A Recepcao Do Sonorismo Polones Por Part

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

MESTRADO EM MÚSICA

SEMITHA HELOISA MATOS CEVALLOS

A RECEPÇÃO DO SONORISMO POLONÊS POR PARTE DOS


COMPOSITORES BRASILEIROS

CURITIBA
2012
SEMITHA HELOISA MATOS CEVALLOS

A RECEPÇÃO DO SONORISMO POLONÊS POR PARTE DOS


COMPOSITORES BRASILEIROS
Dissertação apresentada ao Curso de
Pós-Graduação em Música, da
Universidade Federal do Paraná como
requisito parcial à obtenção do título
de Mestre.
Orientador: Prof. Dr. Maurício
Dottori

Curitiba
2012
Cevallos, Semitha Heloisa Matos
A recepção do sonorismo polonês por parte dos
compositores brasileiros / Semitha Heloisa Matos Cevallos.
– Curitiba, 2011.
67f. : il.

Orientador: Prof. Dr. Maurício Dottori


Dissertação (Mestrado em Música) – Setor de Ciências
Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná.

1. Sonorismo. 2. Música contemporânea brasileira. 3.


Compositores brasileiros. I. Título.

CDD 780.981
TERMO DE APROVAÇÃO

SEMITHA HELOISA MATOS CEVALLOS

A RECEPÇÃO DO SONORISMO POLONÊS POR PARTE DOS


COMPOSITORES BRASILEIROS

Tese aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre no Curso de
Pós-Graduação em Música, Departamento de Artes da Universidade Federal do
Paraná, pela seguinte banda examinadora:

Orientador: Prof. Dr. Maurício Dottori


Departamento de Artes, UFPR

Prof.ª Dr.ª Roseane Yampolschi


Departamento de Artes, UFPR

Prof. Dr. Silvio Ferraz


Departamento de Música, UNICAMP

Curitiba, 15 de junho de 2012.


Ao meu irmão Ibsem.
Pelo amor, pelo carinho e por
acreditar que tudo é possível.
AGRADECIMENTOS

A Deus, pela vida e pela liberdade de ser quem sou.


Ao meu pai, Héctor Cevallos, por ser responsável pelo meu gosto pela leitura e
desejo de conhecimento.
À minha mãe, Margarida Cevallos, pelas orações e pelo amor incondicional em
todos os momentos.
Ao meu irmão especial, Ibsem Cevallos, por provar que a Síndrome de Down
não é uma barreira para alcançar objetivos e conquistar o sucesso.
Aos meus pais de coração, Osmar e Suely Foggiatto, por ajudar na
concretização de um projeto de vida.
Ao meu orientador, Maurício Dottori, pelos conselhos, correções e pela
confiança em mim depositada.
Ao compositor, Harry Crowl, por todo o tempo dedicado a minha formação
como musicista e musicóloga.
Ao maestro, Osvaldo Colarusso, pelo sólido conhecimento musical a mim
transmitido e pela alegria de estudar música.
Aos professores poloneses, Bogumił Nowicki, Alina Mądry e Ryszard Golianek,
pela paciência.
Ao amigo, Osmar Carvalho, pelos momentos em que escutamos música juntos.
À amiga, Tatiane Correa, por estar presente na minha vida.
À amiga, Fernanda Andrade, pelo apoio e amizade.
Aos amigos Kleversom Milhoretto e Marcela Silvério, por fazerem com que
cada dia seja inusitado.
À Prefeitura de São José dos Pinhais e ao Comitê de Geminações, por terem
acreditado no meu sonho de estudar música na Polônia.
A todas as pessoas que direta ou indiretamente foram responsáveis pela
execução deste trabalho.
RESUMO

Sonorismo é um estilo musical que surgiu na Polônia no final dos anos 1950 e causou
uma mudança fundamental nos valores da hierarquia musical: no lugar da melodia,
harmonia, metro e ritmo, o som tornou-se o agente principal. As experiências do
sonorismo levaram a descobertas da riqueza de novos valores sonoros. Muitos
compositores brasileiros foram influenciados pelo sonorismo, mas este é um assunto
que ainda carece de estudo, pois de acordo com as pesquisas há somente um artigo
escrito sobre o tema. As principais fontes para esta dissertação foram as entrevistas
com Edino Krieger, Marlos Nobre e Harry Crowl. Eles proveram novos dados sobre o
tema, possibilitando a conclusão de como os compositores brasileiros entraram em
contato com o estilo e de como começaram a utilizá-lo em suas próprias obras.

Palavras-chave: Sonorismo. Música Contemporânea Brasileira. Compositores


Brasileiros.

ABSTRACT
Sonorism is a musical style that appeared in Poland in the end of 50s. That ensued a
fundamental change to the hierarchy of musical values: in place of melody, harmony,
meter and rhythm, sound became the main agent. The experiences of sonorism, led to
the discovery of new sound values´s richness. There are many Brazilian composers
that were influenced by the sonorism, but there is still a lack of studies about this
subject, according to the research there is just one article written about. The main
sources of this work were the interviews with Edino Krieger, Marlos Nobre and Harry
Crowl. They provided new data about the theme and just after that it was possible to
conclude how the Brazilian composers got to know the style and how they started to
use it in theirs own output.

Key words: Sonorism. Brazilian Contemporary Music. Brazilian Composers.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...........................................................................................................9
2 O QUE É SONORISMO POLONÊS?....................................................................13
2.1 REAÇÃO AO SERIALISMO.....................................................................................18
2.2 ARTICULAÇÃO........................................................................................................19
2.3 TEXTURAS..............................................................................................................20
2.4 NOTAÇÃO MUSICAL..............................................................................................22
2.5 UMA VISÃO GERAL DO ESTILO...........................................................................22
3 A RECEPÇÃO DO SONORISMO POLONÊS POR PARTE DOS
COMPOSITORES BRASILEIROS..........................................................................24
3.1 AS HIPÓTESES UTILIZADAS NAS ENTREVISTAS..............................................24
3.1.1 Atividade pedagógica de Koellreutter e Ernest Widmer......................................25
3.1.2 Contato direto com o sonorismo pela passagem dos compositores pela
Europa...........................................................................................................................27
3.1.3 A passagem de Penderecki pelo Brasil.................................................................29
3.1.4 A Rádio MEC.........................................................................................................31
3.2 ENTREVISTAS........................................................................................................33
3.2.1 Edino Krieger........................................................................................................33
3.2.2 Marlos Nobre........................................................................................................35
3.3 O GRUPO DE COMPOSITORES DA BAHIA E O USO DAS TÉCNICAS
SONORISTAS................................................................................................................39
4 ANÁLISE DAS OBRAS..........................................................................................43
4.1 EDINO KRIEGER – Canticum Naturale (1972)....................................................43
4.1.1 Primeira parte - Diálogo dos pássaros..................................................................45
4.1.2 Segunda parte – Monólogo das Águas.................................................................48
4.2 MARLOS NOBRE – Mosaico (1970)......................................................................51
4.2.1 Primeira parte – Densidades................................................................................52
4.2.2 Segunda parte – Ciclos.........................................................................................54
4.2.3 Terceira parte – Jogos..........................................................................................56
4.3 ALMEIDA PRADO – Am ém (1975)........................................................................58
5 CONCLUSÃO...........................................................................................................63
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................65
9

1 INTRODUÇÃO

A música erudita brasileira foi influenciada por incontáveis vertentes oriundas


de várias fontes, o neoclassicismo, o dodecafonismo, o serialismo e o nacionalismo,
foram identificados como linhas de influência sofrida pelos compositores brasileiros.
No entanto, há uma influência que carece de reflexão musicológica: a recepção do
sonorismo polonês no Brasil. Livros, artigos e trabalhos acadêmicos sobre algumas
obras de Almeida Prado, Marlos Nobre, Edino Krieger e Lindembergue Cardoso,
fazem análises caracterizando o uso de uma notação não tradicional, uso de clusters,
texturas e a utilização não convencional dos instrumentos acústicos. Contudo, estes
mesmos trabalhos não trazem informações precisas sobre a proveniência destes
recursos.
O tema deste trabalho foi escolhido quando ainda vivia na Polônia, onde residi
por seis anos (2003-2009) realizando cursos de pós-graduação em Performance,
Musicologia e Administração Cultural. Conversando com compositores, professores
de música e intérpretes brasileiros, o tema da recepção da música polonesa por parte
dos compositores brasileiros era recorrente. Ao procurar por textos que abordassem
essa problemática, encontrei um único trabalho, o artig0 “A música polonesa dos
anos 60-70 e sua influência na música brasileira” do compositor e musicólogo Marcos
Lucas.1 Em seu texto, ele comenta que “embora ainda não tenhamos aqui uma
amostragem significativa de obras para análise e comparação, acreditamos poder
formular algumas hipóteses a serem investigadas em estudos posteriores”.2 São estas
hipóteses a origem do estudo, que trará uma relevante contribuição à literatura
musical acadêmica em relação ao sonorismo polonês e sua manifestação na criação
dos compositores brasileiros.
Foi motivo de surpresa a quase inexistência de estudos específicos sobre a
influência do sonorismo polonês na literatura musical brasileira. Uma das possíveis
razões para este fato é a própria língua polonesa. A dificuldade em realizar uma
pesquisa neste idioma é inquestionável, já que muitos dos principais livros sobre
sonorismo estão escritos em polonês. Existem musicólogos de outras nacionalidades
que pesquisam a música polonesa e livros em outros idiomas sobre o assunto, mas
são poucos títulos, que não poderiam ser as únicas fontes de um projeto como esse.
O termo sonorismo foi primeiramente utilizado pelo musicólogo Józef

1
LUCAS, Marcos. A música polonesa dos anos 60-70 e sua influência na música brasileira.
Br a s ilia n a , Rio de Janeiro, v.6, p. 2 -11, setembro, 2000.
2
Ibidem. p. 6
10

