Cultura Mocambicana Trabalho-11-1
Cultura Mocambicana Trabalho-11-1
Cultura Mocambicana Trabalho-11-1
4º Ano: Iº semestre
Conclusão......................................................................................................................................13
Referências bibliográficas.............................................................................................................14
1. Introdução
Em todo o espaço social e cultural, há sempre regras que permitem aos indivíduos viver em
comunidade. A cultura é, portanto, um meio imprescindível de socialização humana, porque ela
tem a função de permitir a adaptação do indivíduo ao meio social e natural em que vive. Ela é
também considerada como sendo um património cultural que os indivíduos usam para poderem
se comunicar uns com os outros, não apenas por meio do uso da linguagem, mas também, por
formas de comportamento (Manuel, 2018). Isso significa que as pessoas compreendem os
sentimentos e as intenções das outras porque conhecem as regras culturais de comportamento
existentes em sua sociedade.
Nos últimos anos, vários estudos sociais, linguísticos e antropológicos sobre Moçambique, têm
evidenciado a questão da complexidade linguística e étnica que Moçambique possui, pois, este
país possui cerca de 23 línguas de origem bantu (Ngunga e Faquir, 2012), também, possui
inúmeras etnias ou grupos linguísticos, que se encontram divididos por regiões: Norte-com maior
predominância da etnia macua, Centro- etnia Sena, e Sul-etnia Tsonga. É neste contexto que se
enquadra o presente trabalho, no âmbito do estudo da cultura moçambicana, no que concerne aos
aspectos convergentes e divergentes da cultura moçambicana multiétnica e multilinguística, com
enfoque à etnia Macua e etnia Tsonga. Pretendemos assim, com este estudo, fazer uma análise
teórica identificando e descrevendo (alguns) aspectos culturais tanto da etnia macua, assim
como, da etnia tsonga. E por meio disso, indicar os aspectos convergentes e divergentes
existentes entre esses dois grupos etnolinguísticos.
O texto possui a seguinte ordem de apresentação: primeiro iremos tecer breves considerações
sobre as definições de cultura e etnia. Em segundo daremos sequência, falando dos aspectos
culturais da etnia Macua e dos aspectos culturais da etnia Tsonga (Usos e costumes de cada
etnia). De seguida faremos o interface dos aspectos divergentes e convergentes da cultura
moçambicana multiétnica e multilinguística das etnias Macua e Tsonga. Por fim teceremos a
conclusão, com a apresentação das respectivas fontes de referência bibliográfica no final.
2. Cultura e Etnia: breves considerações
A palavra Cultura deriva do Latim Culturae, que significa “acção de tratar”, “cultivar” ou
“cultivar a mente e os conhecimentos”. O vocábulo culturae originou-se a partir de outro termo
latino: colere, que quer dizer “cultivar as plantas” ou “ato de plantar e desenvolver actividades
agrícolas”. Com o passar do tempo, foi feita uma analogia entre o cuidado na construção e
tratamento do plantio, com o desenvolvimento das capacidades intelectuais e educacionais das
pessoas (Dicionário Etimológico). Segundo Bosi, citado por Manuel (2018), a palavra Cultura
significa um conjunto de valores, crenças, costumes, artefactos e comportamentos com os quais
os seres humanos interpretam, participam e transformam o mundo em que vivem.
A palavra Etnia, por sua vez, surgiu no continente africano nos finais do século XIX, com a
emergência do imperialismo. Este termo inicialmente tinha a designação de: os povos/sociedades
primitivas/pré-industriais, em oposição as sociedades ocidentais/evoluídas. Foi a partir desta
altura, que a etnia ou tribo passou a ser considerada “como um fenómeno africano, onde os
respectivos povos não teriam consciência da sua unidade nem vontade de viver em conjunto"
(CHICHAVA, 2008, p.2). Assim sendo, Marcier citado por Chichava (2008), considera Etnia
um grupo fechado que descende de um único antepassado, ou seja, que tem a mesma origem,
possui a mesma cultura e fala a mesma língua.
A tribo, etnia ou grupo linguístico Tsonga ou Changana, encontra-se localizado na região sul de
Moçambique, concretamente a sul do Rio Zambeze, correspondendo a perto de 23% da
população total. As etnias do Sul, são particularmente caracterizadas por uma população de
agricultores e pastores, por conta das condições impostas pela localização geográfica, foram as
primeiras a estabelecer contacto com os portugueses, constituem uma parcela de maioria cristã e
com estrutura familiar baseada no patriarcalismo (Ciríaco, 2015). A etnia tsonga é considerada
patriarcal porque o homem é que constitui a figura central da família e a mulher é que sai da sua
parentela para se juntar a parentela do seu marido. Mas, de acordo com Pires (2000), neste tipo
de linhagem, só se reconhecem como parentes os que o são pela linha paterna, não podendo os
eventuais contactos com a família materna atingir de qualquer forma a sua pertença ao grupo do
respectivo pai.
