológica da Letra Eslovaca), on- programa nacional cultural tcheco em seu Dvoií
de criticava qualquer ideia de uma unidade rozmlouvání o jazyku ceském (Duas Conversações
nacional entre tchecos e eslovacos tendo por em Linguagem Tcheca). Anos depois, em 1820,
base uma linguagem literária comum. Para publica Slovenost (Verbo), o primeiro texto em
Bernolák: “a linguagem literária é um meio de tcheco sobre teoria literária. Funda em 1821 o
expressão do caráter nacional e distingue os primeiro jornal científico theco: Krok (Passo).
Eslovacos dos vizinhos das demais nações es- Em 1825, publica um livro sobre a história da
lavas11 ”. A codificação e a linguagem literária literatura tcheca e em 1839 publica o dicionário
empreendida por Bernolák, ficou conhecida Tcheco-Alemão. Entre os discípulos de Jung-
como Bernoláctina, sendo baseada no dialeto mann, destacou-se a romancista e poetiza Bo-
eslovaco-jesuíta e recebeu ampla adoção entre zena Nemcová, que ao fundir lendas e folclores
a população católica eslovaca. Junto com o re- locais, criaria um novo gênero literário. Sob sua
nomado escritor Juraj Fandlý, Bernolák fundou liderança, o movimento nacionalista tcheco,
a primeira instituição nacional eslovaca em com auxílio da nobreza boêmia, inaugura em
1792: Slovenské ucené tovarisstvo (Sociedade Es- 1820 o primeiro Museu Nacional Tcheco. Fi-
lovaca de Aprendizado), a qual chegou a con- nalmente, em 1821, Jungmann, juntamente com
Frantisek Palacký (a segunda maior liderança
10 Ver Slovanství v národnín zivote Cechu a Slováku (1968, nacionalista dessa fase) e Jan Svatopluk Presl
p.102) Apud BAKKE (1999).
11 Ver Slovanství v národnín zivote Cechu a Slováku (1968, 12Primeira bíblia traduzida para a língua tcheca pela Uni-
p.102) Apud BAKKE (1999). tas Fratum (Igreja dos Irmãos Morávios) em 1579.
fundam o primeiro jornal nacionalista tcheco: dominado que anseia por sua liberdade e se
Matice ceska (Matriz Tcheca), considerado o direciona contra o seu dominante. Trata-se de
primeiro jornal nacionalista de grande sucesso uma produção influenciada, também, pela lite-
na promoção e avanço das ideias nacionais e o ratura contextualizada na “guerra das raças”
maior centro de atividades do movimento na- (Foucault, 2005). Como parlamentar, com atua-
cional até 1848 (SETON-WATSON, 1943; PO- ção ativa no mundo político dos Habsburgos,
LISENSKÝ, 1991.). Palacký entendeu melhor do que ninguém o
A nova historiografia tcheca foi auxilia- que estava em jogo com as políticas de germa-
da pela Patente de Tolerância, de 1781. O foco nização dos austríacos. Em uma série de per-
das primeiras críticas foi direcionado à Kronyka formances no parlamento, Palacký defendeu
ceská (Crônicas Tchecas), de Václav Hájek z Li- brilhantemente a necessidade do protagonismo
bocan. Era uma fase de repúdio a qualquer austríaco para a Europa Central. Sua intenção
produção católica do passado nacional, muitas era desarticular a adesão da Áustria na unifica-
vezes mencionadas como produções mitológi- ção da Grande Alemanha, ao mesmo tempo
cas. Essa historiografia, que teve em Palacký que articulava seu enfraquecimento perante as
seu grande articulador, reabilitaria os movi- pequenas nações sob domínio austríaco. Isso
mentos protestantes Hussita, na Boemia, e fica bem ilustrado em sua recusa na participa-
Brethren, na Morávia. Palacký colocaria o perí- ção na Dieta de Frankfurt, adicionando as se-
odo Hussitá como um tempo de gloria para os guintes reflexões:
tchecos, conferindo-os grande crédito pelo uso
do tcheco em suas pregações religiosas. Por “Isso pode significar o fim da Áustria. A
outro lado, a contrarreforma ganhou tons de manutenção da Áustria (Áustria, Boêmia
e Hungria), sua integridade e sua conso-
desgraça, assim como os efeitos seguintes a
lidação são da maior importância não
derrota dos tchecos na Batalha da Montanha
apenas para o meu povo, mas para a Eu-
Branca (Bíla Hora), explicitando uma imposição ropa como um todo, para a humanidade
arbitrária para o declínio nacional (HOU- e para a civilização. Um grande império
VZVICKA, 1998). Sua visão política da história está emergindo no ocidente da Europa.