Chomi ski (1906 - 1994) em 1956, sendo posteriormente empregado por ele e outros
musicólogos alemães e poloneses. Foram realizados estudos sobre o estilo nos anos
1960 – 1970, tendo ficado restritos aos meios acadêmicos daqueles países não
chegando ao conhecimento dos estudiosos de música na América Latina, pois se
algumas correntes de vanguarda dos anos pós–guerra duraram décadas em grandes
centros internacionais como Darmstadt e Paris, o sonorismo foi um fenômeno estrito
do ponto de vista geográfico e histórico, ocorrido na Polônia no começo dos anos
1960. A música que caracteriza esse estilo era amplamente difundida no Brasil, obras
de Penderecki, Górecki, Szalonek, Baird e Bacewicz. Contudo, o termo sonorismo não
era conhecido no meio acadêmico brasileiro.
O presente trabalho está dividido em três capítulos. O primeiro deles apresenta
o sonorismo como o estilo que rompe com as técnicas contemporâneas do ocidente
de então e cujo resultado sonoro era produto de exercícios de lógica. Este
rompimento com a composição contemporânea iniciou uma vanguarda e atraiu os
olhares do mundo musical para aquele país. Era uma nova proposta no que se referia
à construção da obra, em primeiro plano apareciam como meio de expressão
elementos de textura, timbre, articulação, volume, dinâmica, cor, altura. A própria
palavra usada para dar nome ao estilo — sonorism o — já descreve a importância do
som para os compositores poloneses, para quem ele não é somente o produto de
processos composicionais, mas a razão de ser da obra. Posteriormente será realizada
uma análise dos termos escola polonesa e sonorism o, para melhor entendimento do
que os compositores brasileiros entendiam como “música vinda da Polônia”. O
capítulo será concluído com a descrição das características do estilo.
O segundo capítulo trata da recepção do sonorismo no Brasil. A geração de
compositores brasileiros de música erudita que estiveram em formação a partir dos
anos 1950, começaram a se estabelecer nos anos 1960-1970. Eles acompanharam e
fizeram parte de importantes acontecimentos musicais no Brasil, como: a vinda de
Koellreutter ao país, os debates musicais envolvendo o Grupo Música Viva, a morte
de Villa-Lobos, a continuação da linha nacionalista por Camargo Guarnieri e Guerra-
Peixe, entre outros. Além disso, puderam estar em contato direto com outros países
da América Latina, Europa e Estados Unidos participando em Festivais e Congressos
Internacionais, com bolsas de estudos, onde tiveram a oportunidade de se aperfeiçoar
com os melhores professores de composição e com importantes compositores da cena
mundial. As obras de música culta que vemos surgir nesta época utilizam igualmente
a temática e a rítmica brasileira, mas não de forma nacionalista, pois os compositores
11

sofreram influências de várias vertentes, fruto das experiências no Brasil e exterior


que fizeram com que alinhassem a música brasileira às novas tendências e
vanguardas internacionais. Uma dessas vertentes é justamente o sonorismo polonês.
Existem várias fontes de pesquisa para a construção da narrativa do sonorismo
na Polônia, o que não ocorre com relação à manifestação do estilo no Brasil. Como já
mencionado anteriormente, no único artigo sobre o assunto, Marcos Lucas apresenta
algumas hipóteses sobre como o sonorismo pode ter sido introduzido no Brasil, as
possíveis vias pelas quais os compositores brasileiros entraram em contato com o
estilo e os fatores que podem ter favorecido a recepção dos elementos desta nova
estética. O ponto de partida para a construção histórica em nosso país são suas
hipóteses. Segundo Lucas,

Estas podem ter sido introduzidas no Brasil por diversas vias prováveis,
como:

1 - A atividade pedagógica desenvolvida por compositores mais


familiarizados com a vanguarda européia, especialmente Koellreutter (no
pólo Rio/São Paulo) ou Ernst Widmer (na Bahia);

2 – o contato direto com essas técnicas, no caso de compositores que se


encontravam na Europa em estudos de aperfeiçoamento (Almeida Prado ou
Jorge Antunes, por exemplo);

3 – ou ainda a passagem pelo Brasil de compositores poloneses, como é o


caso de Penderecki, que esteve no país na década de 60 participando como
jurado dos Festivais da Guanabara e mais tarde, nos anos 70, regendo suas
obras. 3

Uma importante parte do trabalho foi a colheita de informações através de


entrevistas com alguns compositores. Marlos Nobre e Edino Krieger foram
entrevistados, seus depoimentos confirmaram algumas das hipóteses de Marcos
Lucas, corrigiram algumas suposições e acrescentaram mais dados sobre o tema.
Como outros compositores também apresentam o uso do sonorismo polonês em suas
obras, as informações advindas de Marlos Nobre e Edino Krieger são o ponto de
partida para supor como Almeida Prado e Lindembergue Cardoso entraram em
contato com o sonorismo.
Existe uma grande quantidade de obras dos anos 60-70 que caracterizam a

3
LUCAS, Marcos. A música polonesa dos anos 60-70 e sua influência na música brasileira.
Brasiliana, Rio de Janeiro, v.6, p. 2 -11, setembro, 2000. p. 6.
12

influência do sonorismo na literatura musical brasileira. O terceiro capítulo traz a


escolha de quatro composições para análise comparativa com o sonorismo europeu.
Canticum Naturale de Edino Krieger, Mosaico de Marlos Nobre e Am ém de Almeida
Prado. Estas três composições foram escolhidas, pois demonstram características e
elementos do sonorismo.
13

2 O QUE É O SONORISMO POLONÊS?

Para compreender a recepção do sonorismo polonês por parte dos


compositores brasileiros, primeiramente é preciso entender o que é o estilo, onde
surgiu, em que contexto, quais são os seus representantes, as técnicas e recursos
composicionais empregados.
O musicólogo Carl Dahlhaus (1928 – 1989) em seu livro Fundam entos da
Historiografia Musical, publicado em 1977, critica a tendência que se estabeleceu
desde a II Guerra de historicizar compositores e suas obras como exemplos de
“progresso” nas técnicas composicionais.

Desde a segunda Guerra Mundial há uma tendência geral de ouvir a música


com menos interesse nas obras em si do que na tendência que elas
representam. Em casos extremos as composições se resumem a meras fontes
de informação dos últimos desenvolvimentos das técnicas composicionais
empregadas. Elas não são percebidas em termos estéticos em si, como obras
de conteúdo criativo, mas como evidência documental de um processo que
ocorre por meio e através das técnicas composicionais. 4

A postura de ouvir música com interesse na tendência que elas apresentavam,


aqui criticada por Dahlhaus, foi adotada em relação à música polonesa do começo dos
anos 1960, quando críticos e jornalistas adotaram o termo escola polonesa, na
tentativa de dar nome ao que estava sendo produzido na Polônia. Situação que gerou
confusão, desentendimento e imprecisão em descrever obras provenientes de um
mesmo país, mas com riqueza e diferença notórias. O termo não pode ser entendido
da mesma forma que se compreende Segunda Escola de Viena, formada por Arnold
Schoenberg (1874 – 1951) como professor, seguido por seus discípulos Anton Webern
(1889 – 1945) e Alban Berg (1885 – 1935).
O termo escola polonesa não é completamente inédito, pois o compositor
Zygmunt Mycielski (1907 – 1987) o havia usado para definir a música polonesa
composta até a Conferência de Łagów em 19495. O termo é utilizado também no
prefácio do programa do primeiro Festival Outono de Varsóvia, em 1956, mas referia-
se à música polonesa desde Łagów. Anos depois, surge na imprensa internacional

4
DAHLHAUS, Carl. Foundations of Music History. New York: Cambrigde University Press, 1997.
p. 23. Tradução nossa.
5
Em agosto de 1949 o Ministro da Cultura da Polônia, Włodzimierz Sokorski (1908 – 1999), reuniu
músicos, compositores e musicólogos na cidade polonesa de Łagów Lubulski para a Conferência dos
Músicos Poloneses. Era o começo do desenvolvimento da política cultural soviética de Zdhanov (1896
– 1948) na Polônia, apresentada 18 meses antes em Moscou.
14

como etiqueta que dava nome ao desenvolvimento da vanguarda polonesa do final


dos anos 1950, começo dos 1960, descrição que era de certa forma incompreensível
nos meios musicais poloneses. “Suficientemente peculiar, observadores estrangeiros
concentraram-se na unidade estética da música polonesa como um fenômeno integral
na vida musical, mas os críticos poloneses reagiram voltando sua atenção para a
variedade e riqueza dos recursos estilísticos.”6
Primeiramente deve-se entender que Witold Lutosławski (1913 – 1994) não
faz parte do grupo da escola polonesa. Este é um dos erros em agrupar todos os
compositores sob uma mesma definição. Os especialistas na obra deste compositor
dizem que ele de certa forma ficou fora do fenômeno da escola polonesa,
desenvolvendo sua obra individualmente. Ele era um compositor estabelecido nos
anos pós-guerra, trabalhando na Rádio Polonesa, compondo música para rádio,
teatro e obras de música funcional em muitas composições para crianças. Além disso,
compunha sua obra de música culta nos anos 1950 e havia passado pelos estilos
neoclássico e dodecafônico. Mas seu legado para a história da música seria o
aleatorismo controlado. Há uma história conhecida, o compositor havia escutado o
Concerto para piano e Orquestra (1957 – 1958) de John Cage (1912 – 1992) na rádio
em 1960 quando percebeu que uma pequena porção de aleatorismo controlado o
liberaria da micro–rítmica de obras anteriores. Isto deu às composições de
Lutosławski, desde 1961 em diante, variedade e estilo pessoal fazendo com que sua
música se destacasse não somente da dos seus compatriotas mas também da obra de
compositores em outros países. Jogos Venezianos (1961) é um marco da obra musical
do artista sendo o primeiro produto dessa nova abordagem musical.
Lutosławski viu o surgimento dos jovens Krzysztof Penderecki (1933) e Mikołaj
Górecki (1933) que juntamente com Kazimierz Serocki (1922 - 1981) e Tadeusz Baird
(1928 – 1981) teriam lançado os fundamentos da dita escola polonesa. Certamente,
havia dois objetivos comuns entre os poloneses após o ano de 1956, que residem no
plano político–filosófico. O primeiro deles era apagar ou ignorar as evidências da
influência comunista em música e ir além do realismo socialista no desenvolvimento
composicional. O outro era o desejo compartilhado de compensar o tempo perdido
dos anos de completa censura. Este espírito de mudança, de aspiração pela liberdade
de expressão pode ter dado a sensação de unidade, apesar das evidências, não
somente pelas performances, da diferenciação estilística e estética entre os

6
MIRKA, Danuta. The Sonoristic Structuralism of Krzysztof Penderecki. Katowice: Music
Academy of Katowice, 1997. p. 5, Tradução nossa.
15

compositores. Marcos Lucas, em seu artigo, “A música polonesa...”, cita comentários


de Lutosławski quando perguntado sobre escola polonesa.