Entre os tsongas celebra-se e o culto aos deuses antepassados (Svikwembu); Há prática do lobolo;
Da magia negra (Vuloyi); Da medicina tradicional (n'anga); Há produção têxtil como as coloridas
Capulanas, de origem Tsonga, um dos símbolos da identidade feminina moçambicana; Uso
constante das línguas Bantu; Pratica-se rituais de cerimónias fúnebres e de nascimento; Danças e
cantos tradicionais; A poligamia, entre outras actividades.
Neste sentido, a consulta aos antepassados de acordo com Junod é nada menos que:
Todo o tipo de ritos, práticas, concepções ou sentimentos que pressupõem a
crença em espíritos pessoais ou semi-pessoais revestidos dos atributos da
divindade e com os quais o homem tenta entrar em relação, com o fim de
alcançar a sua assistência ou desviar a sua cólera, essencialmente por meio de
oferendas e de preces (JUNOD, 1996, p.387).
O lobolo é uma prática que consiste no pagamento de dote (dinheiro ou bens materiais), para a
família da noiva, principalmente da zona rural, tornando a mulher propriedade do marido
(Ciríaco, 2015). No Sul as mulheres são criadas para trabalhar, para procriação, para cuidar da
família/do lar, devendo obediência e submissão plena ao marido. Como se pode observar,
quando uma mulher é casada através do lobolo, praticamente, ela é inculcada a se sujeitar, a
viver e/ou a suportar qualquer tipo de trato, ficando desimpedida de separar-se por causa do
pagamento efectuado pelo homem no momento da consagração do matrimónio. Ou seja, o lobolo
faz da mulher, “um produto de mercantilização social, uma forma de dominação masculina”.
A magia negra (Vuloyi) é todo o tipo de rituais, práticas e concepções que têm por fim actuar
sobre poderes ameaçadores, exercidos quer por forças impessoais da natureza, quer pelos seres
humanos que deitam sortes ou por espíritos pessoais (antepassados/ameaçadores que tomam
posse das suas vítimas - sendo esses ritos e práticas inspirados pelos princípios da magia oculta
(Junod, 1996). Neste sentido, existem dois tipos de magia: a Magia branca, que o homem usa
para proteger-se a si próprio contra as forças ameaçadoras; a Magia negra, pela qual o homem
tenta servir-se dessas forças contra o seu próximo, isto é, significa fazer mal ou matar alguém por
feitiçaria. Os Valoyi detém os seus poderes de forma hereditária; É uma espécie de sociedade
secreta, cujas acções são praticadas de noite revestidos dos seus corpos espirituais, para comerem
e beberem sangue; Os Valoyi são perturbadores da ordem social e são ladrões, roubam sobre
tudo, milho e outros produtos dos campos; São criminosos e assassinos, porque matam sem
serem vistos; São movidos pelo ódio e pela inveja, pois quando um deles é ofendido, vingam-se
matando seu inimigo.
A feitiçaria (Vuloyi) é um dos grandes flagelos da vida indígena. Esta superstição que se
apoderou do espírito bantu exerce sobre ele um poder enorme, que segundo Jonod deve-se a três
causas:
1ª., As crenças animistas (que a alma humana continua a existir além da morte,
revestindo-se de novos poderes que a tornam objecto de respeito e de temor); 2ª., o
canibalismo que talvez nunca existisse como costume no sul da África mas que foi
esporadicamente praticado nos períodos de fome e deixou no espírito das gerações
subsequentes um sentimento de repugnância e horror; 3ª., se é possível que nestas tribos
membros da comunidade acusem outros de terem morto e comido seres humanos, é
porque sabem que um indígena possesso de ódio não recua diante de coisa nenhuma
para satisfazer o seu desejo de vingança (JUNOD, 1996, p.433).
A medicina tradicional (n'anga) consiste na prática médica de cura de certos tipos de doenças
na base de ervas e raízes de arbustos. A actividade dos curandeiros diferentemente dos
feiticeiros, não é secreta e nem nocturna, é a luz do dia; Vestem-se com roupas e enfeites
especiais que fazem questão de exibir; Eles passam por uma preparação ou por uma iniciação
para exercer a sua actividade de médicos; Empregam mirhi (ervas medicinais com poder
especial); Os curandeiros são sustentáculos da ordem social e não criminosos que buscam
contrariá-la; Predizem o futuro e curam doentes; Previnem a desgraça sob todas as formas, e
lutam contra os feiticeiros.
