Ferreira Gs Me Ia
Ferreira Gs Me Ia
Ferreira Gs Me Ia
São Paulo
2020
GUSTAVO SURIAN FERREIRA
São Paulo
2020
Ficha catalográfica preparada pelo Serviço de Biblioteca e Documentação do Instituto de Artes da Unesp
CDD 786.8
Banca Examinadora
________________________________________
Prof. Dr.: Carlos Eduardo Di Stasi
_______________________________________
Prof. Dr.: Eduardo Flores Gianesella
______________________________________________
Prof. Dr.: Cláudio Henrique Altieri de Campos
AGRADECIMENTOS
On the last three decades the Brazilian tambourine passed through a musical
instrument that just accompanied Brazilian traditional styles to an instrument with the
capacity of synthesize many Brazilian and international rhythms. This work aims to discuss
and understand some of the technics and the language present on the playing of Brazilian
synthetic head tambourine through the study of the interpretative style of Ubirajara Félix do
Nascimento (1937), known as Bira President and Carlos Alberto França Barros (1982), Carlos
Café do Pandeiro. This work is based on the documental research of materials collected on
internet, books, records and interviews done by the author. To understand the technics and the
style of the musicians we used the notational system created by Carlos Stasi with some
adaptations according to the most used sounds of Brazilian synthetic head tambourine. This
work is organized in three sections. In the first one, besides the contextual history of
tambourine and synthetic head, we discuss the concept of “Brazilian tambourine” in
contraposition of the representation and discourses related to Brazilian synthetic head
tambourine and present the research theoretical foundation as well. The second and third
chapters are concerned to Bira Presidente and Carlos Café interpretative style. Using a
biographical study, we intend to comprehend the process that led to the interpretative style
studied in this work.
Keywords: Brazilian music. Samba. Brazilian popular percussion. Brazilian synthetic head
tambourine.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 13
1.5.2 Idiomatismo............................................................................................... 39
1.5.3 Autoetnografia........................................................................................... 40
CONCLUSÃO............................................................................................................95
REFERÊNCIAS......................................................................................................... 99
ANEXOS................................................................................................................... 107
13
INTRODUÇÃO
Tempos depois, já durante a minha adolescência, meu primo Mário Valdemar Surian
Junior comprou um pandeiro e aprendeu a tocar com os seus amigos, todos da zona leste da
cidade de São Paulo. Na época, no início dos anos 2000, o “pagode 3 paulista”, também
1
Ford Motor Company Brasil LTDA
2
De acordo com Santos (2018), o termo “levada” é amplamente utilizado no meio musical para se referir ao
padrão rítmico que um instrumento faz ao acompanhar uma determinada música. Normalmente esses padrões
são repetidos diversas vezes de forma circular. Variações que respeitem o estilo são bem-vindas (SANTOS,
2018, p.16). Esse termo será discutido mais a frente, no item 1.1.2.
3
De acordo com Osvaldinho da Cuíca (2009), “a palavra pagode por si só não identifica gênero musical
nenhum, na medida em que, desde os primórdios da colonização do Brasil, designa apenas, reuniões festivas
informais em que se toca música”. O autor também diz que “No início dos anos 80, o termo foi usado para
diferenciar o samba informal, feito por sambistas dos revelados no bloco carioca Cacique de Ramos (...), do
14
conhecido como “pagode romântico”, ainda estava em alta nas rádios e muitas pessoas
estavam comprando e aprendendo a tocar os instrumentos característicos desse estilo musical.
Pude observar essa efervescência ao me locomover pelas ruas de Itaquera (bairro localizado
na zona leste da cidade de São Paulo, onde cresci), quando frequentemente ouvia pessoas
tocando pagode em bares ou reuniões informais.
É baseado na dualidade presente no pandeiro de náilon (vide item 1.4) que surgiram as
perguntas centrais do presente trabalho. Como um instrumento visto por diversas pessoas
como limitado pode ser a especialidade de diversos músicos de suma importância na música
brasileira, como é o caso de Bira Presidente e Carlos Café? Quais são as características
concretas que moldam dos estilos interpretativos de cada um desses músicos especialistas?
samba “comercial”, pasteurizado que contaminavam as paradas de sucesso (CUÍCA; DOMINGUES, 2009.
p.173).
15
acreditamos ser apropriado devido à escassez de material escrito relacionado ao assunto. Tal
metodologia de comparação de pandeiristas de épocas distintas também foi utilizada por
Eduardo Vidilli (2017) em sua dissertação de mestrado, que estudou os músicos Marcos
Suzano e Jorginho do Pandeiro.
4
A definição de Frungillo (2003) acerca da relação entre o diâmetro da pele e largura do aro dos instrumentos da
família dos pandeiros, apesar de correta, se demonstra bastante genérica, visto que existem instrumentos como os
timbales cubanos que, apesar de se enquadrarem nessa definição, não são considerados como pertencentes à
família dos pandeiros. Portanto, gostaria de acrescentar que, pelas medidas encontradas no decorrer da presente
pesquisa, pude constatar que a largura do aro de grande parte dos instrumentos dessa família (com algumas
exceções) giram em torno de um sétimo do diâmetro da pele.
18
Fonte: RODRIGUES, 2014. p. 96
Como o foco da presente pesquisa não está nos aspetos históricos do pandeiro, farei
apenas uma breve contextualização do tema.
A invasão da Península Ibérica pelos árabes durou de 711 D.C até 1492 D.C e deixou
profundas marcas culturais que a reconquista Cristã não conseguiu apagar. A própria tradição
dos pandeiros se manteve por séculos e continua viva, o que podemos observar em Portugal,
onde existe a tradição dos adufes (nome derivado do Duff árabe) até os dias atuais. Rodrigues
(2014) expõe de forma detalhada todo esse processo da chegada do pandeiro na Península
Ibérica pelos povos mouros, sua consolidação em Portugal e sua chegada em terras
brasileiras. Rodrigues expõe ainda que, possivelmente, o pandeiro chegou ao Brasil junto às
primeiras embarcações Portuguesas, e logo nos primeiros anos de colonização foram
utilizados pelos padres católicos para catequizar os povos nativos (RODRIGUES, 2014. p.
53).
19
Assim como levantamos no item 1.1, o pandeiro esteve presente em terras brasileiras
provavelmente a partir do século XVI. Podemos perceber, em relatos presentes nas cartas de
Pe. Francisco Pires enviadas a Portugal, que o pandeiro era utilizado no processo de
catequização dos povos indígenas brasileiros junto com outros instrumentos musicais como a
flauta, a gaita e os chocalhos (RODRIGUES, 2014. p.56). No entanto, não é possível afirmar
exatamente quando se deu a incorporação desse instrumento às manifestações culturais afro-
brasileiras.
A ideia de que João da Baiana5 teria inserido o pandeiro no samba pode ser encontrada
em diversos livros e trabalhos acadêmicos (PEÇANHA, 2013; GIANESELLA, 2012).
Segundo depoimento do próprio músico cedido ao MIS (Museu da Imagem e do Som), “[na]
época o pandeiro era só usado em orquestras. No samba quem introduziu fui eu mesmo.”
Relata ainda que, até então, “nas agremiações só tinha tamborim e assim mesmo era tamborim
grande e de cabo. O pandeiro não era igual ao atual. O dessa época era bem maior” (JOÃO
apud ALBIN, 2019, sn). No entanto, segundo Vidilli (2017), João da Baiana teria aprendido a
tocar pandeiro com sua mãe Perciliana. Uma pergunta pertinente diante dessas informações é:
como ele poderia ter aprendido a tocar o instrumento com sua mãe e, ao mesmo tempo, ter
inserido o instrumento no samba? Não fica claro, nos depoimentos, como realmente se deu
este processo. Possivelmente ele tenha aprendido a tocar alguma manifestação cultural baiana
como o samba de roda com a sua mãe Perciliana e depois inserido o instrumento no samba
urbano carioca. O que sabemos é que João da Baiana, além de exímio ritmista, era também
um importante compositor, tendo sambas em parcerias com Donga e Pixinguinha. Durante um
período de sua vida, a partir de 1923, dividiu sua vida profissional entre o trabalho no cais do
porto do Rio de Janeiro e seus trabalhos nas Rádios Cajuti, Transmissora, Educadora e
Philips. Tendo em vista os cargos que João da Baiana ocupou durante sua vida é possível
afirmar que ele se tornou uma figura pública, fato esse que corrobora para que as informações
cedidas por ele em depoimentos acabem se multiplicando e sendo aceitas como verdade.
5
João Machado Guedes, também conhecido por João da Baiana, nasceu em 1887 na cidade do Rio de Janeiro/RJ
e faleceu em 1974 na mesma cidade. João era o caçula dentre os doze filhos de Félix José Guedes e Perciliana
Maria Constança, e sempre teve contato com a música e o candomblé em seu ambiente familiar.
20
Não utilizamos aqui o termo “ritmista” para designar João da Baiana de forma
pejorativa. De acordo com os dicionários Michaelis e Dicio.com, esse termo, além de ser um
sinônimo de percussionista, apresenta em seu significado ligação direta com os músicos que
atuam tocando nas baterias das escolas de samba ou em rodas de samba. No entanto, há duas
vertentes de uso desse termo. A primeira vertente se relaciona com uma categoria de
percussionistas que executam apenas instrumentos com altura “não definida” (caixa clara,
tamborim, pandeiro, dentre outros), de maneira a acompanhar outros músicos, e que
comumente aprendem a tocar em ambientes informais (tradição oral). Essa primeira vertente
coloca os ritmistas como percussionistas “incompletos”. Podemos perceber tal utilização na
estruturação dos testes para se obter a carteira de músico profissional pela Ordem Dos
Músicos de São Paulo, onde o candidato tem a opção de realizar o teste teórico/prático a fim
de obter a carteira de percussionista, ou simplesmente realizar um teste prático e adquirir a
carteira de ritmista. Por outro lado, há outra vertente que se orgulha de se autodenominar
como ritmista, como é o caso do músico Marcos Esguleba, especialista em instrumentos de
percussão no samba. Em entrevista concedida ao autor (2019), ele relatou que se orgulha de
ser chamado de ritmista. Após essa colocação de Marcos, me atentei a observar que, no
mundo das baterias das escolas de samba, os músicos que tocam instrumentos de percussão
também fazem questão de serem reconhecidos enquanto ritmistas. Um exemplo disso é a
página Ritmista, presente nas redes sociais Facebook (25.835 seguidores) e Instagram (1104
seguidores), assim como no site YouTube (canal com 32.500 inscritos). As páginas divulgam
materiais de vídeo com detalhes da preparação das baterias das escolas de samba para o
carnaval, mostrando as novidades que cada agremiação desenvolve para o desfile
conseguinte. Para grande parte dos integrantes das baterias, é motivo de orgulho ter sua
imagem divulgada por essa página. Portanto, utilizo o termo “ritmista” no presente trabalho
com o segundo significado apontado nesse texto, aquele que enaltece a profundidade e boa
desenvoltura que João da Baiana demonstrava possuir enquanto músico.
