Palestra Mãe Carmem Holanda Religiosidade

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Disciplina: Questões Étnico-Raciais

Professora: Claudia Furlanetto


Aluno: Pedro Jardel da Silva Coppeti

RELATÓRIO DA PALESTRA SOBRE RELIGIOSIDADE

Mãe Carmem Holanda, mulher negra, com 72 anos de idade, professora,


socióloga, mestranda em educação pela Universidade Federal do Ceára, sacerdotisa dos povos
tradicionais de matriz africana, nos dá uma aula sobre religiosidade, suas origens, matizes e
características fundamentais.

Possuindo uma alta experiência de vida, porquanto viveu na rua em São


Paulo no período da infância até adolescência, atualmente reside em Carazinho, onde possui
um trabalho social importante na sensibilização e na defesa dos preconceitos com relação às
pessoas negras, ao trazer para o debate e para conhecimento da sociedade sua militância em
geral questões que envolvem à cultura deste povo, especialmente a religiosidade.

Como sacerdotisa labuta na Casa de Aché, que chama de lugar de força e


energia e também no PPP Educando Eres (negros), Guris (brancos e gaúchos) e Curumins
(indígenas), uma Escola que mantém uma interação e um diálogo com todas estas etnias para
divulgação, conhecimento e debate a respeito da origem, da fala, do respeito, da igualdade,
dos preconceitos, das discriminações, enfim, um trabalho cultura importante para a Sociedade.

Com relação especificamente à religiosidade e as matrizes africanas, começa


dizendo que religião significa religar-se com os elementos da natureza. Disse pertencer ao
Candomblé, uma tribo, que foi criada, teve origem, na mão de obra escrava. Essa tribo trouxe
ao nosso País e também a todos os demais lugares que viveu os saberes, a cultura, o modo de
vida, a forma peculiar de chegar a Deus, esta figura mítica criadora de todas as coisas do
Mundo. Nesse âmbito, fala a respeito da constituição física dos seres humanos, especialmente
referindo-se a cabeça e olho, dos saberes ancestrais, que nos ensinam a cultuar os elementos
da natureza: aguá, terra, fogo e ar.
A partir daí passa a definir cada um destes elementos, o que significam e
como as diferentes religiões e todas as pessoas devem tratá-los, indicando minuciosamente
como o Candomblé trabalha estes temas.

Assevera que devemos louvar a natureza através destes elementos, através


do respeito e da percepção dos seus significados e simbologia que representam na condução
da vida de todos. Nesse sentido, todos devemos cultivar a essência intrínseca da natureza,
cultuando e louvando a água, a terra, o fogo e o ar.

Neste rito simbólico, nos lugares de culto é onde louvamos os nossos orixás.
É nos templos de adoração, onde comungamos e nos conectamos aos orixás, através não só de
celebrações, mas também no nosso dia-a-dia, na nossa maneira de vestir, de comer, de se
comportar. Acentua que foi o guerreiro Ogum quem trouxe os metais, esta ciência foi
desenvolvida pelos negros, assim como o cultivo a água potável, bem como as contribuições
relativas à culinária, dança, ritual de tambores, todas tem uma matriz e uma etiologia africana.

Nesse âmbito, faz uma indagação para reflexão: Quem de nós não têm um
pezinho na África, na senzala? Todos temos, o Brasil é uma mistura de raças, de sangue, mas
mesmo assim o preconceito ainda impera, muito pelo posicionamento do branco, com sua
suposta superioridade, com provocações, gozações e discriminação nos lares, nas ruas, nas
instituições, enfim, em todos os lugares, especialmente com a forma de nos vestir, com nossos
rituais, sobre a utilização de colares, turbantes e outros acessórios.

E para evitar e amenizar esta discriminação é muito importante que se


realizem estas discussões que estamos fazendo hoje, dizendo que este tipo de disciplina nas
Universidades e Escolas devem ser oferecidas e ministradas, para que haja uma mudança e
uma transformação cultural, para que todos sejam tratados com justiça e igualitariamente.
Aduz que não queremos ser tolerados, mas sim respeitados, como seres singulares e iguais. O
racismo contra o negro tem que acabar e somente a educação é capaz de fazer com isso
aconteça.