A dança tradicional Xigubo: para as populações moçambicanas, dançar e cantar são parte da
essência humana, é, a bem dizer, celebrar a vida e a morte. Todas as regiões têm as suas danças
específicas, representações típicas das tradições, principalmente religiosas de cada etnia. São
danças que celebram os rituais de iniciação, rituais de passagem, rituais de celebração das
colheitas, de celebração dos casamentos, de celebração da morte e muitas outras, que nos dias
atuais acontecem normalmente nas regiões rurais, sempre acompanhadas por músicos e
instrumentistas (Ciríaco, 2015). Sendo assim, o Xigubo é praticado predominantemente nas
regiões das províncias de Gaza e Maputo. Tem forte ligação com a trajectória história política de
Moçambique pois sua dança representa a resistência colonial. O Xigubo também é conhecido
como “dança dos guerreiros” pois era dançado como forma de preparar os guerreiros
militarmente e também para festejar vitórias. Os dançarinos ficam alinhados em uma ou mais
filas com enfeites de fibras pelos braços e pernas. Os cantos trazem letras que relatam vitórias e
feitos históricos, assim como acontecimentos sociais (Rhormens, 2013).
A poligamia-a palavra Poligamia deriva do grego poli “várias” mais gino “mulher” bastante
comum entre os povos, designadamente entre os indivíduos de cultura islâmica, a mesma
consiste no facto de um homem ter várias esposas ou várias mulheres partilharem entre elas o
mesmo homem (Tiago, 2014). Para confirmar a existência deste fenómeno entre os tsongas,
vejamos oque vem no seguinte extracto:
A poligamia pratica-se uniformemente em toda a tribo. Isto não quer dizer que
todos os homens possuam muitas mulheres; a regra de história natural segundo a
qual o número de homens é pouco mais ou menos equivalente ao número de
mulheres, regra que foi reconhecida exacta em fisiologia, verifica-se também
entre os indígenas e, em tempos vulgares, as mulheres não são mais numerosas
que os homens nas tribos bantu. Muitos homens são monógamos, não que o
desejem mas por força das circunstâncias. Nas povoações arredores da cidade de
Lourenço Marques, o chefe da povoação tem normalmente duas a três mulheres.
Na região de Gaza os chefes vão mais longe, ou pelo menos, faziam-no noutros
tempos, sob o domínio de Ngungunyana (JUNOD,1996, p. 260).
O maior grupo étnico presente no país é o Macua, correspondendo a cerca de 37% da população.
A etnia macua é uma população ou grupo social que apresenta relativa homogeneidade cultural e
linguística, compartilhando história e origem comuns. A língua comum destas populações é
emakhuwa, termo que também significa a maneira de ser, a cultura e os usos e costumes dos
Macua. Associada às influências muçulmanas e portuguesas, com a maior parcela de crença
muçulmana e com estrutura familiar baseada no matriarcalismo.
No sistema matrilinear, o homem casa-se com a mulher e vai morar na casa dela, ou seja, na
família da sua esposa, tendo residência designada uxorilocal. A par disso, os seus filhos são
cuidados pelo irmão da sua mulher e ele presta serviços a sogra como forma de agradecer a
mulher por ela ter dado à luz a sua mulher. Caso o homem não se comportar bem na família da
sua esposa é expulso. Se bem que é a mulher que cuida dos bens da família sem a intromissão do
seu marido. Enfim, o homem não lhe é tirado direito dos seus filhos, ter o seu nome e de ter
muitas esposas. Ainda no sistema matrilinear, as jovens casam com os 13 e 16 anos em regra.
Além disso, não há limite de idade para se fazer o pedido de casamento por parte do homem, o
que significa que se pode comprometer a rapariga para acto matrimonial ainda tenra. Neste caso,
o noivo da criança pode ainda cuidar, oferecer presentes a família dela até que um dia a mesma
chegue a ter idade de ir ao lar (Cipire, 1996).
Entre os macuas celebra-se também a consulta do espírito aos antepassados (Makeya); Pratica-se
a magia negra (Mukwiri); A medicina tradicional (Mukhukanu); Há produção têxtil como as
coloridas Capulanas, mas de origem macua e tanzaniana; Uso constante das línguas Bantu;
Pratica-se rituais de cerimónias fúnebres e de nascimento; Danças e cantos tradicionais; Ritos de
iniciação masculina e feminina, entre outras actividades.