1.3.1 A Origem
6
Artigo disponibilizado no site da empresa Remo Inc.
22
(…) toda a indústria voltou com um vigor renovado após a guerra [2ª guerra
mundial] e a fabricação de BATERIAS não foi exceção. A maior inovação que
ocorreu nesta época talvez tenha sido o advento da pele sintética. Inventada por
Marion “Chick” Evans em meados dos anos 50, tornando-se disponível
comercialmente por volta de 1957, a “pele de plástico” possibilitou aos fabricantes
de BATERIA suprir a incrível demanda por kits, gerada pelos grupos de rock no
início dos anos 60 a reboque dos Beatles e outro (…) (JACQUES, 2009. p. 54).
7
Ex-presidente da empresa Selmer, fábrica de instrumentos musicais francesa.
8
Mil é uma unidade de medida de medida que equivale à um milésimo de polegada. Sendo assim, a espessura da
pele Weatherking de 7,5 mil’s, corresponderia a 0,1905 milímetros de espessura.
23
Figura 3 - Projeto utilizado para patente U.S. Patent #2,934,989 das peles Weatherking
Ludwing II (2001), em seu livro autobiográfico The Making of a Drum Company: The
Autobiography of William F. Ludwing II, relata que na primavera de 1958 a empresa de sua
família recebeu uma encomenda de 144 aros de madeira a pedido de Marion “Chick” Evans, o
que era bastante inusitado. Ao questionarem o motivo da compra, Evans respondeu que estava
fazendo experimentações com peles de novos materiais para substituir as peles de cabras.
Aproximadamente no mesmo período, Joe Grolimund (antigo presidente da empresa francesa
de instrumentos musicais Selmer) também encomendou aros de madeira para fixar as novas
peles plásticas. No entanto, ninguém até aquele momento havia criado um sistema que fosse
totalmente eficiente para prender o filme ao aro, e quem o fizesse e conseguisse patentear
primeiro ganharia muito dinheiro. Até a empresa Ludwig se empenhou e conseguiu fazer seu
25
projeto. Ludwig II explica também que a empresa de sua família fez um projeto eficiente, mas
que foi rapidamente copiado pela empresa de Bud Slingerland. Eles tentaram patentear, mas o
tribunal de patentes negou (LUDWIG, p.54, 2001). O que não fica claro no livro é o motivo
exato da negação da patente. No entanto, ao compararmos as datas, chegamos à conclusão
que provavelmente outras empresas tenham entrado com o processo de patente antes dele,
como por exemplo, a empresa de Bill Remo.
Fonte: The Making of a Drum Company: The Autobiography of William F. Ludwing II.
Tendo como base os diversos fatos mencionados acima, podemos concluir que os
primeiros experimentos foram feitos pelo engenheiro químico Jim Irwin e rapidamente
diversas empresas Norte Americanas, fabricantes de instrumentos de percussão, começaram
uma corrida contra o tempo para chegar ao projeto de pele plástica mais adequado, e assim
poder fabricar e deter a patente. Pelo que tudo indica as empresas Ludwig, Remo Inc. e Evans
chegaram a resultados satisfatórios ainda na década de 1950. Em 1957, a empresa Remo Inc.
conseguiu finalizar um projeto de peles com grande qualidade e durabilidade, e a partir daí
desenvolveu uma diversidade de tipos de peles sintéticas, tanto para bateria quanto para
diversos instrumentos de percussão. No entanto, não podemos ser enfáticos com relação à
primeira empresa a fabricar uma pele sintética, visto que a primeira patente é de 1960, oito
anos depois dos primeiros experimentos iniciarem.
26
O recurso da Iconografia foi essencial para uma melhor compreensão da data em que
as peles sintéticas foram inseridas no pandeiro, visto que as tecnologias de gravação de áudio
presentes no Brasil, na década de 1950, não apresentavam qualidade suficiente para
discernirmos realmente qual tipo de pele estava sendo utilizada. Sendo assim, observando as
imagens de vídeos antigos, foi possível delinear a década aproximada que esse tipo de pele se
tornou popular nos pandeiros. O registro mais antigo encontrado é datado de 1970, uma
apresentação do grupo Trio Pandeiro de Ouro na Suíça, formado pelos músicos Pimpolho,
Rogério e Carlinhos Pandeiro de Ouro9, o líder o grupo. Nesse show, pelos pandeiristas terem
um papel de protagonistas, tocando e fazendo malabares, fica evidente tanto pela sonoridade,
quanto pelas imagens, que os três integrantes utilizaram peles sintéticas e pandeiros grandes
de 12 ou 13 polegadas. Durante o ano seguinte, no programa MPB Especial de 1971,
promovido pela TV Cultura e tendo como convidado o grupo Trio Mocotó, encontramos o
pandeirista Nereu Gargalo também tocando com a pele de náilon. Em 1972, também no
programa MPB Especial, encontramos Jackson do Pandeiro e Arlindo Vaz Gemino (músico
do grupo Originais do Samba) utilizando as peles plásticas no pandeiro.
O fato desses músicos utilizarem este tipo de pele em gravações e shows importantes
a partir de 1970, aponta para a hipótese de que provavelmente, na segunda metade da década
de 1960, as peles de náilon já estavam presentes no Brasil, quando se iniciou esse processo de
migração das peles sintéticas da bateria para os instrumentos de percussão do samba.
9
Carlos Alberto Sampaio de Oliveira se tornou conhecido como Carlinhos Pandeiro de Ouro após ter vencido
em primeiro lugar o concurso ocorrido em 15 de agosto de 1966 que buscava revelar o melhor pandeirista do
Brasil. Esse concurso ocorreu na cidade do Rio de Janeiro, Estádio do Maracanã, e contou com mais de
quinhentos inscritos.
10
CUÍCA, Osvaldinho da. Depoimento concedida a Gustavo Surian Ferreira, 05 jun. 2016. [O depoimento
encontra-se gravado em áudio no acervo de pesquisa deste projeto].
27
bateria da Vai-Vai 11 e sentiu a necessidade de enfeitar seu pandeiro para que o mesmo
reluzisse com as acrobacias. Foi então que Osvaldinho encontrou, na loja “Mundo das
Fantasias”, localizada na Ladeira Porto Geral (Rua 25 de Março em São Paulo), um papel
autocolante importado, fabricado pela empresa Kodak Company 12 , que continha belos
desenhos brilhosos. Ele conta que colou esse papel na pele e na lateral do seu pandeiro e ficou
um tempo trabalhando com ele, até que seu pandeiro foi danificado. Osvaldinho foi até a
antiga loja da empresa Contemporânea para consertar seu instrumento. Miguel Fasanelli13, ao
ver o pandeiro, gostou muito do visual brilhoso do instrumento e se interessou em criar, junto
com Osvaldo, uma maneira de desenvolver uma pele para seus instrumentos que tivesse
aquela estética. Segundo Osvadinho, naquela época, era bastante comum que os sambistas
tivessem esse contato direto com as fábricas de instrumentos musicais, auxiliando e sugerindo
melhorias. Após algumas tentativas, eles desenvolveram o projeto que consistia em duas peles
transparentes, bastante finas, com o papel holográfico prensado no meio. O resultado pode ser
observado na Figura 5 (CUÍCA, 2016. 15 mim).
11
Escola de Samba da cidade de São Paulo, localizada na região conhecida como “Bixiga”, no distrito da Bela
Vista. Oriunda de um time de futebol dos anos de 1920, o “cai-cai”, ela é atualmente (2020), a escola com mais
vitórias no grupo especial de São Paulo, com 15 títulos e 10 vice-campeonatos.
12
Kodak Company é uma empresa multinacional, com sede em Rochester, Nova Iorque, Estados Unidos,
especializada na produção de produtos fotográficos amadores, profissionais e destinados à área da saúde.
13
Miguel Fasanelli (1932-2009) foi fundador da empresa Contemporânea Musical, que teve início 1948, na Rua
General Osório, número 46. Atualmente, a Contemporânea Musical é uma empresa de ampla atuação no
mercado nacional de instrumentos de percussão.
28
14
Pele desenvolvida pela empresa Remo Inc, lançada em 01 de janeiro de 2007. Sua fabricação é feita de
maneira que as frequências graves são privilegiadas, assim como ocorre em uma pele de cabra de espessura
grossa.
15
Modelo de pele sintética desenvolvida pela empresa Contemporânea Musical que, por possuir uma camada de
resina na parte de baixo, produz um som mais seco e inibe os harmônicos agudos indesejados.
30
frequente no meio musical, além do que foge ao escopo desse trabalho os detalhes técnicos da
composição química das peles.
Leppert (1993), em seu livro The Sight Of The Sound, discute a relação da música com
o corpo. Segundo ele, a música é percebida através do ouvir e do olhar, e devido ao fato do
som ser etéreo, abstrato e “desaparecer” logo após sua execução, o aspecto visual ganha
bastante relevância. Ele ainda discute como as pessoas atribuem status aos instrumentos
musicais de acordo com o material que ele é fabricado. Ou seja, quando olhamos para um
cravo do século XVIII ou até mesmo um pianoforte do século XIV, é evidente que a riqueza
de detalhes, ornamentos e valor monetário dos materiais necessários para fabricação daquele
instrumento estão corroborando para que o público imagine o quão “belo” deva ser o som
produzido por ele (LEPPERT, 1993. p. 107).
34
Leppert ainda afirma que o cravo e a harpa, durante o século XVIII, eram
instrumentos muito caros, de baixa durabilidade e de difícil locomoção, mas era justamente
esses altos custos que faziam com que eles fossem símbolos de poder. Ou seja, ter um
instrumento desses na sala de qualquer casa, significava que a família detinha muito dinheiro
e status. Isso fica evidente em diversos quadros da época, como é o caso da aquarela de Sir
Charles D'Oyly, datada de 1824. Na figura 11 pode-se observar a obra que retrata uma sala
nobre durante a dominação inglesa na Índia. A harpa e o cravo no canto esquerdo da sala
aparecem junto a 17 quadros, revelando o papel da arte enquanto meio de legitimar o poder
dos ingleses do século XVIII.
35
Figura 11 - The Winter Room in the Artist's House at Patna, aquarela de Sir
Charlis D’Oyly de 1824
Fonte: Livro The Sight of Soun: Music, Representation, and the History of the Body
Stasi (2011) utiliza o conceito proposto por Leppert para compreender como os
instrumentos de percussão, em especial os raspadores, são vistos de acordo com as
representações que eles carregam. Ao fazer comparações entre o reco-reco e o piano, ele
afirma que eles são a antítese um do outro. O piano, com suas sete oitavas de tessitura, é um
instrumento considerado completo, e por conta de seu tamanho e grande valor monetário
agregado, é frequentemente tido como sinônimo de status social elevado, prestígio e
elegância. De acordo com Alan Ader 16 , é justamente por conta desse status que há uma
categoria de pianos denominada piano shaped objects, que tem unicamente uma função
decorativa (ADER apud STASI, 2011. p. 43). Isso se dá, em grande medida, devido à herança
do pensamento da Igreja Católica, da aristocracia e da burguesia europeia dos séculos XVI ao
XVIII, em que a música era utilizada como meio de manutenção de seus poderes na sociedade
da época. Por outro lado, o reco-reco é frequentemente ligado a objetos cotidianos, tais como
16
Na época em que Stasi escreveu “O Instrumento Do “Diabo”: Música, Imaginação e Marginalidade”, Alan
Ader era técnico de piano do Instituto de Artes da Califórnia.
