20 - Alexandre Barbalho
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ESTADO E CULTURA
NO NORDESTE:
UMA LEITURA DAS POLÍTICAS
CULTURAIS NORDESTINAS
Alexandre Barbalho
tem pertinência porque, como é sabido por pelo Suplemento de Cultura da Munic 2006.
todos(as) que acompanham essa área, há Ainda que seja um indicador limitado –
um esforço por parte de Gil e sua equipe em aliás, como todos os indicadores; o MinC (BRA-
transformar a cultura em objeto de políticas de SIL, 2010), em seu documento fundante sobre
Estado, e não só de governo, a partir da lógica o SNC, por exemplo, recomenda a combinação
federalista – com o Plano Nacional de Cultura do IGMC com outros indicadores, como os ín-
(PNC) e o Sistema Nacional de Cultura (SNC), dices educacionais, sociais, econômicos etc. –,
por exemplo – e da participação social possi- é importante retomá-lo no sentido de trazer
bilitada por conferências, consultas públicas, elementos que possam esclarecer a configu-
câmaras setoriais e conselho de cultura pari- ração das políticas culturais nordestinas nos
tário e deliberativo, entre outros instrumen- últimos 15 anos.
tos de governança (BARBALHO; BARROS; O IGMC é subdividido em outros índices
CALABRE, 2013; BARBALHO; CALABRE; mais específicos: o primeiro é o de Fortaleci-
RUBIM, 2015; BARBALHO; RUBIM, 2007; mento Institucional e Gestão Democrática.
RUBIM, 2010). Como situa Miranda, esse índice leva em con-
Para ensaiar uma resposta à questão – e sideração que “a existência de instituições que
trata-se somente disto mesmo, um ensaio –, preservem a prioridade do setor através de vá-
vale a pena recorrer aos dados disponibilizados rias administrações é um fato positivo para a
pelo Índice de Gestão Municipal em Cultura e gestão cultural, pois favorece a continuidade
pelos Suplementos de Cultura da Pesquisa de e o seu crescimento”, bem como “o princípio
Informações Básicas Estaduais (Estadic) 2014 de que, quanto mais a população participa das
e da Pesquisa de Informações Básicas Munici- decisões de gestão, mais efetiva será a ação em
pais (Munic) 2014, do IBGE. Ainda que defa- prol da cultura no município” (MIRANDA,
sados, é o que existe de mais atualizado sobre 2009, p. 2). O segundo é o Índice de Infraes-
o setor, que só muito recentemente tem sido trutura e Recursos Humanos. E, por fim, o Ín-
objeto de atenção por parte dos formuladores dice de Ação Cultural, que, diferentemente dos
oficiais de estatísticas. anteriores, voltados para os meios, mensura a
oferta no setor por parte do município.
4. O que dizem os dados De acordo com o Índice de Fortaleci-
No esforço de obtenção de informações mento Institucional e Gestão Democrática,
e construção de índices balizadores para as nenhum município nordestino estava entre
políticas culturais, Rogério Miranda (2009), os dez mais bem avaliados no ano de 2006.
pesquisador do Instituto de Pesquisa Econô- Contudo, em termos de estado, o Ceará esta-
mica Aplicada (Ipea), desenvolveu o Índice de va em quinto lugar, atrás de Distrito Federal,
Gestão Municipal em Cultura (IGMC). Trata- Minas Gerais, Mato Grosso e Mato Grosso do
-se de um primeiro índice estatístico na área, Sul. Também não havia qualquer município
que possibilitou ranquear os municípios bra- nordestino entre os dez primeiros classifi-
sileiros em relação ao quesito gestão cultural cados, segundo o Índice de Infraestrutura e
recorrendo às informações disponibilizadas Recursos Humanos. Mas o estado da Bahia,
202 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL
apesar de não fazer parte do grupo com as então se a esse dado se combinam outros que
melhores médias, possuía mais de 50% dos possam apontar para uma nova realidade.
