2020ci 1
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IMUNE AO TRAUMA colágeno, e uma fase aquosa, representada pelo volume sanguíneo
circulante (volume intravascular), pelo volume de líquido que banha os
tecidos (extracelular) e pela porção líquida no interior das células (líquido
INTRODUÇÃO
intracelular); esta última corresponde à maior parte dos líquidos corpóreos.
VIDEO_01_CIR3
O trauma, determinado tanto por uma cirurgia quanto por uma lesão grave
COMPOSIÇÃO CORPORAL E SUA RESPOSTA
(politrauma, queimaduras), e o jejum prolongado desencadeiam
AO ESTRESSE CIRÚRGICO
modificações no ambiente hormonal e levam também à produção de
mediadores humorais. Essas alterações têm como um de seus objetivos a
mobilização de substratos, a partir da "quebra" de proteínas e gorduras, para
utilização como fonte de energia por diversas células.
O tecido adiposo (fase não aquosa) nos fornece uma reserva enérgica Os estímulos sensoriais provenientes da ferida operatória, já no momento da
considerável, uma vez que cada grama gera em torno de 9 kcal. A lipólise incisão, são os deflagradores iniciais da resposta endócrina. Quando esses
(lise ou "quebra" de gordura) nos fornece ácidos graxos livres, que estímulos alcançam o SNC (hipotálamo), provocam a liberação do
correspondem à principal fonte de energia utilizada pelo organismo durante hormônio liberador da corticotrofina (CRF); este, por sua vez, estimula a
o trauma. Outro elemento proveniente da "quebra" de gordura é o glicerol; síntese e secreção de hormônio adrenocorticotrófico ou corticotrofina
este é utilizado no fígado como substrato no processo de gliconeogênese. (ACTH) pela adeno-hipófise. Citocinas pró-inflamatórias, colecistoquinina,
hormônio antidiurético (ADH), peptídeo intestinal vasoativo,
As proteínas, além da função estrutural, geram alguma energia quando catecolaminas, dor e ansiedade, parecem também contribuir para o aumento
requeridas, porém em menor intensidade quando comparada aos lipídios. do ACTH.
Cada grama fornece cerca de 4 kcal. Apesar do baixo valor calórico, o
estresse provocado pelo trauma faz com que as proteínas musculares sofram O ACTH atua no córtex da suprarrenal estimulando a produção de cortisol,
um processo conhecido como proteólise (lise ou "quebra de proteínas") e elemento fundamental no trauma. As principais funções do cortisol incluem:
gerem Aminoácidos (AA), que servirão de substratos para a gliconeogênese
hepática. 1. Promoção de um efeito generalizado sobre o catabolismo tecidual,
mobilizando AA da musculatura esquelética. Os AA servirão de
Em traumatismos extensos associados a estresse catabólico importante, a substrato para gliconeogênese, para a cicatrização de feridas e para a
resposta hormonal e humoral é de tanta intensidade que grandes quantidades síntese hepática de proteínas de fase aguda (PTN-C reativa,
de proteína são perdidas por esse mecanismo… Caso nenhuma intervenção procalcitonina, fator 3 do complemento, fibrinogênio e ceruloplasmina);
nutricional seja empreendida, o paciente pode vir a falecer, por perda de
2. Estímulo à lipólise. Na verdade, o cortisol facilita a ação das
proteínas viscerais e estruturais. Em situações como essa, a perda de
catecolaminas no processo de lipólise. Haverá destruição do
proteínas nos primeiros cinco dias pode exceder a 2 kg.
triglicerídeo da gordura, com liberação de glicerol (que servirá de
substrato para a gliconeogênese) e de ácidos graxos livres (que serão
utilizados como fonte energética direta por alguns tecidos, como o
RESPOSTA ENDÓCRINA E METABÓLICA E
músculo esquelético).
IMUNE AO TRAUMA
VIDEO_02_CIR3 Os níveis de cortisol permanecem elevados de duas a cinco vezes o normal
O organismo frente ao trauma de qualquer origem se mobiliza totalmente por no mínimo 24 horas em cirurgias de grande porte, porém não
para a produção de glicose, no intuito de ofertá-la para tecidos que a complicadas.
utilizem preferencialmente como energia. A ferida operatória ou traumática,
as hemácias, os leucócitos recrutados para os sítios de lesão tecidual, o
Catecolaminas
sistema nervoso central e a medula adrenal, são tecidos e células que
utilizam a glicose como fonte energética primordial. O desajuste na circulação, mesmo que transitório, somado a estímulos
provenientes da ferida, provoca liberação de catecolaminas (epinefrina) da
A glicose tem como fonte de armazenamento principal o glicogênio medula da suprarrenal. Este neuro-hormônio tem a função de preservar a
hepático, que sob influência hormonal é rapidamente consumido em perfusão sanguínea através do compartimento intravascular, procurando
aproximadamente 12 a 24 horas, num processo conhecido como salvaguardar o organismo das perdas volêmicas.
glicogenólise.
A epinefrina, além de promover vasoconstrição, apresenta também funções
metabólicas, como estímulo à glicogenólise, à gliconeogênese e à lipólise.
BOM, SE APÓS O CONSUMO DE GLICOGÊNIO NÃO HÁ MAIS
As catecolaminas e os opioides endógenos são os responsáveis por atonia
GLICOSE, COMO GERAR "NOVA GLICOSE"?
intestinal pós-operatória; além disso, o neuro-hormônio adrenérgico leva à
É nesse momento que entra em cena a gliconeogênese (ou neoglicogênese), piloereção, à broncodilatação, ao aumento da frequência cardíaca e ao
um processo metabólico hepático que tem como princípio a produção de relaxamento esfincteriano.
glicose a partir de substratos não glicídicos; estes incluem aminoácidos
musculares (alanina e glutamina), glicerol (proveniente da quebra de tecido Para uma ação adequada das catecolaminas é necessária a presença de
adiposo) e lactato. Sendo assim, a resposta hormonal tem como um de seus glicocorticoides. Na presença de trauma, a insuficiência suprarrenal
principais objetivos o estímulo a gliconeogênese. inicialmente subclínica pode manifestar-se, sendo responsável por
hipotensão ou choque.
Cortisol e ACTH
Produzido pelo núcleo supraóptico do hipotálamo e armazenado pela neuro- O GH se eleva durante procedimentos cirúrgicos, anestesia e trauma. A
hipófise, o ADH tem sua secreção aumentada no trauma. Alterações da princípio, o aumento deste hormônio (classicamente anabólico) vem de
osmolaridade plasmática, da volemia (perdas de 10% ou mais), ato encontro à resposta catabólica que ocorre normalmente após o trauma.
anestésico, ação da angiotensina II e estímulos provenientes da ferida ENTÃO O GH NÃO EXERCE ANABOLISMO? Não. Sabemos que o
cirúrgica, são as principais condições que levam à elevação do hormônio. O GH exerce suas ações anabólicas por meio de um hormônio sintetizado no
ADH promove reabsorção de água pelo segmento medular dos túbulos fígado sob seu "comando", que é o fator de crescimento insulina-símile tipo
coletores. Sendo assim, é natural encontrarmos certa retenção hídrica no 1 (IGF-1). No trauma, os efeitos do IGF-1 são inibidos pelos altos níveis de
pós-operatório, justificando uma queda do débito urinário a despeito de Interleucina-1 (IL-1), de fator de necrose tumoral-alfa (TNF-α) e de
hidratação adequada (oligúria funcional, com menos 30 ml/h de diurese) e Interleucina-6 (IL-6).
edema de ferida operatória. Em dois a quatro dias de pós-operatório, diurese
normal é reiniciada.
MAS AFINAL, QUAL É O EFEITO DO GH NA RESPOSTA AO
TRAUMA?
Na periferia, o ADH determina vasoconstrição esplâncnica. Este efeito é
mais significativo na lesão acidental e está relacionado a eventos de Por incrível que pareça, o GH acaba apresentando alguma função catabólica
isquemia (constrição da vasculatura intestinal somada à hipovolemia) nas fases iniciais da resposta ao trauma. Este peptídeo, em ação conjunta
seguida de reperfusão (quando a volemia é restaurada). O fenômeno – com as catecolaminas, promove lipólise.
isquemia-reperfusão – induz a produção de radicais livres derivados do
oxigênio, que alteram a integridade da barreira mucosa do tubo digestivo, Hormônio Estimulador da Tireoide (TSH) e Hormônios
condição que favorece translocação bacteriana. Os níveis elevados de ADH Tireoidianos
também estimulam dois importantes processos metabólicos: glicogenólise e
gliconeogênese. Em cirurgias não complicadas, o hormônio permanece Na resposta ao trauma, os níveis do TSH se encontram normais (achado
elevado por cerca de uma semana após o ato operatório. mais comum) ou discretamente reduzidos. Os níveis totais de T4 estão
diminuídos, embora a fração livre esteja preservada, o que faz com que o
paciente permaneça eutireóideo. A conversão periférica de T4 em T3 está
Aldosterona
reduzida, o que justifica os baixos níveis de T3 total. Níveis de T3 reverso
Mineralocorticoide sintetizado na zona glomerulosa da suprarrenal, a (rT3), uma fração desprovida de atividade biológica, estão aumentados. Este
aldosterona é liberada por ação da angiotensina II e por elevação do fenômeno tem a seguinte explicação: a enzima que transforma o T4 em T3
potássio no soro (lesões teciduais). em tecidos periféricos, e que se encontra inibida, é a mesma que degrada o
rT3.
A aldosterona atua na manutenção do volume intravascular, conservando
sódio e eliminando ora potássio ora hidrogênio. Sendo assim, existe no pós-
O quadro laboratorial dos hormônios tireoidianos e do TSH descrito pode
operatório uma tendência natural à alcalose metabólica. Em alguns
ser encontrado em doentes críticos e nas fases inicias da resposta ao trauma,
pacientes, a presença de drenagem nasogástrica (que acentua a alcalose
sendo conhecido como síndrome do eutireóideo doente.
metabólica), somada à hiperventilação anestésica e ao aumento da
frequência respiratória produzida pela dor, promove um fenômeno
Embora mediadores como citocinas e opioides endógenos sejam descritos
conhecido como alcalose mista do pós-operatório. Esta alteração é
um pouco mais a frente no capítulo, vale a pena observarmos algumas
diagnosticada com frequência na prática cirúrgica, sobretudo em pacientes
evidências clínicas que ocorrem em pós-operatórios, que são decorrentes de
que se submetem a operações de grande porte.
alterações hormonais e humorais (Tabela 1).
Glucagon
Produzido pelas células alfa do pâncreas endócrino, tem seus níveis TAB. 1 ALTERAÇÕES CLÍNICAS E LABORATORIAIS OBSERVADAS
EM PÓS-OPERATÓRIOS E SUA ASSOCIAÇÃO COM
elevados no trauma, sendo o principal mediador responsável pela HORMÔNIOS E MEDIADORES HUMORAIS.
gliconeogênese hepática. O cortisol parece exercer um efeito permissivo à
Atonia intestinal Catecolaminas e opioides
ação do glucagon.
endógenos.
Oligúria funcional/edema de Hormônio antidiurético (ADH).
Insulina ferida operatória
Tem seus níveis reduzidos (muitas vezes indetectáveis) em pós-operatórios Alcalose mista Aldosterona, drenagem
de cirurgias eletivas. Reparem que toda a resposta ao trauma é catabólica. nasogástrica, hiperventilação
Desta forma, não parece haver lugar para insulina, um clássico hormônio anestésica e hiperventilação
anabólico. Se prestarmos atenção, veremos que diversos hormônios que se associada à dor no pós-
encontram elevados na resposta ao trauma são considerados operatório.
contrainsulínicos, como cortisol, epinefrina, glucagon etc. Hiperglicemia Elevação do glucagon, cortisol,
catecolaminas e GH.
Hormônio do Crescimento (GH) e Fator de Crescimento Insulina- Elevação discreta na IL-1
Símile (IGF-1) temperatura (37,8ºC)
Anorexia TNF-α
O QUE É UM BALANÇO NITROGENADO NEGATIVO?
FASES DE RECUPERAÇÃO CIRÚRGICA
Na presença não só de trauma, mas também de jejum prolongado ou de
sepse, existe todo um ambiente hormonal direcionado à produção de O conhecimento das alterações sequenciais no metabolismo de pacientes
glicose. Os AA musculares (alanina e glutamina) derivados da proteólise submetidos a cirurgias, ou em vítimas de traumas acidentais, é de
são substratos essenciais para a gliconeogênese. Na sua utilização pelo importância fundamental. Com essas informações bem sedimentadas, o
fígado, os AA são desaminados e o grupamento amino (nitrogênio) não é cirurgião e o intensivista são capazes de entender as modificações clínicas e
aproveitado no processo de gliconeogênese hepática, sendo eliminado na laboratoriais decorrentes da resposta ao trauma.
caracterizado por catabolismo proteico e lipídico. Independentemente da catabólicas intensas, que perduram muitas vezes por um tempo
origem do estímulo, a proteólise e o aproveitamento de AA pelo fígado indeterminado… Sendo assim, um planejamento nutricional antecipado e
conduzido de forma adequada será fundamental para reduzir morbidade e
determinarão nesta fase um balanço nitrogenado negativo.
mortalidade.
Sim, é possível. A cirurgia sem incisão aberta em cavidades (procedimento Esta fase dura cerca de seis a oito dias em cirurgias eletivas não
vídeo-assistido, como laparoscopias) produz uma resposta endócrina de complicadas. Na presença de complicações pós-operatórias ou de trauma
menor intensidade. Entretanto, é a resposta imunológica que menos se fará acidental, o período catabólico pode durar semanas.
marcante, com níveis de citocinas (IL-1) praticamente normais. Uma ferida
cirúrgica de menor dimensão é infiltrada por uma quantidade menor de
leucócitos; como são estas células que produzem os mediadores humorais… Fase Anabólica Precoce
Cirurgia sob anestesia Atenuação da resposta Nesse período, o paciente apresenta um ganho ponderal mais lento,
peridural endócrina. principalmente à custa de tecido adiposo; este fenômeno é conhecido como
balanço positivo de carbono. A duração desta fase pode durar de meses a
anos.
VIDEO_03_CIR3 Com a restauração da volemia por meio de infusão de cristaloides (Ringer
lactato) e/ou hemoderivados, inaugura-se um novo período na resposta ao
trauma, conhecido como "refluxo" (Flow phase). Este é caracterizado por
RESPOSTA ENDÓCRINA E METABÓLICA AO um intenso hipermetabolismo, o qual suplanta, e muito, àquele observado
TRAUMA (LESÃO) ACIDENTAL em operações eletivas. É nesta fase que a febre pós-traumática ocorre, sendo
ocasionada por uma intensa produção de citocinas (principalmente IL-1); a
Quando falamos em trauma acidental, além de lesões multissistêmicas
temperatura pode atingir níveis de até 38,5°C.
(politrauma) e queimaduras, também é importante considerarmos qualquer
evento que ponha em risco a vida de pacientes, como sepse, hemorragias,
pancreatite necrosante etc. A reação do organismo a esta agressão será mais O metabolismo proteico altera-se, e a mobilização de aminoácidos a partir
significativa quanto mais grave for a intensidade da lesão. do músculo esquelético e tecidos periféricos se faz de modo intenso quando
comparada à resposta a cirurgia eletiva, caracterizando a proteólise
acelerada, já descrita. Os aminoácidos mobilizados são principalmente a
Com isso, a resposta endócrina e humoral (inflamatória) observada terá
alanina e a glutamina.
correlação direta com a extensão da lesão tecidual. Em casos graves, as
modificações hormonais e humorais descritas no item referente à "cirurgia
eletiva", amplificam-se e tendem a se perpetuar. É nesse momento que a Além de servir como substrato para a gliconeogênese hepática, a glutamina
resposta ao estresse acabará sendo deletéria para o hospedeiro. Sendo assim, apresenta outras funções, muitas delas "benéficas". Este aminoácido é
um suporte cirúrgico, nutricional e de terapia intensiva são essenciais para utilizado como combustível para os enterócitos. A glutamina também é
melhorarmos o prognóstico do paciente. captada pelos rins, onde contribui com o grupamento amônia (NH3),
favorecendo a excreção ácida (NH3 + H+ = NH4). A amônia por ser um
tampão ácido na urina, facilita a excreção do cátion hidrogênio para o lúmen
QUAIS SÃO OS EFEITOS DELETÉRIOS DESSA RESPOSTA
EXACERBADA? tubular. Esse fenômeno é extremamente benéfico, uma vez que
hipoperfusão tecidual difusa decorrente de hipovolemia pode ocorrer em
Em vítimas de lesões acidentais graves, o desgaste da proteína muscular é pacientes vítimas de lesões graves, o que pode gerar acidose láctica.
mais acelerado quando comparado a cirurgias eletivas não complicadas, ou
seja, o estado catabólico é mais intenso e "não tem hora para acabar".
