Livro Descomplicando MBE 2a Edicao
Livro Descomplicando MBE 2a Edicao
Livro Descomplicando MBE 2a Edicao
MBE
uma abordagem
prática da
EDICINA
ASEADA em
VIDÊNCIAS
2a Edição editora
Revista e Ampliada
2a Ediçõo
Revista e Atualizada
Henrique de Paula Bedaque
Elaine Lira Medeiros Bezerra
(orgs.)
editora
Natal, 2021
editora
©2021. Henrique de Paula Bedaque e Elaine Lira Medeiros Bezerra (orgs.). Reservam-se os direitos e responsa-
bilidades do conteúdo desta edição aos autores. A reprodução de pequenos trechos desta publicação pode
ser realizada por qualquer meio, sem a prévia autorização dos autores, desde que citada a fonte. A violação dos
direitos do autor (Lei n. 9610/1998) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.
D448
492 p. : il.
1. Medicina 2. Saúde. I. Bezerra, / Bedaque, Henrique de Paula (Org.). II. Elaine Lira Medeiros.
(Org.).
RN CDU 616
A P R E SE N TAÇÃO, 13
MÓDULO 1
C A P ÍT U LO 1 – F U N DA M E N TOS D O
P E NSA M E N TO C I E N T ÍF ICO, 17
Henrique de Paula Bedaque
Maria Paula Ribeiro Dantas Bezerra
C A P ÍT U LO 2 – P E RGU N TA S C L ÍN IC A S, 27
Augusto de Galvão e Brito Medeiros
Ferdinand Saraiva Maia
Frederico Batah El-Feghaly
Luis Henrique Silveira Rocha Barbosa
MÓDULO 2
C A P ÍT U LO 3 – E ST U D OS E P I DE M IOLÓGICOS –
CONC E I TOS GE R A I S, 43
Adrian Lucca Guimarães Caldeira
Dyego Leandro Bezerra de Souza
Henrique de Paula Bedaque
Thomas Diniz Papa
C A P ÍT U LO 4 – E ST U D OS ECOLÓGICOS, 57
Dyego Leandro Bezerra de Souza
Géssika Lanzillo de Almeida Nunes
Henrique de Paula Bedaque
Yasmin de Medeiros Carvalho
C A P ÍT U LO 5 – SÉR I E S T E M P OR A I S, 67
Dyego Leandro Bezerra de Souza
Henrique de Paula Bedaque
Thomas Diniz Papa
C A P ÍT U LO 6 – E ST U D OS SECC IONA I S, 77
Dyego Leandro Bezerra de Souza
Henrique de Paula Bedaque
Luiz Cândido da Silva Júnior
CA PÍT U LO 7 – EST U DO
QUALI TAT IVO EM SAÚDE , 85
Adrian Lucca Guimarães Caldeira
Dyego Leandro Bezerra de Souza
Henrique de Paula Bedaque
C A P ÍT U LO 8 – E ST U D O DE CO ORT E , 95
Ferdinand Gilbert Saraiva da Silva Maia
Henrique de Paula Bedaque
Melissa Yolanda Soares Melo
C A P ÍT U LO 9 – C A S O -CON T ROLE , 111
Cinthia Maria Cibelle de Lima Souza
Ferdinand Gilbert Saraiva da Silva Maia
Luiz Cândido da Silva Júnior
C A P ÍT U LO 10 – E NSA IO C L ÍN ICO, 117
Letícia Goes da Silva Henrique de Paula Bedaque
Maria Paula Ribeiro Dantas Bezerra
Marília de Almeida Cardoso
C A P ÍT U LO 11 – R E V I SÃO SI ST E M ÁT IC A , 133
Géssika Lanzillo de Almeida Nunes Henrique de Paula Bedaque
Isadora Soares Lopes
Marília de Almeida Cardoso
C A P ÍT U LO 12 – M E TA NÁL I SE , 149
Alana Dantas de Melo
Beatriz Aguiar da Silva Carvalho
Henrique de Paula Bedaque
Isadora Soares Lopes
Marília de Almeida Cardoso
C A PÍT U LO 13 – H I E R A RQU I A DA S EV I DÊNC I A S, 165
Ferdinand Gilbert Saraiva da Silva Maia
Letícia Goes da Silva
Luis Henrique Silveira Rocha Barbosa
Pedro Henrique Almeida Fraiman
C A P ÍT U LO 14 – DI R E T R I Z E S, 173
Ferdinand Gilbert Saraiva da Silva Maia
Frederico Galvani Harckbart Carvalho
Henrique de Paula Bedaque
Yasmin de Medeiros Carvalho
C ÁP I T U LO 15 – E ST U D OS DE NÃO -
I N F E R IOR I DA DE , 181
Ana Karenina Carvalho de Souza
Henrique de Paula Bedaque
Iana Fernanda de Medeiros Cabral
Juliana Soares Pimenta
C A P ÍT U LO 16 – E ST U D OS DE M U N D O R E A L , 197
Breno C. C. Simas
Clause Willdys Medeiros Dantas
Henrique de Paula Bedaque
Maria Tamyres de Carvalho Freitas
MÓDULO 3
C A P ÍT U LO 17 – A NÁL I SE S E STAT ÍST IC A S, 211
Beatriz Aguiar da Silva Carvalho
Henrique de Paula Bedaque
Ítalo Medeiros de Azevedo
MÓDULO 4
C A P ÍT U LO 18 – SE NSI BI DA DE
E E SP EC I F IC I DA DE , 273
Ítalo Medeiros de Azevedo
João Victor de Sousa Cabral
Ugor Tomaz Fernandes
C A P ÍT U LO 19 – VA LOR P R E DI T I VO, 283
João Victor de Sousa Cabral
Melissa Yolanda Soares Melo
Ítalo Medeiros de Azevedo
C A P ÍT U LO 20 – AC U R ÁC I A , 301
Henrique de Paula Bedaque
Ítalo Medeiros de Azevedo
Luiz Cândido da Silva Júnior
C A P ÍT U LO 21 – C U RVA RO C , 309
Ítalo Medeiros de Azevedo
Pedro Henrique Almenida Fraiman
Ugor Tomaz Fernandes
C A P ÍT U LO 22 – C AUSA L I DA DE , 315
Ferdinand Gilbert Saraiva da Silva Maia
Frederico Galvani Harckbart Carvalho
Henrique de Paula Bedaque
C A P ÍT U LO 23 – E STAT I ST IC A A P L IC A DA
A E ST U D OS P ROGNÓST ICOS, 325
Breno C C Simas
Clause Willdys Medeiros Dantas
Ferdinand Saraiva Maia
Juliana Soares Pimenta
Maria Paula Ribeiro Dantas Bezerra
C A P ÍT U LO 24 – SC R E E N I NG E
OV E R DI AGNOSI S, 345
Breno C C Simas
Ferdinand Saraiva Maia
C A P ÍT U LO 25 – O A RT IG O C I E N T ÍF ICO, 361
Beatriz Aguiar da Silva Carvalho
Elaine Lira Medeiros Bezerra
Henrique de Paula Bedaque
C A P ÍT U LO 26 – COMO P E S QU I SA R
E M BA SE S DE E V I DÊNC I A S?, 399
Cinthia Maria Cibelle de Lima Souza
Elaine Lira Medeiros Bezerra
Frederico Batah El-Feghaly
Pedro Henrique Almeida Fraiman
C A P ÍT U LO 27 – COMO A NA L I SA R
U M A RT IG O C I E N T ÍF ICO?, 411
Ana Karenina Carvalho de Souza
Henrique de Paula Bedaque
Isadora Soares Lopes
Maria Tamyres de Carvalho Freitas
C A P ÍT U LO 28 – E R ROS E V I E SE S, 455
Augusto de Galvão e Brito Medeiros
Henrique de Paula Bedaque
Isadora Soares Lopes
Maria Paula Ribeiro Dantas Bezerra
SOBR E OS QU E CON T R I BU I R A M
COM E STA P U BL IC AÇÃO, 487
PREFÁCIO
Eduardo Lapa
Cofounder do Cardiopapers
Doutor e mestre pela Universidade Federal de Pernambuco-UFPE
N
o início do século 15, menos de 10% da popu-
lação sabia ler. Além disso, o acesso a livros
era bem limitado, já que todos os materiais
eram produzidos à mão, o que tornava um livro um item de
luxo. Com a inovação da prensa de Gutenberg, o preço de
livros e de outros materiais impressos caiu rapidamente. O
conhecimento foi disseminado como nunca. Contudo, mesmo
após mais de 500 anos, uma grande parte da população sabe
ler letras e palavras, mas não sabe interpretar adequadamente
as informações contidas no texto.
O que isso tem a ver com medicina? Tudo. Se formos
avaliar como era a disseminação de informação médica até
poucas décadas atrás, a dificuldade para se ter acesso a um
artigo médico era enorme. Lembro que, nas décadas de 90 e
mesmo de 2000, vi meus pais pedindo artigos médicos em
inglês por meio de cartas que demoravam semanas para
11
chegar ao destinatário. Muitas vezes, transcorriam meses
entre o pedido inicial do artigo e a pessoa de fato estar com
o material em mãos para leitura.
Com a evolução da internet e das redes sociais, o que
vemos, atualmente, é exatamente o contrário. Uma avalan-
che de artigos científicos inunda os grupos de aplicativos,
e-mails e feeds. Contudo, a facilidade de acesso a artigos
não eliminou um problema importante: a maioria dos pro-
fissionais de saúde simplesmente não recebeu o treinamento
para interpretar um artigo científico da forma adequada. De
pouco adianta a pessoa ler abstract, introdução, materiais e
métodos e outras sessões de um artigo se, ao final da leitura,
ela não consegue avaliar aquela informação de forma crítica
e embasada. Como a maioria dos profissionais de saúde
carecem dessa formação, terminam se tornando dependentes
de terceiros para saber se aquele determinado artigo tem
potencial de mudar a prática clínica de fato.
Como mudar isso? A educação é o caminho. Nos
últimos anos, temos visto várias fontes digitais e analógi-
cas surgindo para facilitar o ensino da tão falada medicina
baseada em evidências, fontes como o atual livro, que almeja
traduzir, de forma didática, informações que muitos podem
considerar pouco convidativas, como conceitos estatísticos.
Parabenizo os autores (acadêmicos de medicina e professores
da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN)
pela iniciativa e espero que o livro ajude os estudantes e
profissionais de saúde na jornada de interpretação de estudos
científicos.
12
APRESENTAÇÃO
E
ste manual foi construído com o propósito de
ser um meio de consulta prática para sistema-
tizar a leitura de artigos científicos, compreen-
dendo suas divisões e orientando a retirada de informações
essenciais. Ao mesmo tempo, objetiva proporcionar um
maior aprendizado e reflexão sobre a ciência envolvida nos
artigos científicos e sua importância no meio acadêmico e
profissional.
Sobre o grupo idealizador do livro:
O Programa de Educação Tutorial do curso de Medicina
da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN),
Campus Natal – PET Medicina UFRN – é um grupo formado
por estudantes de medicina orientados por uma docente,
médica. O grupo promove diversas atividades de ensino,
pesquisa e extensão universitária com o intuito de atuar como
um agente ativo no processo de formação acadêmica dos
estudantes da graduação e de promover atividades educativas
para a população em geral. Mais informações sobre o PET
Medicina UFRN podem ser acessadas pelo site petmedufrn.
webnode.com.
13
Todos os exemplos e números apresentados neste
manual são fictícios ou meramente ilustrativos, sem apre-
sentar qualquer relevância científica; todos os gráficos e
tabelas são criações autorais dos autores deste manual.
14
MÓDULO 1
FUNDAMENTOS DO
PENSAMENTO
CIENTÍFICO
UM COMEÇO
N
ão objetivamos entrar no mérito da história do
pensamento científico, discutir como filósofos
saíram das crendices e das mitologias e cons-
truíram uma metodologia para a criação de conhecimento
de forma sistemática. Vamos ser práticos! Da mesma forma
que um texto jurídico tem uma linguagem apropriada para
pessoas da área do direito e que um prontuário médico só
será completamente entendido por profissionais da saúde,
um artigo científico é um texto escrito de cientistas para
cientistas.
Assim, se queremos entender a linguagem do artigo
que estamos lendo temos que, de certa forma, virar cientistas
17
e pensar como eles. É exatamente por isso que esse capí-
tulo se tornará tão importante: ao fim dele você será capaz
de entender por que somos céticos, por que falamos tanto
na hipótese NULA quando aquela que “muda vidas” é a
alternativa.
Vamos lá.
18 DESCOMPLICANDO MBE
Ao se aproximar cada vez de forma mais lenta o cético percebe
que quanto mais próximo, mais quente fica a sua mão.
Vocês notaram o que essa história nos pode mostrar?
Ser cético não significa deixar de aproveitar, descobrir ou
inventar. Significa que iremos “descobrir” algo da maneira
mais segura e confiável possível. Indo adiante, um cientista
vai além de apenas descobrir, ele quer aplicar o seu conhe-
cimento. Vamos continuar a história:
O homem da caverna pensa: Se minha mão ficou bem quente
quando estive perto do fogo, será que a mesma coisa ocorre
quando coloco um pedaço de animal?
Opção 1: O pedaço ficará quente.
Opção 0: Nada irá ocorrer.
Diante dessa dúvida, o cético coloca um pequeno
pedaço de carne próxima ao fogo e espera. Após
alguns minutos ele percebe que o pedaço de carne
também estava quente.
• Em primeiro lugar, por que o homem não colocou
toda a sua carne próxima ao fogo? Pois um cientista
é cético! Ele não aposta todas as suas cartas de uma
só vez. Um cientista está preparado para o fracasso,
para hipótese nula, está preparado para recomeçar.