A questão é muitas vezes a mim colocada e sempre respondo que não há tal
coisa como uma escola polonesa, pois os compositores em atividade hoje
estudaram com professores diferentes, não havia um único professor que
houvesse fundado uma escola... é uma coincidência que um grande número
de compositores tenha surgido na Polônia nesse momento histórico. Uma
razão provável é que a musa esteve calada por muito tempo em nosso país.
Não temos uma tradição tão rica como os alemães, os italianos ou franceses.
Ainda não estamos esgotados, somos mais jovens em música do que outras
nações. Naturalmente isso não se aplica a todos os aspectos da nossa cultura,
afinal, uma das primeiras universidades foi fundada em Cracóvia. Entretanto
nossa veia musical ainda não foi exaurida, nós ainda guardamos um
“frescor” – e é esse frescor que une os compositores poloneses que, por outro
lado, tem personalidades muito diferentes.7

Outra hipótese para a confusão do termo empregado poderia ser a falta de


material, mas os fatos em relação ao acesso à informação provam o contrário. A
Editora Musical Polonesa, PWM, tornava os manuscritos em partituras impressas,
muitas das principais obras de 1958 em diante foram publicadas muitas vezes no
mesmo mês de estréia. Desde o início o Outono de Varsóvia tinha vínculo com a
gravadora estatal, Polskie Nagranie, que distribuía para vários países gravações ao
vivo do festival.
Diferente dos representantes da vanguarda ocidental, como Pierre Boulez
(1925), Karlheinz Stockhausen (1928 – 2007) ou John Cage, que em manifestos,
leituras e entrevistas apresentaram suas teorias, declarações estéticas e
procedimentos tecnológicos, os expoentes da chamada escola polonesa quase nada
escreveram para explicar a sua música. Portanto, no início dos anos 60, os críticos e
jornalistas se viram frente à tarefa de definir os traços do novo estilo, contando com
as partituras e com suas próprias impressões auditivas.
As discussões em torno do termo ainda continuam, mas sua relevância é
histórico- geográfica, e não propriamente musical, por pretender agrupar
compositores de diferentes perfis composicionais.
Há outro termo que está sobreposto ao de escola polonesa, que pode ser

7
LUCAS, Marcos. A música polonesa dos anos 60-70 e sua influência na música brasileira.
Brasiliana, Rio de Janeiro, v.6, p. 5, setembro, 2000.
16

definido com mais precisão – sonorismo. Józef Chomi ski um dos musicólogos mais
importantes dos anos pós-guerra, vinha pesquisando e escrevendo sobre a
sonoridade na música européia, em 1956 publicou um estudo sobre o som em si, que
traria novas idéias especialmente para a música do século XX. A partir dos anos 50 a
música polonesa estava ainda emergindo da estagnação em que se encontrava. Então,
o termo sonorismo, não tinha relevância para as composições polonesas daquela
época. Ele pretendia iniciar uma discussão sobre a música desde Claude Debussy
(1862 – 1918) a Igor Stravinsky (1882 – 1971) até a Klangfarben da Segunda Escola
de Viena. Sua intenção era fazer uma abordagem musical não pelos parâmetros
tradicionais e aspectos técnicos da composição, mas pelas qualidades puramente
sonoras geradas por esses meios. Doze anos depois, publicou o primeiro estudo da
nova música polonesa, aplicando sua teoria a uma ampla gama de compositores
contemporâneos: de Baird e Lutosławski a Górecki, Penderecki e Bogusław Schaeffer
(1929).
Chomi ski emprega termos como “técnica sonorística”, “sonorística musical”,
“instrumentos sonorísticos” e “estruturas sonorísticas”, mais do que o termo geral
sonorism o que surgiria posteriormente. O musicólogo identificou quatro áreas de
pesquisa: a) tecnologia sonora b) regulação temporal, c) estruturas verticais e
horizontais, d) transformação de som e forma. A coordenação dessas cinco áreas,
equivaliam à “regulação sonorística”, segundo Chomi ski.
Outro estudo sobre o fenômeno foi realizado pelo musicólogo polonês Tadeusz
Zieli ski (1931). Este catalogou obras que possuem características do sonorism o,
porém não fez menção do termo. Nenhum dos dois musicólogos realizou uma síntese
teórica detalhada e, inclusive, alguns historiadores poloneses ignoram o tema por
completo em seus trabalhos. Posteriormente o termo sonorismo deixou de ser
utilizado como estilo.
A musicóloga polonesa, Danuta Mirka, retomou o tema e publicou em 1997 um
estudo de sete das principais obras do chamado período sonorista de Penderecki,
entre 1959 e 1962. Ela comenta em seu prefácio que sentiu a necessidade de escrever
essa obra quando, assistente na Academia de Música em Katowice, pediu aos
estudantes para analisar peças do compositor polonês e o resultado foram descrições
vagas de um período que eles consideravam de experimentação e não como a
primeira fase artística e criativa do compositor polonês. Mirka utiliza esquemas
gráficos, estruturas linguísticas e a teoria dos conjuntos para identificar sistemas que
envolvem timbre, articulação e pares binários de oposições entre notas, dinâmica e
17

tempo (contínuo-descontínuo, móvel-imóvel, agudo-grave, etc).


O estudo mais recente sobre a história da música polonesa foi realizado pelo
musicólogo inglês Adrian Thomas, A m úsica Polonesa desde Szy m anow ski, livro
publicado em 2005. O trabalho inicia com o relato do legado deixado por Karol
Szymanowski (1882 – 1937), passa pelos anos da guerra e pós-guerra, até a música
depois da morte de Lutosławski em 1994. O historiador dedica um capítulo a tentar
elucidar as controvérsias entre escola polonesa e sonorismo, analisando obras de
Penderecki, Górecki e Szalonek (1927 – 2001).
O termo sonorismo está intrinsicamente relacionado com o início da carreira
do compositor Krzysztof Penderecki. Dois anos foi o tempo que o jovem levou para
entrar nas salas de concerto de maior prestígio do mundo com uma série de obras
que provocaram no público e nos intérpretes reações diversas, desde admiração à
condenação, de aplausos a protestos. Seu nome começou a ganhar fama em 1959,
depois que três peças – Em anações (1958), Salm os de Davi (1958) e Strophes (1959)
– foram enviadas anonimamente para a competição da Associação dos Com positores
Poloneses, obtendo os três primeiros prêmios. Strophes fez parte do programa do
Outono de Varsóvia nesse mesmo ano e, em 1960, o festival presenciou a estréia de
uma nova composição, Dim ensões do Tem po e do Silêncio (1960 – 61). Penderecki
alcançou fama mundial com a obra Anaklasis (1959 – 6o), tocada no Donaueschinger
Musiktage em 1960 e com o sucesso de Threnody para as Vítim as de Hiroshim a
(1960), que recebeu um prêmio em Paris da Tribuna Internacional dos Compositores
da UNESCO, 1961. As obras que se seguiram, particularmente Poly m orphia (1961),
Fluorescences (1962) e Canon (1962), confirmaram a presença do até então
desconhecido compositor na arena da música contemporânea. Desde o começo, o
nome de Penderecki simbolizou uma nova corrente musical. Sua música era
percebida não somente como uma das primeiras e mais importante manifestações do
sonorismo, mas também como o parâmetro de medida, contra o qual outras obras e
compositores classificados como sonoristas deveriam ser comparados. Praticamente
tudo que foi falado ou escrito sobre sonorismo naquela época envolvia o nome de
Penderecki.

A origem da palavra sonorismo vem do francês, sonner, que significa soar. O


sonorismo tem como fator primordial os valores sonoros da obra. Tais explorações do
som levaram à descoberta da uma riqueza e novidades sonoras que não existiam
antes na história da música. Os estilos tradicionais da música tem o som em si, como
consequência dos procedimentos composicionais que se referem à melodia, ritmo,
18

contraponto, harmonia, pois decorrem da maneira como o compositor dispõe notas


musicais individualmente. O sonorism o apresenta uma nova postura em relação ao
material sonoro, no qual o som é o agente principal, o material de domínio do
compositor com o qual irá realizar a obra de arte musical. Desde o início, os que
tentavam descrever o que era o sonorismo usavam termos como “campos sonoros”,
“blocos sonoros”, pois os compositores utilizavam vários sons em conjunto para
formar massas sonoras, o que diferencia este estilo dos anteriores na história da
música. Em alemão essa música era descrita como Klangflächenm usic e em inglês
como sound-m ass m usic. O sonorismo necessitava então de novas formas de análise,
não mais baseadas em critérios harmônicos, contrapontísticos ou de redução, mas
parâmetros que pudessem diferenciar e compreender as massas sonoras. O timbre
era considerado um desses parâmetros de análise, um critério complexo entendido
como uma função instrumental e de orquestração. As novas sonoridades do novo
estilo eram obtidas por uma maneira atípica de tocar instrumentos tradicionais, o
que gerou uma ampla gama de sonoridades.