36
os raladores, ou até mesmo associado com itens de cunho sexual. A própria palavra “raspar”,
em diversas culturas, tem significado erótico, pois remete à fricção e consequentemente ao
calor e ao fogo. Ele faz ainda uma analogia dos dentes do reco-reco com o conceito de listras,
mostrando que essas são utilizadas em diversas culturas com significado negativo de
marginalidade. Podemos encontrar exemplos disso na roupa dos prisioneiros americanos nos
filmes de época, na roupa das prostituas medievais, ou até mesmo na indumentária dos
marinheiros de classes inferiores. O próprio material utilizado na fabricação de grande parte
dos instrumentos raspadores, como a madeira, o bambú, as molas, a latas de óleo e a cabaça
podem ser facilmente encontrados com baixo custo. Dessa forma, as pessoas tendem a
relacionar formas aparentemente simples e materiais baratos a sonoridades simples, pobres e,
por conseguinte, julgam o instrumento como limitado (STASI, 2011. p.33-73).
Assim como Stasi utiliza os conceitos de Leppert para compreender como as pessoas
enxergam o reco-reco, é possível aplicar tal conceito a fim de compreender como se dá essa
relação com o pandeiro de náilon. Os materiais necessários para a confecção de um pandeiro
são de custo bastante baixo quando comparados a outros instrumentos musicais, e são
comumente encontrados em utensílios domésticos.
Objetos de uso cotidiano como pratos, copos, talheres, cadeiras, canetas são
disponibilizados no mercado em diferentes materiais, cada um com seu preço e qualidade.
Materiais como vidro, metal, louça e madeira são algumas das opções com melhor
acabamento e custo elevado. Em todos os objetos mencionados, existe a opção em plástico17,
com menor custo e por vezes tido como descartável. O plástico está comumente ligado a
objetos de baixa qualidade, provisórios e baratos. Sendo assim, a representação simbólica do
plástico influencia diretamente na representação do pandeiro de náilon em si, bem como no
modo como grande parte das pessoas veem as peles plásticas do pandeiro.
17
É evidente que atualmente existem polímeros com alta resistência, mas isso não se aplica aos exemplos dos
objetos cotidianos de uso doméstico.
37
1.5.1 Organologia
Tomamos como base para o estudo do presente trabalho a concepção proposta por
Eliot Bates (2012) intitulada Organologia Viva, que estuda não apenas os aspectos acústicos,
morfológicos e técnicos, mas também a relação que um determinado instrumento musical
possui em seu contexto cultural. Essa nova organologia se contrapõe às antigas abordagens
38
que tratavam os instrumentos como objetos “mortos” que estavam expostos nos museus.
Aplicando isso ao pandeiro fica evidente seu papel simbólico na cultura brasileira, visto que
ele “[...] é comumente representado em propagandas nacionais e internacionais, desenhos
animados e músicas como um dos símbolos materiais que representam a cultura brasileira.”
(HERNANDES; BOLLOS, 2016. p. 236). Na indústria de entretenimento, devemos destacar a
figura de Zé Carioca18 como um exemplo icônico da relação do suposto “jeito brasileiro” com
o instrumento. Isso é evidenciado na capa da terceira edição da revista “Anos de Ouro do Zé
Carioca” (1989), onde o personagem alegre e preguiçoso aparece tocando pandeiro, assim
como no título da história “O Pandeiro Mágico” (revista nº523). Segundo Brun (2019), “As
Histórias em Quadrinhos, através do lúdico, da ficção e do fantástico, são representações de
uma realidade tal com percebida pelos seus contemporâneos” (BRUN, 2019. p. 59). Posto
isso, concluímos que a escolha do pandeiro como parte da construção do estereótipo do
malandro carioca foi bem aceita pelos leitores brasileiros, visto as cinco décadas de
comercialização da revista de Zé Carioca no país. Tal aceitação se enfatiza ainda mais na
música “Pagode na Disney” de Arlindo Cruz, cujo compositor relaciona o personagem mais
uma vez ao pandeiro, dizendo de forma bem-humorada que o papagaio é “partideiro19”.
Em seu artigo “The Social Life of Musical Instruments” Eliot Bates (2012) utiliza
instrumentos cordófonos orientais e provenientes do oriente médio para exemplificar sua
abordagem. Dentre eles está o Saz, instrumento presente em países como Irã, Azerbaijão,
Curdistão, nos Balcãs e na Turquia. Através de uma etnografia o autor aborda o instrumento
de diversas perspectivas, inclusive enquanto símbolo da diáspora turca, ou seja, esse
instrumento carrega o significado do que é ser realmente turco. Assim, pelo pandeiro ser um
instrumento com tamanha representatividade no Brasil, optamos por nos embasar neste
conceito para compreender esse processo.
18
Personagem criado nos Estúdios Walt Disney em 1942, que utiliza um papagaio protagonista enquanto
símbolo do “malandro carioca”.
19
Músico que domina o estilo do partido alto, que normalmente inclui a habilidade de improvisar versos.
39
1.5.2 Idiomatismo
(...) percebe-se que um percussionista que conhece bem o samba normalmente tem
desenvoltura em quase todos os instrumentos de percussão utilizados nesse estilo,
justamente por conhecer o idioma em que esses instrumentos estão inseridos. Os
tipos de frases, de acentuações e sincopas características do estilo, os “breques”, as
diferentes funções de cada instrumento, o equilíbrio de dinâmica entre eles e suas
inter-relações, isso sem entrar no mérito das questões socioculturais envolvidas. A
técnica nunca será completa sem o conhecimento apropriado dessa linguagem, que
juntas formam o que podemos chamar “idiomatismo” do instrumento
(GIANESELLA, 2012. p. 190).
Dessa forma, podemos afirmar que quando as peles sintéticas foram inseridas nos
pandeiros, várias características morfológicas foram alteradas. Podemos mencionar como
fator principal o peso, que aumentou significativamente por conta da maior quantidade de
ferragem necessária para suportar a tensão da pele. Em decorrência disso, a movimentação da
20
Base, também denominada de acompanhamento, é um padrão rítmico circular, que se repete diversas vezes no
decorrer da música, de forma que o solista se sobressaia ao executar a melodia da música.
21
Variação se caracteriza quando é executado um ritmo diferente da base. Normalmente ela ocorre na transição
entre seções da música.
40
mão que segura o instrumento se alterou, assim como será discutido no item 3.4.1. A própria
pele de náilon dificulta a obtenção de determinados sons, como por exemplo o grave com a
ponta dos dedos. Ou seja, com a mudança da morfologia do instrumento se alterou o
idiomatismo, surgindo assim novas técnicas, que serão abordadas nos capítulos II e III.
1.5.3 Autoetnografia
seus irmãos se tornassem sambistas. Bira Presidente cita que ficava “sensibilizado” ao ver os
músicos Gastão Viana, Honório Guarda e João da Baiana tocarem pandeiro, que na época
(aproximadamente 1946) só existia com pele de animal (PRESIDENTE, 2020. 5 min 50seg).
Frequentavam essa casa [da tia Ciata] ninguém menos que o grande Pixinguinha,
Donga, que se apressou a registrar como de sua autoria exclusiva um samba que
resultara de uma criação coletiva — sendo publicamente contestado por Tia Ciata e
outros—, Sinhô, João da Baiana e todos os sambistas de destaque das décadas
iniciais do século XX (SANDRONI, 2001. p. 9).
Domingos exercia a profissão de serralheiro, mas nas horas vagas dançava em alto
nível. Apesar de não exercer a profissão de dançarino, chegou a ganhar concursos de dança do
início do século passado, como valsas e maxixes. Devido ao grande número de amizades e ao
estilo de vida boêmia que levava não eram raras as vezes que “Grampão” saía para encontrar
seus amigos e demorava dias para retornar (REIS, 2003. p. 28).
22
Hilária Batista de Almeida, baiana, moradora da Rua Visconde de Inhaúna, 117, casada com o profissional
liberal João Batista da Silva cuja casa era frequentada por diversos músicos, artistas e pessoas de diversas classes
sociais. Em sua residência aconteciam rodas de choro na sala (cômodo maisnobre), sambas de partido-alto ou
samba-raiados na parte dos fundos e o candomblé no terreiro, na parte do fundo. Sua casa foi uma das poucas
casas das “tias” baianas localizadas nos arredores da Praça Onze que sobreviveram à reformulação do centro do
Rio de Janeiro iniciada em 1903 pelo então prefeito Pereira Passos.
44
Dona Conceição de Souza Nascimento, mineira católica nascida em São João del Rei,
foi responsável pela construção da parte espiritual de diversos filhos-de-santo, além dos seus
filhos. Segundo Bira Presidente (2020), sua mãe, ainda na época de juventude, começou a ter
desmaios repentinos e, quando foi ao médico, não se descobriu doença alguma. O problema
só foi solucionado quando ela se consultou com um médico espírita, que indicou que ela
deveria cuidar de seu lado espiritual em um terreiro de Umbanda ou Candomblé. Foi assim
que Dona Conceição se iniciou no candomblé e teve como mãe-de-santo a Mãe Menininha do
Gantois23 (PRESIDENTE, 2020. 40 min).
De acordo com Reis (2003), apesar de ser iniciada no Candomblé, Dona Conceição
preferiu se manter trabalhando na Umbanda, que já havia conhecido anteriormente no Rio de
Janeiro. Inicialmente, seus trabalhos espirituais eram realizados em sua própria casa. Porém,
tempos depois, ela comprou um terreno e, com a ajuda de familiares e filhos-de-santo,
construiu o Centro Espírita São Jerônimo. Segundo Conceiçãozinha, atual mãe-de-santo do
terreiro, apesar do terreiro ser de Umbanda, ele carrega preceitos relacionados ao Candomblé
até os dias atuais (REIS, 2003. p. 20). As festas de Santos realizadas no terreiro de Dona
Conceição eram frequentadas por muitos amigos e familiares. Tais festas duravam dias, como
as festas de aniversários realizadas na casa da família. Contudo, Dona Conceição preferia
poupar seus filhos e marido de trabalharem e serem iniciados na Umbanda, pois segundo ela
eram muitas obrigações a se fazer, o que era muito desgastante. Reis (2003) afirma ainda que
Ubirany e seu irmão Ubirajara ficavam observando atentamente os ogãns 24 tocando atabaques
nas giras 25 do terreiro de Dona Conceição, mas raramente lhes era permitido tocar. Isso
porque eles não poderiam se tornar ogãs oficiais da casa, pois Dona Conceição não poderia
ser ao mesmo tempo mãe-de-santo e mãe biológica dos meninos. Os próprios nomes dos
filhos homens da família Félix do Nascimento – Ubirajara, Ubiracy e Ubirany – são todos de
origem indígena devido à fé espírita que Dona Conceição possuía. Esse fato foi bastante
relevante para a futura escolha do nome do Bloco Carnavalesco Cacique de Ramos. Contudo,
mesmo com a forte influência da religião afro-brasileira exercida pela sua mãe e irmã, Bira
Presidente se denomina Católico Apostólico praticante (REIS, 2003. p.40).