• O segundo ponto é, por que ele teve dúvida se a carne
também ficaria quente? Por que ciência não é intuição,
não é suposição. Ciência é ser cético, é ter dúvida e só
acreditar na hipótese alternativa após ela ser testada.
Ser cético é ter dúvidas que podem ser testadas, mas
ao testá-las, não iremos acreditar na ideia (hipótese nova ou
Fundamentos do pensamento 19
alternativa) iremos sempre tentar refutar o que é a verdade
atual. Como assim?
Imagine que vivemos num mundo branco e preto (tudo só
pode ter essas cores). Um cético olha uma parede (que é
branca) e pergunta: Qual a cor dessa parede?
Ele olha para a roupa dele, que é sabidamente preta, e compara
com a parede. Assim, constrói duas hipóteses:
Essa cor não é preta (H0).
Essa cor é preta (H1).
Ao comparar com a parede ele percebe que a cor não é parecida
com a de sua roupa, logo e conclui:
Essa cor não é preta (H0).
Por fim, como o mundo que ele vive só tem duas cores ele
conclui: Se tudo que não é preto tem que ser branco, a cor
dessa parede é branca.
Algumas dúvidas podem ficar. Afinal por que o H0 é
“essa cor não é preta” e o H1 é “essa cor é preta”? Isso ocorre
pois o cético só tem uma roupa preta como instrumento
de comparação! Entenda: esse instrumento é como uma
ferramenta de pesquisa, análise estatística, limitações de
medição! Se ele só consegue comparar com o preto só há
uma pergunta que ele pode fazer:
A cor dessa parede é preta?
Diante dessa pergunta, fica mais fácil notar quais as
possibilidades de hipóteses:
H1: A hipótese de ter a cor da possível comparação
(preto).
20 DESCOMPLICANDO MBE
H0: A hipótese nula seria a nulidade da H1! Mostrando
que a H1 está errada.
Além disso, é importante que você note que em nenhum
momento o cético acreditou que a parede era preta. O que
ocorreu é que como o instrumento de medição/comparação
dele era o preto, não lhe restou outra opção a usar o preto
como comparador para caracterizar a cor da parede!
Vamos longe! Ao testar uma droga nova, devemos
comparar seu uso, preferencialmente ao uso de placebo. Isso
não quer dizer que acreditamos no placebo – ou na droga
nova. Quer dizer que, para saber se a ela funciona, eu preciso
de um instrumento de avaliação – e comparação – do qual
eu disponha no momento!
O que fica após essa conversa franca: O pensamento
científico não toma partido, não pressupoe resultados. Ele
cria mecanismos, dentro de sua limitação, para afastar ou
não a hipótese nula!
Fundamentos do pensamento 21
pulmão, o hábito de de fumar e sua associação com câncer
de pulmão.
Vamos fazer a primeira pergunta: Comer laranja está asso-
ciado com câncer de pulmão?
H0: Não está associado.
H1: Está associado.
O resultado estatístico dá: p=0.60. O que isso significa? Que
há 60% de chance da hipótese H0 ser a verdade! Isso mesmo,
sempre que falamos o valor p é com referência a hipótese H0
(que é responsável pelo acaso, pela NÃO associação nesse
caso).
Vamos lá, você certamente concorda que se em 60%
dos casos comer laranja não está associado com câncer de
pulmão é muito mais provável que comer laranja realmente
não esteja associado. Lembrando que se estivermos buscando
uma relação de causa e efeito temos que avaliar outros pontos
além da relação estatística (para entender melhor os conceitos
de causa e efeito, consulte nosso capítulo de causalidade).
Então fica a dúvida: A partir de qual probabilidade de
a H0 ser verdade eu começo a acreditar que a verdade é a H1?
É agora que nasce o número 5% (o famoso p<0,05 visto
nos artigos). Saiba que esse número foi escolhido de forma
arbitrária, em uma convenção. Convencionou-se que se hou-
vesse menos de 5% de chance da hipótese nula ser correta,
a rejeitaríamos e aceitaríamos a hipótese alternativa como
verdadeira. Vamos ver o próximo exemplo para entender
melhor:
22 DESCOMPLICANDO MBE
Fizemos um estudo de Coorte comparando comer laranja
e sua associação com câncer de pulmão e de fumar e sua
associação com câncer de pulmão.
Vamos fazer a segunda pergunta: fumar está associado com
câncer de pulmão?
H0: Não está associado.
H1: Está associado.
O resultado estatístico dá: p=0.01. O que isso significa? Que
há 1% de chance da hipótese H0 ser a verdade! Isso mesmo,
sempre que falamos o valor p é com referência a hipótese
H0 (que é responsável pelo acaso, pela NÃO associação
nesse caso).
Vamos lá, se só em 1% dos casos a H0 se torna ver-
dade, é muito mais provável que a hipótese verdadeira seja
a H1 (onde há associação entre fumar e câncer de pulmão).
Seguindo a convenção do p<0,05 estaríamos procurando
uma probabilidade de H0 menor que 5%. Como 1% (achado
da pesquisa) é menor que 5% temos que, por convenção, a
hipótese escolhida é a H1!
Gostaria de reforçar! O p valor é uma probabilidade da
H0 (hipótese nula) ser a verdade. Lembra da parede não ser
preta? Então, quando temos que o p=0.01 (ou 1% de chance
de H0) refutamos a hipótese H0, logo, só sobra a hipótese H1!
Novamente, o cientista não fez a pesquisa pensando na
hipótese alternativa, pois ele é cético! O cético tenta sempre
descartar a hipótese NULA! Refutando a nula é que podemos
chegar na alternativa.
Fundamentos do pensamento 23
A partir de agora certamente você irá ver cada p de
uma forma diferente!
CABEÇA PENSANTE
CONCLUSÃO
24 DESCOMPLICANDO MBE
é importante pois o cético questiona a nulidade, questiona
o acaso. Caso ele refute a nulidade é que ele poderá chegar
na possibilidade da H1 ser a verdade!
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Fundamentos do pensamento 25
PERGUNTAS
CLÍNICAS
CONCEITUAÇÃOԝ
N
a prática clínica, o constante contato do médico
com os pacientes e suas diversas apresenta-
ções leva à formulação de questionamentos
relativos a quais decisões clínicas devem ser tomadas: as
Perguntas Clínicas.
Durante o processo de assistência e diante do apa-
recimento de problemas, torna-se frequente o surgimento
de perguntas e inquietações científicas. Para termos uma
ideia, o médico, em seu atendimento cotidiano a pacientes,
formula, aproximadamente, uma nova pergunta clínica a
cada 02 pacientes que atende (0,57 por paciente, mais pre-
cisamente). Quando há o empenho em se buscar a resposta
27
para essas perguntas, em torno de 80% das vezes a resposta é
obtida na literatura médica. Isso se torna fundamentalmente
importante, pois esse procedimento é essencial na definição
de intervenções e na melhoria do cuidado.
Mas que tipo de perguntas são essas? Ao se deparar
com um Problema de Caso, algumas delas são instantâneas
no raciocínio:
• “De que forma consigo fazer o diagnóstico para essa
provável doença?”
• “Como se dá a evolução natural desta patologia?”
• “Qual intervenção terapêutica deve ser minha escolha
nesse caso?”
• “Minha intervenção pode trazer malefícios?”
A partir disso, essas perguntas foram sistematizadas
em categorias que explicitam o seu principal objetivo de
pesquisa.
Figura 1 – Perguntas Clínicas
28 DESCOMPLICANDO MBE
A busca de suas respostas envolve a literatura médica
clássica e as novas evidências científicas. Enquanto o livro-
-texto é capaz de ofertar a descrição panorâmica de uma
determinada condição, a Formulação de uma Pergunta
Clínica parte de um ponto específico e tem como objetivo
tentar elucidar um determinado aspecto da mesma condição.
Ou seja, são formas distintas de se promover a obtenção de
conhecimento, mas certamente complementares.
Entretanto, a busca de uma resposta enfrenta algumas
barreiras: o tempo necessário para a formulação e a obtenção
de fontes de conhecimento; a abundância das informações; a
complexidade do caso clínico; a dificuldade operacional na
formulação de uma pergunta funcional. O esforço individual
e o interesse médico se mostram essenciais na aplicação
dessa metodologia.
Portanto, o processo de suscitar raciocínios, formu-
lar Perguntas Clínicas e buscar suas respostas, em bases
científicas, demanda esforço profissional e reflete uma
habilidade necessária para a prática médica baseada em
evidências: uma competência fundamental para exercer a
medicina e se manter atualizado. O aprendizado extraído a
partir dessas perguntas é continuamente construído através
da busca científica atualizada e direcionado para o que se
pretende aprender. Possibilita-se, a partir disso, a obtenção
de informações científicas essenciais à assistência médica e
à construção de um aprendizado constante.
Perguntas Clínicas 29
TIPOS DE PERGUNTAS CLÍNICAS E OS
RESPECTIVOS DESENHOS DE ESTUDOԝ
P E RGU N TA D I AG N ÓS T I C A
P E RGU N TA PRO G N ÓS T IC A
30 DESCOMPLICANDO MBE
dessa perspectiva, é necessário avaliar: amostra de pacientes
de uma população de interesse com e sem uma exposição
específica, que estejam em estágios comuns da doença (de
preferência no início da evolução); seguimento por um perí-
odo de tempo adequado. Portanto, estudos que respondem a
perguntas prognósticas necessariamente devem ter desenho
longitudinal.
Dessa forma, o Estudo de Coorte – idealmente con-
duzido de forma prospectiva – se apresenta como o melhor
desenho de estudo (no aspecto de maior precisão e menor
ocorrência de erros sistemáticos) para chegar a resultados
específicos e mais rigorosos. Em situações de doenças ou
exposições raras, o desenho de caso-controle pode ser uti-
lizado, com limitações inerentes. Estudos seccionais não
estabelecem relação temporal e podem no máximo ser uti-
lizados para levantar hipóteses que serão investigadas em
estudos longitudinais.
P E RGU N TA T E R A P ÊU T IC A
Perguntas Clínicas 31
grupos equilibradas); seguimento adequado (para diminuir
o risco de perda seletiva de pacientes que tiveram desfechos
negativos); cegamento (se possível) dos pacientes e dos pes-
quisadores (estudo duplo-cego), para diminuir o efeito das
expectativas em relação ao tratamento sobre o desfecho
estudado; e representação de todos os dados obtidos.
Baseando-se no que foi exposto, o desenho de estudo
ideal para que possamos responder de maneira fidedigna
essa pergunta clínica é o Ensaio Clínico Randomizado
(“Randomized Clinical Trial”, RCT) – que contempla as carac-
terísticas descritas acima.
P E RGU N TA DE DA N O
32 DESCOMPLICANDO MBE
de seguimento limitados, e eventos adversos clinicamente
relevantes, mas pouco frequentes, podem não ser visíveis.
Dessa forma, estudos observacionais, sobretudo de base
populacional, podem – pela viabilidade de abranger um
maior número de participantes – identificar danos que não
conseguimos identificar com precisão nos ensaios clínicos.
ESTRATÉGIA PICOԝ
Perguntas Clínicas 33
científicos - quando os questionamentos ainda não houverem
sido respondidos.
Como exemplo do uso rotineiro dessa estratégia,
temos a seguinte situação: na consulta de um paciente com
doença coronariana, o médico responsável questiona-se o
quanto a sinvastatina beneficia um coronariopata em reduzir
sua chance de vir a óbito. Com essa indagação, ao utilizar
o acrônimo PICO, o profissional é estimulado a elaborar
uma pergunta clínica mais objetiva, capaz de identificar os
seguintes fatores:
P - Doença arterial coronariana (População/Problema)
I - Sinvastatina (Intervenção)
C - Placebo (Comparação)
O - Mortalidade (Desfecho)
Nessa etapa, o profissional é levado a uma pergunta
terapêutica mais eficiente, apresentada de forma mais clara:
o uso de sinvastatina na doença arterial coronariana reduz
mortalidade comparado a placebo? Com os componentes
identificados, o médico, então, torna-se capaz de buscar
trabalhos científicos que contenham, nesse caso, as pala-
vras-chave (ou MeSH: Medical Subject Headings) e sinônimos
de “doença arterial coronariana”, “sinvastatina”, “placebo”
e “mortalidade” nos mecanismos de busca das bases de
artigos científicos.
Tratando-se de uma pergunta sobre os efeitos de uma
intervenção, os estudos, cujos desenhos melhor respondem
o exemplo citado, são os ensaios clínicos randomizados (ou
ainda os estudos que compilam o resultado dos ensaios, como
34 DESCOMPLICANDO MBE
as metanálises). Nesse caso específico da sinvastatina, um
importante ensaio clínico encontrado é o 4S (the Scandinavian
Simvastatin Survival Study), que investigou os efeitos da sin-
vastatina, comparado a placebo, sobre a mortalidade de 4.444
pacientes, demonstrando uma redução de 30% de óbitos.
Outras informações também podem ser muito rele-
vantes na construção de uma pergunta para pesquisa nas
bases de dados, como, o tempo de seguimento (de curto ou
longo prazo), o cenário (por exemplo, na atenção primária
ou no hospital ou em instituições de longa permanência)
e o tipo de estudo (ensaio clínico randomizado ou coorte
ou caso-controle, por exemplo, de acordo com o tipo de
pergunta). Em algumas situações, pode ser desejável guiar
sua estratégia de busca pelo acrônimo PICO-TS, em que T
representa o tempo de seguimento (timing) e S o cenário
(setting). Também pode ser válido determinar já na estraté-
gia de busca os tipos de estudos a serem pesquisados, por
exemplo, buscar apenas ensaios clínicos randomizados para
uma questão de terapia.