seus municípios com valores acima da média Quando se trata de publicizar e tornar
nacional para esse índice. mais ágil o acompanhamento das políticas,
Quanto ao Índice de Ação Cultural, Re- os órgãos gestores da cultura nos estados
cife liderava o ranking, no entanto, sendo a nordestinos não se destacam, pois apenas
única cidade nordestina a fazer parte do gru- cinco (Ceará, Paraíba, Pernambuco, Ala-
po das dez melhores. Por sua vez, quando se goas e Bahia) utilizavam sistemas informa-
olha o conjunto dos municípios dos estados, tizados de gerenciamento, e nenhum deles
Ceará e Pernambuco estão entre os cinco tinha instalada a total capacidade operativa
mais pontuados. Por fim, en- definida pelo IBGE em seis
tre os dez municípios com os Entre os dez municípios funcionalidades: 1. Cadastra-
com os maiores valores
maiores valores no IGMC, Re- mento de projetos culturais,
no IGMC, Recife aparece
cife aparece na quarta coloca- pelos agentes, para solicitação
na quarta colocação,
ção, com 172,86 [para efeito com 172,86 [para efeito de apoio; 2. Acompanhamen-
de comparação, Caxias do Sul de comparação, Caxias to da execução dos projetos
(RS) estava em primeiro, com do Sul (RS) estava em cadastrados; 3. Cadastro de
179,51]. Quando se restringe o primeiro, com 179,51]. agentes e objetos culturais; 4.
índice somente às capitais, Re- Planejamento orçamentário
cife sobe para primeiro no ranking do IGMC e da política de cultura; 5. Gestão do patrimô-
Teresina aparece na nona colocação. nio cultural; e 6. Gestão de equipamentos
Vamos agora para um conjunto de dados culturais. A ausência geral se refere ao item
mais recentes formado pelo Suplemento da 4, exatamente o mais nevrálgico, por tratar
Estadic e da Munic de 2014. Comecemos com da forma como os recursos são aplicados.
informações que se relacionam com o Índi- Como contraponto ao contexto da ges-
ce de Fortalecimento Institucional e Gestão tão estadual, Pernambuco (16,8%) e Ceará
Democrática. No que diz respeito à gestão, o (15,2%) estão entre os sete estados brasilei-
Suplemento informa que, em 2014, todos os ros que contavam com a maior quantidade
estados nordestinos possuíam algum órgão de municípios com sistemas de informatiza-
gestor específico para a cultura, a despeito da ção, e o segundo se destaca entre aqueles com
diversidade de formatos (secretaria, fundação maior proporção de municípios com páginas
etc.). Quando se observa a realidade munici- de conteúdo exclusivo do órgão gestor de cul-
pal, o Maranhão, entre os estados brasileiros, tura, com 14,3%.
apresenta a maior proporção de municípios Outro ponto importante para o melhor
com estrutura organizacional exclusiva para a desempenho da política pública se refere
política cultural (62,8%). Com certeza, a exis- à capacitação de seus gestores. Esse foi um
tência de secretaria ou fundação de cultura item alvo de grande investimento por parte
não garante a efetividade da política e muito do MinC, no esforço de implantação do SNC,
menos o seu caráter republicano. Vejamos a partir principalmente do segundo governo
POLÍTICAS CULTURAIS & MODELOS SUSTENTÁVEIS Alexandre Barbalho 203
Lula. Entre 2009 e 2010, a Secretaria de Arti- Ainda no quesito formação, agora vol-
culação Institucional (SAI) do Ministério ela- tada para os setores da cultura, todos os es-
borou o Programa de Formação de Gestores tados promoveram cursos em alguma das 13
Culturais, cujo Curso Piloto de Gestão Cultu- categorias consideradas pelo IBGE: música;
ral ocorreu em Salvador. Logo na sequência, artes plásticas; teatro; gestão cultural; dança;
em 2012, a Fundação Joaquim Nabuco, em patrimônio, conservação e restauração; ma-
parceria com o MinC e a Universidade Federal nifestações tradicionais populares; cinema;
Rural de Pernambuco, ofertou o primeiro cur- literatura; vídeo; circo; artesanato; e fotogra-
so de especialização em formação de gestores fia. Pernambuco foi o único estado do país
culturais dos estados do Nordeste. que afirmou promover capacitação em todas
Em grande parte como as áreas, e o Ceará ocupava a
Em grande parte como
desdobramento da atuação do quarta colocação, com 53,3%
desdobramento da
Governo Federal, todos os es- atuação do Governo entre os cinco estados onde
tados nordestinos ofereceram Federal, todos os mais da metade de seus muni-
algum tipo de formação para estados nordestinos cípios ofereceram algum curso.