A alanina proveniente do músculo é derivada do piruvato, que por sua vez,
é oriundo da glicose muscular. Durante a resposta ao trauma ou a cirurgias
A proteólise descontrolada leva a um comprometimento da musculatura eletivas, a proteólise faz com que a alanina seja liberada do músculo, ganhe
diafragmática (utilização contínua de aminoácidos para a gliconeogênese), a circulação e seja "transformada" no fígado em glicose – o ciclo de Felig.
fenômeno que traz prejuízo à dinâmica respiratória, e a perda de proteínas
viscerais. O processo de cicatrização de feridas também se encontra
Os níveis elevados de glicose estão frequentemente presentes no trauma. A
prejudicado.
gliconeogênese acelerada tende a relacionar-se com a extensão da lesão.
Como descrito antes, a glicose é preferencialmente utilizada pelo sistema
A persistência da lipólise pode determinar a formação de microêmbolos nervoso central, rins e por células especializadas (leucócitos, macrófagos e
gordurosos, agravada pelo decúbito dorsal e imobilidade do paciente. A fibroblastos) localizadas na região do trauma. Neste último local, a glicose é
acidose metabólica pode advir, após um período inicial de alcalose mista. consumida através de um metabolismo anaeróbico, dando origem ao lactato.
Este retorna ao fígado sendo utilizado como substrato para gliconeogênese –
A vasoconstrição microcirculatória mantida (aumento persistente do tônus o ciclo de Cori.
adrenérgico) pode ocasionar uma hipóxia plégica com abertura de shunts e
má perfusão celular. O empilhamento de hemácias, os fenômenos Na lesão acidental, sabemos que a principal fonte energética continua sendo
trombóticos e distúrbios da coagulação sanguínea podem se instalar. A os lipídios. Os ácidos graxos livres e o glicerol, provenientes da lipólise,
insuficiência renal e a síndrome do desconforto respiratório agudo são participam ativamente dessa nova fisiologia imposta pelo trauma. Os ácidos
complicações desta cascata de eventos. A disfunção de múltiplos órgãos graxos têm sua utilização acelerada como fonte de energia em tecidos como
aparece então como circunstância final de uma evolução prolongada de o músculo esquelético e o músculo cardíaco, enquanto o glicerol é utilizado
processos traumáticos graves e persistentes. como substrato para a gliconeogênese hepática. Com o tempo, caso o
paciente permaneça em jejum ou com os suprimentos calóricos abaixo de
suas necessidades diárias, sobrevém a cetose; os corpos cetônicos são
Fase de Baixo Fluxo Seguida de Re uxo (Ebb and Flow Phases)
utilizados pelos rins, músculo esquelético e cardíaco como fonte energética
Na fase inicial do trauma, conhecida como fase de baixo fluxo ou (ver a seguir).
simplesmente "fluxo" (Ebb phase), o débito cardíaco diminui, a
resistência vascular aumenta e o volume circulatório se encontra depletado.
Estas alterações são determinadas em grande parte por perda de volume do RESPOSTA ENDÓCRINA E METABÓLICA AO
compartimento intravascular. Embora os níveis de hormônios de estresse se JEJUM
encontrem elevados, ocorre queda na temperatura central e
hipometabolismo. É importante o conhecimento das alterações que ocorrem no organismo em
jejum, uma vez que alguns pacientes em pós-operatórios mal conduzidos
acabam realmente em dieta zero ou com uma ingesta calórica inadequada.
Um adulto saudável, de 70 kg, consome aproximadamente 1.700 a 1.800 No paciente em dieta zero, a administração de apenas 100 g de glicose ao
kcal/dia, derivada do metabolismo de lipídios, carboidratos e proteínas. dia, o que corresponde a 400 kcal (2.000 ml de soro glicosado a 5%), é
Como vimos antes, existem tecidos que utilizam a glicose como fonte capaz de sustar o processo de formação de corpos cetônicos no jejum
preferencial de energia, sendo também conhecidos como glicolíticos – os (cetose de inanição); o fornecimento de glicose exógena ao organismo e a
neurônios, as hemácias, os leucócitos e a medula suprarrenal. consequente elevação da insulina interrompe os processos de proteólise e
lipólise, além de inibir a gliconeogênese hepática.
O glicogênio (fonte de armazenamento de glicose) é consumido, em média,
nas primeiras 12 a 24 horas através da glicogenólise. A glicemia
inicialmente cai e os níveis de insulina são suprimidos. Elevam-se RESPOSTA IMUNE
hormônios como glucagon e GH (de forma transitória) e, em menor
VIDEO_04_CIR3
intensidade, as catecolaminas, o ADH e a angiotensina II. As catecolaminas,
A resposta endócrina é assunto extensamente estudado e revisado por
o glucagon, a angiotensina II e o ADH induzem a glicogenólise; o cortisol e
médicos e pesquisadores que atuam em áreas relacionadas a pacientes
o glucagon, por sua vez, promovem a gliconeogênese.
críticos. Nos últimos anos, vários trabalhos têm demonstrado a importância
da participação de mediadores humorais na resposta ao trauma.
Assim como na resposta ao trauma, a gliconeogênese hepática tem como
substratos a alanina e a glutamina (derivadas do músculo), o glicerol (do
Observou-se que mesmo após a atenuação da resposta endócrina, com
tecido adiposo) e o lactato. No jejum, o lactato é produzido em pequenas
diminuição dos níveis hormonais, a resposta inflamatória (imunológica)
quantidades no músculo esquelético, hemácias e leucócitos. Essa substância
persistia e, dependendo de sua intensidade, levava à alteração da função de
é convertida em glicose pelo fígado (ciclo de Cori).
vários órgãos e a falência de múltiplos sistemas, com elevada mortalidade.
Mais uma vez uma resposta inicialmente "benéfica", quando de grande
Os ácidos graxos livres que não servem como substrato para gliconeogênese intensidade, poderia trazer prejuízos importantes ao organismo. Quando
são oxidados diretamente por tecidos como o músculo esquelético, coração empregamos o termo "benéfico", estamos nos referindo à atuação,
e rim. sobretudo das citocinas, no combate a micro-organismos invasores e no
processo de cicatrização de feridas.
No jejum, a proteólise, bem menos intensa do que a observada no trauma,
promove uma excreção de nitrogênio que varia de 8 a 11 gramas nos Muitos dos mediadores da resposta imune apresentam íntima relação com a
primeiros cinco dias. Caso o jejum permaneça após este período, a resposta hormonal. Além disso, estas substâncias em níveis elevados
eliminação urinária de nitrogênio diminui e se estabiliza em 2 a 5 g/dia, justificam algumas manifestações clínicas apresentadas por pacientes
refletindo uma diminuição no ritmo da proteólise. cirúrgicos e por doentes críticos.
MAS, POR QUE A PROTEÓLISE DIMINUI O SEU RITMO SE O Podemos dividir a resposta imunológica em duas fases: a resposta inata e a
PACIENTE CONTINUA EM JEJUM? resposta adaptativa. A resposta inata é pouco específica, porém muito
rápida, sendo por isso responsável pela primeira linha de defesa do
Com os níveis persistentemente elevados de glucagon e baixos de insulina,
organismo contra estímulos nocivos, tais como trauma, queimadura,
os ácidos graxos provenientes da "quebra" de gordura são aproveitados no
infecção, neoplasias e presença de corpo estranho. Participam desta fase os
processo de beta-oxidação hepática: o resultado é a geração de corpos
receptores Toll-like, NOD e HMGB1 – responsáveis pela detecção do
cetônicos (acetoacetato e 3-hidroxibutirato), que começam a ser utilizados
estímulo nocivo e pela deflagração da resposta imunológica e inflamatória
como fonte energética por músculo cardíaco, músculo esquelético, córtex
–, e os agentes efetores, que são células específicas (neutrófilos,
renal e, especialmente, pelo cérebro após uma semana de jejum. Com isso, o
macrófagos, células NK e células dendríticas), sistema complemento,
tecido cerebral, que antes só utilizava glicose como fonte energética, passa
citocinas, quimiocinas e proteínas de fase aguda. Nesta fase, os principais
agora a se "alimentar" de corpos cetônicos. Gradualmente, caso o jejum
objetivos incluem: limitar o dano tecidual, combater micro-organismos e
persista, o acetoacetato e o 3-hidroxibutirato se tornam o principal
células tumorais e iniciar a resposta adaptativa.
combustível em 24 dias. A adaptação metabólica descrita é uma das mais
importantes e "inteligentes" desenvolvidas no jejum, pois permite uma
diminuição no ritmo de proteólise. A fase adaptativa é mais demorada e resulta em resposta humoral
(anticorpos) e celular (células T citotóxicas) específicas a um agente nocivo.
Ela é orquestrada pelo linfócito T helper. Dependendo das citocinas
Com o tempo, uma parte do ácido graxo que se dirige ao fígado é
produzidas na fase de resposta inata, a célula T helper pode se diferenciar
reesterificada em triglicerídeos, o que justifica a esteatose hepática
em quatro subtipos específicos, cada um com um padrão de liberação de
observada no jejum prolongado e em indivíduos desnutridos.
citocinas característico e resposta biológica diferente (Tabela 3).
As HSP são produzidas no interior das células e têm como objetivo proteger
estruturas celulares dos danos causados pelo estresse derivado do trauma. A bradicinina aumentada é observada nas queimaduras, na endotoxemia,
Os principais estímulos para síntese das HSP incluem calor, hemorragias e nas hemorragias, na sepse e no trauma. Esta substância aumenta a
hipóxia. A produção de HSP é sensível ao ACTH e parece declinar com a permeabilidade capilar e o edema tecidual, promove dor, inibe a
idade. A participação dessas proteínas na resposta sistêmica ao trauma ainda gliconeogênese e leva a broncoconstrição. Essas observações possuem
não se encontra bem definida. correlação clínica direta com a magnitude da lesão tecidual e com a
mortalidade.
Os mediadores lipídicos são liberados por ação dos RLDO, tanto em A histamina se encontra elevada em queimaduras graves, choque
processos de isquemia/reperfusão como em estados inflamatórios. hemorrágico, endotoxemia e sepse. Este mediador é armazenado em
plaquetas, mastócitos, basófilos, pele, mucosa gástrica e neurônios. Altos
níveis de histamina promovem aumento da permeabilidade capilar e
Uma vez ativada, a fosfolipase A2 degrada o ácido araquidônico (principal
hipotensão, além de diminuição do retorno venoso e falência miocárdica.
ácido graxo poliinsaturado nas membranas celulares) por duas vias
enzimáticas principais: a ciclo-oxigenase e a lipo-oxigenase. A via da ciclo-
A serotonina é um neurotransmissor derivado do triptofano, sendo
oxigenase induz a síntese de prostaglandinas e tromboxane, enquanto a ação
encontrado em células cromafins da mucosa gastrointestinal e também em
da lipo-oxigenase promove o surgimento de mediadores como leucotrienos
plaquetas. Promove vasoconstrição, broncoconstrição e agregação
e ácidos hidroxieicosatetranoicos (5-HETE).
plaquetária. Embora seja liberada em locais de lesão tecidual, seu papel na
resposta ao trauma permanece ainda pouco conhecido.
Como vimos antes, a PGI2 é sintetizada pelo endotélio, enquanto as demais
prostaglandinas são produzidas por todas as células nucleadas, com exceção
dos linfócitos. O TXA2 é sintetizado pelas plaquetas. OPIOIDES ENDÓGENOS
como o tecido celular subcutâneo, músculos, tendões e ossos. traz repercussões sistêmicas nem funcionais (queimadura solar, por
exemplo).
2. Queimadura envolvendo a face, olhos, ouvidos, mãos, pés, 2. Chamuscamento dos cílios e vibrissas nasais.
genitália, períneo ou a pele envolvendo grandes articulações.
3. Depósitos de carbono e alterações in amatórias agudas na
3. Queimadura de espessura total (3º grau) de qualquer tamanho orofaringe.
em qualquer faixa etária.
4. Escarro carbonado.
4. Queimaduras elétricas graves, incluindo acidentes com raios
5. Rouquidão.
(acometimento de tecidos profundos pode levar à insu ciência
renal ou a outras complicações). 6. História de confusão mental e/ou con namento no local do
incêndio.
5. Queimaduras químicas importantes.
7. História de explosão com queimaduras de cabeça e tronco.
6. Lesão por inalação da via aérea.
8. Níveis sanguíneos de carboxi-hemoglobina > 10%. A
7. Pacientes com doenças prévias, que podem di cultar o
intoxicação por monóxido de carbono deve ser suspeitada em
tratamento, prolongar a recuperação ou aumentar a
queimaduras em recintos fechados.
mortalidade de um episódio de queimadura.
10. Queimadura em pacientes que necessitem intervenções medida da PaO2 não é fidedigna para nos dar o diagnóstico;
especiais sociais, emocionais ou reabilitação prolongada. aproximadamente 1 mmHg de pressão parcial de CO resulta em níveis de
carboxi-hemoglobina de 40%. O oxímetro de pulso não é capaz de sugerir a
exposição ao CO, uma vez que não consegue diferenciar a COHb da
Na chegada ao CETQ ou a uma Emergência, os médicos responsáveis
oxiemoglobina.
devem reavaliar a via aérea e a hemodinâmica do paciente, tendo
conhecimento do volume de líquidos infundido até o momento. Após essas
etapas, a atenção deve ser voltada para a área queimada (ver adiante).
A intoxicação por cianeto é ocasionada por fumaça derivada da A descompressão gástrica é recomendada para o transporte devido ao íleo
combustão de alguns elementos no meio ambiente em chamas (poliuretano, paralítico (catecolaminas e opioides endógenos) e decorrente distensão
náilon, lã e algodão). O cianeto inibe o metabolismo aeróbico e pode abdominal.
resultar rapidamente em óbito. As manifestações clínicas da exposição ao
cianeto são totalmente inespecíficas e seus níveis não podem ser aferidos O controle da dor, principalmente em queimaduras de segundo grau, é de
com precisão de forma rápida. Sendo assim, seu tratamento deve ser suma importância. Podemos empregar a morfina em doses intravenosas de 2
empírico, ou seja, mediante suspeita (rebaixamento do nível de consciência a 5 mg até o alívio sintomático, sendo importante a observação das
em queimados em recintos fechados…). A conduta é a administração de variações da pressão arterial. As queimaduras de terceiro grau costumam
tiossulfato de sódio e hidroxicobalamina. causar mais ansiedade que propriamente dor, estando indicado nesses casos
o emprego de benzodiazepínicos.
As queimaduras de espessura total (terceiro grau) deixam a área queimada
com uma textura semelhante a um couro, ou seja, há perda completa da
elasticidade no local acometido. Quando toda ou quase toda a circunferência AVALIAÇÃO DA ÁREA QUEIMADA
do tórax é envolvida por esta lesão, sobrevém insuficiência respiratória por
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restrição à expansão torácica. Esta situação, que representa outra
A determinação do percentual da SCQ é de importância fundamental, sendo
causa de comprometimento agudo da ventilação, tem que ser reconhecida
este valor diretamente proporcional à gravidade da lesão, funcionando como
imediatamente. O tratamento instituído é a escarotomia da lesão, ou seja, a
índice prognóstico. Vários são os diagramas e fórmulas para sua
incisão da área queimada até o subcutâneo; este procedimento restabelece
determinação, mas uma regra simples, "a regra dos nove de Wallace",
de imediato a expansibilidade do tórax.
permite avaliação rápida e segura da área queimada em adultos. O corpo de
um adulto é dividido em regiões anatômicas que representam 9%, ou
múltiplos de 9%, da superfície corporal total.