Em outras situações, também pode ser desejável omitir
algum dos itens do acrônimo na busca em bases de dados. Ao
realizar uma metanálise sobre alguma terapia, por exemplo,
pode ser interessante não incluir o desfecho na sintaxe de
busca, pois desfechos relevantes para a sua pesquisa podem
não ser relatados como primários (e, portanto, não farão parte
dos descritores), mas podem estar relatados no corpo do texto
ou nos anexos e serem “encontrados” após a análise detalhada
dos artigos (“busca de alta sensibilidade”). Da mesma forma,
pode não ser interessante definir um comparador especí-
fico se o objetivo é avaliar como a intervenção estudada se
Perguntas Clínicas 35
relaciona com vários outros tratamentos. O acrônimo PICO
é uma estratégia para facilitar a construção da pergunta e
a pesquisa na base de dados, mas deve ser utilizado com
adaptações para facilitar que se alcance o objetivo e não de
forma excessivamente rígida.
No quadro abaixo, são apresentados exemplos de como
diferentes tipos de pergunta, através do acrônimo PICO,
podem identificar variáveis e estudos que trazem respostas
úteis à prática clínica do profissional de saúde:
TIPO DE ESTUDO
QUESTIONAMENTO PICO
PERGUNTA IDENTIFICADO
Diagnostic accu-
racy of C-reac-
tive protein and
P - Pneumonia
p r o cal cit o n i n
(pneumonia)
in suspected
I - Procalcito-
A procalcitonina é communi-
nina
um exame acurado Diag- ty-acquired
(procalcitonin)
para o diagnóstico nóstica pneumonia
C - TC de tórax
de pneumonia? adults visiting
(CT scan)
emergency
O - Acurácia
department and
(accuracy)
having a system-
atic thoracic CT
scan
36 DESCOMPLICANDO MBE
P - Diabetes
mellitus tipo 2
(diabetes)
No DM2, qual o I - Empagliflo-
Empagliflozin,
efeito da empagli- zina
Cardiovascular
flozina em relação Terapêu- (empagliflo-
Outcomes, and
ao placebo na tica zin)
Mortality in Type
redução de morta- C - Placebo
2 Diabetes
lidade? (placebo)
O - Mor tali-
dade
(mortality)
P - Médicos
(physician)
Comparison of
I - Fatores de
Cardiovascu-
risco
lar Risk Factors
Quais fatores de (risk factor)
and Outcomes
risco aumentam a C - Popula-
A m o n g
morte cardiovas- Prog- ção geral
Practicing
cular de médicos nóstica (general
Physicians vs
comparado à population)
the General
população geral?ԝ O - Mor te
Population in
cardiovascu-
Ontario, Can-
lar
ada
(cardiovas-
cular death)
CONCLUSÃOԝ
Perguntas Clínicas 37
tecnológicos venham adaptando-se em prol de uma pesquisa
mais rápida e precisa.
Durante o processo de elaboração de Perguntas
Clínicas, a natureza dos questionamentos direciona os
profissionais ao tipo de estudo que melhor atende às suas
demandas. Nesse sentido, tais perguntas são agrupadas em
quatro grande categorias (dano, diagnóstico, terapêutica e
prognóstico), de modo que cada categoria suscita determi-
nado(s) desenho(s) de estudo mais adequado(s).
Por fim, a elaboração de Perguntas Clínicas, particular-
mente de questões que envolvem pacientes ou situações com-
plexas, pode ser facilitada através de modelos de elaboração. O
acrônimo PICO (population/problem, intervention, comparison,
outcome) é uma estratégia simples para visualizar questões
e identificar palavras-chave para a navegação em bases de
dados, otimizando a busca por evidências da literatura.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
38 DESCOMPLICANDO MBE
John Geddes, MD. Asking structured and focused clinical questions:
essential first step of evidence-based practice. Evidence-Based
Mental Health, maio 1999. EBMH.
Perguntas Clínicas 39
MÓDULO 2
ESTUDOS
EPIDEMIOLÓGICOS –
CONCEITOS GERAIS
F
alar sobre Medicina Baseada em Evidências
envolve muito mais do que o conhecimento clí-
nico de um profissional da saúde: a medicina
contemporânea tende a se apoiar, em grande parte, sobre
estudos epidemiológicos. Isso ocorre por que a Epidemiologia
serve de base para a interpretação de pesquisas e, conse-
quentemente, é a base da MBE. Trocando em miúdos, estudos
atualizados contribuem ativamente com o entendimento do
processo saúde-doença.
A Epidemiologia é o ramo das ciências da saúde que
estuda a ocorrência, a distribuição e os fatores determinantes
dos eventos relacionados com a saúde em uma população,
segundo Medronho. A partir de um conceito tão amplo, é
necessário entender que até o adoecimento, ou a perda do
bem-estar pleno (como a Organização
43
ESTUDOS EPIDEMIOLÓGICOS
– CONCEITOS GERAIS
44 DESCOMPLICANDO MBE
A fim de esquematizar e melhor compreender o que
acontece no decorrer do processo saúde-doença, foram desen-
volvidos diversos tipos e desenhos de estudo epidemiológico,
cada qual com sua finalidade particular, com peculiaridades
que permitem melhor compreensão de algum aspecto ou
de alguma população e com objetivos distintos. Usar um
estudo apropriadamente é um dos requisitos básicos para
alcançar um bom nível de “acurácia” na hora de apresentar
um estudo, ou seja, a pergunta do estudo e a hipótese que ele
se propõe a esmiuçar são determinantes para o seu desenho.
De maneira geral, os estudos são descritivos, quando
se destinam a descrever o que acontece a uma determinada
população para que o processo saúde-doença se estabeleça,
ou analíticos, quando além da descrição é estabelecida uma
análise do processo naquele determinado momento e feitas
associações entre a susceptibilidade e uma condição de saúde.
Os estudos de desenho descritivo são determinantes
para analisar a distribuição de alguma enfermidade ou deter-
minar o que leva àquela enfermidade naquela situação e a
criar uma hipótese acerca disso, considerando variáveis e
dados pré-existentes (em bancos de dados) ou novos, ou seja,
podem evidenciar os fatores que influenciam a incidência e
a prevalência daquela patologia.
Já os analíticos são estudos que compreendem um
maior aprofundamento na questão em estudo, visto que
correlações entre variáveis devem ser estabelecidas. Por
conceito, os tipos de estudo se complementam. Os quatro
tipos principais de estudos analíticos, como veremos a seguir,
são o seccional, o ecológico, o caso-controle e o coorte. Neste
capítulo, abordaremos conceitos gerais dos principais tipos
de estudos epidemiológicos. Uma classificação rápida ajudará
46 DESCOMPLICANDO MBE
Figura 2 – Estudo Observacional e Estudo de Intervenção
48 DESCOMPLICANDO MBE
vez acontece a observação. Para esclarecer em termos mais
práticos, não é possível estabelecer uma relação de causa
e efeito: a partir de um estudo seccional não seria possível
determinar se o tabagismo aumenta as chances de câncer
de pulmão ou se o câncer de pulmão induz ao tabagismo
(um exemplo rude, de fato).
É interessante atentar para a curiosidade de que esses
estudos geralmente acabam por auxiliar bastante a gestão
em saúde, contribuindo para novas medidas e políticas de
educação e prevenção, até por serem de baixo custo quando
comparados a outros.
ESTUDOS ECOLÓGICOS
ESTUDOS DE CASO-CONTROLE
50 DESCOMPLICANDO MBE
Evidentemente mais elaborado que os dois tipos de
estudo apresentados anteriormente, alguns cuidados extras
precisam ter atenção redobrada: a determinação dos grupos
deve ser bem feita, especialmente por causa do grupo de
casos; os indivíduos-controle devem ser adequadamente
definidos para que suas características não destoem muito
das características dos indivíduos-caso; o estudo pode ser
pareado ou não (se for, três variáveis como sexo, idade e
condição socioeconômica, por exemplo, devem ser equiva-
lentes nos dois grupos).
Dentre suas vantagens, esse tipo de estudo permite
resultados rápidos, análise mais acurada acerca dos fatores
de risco para determinada condição patológica e até sobre
etiologia e, mais importante, podem ser acompanhadas doen-
ças raras, visto que os indivíduos já estão doentes e vão ser
comparados com outros que não estão. Aí também jaz uma
das maiores possibilidades de viés desse tipo de estudo: ele
pode ser prejudicado por falhas de memória dos pacientes ou
por erros nos prontuários, já que todos os eventos estudados
já terão acontecido do momento da análise.
ESTUDOS DE COORTE
ENSAIOS CLÍNICOS
52 DESCOMPLICANDO MBE
Podem adotar diversas peculiaridades, como serem rando-
mizados ou não, ou ainda cegos ou não, mas constituem a
principal forma de analisar os resultados de uma intervenção,
ao passo em que costumam apresentar interessante validade
externa (capacidade de generalização para outras realidades
e populações). Podem sofrer com desistências (perdas de
seguimento de voluntários) ao longo de seu curso, e são caros.
REVISÃO SISTEMÁTICA
METANÁLISE
ESTUDOS QUALITATIVOS
54 DESCOMPLICANDO MBE
na qualidade da Educação Médica, área em que esse tipo de
estudo é muito utilizado, aliás.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
56 DESCOMPLICANDO MBE
ESTUDOS
ECOLÓGICOS
O QUE SÃO?
D
iferentemente do que o nome pode sugerir,
estudos ecológicos não dizem respeito a análi-
ses sobre impactos ou danos ambientais, e sim
a agregados de indivíduos de determinada área geográfica, a
exemplo de grupos de pessoas com determinada característica
em comum (renda, etnia, etc.) ou que viveram no mesmo
tempo (dias, semanas, meses ou anos).
Assim, são estudos que procuram definir como o
contexto social e ambiental interfere na saúde de grupos
populacionais para gerar hipóteses etiológicas sobre deter-
minada doença. Como frequentemente utilizam combinações
de bases de dados referentes a populações, por conseguinte,
57
costumam ser mais baratos e mais rápidos que estudos a
nível individual de análise.
COMO SE ESTRUTURA?
58 DESCOMPLICANDO MBE
mortalidade, etc.). Dessa maneira, as variáveis podem
ser classificadas em três tipos:
• Medidas agregadas: são construídas a partir de obser-
vações de indivíduos dentro de cada grupo, mas
calculadas como médias ou proporções, de modo a
caracterizar aquele grupo, e não o indivíduo. Exemplo:
a quantidade de pessoas que foram a óbito por dengue
é um número que depende do nível individual, mas ele
não tem significado se não for feita a proporção com
todas as pessoas que adoeceram por dengue. Logo, o
dado relevante para o estudo ecológico será a taxa de
mortalidade por dengue na região estudada.
• Medidas ambientais: características físicas do local
onde os membros do grupo vivem que, assim como as
medidas agregadas, também têm análogos em nível
individual. Exemplo: horas de exposição à luz solar –
as pessoas se expõem de maneiras diferentes ao sol,
assim, esses dados variam entre os membros do grupo.
Contudo, podem ser criados grupos comparativos, com
diferentes contextos, passando a ser a variável de inte-
resse para um estudo ecológico.
• Medidas globais: características que representam
todos os membros do grupo, para as quais não exis-
tem observações em nível individual. Por exemplo:
para obter a densidade demográfica de certa região
não é necessária nenhuma característica individual
daqueles que vivem na localidade, pois é uma taxa que
depende de toda a população e do tamanho da área.
Ainda, para a análise do modelo do sistema de saúde,
por exemplo, também não é necessário saber nenhum
Estudos Ecológicos 59
dado pessoal dos moradores da área. Desse modo,
densidade demográfica e modelo do sistema de saúde
são medidas globais, em razão de não dependerem de
dados individuais.
2. Níveis de análise: para melhorar o entendimento, é
preciso relembrar como é a análise de um estudo de base
individual, para qual é dado um valor a cada uma das
variáveis, de modo a formar uma tabela ao final da
coleta. Então, nesse caso é possível conhecer: dentre os
que adoeceram, os que foram ou não expostos ao fator de
risco, assim como dentre os que não adoeceram aqueles
que foram ou não expostos, como ilustra a tabela 1:
Exposto a b E1
Não-exposto c d E2
Total M1 M0 n
60 DESCOMPLICANDO MBE
Tabela 2 – Tabela de contingência
Exposto ? ? E1
Não-exposto ? ? E2
Total M1 M0 n
Estudos Ecológicos 61
seja, não se pode fazer uma inferência causal individual a
partir de um grupo, pois não se sabe como os dados estão
distribuídos dentro desse grupo.
62 DESCOMPLICANDO MBE
diferentes, por exemplo. Aqui, organizaremos as classificações
a partir dos métodos de agrupamento e, dentro de cada um,
diremos como funciona a mensuração da exposição, ou seja,
quando é exploratório ou quando é analítico. Veja:
Estudos Ecológicos 63
de incidência de câncer de pele em diferentes cidades
brasileiras para observar qual seria essa relação.
64 DESCOMPLICANDO MBE
Há dois problemas nesse tipo de estudo: o primeiro é
quando mudam critérios diagnósticos de uma doença ao
longo dos anos, o que pode alterar os dados do estudo no
período; e o segundo é quando o estudo analisa uma doença
com um grande período de latência entre a exposição ao
fator de risco e a detecção da doença, pois pode dificultar a
associação entre ambos.
Agora é fácil perceber que os estudos de múltiplos
grupos envolvem mais de um grupo no mesmo período de
tempo, enquanto os estudos de séries temporais envolvem um
grupo apenas, mas em um longo período de tempo. Ainda,
os estudos exploratórios analisam números absolutos de
doença, enquanto os estudos analíticos estabelecem sempre
uma associação entre certa exposição e uma doença. Agora
podemos entender melhor o desenho misto, que mescla os
dois anteriores:
3. Desenho misto: esse tipo de desenho faz a observação
de mais de um grupo e ainda analisa a evolução ao
longo do tempo, ou seja, tem características tanto do
estudo de múltiplos grupos quanto do estudo de séries
temporais. Logo:
a. Estudo exploratório: compara, entre diferentes grupos, a evo-
lução temporal da taxa de determinada doença. Por exemplo,
com esse estudo é possível analisar comparativamente
o comportamento da incidência do HIV em Natal e
Mossoró ao longo dos anos, estabelecendo comparações
que permitam entender a evolução da doença nas duas
cidades, de modo a analisar intervenções ou prever o
comportamento futuro dessa doença.