2.1 REAÇÃO AO SERIALISMO

Depois do dodecafonismo, outra técnica que interessara os poloneses foi o


serialismo total. A impressão causada pela técnica era fruto das frequentes visitas dos
compositores a Darmstadt e também pela intelectualidade e magia dos
procedimentos no qual uma única nota podia ser justificada, assim como todos os
outros parâmetros musicais. O rigor matemático do serialismo total era ainda mais
fascinante para os jovens poloneses, pois a educação deles havia ocorrido à sombra
do culto artístico do gênio que consistia em uma inspiração vaga, além da imagem
artística como um processo irracional, guiados pela intuição mais do que pelo
intelecto, aspectos da grande tradição romântica polonesa. Mesmo com todo esse
fascínio, o serialismo total propriamente dito – serialização das notas, rítmos,
dinâmica, timbre e articulação – era muito raro nos trabalhos dos compositores
poloneses. O pouco sucesso do serialismo na Polônia se deve a sua extrema
complexidade na fase pré-composicional e na composição propriamente, o que
desencorajava sua aplicação nas obras musicais.
Outro argumento contra a técnica se referia à percepção de que a sua recepção
pelo público seria incompleta, passando despercebidos os intrincados procedimentos
empregados para a realização da obra musical. Ao invés das séries musicais, o público
19

ouviria somente as características gerais, como estrutura, timbre, densidade e


movimento. Já que a música era percebida pelas suas características gerais e não
pelas complexas relações das notas entre si, os compositores poloneses abandonaram
a serialização, mas focaram nos campos sonoros e texturas geradas por ela. No
Ocidente essas mudanças foram notadas nos estilo de György Ligeti (1923 – 2006) e
Iannis Xenakis (1922 – 2001). Na Polônia, surgia o sonorism o, o fio condutor da
música polonesa a partir dos anos 1960.

2.2 ARTICULAÇÃO

Neste novo estilo, Penderecki alcançou riqueza de invenção nas cordas,


criando maneiras de tocar totalmente novas. Ao lado de técnicas já conhecidas como
arco e pizzicato, ele fez uso de vários tipos de vibratos rápidos e lentos. Utilizou
também as conhecidas técnicas como legno battuto, col legno e sul ponticello, que
eram pouco empregadas até então. Os instrumentos de cordas na obra de Penderecki
são utilizados como percussão, pois utilizam o arco e as mãos para obter efeitos
percussivos ao tocar as cordas e todo o corpo do instrumento. (Exemplo 1)
Outras inovações são as observações como: “alcançar a nota mais aguda
possível de dado instrumento, pela pressão da corda perto do arco”, “bater no corpo
do violino, arranhando o estandarte”. Foram esses efeitos que provocavam agitação
no público e revolta nos músicos. A nova orquestração apresentada é uma das
características de Penderecki que coloca no mesmo patamar de igualdade cordas e
percussão, que toma o lugar tradicionalmente reservado aos sopros. A variedade de
sons foi enriquecida pelo uso de instrumentos até então raros, como a caneca, congas,
bongôs, percussão de madeira, blocos de metal, claves, gongo javanês. Estes
instrumentos aparecem em Anaklasis e em outras obras como W y m iary Czasu i
Ciszy e Fluorescences.
20

Exemplo 1 – K. Penderecki: Polymorphia (bula)

2.3 TEXTURAS

Ao lado da orquestração e das técnicas instrumentais, as texturas dependem de


diferentes parâmetros que determinam a estrutura interna das massas sonoras, como
densidade, mobilidade, homogeneidade e diversidade. As novidades de texturas eram
muitas vezes afetadas por maneiras atípicas de tocar, mas também por
especificidades naturais de textura. Um desses fenômenos é o cluster, usado
primeiramente por Henry Cowell (1897 - 1965). O cluster ficou conhecido como uma
das características do sonorismo de Penderecki, que vai mais além do que Cowell,
21

pois constrói clusters com semitons e quartos de tons e causa movimentos variando a
amplitude para maior ou menor intervalos dos extremos. Ele desenvolve clusters que
começam com uma nota, abrem-se, expandindo para formar o cluster e voltam à nota
inicial. (Exemplo 2)

Exemplo 2 – K. Penderecki: Polymorphia


22

Alguns sons pareciam ser produzidos eletronicamente e não por instrumentos


tradicionais. Aparentemente, foi na música eletroacústica que Penderecki entrou em
contato com essas sonoridades. No final dos anos 1950, começo dos 1960, Penderecki
trabalhou no Estúdio Experim ental da Rádio Polonesa em Varsóvia, compondo para
música de teatro e programas de rádio.

2.4 NOTAÇÃO MUSICAL

As inovações em relação à maneira de tocar, em relação às texturas e aos sons,


trouxeram outra novidade: a notação musical. A escrita tradicional já não expressava
de maneira satisfatória as exigências da nova música. Para as notas, o compositor
utiliza retângulos e triângulos, fazendo menção aos clusters e glissandos. As
partituras traziam uma bula no início para explicar a nova notação empregada. Mas a
maior inovação de Penderecki é a organização do tempo. Algumas vezes o fenômeno
rítmico era escrito com notação aproximada, durações individuais eram indicadas
pelo compositor, mas deixadas para a livre interpretação do músico. Em outras obras,
os ritmos eram especificados com precisão e com divisões complicadas, a duração era
fixada pela marcação de diferentes andamentos, com a ajuda de metrônomo. As
mudanças nos andamentos eram fixadas por uma “linha do tempo” que corria na
parte de baixo da partitura. Recurso usado por Penderecki primeiramente nas obras
Strophes e Anaklasis.

2.5 UMA VISÃO GERAL DO ESTILO

Krzysztof Penderecki não foi o único a compor no estilo. Obras como, Estudos
(1961) de Baird, Genesis (1962-3) de Górecki, Herbsttag (1960), Riff62 e Generique
(1963) e Ditongos (1964) de Kilar, Equivalenze sonore (1959) e Pequena Sinfonia:
Escultura (1960) fazem parte do sonorism o. Contudo, é a obra de Penderecki que
teve projeção internacional, sendo a mais tocada e conhecida desse período. A
recepção das primeiras obras de Penderecki estabeleceu o que era entendido como
sonorism o, muitas vezes compreendido como um estilo destituído de interesse
intelectual e organização formal. Danuta Mirka comenta que

A visão do sonorismo, em sua atitude anti-intelectual em relação ao


problema de criação artística, é significante para localizá-lo na história da
música do século XX. Como regra, sonorismo é considerado uma reação à
23

orientação hiperformalista do serialismo, com suas rigorosas técnicas e


predominância do processo formal sobre o resultado sonoro final. Por outro
lado, o anti-intelectualismo do sonorismo polonês o separa da música de
Ligeti e Xenakis que podem ser aparentemente semelhantes, mas baseadas
em uma sutil relação entre os tons: “micropolifonia” no caso de Ligeti e
procedimentos matemáticos no caso de Xenakis. Assim, o sonorismo foi
relegado na história da música a um estilo de exploração sonora, como uma
continuação dos experimentos iniciados pelos Futuristas Italianos,
continuados por Varése e expandidos posteriormente nas áreas de música
eletrônica e música concreta. 8

A falta de informação e estudo sobre o sonorismo gerou um entendimento


superficial do tema. Os estudos recentes de musicólogos como Danuta Mirka e Adrian
Thomas trazem novas informações, descrevendo as técnicas de composição utilizadas
e fazendo um detalhado relato do ambiente histórico ao redor do fenômeno.
Ao ouvir a música de Penderecki e de outros sonoristas, percebe-se a liberdade
de expressão da obra e a forte carga emocional contida na sonoridade criada pelos
poloneses. O estilo surgiu em uma época política delicada para a Polônia, que se
encontrava sob direta influência soviética. O sonorismo também é visto como uma
forma de liberdade de expressão dos ideais socialistas traçados por Zhdanov (1896 –
1948), pois representa liberdade composicional em relação a todos os parâmetros
anteriormente utilizados em música – harmonia, ritmo, textura, contraponto. Era
uma maneira de dizer aos comunistas que a Polônia era livre das diretrizes impostas
e de mostrar que eles podiam fazer o que pretendiam no âmbito musical.
Não há no momento uma corrente estética dominante na música que tenha se
firmado como paradigma na arte da composição e as conquistas do sonorismo –
embora datadas e pertencentes a uma época específica – causaram ampliação das
técnicas instrumentais e uma nova postura frente ao material sonoro.

8
MIRKA, Danuta. The Sonoristic Structuralism of Krzysztof Penderecki. Katowice: Music
Academy of Katowice, 1997. p.16. Tradução nossa.
24

3 A RECEPÇÃO DO SONORISMO POLONÊS POR PARTE DOS


COMPOSITORES BRASILEIROS

São vários os compositores brasileiros que parecem apresentar características


do sonorismo polonês em suas obras. Almeida Prado (1943 - 2010), Edino
Krieger(1928), Lindembergue Cardoso(1939 - 1989) e Marlos Nobre(1939). Foi
possível entrar em contato com dois deles: Edino Krieger e Marlos Nobre, e com as
entrevistas trazer informações inéditas.
Estes dois compositores discorrem sobre sua formação musical, o contato com
Koellreutter(1915 - 2005) e Carmargo Guarnieri(1907 - 1993), as posturas
doutrinárias envolvendo o nacionalismo e o dodecafonismo, sobre as oportunidades
de estudar no exterior e o desenvolvimento das suas obras musicais. Os eventos que
envolvem a Polônia foram esclarecedores, são depoimentos que permitiram traçar
com mais precisão os meios pelos quais os compositores brasileiros entraram em
contato com o sonorismo polonês. Ambos estiveram na Polônia por motivos
diferentes, em épocas distintas e estiveram em contato com os compositores
poloneses.
Há uma distinção clara entre o sonorismo e a música feita por Lutosławski que
não pode ser enquadrada como sonorista. Toda a música feita na Polônia a partir dos
anos 1960 foi agrupada como escola polonesa, mas são termos gerais que não
traduzem fielmente a veracidade e a complexidade da música polonesa daquela
época. Contudo, estes termos gerais foram propagados no exterior por escritores e
críticos de música erudita. É possível perceber nos relatos de Nobre e Krieger a falta
de distinção entre a música dos compositores sonoristas e a música de Lutosławski.
Referem – se a ela como “a música de Penderecki”, “a música de Lutosławski”, “a
música dos poloneses”, “escola polonesa”. O termo sonorismo não é mencionado
nenhuma vez durante as entrevistas, confirmando o desconhecimento do mesmo na
cena musical brasileira.