RESSUSCITAÇÃO VOLÊMICA NA SALA DE
EMERGÊNCIA
Sendo assim, cada membro superior corresponde a 9% da superfície
Em pacientes com SCQ superior a 20%, ocorre uma intensa produção de corporal total (4½ região anterior e 4½ região posterior), cada membro
citocinas pela área queimada capaz de promover resposta sistêmica inferior 18% (9% região anterior e 9% região posterior), o tronco 36% (18%
inflamatória, com aumento importante da permeabilidade capilar e perda região anterior e 18% região posterior), cabeça e o pescoço 9% (4½ região
generalizada de fluidos e proteínas do intravascular para o terceiro espaço. anterior e 4½ região posterior) e o períneo e a genitália, juntos, 1%. Vale
A perda de líquidos do compartimento intravascular leva a uma redução do lembrar que nas crianças, a cabeça corresponde ao percentual maior (duas
Débito Cardíaco (DC), que somada ao aumento do tônus adrenérgico (ver vezes maior do que a de um adulto normal) e os membros inferiores
capítulo 1), promove hipoperfusão de pele e vísceras. A diminuição da apresentam valores menores do que os encontrados em adultos.
perfusão cutânea pode agravar a área queimada, aumentando sua
profundidade. A redução do DC resulta em hipoperfusão do sistema Outra forma de calcular porcentagem da SCQ, sobretudo em queimaduras
nervoso central e pode ocasionar, em indivíduos com baixa reserva de distribuição irregular, é considerar como 1% da superfície corporal a área
coronariana, infarto agudo do miocárdio. correspondente da palma da mão e dedos estendidos do paciente,
transferindo essa medida para as regiões afetadas.
A reposição volêmica, se ainda não iniciada no atendimento pré-hospitalar,
deve começar com Ringer lactato conforme a fórmula: peso × SCQ/8, por O diagrama de Lund e Browder nos fornece uma avaliação mais detalhada
hora. É aconselhável passagem de cateter vesical de Foley para a medida da (de acordo com diferentes faixas etárias), sendo empregado em muitos
diurese horária, que representa o melhor parâmetro para CETQ (ver Figura 1 e Tabela 3).
acompanharmos a reposição de volume. O débito urinário deve ser mantido
em torno de 0,5 a 1 ml/kg/h e em 1 ml/kg/h em crianças com 30 kg ou
menos.
OUTRAS MEDIDAS
Uma dose de reforço do toxoide tetânico (0,5 ml) deve ser aplicada em
todos os pacientes com área queimada superior a 10%, sobretudo quando
não está disponível história de imunização.
FIG. 1 Método de Wallace (regra dos nove), de acordo com o ATLS.
Muita atenção, pois no livro-texto Sabiston Textbook of Surgery (20ª
edição), em adultos, o 1% relativo ao períneo é "transferido" para o
pescoço.
CHOQUE DA QUEIMADURA
HIPERMETABOLISMO
Após o desbridamento, um curativo oclusivo deve ser aplicado como As principais complicações das queimaduras são a infecção e a sepse,
tratamento inicial. Os principais objetivos dessa medida incluem: proteção representando a principal causa de morte neste grupo de doentes.
Nos primeiros três dias, um intenso broncoespasmo e a própria lesão As complicações gastrointestinais mais relevantes são o íleo adinâmico,
térmica da via aérea (esta de forma mais imediata), podem levar à quase sempre presente nos primeiros dias após a queimadura, ulceração
insuficiência respiratória aguda. Na evolução dos pacientes com lesão por aguda do estômago e duodeno (úlcera de Curling), rara com o uso
inalação, podemos encontrar entre 72 e 96 horas após a queimadura, quadro profilático de bloqueadores H2, e a síndrome de Ogilvie, conhecida
clínico e radiológico semelhante à Síndrome do Desconforto Respiratório como pseudo-obstrução colônica.
Agudo (SDRA), com infiltrados lobares difusos, resultado do aumento da
permeabilidade capilar alveolar e exsudação para sua luz. Podem ocorrer Graus variados de insuficiência hepatocelular, com queda de atividade de
microatelectasias difusas por perda de surfactante. fatores de coagulação e hipoalbuminemia são encontrados em pacientes
graves. O prejuízo da etapa de excreção da bilirrubina conjugada leva à
Posteriormente, broncopneumonia secundária à colonização da árvore hiperbilirrubinemia, outro achado laboratorial nesses casos. O tratamento é
traqueobrônquica pode complicar ainda mais o quadro clínico. A de suporte.
pneumonia antes de cinco a sete dias tem como principal agente
Staphylococcus resistente a meticilina; após este período, os micro- A colecistite alitiásica pode complicar pacientes graves, sendo o tratamento
organismos mais encontrados são os Gram-negativos, sobretudo inicial a drenagem percutânea da vesícula (colecistostomia) associada à
Pseudomonas aeruginosa. antibioticoterapia. A terapia definitiva envolve a realização de
colecistectomia.
CLASSIFICAÇÃO
CICATRIZAÇÃO DE FERIDAS
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A cicatrização compreende a uma sequência de eventos moleculares e
celulares que interagem com o objetivo de restaurar o tecido lesado. Embora FIG. 1 Cicatrização por primeira intenção.
os avanços recentes em biologia molecular tenham esclarecido muitas
etapas do processo cicatricial, problemas como infecção e cicatrização
insuficiente ou excessiva ainda estão presentes na rotina do cirurgião. Fechamento secundário ou por segunda intenção ou
espontâneo (Figura 2): a ferida é deixada propositadamente aberta,
Como vimos, a cicatrização de feridas limita o dano tecidual e permite o sendo a cicatrização dependente da granulação e contração para a
restabelecimento da integridade e função dos tecidos afetados. Todavia, não aproximação das bordas. O fechamento secundário é recomendado em
há retorno por completo ao estado prévio, uma vez que o processo tem algumas situações como biópsias de pele tipo punch, cirurgias em canal
como característica deposição de tecido conjuntivo específico. A cicatriz anal ou margem anal e feridas com alto grau de contaminação;
permanecerá indefinidamente…
Durante a lesão tecidual aguda, o dano vascular resulta inicialmente em
intensa vasoconstrição de arteríolas e capilares, seguida de vasodilatação e
aumento da permeabilidade capilar. O estímulo que deflagra o processo de
cicatrização é a lesão do endotélio vascular, com exposição de fibras
subendoteliais de colágeno do tipo IV e V que promovem adesão
plaquetária, seguida de ativação e agregação. As plaquetas ativadas pela
trombina liberam várias citocinas presentes em seus grânulos. Os grânulos
FIG. 2 Cicatrização por segunda intenção. alfa são organelas que contêm fator de crescimento derivado de plaquetas
(PDGF), fator de crescimento e transformação beta (TGF-β) e fator de
crescimento insulina-símile tipo 1 (IGF-1). A ativação plaquetária também
Fechamento primário tardio ou por terceira intenção (Figura 3): a libera grânulos densos, ricos em serotonina. Os mastócitos aderidos a
ferida inicialmente é deixada aberta, geralmente por apresentar superfície endotelial também liberam serotonina, além de histamina. Estes
contaminação grosseira. Em seguida, a infecção local é tratada com mediadores levam a vasodilatação e a um aumento da permeabilidade
desbridamentos repetidos, somados ou não à antibioticoterapia. Após alguns capilar, fenômenos que facilitam a migração de células inflamatórias para a
dias, a ferida é fechada mecanicamente através de sutura, enxertos cutâneos ferida.
ou retalhos. O resultado estético obtido é intermediário.
Ocorre também ativação do sistema de coagulação, tanto pela via intrínseca
como pela extrínseca. A ativação das proteínas de coagulação tem como
objetivo formar a fibrina, que envolve e estabiliza o tampão plaquetário. A
"malha" de fibrina servirá de sustentação para as células endoteliais, células
inflamatórias e fibroblastos.
PROCESSO DE CICATRIZAÇÃO
A partir de agora, vamos estudar com maior riqueza de detalhes cada uma Os PMN são responsáveis pela "limpeza" de debris celulares e pela
dessas etapas. fagocitose de bactérias presentes naquele microambiente; essas células
exercem suas funções através da liberação de proteases (como elastase e
colagenase), radicais livres derivados do oxigênio e substâncias
FASE INFLAMATÓRIA bactericidas, como a catepsina G (que age desestabilizando a parede celular
bacteriana). Além disso, os PMN são capazes de produzir citocinas
A fase inflamatória é dominada por dois processos: hemostasia,
fundamentais para o processo cicatricial.
fenômeno mais precoce, e resposta in amatória aguda. Ambos têm
por objetivo limitar a extensão da lesão tecidual através da interrupção do
sangramento, do combate à contaminação bacteriana e do controle do Quanto maior o número de PMN atraídos para a ferida, maior a produção de
acúmulo de debris celulares. Em feridas não complicadas por infecção, citocinas e substâncias citotóxicas. Assim, o desbridamento precoce de
esta fase dura de um a quatro dias. feridas infectadas diminui o estímulo quimiotáxico, fenômeno que resulta
em um menor recrutamento de neutrófilos; com uma menor quantidade
destas células, a resposta inflamatória passa a ser mais branda e o resultado
é uma cicatrização mais rápida e com melhor resultado estético.
A partir de 24 a 48 horas da lesão, os monócitos circulantes são recrutados É na fase proliferativa que ocorre a formação do tecido de granulação, que
da circulação para participar do processo de reparo das lesões teciduais. consiste em leito capilar, fibroblastos, macrófagos e um arranjo pouco
Uma vez no sítio lesado, diferenciam-se em macrófagos, células consistente de colágeno, fibronectina e ácido hialurônico.
fundamentais no controle da fase inflamatória e proliferativa. Este
fenômeno ocorre na época em que os neutrófilos desaparecem da ferida. Na A proliferação de células endoteliais, com a formação de rica
realidade, os macrófagos induzem apoptose dos PMN. neovascularização (angiogênese), é um processo de fundamental
importância para dar suporte a todo o ambiente que envolve a cicatrização.
Os macrófagos são considerados o tipo celular predominante na fase Esses novos vasos é que fazem parte do tecido de granulação. A lesão
inflamatória. Estas células dão continuidade às funções de "limpeza" da celular e a hipóxia parecem ser indutores de potentes fatores angiogênicos
ferida operatória e também são responsáveis pela liberação de diversas no sítio da ferida, principalmente do fator de crescimento do endotélio
citocinas que regulam o processo de síntese dos componentes do tecido vascular e seus receptores (VEGF). Macrófagos, células endoteliais,
cicatricial. Como veremos adiante, esses mediadores influenciarão plaquetas e fibroblastos são os principais produtores do VEGF. Outras
significativamente as fases seguintes da cicatrização. As principais citocinas citocinas envolvidas na neoformação vascular incluem TGF-β, fator de
incluem IL-1, TNF-α, IL-6, TGF-α TGF-β, fator de crescimento derivado de crescimento de fibroblastos (FGF) e IL-8.
fibroblastos (FGF), fator de crescimento da epiderme (EGF) e IGF-1.
A broplasia é caracterizada pela migração, ativação e proliferação de
A IL-1 é uma citocina pró-inflamatória de fase aguda, se comportando fibroblastos, responsáveis pela síntese de Matriz Extracelular (MEC),
como pirogênio endógeno e ocasionando uma resposta febril. Além disso, principalmente colágeno. O fibroblasto, considerado o principal tipo celular
aumenta a atividade da colagenase, regula as moléculas de adesão e da fase proliferativa, tem origem a partir da diferenciação de células
promove quimiotaxia. A IL-1 age também na fase proliferativa, mesenquimais do tecido conjuntivo, o que leva cerca de três a cinco dias
promovendo o crescimento de fibroblastos e queratinócitos e estimulando a para acontecer. A MEC é inicialmente rica em ácido hialurônico e colágeno
síntese do colágeno. TNF-α é detectado na ferida por volta de 12 horas e tipo I e tipo III, principalmente este último.
atinge um pico por volta de 72 horas. Seus efeitos incluem estímulo à
aderência dos PMN ao endotélio, estímulo à hemostasia, aumento da O colágeno é uma macromolécula de estrutura complexa, uma tripla hélice
permeabilidade capilar e aumento da proliferação endotelial. Assim como a cuja estabilidade é conseguida através da ligação entre Aminoácidos (AA)
IL-1, produz febre. característicos das fibras de colágeno: a hidroxiprolina e a hidroxilisina.
Esses AA sofrem hidroxilação durante a "montagem" da fibra de colágeno,
A IL-6 leva à ativação de linfócitos, regula a síntese hepática de proteínas reação comandada por hidroxilases que utilizam ácido ascórbico (vitamina
de fase aguda e age sinergicamente com IL-1 e TNF-α; também é um C) como cofator. A síntese desse importante componente da MEC é
potente estimulador da proliferação de fibroblastos. TGF-α e TGF-β são estimulada pela TGF-β e IGF-1 e inibida por INF-γ e glicocorticoides. O
citocinas que estimulam o crescimento da epiderme e a angiogênese, etapas TGF-β é o mediador mais potente no estímulo à fibroplasia. Em
também da fase proliferativa. Um isômero do TGF-β, TGF-β1, tem aproximadamente duas a três semanas após o início do processo cicatricial o
participação importante na cicatrização de anastomoses gastrointestinais. acúmulo de colágeno é máximo.
O linfócito T é recrutado para a ferida por volta do quinto dia da lesão, Outros componentes da MEC sintetizados incluem glicosaminoglicanas,
estando em maior quantidade em sete dias. Essas células são encontradas ácido hialurônico e fibronectina; esses elementos servem como suporte para
em grande número em feridas com contaminação bacteriana importante, as células envolvidas no processo cicatricial, além de facilitar a interação
com presença de corpos estranhos ou com grandes quantidades de tecido entre as citocinas e suas células-alvo.
desvitalizado. Normalmente, o macrófago processa antígenos (bacterianos
ou proteínas do hospedeiro degradadas enzimaticamente) e as apresenta ao Com a evolução do processo, ocorre modificação bioquímica da MEC. A
linfócito. Como resposta, ocorre proliferação linfocítica e produção de composição do colágeno se altera, com diminuição na proporção de
citocinas por essas células, destacando-se o INF-γ. Esse mediador estimula colágeno tipo III em relação ao tipo I, aproximando-se da constituição da
os macrófagos a liberarem uma grande quantidade de citocinas, como a IL-1 derme normal, onde predomina o colágeno tipo I. Esse fenômeno é intenso
e o TNF-α. Curiosamente, o INF-γ diminui a síntese de prostaglandinas, e macroscopicamente visível na cicatrização por segunda intenção, sendo
substâncias que amplificam os efeitos de mediadores inflamatórios. discreto, do ponto de vista clínico e funcional, no fechamento por primeira
intenção.
Por inibir a síntese do colágeno, o INF-γ é um importante mediador
humoral encontrado nas feridas abertas, crônicas, e que não evoluem, ou A epitelização já é encontrada em 24 horas nas feridas fechadas por
evoluem lentamente, para a cicatrização. Sua presença reforça a hipótese primeira intenção sendo caracterizada por ativação dos queratinócitos, que
que os linfócitos T estejam envolvidos em processos cicatriciais arrastados. migram a partir da epiderme residual e do epitélio que reveste a parte mais
profunda dos apêndices da derme. É observada proliferação da camada
basal da epiderme, com migração dos queratinócitos por sobre a MEC.
FASE PROLIFERATIVA Estas células sintetizam laminina e colágeno do tipo IV, formando a
membrana basal. Na cicatrização por primeira intenção, o processo de
Assim que a fase inflamatória começa a se resolver, entra em cena a fase
epitelização pode se completar em 48 horas.
proliferativa, caracterizada por angiogênese, fibroplasia e epitelização. É
durante esta fase da cicatrização que a continuidade tecidual é restabelecida.
As células endoteliais e os fibroblastos são os últimos tipos celulares a
infiltrarem a ferida.