tcheca é marcada pelo constante conflito entre Ele é quase in vencível e um irresistível
os elementos eslavos versus germânicos soma- instinto o leva para o Centro e o Sul.
dos ao poder autoritário da Igreja Católica da Mais sucesso para esse império pode le-
idade média versus a liberdade de espírito. A var a uma monarquia universal. Não sou
partir da visão de Palacký, o movimento Hussi- hostil à Rússia, assim como não sou hos-
til à Alemanha. Sou hostil a uma domi-
tá ganhou status de movimento popular e naci-
nação universal que considero ser fatal
onalista, significando uma luta dos tchecos pela
ao progresso e bem-estar geral. Na Eu-
liberdade contra os princípios autoritários e ropa meridional, juntamente com as
feudais católico-germânicos. Dessa forma, tem fronteiras da Rússia, a História agregou
o início, também, uma produção literária anti- povos que diferem na linguagem, cos-
germânica que predominaria em muitas pro- tumes e trajetória: Eslavos, Romenos,
duções nacionalistas. Magiares, sem falar dos Gregos, Turcos e
É preciso ressaltar a grande figura polí- Albaneses. Nacionalidades que se junta-
tica de Palacký como parlamentar, uma vez ram devido suas fraquezas, já que ne-
que o mesmo é considerado o segundo grande nhuma delas é suficiente para conter um
poderoso vizinho. Estão ligadas pelo
patrono tcheco13 , recebendo uma estátua e uma
Danúbio, e a Áustria, que as mantém
praça no bairro de Praha 2, Plackeho Namesti. A
juntas, não pod e a bandoná-las sem risco.
produção anti-germânica articulada por Pa- Um estado Austríaco é indispensável pa-
lacký não pode ser confundida com de um ra- ra segurança da Europa e da Humani-
cismo étnico. É uma produção política de um dade. Se a Áustria não existe, ela deve
ser inven tada (PALACKÝ, 1948, p. 305-
13
Sendo o primeiro, Karel IV, e o terceiro, Tho mas G. 06)”.
Masaryk.
14Compromisso que estabeleceu a monarquia dual entre 15 Ver: SETON-WATSON, 1943; HROCH, 1986;
os domínios dos Habsburgos. POLISENSKÝ, 1991; PYNSENT, 1994).
Náua reci slovenskej (Teoria da Linguagem Eslo- provocou o afastamento de Jan Kollár, o qual
vaca). Inicialmente, Stúr se encontrava entre os passou a alegar que o moderno tcheco era mais
defensores das ideias de uma origem comum difícil de ser ensinado aos eslovacos do que a
Tcheco-Eslovaca, influenciada pela corrente de Biblictina, passando a inserir mais termos dos
Jan Kollar, chegando mesmo a fazer uso por dialetos eslovacos em suas produções literárias.
um tempo da Biblictina. No entanto, em 1843, Sua atitude irritou o lado tcheco que conside-
Stúr romperia com essa visão alegando que os rou suas ações provocadoras de uma catástrofe.
eslovacos eram uma tribo eslava com lingua- O resultado foi o hiato entre os círculos intelec-
gem própria. Ao unir nacionalismo com lin- tuais tchecos e eslovacos, com ambos os lados
guagem, Stúr posicionava os nacionalistas pro- seguindo rumos próprios em seus empreendi-
testantes dentro desse entendimento. Assim mentos linguísticos e gramaticais que defende-
escreveu: riam seus direitos de nação perante os Habs-
burgos. No lado tcheco, as ideias de Dobrovsky
“A linguagem é, en tão, o sinal mais se- e Jungmann saem triunfantes e consolidam o
guro da essência e individualidade de moderno idioma tcheco16 .