seus servidores na área da cul- ofereceram algum tipo Quanto ao esforço de
tura, ainda que nenhum tenha de formação para seus transformar a política cultu-
atuado nos sete temas estabe- servidores na área ral em política de Estado, um
lecidos pelo IBGE: 1. Curso de da cultura. dado importante se refere aos
elaboração e gestão de proje- planos. Nesse ponto, todos os
tos; 2. Curso de gestão cultural; 3. Curso de estados nordestinos estavam com seu pla-
editais; 4. Curso de capacitação tecnológica e no de cultura em elaboração em distintos
administrativa; 5. Curso de leis de incentivo; estágios. A exceção da região e do país era
6. Curso de captação de recursos; 7. Curso de Alagoas, que já tinha o seu formalizado e re-
gestão de equipamentos culturais. gulamentado por instrumento legal.
Os cursos mais ofertados estão inseridos Por sua vez, no que diz respeito aos oito
nos itens 1, 5 e 6, de perfis mais tradicionais, objetivos das políticas culturais estabeleci-
orientados muitas vezes pela lógica das leis das pelo IBGE (1. Preservar o patrimônio
de incentivo à cultura. São formações ofereci- histórico, artístico e cultural; 2. Tornar a
das tanto pelo poder público quanto pelo setor cultura um dos componentes básicos para a
privado, desde a criação da Lei Sarney, com qualidade de vida da população; 3. Democra-
incremento na gestão de Francisco Weffort tizar a gestão cultural; 4. Integrar a cultura
no MinC (1995-2002), quando se legitimou ao desenvolvimento local; 5. Dinamizar as
a figura do captador de recursos. O menos atividades culturais do estado; 6. Garantir
ofertado foi o item 7 (apenas Piauí e Bahia), a sobrevivência das tradições culturais lo-
o que pode ser indício da pouca presença de cais; 7. Descentralizar a produção cultural;
equipamentos públicos de cultura sob respon- 8. Ampliar o grau de participação social nos
sabilidade do órgão gestor estadual ou da falta projetos culturais), o Piauí foi o único estado
de profissionalização na sua gestão. nordestino a listar todos eles.
204 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL
destaque é o Rio Grande do Norte, que só não Estadic e da Munic de 2014, ocorreu o for-
atende a um – o de “pessoa com deficiência” talecimento desse processo. A existência
– dos 13 segmentos listados pelo IBGE, vin- generalizada de órgãos gestores exclusivos
do atrás apenas de São Paulo, que atende a para a área, alguns deles com sistemas in-
todos. Os outros segmentos são: culturas formatizados de gerenciamento – contando
populares; comunidades indígenas; comu- com gestores capacitados, conselhos pari-
nidades afro-religiosas; comunidades qui- tários e deliberativos, planos e conferências
lombolas; crianças e adolescentes; jovens; participativas –, entre outros sinalizadores,
outras comunidades tradicionais; comunida- aponta para um novo modus operandi das
de LGBTT; mulheres; idosos; comunidades políticas culturais nordestinas.
de descendentes de nacionalidades estran- Talvez a melhor expressão da nova
geiras; comunidades ciganas. composição de forças seja a afirmação dos
valores da participação, da democracia e da
5. Algumas considerações finais institucionalização por parte dos gestores
A partir dos dados apresentados acima estaduais de cultura nos períodos imediata-
é factível afirmar que a política cultural no mente anterior e posterior à realização da III
Nordeste se assenta hoje em patamar di- Conferência Nacional de Cultura, entre 27 de
ferente daquele que vigorou entre os anos novembro e 1 de dezembro de 2013, que en-
1960 e 1990, no qual predominava, de um volveu milhares de pessoas nas conferências
lado, a atuação de intelectuais renomados municipais e estaduais que a antecederam
e próximos ao poder político vigente e, de em todo o país.