23
Maria Escolástica da Conceição Nazaré, mãe de santo do terreiro do Gantois, localizado em Salvador- Bahia.
24
Pessoa responsável por tocar atabaque, entoar cantigas e rezar durante os cultos do candomblé.
25
Culto onde os trabalhos espirituais são realizados.
45
Dentre essas famílias, a única que tinha experiência com a organização de um bloco
carnavalesco de maior porte era a família de Walter Tesourinha, que havia participado da
organização dos blocos “Brinca Quem Pode” e “Cacique Boa-Boca” que desfilavam no bairro
de Olaria, local distante de Ramos. Enquanto isso, a família Félix do Nascimento dirigia a ala
“Homens das Cavernas” e a família de Aymoré do Espírito Santo comandava a ala
“Chapeuzinho de Prata”.
2.2.1 O Surgimento
26
Grupo de pessoas que saem às ruas durante os dias de folia do carnaval, com fantasias que obedecem ao
mesmo tema.
46
resultado foi a união das três famílias em um único bloco, o Cacique de Ramos (SILVA,
2013. p. 7).
Faltando poucos dias para a grande festa, foram convocados os primeiros ensaios.
Seus organizadores se surpreenderam com a quantidade de pessoas que conseguiram
mobilizar. Tinham a expectativa de reunir cerca de vinte foliões, mas logo no
primeiro ensaio se depararam com duzentos. Durante os três dias de carnaval
desfilaram pelas ruas do bairro cerca de duzentas e cinqüenta [sic] pessoas vestidas
de índio, acompanhadas por uma banda alugada, composta de instrumentos de sopro
e percussão. Assim surgia o Cacique de Ramos (REIS, 2003. p. 1).
É interessante notar que a banda que animou o então primeiro desfile do Cacique de
Ramos não era uma bateria de samba com diversos ritmistas, mas sim uma banda alugada
com instrumentos de sopro e poucos instrumentos de percussão. Porém, depois do sucesso
inesperado do primeiro desfile, foram organizados bailes em diversos locais a fim de
arrecadar dinheiro para a compra dos instrumentos da bateria do bloco.
27
Jelsereno de Oliveira, conhecido por Sereno, nasceu em 1952 na cidade do Rio de Janeiro, foi co-fundador do
Bloco Cacique de Ramos, assim como co-fundador do grupo Fundo De Quintal, onde atua até os dias atuais
tocando tantã, cantando e compondo.
47
Em 1963, com a música “Água na Boca” do compositor Luiz Mendes, e com o Mestre
Dinho à frente da bateria, o bloco fez um desfile com cerca de mil e seiscentos integrantes,
que reverberou positivamente no meio televisivo da época. O sucesso dessa música foi
tamanho que ela se tornou o hino do bloco, sendo gravada em disco e repetida no desfile de
1964. O crescimento vertiginoso do Cacique de Ramos continuou até os anos de 1970,
quando se equiparou com o Bafo da Onça com cerca de dez mil integrantes.
A ideia de se obter uma sede oficial para o bloco ganhou força no final da década de
1960. Primeiro, tentaram vender títulos para um clube social, mas logo o projeto fracassou.
Apenas em 1972 que, ao ganharem um terreno da prefeitura, foi possível a criação da sede na
Rua Uranos, número 1326.
A obtenção da sede oficial não foi importante apenas para os assuntos relacionados
especificamente ao carnaval, mas foi primordial para que eventos de diversas vertentes
fossem realizados. Podemos citar as “peladas” de futebol (com posterior jantar preparado por
Dona Conceição), eventos comemorativos e as rodas de samba realizadas às quartas-feiras,
que tempos depois iria tornar o Cacique de Ramos conhecido em todo o Brasil.
participações nessas rodas de samba. Podemos mencionar Zeca Pagodinho, Almir Guineto,
Arlindo Cruz, João Nogueira, Niltinho Tristeza 28 , Neguinho da Beija-flor, Luiz Carlos da
Vila, Emílio Santiago, Elza Soares e Beth Carvalho.
Foi em 1977 que a cantora foi à sede do Bloco Cacique de Ramos e ficou
impressionada com o que viu.
28
Nilton de Souza é conhecido por Niltinho Tristeza por ser o compositor do samba “Tristeza”, juntamente com
Haroldo Lobo. Na ala de compositores da escola de samba Imperatriz Leopoldinense, foi vencedor de inúmeros
sambas e sagrou-se campeão do carnaval carioca em 1989, com "Liberdade, Liberdade, Abre as Asas sobre nós".
Tem suas músicas gravadas por diversos artistas da MPB e ilustres artistas internacionais.
29
Nome do samba de sucesso de Luiz Carlos da Vila, que descreve poeticamente o local onde o samba
acontecia.
30
Alcir Pinto Portella foi jogador de futebol do clube Vasco da Gama e faleceu em 2008.
49
Tão logo chegou Beth ao Cacique, o amigo Alcir conduziu-a até Neoci, a quem
coube fazer as honras da casa. Começou por apresentá-la aos rapazes que, àquela
altura, eram a nata da roda: Bira, Ubirany, Jorge Aragão, Almir Guineto e Sereno.
‘Formamos juntos um grupo amador chamado Fundo de Quintal’, informou Neoci.
[...]. No fim da noite, estava deslumbrada. Subira mais de 1.800 colinas, mas nunca
vira nada parecido com aquilo (SILVA, 2013. p.9).
Segundo REIS (2003), Beth Carvalho ficou bastante impressionada com o que havia
presenciado naquela quarta-feira, pois jamais havia visto um banjo com braço de cavaquinho,
tampouco um repique de mão. Até mesmo os instrumentos já existentes e amplamente
utilizados como o pandeiro e o tantã eram tocados de uma maneira diferente nas rodas do
Cacique de Ramos. A reverberação dessa primeira visita da cantora ao bloco se deu quando
ela retornou com seu produtor, Rildo Hora, com o intuito de mostrar a ele o que havia visto e
propor que aqueles músicos gravassem em seu próximo LP “Beth Carvalho de Pé no Chão”.
Sem hesitar, o produtor gostou tanto da música dos “caciqueanos” e, não só aceitou a
proposta da cantora, mas propôs que o grupo de samba gravasse a base em todas as faixas do
disco (REIS, 2013. p. 9).
Dessa forma, em 1978, foi gravado, pela RCA Vitor, o quinto disco da cantora,
intitulado “Beth Carvalho de Pé no Chão”, com a participação do Grupo Fundo de Quintal.
Após ter iniciado sua carreira na década de 1960, como crooner 31 do conjunto do pianista
bossa-novista Antônio Adolfo, o lançamento do LP junto aos integrantes do Fundo de Quintal
representava, assim como a própria cantora dizia, um “divisor de águas” em sua carreira, pois
aquela sonoridade era novidade no samba e, tê-la em seu disco, era muito importante para
reafirmar sua posição de sambista. Devemos notar que, além da parte instrumental, o disco
contou com composições de autoria de integrantes do Bloco Cacique de Ramos. Dentre elas,
temos a música “Vou Festejar” de Jorge Aragão, Dida e Neoci e “Marcando Bobeira” de João
Quadrado, Beto Sem Braço e Dão. Logo na primeira faixa do disco, a música “Vou Festejar”
revela a sonoridade nova do Fundo de Quintal. O pandeiro de Bira Presidente aparece bem ao
fundo, sem ser possível distingui-lo em trechos da música em que todos os instrumentos estão
tocando. O ritmo que é utilizado nessa música é conhecido como “pandeiro reto”, pois todas
as subdivisões são preenchidas e o grave marca a cabeça dos tempos.
31
Cantor ou cantora ligados à música popular que atua em orquestras ou conjuntos instrumentais.
32
Frase rítmica que tem a função de preparar alguma novidade que acontecerá na música.
50
seu volume de mixagem se sobressai com relação aos demais instrumentos. É importante
notar que, de acordo com as informações encontradas, esse instrumento foi criado pelo
músico Ubirany Félix do Nascimento, integrante e fundador tanto do Fundo de Quintal quanto
do Bloco Cacique de Ramos. No documentário “Isso é Fundo de Quintal” é possível observar
o próprio criador narrando a história e demonstrando o instrumento. Ele conta que, ao
observar o repinique das escolas de samba e o repique de anel 33, surgiu a ideia de criar um
instrumento que mantivesse a função de frasear (repicar) através de variações rítmicas, mas
com um timbre diferente que se adequasse ao seu contexto musical. A ideia inicial foi tocar o
repenique com as mãos, porém o aro alto machucava a mão e a pele de resposta abafava o
som. Aos poucos ele foi aperfeiçoando tanto a técnica quanto a própria construção do
instrumento. Para se obter maior clareza nos toques com os dedos ele optou por tirar a pele de
resposta34 e substituir a pele batedeira35 por outra fina. Para tocar de forma confortável ele
rebaixou o aro de modo a deixá-lo rente à pele.
33
Repique de anel: consiste em um repique de escola de samba com pele de couro em ambos os lados, de
afinação grave e preso ao pescoço com um talabarte. Ao mesmo tempo que percutimos com uma das mãos a
membrana inferior, com anéis ou dedais nos dedos da outra mão tocamos no corpo de metal do instrumento
(Barros, 2015. p. 6).
34
Pele que fica na parte inferior do tambor e tem a função de vibrar junto com a pele batedeira, para assim
aumentar o som do instrumento.
35
Pele que recebe o impacto, normalmente situada na parte superior do tambor. É importante notar que, em
instrumentos como a zabumba, ambas as peles são batedeiras, não havendo pele de resposta.
51
No ano seguinte, em 1981, saem do grupo Almir Guineto e Jorge Aragão, que seguem
fazendo suas carreiras solo. Neoci deixa o grupo por problemas de saúde e acaba falecendo
logo depois. No lugar deles entram Arlindo Cruz (cavaquinho e voz) e Walter Sete Cordas.
Com essa nova formação é lançado o álbum “Samba é no Fundo de Quintal Volume 2” que
conta com a música “Bebeto Loteria”, grande sucesso do grupo até os dias atuais. A
concepção dos arranjos desse LP, com poucas exceções, se assemelha ao primeiro disco do
grupo.
A história real gira em torno da vida de Bira Presidente, fundador do Bloco Cacique
de Ramos, referência do carnaval carioca. Nas décadas de 70 e 80, quando o samba
andou definhando, Bira se lançou na missão de defendê-lo. Formou o grupo Fundo
53
36
O vídeo demonstrativo referente à notação utilizada nessa pesquisa encontra-se disponível através do link:
https://youtu.be/idql8MyLOgQ.