Estudos Ecológicos 65
b. Estudo analítico: faz uma análise, entre diferentes grupos,
da associação entre as mudanças no nível de exposição e
as taxas de uma doença, ao longo do tempo. Por exemplo,
um suposto estudo compara entre Natal e Mossoró as
mudanças no uso de protetor solar e a taxa do câncer
de pele, ao longo dos anos.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
66 DESCOMPLICANDO MBE
SÉRIES TEMPORAIS
A
s séries temporais são estudos observacionais
e longitudinais que tentam avaliar a tendên-
cia de algum evento conforme o passar do
tempo, em dias, meses, anos ou qualquer outra medida de
tempo. Com ele, podemos ver facilmente se um evento está
aumentando, diminuindo ou permanecendo estável quanto
à sua frequência, em uma dada população. Além disso,
conseguimos avaliar outras características, como periodi-
cidade, momentos de picos/vales, velocidade de variação,
entre outras.
Uma informação importante é que os dados utilizados
para fazer esse tipo de estudo geralmente são secundários,
isto é, não são coletados individualmente pelo pesquisador.
A equipe do estudo consegue as informações relevantes
em bases de dados e, portanto, não sabe informações mais
67
profundas sobre eles, como a maneira de obtenção, detalhes
da população, vieses, etc.
Como exemplo de base de dados, podemos citar, com
muito orgulho, o DATASUS, uma base de dados do sistema
único de saúde brasileiro. Nela, há informações de TODOS
os municípios brasileiros em diversas áreas de saúde: mor-
talidade, morbidade, natalidade, aspectos socioeconômicos e
muitos outros. Infelizmente, também há muita subnotificação
(um dos problemas dos dados secundários), mas, ainda
assim, é uma ótima ferramenta para estudar as realidades,
avaliar intervenções, programas e fazer pesquisas. Além
disso, qualquer pessoa do mundo pode ter acesso as suas
informações, basta que acesse seu endereço eletrônico.
Feita essa breve explicação, perceba algo interessante:
as séries temporais são observacionais, longitudinais, usam
dados secundários, não têm informações sobre os indivíduos,
mas, sim, sobre os grupos (agregado). Que outro estudo tem
características parecidas? Você lembra? O estudo ecológico!
Isso mesmo! As séries temporais podem ser comparadas a
estudos ecológicos longitudinais, em que os agregados não
são geográficos, mas temporais. São blocos de dias, meses,
anos.
DESENHO DO ESTUDO
68 DESCOMPLICANDO MBE
segundo caso, o autor tenta encontrar correlação (daremos
mais explicações em Metodologias de análise) de duas séries já
conhecidas. Por exemplo, uma série temporal analítica pode-
ria correlacionar a taxa de gestantes que realizam pré-natal
com a taxa de mortalidade infantil, num mesmo espaço
geográfico. Assim, podemos entender se quando uma maior
taxa de mulheres grávidas realizam o pré-natal, reduz-se a
mortalidade infantil, ou não.
TIPOS DE VARIAÇÃO
Séries temporais 69
duradoura nas que permanecem vivas. Com isso, só
haverá outro surto quando houverem pessoas não
imunizadas suscetíveis ao agente. Portanto, isso levará
alguns anos. Algo semelhante ocorre com a raiva em
raposas na Grã-Bretanha. Nesse caso, a doença, com
elevada letalidade, provoca o óbito dos indivíduos
infectados, reduzindo a densidade de hospedeiros
susceptíveis e consequentemente acarretando redução
na ocorrência da enfermidade. Com a renovação da
população em aproximadamente 4 anos e o surgimento
de uma nova geração, volta a aumentar a densidade de
hospedeiros susceptíveis, propiciando, novamente, con-
dições para o aumento na ocorrência da enfermidade.
c) Variação secular → As tendências de longo prazo, como
também são chamadas, são quase, por si só, indicadores
de saúde de uma população. Portanto, podem ser muito
úteis para gestão de saúde em uma localidade. Vejamos
um exemplo. Suponha que você seja o Secretário de
saúde de uma pequena cidade e estudou a prevalência
de obesidade numa série temporal de 10 anos no seu
município. O gráfico resultante foi o mostrado abaixo:
70 DESCOMPLICANDO MBE
Figura 1 – Gráfico ilustrativo de obesidade pelo tempo
Séries temporais 71
Figura 2 – Gráfico ilustrativo da incidência de
Catapora e Dengue pelo tempo em anos
72 DESCOMPLICANDO MBE
Figura 3 – Gráfico ilustrativo de obesidade pelo tempo
METODOLOGIA DE ANÁLISE
Séries temporais 73
usado em análises “óbvias”, em que os números são
gritantes. Porém, não é recomendado para analisar
tendências mais sutis.
b) Cálculo das médias móveis → Pensando em diminuir os
efeitos do acaso, podemos usar esse método. Ele consiste
em analisar não os dados de cada unidade de tempo,
mas médias aritméticas de algumas unidades juntas.
Por exemplo, no gráfico acima, faríamos a média por
biênio e analisaríamos o gráfico todo a cada 2 anos,
em vez de a cada ano. Como já dito, isso diminui as
variações devido ao acaso, mas, nos impede de saber o
primeiro e último dado da série e há de se considerar
também que a média é afetada por valores extremos,
que podem se originar a partir do acaso.
c) Análise de regressão → Sem dúvida alguma, este é o
método mais acurado para analisar as relações entre
o tempo e a enfermidade. A análise de regressão é um
método estatístico para a investigação de relações
entre duas ou mais variáveis. Por meio da análise de
regressão, obtém-se a linha de regressão e o coeficiente
de regressão. O coeficiente de regressão determina a
inclinação da linha. Esse coeficiente pode ser positivo,
negativo ou zero. Quando ele é igual a zero, não há rela-
ção entre as duas variáveis, ou seja, entre a ocorrência
da enfermidade e o transcorrer do tempo. Quando ele é
positivo, há relação direta entre as duas variáveis, ou
seja, conforme passou o tempo, aumentou a ocorrência
da enfermidade. Já um coeficiente de regressão negativo
indica que há relação inversa entre as duas variáreis,
isto é, conforme o tempo passou, a ocorrência da doença
74 DESCOMPLICANDO MBE
diminuiu. Com essa ferramenta, conseguimos acessar
o cerne da fidelidade estatística, onde há pouco espaço
para subjetividades ou erros de acaso: o universo dos
números.
CONCLUSÃO
VA N TAGE NS
L I M I TAÇÕES
Séries temporais 75
se expôs ao evento que queremos avaliar. Portanto, os
valores não são reais, são apenas médias. Isso, por si
só, diminui a validade interna do estudo.
REFERÊNCIAS
O QUE SÃO?
E
studos seccionais, também identificados como
estudos transversais ou de prevalência, podem
ser definidos como levantamentos epidemio-
lógicos realizados em uma amostra representativa de uma
população em um período temporal definido, que pode ser
um único momento ou um curto intervalo de tempo, de
maneira que as informações obtidas acerca de um problema
clínico específico representam o estado clínico daquela popu-
lação no instante em que a pesquisa aconteceu e, portanto,
não há período de seguimento dessa amostra.
77
Nos estudos seccionais, uma amostra da população
definida para a pesquisa é submetida a uma investigação
sobre as distribuições das variáveis que se quer analisar
dentro da população, sendo designadas variáveis preditoras
e de desfecho de acordo com a razoabilidade biológica e
com base em informações de outros estudos. Por exemplo,
numa relação entre a exposição solar e o desenvolvimento
de um melanoma (tumor maligno com origem nos melanó-
citos), é mais razoável considerar o hábito de se expor ao sol
como sendo a variável preditora (variável independente) e
o desenvolvimento do melanoma como desfecho (variável
dependente).
Dessa forma, o desenho da pesquisa seccional é muito
útil para descrever variáveis e seus padrões de distribuição
em uma dada região num determinado período. Logo, através
desse tipo de estudo se pode obter, por exemplo, informações
sobre os hábitos e a saúde da população estudada.
Os estudos seccionais também permitem realizar
associações, nas quais a relação de causa-efeito é apenas
hipotética. Quando se pretende gerar uma relação causa-
-efeito mais robusta, ensaios clínicos e estudos de coorte
representam uma melhor escolha em comparação com os
estudos transversais. Todavia, é importante ressaltar, as
hipóteses acerca de uma provável relação do tipo causa-efeito
entre variáveis geradas a partir de inquéritos não devem ser
menosprezada, pois elas podem ser o ponto de partida para a
realização de trabalhos mais específicos que possam testá-las.
78 DESCOMPLICANDO MBE
METODOLOGIA
Estudos Seccionais 79
pena de produzir um resultado com inúmeros vieses que
poderão até mesmo invalidá-lo.
PRINCIPAIS APLICAÇÕES
80 DESCOMPLICANDO MBE
expansão dos dados amostrais na mesma faixa etária e área
geográfica.
Os resultados revelaram que a prevalência da doença
reportada na população brasileira foi de 6,2%, maior nas
mulheres (7,0%) do que nos homens (5,4%), e entre os mora-
dores da área urbana (6,5%) do que da área rural (4,6%);
estimou-se um total de aproximadamente 9 milhões de
pessoas com diabetes no país, cerca de 3,5 milhões delas
com 65 anos ou mais de idade.
A partir dessas informações, conclui-se que o diabetes
é uma doença muito prevalente em nosso meio, sobretudo
entre mulheres, idosos e na área urbana. Tais resultados
podem ajudar na elaboração de um plano de ação contra a
doença, no qual poderá ser proposto medidas de prevenção
e controle mais específicas e que abranja a população como
um todo.
Estudos Seccionais 81
para fazer o diagnóstico e, se confirmada a hipótese, propor
o melhor tratamento para seu paciente.
Ademais, como já adiantado em seções anteriores, os
dados obtidos pela pesquisa com delineamento transversal
são extremamente valiosos para o planejamento de políticas
destinadas a saúde pública, em que recursos financeiros e
humanos poderão ser alocados de forma precisa no combate
a situações clínicas específicas, reduzindo, portanto, o tempo
para se atingir desfechos favoráveis e gastos desnecessários.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
82 DESCOMPLICANDO MBE
ISER, B. P. M. et al.. Prevalência de diabetes autorreferido no
Brasil: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde 2013. Epidemiol.
Serv. Saúde, Brasília, v. 24, n. 2, p. 305-314, jun. 2015. Disponível
em: <http://scielo.iec.pa.gov.br/scielo.php?script=sci_arttext&pi-
d=S1679-49742015000200013&lng=pt&nrm=iso>.
Estudos Seccionais 83
ESTUDOS
QUALITATIVOS
EM SAÚDE
O QUE SÃO?
O
s estudos qualitativos em saúde já se colocam
em posição consolidada nas pesquisas na área
da saúde, principalmente, na saúde coletiva.
E isso ocorreu pela percepção dos pesquisadores de que
com esse tipo de abordagem seria possível explorar melhor
os sujeitos de pesquisa e identificar de forma mais clara as
intervenções que devem ser feitas.
Entretanto, mesmo já sendo uma metodologia fácil de
encontrar em revistas da área da saúde, ainda encontramos
certa resistência em sua utilização, principalmente, pela
área médica que, acostumada com as análises estatísticas
do estudo quantitativo, encontra as barreiras do esforço
85
compreensivo e de intersubjetividade dos profissionais,
além de destacarem a menor reprodutibilidade e poder de
generalização desse estudo.
Mesmo com essa resistência encontrada, vemos um
crescimento na produção de estudos qualitativos, por todas
as áreas profissionais da saúde, e isso ocorre sem o objetivo
de competição com o quantitativo, mas com o poder de
complementar o desenvolvimento da ciência, pois o uso
de metodologias diferentes leva a novas possibilidades de
compreensão do objeto de estudo.
QUALITATIVO VS QUANTITATIVO
86 DESCOMPLICANDO MBE
cabeça e é para esses tipos de estudos com possibilidades
de resposta bem objetivas que os desenhos quantitativos se
moldam melhor.
De modo simplificado, perceba que o estudo quantita-
tivo estuda fenômenos mais objetivos (resposta terapêutica),
enquanto o qualitativo estuda fenômenos mais subjetivos
(percepção sobre a resposta terapêutica) e com leque maior
de possibilidades.
Desse modo, é importante destacar que cada uma
dessas metodologias tem características que abarcam melhor
cada tipo de objetivo da pesquisa. A escolha de qual meto-
dologia usar só ocorre após uma clara definição do objeto
de estudo e do objetivo desse estudo.
Por fim, a ciência, que não para de crescer, vem
demandando a cada dia metodologias mais completas e
bem estruturadas para chegar aos seus objetivos de modo
que é cada vez mais comum o uso de pesquisas que mesclem
o qualitativo e o quantitativo.
O ESTUDO QUALITATIVO
88 DESCOMPLICANDO MBE
rigor metodológico para se obter grande sustentação ao
conhecimento desenvolvido.
ANÁLISE DO CONTEÚDO
90 DESCOMPLICANDO MBE
ANÁLISE DO DISCURSO
92 DESCOMPLICANDO MBE
Figura 1 – Esquema simplificado para
andamento de uma pesquisa qualitativa
REFERÊNCIAS
94 DESCOMPLICANDO MBE
ESTUDOS DE
COORTE
O QUE SÃO?
O
s estudos de coorte são bastante utilizados na
pesquisa biomédica e podem ser úteis para
responder a diversas questões, a depender
das características dos indivíduos acompanhados e dos
desfechos estudados.