Todas as religiões cultuam seus Deuses, mas Deus mesmo só existe um.
Sobre este aspecto, importa dizer que no Candomblé rezamos para Iemanjá, a louvamos
quando estamos em desequilíbrio. Para nós, Oxum, é o grande útero da vida, responsável pela
gestação, pelo poder da vida e também pelo poder da morte através da mulher, que está
contida no elemento água. Enfatiza que Oxum é a grande mãe da vida.

Quando o Candomblé, através de nós, referencia a terra, pede-se a benção


para que seja fértil, para que demore muito a receber nossos corpos. A terra significa de onde
a gente veio e para onde a gente vai. Precisamos pedir licença para a mãe terra para a ararmos,
para a cultivarmos, com equilíbrio, respeito e sem exploração.

Com relação ao elemento fogo, invocamos Xangô, Iansã. Fogo é elemento


químico, é estrondo, raio, trovão, mas também significa a Justiça. Para este elemento devemos
estar em equilíbrio na vida, devemos ser justos com todos, devemos ser responsáveis pela
absoluta verdade. O grande Orixá está ligado ao fogo. Por isso, quando acontece um incêndio,
um sinistro, uma fatalidade em alguma casa, por exemplo, dissemos que nesta casa não havia
verdade, não havia justiça.

De outro lado, quando se fala do elemento ar, estamos a falar de vida. Eni é
o ar que respiramos, não podemos viver sem ar, sem este elemento. O vento é o elemento que
nos acaricia, nos abraça. Oxalá é o senhor do ar. Nesse âmbito, todas as sextas feiras quem
cultua este elemento veste branco, não bebe neste dia, não faz sexo. O senhor do Alá é branco,
que dá paz ao nosso espírito, que dá paz ao nosso interior, paz para a nossa cabeça (Oxalá). É
ele que trás respeito à vida, que é contra a violência. E é a ele que pedimos então saúde e paz
não só para nossos corpos mas também para toda a nossa humanidade. Para exemplificar
como se realiza esta adoração, faz uma reza a Oxalá, em uma espécie de canto para este
senhor das festas brancas cubra a todos com saúde e proteção.

Fala a respeito de Exu, senhor do Universo, do movimento, da


comunicação. Sobre Obará, rei do corpo, este é que trabalha, faz sexo, procria, enfim, realiza
tudo o que a família necessita. É o senhor da esfera da comunicação, da transformação. Possui
três cores, cada uma com sua simbologia. O vermelho significa vida, o preto a morte e o
branco a paz, o equilíbrio. Sem Exu não estaríamos nos comunicando, nos conhecendo hoje.
Ele é responsável pelo trabalho e pela busca. Quando amanhece, louvamos ele por ter nos
dado a vida, rezamos para Ori (nossa cabeça) e também dos nossos filhos para as boas
escolhas, para que não encontremos a doença, o perigo, a morte, ou seja, pedimos para Exu
que nos forneça só coisas boas em nosso caminho, e nos traga trabalho, saúde e fé.
Aduz que todos nós temos o lado positivo e o lado negativo. Devemos,
portanto, nos esforçar para emanar sempre pensamentos positivos, para seguir e guiar nossos
caminhos com tranquilidade e realizações. Explica que é necessário desmistificar
pensamentos e preconceitos com relação à religiosidade. Exterioriza que Exu não é coisa de
demônio, não é coisa do diabo como muitos pensam. Não é porque se veste diferente com
colares, com a cabeça coberta, que é coisa do mal. Tapamos a cabeça porque ela é uma coisa
sagrada, saudável, boa, não uma cabeça ruim. O Candomblé simplesmente é vida, que
trabalha, concebe, busca pelo equilíbrio, pela justiça, pela paz.

Dá exemplos de outros segmentos religiosos, como a Umbanda, que teve


sua origem neste País, e que faz o sincretismo, louvando os elementos supracitados de acordo
com a sua maneira e concepção, ou seja, utilizando-se de denominações diferentes para
Deuses, Santos. Exemplifica tais segmento com outro canto. Sustenta que cada segmento
religioso tem a sua história e os seus porquês. Também fala da Aquibanda, que é um
segmento do Umbanda, porém, não pertence à matriz ou às entidades africanas. É uma ciência
que trabalha os povos de rua. Utiliza-se de um discurso obscuro da religião, há muita mistura,
incluindo a utilização de cigarros, álcool. Há um lado escuro, um certo desleixo com o templo
e o que ele simboliza. Nesse patamar, é importante que se faça uma distinção entre as linhas
de religião, de cultura, de divindades e entidades, para que não ocorra uma mistura ou acabe
proporcionando confusão e entendimentos distintos e diversos a respeito do que faz o que. Por
exemplo, a “magia negra”, ela não existe na matriz cultural de origem africana, não se adéqua
aos pensamentos e cultos dos povos africanos, pois foi criada aqui no Brasil ou em outros
países, o que é muito diferente do Candomblé.