Os queratinócitos então assumem configuração mais colunar e iniciam
proliferação em direção vertical (de baixo para cima), arrastando consigo
tecidos necróticos e corpos estranhos, separando-os da ferida. Assim que a
integridade da camada epitelial da ferida é alcançada, as células formam
hemidesmossomas (junções firmes e impermeáveis) e iniciam a produção
de queratina.
FASE DE MATURAÇÃO
A contração da ferida é um dos principais eventos da fase de maturação. Todavia, o entendimento por completo de todo o mecanismo de cicatrização
Este fenômeno ocorre por movimento centrípeto de toda a espessura da pele ainda está longe de ser atingido, uma vez que as citocinas são em grande
em torno da ferida, aproximando progressivamente suas bordas e reduzindo número e apresentam diversas interações e funções, além de várias células-
a quantidade de cicatriz desorganizada. alvo. Na Tabela 1, encontram-se resumidas as principais citocinas com suas
funções mais relevantes.
Miofibroblastos parecem ser os responsáveis por esse movimento. Estas
células são fibroblastos presentes no tecido de granulação que sofrem
diferenciação, apresentado estruturas com actina-miosina (presentes nas
células musculares). Como vimos no início do capítulo, a cicatrização por
segunda intenção depende inteiramente do fenômeno de contração.
A causa mais comum no atraso do processo cicatricial é a infecção da ferida Doença cardiopulmonar prejudica a cicatrização de feridas, principalmente
operatória. Contaminação bacteriana, representada por mais de 105 em pacientes com insuficiência cardíaca descompensada, condição onde o
unidades formadoras de colônia (CFU) por miligrama de tecido, ou tônus adrenérgico se encontra elevado, ocasionando vasoconstrição de leitos
A vitamina A (ácido retinoico) exerce funções benéficas no processo Todas as fases da cicatrização estão prejudicadas em pacientes diabéticos.
cicatricial. As principais alterações incluem: aumento na resposta Os principais fatores que contribuem para isso são a neuropatia autônoma, a
inflamatória (por desestabilizar a membrana de lisossomos), aumento no aterosclerose e a maior predisposição a processos infecciosos.
influxo de macrófagos para a ferida (com sua posterior ativação) e aumento
na síntese de colágeno. A administração de vitamina A melhora a evolução A neuropatia diabética, que afeta fibras sensitivas e motoras, predispõe a
da cicatrização em diabéticos, em vítimas de lesões graves e em pacientes traumas repetidos com muitos episódios não percebidos pelo paciente. A
submetidos à radioterapia ou quimioterapia; além disso, é capaz de reverter aterosclerose acelerada leva ao estreitamento do lúmen arterial com
os efeitos prejudiciais dos glicocorticoides sobre a cicatrização. Concluímos hipoperfusão tecidual. Quimiotaxia reduzida, somada a resposta
que a deficiência desta vitamina causa prejuízo em quase todas as etapas do inflamatória atenuada e incapacidade de atuar sobre micro-organismos
processo de cicatrização. Entretanto, dois efeitos são mais evidentes: agressores, justifica a maior probabilidade de infecção.
diminuição da ativação de monócitos e macrófagos e distúrbios nos
receptores de TGF-β. Além do envolvimento arterial pela aterosclerose, diabéticos apresentam
também doença da microcirculação; esta tem como uma de suas
A vitamina K é um cofator na síntese de determinados fatores de características espessamento da membrana basal dos capilares, com prejuízo
coagulação (protrombina ou fator II, fator VII, fator IX e fator X). Sua na liberação de oxigênio para a ferida.
deficiência é encontrada em pacientes com síndromes colestáticas, em
desnutridos e em cirróticos. A primeira fase da cicatrização pode ser
prejudicada por níveis reduzidos desta vitamina. Carência de vitaminas do IDADE AVANÇADA
complexo B parece não interferir no processo cicatricial.
Os idosos apresentam um processo de cicatrização mais lento quando As cicatrizes hipertróficas permanecem nos limites da lesão inicial, podendo
comparados a indivíduos mais jovens. Deiscência de ferida operatória é surgir em feridas cirúrgicas, em áreas de laceração, em queimaduras ou na
uma complicação mais encontrada na idade avançada, uma vez que presença de condições inflamatórias ou infecciosas da pele (acne, foliculite,
qualidade e quantidade das fibras colágenas pioram com o tempo. vacinações etc.); se desenvolvem dentro de quatro semanas da agressão
inicial e tendem a regredir nos próximos 12 a 18 meses. As cicatrizes
Diminuição da epitelização, da angiogênese e da síntese de colágeno são hipertróficas geralmente ocorrem em áreas de tensão da pele e em
distúrbios observados experimentalmente, mas acredita-se que ocorram em superfícies flexoras. Não existe um componente genético que predisponha a
humanos senescentes. Outros fenômenos encontrados em idosos incluem seu desenvolvimento.
infiltração tardia da ferida por macrófagos e diminuição da ação fagocítica
dessas células, distúrbios que alteram a fase inflamatória. Os queloides são lesões elevadas, levemente dolorosas (muitos pacientes se
queixam de queimação) e pruriginosas; se caracterizam por ultrapassar os
limites da ferida original (Figura 6). São 15 vezes mais comuns em
GLICOCORTICOIDES, QUIMIOTERAPIA E afrodescendentes, em hispânicos, em asiáticos e em qualquer indivíduo que
RADIOTERAPIA tenha a tonalidade da pele mais pigmentada. Não existe predominância por
sexo, porém essa forma anormal de cicatrização é mais encontrada em
Devido a seu efeito anti-inflamatório, estabilizando a membrana indivíduos jovens. Parece existir um componente genético, com alguns
lisossômica de fagócitos, os glicocorticoides prejudicam intensamente a estudos demonstrando uma herança autossômica dominante, com
primeira fase da cicatrização. Todavia, não é só a fase inflamatória que é penetração incompleta e expressão variável.
comprometida pela droga. Distúrbios na síntese de colágeno, na epitelização
e na contração da ferida são fenômenos observados. A administração de
glicocorticoides após três a quatro dias de pós-operatório parece afetar com
menor intensidade o processo cicatricial.
Os queloides e as cicatrizes hipertró cas resultam de um distúrbio no Apresentam predisposição Sem predisposição genética.
processo cicatricial, caracterizado por proliferação anômala de fibroblastos genética
somada à síntese excessiva e degradação insuficiente de colágeno.
Mais frequentes em tronco Mais frequentes em áreas de Para lesões > 0,5 cm, a triancinolona intralesional (40 mg/ml) é a terapia de
(região pré-esternal e dorsal tensão da pele e em primeira escolha para o controle da dor e prurido, além de reduzir o volume
superior), cabeça e pescoço superfícies exoras. da cicatriz e melhorar sua plasticidade. Medidas adjuvantes incluem o 5-FU
(em especial a orelha) e em intralesional e a crioterapia intralesional. Para grandes queloides do lobo da
ombros. orelha, que ocasionam alterações cosméticas consideráveis, a abordagem
inicial é sempre a excisão cirúrgica, combinada à terapia perioperatória com
corticosteroide, compressão ou radiação (radiação externa ou braquiterapia).
Os queloides podem se desenvolver em ferida cirúrgica, queimaduras ou em
Embora o tratamento cirúrgico dos queloides em algumas séries apresente
qualquer região onde exista agressão à pele, mesmo que mínima (colocação
recorrência elevada, de 45-100%, a abordagem combinada vem reduzindo
de brincos e piercings, tatuagens, picadas de inseto, áreas de vacinação
de forma considerável esse percentual sombrio…
etc.); em alguns casos não é identificado um elemento deflagrador. O tempo
de aparecimento da lesão vai desde os primeiros três meses até
Livros-texto citam o uso experimental intralesional de INF-γ em queloides,
aproximadamente um ano após o trauma; ao contrário das cicatrizes
com redução de até 30% da espessura da cicatriz. Esta citocina agiria
hipertróficas, os queloides não regridem e podem aumentar de tamanho com
reduzindo a síntese de colágeno e inibindo a produção de TGF-β.
o tempo. As lesões são mais encontradas em tronco (região pré-esternal e
parte superior do dorso), em cabeça e pescoço (em especial a orelha,
principalmente o lobo) e em ombros. Mais raramente, ocorrem em
FERIDAS CRÔNICAS QUE NÃO CICATRIZAM
pálpebras, genitália, regiões palmares e plantares ou na pele sobre
articulações. Estudos realizados em feridas crônicas de difícil cicatrização, como as
úlceras de pressão, têm demonstrado alguns achados interessantes. Por
Como vimos antes, existem em ambas as condições uma produção exemplo, níveis de citocinas pró-inflamatórias persistem nessas lesões,
excessiva de colágeno (principalmente nos queloides) e prejuízo em sua como o TNF-α, a IL-1 e a IL-6. Geralmente o que ocorre em feridas com
degradação. Os níveis de metaloproteinases, – como a colagenase boa evolução é a queda nos níveis desses mediadores à medida que a
(MMP-1) e a gelatinase (MMP-9), esta última envolvida em remodelação cicatrização evolui normalmente.
tecidual – se encontram reduzidos.
Evidências recentes nos mostram que degradação proteolítica mantida,
A TGF-β participa de forma menos clara, mas também parece implicada na provavelmente estimulada por TNF-α, é uma característica de feridas que
gênese de queloides e cicatrizes hipertróficas. Fibroblastos de cicatrizes não cicatrizam. Nessas lesões, encontramos níveis de MMP elevados; estas
queloides possuem quantidade aumentada dessa citocina. Além disso, existe são enzimas que degradam diversos componentes da MEC. Além disso,
uma resposta mais acentuada na produção de colágeno quando fibroblastos inibidores dessas proteinases estão reduzidos, principalmente o inibidor
de queloides ou de cicatrizes hipertróficas (principalmente em áreas tecidual das MMP (TIMP).
queimadas) são expostos à TGF-β.
A proteólise excessiva provoca liberação de componentes do tecido
Estudos com anticorpos dirigidos contra a TGF-β estão em andamento; essa conjuntivo que, por si só, estimulam a inflamação, mantendo esse círculo
terapia, quando plenamente desenvolvida, facilitará o manejo futuro de vicioso. Concluímos que a inflamação persistente impede que o processo
cicatrizes hipertróficas e queloides. cicatricial evolua.
O tratamento das cicatrizes hipertróficas resultantes de cirurgia ou trauma Um detalhe importante: feridas cronicamente inflamadas predispõem ao
envolve o emprego de bandagens com gel de silicone ou de dispositivos que surgimento de carcinoma de células escamosas. Um exemplo clássico é a
exerçam pressão sobre a cicatriz, a chamada terapia de pressão. Como úlcera de Marjolin em queimaduras (ver capítulo 2). Outras lesões que
estratégia de segunda linha, podemos utilizar triancinolona intralesional, também apresentam esse risco incluem úlceras de estase venosa (Figura 7),
laser ou excisão cirúrgica. Esta última se encontra indicada em casos de úlceras de pressão, hidradenite e até mesmo osteomielite.
não resposta à terapia conservadora.
A abordagem de pequenos queloides (< 0,5 cm) pode ser feita com
triancinolona intralesional, como fármaco de primeira linha, geralmente
associada ao uso de bandagens de gel de silicone ou a terapia de pressão;
tratamento de segunda linha envolve o uso de 5-Fluoracil (5-FU)
intralesional em combinação com crioterapia ou laser.
O processo de epitelização ocorre em uma velocidade maior em fetos. Além
disso, os fibroblastos induzem o epitélio a formar os apêndices da derme,
como folículos pilosos e glândulas. Este fenômeno não está presente em
crianças e adultos.
CICATRIZAÇÃO DO TRATO
GASTROINTESTINAL
HISTÓRICO E DEFINIÇÃO
ALTERAÇÕES HEMODINÂMICAS
No choque surgem diversas alterações hemodinâmicas que devem ser muito FIG. 1 O sistema circulatório como um circuito fechado – o sangue
bem compreendidas. O padrão hemodinâmico do choque pode inclusive bombeado pelo coração para as artérias, ganha a microcirculação
banhando arteríolas, capilares e vênulas pós-capilares. Em seguida,
categorizá-lo em seus diversos tipos. Alguns princípios fisiológicos devem retorna para as veias e daí para o coração.
ser primeiramente entendidos para que em seguida possamos explicar as
alterações fisiopatológicas do choque. Estes conceitos serão explicados de
uma forma bem simplificada, mas sem omitir o principal...
PAM = DC x RVS
MONITORIZAÇÃO HEMODINÂMICA – O
CATETER DE SWAN-GANZ
ALTERAÇÕES MICROVASCULARES E DO
METABOLISMO CELULAR
MICROVASCULATURA NO CHOQUE
e (2) uma má distribuição do fluxo a nível microvascular – ver adiante. No essas substâncias elevam-se precocemente no choque séptico, porém podem
choque séptico, desde o início do quadro, observa-se um ambiente se elevar nas fases tardias dos outros tipos de choque, estimuladas pela
microvascular totalmente "corrompido"... Veja o que acontece: dilatação própria lesão tecidual hipóxica. A célula endotelial lesada pode ser uma das
inapropriada de vasos arteriolovenulares que desviam o sangue dos fontes produtoras destas substâncias.
capilares (microshunts), fenômeno exacerbado pela obstrução de
capilares por plugs de neutrófilos, hemácias e microtrombos. A constrição Vasodilatação inapropriada de microshunts arteriolovenulares, obstrução
dos esfíncteres pós-capilares, em conjunto com o aumento da de capilares por plugs celulares (leucócitos, hemácias, plaquetas) ou
permeabilidade do endotélio, provoca um extravasamento de fluidos para o trombóticos, constrição do esfíncter pós-capilar e aumento da
espaço intersticial. Esta perda de fluidos do intravascular para o interstício permeabilidade endotelial, ambos levando ao extravasamento de líquido
associa-se a outros tipos de perda hídrica comuns na sepse (hiperpneia, para o espaço intersticial – todos exemplos das alterações microvasculares
vômitos, diarreia, peritonite, pleurite, distensão intestinal etc.). Uma do choque. No choque hipovolêmico hemorrágico, por exemplo, essas
importante venodilatação ocorre precocemente na sepse. Um sistema alterações costumam aparecer quando a reposição volêmica é atrasada por
venoso dilatado aliado à perda de fluidos do intravascular acarreta numa algumas horas. Nesse caso, mesmo repondo cristaloide, coloide ou
redução significativa do retorno venoso e, portanto, do débito cardíaco nas concentrado de hemácias, esse líquido pode ir para o terceiro espaço e não
fases iniciais do choque séptico – uma espécie de "componente mais corrigir o distúrbio hemodinâmico. Por isso, a correção de um choque
hipovolêmico". Após a reposição vigorosa de fluidos, o retorno venoso é hemorrágico nunca pode ser postergada!
corrigido, permitindo a expressão completa da natureza hiperdinâmica do
choque séptico. Nesse momento, teremos um choque com um DC elevado e
METABOLISMO CELULAR NO CHOQUE
RVS bastante deprimida (ver Tabela 4).