3.1 AS HIPÓTESES UTILIZADAS NAS ENTREVISTAS

As hipóteses apresentadas no artigo “A influência da música polonesa na


música brasileira dos anos 60-70” serviram de ponto de partida para a investigação
sobre o contato dos compositores brasileiros – Marlos Nobre e Edino Krieger - com o
sonorismo polonês.
25

Os fatos, informações e dados obtidos nas entrevistas foram cruciais para este
estudo, pois confirmaram algumas das hipóteses e corrigiram as que não eram
procedentes.

3. 1. 1 Atividade pedagógica de Koellreutter e Ernst Widmer

A primeira hipótese levantada seria a de que Koellreutter teria introduzido o


sonorismo no Brasil por estar em contato com as novas tendências composicionais da
vanguarda européia. Esta hipótese não foi confirmada por nenhum dos dois
compositores entrevistados.
Koellreutter desembarcou no Rio de Janeiro no dia 16 de novembro de 1937.
Trouxe na bagagem uma vasta experiência com a música contemporânea européia e a
vivência com importantes nomes da cena musical. Vale destacar seus estudos com o
regente alemão Hermann Scherchen (1891 – 1966).
Este maestro alemão foi certamente uma das fortes influências na formação do
jovem músico, por sua atuação na divulgação da música nova.

Como se sabe, os esforços de Scherchen foram desde cedo consagrados à


divulgação e melhor compreensão da música nova – de todas as épocas -,
cabendo a ele primeiras audições de obras fundamentais, hoje totalmente
incorporadas à literatura contemporânea (Paul Hindemith, “Segunda Escola
de Viena” – com Arnold Schoenber, Alban Berg e Anton Webern -, Serge
Prokofiev, Igor Stranvinsky, Luigi Dallapiccola, Luigi Nono, Hans – Werner
Henze e tantos mais), tendo se tornado referência as primeiras audições que
realizou do Concerto de Alban Berg e de Déserts, de Edgard Varése, por
exemplo. 9

A atuação de Scherchen não se limitava somente a performance, foi


igualmente um pensador, teórico, pedagogo, conferencista e escritor. “Música Viva”
foi o nome escolhido por ele para um periódico musical que editou em Bruxelas de
1933 a 1936. Através deste breve histórico das atividades de Scherchen podemos
compreender as origens das atividades musicais desenvolvidas por Koellreutter no
Brasil.
O sonorismo surge na Polônia no final dos anos 1950 sendo um estilo

9
KATER, Carlos. Música Viva e H.J.Koellreutter:movimentos em direção à modernidade.
São Paulo: Musa, 2001. p 45.
26

amplamente utilizado pelos compositores poloneses nos anos 1960. Por uma questão
cronológica, Koellreutter não poderia ter introduzido o sonorism o no Brasil, até
mesmo o dodecafonismo era uma técnica nova para Koellreutter, segundo Krieger,
que comentou em entrevista que foi Santoro quem instigou o professor à pesquisa da
técnica serial.

O dodecafonismo mesmo para ele (Koellreutter) era uma experiência nova.


Foi o Cláudio Santoro que começou a fazer perguntas instigantes, estava
fazendo música de vanguarda e começou a perguntar como era a técnica
dodecafônica de Schoenberg. Koellreutter então foi estudar isso para ensinar
aos alunos que estavam interessados. Ele trouxe também a harmonia
funcional que não se conhecia aqui. A harmonia moderna de Hindemith.
Mas foi Cláudio Santoro que começou a perguntar, por que ele tinha sabido
de uma técnica nova criada por Schoenberg. Então o Koellreutter foi se
aprofundar para poder transmitir, para poder ensinar, para saber quais eram
as normas e as aplicações da técnica. 10

Koellreutter esteve na Europa algumas vezes depois de chegar ao Brasil,


participando de Conferências, atuando como assistente de Scherchen e até mesmo
lecionando em Darmstadt (1949), mas são datas anteriores ao surgimento do
sonorismo. Contudo, Koellreutter recebeu em 1962 um prêmio da parceria entre a
Fundação Ford e o Senado de Berlim, por seus 25 anos de serviços prestados no
Brasil passando 12 meses em Berlim na qualidade de artista residente. Participaram
desse projeto outros músicos como: Micel Butor, Yannis Xenakis, Frederic Rzewski,
Elliot Carter e Igor Stravinsky. É provável que nesta estada em Berlim tenha entrado
em contato com o sonorismo polonês, pois a obra de muitos compositores da escola
polonesa era amplamente difundida na Alemanha. Após essa estadia em Berlim,
Koellreutter não voltou ao Brasil e passou os anos 1960 em Nova Delhi, igualmente
atuando na vida musical da capital indiana. No início dos anos 1970 foi nomeado
Diretor de Instituto Cultural da República Federal Alemã em Tóquio, onde
permaneceu até 1974, retornando ao Brasil no ano seguinte. As obras de
compositores brasileiros que apresentam influência do sonorismo surgiram nos anos
1960-1970, ou seja, período no qual o alemão esteve ausente do país. Portanto,
Koellreutter não foi responsável por introduzir o sonorismo no Brasil.
Outro estrangeiro a atuar no país como professor, foi o suíço Ernst Widmer
que veio ao Brasil a convite de Koellreutter para lecionar. Widmer realizou seus
10
Em entrevista concedida à autora em 11/02/2011.
27

estudos musicais no Conservatório de Zurique. Estudou com Willy Burkhard


(composição), Walter Frey (piano) e Paul Müller (instrumentação), graduou-se em
1950 nestas disciplinas, pedagogia de disciplinas teóricas e contraponto. No ano de
1956 recebeu um convite de Koellreutter para vir ao Brasil, quando iniciou suas
atividades como professor de matérias teóricas.

Diretor de III Seminário Internacional de Música da Bahia realizado na


UFBa, em Salvador. Nessa ocasião, o compositor suíço Ernst Widmer, a
convite de Koellreutter, transfere-se para Salvador e começa a lecionar
matérias teóricas e piano. Após passará a ministrar Composição, dando
continuidade ao trabalho de formação de uma escola de compositores da
Bahia iniciado por Koellreutter em Salvador. Widmer terá um papel decisivo
na evolução dos seminários, que, progressivamente, se imporão como um
centro de referência de reconhecimento nacional no ensino de música e para
onde afluirão boa parte dos melhores futuros músicos brasileiros. Grande
número de estréias de obras clássicas e modernas são e continuarão a serem
dadas na Bahia durante os seminários. 11

Ernst Widmer chegou ao Brasil no ano do acontecimento do I Festival Outono


de Varsóvia, ou seja, 1956. É um momento importante para a Polônia de abertura
para a música contemporânea do Ocidente. Somente em 1959 a música de Penderecki
começa a ser amplamente conhecida e divulgada nos meios musicais europeus. Por
essas informações cronológicas, é possível concluir que o compositor suíço conheceu
a obra da escola polonesa quando estava no Brasil, não sendo o responsável por
introduzir o sonorismo no país.

3. 1. 2 Contato direto com o sonorismo pela passagem dos compositores pela Europa

Esta segunda hipótese, a de que os compositores brasileiros teriam conhecido


o estilo polonês por estarem em contato direto com as técnicas de vanguarda em
estudos na Europa é parcialmente correta. Das entrevistas e pesquisas realizadas foi
possível compreender que os compositores conheceram a música sonorista não
somente na Europa, mas puderam ouvir gravações no Brasil e na Argentina.
Em busca de uma formação mais abrangente a maioria destes compositores
estudou em outros países, pois a forte hegemonia das escolas composicionais de

11
KATER, Carlos. Música Viva e H.J.Koellreutter:movimentos em direção à modernidade.
São Paulo: Musa, 2001. p 196.
28

Koellreutter e Guarnieri era uma realidade presente na cena musical brasileira. Edino
Krieger estudou com Koellreutter; Marlos Nobre com Koellreutter e Guarnieri;
Almeida Prado com Guarnieri; Lindembergue Cardoso estava fora desse eixo, tendo
estudado com Ernst Widmer.
Edino Krieger recebeu uma bolsa em 1948 para estudar nos Estados Unidos
em Berkshire com Aaron Copland, com quem trabalhou principalmente
orquestração. Ainda nos Estados Unidos teve aulas com Peter Menin (1923 - 1983),
discípulo de Nadia Boulanger, que seguia uma linha neoclássica. Em 1952 foi para
Londres continuar sua formação com Lennox Berkeley (1903 - 1989). Como é
possível perceber, Edino Krieger esteve no exterior nos anos 1950 em um período
anterior ao aparecimento do sonorismo no país. Krieger, em entrevista, comentou ter
ouvido pela primeira vez uma gravação da obra Threnody de Penderecki nos anos
1960 quando estava no Brasil.
Marlos Nobre, que recebeu uma bolsa da Rockfeller Foundation em 1963 para
estudar em Buenos Aires, considera que esta tenha sido a grande abertura de sua vida
por ter tido aulas com Ginastera e Messiaen no Instituto Torcuato di Tella. O
compositor ao comparar as experiências de aluno com Koellreutter e com Guarnieri
às que teve com Ginastera, comentou que o professor argentino não discutia estilo,
não impunha nada ao aluno. Ginastera trabalhava questões técnicas de composição
aconselhando os alunos e não impondo algum estilo. Marlos Nobre ouviu a música de
Penderecki ainda em Buenos Aires e a obra Ukrim akrinkrin (1964) já apresenta uma
notação com certa influência da grafia musical polonesa. Posteriormente, viajou à
Europa em 1966. Esteve na Tchekoslováquia representando o Brasil no Festival
Prim avera de Praga, onde ouviu os Jogos Venezianos de Lutosławski dirigidos pelo
próprio compositor. Esteve na Polônia onde entrou em contato com Górecki do qual
recebeu mais informações sobre a música polonesa. Esteve na Alemanha Oriental
participando de um Simpósio, onde comprou muitas partituras dos compositores
poloneses. Ainda esteve em Paris na Tribuna Internacional de Compositores da
UNESCO apresentando a obra Ukrim akrinkrin.
Almeida Prado comentou sobre a dificuldade de encontrar uma alternativa
para a escola de linha nacionalista formada em torno de Guarnieri. Ao ter uma obra
rejeitada o compositor, decide deixar as aulas.