Rito de iniciação masculina- o mesmo tem a ver com a circuncisão, acto este que permite com
que os rapazes sejam reconhecidos socialmente como cidadãos de corpo inteiro, fazendo parte
inclusive das conversas adultas, vendo cadáveres, assistindo cerimónias fúnebres, casando e
formando uma família. Depois da circuncisão no mato, os rapazes são levados para morar numa
cubata onde aprendem a ser um bom pai, a encarar uma mulher sexualmente, a ter a consciência
de que os espíritos que tanto temem são, afinal, seres de carne e osso como ele, a respeitar os
familiares da sua mulher, não possuir uma mulher com menstruação ou que estiver a amamentar
ou ainda que estiver grávida. Finalmente, todas as roupas usadas pelos rapazes durante o rito são
queimadas (Cipire, 1996). Nessa prática os rapazes são colocados em provações físicas, por
vezes envolvendo torturas corporais. Com as dores infligidas pretende-se que os rapazes, tornem-
se mais fortes e resistentes física e emocionalmente, e que esses sacrifícios transformem-se num
motivo para a passagem de idade e para que sejam reconhecidos no seu grupo social como
sujeitos participantes de tudo que acontece nas suas comunidades (participar nos funerais, em
festas de iniciação, conversar e opinar na roda dos mais velhos, tomar decisões, etc.).
Rito de iniciação feminina- no que tange ao rito de iniciação feminina, tal como sucede com os
rapazes, as raparigas só são reconhecidas como ser humano completo após a passagem pelos
ritos de iniciação. Assim que elas começarem a menstruar são conduzidas pelas
mestras/matronas idóneas para o mato, onde aprendem tudo sobre como se comportar com o
homem em relação ao sexo. Além disso, elas aprendem a cuidar do lar, a não comer coisas que
podem causar doenças e que podem afectar a criança, a não praticar relações sexuais com vários
homens durante o período da primeira gravidez, para não ter parto complicado, a não dormir na
cama com o marido durante a menstruação, não ter relações sexuais com o seu marido por seis
meses depois do parto, etc (Cipire, 1996).
Dança tradicional Tufo- é essencialmente uma dança feminina e os homens podem participar
sendo responsáveis pelos instrumentos, entretanto existem grupos formados apenas por
mulheres. Na manifestação as mulheres, predominantemente adultas, aparecem maquiadas e com
rosto pintado de Mussiro (produto cosmético natural). O traje e os adornos são fundamentais.
Uma hierarquia entre as dançarinas de tufo é estabelecida, com a designação de uma rainha. Para
a escolha de tal rainha, os critérios utilizados são a beleza das linhas do rosto e o corpo que
simbolizam a feminilidade da mulher Macua. O uniforme é formado por capulanas (tecidos
estampados) amarradas à cintura, blusas e lenços sempre coloridos (Rhormens, 2013).
Elas divergem na questão dos ritos de iniciação masculina e feminina, que é extensivo apenas
para os macuas; Diferem nas danças tradicionais; Na língua que cada uma das etnias fala; Na
forma de amarrar a capulana e o lenço na cabeça; No modo de se comportar e de falar, pois como
menciona Chiziane na obra intitulada Nicketche: “No norte, as mulheres enfeitam-se com flores,
embelezam-se, cuidam-se. No sul as mulheres vestem cores tristes, pesadas. Têm o rosto sempre
zangado e cansado, e falam aos gritos como quem briga, imitando os estrondos da trovoada.
Usam o lenço na cabeça sem arte nem beleza, como quem amara um lenço (Chisseve, 2013).
Conclusão
Neste trabalho nos dedicamos a analisar alguns aspectos que amiúde permitem relacionar
determinados hábitos e costumes das diferentes etnias moçambicanas. Por isso mesmo, é que o
nosso trabalho centrou-se no estudo particular de duas etnias do país: etnia Macua da região
norte e etnia Tsonga do sul. Pudemos com este estudo apurar que apesar da diversidade cultural
existente no país, as etnias Tsonga e Macua convergem em alguns aspectos ou práticas culturais,
tais como: a partilha de uma mesma língua (o português língua oficial de Moçambique); o
costume do uso da capulana; o culto aos deuses/antepassados, prática da feitiçaria,
curandeirismo, entre outras práticas. Numa sociedade multi-etnolinguística como Moçambique, a
diversidade cultural é um fenómeno social irredutível. Para que se perceba a cultura
moçambicana, antes é necessário que se consolide os aspectos concorrentes à convergência e a
divergência de cada grupo etnolinguístico.
Referências bibliográficas
JUNOD, Henri, A. (1996). Usos e Costumes dos Bantu. Tomo 2. Maputo: Arquivo Histórico de
Moçambique. pp 3-554.
MANUEL, Vilma, T. (2018). Identidade da Cultura Moçambicana. V.8. n.2. Editora: Ling.
Académica Batatais. pp 151-170.
http://sergiochisseve.blogspot.com/2013/10/alguns-aspectos-convergentes-e.html?m=1.