54
É importante notar que existem fatores relevantes que podem ter contribuído para a
mudança do estilo de Bira Presidente. O primeiro fator foi a chegada de Ademir Batera ao
grupo, em 198637. Sua condução em grande parte das músicas se dá preenchendo todas as
subdivisões com as duas baquetas no chimbal (ou contratempo) da bateria, tomando assim a
função do pandeiro como instrumento condutor. Isso fica evidente no depoimento cedido pelo
37
Ademir da Silva Reis, nascido em 1952 na cidade do Rio de Janeiro, conta em sua entrevista ao canal de Fabio
Viotto (2018), no site Youtube, que 1980 ele já havia feito participação com o grupo Fundo de Quintal, em um
show no estado de Minas Gerais. Na ocasião, através da pessoa de Arlindo Cruz, foi feito o convite para que
Ademir fizesse parte da banda, que foi negado porque ele estava residindo em São Paulo e tocando com grandes
nomes do samba da época, como o cantor Reinaldo. Passados alguns anos, em 1986, Sereno, integrante do
Fundo de Quintal, liga para Ademir convidando-o novamente para participar do grupo. A diferença é que na
segunda vez, o grupo tinha recém lançado o LP “O Mapa Da Mina”, e estava fazendo muito sucesso, com muitos
shows marcados. Dessa forma, ele aceita fazer parte do grupo, mas inicialmente fazendo apenas os shows, pois o
baterista que costumava gravar com o grupo era conhecido por “Papão”. Em 1988, na gravação do LP “O Show
Tem Que Continuar” contrariando o produtor Rildo Hora, Arlindo Cruz e os demais integrantes do grupo fazem
questão que Ademir grave a bateria, visto que ele já estava fazendo todos os shows e tinha entrosamento. Ademir
conta que na primeira faixa gravada, a música “O Show Tem Que Continuar”, Rildo Hora já havia gostado do
resultado, e sua vaga no grupo tinha sido garantida. Ademir continua fazendo parte da formação principal do
grupo até os dias atuais.
56
baterista no documentário “Isso é Fundo de Quintal” de Karla Sabah (2004). Com essa nova
instrumentação, não houve mais a necessidade do pandeiro continuar preenchendo as
subdivisões, que ganhou outra função, a de frasear. Em entrevista concedida ao autor, Bira
Presidente conta que os integrantes atuais da seção rítmica do Fundo de Quintal são
Ubirany que toca o repique que ele criou, tem o sereno que toca o tantã, tem eu que
toco o pandeiro e tem o Ademir na Bateria [...]. O que eu toco, por isso que aparece
bastante, [é] encima do que eles fazem. O meu pandeiro é meu pandeiro. E eu toco
encima, tudo nas brechas que eles me deixam, malandramente eu faço uma
‘linhazinha’ que desperte mais atenção. Então isso se tornou muito notório, por isso
que eu gravo com todo mundo (PRESIDENTE, 2020. 41 min).
Como segundo fator, temos a própria idade de Bira Presidente, que no dia 23 de
março de 2020 completou 83 anos de idade. Com essa idade, logicamente, há certa
dificuldade física em se manter por muito tempo ritmos rápidos de maneira a preencher todas
as subdivisões, ainda mais com pandeiros pesados. Tal fato fica evidente quando observamos
que, a partir de 2018, o músico passou a utilizar nos shows do Fundo De Quintal o pandeiro
de 11 polegadas e não mais o pandeiro 12 polegadas.
A primeira fase de Bira Presidente se dá dentro dos oito primeiros anos do Grupo
Fundo de Quintal, que se inicia com o LP “De Pé No Chão”, lançado em 1978, e vai até 1986.
No decorrer desse período a formação instrumental do grupo se manteve inalterada. Em 1986,
com a chegada de Ademir Batera ao grupo, a sonoridade se alterou e o modo de Bira
Presidente tocar mudou também, assim como será abordado no item 2.3.2.
Durante essa primeira fase, os discos do Fundo de Quintal foram gravados de forma a
registrar aquela sonoridade criada na quadra do Bloco Carnavalesco Cacique de Ramos, uma
novidade para a indústria fonográfica da época. No disco “Samba é no Fundo de Quintal”,
gravado em 1980, as melodias das músicas são cantadas em uníssono por todos os músicos,
57
da mesma forma que se fazia nas rodas de samba tocadas apenas com instrumentos acústicos.
Sendo assim, o estilo de Bira Presidente nessa primeira fase acompanha tal proposta.
Com andamento rápido (140 BPM), “Vou Festejar” é a primeira faixa do disco “De Pé
no Chão”. A música38 está disponível no DVD anexo à dissertação (faixa 1). Pode-se perceber
que a função do pandeiro é de marcação39, subdividindo todas as semicolcheias. Essa levada
de pandeiro é comumente denominada de “pandeiro reto” pelos músicos.
Fonte: Transcrito por Gustavo Surian a partir da audição do disco “De Pé No Chão”
Podemos perceber que até mesmo as variações da linha de pandeiro são feitas de
forma a deixar a pulsação rítmica muito clara e marcada. Abaixo, transcrevo as três variações
que Bira Presidente utiliza durante a música.
Fonte: Transcrito por Gustavo Surian a partir da audição do disco “De Pé No Chão”
38
A música “Vou Festejar” encontra-se disponível através do link:
https://drive.google.com/file/d/12V0IenYkDRc9UZupuKuaFQR_uqrzMl3J/view?usp=sharing.
39
Denominamos de marcação o ritmo que apresenta acentuação que coincide com a pulsação da música.
58
Fonte: Transcrito por Gustavo Surian a partir da audição do disco “De Pé No Chão”
Fonte: Transcrito por Gustavo Surian a partir da audição do disco “De Pé No Chão”
Essa é a quarta faixa do disco “De Pé no Chão”, e a segunda faixa40 no DVD anexo à
dissertação. O andamento é de 123 BPM e a levada do pandeiro principal é idêntica à da
música “Vou Festejar”. No entanto, a peculiaridade dessa faixa está na utilização de dois
pandeiros executando linhas diferentes. O segundo pandeiro entra com um ritmo de partido
alto na repetição da canção (segundo 35 da música), com a seguinte levada:
Fonte: Transcrito por Gustavo Surian a partir da audição do disco “De Pé No Chão”
40
A música “Marcando Bobeira” está disponível através do link:
https://drive.google.com/file/d/1DDpFvSFoRwz7-ymodZvz0nyLtf4UJZzL/view?usp=sharing.
59
Fonte: Transcrito por Gustavo Surian a partir da audição do disco “De Pé No Chão”.
Seguem abaixo outras variações executadas por Bira Presidente onde são exploradas
hemíolas com agrupamentos de três e seis semicolcheias contra a subdivisão “natural” da
música, de quatro semicolcheias por tempo. No documentário “Isso é Fundo de Quintal”,
dirigido por Karla Sabah, é possível observar em vídeo Bira Presidente executando os ritmos
abaixo. Ele explica que, para executar tal variação, é preciso “puxar nas [sic] platinelas”, no
sentido de utilizar a movimentação da mão que segura o pandeiro para se obter mais destaque
do som das platinelas. Esse vídeo, com o trecho exato em que Bira Presidente fala sobre seu
estilo interpretativo, consta no DVD anexo à dissertação, ou pode também ser visto através do
link: https://youtu.be/e-fSGuXoZu4.
Fonte: Transcrito por Gustavo Surian a partir da audição do disco “De Pé No Chão”
60
Fonte: Transcrito por Gustavo Surian a partir da audição do disco “De Pé No Chão”
Fonte: Transcrito por Gustavo Surian a partir da audição do disco “De Pé No Chão”
2.3.1.3 “Ô Isaura”
Fonte: Transcrito por Gustavo Surian a partir da audição do disco “De Pé No Chão”
41
A música “Ô Isaura” encontra-se disponível através do link:
https://drive.google.com/file/d/14F7GlkvjRbiYkfXvQILphn30tMaHFRr9/view?usp=sharing.
61
Fonte: Transcrito por Gustavo Surian a partir da audição do disco “De Pé No Chão”
42
O vídeo da música “Lucidez” encontra-se disponível através do link:
https://www.youtube.com/watch?v=_AhY4lTuueE .
62
foi desenvolvido a fim de exemplificar as técnicas de Bira Presidente, e pode ser observado na
faixa 5 do DVD.
Fonte: Transcrito por Gustavo Surian a partir da audição do disco “De Pé No Chão”
Há outro pandeiro mais grave que assume o papel de condução enquanto o pandeiro
mais agudo, de Bira Presidente, fica livre para fazer os desenhos rítmicos.
63
Na primeira frase de Ubirajara são usadas tercinas que lembram as frases de tamborim
das escolas de samba. A afinação aguda do pandeiro corrobora para tal impressão. É
importante salientar que tais notas iniciais são tocadas com a mão aberta na borda do
instrumento, com o intuito de gerar uma grande potência sonora.
Fonte: transcrito por Gustavo Surian a partir da audição do disco “De Pé No Chão”
As setas acima da pauta a seguir indicam que o som das platinelas deve ser obtido
através da movimentação vertical da mão que segura o pandeiro. Apenas a ponta dos dedos é
percutida na pele no momento em que o pandeiro é movimentado para cima, deixando que o
próprio peso do pandeiro gere a aceleração necessária para extrair o som da platinela na
descida, sem que haja um segundo toque na pele. A posição do pandeiro em
aproximadamente 45˚ é essencial para que as platinelas soem definidas quando o instrumento
for movimentado.
64
Nas imagens abaixo, temos dois frames da movimentação vertical do pandeiro, que se
inicia no compasso 16 e pode ser verificada no vídeo43 4 do DVD anexo.
No compasso 16, Bira Presidente inicia uma levada que, apesar de ser preenchida, não
se caracteriza como pandeiro reto, pois se baseia na hemíola de três semicolcheias contra a
43
O vídeo demonstrativo de Bira Presidente encontra-se disponível através do link: https://youtu.be/e-
fSGuXoZu4.
65
subdivisão quartenária. A frase dura dois compassos que são repetidos diversas vezes no
decorrer da música.
Fonte: transcrito por Gustavo Surian a partir da audição do disco “Roda De Samba Do Fundo De Quintal No
Cacique De Ramos”
No trecho abaixo, Bira Presidente utiliza o timbre das platinelas tocadas com a parte
da mão próxima ao punho na extremidade oposta do pandeiro. Aparentemente, essa forma de
tocar parece não ergonômica devido a distância que a mão precisa percorrer para tocar as
platinelas e depois o grave, mas é justamente essa distância que propicia que o movimento
ganhe velocidade e possa produzir o som com dinâmica forte.
Fonte: Transcrito por Gustavo Surian a partir da audição do disco “Roda De Samba Do Fundo De Quintal No
Cacique De Ramos”.