Além disso, na classificação hierárquica dos estudos
epidemiológicos em relação aos seus níveis de evidência, os
coortes se encontram em um patamar privilegiado compara-
tivamente a outros estudos observacionais, sendo precedidos
apenas pelas revisões sistemáticas, com e sem metanálises;
e pelos ensaios clínicos randomizados. Sabendo que os
níveis de evidência contribuem para orientar as diversas
95
recomendações clínicas, é importante saber que um estudo
de coorte bem feito pode, sim, guiar condutas e nos ajudar
a tomar decisões na nossa prática clínica.
Assim, antes mesmo de aprofundarmos o nosso
aprendizado sobre o estudo de coorte, é interessante que
já tenhamos em mente a sua grande importância para a
Medicina Baseada em Evidências.
96 DESCOMPLICANDO MBE
seguimento (follow-up) deve ser determinado no início da
pesquisa, de acordo com os conhecimentos pré-existentes
sobre a história natural da doença de interesse. Quando se
deseja estudar agravos ou patologias de rápida indução e
evolução, como no caso de doenças infecciosas agudas, o
tempo de acompanhamento da coorte pode variar de dias
a meses. No entanto, para doenças de caráter crônico, com
progressão mais arrastada, os indivíduos devem ser acom-
panhados por anos ou décadas.
É válido destacar que essa duração tão prolongada,
apesar de tornar a pesquisa mais fidedigna em relação ao
que se deseja estudar, aumenta consideravelmente os custos,
dificulta a reprodutibilidade do estudo e o torna susceptí-
vel a perdas de seguimento quando não se consegue mais
acompanhar os participantes no decorrer do tempo, por
abandono, recusas ou mudança de endereço e a entradas
complementares de novos indivíduos.
Ao longo do seguimento ou ao final do estudo, os pes-
quisadores analisam os dados obtidos a partir da observação
da coorte e registram a incidência desfechos nos dois grupos,
ou seja, a quantidade de novos desfechos tanto nas pessoas
expostas quanto nas não expostas aos potenciais fatores de
risco. Com isso, comparam as incidências nos dois grupos
e conseguem determinar se existe ou não associação entre
exposição e desfecho e, caso exista, qual é essa associação.
Trata-se, assim, de um estudo analítico, individuado,
observacional e longitudinal.
Estudos de coorte 97
VAMOS RELEMBRAR ESSES CONCEITOS?
98 DESCOMPLICANDO MBE
(IVAS recente) e não expostas (sem relato de episódio prévio
de IVAS), por um período pré-determinado de tempo ou até
que haja o aparecimento de otite média.
Outra possibilidade para a condução do estudo é o
levantamento dessas informações a partir de um banco de
dados, em uma análise retrospectiva. Para isso, o investigador
pode selecionar todas as crianças diagnosticadas com otite
média aguda e identificar aquelas que apresentaram episódio
anterior de IVAS, ou seja, aquelas que estiveram expostas
ao fator de risco.
Estudos de coorte 99
Os estudos retrospectivos compartilham as vantagens
dos prospectivos em relação a possibilidade de estudar fatores
de risco, com o adendo de serem mais baratos e possuírem
menor duração. Entretanto, como trabalham com dados
pré-existentes, estão sujeitos a vieses de informação, pela falta
ou dificuldade de leitura dos dados; e tem um menor controle
sobre possíveis variáveis de confusão, ou seja, outros fatores
relacionados à exposição que podem interferir no desfecho.
APLICABILIDADE, VANTAGENS
E DESVANTAGENS
VANTAGENS DESVANTAGENS
Investiga fatores de
risco com a certeza de Alto custo e duração
que a exposição prece- muito prolongada.
dendo o desfecho.
Melhor método para estu-
dar incidência e história Difícil de reproduzir.
natural das doenças.
CABEÇA PENSANTE
CONCLUSÃO
É
um estudo longitudinal retrospectivo que parte
de casos já diagnosticados da doença em foco
e, ao mesmo tempo, seleciona outro grupo de
indivíduos que não apresentam aquele agravo. Dessa forma,
a comparação desses grupos em relação a determinadas
variáveis busca obter fatores que possam ser imputados como
causais, ou seja, presentes nas histórias dos casos mas não
nas histórias dos controles. Nos estudos de caso-controle a
pergunta está no passado, sendo, portanto, chamados de
retrospectivos. Assim, podemos dizer que são os estudos
que perguntam: o que aconteceu?
A figura 1 ilustra que, primeiramente, são recruta-
dos os sujeitos do estudo após diagnóstico de uma doença
(quadrados) e os controles sem a doença (diamantes). Após,
é feita uma retrospectiva e comparação dos grupos para
111
descobrir a presença (áreas sombreadas) ou ausência (áreas
não sombreadas) de características predisponentes ou de
fatores de risco.
Caso-controle 113
inferência de que a exposição causa a doença. Por fim, um
exemplo de pareamento seria, então, escolher primeiro um
indivíduo com um agravo e, em seguida, identificar um
controle que não tem este agravo, mas que tem a mesma
idade e sexo do referido caso.
O estudo de caso-controle não permite produzir medi-
das de incidência específica de doenças nem calcular risco
atribuível, porque não utiliza denominadores populacionais.
Permite, somente, estimar uma medida de associação tipo
proporcionalidade, denominada “odds ratio” ou razão de
chances, principal medida de risco em um estudo caso-con-
trole, que tem a propriedade de aproximar-se do risco relativo
no caso de doenças de baixa incidência na população. Se
existir associação entre a exposição e a doença, espera-se que
a odds da exposição entre casos seja maior que a observada
entre controles.
Além disso, os dados desse tipo de estudo devem ser
analisados com muita cautela. Por estarem no passado, podem
ser inadequados pois dependem, muitas vezes, da memória
dos informantes, gerando distorções como a memorização
seletiva do evento supostamente causal. Assim, o viés de
memória ocorre quando os casos e os controles lembram-se
do seu status de exposição de forma diferente (ou diferencial).
Logo, a melhor solução para minimizar o viés de memó-
ria em estudos caso-controle é a utilização de dados que foram
colhidos de forma sistemática, antes do desenvolvimento da
doença (p.ex. prontuários organizados e completos, usados
em um sistema de saúde eficiente).
Ademais, uma outra desvantagem se dá pois, na maio-
ria das pesquisas, somente os casos mais novos devem ser
Caso-controle 115
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
O QUE É?
O
ensaio clínico (EC) é um tipo de pesquisa
conduzida em pacientes ou voluntários
sadios, com o intuito de demonstrar a melhor
opção terapêutica ou preventiva para o indivíduo, dispo-
nibilizando, por meio de protocolos detalhadamente dese-
nhados, tratamentos e/ou procedimentos mais modernos.
Resumidamente, é um estudo que avalia o impacto de
determinada intervenção em um determinado grupo de
pacientes. Este estudo responde a perguntas como eficácia,
efetividade, eficiência e segurança de determinado tratamento
terapêutico ou preventivo (por exemplo, testar um medi-
camento com uma molécula recém descoberta ou durante
a confecção de uma nova vacina). Apresenta arquitetura
prospectiva de seguimento (follow-up). Os bons ensaios
117
clínicos randomizados (ECR) estão no topo da hierarquia
das evidências.
Um dos primeiros EC publicados foi realizado em 1747
por Lind, um médico da Marinha Real Britânica. Este estudo
separou em grupos indivíduos acometidos por escorbuto e
tratou-os com sidra, óleo de vitríolo (ácido sulfúrico), vinagre,
água marinha, laranjas, limões e mostarda. O resultado desse
estudo foi a recuperação mais rápida dos grupos tratados
com as frutas cítricas. No entanto, mesmo com a demons-
tração e benefício evidente, a marinha britânica demorou
aproximadamente 50 anos para incorporar o suco de limão
aos suprimentos que eram ofertados aos marinheiros.
COMO FUNCIONA?
VANTAGENS E LIMITAÇÕES
CONCLUSÃO
O QUE É?
A
Revisão Sistemática (RS) é considerada uma
evidência secundária pois está baseada na
análise de estudos primários sobre um deter-
minado tema de pesquisa. Ou seja, a revisão sistemática é a
análise de uma seleção de trabalhos (relevantes) já publicados
sobre um tema com o intuito de responder uma pergunta
de pesquisa bem definida, identificando, analisando e sin-
tetizando as evidências disponíveis. É por isso que a RS é a
principal fonte para a construção das diretrizes utilizadas
na medicina.
Esse tipo de revisão obedece normas rígidas na sua
elaboração com o objetivo de reduzir a possibilidade de viés
e garantir sua reprodutibilidade.
133
Uma das primeiras RS de que se tem registro foi ela-
borada em 1753 para reunir as diretrizes sobre a prevenção e
o tratamento do escorbuto, uma doença muito prevalente na
época. É claro que a metodologia sofreu alterações durante
esse período, mas consolidou-se no fim da década de 80 com
algumas publicações significativas e no início da década de
90 com a criação da Colaboração Cochrane, no Reino Unido.
A Colaboração Cochrane é uma organização sem fins
lucrativos que foi criada para atender à demanda médica por
revisões sistemáticas e ensaios clínicos randomizados. Os
resultados das RS elaboradas pelo grupo Cochrane ficam
disponíveis online, na Biblioteca Cochrane, e são frequen-
temente utilizados.
COMO SE FAZ?
CONCLUSÃO
Sterne JAC, Savović J, Page MJ, Elbers RG, Blencowe NS, Boutron I,
Cates CJ, Cheng H-Y, Corbett MS, Eldridge SM, Hernán MA, Hopewell
S, Hróbjartsson A, Junqueira DR, Jüni P, Kirkham JJ, Lasserson T, Li T,
McAleenan A, Reeves BC, Shepperd S, Shrier I, Stewart LA, Tilling K,
A
metanálise consiste em uma abordagem quan-
titativa na qual é realizada a combinação de
resultados de vários estudos independentes
sobre um tema específico. Seu objetivo é integrar resultados
de modo a estabelecer uma conclusão sobre determinada
pergunta que as revisões sistemáticas escolhidas propõem-se
a responder. Nesse sentido, é realizada a escolha dos estudos,
bem como a análise dos critérios de inclusão e exclusão. Após
isso, os dados são combinados, utilizando-se de técnicas
estatísticas a fim de gerar um estimador quantitativo do
tamanho do efeito e testa-se sua homogeneidade.
Um dos grandes diferenciais da metanálise diz respeito
ao fato de permitir o aumento do espaço amostral – para
149
tanto, é necessário garantir a homogeneidade entre os aspectos
clínicos e metodológicos dos estudos selecionados. Assim,
esses textos são reunidos para análise mediante uma triagem
que leva em consideração determinados aspectos – utiliza-se,
nesse processo, o acrônimo PICO: Pacientes, Intervenção,
Comparação, Outcomes (desfechos). Logo, é possível reunir
artigos a partir de sua pergunta de pesquisa e fazer uma
síntese estatística do conjunto de seus resultados, permitindo
obter uma conclusão sobre essa pergunta.
Existem vários tipos de métodos que podem ser utili-
zados para o cálculo de medidas de efeito em metanálises,
sendo definidos, geralmente, pelo tipo de variável e pela
heterogeneidade entre os estudos. O efeito fixo se origina da
presunção de que há um efeito único entre os estudos, pois
eles são homogêneos. O efeito aleatório, por sua vez, parte
do princípio de que os estudos são heterogêneos: há mais
de um efeito entre eles. No caso de variáveis dicotômicas,
situação em que se calculam os efeitos por Risco Relativo
(RR) e Razão de Chances (OR, do inglês Odds ratio), podem
ser usados como efeito fixo os métodos de Mantel-Haenszel,
Peto ou da variância geral; por outro lado, quando há efeito
aleatório, pode-se utilizar o método DerSimonian-Laird.
CABEÇA PENSANTE:
METANÁLISE 151
• Título: evidencia a característica que está sendo estu-
dada e a comparação dos atributos dessa característica;
• Coluna à esquerda: apresenta os diferentes estudos
encontrados na literatura pesquisada que buscavam
identificar o risco de determinada característica;
• Coluna à direita: apresenta os valores estatísticos
de cada estudo, tornando possível a comparação de
estudos com características semelhantes e resultados
distintos;
• Reta horizontal principal (abscissa): apresenta de
maneira crescente os riscos relativos comparativos.
Dependendo do risco relativo obtido em cada estudo,
a caixa representando esse risco estará mais à direita
ou mais à esquerda do gráfico;
• Reta vertical (reta vertical principal): normalmente
está centralizada no forest plot e representa o risco
relativo 1. Ou seja, é a linha que representa nulidade;
• Caixas: representam, ao mesmo tempo, os riscos
relativos de cada estudo (deslocamento horizontal
no gráfico) como também a importância estatística
de cada estudo (tamanho da caixa). Quanto mais à
esquerda a caixa situa-se no gráfico, maior a redução
do risco relativo do estudo. Além disso, quanto maior
é a caixa, maior a importância do estudo (número de
indivíduos estudados) e, portanto, maior o impacto
que esse estudo terá na metanálise;
• Linhas horizontais: estão sempre juntas às caixas
e representam a largura do intervalo de confiança.
Ou seja, quanto maior for o intervalo de confiança
METANÁLISE 153
envolvidos, o tipo de intervenção, o desfecho utilizado) e
está descrita como heterogeneidade clínica.
A primeira análise de heterogeneidade pode partir de
uma observação visual subjetiva do forest plot, avaliando se
as medidas de associação entre os estudos são semelhantes
ou se os intervalos de confiança são superponíveis. Essa
estimativa visual não é suficiente, e daí lançamos mão dos
dados estatísticos. Um dos mais utilizados é o teste de qui-
-quadrado para avaliar a significância da variabilidade entre
os estudos. Ele parte do pressuposto que não há diferença
entre os estudos (hipótese nula) e o valor de P encontrado
evidencia se a heterogeneidade é ou não estatisticamente
significativa. Assim, quando P < 0,05, rejeita-se a hipótese
nula e considera-se que as diferenças encontradas são maiores
que o efeito aleatório.