Esta é a "pedra mestra" do choque! Não existe choque sem alteração do
EXTRAÇÃO TECIDUAL DE OXIGÊNIO NO
metabolismo celular... As células para sobreviverem precisam produzir
CHOQUE
energia. Para isso, utilizam a combustão da glicose ou de ácidos graxo que,
via ciclo de Krebs e fosforilação oxidativa mitocondrial, produzem Um conceito que tem que estar bem sedimentado em "nosso cérebro": no
trifosfato de adenosina (ATP), dióxido de carbono (CO₂) e consomem choque, o resultado final é a falta de O₂ às células, levando-as a perder as
oxigênio (O₂) e água (H₂O) – é o processo de aerobiose. Sem oxigênio,
reservas de energia (ATP) e produzir ácido lático. A hipóxia celular
não há fosforilação oxidativa, nem ciclo de Krebs – o metabolismo da
sobrevém por um dos seguintes mecanismos: (1) não há oferta suficiente de
mitocôndria para. O produto final da glicólise – o piruvato, que antes era
oxigênio aos tecidos; (2) os tecidos não estão mais extraindo o oxigênio de
utilizado para produzir acetil-CoA, alimentando o ciclo de Krebs, agora se forma adequada. Vamos entender isto melhor...
acumula no citoplasma e é convertido em lactato. Os estoques de ATP da
célula caem vertiginosamente, pois o ATP agora é fornecido apenas pelo
A oferta de oxigênio aos tecidos é representada pela DO₂, que mede a
processo de glicólise (anaerobiose). Enquanto a anaerobiose produz
quantidade de O₂ que chega aos tecidos na unidade de tempo – depende do
apenas 2 ATPs por molécula de glicose, a aerobiose forma 36 ATPs por
débito cardíaco, do teor de hemoglobina do sangue e da saturação de
molécula de glicose "queimada".
oxigênio arterial. Valor normal = 700-1.200 ml/min. Uma queda
expressiva da DO₂ caracteriza os choques hipodinâmicos (hipovolêmico,
O ATP é o principal armazenador de energia celular. A atividade metabólica cardiogênico, obstrutivo). Nem a hipoxemia nem a anemia costumam ser os
da célula usa a energia do ATP, ao "quebrar" a ligação de alta energia do responsáveis isolados por uma queda expressiva da DO₂, pois a hipoxemia
terceiro fosfato, transformando-o novamente em ADP (difosfato de geralmente estimula o aumento da hemoglobina (policitemia) e a anemia
adenosina). Essa reação libera um H+, que então se liga ao lactato estimula o aumento do DC.
acumulado, transformando-o em ácido lático. O ácido lático então sai da
célula através de um carreador específico de membrana e ganha o espaço
O consumo tecidual de oxigênio é representado pelo VO₂, que mede a
extracelular e o plasma. Como resultado, teremos a acidose lática – a causa
quantidade de O₂ extraída pelos tecidos na unidade de tempo. Valor
mais comum de acidose metabólica. O aumento dos níveis de lactato (> 2,5
normal = 180-280 ml/min. A taxa de extração tecidual de oxigênio
mM) e o aparecimento de um deficit de bases (base excess negativo) são os
– representada pela TEO₂ – é o percentual do O₂ ofertado aos tecidos que é
primeiros indícios de que um paciente está em choque. Nesse momento, a efetivamente extraído, ou seja, quantos por cento do que é ofertado (DO₂) é
pressão arterial ainda pode encontrar-se na faixa normal, já que o sistema
consumido (VO₂).
neuro-hormonal já está ativado (ver anteriormente).
O lactato não é apenas um "grande vilão"... Ele também tem a sua TEO₂ = VO₂/DO₂ x 100
importância fisiológica no choque, ao servir como substrato energético para
o músculo cardíaco. Já está bem documentado que, excetuando-se os casos
de choque cardiogênico por fenômenos de isquemia ou infarto miocárdico,
Em condições normais, a TEO₂ está entre 25 e 35%, ou seja, vai de 0,25 a
o tecido miocárdico não libera lactato – pelo contrário, consome-o. O
0,35. Quando a DO₂ começa a cair, como na hipovolemia ou na
grande produtor de lactato no choque é o musculoesquelético e, em segundo
insuficiência cardíaca, o consumo tecidual de O₂ (VO₂) permanece
lugar, as vísceras. A reutilização do lactato para formar piruvato, que então
inalterado à custa de uma maior TEO₂. À medida que a DO₂ vai caindo,
pode ser convertido em glicose (gliconeogênese) ou utilizado no ciclo de
chega num ponto crítico (na faixa de 500 ml/min), no qual a TEO₂ tornou-se
Krebs, é denominada ciclo de Cori.
máxima (em torno de 70% ou 0,70) – a partir daí, qualquer queda adicional
da DO₂ levará a uma redução proporcional do consumo (VO₂). É o que
COMO ESTÃO OS HORMÔNIOS NO CHOQUE? acontece nos choques hipovolêmico, cardiogênico e obstrutivo. Essa queda
da VO₂ proporcional à queda da DO₂ é chamada dependência
Como vimos no capítulo 1, o estresse isquêmico e inflamatório estimula a
siológica da DO₂ e é a responsável pela hipóxia tecidual nos choques
liberação de cortisol e adrenalina pela suprarrenal e de glucagon pelo
hipodinâmicos.
pâncreas – são os hormônios contrarreguladores da insulina. Eles
promovem glicogenólise (quebra do glicogênio) e gliconeogênese no
fígado, lançando mais glicose no sangue – razão da hiperglicemia E NO CHOQUE SÉPTICO?
frequentemente encontrada nas fases iniciais do choque, da sepse e do
Nesse tipo de choque, a taxa de extração de oxigênio pelos tecidos está
trauma. A supressão insulínica permite o efeito da adrenalina e do cortisol
comprometida, isto é, a TEO₂ encontra-se abaixo de 0,25. Mesmo com uma
no tecido adiposo, promovendo a liberação de ácidos graxos (lipólise), que
DO₂ alta (o que é comum nos estados de alto débito cardíaco), o consumo
serão utilizados como principal substrato metabólico para o
(VO₂) está baixo, apesar de uma demanda tecidual elevada de O₂. As células
musculoesquelético. Ao agir sobre os receptores beta-2 do
precisam de oxigênio, mas parece que há algum tipo de "bloqueio" em sua
musculoesquelético, a adrenalina promove o influxo de potássio, levando à
extração ou consumo. Nestes pacientes observamos que o ponto crítico da
hipocalemia (achado também frequente no choque, sepse ou trauma). O
DO₂ é maior que o esperado – o VO₂ começa a cair antes da DO₂ atingir 500
sistema renina-angiotensina-aldosterona também se encontra ativado,
ml/min. A isto denominamos dependência patológica da DO₂. Essa é a
auxiliando as catecolaminas a "proteger" a hemodinâmica do paciente,
razão da hipóxia tecidual no choque séptico. A razão desse "bloqueio" da
devido ao efeito vasoconstritor e retentor de sal e água da angiotensina II e
TEO₂ pode ser o desarranjo microvascular, a disfunção endotelial ou ainda
aldosterona, respectivamente.
uma disfunção celular metabólica.
Em pacientes sem monitorização invasiva com cateter de Swan-Ganz O TNF-α também estimula leucócitos a produzir e liberar citocinas (IL-1,
(somente com cateter profundo e medidas da PVC) a saturação venosa de IL-6, IL-8 e o próprio TNF-α) importantes na manutenção e exacerbação do
O₂ pode ser medida diretamente de sangue colhido da veia cava superior, processo inflamatório. Diversos mediadores inflamatórios são liberados por
sendo chamada de ScvO₂. efeito direto ou indireto das citocinas: PAF (um dos mais potentes),
prostaglandinas, leucotrienos, bradicinina, fatores quimiotáticos do sistema
complemento (C3a, C5a). A Interleucina-6 (IL-6) age no fígado,
COMO FICA A SVO₂ NA SEPSE GRAVE E NO CHOQUE SÉPTICO? estimulando a liberação de proteínas da fase aguda, como a Proteína C-
Vai depender do momento de evolução do paciente. Embora a TEO₂ esteja Reativa (PCR) e o amiloide A. Existe no choque séptico um estado pró-
diminuída, esta alteração não ocorre de imediato. Lembrem-se que nas fases coagulante, que tem como características uma redução dos níveis de
iniciais da sepse grave e do choque séptico o que temos é um paciente com proteínas anticoagulantes, como as proteínas C e S e a antitrombina, e um
extrema hipovolemia relativa (os vasos dilatam e o sangue em seu interior aumento do inibidor do ativador do plasminogênio do tipo 1 (PAI-1), o que
acaba sendo "insuficiente"). Dessa forma, a TEO₂ vai se comportar como dificulta a lise da malha de fibrina. Além disso, a ativação de plaquetas e
nos choques hipodinâmicos, estando aumentada, o que vai justificar uma dos fatores de coagulação é fenômeno encontrado em fases avançadas de
SvcO₂ baixa. Quando repomos volume no doente inauguramos a fase todos os tipos de choque, justificando, dentre outros achados, a formação de
hiperdinâmica e esta, por coincidência ou não, vem acompanhada dos reais microtrombos na rede capilar, o que contribui para o distúrbio
distúrbios microcirculatórios, ou seja, TEO₂ reduzida e, por isso, um microcirculatório. O TNF-α é um importante inotrópico negativo, à medida
aumento gradual na SvcO₂. Esta, que estava reduzida, tende inicialmente à que estimula a produção do lipídio esfingosina que, por sua vez, bloqueia a
normalidade. O mesmo raciocínio se aplica naturalmente à SvO₂... saída de cálcio do retículo sarcoplasmático do miócito cardíaco.
Outro escore, rápido de ser avaliado à beira do leito, tem sido preconizado
É de extrema importância, que, diante de um quadro de choque, o clínico
em pacientes fora de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e inclui três dados:
tenha decisões rápidas – enquanto já começa a monitorizar e tratar o
FR ≥ 22 irpm, alteração do estado mental e PA sistólica ≤ 100 mmHg; este
paciente empiricamente, já está pensando e avaliando o diagnóstico
escore, conhecido como quick SOFA, identifica, com bom valor preditivo,
etiológico, através de uma rápida anamnese com o paciente ou seus
pacientes com infecção que apresentam mau prognóstico (pontuação ≥ 2).
familiares, um exame físico sumário, um ECG, uma radiografia de tórax,
Vejam a Tabela 8.
uma gasometria arterial e, eventualmente, até um ecocardiograma
transtorácico ou transesofágico.
CHOQUES HIPERDINÂMICOS
Frequência respiratória ≥ 22 irpm.
Choque Séptico Alteração do estado mental.
Em 2016 foi realizado o Terceiro Consenso Internacional para a Definição PA sistólica ≤ 100 mmHg.
de Sepse e Choque Séptico (Sepsis-3), que modificou alguns conceitos
importantes (Tabela 6). Nesse texto, sepse é definida pela presença de O termo sepse grave foi abandonado... Muitos autores criticam o SOFA
disfunção de órgãos ameaçadora à vida, sendo ocasionada por uma resposta acusando-o de omitir dados importantes, como a dosagem sanguínea do
inflamatória desregulada do hospedeiro à infecção. A partir de então, a lactato, por exemplo.
gravidade da disfunção de órgãos passou a ser avaliada por um escore
conhecido como SOFA (Sequential [Sepsis-Related] Organ Failure
Nesse consenso, o termo Síndrome da Reposta Sistêmica Inflamatória
Assessment Score), descrito na Tabela 7. Na realidade, disfunção de (SIRS) não foi mais relacionado à sepse. Os critérios de SIRS não
órgãos passou a ser caracterizada por uma mudança aguda no escore SOFA necessariamente implicam em uma resposta inflamatória desregulada e
≥ 2 pontos consequente à infecção. A disfunção, quando presente, encerra ameaçadora à vida. Estes critérios podem estar presentes em muitos
uma mortalidade hospitalar global de aproximadamente 10%. pacientes hospitalizados, incluindo aqueles que jamais desenvolverão um
processo infeccioso, e em muitos casos, nem apresentarão um prognóstico
adverso...
TAB. 6 DEFINIÇÕES DE INFECÇÃO, BACTERIEMIA, SEPSE E
CHOQUE SÉPTICO.
Contudo, muitos autores citam que os sinais e sintomas da sepse continuam
(1) Infecção é de nida por invasão de tecido normalmente estéril sendo pouco específicos e incluem diversas combinações dos seguintes: (1)
por micro-organismos. sintomas direcionados a uma fronte infecciosa (tosse e dispneia podem
(2) Bacteriemia é a presença de bactérias viáveis na corrente sugerir pneumonia, dor e exsudato purulento em uma ferida operatória
sanguínea ou crescimento de bactérias na hemocultura. podem indicar infecção de sítio cirúrgico); (2) hipotensão arterial
(hipotensão arterial sistólica < 90 mmHg ou PAM < 70 mmHg); (3)
(3) Sepse é de nida pela presença de disfunção de órgãos
temperatura > 38,3ºC ou < 36ºC; (4) FC > 90 bpm; (5) taquipneia (FR > 20
ameaçadora à vida, sendo ocasionada por uma resposta
irpm); (6) alteração do estado mental; (7) íleo adinâmico; e (8) tempo de
in amatória desregulada do hospedeiro à infecção. A disfunção
enchimento capilar prolongado, cianose ou livedo (cianose mosqueada).
de órgãos encontra-se presente quando há elevação aguda ≥ a 2
pontos no escore SOFA consequente à infecção.
O choque séptico passou a ser uma variedade da sepse, situação em que o
(4) Choque séptico pode ser considerado um subtipo da sepse;
indivíduo permanece hipotenso e com níveis de lactato > 18 mg/dl (> 2
é de nido como a persistência de hipotensão e lactato sérico
mmol) a despeito de uma ressuscitação volêmica adequada; esses pacientes
elevado (> 18 mg/dl ou > 2 mmol/L) apesar de uma ressuscitação
obrigatoriamente necessitarão de aminas vasopressoras para manter uma
volêmica adequada em pacientes com sepse. Estes pacientes
PAM ≥ 65 mmHg. Nesses casos, a mortalidade hospitalar é de
necessitam obrigatoriamente do uso de aminas vasopressoras
aproximadamente 40%.
para manter uma PAM ≥ 65 mmHg.
Após a reposição volêmica, o choque séptico se transforma em um quadro Choque Neurogênico
hiperdinâmico; como vimos antes, na ausência de aminas, a PA se encontra
É um tipo de choque hiperdinâmico, semelhante ao choque séptico. Pode
surpreendentemente baixa (< 90 mmHg), com oligúria e alteração do estado
ser desencadeado por condições como traumatismo cranioencefálico grave
mental; há indubitavelmente disfunção de órgãos. Além da hiperlactatemia,
ou Trauma Raquimedular (TRM). Todo o fluxo simpático é interrompido de
o laboratório apresenta leucocitose com desvio à esquerda, que se torna
forma brusca e o paciente evolui rapidamente com uma intensa vasoplegia,
importante (desvio até bastões, metamielócitos ou mielócitos) em casos de
acometendo os leitos arterial e venoso. A venoplegia reduz o retorno venoso
infecção por bactérias piogênicas, Gram-negativas ou positivas. Não há
e, portanto, o DC. A dilatação arteriolar é responsável pela queda da RVS.
diferença clínica entre o choque séptico causado por Gram-negativos
daquele ocasionado por micro-organismos Gram-positivos.
O quadro clínico é de um paciente chocado e, curiosamente, com
extremidades quentes e FC tendendo a bradicardia. Em situações de
Alguns pacientes com choque séptico encontram-se hipotérmicos (TAx <
politrauma, por exemplo, uma FC reduzida e as extremidades aquecidas
36o C), enquanto outros apresentam leucopenia inferior a 4.000
frente à instabilidade hemodinâmica afastam, a princípio, a perda
células/mm³. Estes achados funcionam como sinais de mau prognóstico e
hemorrágica como a causa da alteração pressórica. O tratamento consiste
são mais comuns na presença de comorbidades (doença renal crônica,
em ressuscitação volêmica para "preencher espaço" nos vasos
câncer, uso de quimioterapia citotóxica, doença cerebrovascular avançada
extremamente dilatados, somada ao uso de aminas vasopressoras como a
etc.) e nos idoso acima de 70 anos.
noradrenalina ou a fenilefrina (efeito somente alfa).
CORAÇÃO
TRATO GASTROINTESTINAL
Assim como o cérebro, o coração é um órgão nobre, sendo protegido da
isquemia por seu alto poder de autorregulação do fluxo coronariano. A As vísceras abdominais estão entre os órgãos mais acometidos no choque
resposta cardíaca mais comum ao choque é decorrente da ativação neuro- pela hipoperfusão, já que são um dos primeiros a sofrerem vasoconstrição
humoral (sistema adrenérgico), levando à taquicardia, aumento da por ação adrenérgica. Este fenômeno leva a diversas consequências como
contratilidade, arritmogênese. Entretanto, mediadores inflamatórios gastrite isquêmica, lesão aguda da mucosa gástrica (causa importante de
sistêmicos, liberados especialmente no choque séptico, podem inibir a hemorragia digestiva em pacientes críticos), colecistite acalculosa,
contratilidade miocárdica – são os "fatores depressores miocárdicos da pancreatite, íleo metabólico, isquemia mesentérica aguda não oclusiva e
sepse". O principal candidato é o TNF-α. Este mediador age diretamente ou colite isquêmica (levando à hematoquezia). Uma consequência grave da
através da produção excessiva de NO pelo endotélio (ver anteriormente). agressão a mucosa intestinal é a translocação de toxinas provenientes das
Em pacientes com doença coronariana prévia, o choque pode realmente bactérias da microbiota ileocolônica. A endotoxina é uma das principais,
levar à isquemia miocárdica, prejudicando gravemente a função ventricular. sendo incriminada no desenvolvimento da DMOS.