66
Fonte: Transcrito por Gustavo Surian a partir da audição do disco “Roda De Samba Do Fundo De Quintal No
Cacique De Ramos”
Fonte: Transcrito por Gustavo Surian a partir da audição do disco “Roda De Samba Do Fundo De Quintal No
Cacique De Ramos”
De acordo com Santos (2019), a rítmica do samba é baseada em três princípios, sendo
eles marcação, subdivisão e clave (time line). O mais comum seria a marcação ser feita pelo
surdo, a subdivisão ser feita pelo ganzá ou pandeiro e a clave tocada pelo tamborim
(SANTOS, 2019. p.39). No entanto, Bira Presidente se difere do tradicional ao utilizar o
pandeiro para executar uma frase que mais se assemelha ao conceito de clave do que à
subdivisão. O trecho abaixo exemplifica essa utilização.
Fonte: Transcrito por Gustavo Surian a partir da audição do disco “Roda De Samba Do Fundo De Quintal No
Cacique De Ramos”
68
Carlos Alberto França Barros, mais conhecido por Carlos Café do Pandeiro nasceu em
1982 na zona sul da cidade de São Paulo, mais especificamente no bairro do Grajaú. Teve seu
primeiro contato informal com a música através de seu padrasto, que o levava às rodas de
samba que aconteciam em seu bairro. Em entrevista concedida ao site R7 (2017), o músico
revela que criou um grupo de pagode aos 13 anos, juntamente com amigos. Inicialmente,
Carlos foi incumbido de tocar banjo, mas logo mudou para o pandeiro. Posteriormente,
estudou com o percussionista e pesquisador Rafael y Castro45 no projeto Amigos do Futuro e
44
Carlos Alberto França tem uma atuação com os rapper’s Rael – amigo de infância do músico –Evandro Fióti e
Emicida. Nesses trabalhos, Carlos utiliza um setup bastante variado de instrumentos que, além do pandeiro de
náilon, incluem as congas, blocos sonoros, cowbell, pandeiro meia-lua entre outros.
45
Rafael y Castro é Ogã da casa de Candomblé Angola Kyloatala, além de Doutorando pela Unesp. Sua
pesquisa relaciona os ritmos de sua religião com os toques de bateria das escolas de sambas de São Paulo e do
Rio de Janeiro.
70
no CEU Cidade Dutra, onde teve contato com diversos instrumentos do naipe da percussão,
assim como teoria musical (GUIMARÃES, 2017). Através dessa experiência Carlos Café se
interessou em desenvolver novas ideias e aplicá-las ao pandeiro de náilon, instrumento com o
qual o músico já tinha afinidade, e com isso ampliou o horizonte do instrumento.
Em 19 de novembro de 2012, ele criou um canal no site Youtube para divulgar sua
pesquisa pessoal de criação de novas técnicas para o pandeiro de náilon. Logo no início, seus
vídeos atingiram um grande número de acessos, o que tornou o músico bastante conhecido.
Através desse processo, Café inseriu o pandeiro de náilon em outros contextos musicais além
do samba, como ocorreu na música “Caminho46”, um Afro Beat de Rael da Rima em que o
pandeirista utiliza seu instrumento de forma solista. Atualmente, em agosto de 2020, seu canal
possuí 23,1 mil inscritos e 2.180.762 visualizações.
Em entrevista concedida ao autor, Carlos explica que no bairro do Grajaú, durante os
anos de 1990, muitas pessoas se interessaram em tocar e estudar os instrumentos do samba,
fruto do destaque que os artistas desse estilo estavam obtendo na indústria fonográfica da
época. Dentre eles, o repique de mão foi o mais difundido, com muitas pessoas interessadas,
gerando assim um reduto de percussionistas especialistas no instrumento. O músico
conhecido por Juninho JJ47 foi um dos que obtiveram maior destaque, se tornando referência
no instrumento na cidade de São Paulo. Inserido nesse contexto, Carlos Café iniciou a
pesquisa de adaptação das técnicas do repique de mão para o pandeiro de náilon.
O repique de mão é tradicionalmente executado com a mão esquerda percutindo o
corpo metálico do instrumento e a mão direita a pele (para os destros). Os golpes na pele são
feitos com a alternância do polegar e os demais dedos da mão, gerando sons médios e agudos.
Foi partindo desse princípio que Carlos Café desenvolveu suas técnicas para o pandeiro.
Quando questionado sobre suas referências no pandeiro, Carlos explica que estudou
bastante Bira Presidente e os músicos que seguiram sua “escola”. Citou Jaguara48 e Macalé, a
dupla que gravou vários dos discos de Zeca Pagodinho e popularizou a utilização de dois
pandeiros de náilon com ritmos e afinações distintas. Citou também nomes como João
Sensação e Odair Menezes, músicos que fizeram sua carreira na cidade de São Paulo. No caso
de João Sensação, sua batida se tornou sua “marca registrada” pois todas as semicolcheias do
46
“Caminho” está disponível através do link: https://youtu.be/EmY6PAhTCSk.
47
Músico paulista do bairro do Grajaú especialista no repique de mão. Já tocou com artistas como Esmeralda
Ortiz, Beth Carvalho, Emicida e Os Prettos.
48
Jaguara da Mangueira (Jaguaracy Pereira Machado).
71
compasso eram preenchidas, mesmo nas levadas de partido alto. No item 3.3.1 irei revisitar
esse assunto ao mostrar a influência de João no estilo de Carlos Café.
Em 2016, a Empresa Contemporânea, juntamente com Carlos Café, desenvolveu uma
linha de pandeiros com a sua assinatura. Esse instrumento, o Pandeiro Black 49 , foi
desenvolvido com todas as partes na cor preta, e é fabricado nos tamanhos de 10, 11 e 12
polegadas. As platinelas são pintadas apenas na superfície exterior, o que faz com que o som
se mantenha seco. A pele possui filme duplo, o que deixa o som com fundamental acentuada,
e poucos harmônicos agudos.
A Peça Para Dois Pandeiro 50 que servirá de base para discutirmos algumas das
técnicas de Carlos Café está presente na parte final do documentário acerca do músico
realizado em 2015, que contou com a direção e roteiro de Nathan Oliveira (Cultuar’t
Produções). A peça criada por Carlos Café, com aproximadamente um minuto de duração, foi
seccionada em duas partes, com uma ponte de transição e uma codetta ao fim.
49
O vídeo onde Carlos Café fala sobre o Pandeiro Black está disponível no link:
https://youtu.be/iRvCODqCrTw.
50
O áudio da “Peça Para Dois Pandeiros” encontra-se disponível através do link:
https://drive.google.com/file/d/16odBVyVh7hICDK-9OSnTP0PeHxHfE59U/view?usp=sharing. O vídeo do
autor executando a obra encontra-se disponível através do link: https://youtu.be/xIE6vRCoXgQ.
72
A primeira frase da peça se inicia com uma sequência rítmica que, apesar de possuir
uma métrica não convencional, apresenta um uso idiomático dos timbres do instrumento, pois
utiliza o movimento de alternância das partes da mão próximas ao pulso e a ponta dos dedos
indicador, médio, anelar e mínimo. Da segunda à quarta frase podemos observar que existe
uma sequência de graves que, com a técnica tradicional onde se repete o polegar para produzir
notas graves consecutivas, seria bastante difícil de executar. Assim, a técnica de alternar
toques duplos no polegar e grave com a ponta dos dedos propicia a agilidade necessária para
executar o trecho.
73
O uso frequente dos tapas e graves nesta seção A exemplificam o uso idiomático do
pandeiro de náilon no samba. Os timbres das platinelas aparecem como “notas fantasmas”, ou
seja, notas que não são acentuadas, apenas preenchem as subdivisões. Tal fato pode ser
compreendido quando analisamos as transformações organológicas que o pandeiro sofreu
com a inserção e consolidação de novos instrumentos no samba, sobretudo a partir do
surgimento do Grupo Fundo de Quintal na década de 1970. Com a inserção dos instrumentos
com registro grave como os tantãs, o pandeiro não necessitava mais suprir tal gama de
frequência. Da mesma forma, com a inserção do repique de mão e a bateria, o pandeiro não
necessitava mais preencher todas as subdivisões do compasso e o som das platinelas passou a
ser mais fechado e seco. Dessa forma, Carlos Café aplica essa concepção tradicional do
samba em seu solo.
O trecho a seguir foi caracterizado como “ponte” não apenas por diferir do material da
seção anterior, mas também por preparar o ouvinte com as quiálteras de tercinas presentes na
subdivisão da parte B.
pandeiro no samba em si, mas sim às bossas51 das baterias de escolas de samba. É possível
fazer uma analogia dos tapas repetidos com o timbre do repinique, e os graves da pele com a
resposta dos demais instrumentos da bateria.
3.2.3 Seção B
Dividida em apenas duas frases de oito compassos cada, a seção B apresenta material
rítmico e timbrístico contrastante em relação às demais seções. A modulação métrica para o
compasso binário composto mantém a mesma pulsação, mudando assim apenas a subdivisão.
51
Breques ou convenções rítmicas presentes nas baterias de escolas de samba.
75
Partitura 20 - Seção B
3.2.4 Codetta
violão e voz. O Pot-pourri 52 “Na Feirinha da Pavuna e Velho Ditado” tocado pelo grupo
SAMBV53 foi extraído do vídeo disponibilizado no canal do Youtube de Carlos Café54. Após
transcrever a linha de pandeiro, selecionei os excertos demonstrativos mais representativos e
disponibilizei a partitura completa nos anexos deste trabalho. Editei um vídeo com a partitura
juntamente com a imagem do músico tocando com o intuito de facilitar o acompanhamento da
execução. O vídeo encontra-se disponível através do link: https://youtu.be/8rK-WUSPs6s.
3.3.1 Levadas
Nas músicas “Na Feirinha da Pavuna e Velho Ditado”, Carlos utiliza seis levadas
distintas, que serão divididas entre as “preenchidas” e as “não preenchidas”.
52
Seleção de várias músicas executadas em série, sem pausas ou transição elaborada.
53
Grupo de samba residente na cidade de São Paulo.
54
O vídeo original encontra-se no link: https://www.youtube.com/watch?v=e4B9qBQWz5s.
78
o que significa que grande parte dos elementos ritmicos da música, incluindo a divisão da
melodia, respeitam tal padrão (MUKUNA, 1979. p 12). É evidente que, assim como já
mencionado, existem vários tipos de samba no Brasil, e nem todos seguem essa “clave”. É
importante mencionar que o “teleco-teco” pode aparecer na música de duas formas: com o
início em colcheias (partitura 23) ou de forma acéfala, como na partitura 24. Abaixo relaciono
o padrão do tamborim com o ritmo do partido alto do pandeiro. Devemos mencionar que, no
exemplo abaixo, o autor utilizou uma notação onde o sinal de adição corresponde ao tapa e o
circulo corresponde ao som grave da pele do pandeiro. Na linha de tamborim ele grafou as
notas tocadas pela baqueta na parte de cima da linha e as notas de preenchimento executadas
com o dedo embaixo da linha.