Guarnieri, nesta obra, achou que eu tinha extrapolado ordens, os limites do


verde, amarelo, azul e branco, todo nacionalista entrando em conflito, eu
disse - Vou estudar com Ginastera... – Foi um escândalo, fui amaldiçoado.
29

Fui atrás do Ginastera porque Marlos Nobre havia me escrito da Argentina


uma carta onde ele dizia que estava adorando o Torcuato di Tella. Fui a
Buenos Aires, mas o Ginastera não estava mais lá. Voltei e não procurei mais
Camargo Guarnieri. Resolvi seguir outro caminho e me aconselhar
informalmente com Gilberto Mendes... O Gilberto não gostava de dar aulas...
O Koellreutter que era uma segunda opção estava na Índia, Então não tinha
mais ninguém com quem estudar composição a não ser Camargo Guarnieri.
O Cláudio Santoro estava na Europa, então fui atrás do Gilberto... 12

Posteriormente Almeida Prado seguiu para Paris para estudar composição


com Nadia Boulanger e Olivier Messiaen, onde permaneceu de 1969 até 1973. É
possível supor que Almeida Prado tenha entrado em contato com o sonorismo no
período no qual passou na França, pelos relatos das entrevistas neste trabalho a
música dos poloneses era amplamente difundida nos grupos de música
contemporânea de todo o mundo. Outra possibilidade é a de que tenha entrado em
contato com o sonorismo antes de sua partida para a Europa, pois como Krieger
mencionou em entrevista, ouviu obras de Penderecki em gravações, no Brasil, nos
anos 1960.
Lindembergue Cardoso estava fora desse eixo Rio – São Paulo, estudou com
Ernst Widmer recebendo educação formal na Bahia, onde se graduou pela
Universidade Federal da Bahia. Provavelmente, entrou em contato com o estilo
polonês através do professor e compositor Ernst Widmer.

3.1.3 A passagem de Penderecki pelo Brasil

O compositor polonês, Penderecki, veio ao Brasil em 1969 para ser membro do


júri do I Festival da Guanabara. A terceira hipótese era de que sua passagem pelo
Brasil tenha influenciado os compositores brasileiros. Essa suposição revelou-se
improcedente.
Os Festivais da Guanabara idealizados por Edino Krieger foram eventos de
música contemporânea brasileira dos mais importantes para os compositores
brasileiros. Foram criados nos moldes dos Festivais de Música Popular Brasileira,
com a apresentação de composições inéditas, o julgamento das mesmas por um júri
internacional e premiação.

12
ENCONTROS/DESENCONTROS. Encontro de pesquisadores e músicos da XI Bienal de Música
Brasileira Contemporânea. Organizado por Carole Gubernikoff. Rio de Janeiro: Funarte, Uni-Rio,
1996. p. 53-4.
30

Em 1967 e 1968 participei, por acaso, de dois Festivais Internacionais da


Canção Popular, no Maracanãzinho. O primeiro por sugestão de Vinícius de
Moraes, que, a meu pedido, fez uma letra para um arranjo coral que fiz de
uma fuga em ritmo de marcha-rancho, original para piano. Ele mesmo
inscreveu a música, com o título de Fuga e Anti-fuga, que obteve medalha de
ouro. Essa experiência me levou a pensar num grande festival também para a
música clássica. Fiz o projeto do I Festivalde Música da Guanabara e o levei
ao então Secretário de Educação e Cultura do Estado da Guanabara, Gama
Filho, que imediatamente o aprovou. Assim se realizaram os Festivais de
Música da Guanabara, em 1969 e 1970. O Festival oferecia os melhores
prêmios já concedidos no Brasil para compositores. 13

Foi com o prêmio em dinheiro pelo primeiro lugar com a obra Pequenos
Funerais Cantantes em 1969, que Almeida Prado pôde estudar com Nadia Boulanger
e Olivier Messiaen na França. Fato que foi decisivo para a carreira deste compositor
que certamente é uma das figuras mais importantes da música brasileira da segunda
metade do século XX.
Os Festivais foram igualmente importantes para que os compositores
conhecessem as obras uns dos outros. O Grupo da Bahia que até então se encontrava
isolado do eixo Rio – São Paulo esteve presente no Festival apresentando suas obras.
Almeida Prado demonstrou sua admiração pelas misturas musicais realizadas pelo
grupo bahiano.

Quando, por exemplo, a turma da Bahia surgiu no Festival da Guanabara, foi


para mim uma revelação extraordinária da mistura, que eu não sabia que
poderia ser feita, das novas técnicas seriais com o folclore. Foram vocês, da
Bahia, os primeiros a colocarem isto na música. A Escola da Bahia... Jamary,
com Lindembergue, Fernando Cerqueira, eram todos jovens, misturavam
pontos de candomblé com eletroacústica, com música serial, quer dizer, era
um Pós-Moderno de folclore da Bahia com a música dodecafônica... A Escola
da Bahia liderada por Widmer influenciou a música brasileira, os jovens que
emergiram naquela época, e as bienais que começaram a surgir em 1975,
logo depois. 14

13
CENTRO CULTURAL PRÓ-MÚSICA. Disponível em
www.promusica.org.br/jornal/190/entrevista.php. Acesso em 23/05/2011.
14
ENCONTROS/DESENCONTROS. Encontro de pesquisadores e músicos da XI Bienal de Música
Brasileira Contemporânea. Organizado por Carole Gubernikoff. Rio de Janeiro: Funarte, Uni-Rio,
1996. p 60.
31

Edino Krieger constituiu um júri internacional, por haver premiação e por ser
a primeira vez que se fazia um Festival como aquele no Brasil. Para a primeira edição
foi convidado um júri internacional do qual Penderecki fazia parte.
O crítico musical do jornal Correio da Manhã, Eurico Nogueria França,
escreveu sobre a presença do compositor polonês no Festival.

Sem dúvida é interessante ver-se Penderecki no camarote, embora não


saibamos o que ele possa estar pensando de certa música que ouve. Mas seria
muito mais interessante se ouvíssemos uma de suas impressionantes
composições, então, sim – dever-se-ia supor – estaríamos no âmbito de um
festival, ou de um grande concerto. Mas convidar Penderecki a vir à
Guanabara ouvir música, ou o que se rotula de música, e não para que ele
nos traga a sua própria música, é um contra-senso tão grande como se
trouxéssemos, por exemplo, a nossa Marta Haydée para que ela assistisse, de
camarote, a uma disputa entre o corpo de baile do Teatro Municipal e,
digamos, o corpo de baile do Castro Alves, da Bahia. 15

É possível perceber através do relato de França que Penderecki não interagiu


com o público nem com os compositores presentes, até mesmo pelo fato de ser
jurado. Marlos Nobre comentou em entrevista que Penderecki votou na música que
escolhera e se ausentou do Teatro Municipal imediatamente, vindo a comentar sobre
o Festival com Nobre somente meses depois em Buenos Aires.
A influência da música polonesa é anterior à vinda de Penderecki ao Brasil. Na
primeira edição do Festival, Marlos Nobre recebeu o segundo prêmio com a estréia da
obra Concerto Breve interpretada pela Orquestra do Teatro Municipal do Rio de
Janeiro, tendo como regente Armando Krieger e como pianista Arnaldo Estrella. Esta
obra já apresenta influência do sonorism o polonês, bem como a obra que enviou ao
Festival para a sua segunda edição, Mosaico.

3.1.4 A Rádio MEC

Outro meio de difusão da música polonesa de vanguarda foi a Rádio MEC.


Como se pôde verificar nas entrevistas com Marlos Nobre e Edino Krieger, ambos
relataram que recebiam discos do Festival Outono de Varsóvia que eram enviados
regularmente logo após o término do evento na Polônia. Esta hipótese não está
presente no artigo de Marcos Lucas, porém será levada em consideração, pois foi

15
FRANÇA, Eurico Nogueira. Correio da Manhã. Rio de Janeiro. 27/05/1969.
32

mencionada por ambos compositores.


O Grupo Música Viva mantinha um programa na Rádio MEC. Em entrevista,
Edino Krieger lembra que em algumas dessas audições foram incluídas obras de
compositores poloneses.