PULMÕES FÍGADO
A hepatite isquêmica é uma entidade bem documentada, manifestando-se A não ser que o paciente esteja congesto (ortopneia, terceira bulha,
pelo aumento das aminotransferases, fosfatase alcalina e bilirrubinas, bem estertores pulmonares) ou sabidamente hipervolêmico, o primeiro passo no
como pela disfunção hepática. A função sintética do fígado pode ser tratamento do choque é a reposição de fluidos. Além de ser a principal
comprometida, levando à hipoalbuminemia e ao alargamento do tempo de medida no choque hipovolêmico, é parte fundamental do tratamento do
protrombina, pela deficiência de fatores da coagulação. Em alguns casos, choque séptico e pode ajudar em alguns casos de choque cardiogênico,
especialmente no choque séptico, as aminotransferases podem subir a níveis quando existe um componente de hipovolemia (pelo uso prévio de
semelhantes aos da hepatite viral. Esses casos cursam com também diuréticos etc.). Neste momento, um cateter de Foley uretral deve ser
acentuada hiperbilirrubinemia, com predomínio de bilirrubina direta. O instalado, para a monitorização do débito urinário. A melhora da diurese é
histopatológico mostra uma extensa lesão centrolobular. Se o paciente se um excelente parâmetro de sucesso terapêutico.
recuperar do choque, a tendência é a melhora do hepatograma após 5-10
dias. Entretanto, na maioria dos casos de choque ou sepse, o
comprometimento hepático é leve, caracterizando-se apenas por uma AMINAS INOTRÓPICAS E VASOPRESSORAS
discreta elevação de aminotransferases, bilirrubinas e fosfatase alcalina, de
As aminas vasopressoras mais utilizadas na prática do choque em nosso
caráter transitório.
meio são a dopamina, a noradrenalina e, menos frequentemente, a
adrenalina. Uma amina vasopressora está indicada em todos os casos de
SISTEMA HEMATOLÓGICO choque refratário à reposição volêmica ou outras medidas iniciais, quando a
PA sistólica estiver abaixo de 80 mmHg ou a PAM invasiva abaixo de 65-70
Um estímulo à medula óssea a produzir e liberar leucócitos é comum, mmHg. Estas drogas agem através da vasoconstrição, aumentando a RVS
especialmente na sepse e no trauma, explicando a leucocitose e o desvio e, portanto, a PAM. Com isso, melhoram a perfusão dos órgãos nobres,
para a esquerda. Nas fases avançadas do processo, o paciente pode evoluir como o cérebro e o coração e, eventualmente, os rins. Para isso, têm que
com insuficiência medular, levando a uma espécie de "esgotamento promover vasoconstrição do leito arteriolar dos órgãos não nobres, como as
hematológico" – expressando-se como pancitopenia. A síndrome da vísceras, a musculatura esquelética, a pele e o subcutâneo. No choque
Coagulação Intravascular Disseminada (CIVD) é comum na sepse e nas séptico, as aminas vasopressoras têm indicação precisa, pois agem no
complicações obstétricas. A ativação da hemostasia (primária e secundária) principal distúrbio hemodinâmico deste choque – a vasodilatação
leva à formação de trombos na microcirculação, o que agrava a perfusão inapropriada, corrigindo (pelo menos em parte) a queda da RVS.
tecidual. Uma vez consumidos plaquetas e fatores de coagulação,
principalmente o fibrinogênio, sobrevêm manifestações de sangramento
As aminas inotrópicas sem efeito vasopressor são representadas pela
(sítios de punção, petéquias, equimoses, sangramentos em cavidades etc.).
dobutamina (ver adiante). As aminas dopamina, noradrenalina e adrenalina
No choque hemorrágico, a politransfusão pode causar plaquetopenia e
são ao mesmo tempo inotrópicas e vasopressoras.
coagulopatia dilucionais.
DOPAMINA
ABORDAGEM TERAPÊUTICA
Em doses entre 3 a 5 µg/kg/min, a dopamina tem apenas efeito
MEDIDAS GERAIS dopaminérgico, isto é, são agonistas dos receptores dopaminérgicos do tipo
D2, presentes na vasculatura renal, esplâncnica, coronariana e cerebral. O
Os pacientes com o diagnóstico clínico de choque devem ser prontamente efeito principal é a vasodilatação renal e esplâncnica. O estímulo aos
atendidos. Antes de mais nada, devem ser instalados o monitor cardíaco, o receptores D1 possui um efeito natriurético independente da vasodilatação
oxímetro de pulso e o paciente deve ser colocado no oxigênio em máscara renal. Contudo, a maioria dos estudos não demonstra benefício da dopamina
de Hudson. Em seguida, punciona-se um acesso venoso periférico com um em baixas doses ("doses renais") em termos de prognóstico do choque e da
jelco no 16 ou no 18. Nos pacientes vítimas de trauma ou choque insuficiência renal aguda.
hemorrágico, é de praxe a instalação de dois acessos venosos periféricos
para aumentar a capacidade de reposição de fluidos. Não se esqueçam da Em doses mais altas, entre 5 a 10 µg/kg/min, a dopamina tem efeito
tríade inicial para todo paciente grave: OXIGÊNIO – VEIA – MONITOR. cronotrópico (aumenta a frequência cardíaca) e inotrópico (aumenta a
contratilidade ventricular), por agir sobre os receptores beta-1 adrenérgicos
O sangue do paciente deve ser prontamente coletado para tipagem, do nódulo sinusal e do miocárdio, respectivamente. Na realidade, a
bioquímica, hemograma, gasometria arterial, enzimas cardíacas, lactato e dopamina é mais cronotrópica do que inotrópica, além de ser bastante
PCR. Em certos casos suspeitos, os hormônios tireoidianos e o cortisol arritmogênica. As verdadeiras doses vasoconstritoras são ainda mais altas, a
devem ser dosados. Nos casos em que há sinais de insuficiência ventilatória partir de 10 µg/kg/min. Nessas doses, os receptores alfa vasculares são os
(esforço ventilatório intenso, respiração agônica, redução do nível de mais estimulados, promovendo vasoconstrição arteriolar (aumentando a
consciência) o indivíduo deve ser prontamente intubado e colocado em RVS) e venoconstrição (aumentando o retorno venoso e as pressões de
ventilação mecânica. Devemos tomar cuidado com o uso dos sedativos, enchimento cardíacas).
uma vez que estas drogas podem piorar a instabilidade hemodinâmica. A
pressão positiva do ventilador também é um fator potencialmente deletério
NORADRENALINA
para a hemodinâmica do paciente, pois reduz o retorno venoso. A reposição
volêmica pode corrigir esse problema. A princípio, os pacientes com
instabilidade hemodinâmica não devem ser submetidos a uma PEEP alta (>
10 cmH2O). A saturação de O2 deve ser mantida acima de 92%.
Trata-se de uma catecolamina com um potente efeito alfa vascular, isto é, A vasopressina (ADH) é hormônio liberado na resposta ao trauma e em
uma importante ação vasoconstritora e venoconstritora. Apresenta um efeito situações de estresse. Esta medicação é capaz de restaurar o tônus vascular
menos pronunciado sobre os receptores beta do coração. É a amina de em estados vasoplégicos, como no choque séptico. Embora um trabalho
escolha na manutenção da pressão arterial e perfusão tecidual no choque recente (Vasopressin and Septic Shock Trial – VASST) tenha
séptico, já que o principal objetivo neste caso é a vasoconstrição, para demonstrado um efeito benéfico da droga, semelhante ao da noradrenalina,
corrigir a queda da RVS. Apesar de ter potente efeito vasoconstritor, não em casos de choque séptico, a vasopressina, neste contexto, continua sendo
promove queda do DC. Além disso, não leva a aumento da frequência encarada como amina vasopressora de segunda linha. A dose inicial é de
cardíaca. A dose situa-se entre 0,1 até 1,0 µg/kg/min. Todavia, em pacientes 0,01 a 0,03 U/min. Doses acima de 0,04 U/min podem causar
com choque hipovolêmico, esta amina não deve ser usada, pois apresentou vasoconstrição coronária e redução da excreção de água livre e consequente
maior incidência de isquemia renal. hiponatremia.
É a catecolamina com efeito inotrópico e vasopressor mais potente. É Os inibidores da fosfodiesterase, como a amrinone e a milrinone, têm sido
utilizada nos casos de choque cardiogênico ou séptico refratário a outras utilizados com menor frequência atualmente. A dopexamina é um análogo
aminas. Alguns pacientes em fase avançada de choque só melhoram a PAM da dopamina com efeitos dopaminérgicos e alfa-2 adrenérgicos. Alguns
com a infusão de adrenalina – são os que têm um péssimo prognóstico. A estudos demonstraram aumento do índice cardíaco e da perfusão
adrenalina (ou epinefrina) age com grande potência sobre os receptores alfa, esplâncnica em doentes chocados.
beta-1 e beta-2 adrenérgicos. A dose situa-se entre 0,1 a 1 µg/kg/min. Em
doses baixas (1-8 µg/min) o seu efeito já é bastante expressivo. O principal
problema da adrenalina é o seu alto poder arritmogênico. CHOQUE HEMORRÁGICO
VASOPRESSINA
As hemorragias classe I se acompanham de pouca repercussão clínica, uma
vez que os pacientes apresentam perda de menos de 15% da volemia e
assim, não necessitam de reposição volêmica. Nesta situação, os
mecanismos compensatórios orgânicos conseguem restabelecer a
normovolemia em, no máximo, 24 horas.
As perdas classificadas como classe II correspondem às hemorragias que O desenvolvimento de acidose láctica requer, de acordo com alguns
comprometem entre 15 e 30% do volume circulante (750 a 1.500 ml). No trabalhos, a administração de bicarbonato quando o pH arterial esteja menor
exame físico já identificamos taquicardia, taquipneia e diminuição da do que 7,1. Para este fim, utilizam-se soluções tampões fisiológicas
pressão de pulso (diferença entre pressão arterial sistólica e diastólica). A (physiologically buffered fluids) contendo salina a 0,45% e 75 mmol
pressão de pulso é mais fiel na avaliação dos indivíduos com sangramento de bicarbonato de sódio.
ativo, pois inicialmente ocorre elevação da pressão diastólica devido ao
excesso de catecolaminas circulantes, o que promove vasoconstrição e A ideia de que os níveis de hemoglobina e hematócrito nos momentos
aumento da pressão diastólica (elevação do tônus adrenérgico com aumento iniciais do sangramento não nos permitem estimar a perda sanguínea não é
da RVS). A diurese ainda está preservada, na faixa de 20 a 30 ml/h. um conceito totalmente correto, pois vai depender se já foi iniciada ou não a
Dificuldades que encontramos para seguir à risca esta tabela proposta pelo administração de fluidos. Sabemos que em vítimas ressuscitadas
ATLS incluem variações da frequência cardíaca impostas pela dor e volemicamente, tanto a hemoglobina quanto o hematócrito têm seus valores
ansiedade, por exemplo, e a dificuldade em estabelecermos a PA normal reduzidos de forma rápida...
prévia do paciente.
(1) Balão Intra-Aórtico de Contrapulsação (BIAC); ECMO (Extracorporeal Membrane Oxygenation) consiste em um
(2) Angioplastia primária. circuito de circulação extracorpórea capaz de oxigenar o sangue e retirar gás
carbônico por meio de um oxigenador. Esse dispositivo é recomendado em
pacientes em choque cardiogênico que não respondem ao tratamento inicial
O BIAC é um dispositivo de assistência circulatória de curta permanência
convencional, sendo utilizado somente em centros com experiência na
que contém um longo balão na extremidade de um cateter, introduzido pela
técnica. Dispositivos cirúrgicos implantáveis podem ser empregados em
artéria femoral. O balão deve ficar posicionado no nível da aorta
pacientes selecionados, como ponte para o transplante.
descendente torácica, um pouco abaixo da origem da subclávia esquerda
(Figura 5). O seu lúmen está conectado em um sistema de gás hélio que é
capaz de insuflá-lo com 30-60 ml. O balão deve ser rapidamente insuflado A melhor maneira de salvar um paciente com IAM em choque cardiogênico
na diástole ventricular e desinsuflado na sístole ventricular. O aparelho é a obtenção da reperfusão miocárdica através da angioplastia primária. Está
ligado ao balão é programado para manter esta importante sincronia. Ao ser indicada até um delta-tempo de dor de 24 horas. O paciente deve ser levado
insuflado na diástole, o balão aumenta a PA diastólica, tornando-se ainda à sala de hemodinâmica após a colocação de um BIA. É então submetido à
maior que a PA sistólica (Figura 5). Com isso, ele aumenta a perfusão coronariografia que geralmente irá revelar uma oclusão coronariana – a
coronariana e cerebral. Ao ser rapidamente desinsuflado na sístole, por um responsável pelo IAM. Em seguida, o hemodinamicista abre a oclusão pelo
fenômeno de vácuo, reduz a pós-carga ventricular, facilitando a ejeção e, uso do balão de angioplastia e coloca um stent. O paciente deve ser
portanto, aumentando o débito sistólico. mantido com heparinização plena, AAS e inibidores da glicoproteína
IIb/IIIa. Os estudos mostraram que a angioplastia primária reduziu a
letalidade desses pacientes de 80% para 40-50%. Os trombolíticos são
pouco eficazes no IAM com choque cardiogênico. A maioria dos trabalhos
não mostra benefício do uso dessas drogas em relação à letalidade desses
pacientes. Mesmo assim, se você estiver em um local que tenha
trombolítico (mas não tenha serviço de hemodinâmica disponível para
angioplastia primária) e chegar um paciente com IAM e choque
cardiogênico, com delta-tempo de dor menor de 12 horas, o trombolítico
deve ser feito.
Outras causas de choque cardiogênico importantes são: pós-operatório de Nos últimos anos, uma diretriz conhecida como Surviving Sepsis
cirurgia cardíaca (devido à cardioplegia), miocardite aguda, endocardite Campaign (SSC) foi elaborada em uma tentativa de padronizar o
infecciosa com lesão valvar grave, cardiomiopatia grave descompensada. O atendimento e aumentar a sobrevida de doentes em sepse e choque séptico.
BIA é útil na maioria desses casos, menos na insuficiência aórtica Inicialmente, Rivers e cols, confeccionaram um protocolo denominado
relacionada à endocardite ou nos cardiomiopatas crônicos em fase terminal, Early Goal Directed Therapy (EGDT), em que se valorizava a infusão
não candidatos a transplante cardíaco. de grande quantidade de líquidos nas primeiras seis horas; na época, este
protocolo demonstrou os benefícios de tal conduta.
Os desavisados que defendem a reposição de bicarbonato alegam que a A dobutamina deve ser iniciada em casos de disfunção miocárdica (pressões
correção da acidemia melhora a contratilidade miocárdica e reduz a de enchimento cardíaco elevadas ou baixo débito cardíaco) ou em situações
vasoplegia. Os estudos recentes provaram que isso não ocorre na maioria de hipoperfusão mantida mesmo com a reposição volêmica e PAM
das vezes, já que apenas uma acidemia tão grave quanto um pH < 6,80 é adequadas. Nesse último caso podemos citar como exemplo um paciente em
que tem um efeito inotrópico negativo e vasoplégico significantes. Além choque séptico que apresenta uma PAM dentro dos parâmetros da
disso, o bicarbonato administrado no choque acaba sendo convertido em normalidade acompanhada de uma SvcO₂ persistentemente reduzida,
mesmo após administração de volume adequada e uso de aminas
CO₂, ao consumir o excesso de H+. O CO₂ se difunde facilmente para o
interior das células, piorando a acidose intracelular – essa é a acidose celular vasopressoras...