De acordo com Santos (2018), a grade ritmica de grande parte dos ritmos populares
brasileiros apresentam três elementos estruturais: a marcação, a subdivisão e a clave
(SANTOS, 2018, p. 67). Dentro do samba, existem determinados instrumentos de percussão
que já tem sua função previamente estabelecidas pela tradição. O surdo, por exemplo, cumpre
a função de marcação, mesmo que haja variações com muitas notas. O ganzá cumpre a função
de subdivisão, enquanto o tamborim55 frequentemente executa a “clave”. No entanto, assim
como o pandeiro, existem outros instrumentos que podem realizar mais de uma função ao
mesmo tempo. A seguir, abordarei algumas levadas cuja função é de marcação e subdivisão,
outras cuja função é de “clave”, e também a chamada levada “preenchida”, que possui as três
funções juntas.
55
Pode-se executar a subdivisão no tamborim através da levada conhecida como “carreteiro”. Ela é muito
frequente nas baterias das escolas de samba, mas também aparece nos grupos de samba de mesa, sendo
executada tanto com baquetas de madeira quanto com as baquetas de náilon.
79
O padrão a seguir obedece a timeline que SILVA, VICENTE e SOUZA (2017) referenciam
como sendo o padrão que o instrumento gan58 executa no toque Ilú de Iansã durante os cultos
56
A levada da partitura 24 ocorre pela primeira vez aos 25 segundos da música em questão. A mesma pode ser
observada no seguinte vídeo demonstrativo: https://youtu.be/YzLGSx7tKew
57
A levada da partitura 25 ocorre pela primeira vez aos 9 segundos. A mesma pode ser observada no seguinte
vídeo demonstrativo: https://youtu.be/KGuAQ8dpvgA
80
de Candomblé nação Ketu (Alaketu). A principal diferença entre este padrão e o ritmo do
“teleco-teco” é a duração. Enquanto essa clave se resolve em dois tempos, o ciclo do “teleco-
teco” demora quatro tempos para terminar.
A clave da figura 26 também tem uma função “profana”, pois foi amplamente
executada no tamborim em gravações de samba, especialmente quando são combinadas duas
ou mais linhas de tamborins. Barros (2015) aponta essa utilização desde 1930 com a gravação
da música “Na Pavuna59”, passando pela gravação de 1976 da música “Esta Melodia60, em
1981 na faixa “Meu Guru61” e diversas outras gravações atuais.
58 Instrumento de metal agudo presente na orquestra de percussão do candomblé responsável por iniciar os
toques durantes o Xirê (culto religioso aos Orixás).
59 Composição de Almirante (Henrique Foréis Domingues) gravada em 1930 pelo grupo “Bando de Tangarás”.
60 “Esta Melodia” foi composta em 1951 por Bubú da Portela e Jamelão (José Bispo Clementino dos Santos),
mas a versão que Barros (2015) evidencia os tambrins foi gravada por Cristina Buarque em 1976 no LP Prato e
Faca. Os tamborins foram tocados pela dupla Eliseu Félix e Nilton Delfino Marçal (BARROS, p. 110 – 150.
2015).
61 “Meu Guri” foi composta por Francisco Buarque de Hollanda em 1981 e gravada no LP “Almanaque”
(Universal Music) ainda no mesmo ano.
62 A levada da partitura 27 ocorre aos 56 segundos de música. A mesma pode ser observada através do seguinte
vídeo demonstrativo: https://youtu.be/GsZFvf2xM0w.
81
Partitura 28 - Pontos de encontro da levada usada por Carlos Café com o padrão do Ilú de
Iansã
A próxima levada obedece a uma terceira “clave” ou timeline, que assim como o
padrão do Ilú de Iansã, é a essência de diversos ritmos ao redor do mundo. O segundo tempo
do segundo compasso, circulado em vermelho, “quebra” a clave do “teleco-teco”.
63
A levada da partitura 29 é executada por Carlos no momento 1 minuto e 40 segundos da música. A mesma
pode ser observada através do seguinte vídeo demonstrativo: https://youtu.be/Ycz5y7wL174.
64
CASTRO, Rafael Y. Depoimento concedida a Gustavo Surian Ferreira, 05 jun. 2020. [O depoimento encontra-
se gravada em áudio no acervo de pesquisa deste projeto].
82
Como já mencionado, Carlos Café (2020) afirma que tem o pandeirista João Sensação,
integrante do Grupo Sensação, como grande referência, pois esse desenvolveu um estilo
próprio de condução onde todas as subdivisões são preenchidas. Durante a década de 1990,
quando o Grupo Sensação se destacava na indústria fonográfica, o estilo de João se
popularizou. A peculiaridade da próxima levada está na presença dos três parametros que
compõe os ritmos brasileiros, sendo eles: marcação, feita através dos graves da pele;
subdivisão, obtida pelo preechimento das notas pelas platinelas; e clave, combinação dos sons
graves e agudo do tapa.
A dificuldade dessa levada está nas três repetições da ponta dos dedos necessárias para
executar as notas circuladas em vermelho. Esse padrão requer bastante apuro técnico do
pandeirista, principalmente em andamento rápido, como é o casso desse pot-pourri com 116
BPM.
65
A levada da partitura 31 é executada aos 30 segunda da música em questão. A mesma pode ser observada
através do seguinte vídeo demonstrativo: https://youtu.be/LxTejabFUdE.
83
3.3.2 Variações
Vamos abordar duas variações utilizadas por Carlos Café. A primeira é bastante
comum à linguagem do partido alto, apresentando a mesma divisão rítmica que a variação
utilizada por Bira Presidente na música “Lucidez” discutida no capítulo II. A diferença está
no fato de Carlos tocar o tapa na segunda semicolcheia, em contraste com o estilo de Bira
Presidente, que costuma utilizar a palma da mão na borda do pandeiro (último toque
demonstrado na bula da página 47). A resultante rítmica entre os instrumentos de “marcação”
e o pandeiro é justamente o motivo dessa variação ser bastante executada.
66
A levada da partitura 32 foi executada no momento 1 minutos e 5 segundos da música em questão. O trecho
referente à partitura 32 pode ser observado através do seguinte vídeo: https://youtu.be/WB5TtYEZWtw .
84
67
O vídeo referente à partitura 33 está disponível através do link: https://youtu.be/61fBEzhfZVs.
68
O vídeo referente à partitura 34 está disponível através do link: https://youtu.be/A5In6HOK0hE .
85
69
O excerto da partitura 35 corresponde aos segundos 10 ao 12 do solo. Esse excerto pode ser observado no
seguinte vídeo demonstrativo: https://youtu.be/yAF3cQgmOS0.
86
Devemos destacar o papel ativo da mão esquerda no solo em questão, pois ela exerce
diversas funções no estilo de Carlos Café. A sustentação do pandeiro e o abafamento da pele
são as mais comuns, mas que merecem ser observadas mais detalhadamente aqui. De acordo
com Santos 70 (2011), no material didático desenvolvido aos alunos do projeto Guri, o
abafamento da pele é feito através do dedo médio da mão que segura o instrumento
(SANTOS, 2011. p.45). Em Sampaio e Bub (2006), encontramos a mesma orientação de
utilização do dedo médio (SAMPAIO; BUB, 2006. p.2). No entanto, durante a entrevista com
Carlos Café, percebi que ele utiliza o dedo indicador para abafar a pele. Após tal observação,
comecei a me atentar a detalhes como esse, especialmente quando via outros importantes
pandeiristas especialistas no náilon tocando. Encontrei uma recorrência de utilização do dedo
indicador para abafar a pele (ver Figura 17). Quando se altera o dedo abafador, se altera
também o grip, ou a posição de segurar o instrumento. Constatei que, em grande parte dos
casos de pessoas que abafam com o indicador, a posição do pandeiro em relação ao solo
forma um ângulo de 45 graus, o que auxilia na sustentação do peso do pandeiro de 12 ou 13
polegadas. Dentre as pessoas que utilizam esse modo de abafar estão Fábio Miudinho 71 ,
Diogo Cepakkol72, Bira Presidente e Carlos Café. Cheguei nessa hipótese após uma pesquisa
videográfica em que foi possível obter frames nos quais os pandeiristas levantam o pandeiro e
expõe o dedo que abafa a pele. No caso específico de Diogo Cepakkol, não foi possível
encontrar o frame em que ele expõe o dedo abafador. Contudo, encontramos um frame onde a
pele leitosa brilha em alto relevo devido a pressão do dedo abafador, permitindo que
deduzíssemos pela posição do brilho que o músico utilizou o dedo indicador, já que os demais
dedos não teriam alcance suficiente para chegar até aquela marca. Em outros casos, a
constatação foi mais fácil, devido a utilização da pele hidráulica transparente, como é o caso
de Carlos Café.
70
SANTOS, Arildo Colares dos. Percussão: básico 1. São Paulo: Associação Amigos do Projeto Guri, 2011.
Disponível em: http://www.projetoguri.org.br/novosite/wp-content/uploads/2017/11/Livro-Educador-
Percussao_2011.pdf. Acesso em: 29 jun. 2020.
71
Natural da cidade do Rio de Janeiro, iniciou sua carreira musical ainda na infância sob influência de seu pai. Já
tocou com artistas como Leci Brandão, Seu Jorge, Dudu Nobre, Maria Rita, Beth Carvalho, Marcelo D2,
Alexandre Pires e Arlindo Cruz.
72
Iniciou-se na música devido aos seus padrinhos, membros do Grupo Raça. Em seguida formou um grupo de
samba com seus amigos de escola, onde tocava cavaquinho. Iniciou sua trajetória no pandeiro por necessidade,
pois não tinha quem tocasse pandeiro em seu grupo, restando para ele assumir o posto vago. Atualmente, após
tocar com diversos grupos, Diogo Cepakkol é integrante da banda do cantor Ferrugem.
87
utilizado por Carlos Café e outros pandeiristas de náilon. Observe na imagem abaixo a região
onde o aro encosta em casa um dos grips.
em shows e gravações (ver figura 19). Como resultado, o pandeiro de náilon de 12 polegadas
pesou 823 gramas, 121,83% mais pesado que o pandeiro de 10 polegadas (couro) fabricado
pelo luthier Dyorman. Essa diferença aumenta ainda mais quando realizamos a comparação
com o pandeiro desenvolvido e utilizado por Carlos Café. De acordo com o website das
empresas Magazine Luiza73 e Mix Acessórios e Música74, o Pandeiro Black de 12 polegadas
pesa 945 gramas, 154,71% mais pesado que o pandeiro Dyorman. Tal constatação evidencia
ainda mais a necessidade de técnicas apropriadas para cada instrumento.
Modelo Peso
Pandeiro de 10 polegadas 371 gramas
fabricado pelo luthier
Dyorman (MG).
73
Página da empresa Magazine Luiza onde consta informações acerca do pandeiro black:
https://www.magazineluiza.com.br/pandeiro-contemporanea-12-polegadas-linha-black-carlos-
cafe/p/fg2729f71g/im/iipa/.