cada nação. Apenas como um ser indi-
No lado eslovaco, os círculos literários
vidual, a nação revela seu mais pro-
chegam a um acordo final em 1852, com atua-
fundo eu interior atra vés da lingua-
gem[...] o espirito da nação se desen -
ção destacada do teólogo e pedagogo católico
volve na e com a linguagem na forma Martin Hattala, escrevendo a obra resultante
mais apropriada para ele: são interde- da reforma linguística: Kratká mluvtina slovenská
pendentes e, por isso, não podem exis- (Uma Concisa Gramática Eslovaca), a qual aca-
tir um sem o outro” (PYNSENT, 1994, bou recebendo grande influência das ideias de
p. 186). Stúr. No entanto, a Ausgleich, em 1867, mergu-
lha o nacionalismo eslovaco em um profundo
Durante a segunda metade da década de 1840, retrocesso, agora com a política de magiariza-
três linguagens literárias coexistiram no territó- ção impedindo a difusão de uma identidade
rio eslovaco: Bernoláctina, Stúrtina e a Biblictina. eslovaca, algo que só sairia do ostracismo no
Os nacionalistas tchecos entendiam que início do século XX, na fase (política) da massi-
os eslovacos faziam parte da mesma nação, se ficação eslovaca, quando novamente constroem
posicionando contra a codificação empreendi- uma aliança com os tchecos que resultará na
da por Stúr. Em 1846, Jan Kollár publica Hlaso- fundação da república binacional da Tchecos-
vé o potrebe jednoty spisovného jazyka pro Cechy, lováquia.
Moravany a Slováky (Sobre a Necessidade de
uma Linguagem Literária Unificada entre
Tchecos, Morávios e Eslovacos), no Matica
O Estado Binacional versus Investi-
ceská, onde também acusaria o círculo de Stúr das de Assimilação
de traição da reciprocidade eslava e da unidade
tcheco-eslovaca. O momento de edificação do estado bi-
Lideranças protestantes eslovacas tam- nacional tchecoslovaco se realiza dentro da ter-
bém tentariam influenciar os rumos da recodi- ceira geração de nacionalistas, cuja maior figu-
ficação linguística tcheca. Jural Palkovic rom- ra se ilustra através do filósofo Tomás G. Ma-
peria com Josef Jungmann, alegando a necessi- saryk. É a fase em que toda a construção ante-
dade de conservar muitos elementos da Biblic- rior acerca das histórias culturais e da legitimi-
tina por questões de identidade eslovaca. Ape- dade da línguas maternas tchecas e eslovacas já
sar de ambos concordarem que a linguagem figuram consolidadas no debate, restando ape-
era o mais importante traço da nacionalidade, nas conquistar seus direitos de nações inde-
Jungmann defendia que a linguagem é um or- pendentes. Sabe-se que, tanto tchecos, quanto
ganismo em constante desenvolvimento, não
podendo ser algo fechado em si. Esse impasse 16 Ver: SETON-WATSON, 1943; HROCH, 1986;
PYNSENT, 1994.
e estabelecem as bases linguísticas e gramati- pública binacional, onde ambas as nações pu-
cais de suas línguas maternas. Ainda sim, am- deram, enfim, consolidar-se como manifestação
bos não estavam livres da política de assimila- histórica, até 1993, em um estado autodetermi-
ção pelo fato de seus territórios serem classifi- nado – isto é, detentor do monopólio legitimo
cados como pequenos e frágeis e, dessa forma, do emprego da política em seu território –, in-
poderiam não sucumbir a novas investidas dependente, e tchecoslovaco.
germânicas e magiares.