Nós tínhamos um programa da Rádio MEC, chamado Música Viva, que era
organizado pelo Grupo Música Viva. Produzido por nós, cada semana uma
pessoa organizava. Ou era eu, Koellreutter, Cláudio Santoro, Eunice
Katunda. Muito frequentemente apresentávamos Lutosławski, fazíamos
comentários. Penderecki. Górecki. O quarteto de cordas de Grażyna
Bacewicz. Enfim, nós apresentávamos o que havia disponível aqui de música
contemporânea que conseguíamos através de Embaixadas. A princípio era
muito difícil de conseguir por que era um tipo de música que interessava a
uma pequena parcela do público. Então, apresentávamos semanalmente
essas gravações nos programa Música Viva da Rádio MEC. Nós recebíamos
na rádio também os discos com os programas do Festival Outono de
Varsóvia, que é uma coisa admirável, pois depois de um concerto a música já
era gravada e estava à disposição. 16

O compositor Marlos Nobre confirma o que já havia sido mencionado por


Edino Krieger. Nobre foi funcionário da Rádio MEC e lembra que recebia todos os
anos os discos do Festival Outono de Varsóvia e realizava programas de rádio sobre
as obras.

Eu recebia os discos do festival. O Festival de Varsóvia me mandava


religiosamente aqueles discos que eles editavam. Eu tocava integralmente
esses discos. O que tocava lá tocava aqui. De 71 até 91. Eu não escrevia os
programas, eu falava sobre o compositor, sobre a obra, sobre o estilo. Eu
ouvia a obra e a descrevia. No caso dos festivais não tinha encarte, era
somente o LP, o nome dos autores e das obras, não havia comentários, às
vezes eu não conhecia o compositor. Eu tinha muito contato com o pessoal
da Embaixada da Polônia, eu pedia informações para o Associação dos
Compositores Poloneses, vinha tudo em polonês e ele traduzia para mim.
Então eu transmiti esses festivias de 71 a 91, 20 anos. 17

3.2 ENTREVISTAS

16
Em entrevista concedida à autora em 11/02/2011.
17
Em entrevista concedida à autora em 10/02/2011.
33

3.2.1 Edino Krieger

O compositor Edino Krieger iniciou seus estudos ainda em Brusque com seu
pai. Aos 14 anos de idade realizou um concerto em Florianópolis onde recebeu uma
bolsa para continuar seus estudos de música no Rio de Janeiro no Conservatório
Brasileiro de Música. Através da trajetória do compositor é possível perceber as
posturas ideológicas, políticas e musicais envolvendo Koellreutter e Guarnieri.

Ele (Koellreutter) me informou sobre o processo de evolução da linguagem,


da experiência de Wagner com Tristão e Isolda. Como consequência disso
Schoenberg propôs uma nova linguagem, uma nova técnica que era o da
utilização dos 12 sons. Eu comecei a fazer exercícios, para me familiarizar
com essa nova técnica. Tenho um trio para sopros, uma sonatina para flauta,
um epigrama para flauta e um quarteto de cordas. Várias peças nessa
linguagem dodecafônica. Foi para mim uma fase experimental. Em 1948
quando eu fui para os Estados Unidos, com uma bolsa para Juilliard,
Koellteutter me aconselhou a escolher um professor que não fosse
especializado em dodecafonismo, pois essa era uma informação que eu já
tinha. Para diversificar e ter novas experiências, eu devia escolher um outro
professor. Eu fui estudar com Peter Menin, discípulo de Nadia Boulanger
que tinha uma linha totalmente neoclássica. Eu fui então deixando o
serialismo gradativamente. 18

Assim como outros compositores, Edino Krieger teve a oportunidade de


estudar no exterior e aprofundar seus conhecimento composicioinais. Esteve em
Berkshire – Massachussets, Juilliard School – New York e Londres. Edino Krieger
comenta em seu depoimento que esteve na Polônia em 1955, 10 anos após o fim de
Segunda Guerra Mundial, obteve o prêmio Internacional da Paz por sua canção sobre
um poema de Rosenberg.

Em 1955 eu recebi uma bolsa para estudar em Londres, mas eles não davam
passagem. Então eu fiquei sabendo de uma delegação brasileira que ia para o
Festival da Juventude em Varsóvia. Eu me informei, eu era muito amigo do
Jorge Amado, do Arnaldo Estrela, esses artistas, o pessoal da esquerda
cultural brasileira. O Jorge me disse que haveria um Festival em Varsóvia,
que a passagem era bem baratinha, era um navio francês. A delegação iria
viajar na terceira classe, no porão, mas em compensação a passagem era
baratíssima. Fomos até a França, onde pegamos um trem e viajamos três

18
Em entrevista concedida à autora em 11/02/2011.
34

dias e três noites até chegar a Varsóvia.

O compositor entrou em contato com a música polonesa de vanguarda a partir


de 1965, quando começou a se interessar pela música de Penderecki e Lutosławski.

Eu comecei a conhecer o Penderecki através de uma peça que me


impressionou muito, Thredony para as Vítim as de Hiroshim a, é uma peça
onde ele usa uma porção de recursos novos, uma notação musical muito
diferente. Eu tinha gravação e também partituras. Essa foi a segunda obra
que mais me marcou. E quando eu ouvi essa peça do Penderecki, ela também
teve uma influência muito forte. Era uma música que trazia muitas
novidades, mas uma novidade muito marcante. A partir daí comecei a ouvir
mais e me interessar pela produção musical de Penderecki. No fim dos anos
1950 eu fiz uma peça chamada Três im agens de Nova Friburgo. É a obra que
tem influência direta de Penderecki, que apresenta não somente os clusters,
os blocos sonoros, mas também a grafia, que são grafias econômicas. Por
meio de gravações entrei em contato com a obra de Lutosławski. Com ele não
tive maiores afinidades ou de forma tão direta como com Penderecki. 19

Edino Kriger foi o idealizador do Festival da Guanabara que trouxe ao país


importantes nomes da música contemporânea mundial para participar do júri, como
é o caso de Penderecki.

Como era a primeira vez que se fazia um grande Festival de Música


Brasileira, e era um Festival com premiação, resolvi constituir um júri
internacional. Eu convidei o Penderecki da Polônia. A música dele já era
muito conhecida, principalmente pelas pessoas interessadas em música de
vanguarda, não era uma música tocada pelas orquestras, mas ele nunca tinha
vindo à América do Sul, eu acho. Eu tinha uma grande admiração pela
música dele, desde os anos 1950. Através da Embaixada, eu procurei
localizar o Penderecki e mandei uma correspondência oficial. Ele respondeu
que aceitava então nós mandamos as passagens e o cachê. Convidei vários
compositores. E foi constituído então um grande júri internacional. Almeida
Prado recebeu o primeiro lugar, com a obra Pequenos Funerais Cantantes.
Foi uma coisa inédita, com 14 obras finalistas. Primeiro fizemos um júri
preliminar brasileiro, escolhendo 14 obras. Foi um trabalho fantástico
realizado pelo coro e orquestra do Teatro Municipal. Convidei os melhores
regentes e solistas como Eleazar de Carvalho e Arnaldo Estrela. Foi um
concurso de alto nível. O prêmio deveria equivaler hoje a uns 50.000

19
Em entrevista concedida à autora em 11/02/2011.
35

dólares. Almeida Prado passou vários anos em Paris com esse prêmio. Ele
dizia que tinha três opções, que iria comprar um pequeno apartamento para
ele, um carro zero kilômetro, ou iria para a Europa estudar. E ele optou pela
terceira hipótese e realmente foi uma experiência definitiva para a música
dele. Estudar com Messiaen que foi a maior influência dele. 20

A trajetória de Edino Krieger ainda apresenta mais uma ligação com a Polônia,
pois recebeu uma Condecoração do Governo Polonês através de um amigo polonês, o
violinista Jerzy Milewski.

Recebi essa condecoração, por indicação de um violinista polonês muito


amigo nosso Jerzy Milewski. Ele que gravou as Sonâncias para violino e
piano, que são dedicadas a ele e que também tem coisas da escrita
pendereckiana. Fui indicado por ele para receber esta Comenda do Mérito
Cultural da Polônia pelo prêmio que havia recebido em Varsóvia em 1955 e
também por esta ligação com Penderecki. Eu a recebi aqui no Rio de Janeiro
no Consulado Polonês. 21

3.2.2 Marlos Nobre

Para chegar ao momento no qual o compositor Marlos Nobre entrou em


contato com a música polonesa de vanguarda é necessário compreender sua
formação e atuação como compositor.

Nascido em Pernambuco, Nobre iniciou sua formação musical em Recife com


o Padre Jaime Diniz (1924 - 1989) em 1953, com quem estudou por oito anos obtendo
uma sólida formação teórica. O compositor entrou em contato com a técnica
dodecafônica com seu professor e afirma ter sido Diniz, o primeiro a trazer o
conhecimento sobre a técnica de 12 sons para o Brasil.

No ano de 1960 a obra Nazaretiana recebeu o primeiro prêmio no Concurso


da Sociedade Germano-Brasileira em Recife que consistia em participar de um Curso
em Teresópolis ministrado por Koellreutter. É possível perceber o teor da discussão
entre nacionalistas e dodecafonistas pela maneira como Koellreutter abordava o
ensino da composição. Marlos Nobre tinha opinião estabelecida sobre o assunto e
naquele momento de formação estava na busca por conhecimento e não por
engajamento em nenhuma das duas linhas (dodecafonismo, nacionalismo) de embate
musical presentes no Brasil.
20
Em entrevista concedida à autora em 11/02/2011.
21
Idem.
36

Após esta experiência com Koellreutter o compositor iniciou seus estudos de


composição com o representante da outra vertente – a nacionalista – Camargo
Guarnieri, que defendia uma postura contrária frente ao dodecafonismo propagado
por Koellreutter. Marlos Nobre define sua postura não como nacionalista, mas como
brasileira. Compreende-se a dificuldade dos jovens compositores em sua formação,
tendo que assumir posturas quase que doutrinárias em relação à composição.