74
Página da empresa Mix Acessórios e Música sobre o pandeiro black:
https://www.mixacessoriosemusica.com.br/produtos/pandeiro-contemporanea-12-polegadas-linha-black-carlos-
cafe/.
90
75
O excerto da partitura 36 corresponde do segundo 12 ao 23 do solo. O mesmo pode ser observado no seguinte
vídeo demonstrativo: https://youtu.be/qJAjsmWuHus.
91
distintas da pele. Esse elemento técnico é bastante explorado por Carlos em diferentes
contextos musicais.
A seguir, temos dois exemplos de movimento rotacional da mão esquerda. No
primeiro, ele é utilizado juntamente com a mão direita, de modo que as platinelas soem
bastante. Essa técnica é bastante utilizada no pandeiro de couro, mas no pandeiro de 12” se
torna difícil devido ao seu peso.
Por fim, temos o rulo com a mão esquerda, conhecido no âmbito da percussão
orquestral como shake roll. Neste trecho, enquanto a mão esquerda mantém o rulo contínuo, a
mão direita executa toques de polegar e ponta de dedo na pele.
76
O excerto da partitura 37 equivale ao momento 1 minuto e 9 segundos do solo. O mesmo trecho pode ser
observado através do seguinte vídeo demonstrativo: https://youtu.be/OImnjg6aaao.
77
O excerto da partitura 38 equivale ao momento 1 minuto e 50 segundos do solo. O mesmo trecho pode ser
observado através do seguinte vídeo demonstrativo: https://youtu.be/wq0btUzDmgc.
92
É evidente que existem diversas técnicas que compõe o estilo de Carlos Café, mas
possivelmente foi o rulo de notas graves que o tornou mais conhecido 78 . Com a mão
levemente curvada, ele alterna toques simples de polegar e ponta de dedos, gerando um rulo
com bastante projeção sonora, característica comum à sonoridade do pandeiro de náilon no
samba. Quando iniciei meus estudos no pandeiro de náilon, percebi que diversas frases que eu
utilizava no pandeiro de couro não soavam bem no instrumento de pele sintética. Isso se dá,
em grande medida, por conta do som das platinelas, que no pandeiro de náilon são
comumente mais “presas” do que no pandeiro de couro. Assim, as frases rápidas presentes
nos solos de pandeiro de náilon são construídas privilegiando as combinações de graves e
tapas, enquanto no pandeiro de couro, grande parte do “virtuosismo” também está na
exploração do som das platinelas.
Apesar do rulo de graves ser uma adaptação da técnica do repique de mão, sua
inserção no pandeiro apresenta dificuldades que não existiam no instrumento de origem. A
espessura da pele utilizada nos pandeiros de náilon, especialmente aquelas de filme duplo
(hidráulica, holográfica), é maior que a espessura da pele do repique de mão. Por isso, é
necessário aplicar mais energia para tirar o som do rulo no pandeiro. Para suprir essa
dificuldade, Carlos Café recomenda que se treine em uma praticável (borracha de estudos)
para que se ganhe resistência. Inicialmente, o músico utilizava um pad de caixa-clara, mas
recentemente ele desenvolveu um praticável79 específico para o pandeiro.
No solo em questão, temos a inserção do rulo de graves em duas situações diferentes.
Na primeira, Carlos aplica um rulo longo e altera sua velocidade no decorrer dele, gerando
assim a sensação de suspensão da pulsação. Essa ferramenta exerce a função de “ponte” para
a mudança de andamento que segue mais rápido, assim como ocorre no exemplo abaixo.
78
O vídeo demonstrativo referente ao rulo de graves de Carlos Café encontra-se disponível através do link:
https://youtu.be/mVSQsJZqp5Q .
79
O vídeo onde se pode ver o praticável de pandeiro encontra-se disponível no link:
https://www.youtube.com/watch?v=UnXepcwncXI&t=1s
93
80
O excerto da partitura 39 ocorre aos 41 segundos do solo. O vídeo demonstrativo referente trecho pode ser
observado através do link: https://youtu.be/F6l92-rRY94.
81
O excerto da partitura 40 aparece no minuto 1 do vídeo. O trecho onde o músico executa o excerto pode ser
observada no seguinte vídeo demonstrativo: https://youtu.be/IjDhDBuI0aM.
94
contextos musicais nos quais o instrumento não era aceito, assim como foi elucidado nos itens
3.2 e 3.4 do presente capítulo.
95
CONCLUSÃO
se dá a atuação do músico, dividimos a análise de seu estilo interpretativo em três partes, onde
focamos determinados tópicos exaltados de acordo com o contexto onde o músico atuou. Com
isso, visamos obter uma visão geral de sua atuação em diferentes situações.
Na primeira parte, analisei a peça para dois pandeiros presente no documentário acerca
de Carlos com o propósito de compreender como o mesmo explora os recursos técnicos do
instrumento de acordo com a forma da música. A repetição de graves em semicolcheias é
bastante exploda durante toda a seção A da peça, e graças a alternância dos graves com o
polegar e a ponta dos dedos é possível chegar no andamento de 155 BPM com clareza e
potência sonora. Essa técnica gerou amplo impacto na comunidade percussiva a partir de
2012, quando Carlos Café criou seu canal no Youtube e divulgou seus “rulos” de pandeiro.
Ainda na peça em questão, percebemos como o músico utiliza a exploração dos tapas e graves
em subdivisão de semicolcheias na seção A, enquanto explora a subdivisão de tercinas nas
platinelas durante toda a seção B. Tal exploração timbrística gera grande contraste entre as
seções, e mostra seu domínio não apenas instrumental, mas também da forma da obra.
No item 3.3, investiguei a atuação de Carlos Café dentro de um conjunto de samba,
onde destacamos a utilização de seis levadas distintas no decorrer da mesma música, sendo
elas divididas como “preenchidas” ou “não preenchidas”, bem como as relacionei aos
conceitos de marcação, subdivisão e clave (timeline). O modo como o músico interliga e
aplica tais levadas gera movimento e “cores” diferentes às seções da música ao apresentar
novos materiais a cada parte.
No último subcapítulo, analisamos a atuação solo e improvisada de Carlos Café, onde
foi possível observar sua agilidade e expressividade no instrumento. Enfatizamos aspectos
técnicos tais como o rulo de graves, as múltiplas funções exercidas pela mão que segura o
instrumento, assim como apontei detalhes específicos relativos ao seu grip utilizado para
suportar o peso elevado do pandeiro de 12 polegadas.
Após analisar os estilos interpretativos dos músicos em questão, concluímos que os
mesmos dividem a trajetória de terem estudado o modo de tocar das gerações antecessoras e,
a partir daí, desenvolveram seus estilos próprios, que inicialmente enfrentaram resistência dos
sambistas mais conservadores. Contudo, foi justamente o modo “diferente” de tocar que fez
com que Bira Presidente e Carlos Café ganhassem destaque no meio musical. Podemos
afirmar também que eles “fizeram escola” em decorrência do grande número de pessoas que
atualmente se espelham nesses dois estilos interpretativos.
97
Baseado no conceito de Organologia Viva proposto por Eliot Bates (2012), foi
possível compreender os significados extramusicais presentes no pandeiro, sendo utilizado
enquanto símbolo da “cultura brasileira”, tanto pela indústria de entretenimento, quanto no
comércio de souvenir nos aeroportos do país. Isso se dá devido ao papel de destaque que o
instrumento tem em gêneros musicais brasileiros bastante difundidos, tais como o samba,
forró, frevo e capoeira. Devemos enfatizar ainda que a partir da década de 1970, o pandeiro
de náilon ganhou bastante destaque não apenas no Brasil, mas também no exterior através dos
shows de acrobacias que colocaram tais pandeiristas como protagonistas.
Atualmente, com as inovações técnicas encabeçadas por Carlos Café nos anos 2000,
encontramos diversos pandeiristas de náilon utilizando técnicas bastante complexas. Contudo,
o pandeiro com pele sintética ainda é malvisto por diversos músicos e pesquisadores por três
98
fatores principais. O primeiro é o fato de o instrumento não ter o mesmo grave que a sua
versão com pele animal, e por conta disso é considerado limitado por necessitar de outro
instrumento que preencha as baixas frequências da música. Contudo, a sua complexidade está
justamente nos vários conhecimentos específicos necessários para que o pandeirista consiga
tocar de forma idiomática junto aos demais percussionistas de samba, obtendo assim um
resultado sonoro coeso, onde cada instrumento exerce sua função, assim como foi discutido
nos capítulos 2 e 3. Como segundo fator, temos a ligação do instrumento com estilos musicais
intrínsecos às periferias como o “pagode romântico”, estilo nascido na cidade de São Paulo
com letras de cunho sentimental, que ficou conhecido como a versão do samba pasteurizada e
comercial (CUÍCA; DOMINGUES, 2009. p.173). Como terceiro fator, temos a
representatividade pejorativa das peles plásticas, pois esse material é frequentemente ligado a
objetos descartáveis e de baixo valor agregado. Baseado nos conceitos de Leppert (1993) e
Stasi (2012) há uma relação direta do material de fabricação do instrumento e o status que as
pessoas atribuem a ele. Dessa forma, há uma tendência de relacionar o baixo custo do plástico
à uma suposta sonoridade simples e limitada.
REFERÊNCIAS
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105
O PATUÁ TAMARINDO - TRAILER. [s.l.: s.n], 2011. 1 vídeo (2 min 26 seg). Canal O
Patuá Tamarindo. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=HuUpZVIanm4.
Acesso em: 20 ago. 2019.
Vídeo Côco de Trupé – A Barca, mestre Verdelinho. [s.l.: s.n], 2010. 1 vídeo (50 seg).
Canal A Barca Acervo. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=CoaqqC0xSoI.
Acesso em: 06 jan. 2020.
SOUZA, Nilton de. Nilton Tristeza (depoimento exclusivo). Canal de Nilton Tristeza. Rio
de Janeiro: 2009. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=D3l8qTiE5co. Acesso
em: 14 maio 2019.
VIÉGAS, Thiago. Como você faz e como deveria ser feito - Aprendendo Percussão. [s.l].
17 jun. 2020. Facebook: @Aprendendo Percussão. Disponível em:
https://www.facebook.com/watch/?v=957441094709570&extid =ML. Acesso em: 20 jun.
2020.
Entrevistas
106
CAFÉ, Carlos. Entrevista concedida a Gustavo Surian Ferreira, 15 mar. 2019. [A entrevista
encontra-se gravada em vídeo no acervo de pesquisa deste projeto].
CAFÉ, Carlos. Entrevista concedida a Gustavo Surian Ferreira, 19 ago. 2020. [A entrevista
online encontra-se disponível através do link: https://youtu.be/WKfBc8AyoWo].
SILVA, Marcos Alcides da. Entrevista concedida a Gustavo Surian Ferreira, 14 out. 2019. [A
entrevista encontra-se gravada em vídeo no acervo de pesquisa deste projeto].
107
ANEXOS
114
Largura do
aro de
7.62 cm ou
3”.
Largura do
aro de 5
cm