Nota-se que, mesmo trabalhando em
causa própria desde o século XVIII, ambas as Referências Bibliográficas
nações redescobrem pontos comuns em suas
histórias que quase a levam a uma terceira uni- ACTON, John. Nationality; In BALAKRISH-
ficação ainda no século XIX através da colabo- NAN. Gopal. (org). (1996). Mapping the Na-
ração para o estabelecimento de uma língua tion. New York. [1862(1996)]
comum para ambas as nações. Mas, é nesse
mesmo ponto que encontramos nos movimen- BAUER, OTTO. The Nation; In BALAKRISH-
tos nacionalistas tcheco e eslovaco uma séria NAN. Gopal. (org). (1996). Mapping the Na-
lacuna que se ilustra na quase completa ausên- tion. New York. [1907(1996)].
cia de um sentimento de destinação política
comum e, provavelmente por isso, ambas per- BAKKE, Elisabeth. Doomed to Failure? The
Czechoslovak Nation Project and the Slovak
maneceram muito tempo separadas e à mercê
Autonomist Reaction 1918-1938. PHD Disser-
da assimilação e outros fatores norteadores do
tation submitted to the Faculty of Social Sci-
princípio do ponto crítico que não conseguiram ences. University of Oslo, Norway, 1999.
sustentar, como é o caso da terceira condição
deste. De fato, o sentimento tcheco-eslovaco se FOUCAULT, Michel. Em Defesa da Socieda-
apresentou sempre com mais força pelo lado de. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
tcheco. Isso mostra que suas lideranças perce-
beram mais cedo que a independência não ne- GUIBERNAU, Montserrat. Nacionalismos. O
cessariamente equivaleria a sobrevivência, estado nacional e o nacionalismo no século
mesmo após a queda dos Habsburgos. Por ou- XX. Ed. Jorge Zahar. RJ, 1998.
tro lado, a imersão da mesma ideia, nas lide-
ranças eslovacas, só viria com a pulsão de mor- HOBSBAUWN, Eric. Nações e Nacionalismo
te sentida no final da Primeira Grande Guerra. desde 1780. São Paulo: Paz e Terra, 1990.
Em outras palavras, há um desejo de unificação
HOUVZVICKA, Vacláv. Germany as a Factor
territorial, por parte dos eslovacos, puramente
of Differentiation in Czech Society. Czech So-
fundamentado no desejo de sua preservação. ciological Review, n. 2. Vol. 6. p. 219-239, 1998.
Nota-se que suas lideranças percebiam que
uma união com a Hungria poderia conduzir a HROCH, Miroslav. Social Preconditions of
novas investidas de magiarização, com as quais National Revival in Europe: A Comparative
novamente poderiam não obter acordo e saí- Analysis of the Social composition of Patriot-
rem novamente derrotados. Já com os vizinhos ic Groups among the Smaller European Na-
tchecos, em situação equivalente com os austrí- tions. Cambridge: Cambridge UP, 1985.
acos, um acordo político e de tolerância pode-
ria ser construído. Isso fica bem evidente nas HROCH, Miroslav. Nationalism and National
Movements: comparing the past and the
negociações empreendidas que resultaram na
presente of Central and Eastern Europe. Na-
concessão de uma certa autonomia para os es-
tions and Nationalism 2. ASEN-London School
lovacos, assim como na não retomada de qual- of Economics, 1996.
quer tipo acordo para construção e codificação
de uma língua e gramática comum. Dessa for-
ma e, sob tais condições, construiu-se uma re-
KIRSCHBAUM, Stanislav j. Historical Dic- The reasons are justified by the fact that the first
tionary of Slovakia. Historical Dictionaries of two groups are composed by philologists, linguists,
Europe no. 31. Lanham: Scarecrow Press, 1999. historians, poets and journalists who carried out the
mission of rediscovering their cultural histories dur-
ORAVCOVÁ, Marianna. The Ethinic Cultural ing their stage of performance, codify their lan-
Dimension of National Emancipation. The Ev- guages and legitimize the right of political recogni-
ocation of the Slovak Nation. In: PICHLER, Ti- tion of their nations.
bor; GAPARKOVÁ, Jana. (eds). Language, Keywords: Language; Nation; State; Politics; Slav-
Values and the Slovak Nation. Prague: Czech ic Peoples
Academy of Science.,1994.