CABEÇA PENSANTE
I2 Interpretação
METANÁLISE 155
realizando análises de sensibilidade, as quais se utilizam de uma
nova forma de análise dos dados e observam se os resultados
encontrados previamente serão modificados. Um exemplo
disso é agrupar os estudos de acordo com sua qualidade
metodológica: aqueles de boa qualidade e baixo risco de
viés vs. estudos de qualidade duvidosa. Daí, se os resultados
apresentados forem mais homogêneos, os autores podem:
a) Excluir os estudos que são fonte de heterogeneidade;
b) Apresentam os resultados encontrados como análises
de subgrupo.
Uma outra forma de realizar análises de sensibilidade
é agrupar os estudos de acordo com as diferenças no design
do estudo, como separá-los pela dose usada da medicação em
análise ou pelos diferentes estratos populacionais observados
(estudos que avaliam população diabética vs. estudos com
população não diabética).
As análises de sensibilidade podem ser entendidas
como análises de subgrupo dos estudos e a decisão de como
reagrupar esses estudos depende da interpretação do autor
da metanálise. O ideal é que elas estejam definidas a priori
no protocolo do estudo, e a decisão de quais análises rea-
lizar é uma tarefa cognitiva do autor - que deve investigar
e pressupor quais as possíveis características heterogêneas
que poderiam alterar o resultado da metanálise. Por outro
lado, existem formas menos subjetivas de realizar esse pro-
cesso: na meta-regressão, as covariáveis são plotadas num
modelo estatístico para avaliar o seu impacto nos resultados.
A meta-regressão é um outro método de realizar análises de
sensibilidade que permite avaliar a influência de covariáveis
do estudo no resultado observado.
METANÁLISE 157
É importante destacar ainda que o intervalo de
confiança da medida sumária (o diamante do gráfico) é
sempre mais estreito do que o intervalo de confiança
dos trabalhos individuais. Por isso é mais provável que a
significância estatística seja alcançada ao serem compilados
os resultados dos estudos, pois os intervalos de confiança
tornam-se mais estreitos. Sobre o diamante, o comprimento
dele representa o intervalo de confiança, enquanto a medida
pontual é representada pelo centro do diamante.
Um exemplo de metanálise foi realizado a partir da
revisão sistemática dos ensaios clínicos randomizados que
compararam cirurgia de revascularização miocárdica versus
intervenção coronária percutânea (“angioplastia”) – Figura 2.
A metanálise (compilação estatística dos dados) evidenciou
que a cirurgia é superior à angioplastia no que diz respeito
à prevenção de morte, infarto e controle de sintomas.
METANÁLISE 159
Nessa situação, uma forma de avaliar a presença desse
tipo de viés é através do gráfico de funil, do inglês funnel plot.
Nesse gráfico, o eixo horizontal indica o efeito da intervenção
estimado, é algum dado derivado da medida de associação do
estudo (risco relativo, odds ratio…); enquanto o eixo vertical é
indicativo da precisão do estudo (geralmente uma medida do
erro padrão), a qual tem relação com o tamanho amostral. A
linha pontilhada no gráfico representa o verdadeiro efeito da
intervenção, é a medida sumária encontrada pela metanálise.
Como se sabe, estudos maiores apresentam maior precisão
nos resultados, e eles aparecem na parte superior do gráfico;
enquanto estudos menores e, portanto, menos precisos, estão
distribuídos na porção inferior. Ademais, devemos considerar
que estudos menores possuem menor poder estatístico e
estão mais sujeitos a erros aleatórios, logo, é de se esperar
que seus resultados sejam mais variados.
O que se espera observar no gráfico de funil é a simetria
(figura 3a), sobretudo na porção inferior do gráfico, onde os
estudos menos precisos apresentam maior variabilidade nos
resultados. No entanto, devido ao viés de publicação pode-
mos observar uma assimetria no gráfico, com um ausência
de estudos na porção inferior (figura 3b). Nesse último caso,
a medida sumária da metanálise superestima o efeito.
CONCLUSÃO
METANÁLISE 161
principalmente quando não há ensaios clínicos de tamanho
suficiente para provar a eficácia terapêutica de um método.
Nesse contexto, é comum utilizar metanálises de
ensaios clínicos pequenos ou médios com o intuito de res-
ponder questões, podendo haver certa equivalência com o
poder estatístico de grandes ensaios clínicos. Contudo, é
imprescindível ressaltar que, embora as metanálises sejam
de grande valor científico, a qualidade de sua conclusão
depende da qualidade metodológica dos estudos individuais
utilizados.
REFERÊNCIAS
METANÁLISE 163
HIERARQUIA DAS
EVIDÊNCIAS
O
desenvolvimento da era digital foi acompa-
nhado pelo surgimento de novos meios de
informação que possibilitaram, gradualmente,
uma rápida disseminação científica de descobertas e estudos,
nas mais vastas áreas das ciências. Diante disso, o leitor de
evidências se encontra, cada vez mais, em uma posição de
confrontamento entre a evidência científica publicada e o
seu grau de impacto, em sua prática profissional.
O cenário da emergente era digital gera novas inquie-
tações no meio científico, levando a novos questionamentos
basais: uma notícia publicada numa revista Caras tem a
mesma relevância que uma revista publicada no New England
Journal of Medicine (NEJM)? Ou, até mesmo, um Ensaio
Clínico Randomizado publicado no Journal of American
Medical Association (JAMA) tem a mesma importância de
165
um Estudo Transversal publicado no NEJM – ambas duas
revistas de alto fator de impacto?
Mas afinal, o que é Fator de Impacto?
A conceituação do Fator de Impacto (FI) surge para
esclarecer alguns dos questionamentos suscitados neste capí-
tulo. O seu conceito permeia uma medida de avaliação das
revistas científicas, o qual é mensurado com base no número
de citações recebidas por outros periódicos, levando em conta,
também, sua periodicidade. Um maior FI indicaria que a
publicação está numa revista mais conceituada, com maior
abrangência, que provavelmente passou por uma comissão
editorial de alta qualidade e que por isso só tem bons estudos,
entretanto, como toda classificação, há suas falhas.
Na linha de raciocínio do Fator de Impacto, foi desen-
volvido um sistema brasileiro (QUALIS) para a avaliação
de periódicos de programas de pós-graduação, o qual leva
em conta critérios específicos e gerais para a classificação
dessas produções intelectuais em níveis de qualidade decres-
cente: A1, A2, B1, B2, B3, B4, B5, C. Esses fatores de avaliação
possibilitam a construção paulatina e individual de uma
classificação de hierarquia de influência e evidência.
A produção de conhecimentos científicos passa por
uma criteriosa e metodológica linha de produção, a qual possui
diversas variações, dependendo do tipo e da origem do
conhecimento a ser obtido. Essa linha de produção se refere ao
desenho do estudo e como suas diversas variações levam a
diversas finalidades distintas: obtenção de hipóteses clínicas,
comprovação da eficácia de uma droga, a causalidade de
um fator no desenvolvimento de uma doença, o impacto de
uma medida em uma população de estudo e tantas outras.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
O QUE SÃO?
N
o dia a dia do médico, diversas escolhas pre-
cisam ser realizadas: desde o tratamento
medicamentoso adequado para uma simples
faringite, até a difícil decisão de iniciar cuidados paliativos
em um paciente com câncer em estágio avançado. Para isso,
o profissional precisa ter uma base sólida de conhecimento
prévio que seja pautada em evidências científicas, garantindo
que a decisão tomada seja aquela com maior probabilidade
de haver sucesso no cuidado.
Um guideline (diretriz, na língua portuguesa) pode
ser definido como “norma, indicação ou instrução que serve
orientação”. No âmbito da medicina, corresponde a um
documento produzido a partir dos resultados de diversas
173
pesquisas científicas e análise de uma banca de especialistas,
que visa orientar condutas da prática médica. Tais pesquisas
são selecionadas dentre muitas outras, buscando-se apenas
aquelas que tenham uma maior confiabilidade e sejam mais
atualizadas, para que assim se construa uma diretriz com-
patível com o conhecimento científico do tempo em que ela
é escrita. Vale ressaltar que esses protocolos são renovados
periodicamente, para que haja a inclusão, retificação ou
exclusão de determinadas orientações, com a finalidade de
acompanhar as atualizações da ciência.
As diretrizes têm um amplo campo de atuação, havendo
a possibilidade de abordarem como tema uma determinada
patologia, uma certa área de atuação ou um procedimento,
seja ele clínico ou cirúrgico. As publicações da Sociedade
Brasileira de Cardiologia demonstram muito bem esse fato:
em 2014, lançou a Diretriz de Doença Coronária Estável
(uma patologia) e a II Diretriz de Ressonância Magnética e
Tomografia Computadorizada Cardiovascular (exames de
imagem). Exemplo complementar é a Diretriz em Cardiologia
do Esporte e do Exercício (uma área de atuação), lançada em
2013. Portanto, são muitos – porém não todos – os campos da
medicina cuja prática encontra Suporte nos mais variados
guidelines, tendo o médico muitas vezes um grande auxílio
em seu trabalho devido a eles.
São geralmente compostas por: classificação dos níveis
de evidência e graus de recomendação utilizados na diretriz
(explicado mais à frente), revisão sobre o tema, considerações
epidemiológicas, abordagem sobre critérios diagnósticos,
condutas recomendadas para cada caso, instruções para a
realização de um procedimento, entre outros.
Diretrizes 175
mundiais que produzem diretrizes médicas, fazendo com que
elas sejam utilizadas até mesmo em diferentes continentes.
Nesse contexto, ganha destaque a Organização Mundial de
Saúde (OMS), que enfoca as doenças mais comuns em países
de terceiro mundo e de populações negligenciadas.
CABEÇA PENSANTE
NÍVEIS DE EVIDÊNCIA
GRAUS DE RECOMENDAÇÃO
RESPALDO JURÍDICO
Diretrizes 177
Uma estatística recente apontou que entre 2010 e 2014 o
Superior Tribunal de Justiça (STJ) viu o número de processos
por erro médico aumentar em 140% no Brasil. Sendo assim,
o profissional precisa estar o mais capacitado possível e
munido de justificativas sólidas para suas condutas.
Nesse contexto, os guidelines assumem um papel muito
importante. Isso porque, através de seu notável embasamento
científico, permite que o médico tenha uma fonte segura de
informação. Além disso, garante que, mesmo se a primeira
conduta tomada não for a mais adequada e trouxer danos ao
paciente, ela possui uma motivação coerente. As diretrizes
por si só já têm um valor muito alto como evidências a serem
apresentadas numa audiência judicial, dando crédito às
atitudes médicas.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
Diretrizes 179
ESTUDOS DE NÃO
INFERIORIDADE
O QUE É?
E
studos de não-inferioridade consistem em um
tipo específico de Ensaio Clínico destinado a
estabelecer se um novo tratamento não é inferior
a um tratamento padrão, para isso considerando uma margem
de tolerância previamente fixada, denominada margem de
não inferioridade.
Assim, tais estudos são aplicáveis quando a nova pro-
posta terapêutica não precisa ser melhor que a tradicional
para que haja substituição de uma pela outra. Isso ocorre,
basicamente, quando a nova proposta traz vantagem prá-
tica, por exemplo, o tratamento é menos doloroso ou possui
facilidades posológicas.
181
Nesses estudos, a hipótese nula (H0) é a de que o
tratamento em investigação é inferior ao controle por uma
diferença maior ou igual à margem de não inferioridade.
A hipótese alternativa (H1) é a de que a diferença entre
tratamentos não ultrapassa a margem de não inferioridade
pré-estabelecida na pesquisa.
CABEÇA PENSANTE
APLICABILIDADE
CABEÇA PENSANTE
TESTES DE HIPÓTESE DE
NÃO-INFERIORIDADE
CABEÇA PENSANTE
MARGEM DE NÃO-INFERIORIDADE
COMPARAÇÃO A PLACEBO VS
ESTUDOS HEAD-TO-HEAD
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
16 Breno C C Simas
Clause Willdys Medeiros Dantas
Henrique de Paula Bedaque
Maria Tamyres de Carvalho Freitas
O QUE É?
O
s Estudos de Mundo Real (EMRs) são estudos
epidemiológicos que testam o benefício de
uma conduta terapêutica em condições mais
próximas da vida real – abrangem populações maiores e
com características mais amplas. São estudos primários
que se propõem a avaliar o efeito de condutas terapêuticas
em circunstâncias mais próximas da prática clínica do que
aquelas dos ensaios clínicos randomizados (ECRs).
Dessa forma, os EMRs possibilitam a avaliação de efeti-
vidade, enquanto os ECRs avaliam eficácia. A diferença entre
essas duas características se dá pelo fato de que enquanto
a eficácia diz respeito ao efeito intrínseco do tratamento, a
197
efetividade nos mostra qual o benefício que a intervenção
oferece em circunstâncias rotineiras.
CABEÇA PENSANTE 01
QUAL A IMPORTÂNCIA?
CABEÇA PENSANTE 02
QUAIS AS LIMITAÇÕES?
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
Harari S. Randomised controlled trials and real-life studies: two answers for
one question. Eur Respir Rev 2018;27:180080.
Roche N, Reddel HK, Agusti A, Bateman ED, Krishnan JA, Martin RJ,
Papi A, Postma D, Thomas M, Brusselle G, Israel E, Rand C, Chisholm
A, Price D. Integrating real-life studies in the global therapeutic research
framework. Lancet Respir Med 2013;1:e29–30.