Explica que o sinal da cruz já é uma espécie de discriminação, ou seja,


quando o fazemos invocamos o nome do pai, do filho e do espírito santo, esquecendo-se da
virgem Maria e de seu papel importante na vida das pessoas, como símbolo de mulher.

Após incitada a falar sobre como surgiu o Candomblé em sua vida, explicou
que isso ocorreu quando ainda morava na Rua em São Paulo. Foi em um momento muito
delicado e que mais precisava, pois alguém a salvou de suicídio e a apresentou a esta cultura.
Perguntada sobre as oferendas e objetos postos nela, demonstra contrariedade com estas
espécies de manifestações, que já não cabem hoje, pelo menos da maneira como são
realizadas. Disse que elas são necessárias, mas devem ser feitas de forma diferente, com
maior respeito pela natureza, que pede socorro. Defende que os despachos ao ar livre sejam
feitos apenas com flores, frutas e outras coisas naturais, sem utilização de velas, bicho morto,
garrafas, coisas que são poluidoras. A respeito do nome “Magia Negra” não concorda que
neste tipo de engajamento, celebração ou ritual, seja utilizado esta denominação, pois é
pejorativa e discriminatória. Explica que não foram os negros que estabeleceram e/ou criaram
esta seita. Não se pode utilizar destes nomes “Umbanda Branca” e “Umbanda Negra”. Não é
necessário falar que é branca ou preta. Deveria se falar, portanto, em Umbanda “Direita” e
Umbanda “Esquerda”, ou seja, Umbanda que faz o bem e Umbanda que faz o mal. A direita é
composta pelos pretos velhos, ciganos, caboclos, os originários da terras, os que fazem e
defendem o bem. A esquerda é feita com a pomba gira, o povo da rua, está ligada a
Quimbanda, ao mal.

Por fim, explica aonde há casas de Candomblé confiáveis, como ocorre o


processo do jogo de búzios (elemento que rege a pessoa), sobre as questões da adivinhação,
da previsão de futuro, dos trabalhos que são feitos para ganhar dinheiro, e sobre eventual
regulamentação, normatização, para que não aconteça mais exploração econômica e obtenção
de vantagens com estes rituais. Nesse sentido, comenta que as religiões viraram um comércio,
que as pessoas pagam para tudo. Explica sobre os processos de cura, sem exploração
econômica, tipo a utilização de chás, benzimentos, tradições, o passamento de velas, o
processo de limpeza com banho de ervas, etc. Além disso, diz que o processo de benzimento é
uma tradição passada pelos ancestrais, de pai para filho. Que hje há até cursos de benzimento
apenas para tirar dinheiro das pessoas, assim como trabalhos até pela Internet para melhorar a
vida das pessoas trazer o amos em sete dias, entre outros. Sobre a regulamentação disse que
existe em POA o Conselho Municipal de povos de matriz Africana e que isto está também
sendo feito em outros municípios, mas que é apenas uma fachada, não funciona, uma vez que
os dirigentes são os mesmos que utilizam os rituais para exploração comercial, pessoas de má
índole, que brincam com a fé, com Deus. Também fala sobre as obrigações da religião, sobre
o que se denomina “fazer o chão”, se isto é uma espécie de formação, se existe no
Candomblé. Refere que este processo não pertence a nação do Candomblé, pois se você
pertence ou é pertencente a esta nação, você vem e fica, outros que não pertencem vão
embora, é um movimento de passagem, recebem benção, banho, não precisam fazer santo,
apenas participam das celebrações e festas, mas sem se imiscuírem no processo, sem fazerem
parte do clã, porque não trazem esta herança. Assim, nem todos ‘fazem o chão’, nem todos
tem esta obrigação, nem todos vão se encontrar/confrontar com o seu Orixá, ao contrário da
Umbanda, por exemplo, que prepara as pessoas para serem médium.

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