Atualmente, uma droga conhecida como trometamina (Tris-Hidroximetil- O SSC recomenda o uso de parâmetros dinâmicos para acompanharmos a
Amino-Metano – THAM) tem sido estudada como alternativa ao resposta à ressuscitação volêmica, com destaque para a normalização do
bicarbonato na terapia da acidose láctica. Contudo, a eficácia clínica do lactato.
THAM ainda não foi demonstrada de forma consistente.
Pacientes com sepse e choque séptico, como qualquer outro doente crítico,
A escolha do antibiótico pode ser complexa e geralmente leva em devem ter seus níveis glicêmicos controlados, uma vez que a hiperglicemia
consideração a história do paciente, uso de antibióticos recentes, grave está associada a prognóstico adverso. Todavia, um controle glicêmico
comorbidades, tipo de infecção (se nosocomial ou comunitária) e padrões rigoroso (glicemia < 110 mg/dl), como era preconizado há algum tempo
de resistência local. No geral, a seleção dos antimicrobianos deve ser atrás, não é mais recomendado, uma vez que se associa a um maior número
suficientemente ampla para cobrir todos os prováveis patógenos, podendo de episódios de hipoglicemia, o que é mais prejudicial do que eventuais
incluir fungos e vírus. escapes hiperglicêmicos. Recomenda-se que nos pacientes em sepse, os
níveis de glicemia fiquem na faixa de 140 a 180 mg/dl.
Na presença de focos de infecção passíveis de intervenção, a
antibioticoterapia deverá ser acompanhada de abordagem cirúrgica ou de A insulina endovenosa contínua deve ser iniciada caso seja observado dois
procedimentos que envolvam radiologia intervencionista. O momento de níveis consecutivos de glicemia > 180 mg/dl. Pacientes em uso de insulina
intervir deve ser o mais breve, dentro das primeiras 6-12 horas. O ideal é contínua devem ter suas glicemias monitoradas de hora em hora; nesses
que se realize um procedimento o menos invasivo possível como, por casos, torna-se necessário aporte calórico sob forma de glicose para
exemplo, abordagem de abscessos intra-abdominais por punção percutânea evitarmos episódios de hipoglicemia.
guiada por tomografia computadorizada.
Em determinadas neoplasias, a taxa metabólica basal se encontra Constituintes Não Calóricos: água, vitaminas e oligominerais
aumentada, fenômeno que também faz o doente emagrecer e desnutrir. (micronutrientes).
Citocinas, como o fator de necrose tumoral (TNF), a Interleucina-1 (IL-1), a
Interleucina-6 (IL-6) e o Interferon Gama (IFN-γ), podem ter participação.
Alguns tipos de câncer produzem um mediador conhecido como fator
PROTEÍNAS
indutor de proteólise.
Em um adulto saudável, que não se encontra em estresse infeccioso ou
cirúrgico de qualquer espécie, a necessidade diária de proteína é de
VARIEDADES CLÍNICAS DE DESNUTRIÇÃO aproximadamente 0,8 g/kg (46-56 g/dia). Contudo, na presença de estresse,
a degradação proteica faz com que o indivíduo perca massa corporal magra;
O marasmo, também conhecido como estado de privação calórica, é
nesses casos, as proteínas devem corresponder a 20% do valor calórico total
caracterizado por consumo de toda a reserva corporal de gordura do
ofertado para limitar essa perda. Sendo assim, as necessidades de proteínas
paciente. Este distúrbio resulta de um tempo prolongado de inanição, como
em pacientes cirúrgicos, em jejum, deve ser de 1,5 a 2,0 g/kg/dia.
em pacientes portadores de anorexia nervosa. Um componente de marasmo
Habitualmente, as soluções preparadas para pacientes cirúrgicos contêm
é encontrado na caquexia, situação onde observamos perda de massa
aproximadamente 1 g de nitrogênio para cada 150 kcal (1:150). Lembrando
corporal magra decorrente de estados inflamatórios crônicos e indolentes.
que cada grama de proteína fornece 4 kcal.
Tanto no marasmo quanto na caquexia, temos um indivíduo com aspecto
consumido... Outros achados incluem prega cutânea diminuída, o que traduz
perda de gordura, e circunferência do braço também reduzida, o que reflete Existem fórmulas específicas para hepatopatias, ricas em aminoácidos de
consumo proteico. A presença de perda muscular interóssea e em região cadeia ramificada (leucina, isoleucina e valina); em pacientes com
temporal tem relação direta com catabolismo (destruição) de proteínas em insuficiência renal em tratamento conservador, soluções contendo
órgãos como coração, fígado e rins. aminoácidos essenciais acrescidos de histidina são as recomendadas.
O kwashiorkor (desnutrição proteicocalórica) é encontrado em indivíduos ultrapassar a 30-40% da oferta calórica total não proteica. Quando emulsões
portadores de uma doença aguda intercorrente (politrauma, sepse) ou em lipídicas são utilizadas pela via parenteral, os valores plasmáticos de
indivíduos com doenças crônicas onde predomina uma resposta inflamatória triglicerídeos devem ser monitorados, com níveis aceitáveis de até 300
exuberante. Nesses casos, ocorre consumo proteico significativo e de rápida mg/dl. Cada grama de lipídio fornece aproximadamente 9 kcal.
evolução; os principais achados incluem edema, cabelos que se destacam
facilmente, pele quebradiça, prejuízo à cicatrização de feridas e maior CARBOIDRATOS
probabilidade de deiscência de feridas cirúrgicas.
Na nutrição parenteral, representam 40-70% da oferta calórica diária não
As alterações laboratoriais de maior relevância consistem em proteica, com a glicose sendo a fonte padrão. Quando se utiliza a glicose
hipoalbuminemia (< 2,8 g/dl), queda nos níveis de transferrina (< 150 hidratada, ela fornece 3,4 kcal/g.
mg/dl), linfocitopenia e diminuição de resposta a testes cutâneos (o que
traduz prejuízo à imunidade celular).
As necessidades diárias de tiamina na presença de doença intercorrente
ÁGUA
grave chegam a 25 mg. A carência desta vitamina pode ser encontrada em
As perdas hídricas do organismo ocorrem através da evaporação e exalação, diversas condições, sobretudo no alcoolismo. O álcool interfere diretamente
as chamadas perdas insensíveis (500-1.000 ml/dia), fezes (50-100 ml/dia) e com a absorção de tiamina e com a síntese de tiamina pirofosfato. A
1.000 ml/dia ou mais na urina, na dependência da carga de solutos. Para deficiência de tiamina leva a um distúrbio conhecido como beribéri, que
cada grau centígrado de elevação na temperatura corporal na faixa febril, tem como manifestações insuficiência cardíaca de alto débito, acidose
aumenta-se a perda de água em 200 ml. láctica refratária (simulando a sepse), confusão mental, hiperbilirrubinemia,
trombocitopenia, nistagmo e paresia isolada nos músculos oculares. O
tratamento é feito com dose de 25 a 100 mg/dia de tiamina. Em todo o
Em indivíduos normais, o consumo de 1-1,5 ml de água por cada kcal de
paciente alcoólatra que receberá glicose ou será realimentado, é
energia consumida (cerca de 35 a 40 ml/kg) é o suficiente para permitir
fundamental a reposição de tiamina, caso contrário, poderá ser precipitada a
variações normais no nível de atividade física, na carga de solutos e na
clínica da deficiência desta vitamina.
sudorese.
Vitamina K
Zinco
Tiamina (Vitamina B1) Em doenças intercorrentes graves, as necessidades diárias de zinco situam-
se entre 10 a 20 mg. A deficiência deste oligomineral ocorre na presença de
extremo catabolismo, na má absorção intestinal ou em casos de diarreia
excessiva. Outras condições associadas incluem diabetes mellitus, aids e
anemia falciforme.
Dermatite generalizada (a que chama mais a atenção), alopécia, pústulas Embora parâmetros laboratoriais sejam recomendados na avaliação
perorais, cicatrização deficiente, imunossupressão, cegueira noturna ou nutricional, nada substitui uma anamnese e um exame físico adequadamente
fotofobia e anosmia, são as principais manifestações da deficiência de conduzidos.
zinco.
HISTÓRIA CLÍNICA
O diagnóstico laboratorial muitas vezes é difícil na presença de estresse
intercorrente, uma vez que nestes casos os níveis séricos do oligoelemento A desnutrição é encontrada com maior frequência em pacientes que na
não correspondem diretamente com a presença ou não de sua deficiência. história clínica apresentam um ou mais desses achados: perda ponderal,
Sendo assim, podemos ter valores dentro da normalidade e, mesmo assim, a anorexia, incapacidade de realizar atividades habituais e presença de
carência estar presente. Em indivíduos com perdas normais de zinco pelas condições que interferem na alimentação.
fezes, o tratamento envolve a administração diária de 3 a 6 mg de zinco
elementar, enquanto doses de 12 a 20 mg/dia são requeridas em casos de
Perda ponderal involuntária superior a 10-15% do peso habitual em seis
diarreia intensa ou síndrome do intestino curto.
meses, ou superior a 5% em um mês e/ou necessidade de jejum prolongado
são dados que fortemente indicam o início de uma terapia nutricional.
Cobre Outros parâmetros também utilizados são peso 20% abaixo do peso
corpóreo ideal (ideal body weight), IMC < 18,5 kg/m², doença catabólica
Na presença de doenças graves, as necessidades diárias de cobre se
(queimadura, sepse e pancreatite) e previsão de reservas calóricas
encontram entre 0,5 a 2 mg. Sua deficiência pode ocorrer em poucos
insuficientes por pelos menos sete a dez dias no período perioperatório.
pacientes que recebem nutrição parenteral prolongada sem a suplementação
adequada deste oligoelemento. As principais manifestações da carência de
No exame físico, devemos pesquisar achados clínicos que denotam carência
cobre são anemia microcítica, osteopenia, pancitopenia e despigmentação
nutricional importante, tais como edema corporal (hipoproteinemia), perda
da pele. A anemia microcítica pode ser confundida com aquela causada pela
de massa muscular e lipídica (consumo de gordura de Bichart e temporal),
deficiência de piridoxina. A reposição de cobre em soluções de nutrição
fraqueza muscular aos mínimos esforços e palidez. Pacientes com qualquer
parenteral deve ser feita na dose de 2 mg por dia de sulfato de cobre.
uma das características descritas na Tabela 2 estão em alto risco de
apresentar desnutrição.
Cromo
Medidas Antropométricas
Nos informam sobre a massa muscular e as reservas de gordura. São
aferidas pregas cutâneas (como a do tríceps) e medidas da circunferência da Equação de Harris-Benedict
parte média do braço, além do peso ideal para idade e altura.
Homem GEB = 66,5 + (13,75 × peso em kg) + (5,003 × altura em cm) –
(6.775 × idade em anos)
A espessura da prega cutânea é importante para avaliarmos as reservas
corporais de gordura, uma vez que pelo menos metade da gordura em nosso
Mulher GEB = 65,5 + (9,563 × peso em kg) + (1.850 × altura em cm) –
corpo se encontra no subcutâneo. A espessura da prega nos permite (4,676 × idade em anos)
diferenciar massa adiposa de massa muscular. Um valor inferior a 3 mm
indica exaustão das reservas de gordura.
O resultado obtido com essa fórmula pode ser multiplicado por uma
O peso atual do paciente é um dos parâmetros nutricionais mais úteis. Perda
constante que varia de 1,1 (ausência de estresse fisiológico) até por 1,95
ponderal na vigência de doença aguda ou crônica reflete perda de massa
(grande queimado, por exemplo).
muscular magra (proteína muscular e órgãos), especialmente se for rápida e
na ausência de diurese expressiva.
A Calorimetria Indireta (CI) vem se mostrando um método mais confiável
de calcularmos o GEB, principalmente em doentes hipermetabólicos, em
Estudo da Função Muscular pacientes obesos e em indivíduos nos extremos da idade.
Função Imunológica
GEB (kcal/dia) = 1,44 [3,9 VO2 (ml/min) + 1,1 VCO2 (ml/min)]
Testes cutâneos são empregados na avaliação da imunidade celular, que
usualmente está comprometida na desnutrição grave. Sabemos que
indivíduos desnutridos que desenvolvem linfocitopenia (< 1.000
linfócitos/mm³) apresentam diminuição na reatividade a essas provas. AVALIAÇÃO DO CATABOLISMO PROTEICO E DO
Atualmente, os testes cutâneos são utilizados no acompanhamento BALANÇO NITROGENADO
nutricional, sendo realizados na admissão e repetidos no decorrer da
internação hospitalar. Estudos demonstraram que vítimas de trauma que É frequente estimarmos a taxa de catabolismo proteico. Esta medida tem
apresentam anergia a testes cutâneos têm maior mortalidade intra-hospitalar. maior importância nos doentes já em terapia nutricional e tem por função
nos informar se nosso tratamento (sobretudo a quantidade proteica
administrada) está sendo bem-sucedido.
CÁLCULO DO GASTO ENERGÉTICO BASAL
O catabolismo proteico (proteólise) libera aminoácidos para o processo de
O cálculo do Gasto Energético Basal (GEB), ou taxa metabólica basal, é de
gliconeogênese hepática. O grupamento amino destes aminoácidos não é
fundamental importância para determinarmos a necessidade calórica total
utilizado, sendo excretado na urina sob forma de ureia (Nitrogênio Ureico
nas 24 horas a ser reposta ao paciente em terapia nutricional.
Urinário [NUU]). Sendo assim, quanto maior for o NUU, maior está sendo
o catabolismo tecidual e, portanto, menos eficaz está sendo nossa terapia. O
Um dos métodos mais empregados é o cálculo do GEB através da equação
NUU é obtido multiplicando-se a ureia urinária por 0,47. Um valor superior
de Harris-Benedict:
a 15 indica catabolismo intenso.
A taxa catabólica de proteína nos informa o quanto de proteína está (6) Alteração na curva pediátrica de crescimento e
sendo perdido diariamente e, com isso, as necessidades a serem repostas desenvolvimento (< percentil 5).
adicionalmente. A quantidade de proteína excretada é obtida pela
(7) Albumina sérica < 3,0 g/dl ou transferrina < 200 mg/dl, na
multiplicação do NUU por 6,25 (cada 6,25 g de proteína contém 1 g de
ausência de estado in amatório, disfunção hepática ou renal.
nitrogênio). A taxa catabólica de proteína apresenta a seguinte fórmula:
(8) Previsão de que o paciente não será capaz de atender aos
requisitos calóricos basais por no período de sete a dez dias
do peroperatório.
Taxa catabólica de PTN (g/dia) = NUU (g) + 4 x 6,25 (g de PTN/g de
nitrogênio) (9) Trato gastrointestinal não funcionante.
(10) Doença hipercatabólica (queimaduras ou trauma, sepse e
pancreatite).
O número 4 é um fator que representa o valor de perda estimada de (*)O IBW é estimado pelas seguintes equações de acordo com o
sexo: homens – 48 kg para 152 cm de altura + 2,7 kg para cada 2,54
nitrogênio não medido na urina (creatinina, ácido úrico) e em outras fontes cm a mais de altura. Mulheres – 45 kg para 152 cm de altura + 2,3
como suor, fâneros (cabelo), pele e fezes. kg para cada 2,54 cm a mais de altura.
Outra medida corriqueira, porém menos precisa que a taxa catabólica de Mesmo naqueles pacientes onde a nutrição parenteral tem indicação
proteínas, é o balanço nitrogenado, obtido pela diferença entre o inquestionável, o ideal é que se administre pelo menos 20% das
nitrogênio ingerido e aquele eliminado; este último é representado necessidades calóricas totais pela via enteral para que se mantenha o "tônus
principalmente por perdas urinárias e, em menor quantidade, a partir de imunológico", evitando a atrofia dos enterócitos. O trato gastrointestinal
outras fontes. abriga 50% de todo o tecido linfoide do organismo e é responsável por 80%
das imunoglobulinas produzidas. Dessa forma, quanto maior for a atrofia da
mucosa enteral, menor será a produção de imunoglobulinas, o que contribui
Balanço nitrogenado = nitrogênio ingerido - nitrogênio perdido (urina para a incidência aumentada de infecções nosocomiais em pacientes
90%, fezes 5%, tegumento 5%) desnutridos que não utilizam o trato gastrointestinal. Nesses casos, assim
que o trato gastrointestinal recuperar sua plena função, a administração de
nutrientes passará a ser totalmente realizada pela via entérica.