outro, uma atuação com vistas a expressões Para encerrar, vejamos algumas destas
eruditas e à valorização do popular. Obser- falas das quais destaquei algumas passagens
va-se um esforço de institucionalizar a em itálico. Segundo o então secretário de Es-
relação do governo no campo cultural re- tado da Cultura de Alagoas, Osvaldo Viégas, a
correndo a diversos instrumentos de gestão III Conferência Estadual foi “um momento de
pública, como planos, conselhos, fundos, interlocução entre poder público e sociedade
conferências e, de forma democrática, va- civil no intuito de estabelecer diretrizes para
lorizando a participação da sociedade ci- o desenvolvimento da cultura em Alagoas”.2
vil, mais especificamente dos agentes do Por sua vez, a secretária de Estado da Cultu-
campo cultural. ra de Sergipe, Eloísa Galdino, defendeu que
Percebe-se que, entre a divulgação dos “as conferências municipais visam a mobi-
resultados do IGMC, baseados em dados de lização das comunidades para o debate e a
2006 – em que os estados nordestinos não proposição de políticas de cultura junto a
tiveram muito destaque no cenário nacional, representantes do poder público”, favore-
a não ser, em determinados quesitos, Ceará, cendo a “participação intensa e coletiva dos
Bahia e Pernambuco (nos Índices de Fortale- agentes de cultura, com base em uma visão
cimento Institucional e Gestão Democrática diferenciada sobre como construir políticas
e de Ação Cultural) –, e a do Suplemento da públicas para esta área”.3
206 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL
TABELA 1
ESTADOS DO NORDESTE COM CONSELHO DE CULTURA, POR ALGUMAS CARACTERÍSTICAS (2014)
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de População e Indicadores Sociais, Pesquisa de Informações Básicas Estaduais 2014.
FISCALIZAR O
PRONUNCIAR- ACOMPANHAR CUMPRIMENTO
SE E EMITIR E AVALIAR A DAS DIRETRIZES PROPOR,
PARECER SOBRE ELABORAR EXECUÇÃO DE E INSTRUMENTOS AVALIAR E
ASSUNTOS DE E APROVAR PROGRAMAS DE FINANCIA- REFERENDAR
NATUREZA PLANOS DE E PROJETOS MENTO DA PROJETOS
ESTADO CULTURAL CULTURA CULTURAIS CULTURA CULTURAIS
Maranhão Sim Sim Sim Sim Não
Piauí Não Sim Não Não Sim
Ceará Sim Não Sim Não Não
Rio Grande do Norte Sim Não Não Não Sim
Paraíba Não Sim Não Sim Não
Pernambuco Sim Sim Não Não Não
Alagoas Sim Não Não Não Sim
Sergipe Sim Não Não Não Sim
Bahia Sim Não Sim Não Não
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de População e Indicadores Sociais, Pesquisa de Informações Básicas Estaduais 2014.
POLÍTICAS CULTURAIS & MODELOS SUSTENTÁVEIS Alexandre Barbalho 207
QUANTIDADE DE
CARÁTER ESCOLHA DOS INTEGRANTES REUNIÕES NOS CONSELHEIROS
FISCALIZADOR DA SOCIEDADE CIVIL ÚLTIMOS 12 MESES SÃO REMUNERADOS
Não Indicação do poder público e da sociedade civil 4 Não
Não Indicação do poder público e da sociedade civil 48 Sim
Não Indicação do poder público e da sociedade civil 6 Não
Sim Indicação do poder público e da sociedade civil 80 Sim
Sim Indicação da sociedade civil 12 Não
Sim Indicação do poder público 96 Sim
Não Indicação do poder público e da sociedade civil 6 Não
Não Indicação do poder público 44 Sim
Não Outra forma de escolha 24 Não
FISCALIZAR AS
APRECIAR E ATIVIDADES ELABORAR
APROVAR DE ENTIDADES NORMAS E APRECIAR
FISCALIZAR AS NORMAS E CULTURAIS ADMINISTRAR DIRETRIZES E APROVAR
ATIVIDADES DO DIRETRIZES DE CONVENIADAS O FUNDO PARA NORMAS PARA
ÓRGÃO GESTOR FINANCIAMENTO COM A GESTÃO ESTADUAL DE CONVÊNIOS CONVÊNIOS
DA CULTURA DE PROJETOS ESTADUAL CULTURA CULTURAIS CULTURAIS
Sim Sim Sim Não Não Não
Não Não Não Não Não Não
Sim Não Não Não Não Não
Não Não Não Não Não Não
Não Não Não Não Sim Não
Sim Não Não Não Não Não
Não Não Não Sim Não Não
Não Não Não Sim Não Não
Não Sim Não Não Não Não
208 OBSERVATÓRIO ITAÚ CULTURAL
Referências
ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. São Paulo: Brasiliense, 1985.
RUBIM, Albino (Org.). Políticas culturais no governo Lula. Salvador: Edufba, 2010.
Notas