A
distribuição é o espalhamento das variáveis
por um gráfico cartesiano (com eixo X e eixo
Y) cujos tipos e formas podem ser vários.
Uma das formas muito utilizada na bioestatística é a
DISTRIBUIÇÃO NORMAL.
Por exemplo:
211
Figura 1 – Distribuição de dados em um
gráfico de frequência por altura
CABEÇA PENSANTE
CABEÇA PENSANTE
CABEÇA PENSANTE
O fato do resultado do Qui² ter sido 0,000 não quer dizer que
o p = 0! Na realidade, o computador só irá mostrar o número de
casas decimais que for pedido – no exemplo, 3 casas decimais –
assim, se fossem 5 casas decimais, o p seria 0,00003 cujo
valor é diferente de 0 (zero).
CABEÇA PENSANTE
Existe muito mais por traz do Qui²! No exemplo mostrado acima, todos
os quatro valores (aqueles dentro do quadrado) são maiores que
10 e, por isso, escolhemos o valor indicado pela seta (Pearson
Qui-Square). Entretanto, se houvesse algum valor menor que 10,
teríamos que usar o Fisher’s Exact Test. Não se preocupe, nos artigos o
autor já faz a escolha do tipo de teste correto para as condições
específicas da análise. Assim, caberá ao leitor se dedicar na
interpretação do valor estatístico encontrado.
O QUE É?
CONSTRUINDO UM MODELO
CABEÇA PENSANTE
CABEÇA PENSANTE 07
CABEÇA PENSANTE
CABEÇA PENSANTE
O QUE É?
CABEÇA PENSANTE
CABEÇA PENSANTE
CABEÇA PENSANTE
CABEÇA PENSANTE 16
CABEÇA PENSANTE 17
O QUE É?
CABEÇA PENSANTE 19
CABEÇA PENSANTE 22
CABEÇA PENSANTE
CABEÇA PENSANTE
CABEÇA PENSANTE
CABEÇA PENSANTE
P = 0,84
CABEÇA PENSANTE
CABEÇA PENSANTE
CORRELAÇÃO O QUE É?
CABEÇA PENSANTE
CABEÇA PENSANTE
REGRESSÃO
O QUE É?
B = 0,086
CABEÇA PENSANTE
CABEÇA PENSANTE
CABEÇA PENSANTE
REFERÊNCIAS
C
om o desenvolvimento, a prática médica tende
a agregar cada vez mais exames novos para
subsidiar o diagnóstico final. Com isso, surge
uma miríade de ferramentas disponíveis para serem uti-
lizadas e a necessidade de saber escolher qual a melhor
combinação de testes a serem requeridos para alcançar o
objetivo pretendido. É nessa conjuntura que se torna essencial
para um bom profissional o conhecimento dos potenciais e
limitações do instrumento de pesquisa codificado em alguns
conceitos, como sensibilidade, especificidade, acurácia, razão
de verossimilhança, valor preditivo, entre outros que serão
abordados nos demais capítulos.
Antes de começarmos a falar do tema propriamente
dito, é preciso falar sobre os conceitos de resultados falso-
-positivos e falso-negativos. Não existe um teste que não
tenha uma margem de erro. Logo, é possível que o teste
273
acuse doença em uma pessoa sadia. Quando esse erro ocorre,
dizemos que se trata de um resultado falso-positivo. Seguindo
o mesmo raciocínio, pode ocorrer de determinando testes
em um indivíduo doente não acusar qualquer anormalidade,
sendo denominado um resultado falso-negativo.
Pode-se visualizar melhor informações abaixo na
Tabela 1. Nessa tabela, dividimos os pacientes em estudo
sob 2 colunas (baseando-se em seu estado de saúde real,
geralmente) e, ao mesmo tempo, em 2 linhas (baseando-se no
estado visto pelo teste que se deseja analisar). Ao se cruzar
esses dados, obtemos os falso-positivos e falso-negativos
explicados acima.
TESTE REFERÊNCIA
Doentes Sadios
A B
Positivo (Verdadeiro- (Falso-po-
Teste em -positivo) sitivo)
análise C D
Negativo (Falso-ne- (Verdadeiro-
gativo) -negativo)
Doentes Sadios
90 60
Positivo (Verdadeiro- (Falso-po-
Teste hipo- -positivo) sitivo)
tético para
malária 10 40
Negativo (Falso-ne- (Verdadeiro-
gativo) -negativo)
Doentes Sadios
90 5
Teste Positivo (Verdadeiro- (Falso-po-
hipotético -positivo) sitivo)
para febre 90 95
amarela Negativo (Falso-ne- (Verdadeiro-
gativo) -negativo)
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
A
ntes de iniciar a leitura deste capítulo, tenha
certeza de que compreendeu bem os conceitos
de sensibilidade, especificidade e acurácia. Só
assim ficará mais fácil a compreensão sobre o significado e
a importância do valor preditivo. Caso necessário, retorne
aos capítulos anteriores para consolidar esse aprendizado.
Entender o conceito de valor preditivo é importante
para sabermos a utilidade dos métodos diagnósticos na
prática clínica. No nosso exercício profissional, partindo
de um quadro clínico, elaboramos nossas hipóteses diag-
nósticas e pensamos nos exames que devem ser solicitados
para confirmar ou afastar nossas suspeitas. Nesse contexto,
nosso objetivo, ao final da leitura deste capítulo, é fazer com
que você seja capaz de saber quando solicitar determinado
exame e como interpretar o que um resultado positivo ou
283
negativo significa a depender do paciente e da forma como
ele se apresenta.
CONCEITOS
PROBABILIDADE PRÉ-TESTE
CONCLUSÃO
301
Observando o alvo do arqueiro 01 percebemos que
ele consegue acertar sempre muito próximo do ponto cen-
tral (exatidão) e que todas as flechas também estão muito
próximas (precisão), logo ele será o arqueiro mais acurado!
Ademais, vendo o arqueiro 02 percebemos que ele já não
consegue acertar suas flechas próximas ao ponto central
(pouco exato), mas elas continuam próximas umas das outras
(muito preciso).
Além disso, avaliando o arqueiro 03 percebemos que
ele consegue acertar as flechas muito próximas ao centro
(muito exato), porém tem dificuldade de fazer com que todas
elas atinjam exatamente o centro (pouca precisão). Por fim,
o pior arqueiro é o 04, que não consegue atingir o centro da
mira (pouca exatidão) e atinge pontos muito distintos entre
si (pouca precisão). Fica fácil perceber esses dois conceitos
atentando para a imagem.
Agora vamos nos atentar para uma outra representação
esquemática que também tenta explicar ambos os conceitos,
mas em forma de gráfico. Vejamos:
CABEÇA PENSANTE
ACURÁCIA 303
para transtorno bipolar. Nessa situação, é importante saber que o lítio
tem uma faixa terapêutica muito estreita, assim, se ele ultrapassar os
limites dessa faixa poderá promover efeitos colaterais importantes.
ACURÁCIA 305
Figura 4 – Representação de uma tabela 2x2
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
ACURÁCIA 307
precision) of measurement methods and results - Part 1: General
principles and definitions.”, p. 1 (1994)
A
s curvas ROC foram desenvolvidas nos anos
1950 como um produto de pesquisa para
analisar a interferência nos sinais de rádio,
monstrando a relação entre ruído e sinal. Após um tempo,
percebeu-se que elas poderiam ser recursos importantes
na representação de dados estatísticos em Medicina, auxi-
liando na decisão clínica, sendo utilizadas até hoje. A curva
ROC busca apresentar, no contexto da Medicina Baseada em
Evidências, a relação entre a sensibilidade e a especificidade
de determinado teste.
A ideia central reside na premissa que determinados
testes possuem um ponto de corte – frequentemente, deter-
minado arbitrariamente – acima e abaixo do qual haverá dife-
rentes desfechos – o que poderíamos chamar de “resultado
309
positivo” e “resultado negativo”, este que se relaciona com a
especificidade e aquele com a sensibilidade.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
V
imos nos capítulos anteriores diversas análises
estatísticas que tem como princípio encontrar
associações entre fatores, entretanto acaba por
ser um erro comum a interpretação de que ter uma boa
estatística é uma condição única para transformar uma
associação em um fator causal. Por isso, é importante esse
capítulo para desconstruir o costume de entender associação
(medido pela bioestatística) como igual a Causalidade.
Vejamos um exemplo para entendermos melhor:
Imaginemos que de um estudo comparando fumantes e não
fumantes com o risco de ter câncer de pulmão. Após as
análises adequadas chegou-se a uma valor de risco relativo
315
de 30, isto é, poderíamos dizer que um fumante tem 30 vezes
mais risco de ter câncer de pulmão do que um não fumante.
Entretanto, é essencial notar que apesar de termos uma
medida de associação forte (30 vezes mais risco) esse valor não
nos permite ainda afirmar com exatidão que “fumar causa
câncer de pulmão”, mas apenas que “fumar está fortemente
associado a câncer de pulmão”.
O intuito do exemplo é mostrar que necessitamos de
mais informações, além da estatística, para transformar um
conhecido fator de associação em um fator causal. Dessa
forma, para compreender melhor como chegar à conclusão
de causalidade voltaremos um pouco no passado para uma
das primeiras tentativas de transformação causal voltado
para a área da saúde.
MODELO DE ROTHMAN
Causalidade 317
Causa componente: São as unidades causais contidas
dentro da causa suficiente.
Causa necessária: Quando a doença só ocorre na
presença dela. Logo, estará presente em todas as causas
suficientes.
Agora que temos esses três conceitos vamos atentar
para a imagem explicativa:
Causalidade 319
na tentativa de transformar um fator associado (descoberto,
por exemplo, pela estatística) em um fator causal.
Critérios de Bradford Hill (1965):
Causalidade 321
esse efeito dose-resposta pode ocorrer complemente
por um viés.
6. Plausibilidade: seria plausível diante de todo o conhe-
cimento atual sobre o tema a proposta de fator causal?
Essa é a pergunta que deve ser respondida por esse
item, temos então que fazer uma revisão da literatura
sobre o que já foi estudado sobre esse fator e sobre
a doença. Um adendo seria que quando menos se
conhece sobre a doença (doenças raras) mais difícil
fica excluir a plausibilidade.
7. Coerência: esse critério é satisfeito quando não há
divergência entre o que é conhecido da história natural
da doença e da fisiopatologia dela com o que se está
sendo proposto.
8. Evidência experimental: nesse item busca-se encontrar
estudos que mostrem uma avaliação causal do fator
desejado, o que muitas vezes é difícil de ser realizado
por questões éticas.
9. Analogia: O uso de analogias pode facilitar a compre-
ensão da causalidade do fator. Por exemplo, se uma
droga anti-hipertensiva diminui desfechos cardiovas-
culares outra droga anti-hipertensiva da mesma classe,
por analogia, também deve diminuir esses desfechos.
Atualmente o uso dos critério de Bradford Hill ainda
são os mais didáticos para a compreensão de que a estatística
não é a condição mínima necessária para considerar um
fator como causal. Além disso, atualmente existem novas
metodologias mais complexas como no teste de causalidade
de Gringer sempre com o intuito de aprimorar a capacidade
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
Causalidade 323
ESTATÍSTICA
APLICADA
A ESTUDOS
PROGNÓSTICOS
23 Breno C C Simas
Clause Willdys Medeiros Dantas
Ferdinand Saraiva Maia
Juliana Soares Pimenta
Maria Paula Ribeiro Dantas Bezerra
A
identificação de fatores prognósticos (ou seja,
características do paciente e da doença que
guardam associação com algum desfecho
futuro de interesse) é importante, pois nos permite “prever”
a história natural daquela patologia. A criação de modelos
prognósticos, os quais analisam diversas variáveis para
estimar a probabilidade de um desfecho, também é muito
útil na prática médica.
Entretanto, é importante que a investigação prognóstica
seja realizada sob a luz da Medicina Baseada em Evidências,
para não acarretar conclusões e interpretações errôneas. Por
exemplo, como saber o quanto aquele fator ou modelo prog-
nóstico é acurado, ou seja, o quanto eu posso “confiar” nele
para indicar se meu paciente irá sofrer um evento adverso?
325
Como saber se os resultados de um estudo prognóstico
são válidos? Para entender isso, é necessário avaliar o tipo
de estudo que validou a influência daquele fator ou modelo
prognóstico, a análise estatística usada, a acurácia do modelo,
além de características da performance do teste, como o
índice de reclassificação líquida e a calibração. É justamente
esse conhecimento que você irá adquirir a partir de agora!
VARIÁVEL PREDITORA
DESENHO DO ESTUDO
ANÁLISE MULTIVARIADA
ACURÁCIA DE MODELOS
PROGNÓSTICOS/ESTATÍSTICA-C
Indivíduos que
Reclassifica- Reclassificação
APRESENTARAM
ção correta incorreta
DESFECHO
Indivíduos que
Reclassificação Reclassifica-
NÃO APRESENTA-
incorreta ção correta
RAM DESFECHO
C A L I BR AÇÃO
CABEÇA PENSANTE
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
ARAUJO, Andre B.; HALL, Susan A.; GANZ, Peter; CHIU, Gretchen
R.; ROSEN, Raymond C.; KUPELIAN, Varant; TRAVISON, Thomas
G.; MCKINLAY, John B.. Does Erectile Dysfunction Contribute to
Cardiovascular Disease Risk Prediction Beyond the Framingham
Risk Score? Journal Of The American College Of Cardiology, [s.l.], v.
55, n. 4, p. 350-356, jan. 2010. Elsevier BV. http://dx.doi.org/10.1016/j.
jacc.2009.08.058.