Para sabermos o quanto de nitrogênio está sendo ingerido, basta dividirmos
a quantidade de proteínas ingeridas por 6,25, não é mesmo? O nitrogênio
eliminado na urina representa o NUU. Desta forma, o balanço nitrogenado é DIETA ENTERAL
determinado da seguinte maneira:
A dieta enteral, quando passível de administração, é sempre melhor do que
a parenteral, e deve ser iniciada precocemente, isto é, em 24 a 48 horas da
admissão. Trabalhos comparando as vias de administração de suporte
Balanço nitrogenado = PTN ingerida/6,25 - NUU - 2 (perdas por fezes
nutricional em pós-operatório demonstraram diminuição nas taxas de
e pele) - 2 (perdas por outras fontes não ureicas)
infecção. Todavia, estudos não evidenciaram benefício da dieta enteral,
comparada a simples administração de soluções glicosadas, quando
utilizada nos primeiros dias de pós-operatório em pacientes bem nutridos
(albumina ≥ 4,0 g/dl).
ABORDAGEM À NUTRIÇÃO ARTIFICIAL
A decisão em iniciar terapia nutricional (ou terapia médica nutricional) tem A alimentação enteral mantém a função imunológica intestinal, a atividade
como base parâmetros como história, níveis de proteínas viscerais, neuronal e promove a síntese e liberação de hormônios gastrointestinais,
magnitude da perda ponderal e demais fatores (Tabela 3). O que sabemos como o fator de crescimento epidérmico; este último aumenta o trofismo
hoje em dia é que a nutrição enteral apresenta uma eficácia superior à dos enterócitos (células epiteliais pertencentes à mucosa do delgado). A
parenteral, principalmente em doentes sépticos ou em vítimas de prevenção da atrofia da mucosa entérica reduz a probabilidade de
queimaduras extensas. A utilização do trato digestivo é benéfica, pois translocação bacteriana. Nos doentes em nutrição enteral observa-se uma
mantém o trofismo da mucosa e ainda permite o funcionamento adequado menor taxa de síntese de proteínas de fase aguda...
do fígado. É só lembrarmos que tudo que é absorvido pelo delgado "cai na
circulação porta" e chega aos hepatócitos. O intestino delgado, principal sítio de absorção de nutrientes, não tolera
soluções com osmolaridade aumentada. Quando nos alimentamos, o bolo
alimentar permanece no estômago, sofre a ação do ácido clorídrico e de
As necessidades calóricas diárias são calculadas tendo como base o GEB do Fórmulas Monoméricas ou Elementares
paciente, calculado tanto pela CI (mais preciso), quanto pela fórmula de
Harris-Benedict. Geralmente, se encontra em torno de 25 a 30 kcal/kg/dia. A "proteína" se encontra sob forma de aminoácidos. São preparados
Na maioria dos doentes críticos uma relação de 80 a 100 kcal/g de hiperosmolares, além de mais caros. A absorção intestinal é facilitada.
nitrogênio ofertado é o suficiente.
Fórmulas Especiais
FÓRMULAS ENTERAIS São preparações específicas direcionadas para algumas doenças de base,
como insuficiência renal, Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC),
A distribuição calórica (Valor Calórico Total ou VCT) é determinada da
insuficiência hepática etc. Por exemplo, pacientes renais devem receber uma
seguinte forma: proteínas correspondem a cerca de 10 a 15% do VCT;
composição pobre em potássio, magnésio e fósforo; além disso, os
carboidratos representam 50 a 60% do VCT; e lipídios aproximadamente 25
aminoácidos administrados devem ser essenciais.
a 35% do VCT.
Os tipos básicos de fórmulas podem ser classificados de acordo com a sua IMUNONUTRIÇÃO
composição nutricional em:
Alguns aminoácidos apresentam importante função imunomoduladora,
sendo fundamental sua prescrição em fórmulas enterais, sobretudo em
Completas pacientes críticos.
Fórmulas Poliméricas
A arginina é um aminoácido que estimula a função de linfócitos T, auxilia
no processo de cicatrização de feridas e é um importante secretagogo para
diversos hormônios, como glucagon, prolactina e GH. Todavia, estudos
científicos recentes empregando o uso de soluções enterais ricas em
arginina têm demonstrado resultados contraditórios; alguns ainda descrevem
benefício com o uso destas soluções em pacientes críticos (principalmente
queimados), enquanto outros citam uma não redução de complicações
infecciosas ou até mesmo um aumento na mortalidade...
Sonda Nasogástrica
Sonda Nasoentereal
Sonda de Dobbhoff
O livro-texto Sabiston Textbook of Surgery afirma que não existe
É utilizada mais frequentemente devido ao seu menor calibre e maior diferença na incidência de broncoaspiração entre a alimentação nasogástrica
conforto. Uma vez passada, pode ser progredida distalmente ao piloro com e a nasoentérica pós-pilórica, argumentando que o esfíncter esofagiano
auxílio da endoscopia digestiva alta. Pacientes com gastroparesia e aqueles inferior permanentemente aberto pela sonda seja o principal mecanismo
com pancreatite aguda deverão receber obrigatoriamente suporte enteral em gerador do refluxo (e consequente aspiração). Todavia, outro livro-texto de
posição pós-pilórica. Em casos de pancreatite aguda, o ideal é que a sonda cirurgia, Schwartz Principles of Surgery, afirma categoricamente que a
seja posicionada além do ângulo de Treitz (junção do duodeno com o extremidade distal da sonda em intestino delgado reduz a incidência de
jejuno), para que se reduza o estímulo à produção de secreções pelo broncoaspiração em 25%. Em um fato todos concordam: a elevação da
pâncreas, mantendo o órgão "em repouso". cabeceira da cama em um ângulo de, pelo menos, 45°, reduz a incidência de
broncoaspiração.
Diversas complicações podem surgir com o uso das sondas nasoentéricas:
pneumotórax, sinusite, erosões gástricas e esofágicas, estenose de esôfago,
Gastrostomia
bradiarritmias, broncoaspiração e erro em posicionamento da extremidade
distal (Figura 1), estenose de esôfago, bradiarritmias e broncoaspiração. Pacientes com previsão de nutrição enteral prolongada (> 4 semanas) devem
ser submetidos à gastrostomia; esta pode ser realizada tanto por via
cirúrgica quanto endoscópica percutânea (Figura 2). Devido a um menor
custo e morbidade, a Gastrostomia Endoscópica Percutânea (GEP) tem sido
o procedimento de escolha na maior parte dos pacientes. Todavia, este
método não demonstrou diminuição nas complicações quando comparado
ao acesso cirúrgico. Um fator que pode limitar a escolha da via percutânea é
história de cirurgia prévia no abdome superior, condição que aumenta o
risco do surgimento de falsos trajetos. Existem algumas contraindicações
absolutas e relativas à GEP (Tabela 4).
A Nutrição Parenteral (NP) é recomendada em pacientes com trato
gastrointestinal não funcionante ou em situações onde este necessite de
repouso, com jejum previsto para um período de sete dias ou mais. A NP
também está indicada em indivíduos que possuam a via entérica
parcialmente funcionante, sendo, portanto, incapazes de receber um volume
de dieta correspondente às necessidades calóricas diárias.
FIG. 2 Gastrostomia endoscópica percutânea. Quando calculamos a solução de NP, temos como base a quantidade de
proteína a ser administrada, uma vez que é este o componente fundamental
em nosso organismo que está sendo degradado pela resposta à agressão. A
partir de então, completamos a solução acrescentando carboidratos e
lipídios em devidas proporções, na dependência da cada situação metabólica
Ao contrário do que muitos pensam, a GEP pode ser realizada nos seguintes INDICAÇÕES CLÍNICAS DA NUTRIÇÃO
casos: ascite previamente drenada, gastrite na parede anterior (resolvida PARENTERAL
com tratamento), presença de derivação ventriculoperitoneal, presença de
diálise peritoneal e cirurgia abdominal prévia. Devido às suas diversas complicações e elevado custo, a NP não é prescrita
para todos os pacientes que possuam deficit nutricional. Uma indicação
comum é a prescrição de NP em indivíduos que não conseguem atingir suas
Jejunostomia
metas calóricas totais utilizando apenas a via enteral, como em casos de
Indivíduos em nutrição enteral prolongada devem se submeter à distúrbios absortivos e de processos inflamatórios intestinais. Contudo,
gastrostomia ou à jejunostomia. Pacientes com retardo no esvaziamento existem situações onde a NP deve ser recomendada de forma exclusiva, ou
gástrico, refluxo frequente e episódios de aspiração devem ter a seja, o paciente apresenta contraindicações à nutrição enteral (Tabela 5).
jejunostomia como método de escolha. A jejunostomia pode ser cirúrgica
(mais frequente) ou ser realizada através de via percutânea – como uma
extensão da gastrostomia, com a sonda sendo posicionada por via
TAB. 5: INDICAÇÕES DE USO EXCLUSIVO DE NUTRIÇÃO
PARENTERAL.
endoscópica distalmente ao ângulo de Treitz.
Falência Hepática Na presença de infecção, o acesso venoso central deverá ser retirado e
Pacientes hepatopatas têm grande deficiência de nutrientes, devido a abuso devem ser coletadas amostras de hemocultura pela via central do cateter e
de álcool e diminuição da ingesta de alimentos. A NP enriquecida com por veia periférica. Caso persistam sinais clínicos de processo infeccioso e a
aminoácidos de cadeia ramificada é capaz de melhorar o quadro de hemocultura seja positiva, a terapia específica deve ser iniciada.
encefalopatia, sendo tão eficaz quanto à lactulose e à neomicina. Além
disso, seu uso perioperatório pode ser benéfico na diminuição das Complicações Metabólicas
complicações decorrentes de ressecções hepáticas.
Hiperglicemia e hiperosmolaridade plasmática podem ser observadas.
Comumente são ocasionadas pelo excesso de dextrose ou por situações de
Enterite Aguda por Radiação estresse metabólico (ex.: sepse). É sempre importante, em qualquer doente
A NP deve ser ofertada a esses pacientes até que a mucosa intestinal tenha em terapia nutricional, que a glicemia seja controlada de forma rigorosa. É a
se recuperado por completo. Glutamina enteral pode ser administrada para mesma regra que empregamos em pacientes críticos. Níveis maiores que
tratamento dessa condição. Todavia, só podemos utilizar este aminoácido se 400 mg/dl obrigam a interrupção da NP. A hipoglicemia também pode
a probabilidade de cura da neoplasia maligna for alta, uma vez que a ocorrer, sendo relacionada à administração excessiva de insulina ou
glutamina também funciona como "combustível" para células do câncer. interrupção brusca da infusão de NP.
Câncer
As principais alterações gastrointestinais são encontradas em fígado e Ao administrarmos nutrientes de forma intempestiva, alteramos
vesícula biliar. bruscamente o metabolismo. Com o retorno da dieta, ocorre de forma súbita
uma verdadeira hipersecreção pancreática de insulina somada à produção de
NP prolongada pode levar a alterações em provas laboratoriais hepáticas. energia; o resultado é o retorno do funcionamento das bombas de
Existe aumento de enzimas como a gama Glutamil Transpeptidase (gama membrana, impulsionando o fosfato e o potássio de volta ao meio
GT) e a fosfatase alcalina. O significado dessas alterações é incerto. O intracelular, fenômeno que leva a hipofosfatemia e a hipocalemia.
aumento dos níveis de gama GT ocorre já na primeira semana de instituição
da dieta, com elevação progressiva até a quarta semana. A fosfatase alcalina A redução intensa do fosfato plasmático promove destruição de hemácias na
começa a se elevar por volta da segunda semana, porém em níveis microcirculação, um quadro de disfunção orgânica e morte em
proporcionalmente menores quando comparados aos da gama GT. Muitos aproximadamente 60% dos casos. Insuficiência cardíaca, arritmias graves,
destes pacientes apresentam achados a ultrassonografia compatíveis com disfunção diafragmática com insuficiência respiratória, alterações
esteatose do fígado. funcionais hepáticas, rebaixamento do nível de consciência, mioclonias,
delírio e convulsões são encontrados em combinações variadas. Muitos
A distensão da vesícula biliar é encontrada em pacientes em NP exclusiva. desnutridos já apresentam deficiência de tiamina (vitamina B1). Com a
Sabemos que a contração da vesícula (e seu esvaziamento) é estimulada realimentação, a tiamina passa a ser utilizada e consumida no interior das
pela presença de alimentos em delgado. A distensão permanente do órgão células, fenômeno que precipita sua carência de forma aguda, ocasionando
pode estar associada ao desenvolvimento de processos como colecistite encefalopatia de Wernicke. Uma vez instalada, a síndrome de realimentação
aguda alitiásica, sobretudo em doentes críticos. muitas vezes é irreversível, mesmo com a reposição tardia desses eletrólitos.
CIRURGIA REPARADORA
ENXERTOS
Homoenxertos ou Aloenxertos
Heteroenxertos ou Xenoenxertos
Como não é necessário o fechamento da área doadora, poderemos retirar
São provenientes de seres de espécies diferentes e funcionam apenas como uma quantidade maior de tecido de diversas regiões do corpo. Sendo assim,
curativos biológicos de caráter transitório. os enxertos parciais são muito úteis quando precisamos cobrir áreas
extensas, como no paciente grande queimado e nas úlceras de pressão.
Além disso, podemos aumentar ainda mais a dimensão do enxerto, bastando
De acordo com a sua espessura, os enxertos são divididos em:
apenas utilizá-lo sob a forma de malha. Para que isso aconteça, o enxerto
retirado da área doadora é processado em um aparelho específico que o
Enxertos de Pele Total ou Enxertos Totais
transforma em uma espécie de "rede" (Figura 3).
RETALHOS
Como a pele transferida não possui vascularização própria, todo
enxerto deve ser colocado sobre uma área de boa vascularização. Os retalhos são muito utilizados para reconstruções em cirurgia plástica.
Ausência de tecidos desvitalizados e de infecção na região receptora Podemos caracterizá-los como transplantes pediculados de tecidos que
são outros fatores essenciais para o sucesso do enxerto. possuem seus próprios vasos, não dependendo, portanto, da vascularização
da área receptora.
A forma como esses defeitos (ou feridas) são tratados depende de sua
O QUE É O FENÔMENO DE CONTRAÇÃO DO ENXERTO? localização e de seu tamanho; outros fatores que devem ser levados em
O enxerto, após sua retirada da área doadora, sofre um fenômeno conhecido consideração incluem a morbidade funcional que acarretará o retalho, a
como contração. A contração primária ocorre logo após esta retirada, sendo qualidade estética da reconstrução, as comorbidades subjacentes e o desejo
COMPOSIÇÃO
Retalhos Simples
Retalhos Compostos
FORMA DE TRANSFERÊNCIA
FIG. 9 Paciente com defeito em face sendo tratado com retalho de ÚLCERAS DE PRESSÃO
rotação.
Como vimos antes, as Úlceras de Pressão (UP) são consideradas feridas
complexas. São conhecidas como úlceras de decúbito ou simplesmente
escaras. Todavia, o termo úlcera de decúbito não traduz completamente a
realidade, uma vez que estas lesões ocorrem também em pacientes não
Vascularização
acamados. Muitos autores também não consideram o termo escara como
A vascularização do retalho pode ser feita de forma axial, livre (por sinônimo de UP. Para estes, escara significa apenas tecido desvitalizado ou
microcirurgia) ou randomizada (Figura 10). necrose seca.
● Limitação de movimentos.
● Desnutrição.
● Idade avançada.
● Perda de sensibilidade.
● Umidade local.