24 Breno C C Simas
Ferdinand Saraiva Maia
INTRODUÇÃO
V
emos em campanhas anuais e programas
governamentais a promoção de medidas que
possibilitam o diagnóstico precoce de diversas
doenças em indivíduos saudáveis: a alguns meses foram atri-
buídas cores que representam campanhas para diagnóstico
precoce de câncer (“outubro rosa” para o câncer de mama,
“novembro azul” para o câncer de próstata); pacientes recém-
-nascidos fazem testes de triagem neonatal para diagnóstico
precoce de doenças graves; indivíduos assintomáticos são
submetidos a testes de estresse para diagnóstico de doença
arterial coronariana.
345
Mas o que justifica recomendar um teste para diagnos-
ticar uma doença em quem nada sente? Neste capítulo iremos
discutir os aspectos centrais para a recomendação de testes de
rastreio e suas potenciais consequências – benefícios e danos.
O QUE É SCREENING?
CABEÇA PENSANTE 1
RESULTADOS VERDADEIRO-POSITIVOS
NO SCREENING NÃO GARANTEM
BENEFÍCIO AO MEU PACIENTE
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
D
esde o início século XXI que os artigos cientí-
ficos ganharam destaque como importantes
ferramentas de disseminação de informação.
As descobertas científicas – seja da área da saúde ou não –
estão há muitos anos ao nosso redor e a disseminação dessas
informações são sempre alvo de grande discussão. Afinal,
de que adianta uma grande descoberta, se esta não puder
ser compartilhada?
O objetivo deste manual é capacitar o leitor para melhor
interpretar e analisar de forma crítica artigos científicos.
E, assim, criar uma maneira de sistematizar a leitura de
artigos, otimizando a busca de informações essenciais para
361
a compreensão e a identificação de fontes fidedignas para
estudo.
O artigo científico é uma síntese escrita dos resultados
obtidos por uma investigação sobre determinado tema cuja
divulgação para a população ocorre, geralmente, através
de publicações em periódicos especializados. O objetivo
principal é ser um meio rápido e resumido de divulgação,
apresentando o referencial teórico, a metodologia, discutindo
a implicância dos resultados e as principais dificuldades
encontradas no processo de investigação.
Nesse contexto, os artigos científicos se apresentam
como verdadeiros relatórios que buscam expor algum tipo de
descoberta a leitores interessados e, além disso, provar como
os autores conseguiram chegar a seus resultados. Qual é a
importância disso? Por que simplesmente não informamos
apenas os resultados? Por que temos que dedicar tanto tempo
para metodologia e discussão?
Nos artigos nada é arbitrário: a dedicação de pági-
nas para referencial teórico, metodologia e discussão torna
transparente e fiel a pesquisa realizada e, sobretudo, abre
precedente para que outros possam realizar trabalho seme-
lhante – replicabilidade – com o propósito de juntar forças e
aumentar a evidência sobre determinado assunto. Além disso,
na discussão compara-se os resultados com outras pesquisas,
contrárias ou a favor, o que colabora para a construção de
um ambiente mais reflexivo e crítico, algo essencial para a
formação de uma opinião nos dias atuais.
CABEÇA PENSANTE 41
RESUMO
CABEÇA PENSANTE 42
INTRODUÇÃO
CABEÇA PENSANTE 43
CABEÇA PENSANTE 44
CABEÇA PENSANTE 45
CABEÇA PENSANTE 47
CABEÇA PENSANTE 49
2) Agrupamento
Nesse ponto, a metodologia descreve como foi feito
o processo de agrupamento da população estudada, que
inicialmente pode ser do tipo “não agrupado” ou do tipo
“agrupado”.
Quando um modelo de pesquisa é “não agrupado”,
estudamos apenas um único grupo populacional. Por exem-
plo, se quisermos conhecer a incidência de uma doença na
população, há apenas um grupo estudado (aqueles com a
doença) sobre a população não estudada (que poderia ser a
população brasileira).
De modo contrário, em um modelo com agrupamentos,
a população estudada se divide em outros grupos – dois ou
mais. Um estilo de estudo que facilita a nossa compreensão
seria o Ensaio Clínico, pois nessa situação teremos nossa
população alvo dividida em um grupo INTERVENÇÃO (que
irá sofrer a intervenção, com uso da medicação) e outro grupo
CONTROLE (que não irá sofrer a intervenção, com o uso de
placebo ou de uma terapia padrão de reconhecida eficácia).
CABEÇA PENSANTE 52
CABEÇA PENSANTE 53
CABEÇA PENSANTE 54
O ideal, então, é fazer com que ambos pensem iguais (ou ambos
positivamente ou ambos negativamente). Dar placebo e não informar
a qual grupo o voluntário pertence faz com que todos pensem que
são grupo intervenção e todos tenham pensamentos positivos,
assim, diminuímos esse viés.
CABEÇA PENSANTE 57
ANÁLISE DO CONTEÚDO
ANÁLISE DO DISCURSO
RESULTADOS
CABEÇA PENSANTE 58
DISCUSSÃO
CABEÇA PENSANTE 59
CONCLUSÃO
CABEÇA PENSANTE 60
REFERÊNCIAS
CABEÇA PENSANTE 62
APÊNDICE
CABEÇA PENSANTE 63
CABEÇA PENSANTE 64
REFERÊNCIAS
ECO, U. Como se Faz uma Tese - 14. ed. São Paulo: Editora
Perspectiva, 1996.
A
intenção deste capítulo é fornecer uma breve
introdução sobre como operar nas ferramentas
de pesquisa das principais bases de evidências
e otimizar a utilização dos recursos disponíveis.
A partir disso, antes de destrincharmos acerca dos
mecanismos e instrumentos destinados a uma procura mais
efetiva de publicações nas mais diversas bases de pesquisa,
faz-se válido analisar conceitos importantes, os quais interfe-
rem diretamente na qualidade da evidência a ser analisada:
fator de impacto e qualis.
399
Scientific Information) em determinado ano. O FI de uma
revista/periódico é proporcional ao número de leitores; sendo
assim, há uma relativa subestimação de estudos publicados
em revistas de áreas do conhecimento mais específicas.
Basicamente, esse parâmetro é analisado e definido
pela seguinte expressão de divisão matemática: (quantidade
de citações que os estudos publicados nos dois anos ante-
riores por uma revista receberam neste mesmo período) /
(número de estudos publicados nos dois anos anteriores ao
ano analisado).
Por exemplo: uma revista “X” teve 750 citações em
2018-2019 e, no total, publicou, em 2018-2019, 150 artigos.
Portanto, o FI da revista “X” em 2020 é = 750/150 = 5.
Para termos uma ideia prática de quais são os valo-
res do FI dos mais diversos periódicos que temos acesso,
convém citar os fatores de impacto da CA-A Cancer Journal
for Clinicians (o maior entre todas as revistas científicas - FI
= 223.679 - SCI Publication, 2019/2020) e o do NEJM - New
England Journal of Medicine - (a segunda revista com mais
citações entre os periódicos da medicina e a de maior rele-
vância no âmbito médico; FI = 70.67 - Journal Citation Reports,
2018, Web of Science Group, 2019, e SCI Publication, 2019/2020).
Além disso, como forma de curiosidade, a Brazilian Journal
of Microbiology é a revista brasileira com o maior fator de
impacto nacional e ocupa o 31650 lugar no ranking geral (FI
= 2.857 - SCI Publication, 2019/2020).
M EDL I N E , POPU L A R M E N T E , PU BM ED
H T T P://PU BM ED.COM
SC I ELO
E M BA SE
H T T P://BVSA LU D.ORG
G O O GL E SC HOL A R
PA L AV R A S -C H AV E
OPER A D OR ES BO OL E A NOS
OR
A N D NOT
A INTERPRETAÇÃO É DA ÚLTIMA
PARA A PRIMEIRA PALAVRA
T E M POR A L
T I PO DE EST U D O
I DIOM A
R E V ISTA
REFERÊNCIAS
[1] AQUINO, I, S. Como Ler Artigos Científicos. 2. ed. São Paulo:
Saraiva, 2010. 94 p.
[2] ECO, U. Como se Faz uma Tese - 14. ed. São Paulo: Editora
Perspectiva, 1996.
INTRODUÇÃO
O
conceito da Medicina Baseada em Evidências
começou a aparecer em periódicos científi-
cos no começo da década de 1990, ainda que
ensaios clínicos e estudos metodologicamente estruturados
já fossem realizados há muitas décadas. O novo conceito se
referia a uma nova estratégia de comportamento dentro da
Medicina que primava pelo uso consciente e judicioso da
melhor evidência disponível na tomada de decisões clínicas
para o cuidado dos pacientes. Com o tempo, essa abordagem
foi incluindo novos olhares e percepções, até firmar o ideal
de um tripé essencial para todo bom médico: a experiência
411
clínica e o conhecimento de evidências científicas, aliado ao
reconhecimento das prioridades e preferências do paciente.
CABEÇA PENSANTEԝ
CABEÇA PENSANTEԝ
abaixo de 40%.
Na figura 09 acima, observamos que o valor de P não
obteve significância estatística, então ficamos com a hipótese
nula de que os estudos são homogêneos. Além disso, o valor
de I é nulo, indicando não haver diferenças entre os estudos
2
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
O
método científico consiste no conjunto de regras
e procedimentos realizados para elaboração
de um trabalho científico e objetiva investigar
alguma hipótese pré-existente. Quando falamos em desenho
de estudo, estamos nos referindo à sua abordagem metodo-
lógica, a este conjunto de características básicas e processos
empregados para testar uma hipótese.
Nesse contexto, um estudo pode apresentar um resul-
tado positivo ou negativo. Mas esta análise não deve ser assim
tão simples, precisamos ir além e analisar a veracidade dos
achados da pesquisa. Devemos ter em mente que o resultado
de uma pesquisa nem sempre se traduz em uma verdade
455
científica: muitas vezes aquilo que foi encontrado decorre de
um erro do estudo (viés) ou simplesmente do acaso.
A saber, uma associação encontrada pode decorrer de
três fatores: viés, acaso ou causa.
• Causa é quando existe de fato uma relação causal entre
as variáveis estudadas;
• O termo acaso refere-se a associações encontradas de
forma aleatória;
• E o viés representa erros decorrentes da metodologia
do trabalho e que podem, eventualmente, alterar de
forma significativa os resultados.
Ao longo deste capítulo nos ateremos à discussão sobre
essas duas últimas possibilidades e suas consequências
em um estudo. Além disso, iremos esclarecer o porquê da
necessidade de esmiuçar a metodologia de um artigo, como
identificar as possibilidades de viés e afastar a probabilidade
do acaso.
O QUE É ERRO?
ERROS ALEATÓRIOS
CABEÇA PENSANTEԝ
CABEÇA PENSANTEԝ
ERROS SISTEMÁTICOS
V I ÉS DA I N T ER PR ETAÇÃO D OS DA D OS
ERROS NA APLICAÇÃO DA
INTERVENÇÃO E CONTROLE
V I ÉS DE V ER I FIC AÇÃO
V I ÉS DE PU BL IC AÇÃO
REFERÊNCIAS
Jefferson, T., Doshi, P., Boutron, I., Golder, S., Heneghan, C.,
Hodkinson, A., Jones, M., Lefebvre, C. and Stewart, L.. When to
include clinical study reports and regulatory documents in system-
atic reviews. BMJ Evidence-Based Medicine, 23(6), pp.210-217, 2018.
487
CINTHIA MARIA CIBELLE DE LIMA SOUZA. Médica formada
pela da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
CLAUSE WILLDYS MEDEIROS DANTAS. Estudante de
Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN).
DYEGO LEANDRO BEZERRA DE SOUZA. Professor do
Departamento de Saúde Coletiva da UFRN - Graduação
em Odontologia e mestrado em Odontologia Preventiva
e Social pela UFRN, doutorado em Medicina Preventiva e
Saúde Pública pela Universidade de Zaragoza (Espanha) com
período sanduíche na International Agency for Research on
Cancer - World Health Organization (França).
ELAINE LIRA MEDEIROS BEZERRA. Graduação em
Medicina pela Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (UFRN). Médica Reumatologista pela Universidade
Federal de São Paulo(UNIFESP). Professora Associada do
Departamento de Medicina Clínica da UFRN. Mestrado e
Doutorado em Ciências da Saúde pela UFRN. Especialização
em Educação Médica pelo FAIMER Philadelphia ( Foundation
for Advancement of Medical Education and Research).
FERDINAND GILBERT SARAIVA DA SILVA MAIA.
Médico formado pela Universidade Federal do Rio Grande
do Norte. Egresso do PET Medicina UFRN. Residência em
Clínica Médica e Cardiologia pelo Hospital Universitário
Onofre Lopes. Plantonista da Unidade de Terapia Intensiva
do Hospital Promater. Coordenador do Pronto Atendimento
e da Educação Médica do Hospital Rio Grande.
FREDERICO BATAH EL-FEGHALY. Estudante de Medicina
da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
cauledepapiro.com.br
A Medicina Baseada em Evidências (MBE) é hoje uma
realidade na atuação do médico, objetivando o melhor
cuidado aos pacientes, baseada na melhor evidência
científica disponível até o momento. Na verdade, essa
prática vem crescendo tanto, na área da saúde como
um todo, que vemos uma tendência à mudança de ter-
minologia para Saúde Baseada em Evidências (SBE),
mostrando que não só a área médica, mas todos os
profissionais da saúde, cada vez mais, usam da intera-
ção entre as pesquisas científicas e a reflexão da expe-
riência como fundamento para a tomada de decisões.
Assim, o Programa de Educação Tutorial (PET) do cur-
so de Medicina da Universidade Federal do Rio Gran-
de do Norte (UFRN) construiu o presente livro com o
propósito de ser um meio de consulta prática, direta
e descomplicada para sistematizar a leitura de artigos
científicos, compreendendo suas divisões e orientan-
do a retirada de informações essenciais. Além disso,
objetivou proporcionar uma boa fundamentação para
a análise crítica de artigos científicos e reflexões so-
bre como praticar uma exitosa Medicina Baseada em
Evidências.
editora