Nacionalismo significa, uma espécie de teoria estética, uma corrente estética,


na qual você quer, objetivamente, fazer música nacionalista brasileira, quer
dizer, música nacionalista baseada em folclore, baseada em temas
brasileiros. O nacional para mim era o brasileiro inconsciente. A
inconsciência, o fruto da minha vivência musical, mental. A minha vivência
fazia no meu cérebro uma espécie de fermento. (Isso eu estudei depois, na
época eu não tinha noção disso). Tudo que eu ouvia na rua, eu morava em
uma rua onde passava maracatu, aquilo entrou no meu sangue, apesar da
minha família ser de origem holandesa, mas eu sou mais brasileiro do que
muito brasileiro. A minha avó falava alemão em casa, mas eu ficava na rua
dançando frevo, maracatu. Isto se incorporou a minha linguagem. O
nacionalismo é uma imposição do estilo. A minha filosofia desde esta época
era, nem um, nem outro. Eu não era nem Koellreutter, nem Guarnieri, mas
estudei com os dois para tirar as minhas dúvidas. 22

Nem Koellreutter, nem Guarnieri apresentavam soluções para o caminho que a


música brasileira deveria seguir, esta contrariedade de opiniões não favorecia o
aprendizado musical, deixando os jovens sem alternativa de estudo. Muitos deles
tiveram oportunidade de estudar no exterior. Marlos Nobre ganhou uma bolsa da
Rockefeller Foundation em 1963 para estudar em Buenos Aires no Instituto Torcuato
di Tella que era considerado um dos melhores centros de estudo latino-americanos
para o estudo da música contemporânea. Oportunidade que o compositor considera
como crucial na sua formação, pois no Instituto esteve em contato com os grandes
nomes da música contemporânea daquela época: Alberto Ginastera (1916 - 1983),
Olivier Messiaen (1908 - 1992), Aaron Copland (1900 - 1990), Luigi Dallapicola (1904
- 1975) e Bruno Maderna(1920 - 1973).

A maioria dos compositores nos anos 1950-1960 tinha opinião a favor ou


contra o serialismo integral, que era apontado por Boulez e seus discípulos como

22
Em entrevista concedida à autora em 10/02/2011.
37

umas das únicas saídas para a música contemporânea. Marlos Nobre é enfático ao
afirmar que Darmstadt e o serialismo afastaram o público da música contemporânea.

A primeira fase musical da obra de Marlos Nobre (1959-63) apresenta


características tradicionais de escrita e de linguagem. Após esse período sua obra
entra em uma nova fase (1964) na qual percebe-se uma mudança. A diferença
principal entre essas duas fases é a nova maneira com que o compositor trata o
material sonoro o que exige uma notação distinta da tradicional. As obras desta fase
apresentam blocos sonoros, clusters, caixinhas de repetição e muitos efeitos nas
cordas. São dessa fase as obras: Ukrim akrinkrin (1964), Convergências (1968),
Rhy thm etron (1968), Concerto Breve (1969), Ludus Instrum entalis (1969), Mosaico
(1970), In Mem orian (1973-76), Sonâncias I, II, III (1972), Biosfera (1970).

O compositor menciona em seu sítio internético que “os compositores do


século XX que mais o influenciaram foram Debussy, Bártok e Lutosławski, pois
inovaram a linguagem sem romper com a mais elevada tradição”. 23 E, revela nesta
entrevista como entrou em contato com a obra dos poloneses, Penderecki e
Lutosławski, em viagens ao Leste Europeu, à Tchekoslovaquia, à Polônia e à
Alemanha Oriental. Marlos Nobre esteve em contato com a obra dos compositores
atrás de cortina de ferro em festivais, através de gravações, partituras ou o contato
direto com os próprios compositores.

Quando eu estive em Buenos Aires, tive contato com a escola polonesa,


escutei Threnody do Penderecki. Para mim foi um impacto. Isso foi em 1963,
1964. Em 66 fui convidado para o Festival de Praga. Lá tive contato com os
professores de Praga, e com a Polônia. As editoras e os festivais tocavam
obras de compositores poloneses, como Penderecki, Lutosławski, Tadeusz
Baird, Górecki. Uma obra fundamental para mim que eu ouvi no festival de
Praga foi, Jogos Venezianos de Lutosławski, dirigida por ele. Eu fiquei
fascinado: é isso que eu quero. Essa escritura que vinha sendo trabalhada
pelos poloneses há algum tempo entre eles. Um dos garotos disse “você vai a
uma reunião underground nossa, não é nada oficial, nós passamos às 20:00
horas no hotel”. Pareciam que estavam fazendo alguma coisa errada.
Levaram-me de bicicleta na casa de um deles, um gravadorzinho, tinham
pouco dinheiro. Eu ouvi a obra de compositores Tchecos, música muito boa,
nenhum fez sucesso internacional o que é estranho. Eles disseram “tem
também a escola polonesa que você tem que conhecer”. Eu ouvi lá poloneses.
Threnody para as Vítim as de Hiroshim a, Anaklasis, Fluorescências, uma
obra magnífica, que me impressionou muito. O Te Deum . E Jogos

23
MARLOS NOBRE. Disponível em: www.marlosnobre.sites.uol.com.br. Acesso em 29/05/2011.
38

Venezianos de Lutosławski. . Eu fui então para a Alemanha Oriental, por que


eu fui convidado para um Simpósio e lá eu fui a uma escola de música onde
havia muitas partituras baratas, inclusive dos poloneses. Eu comprei tudo
que tinha. Quando eu entrei em contato com isso, eu pensei, é isso. Eu tinha
escrito o Ukrim akrinkrin em Buenos Aires, em 64 com uma linguagem serial
bem avançada. Fui posteriormente para Paris para a Tribuna de
Compositores em Paris, eu apresentei Ukrim akrinkrin. Ficou em 10 lugar
dentre 68 obras. Escrevi Mosaico sob forte influência da escola polonesa,
sobretudo de Penderecki, mas mais Lutosławski. 24

O Festival da Guanabara foi certamente um evento que marcou época na


música contemporânea brasileira. Marlos Nobre ganhou o segundo prêmio em 1969
com o Concerto Brev e, Penderecki era um dos membros de júri internacional. O
compositor brasileiro não entrou em contato direto com o polonês por ser ele um dos
jurados.

Não entrei em contato com Penderecki por que ele era júri, mas vou te contar
um segredo. Ele deixou o voto dele por escrito e se mandou. Para quem?
Para o Concerto Breve. Claro que quem ganhou foi o meu querido Almeida
Prado. Com os Pequenos Funerais Cantantes. Eu escrevi o Concerto Breve
na época que Armstrong foi para a lua, eu pensei, já que esse cara meteu o pé
na lua, tudo é possível. Então eu escrevi o final do concerto breve, que é só
cluster. O Almeida Prado foi lá em casa, quando eu toquei para ele, ele
enlouqueceu. Pediu para usar, o que vemos hoje nas cartas celestes. A
primeira Carta Celeste foi inspirada no Concerto breve. Ele ganhou o
primeiro prêmio e eu ganhei o segundo. Foi um escândalo. Estavam
presentes Mignone, Guerra-Peixe, aquela coisa mais tradicional. Foi uma
festa, o público aplaudiu por 12 minutos, mais do que a duração da obra, eu
tenho o disco original. Esses festivais no Rio de Janeiro, pareciam o
Maracanã. Uma coisa impossível hoje. Então, o Penderecki sumiu, deixou o
voto para o Concerto Breve, ele me conhecia, eu tinha encontrado com ele na
Polônia em 66, mas ele não falou comigo. Em 1970 nos encontramos em
Buenos Aires, foi quando tocou Mosaico no Teatro Colón e ele estava lá. Ele
disse “que obra, você ganhou?”. Não. Você não deveria ter saído eu disse
para ele, você deveria ter ficado lá, teria sido diferente, por que bateria o pé,
por que ele é um homem respeitado. Ele disse que não ficou por que tinha
outros compromissos. 25

Marlos Nobre atuou não somente como compositor, mas também como
24
Em entrevista concedida à autora em 10/02/2011.
25
Em entrevista concedida à autora em 10/02/2011.
39

funcionário de órgãos públicos como a Rádio MEC, Funarte e esteve à frente da


Orquestra Nacional. Informa que em seus trabalhos nestas instituições propagou a
música polonesa de vanguarda.

Eu convidei Eleazar de Carvalho ele fez os Jogos Venezianos, com a


Orquestra Nacional. Morelenbaum fez a Prim eira Sinfonia de Lutosławski e
Threnody para as Vítim as de Hiroshim a de Penderecki. Além disso, eu era
produtor de programas, eu apresentei muitas obras polonesas. Eu coloquei
tudo que você possa imaginar.

3.3 O GRUPO DE COMPOSITORES DA BAHIA E O USO DAS TÉCNICAS


SONORISTAS

No início dos anos 1950, Koellreutter começou a ministrar Seminários de


Música na Universidade Federal da Bahia. Para dar continuidade a essas atividades
convidou o compositor Ernst Widmer para vir ao Brasil ensinar música. O
compositor suíço chega ao país em 1956 e passa a lecionar matérias teóricas e piano
dando continuidade ao trabalho de formar uma escola de composição na Bahia.
Era um momento importante para a cultura da capital bahiana, pois havia
muitas personalidades artísticas em atividade no local, como conta Wellington
Gomes em sua tese de Doutorado

O vanguardismo da música erudita com o pioneirismo de H. J. Koellreutter;


as contratações de Yanka Rudzka para a Escola de Dança e Martins Golçalves
para a Escola de Teatro; a figura de Agostinho da Silva na criação de CEAO –
Centro de Estudos Afro-Orientais; o modelo de uma educação de
características inovadoras através da Escola Parque, por Anísio Teixeira;
destaca também figuras representativas no campo da música popular -
Dorival Caimmy, João Gilberto e os tropicalistas; da literatura – Jorge
Amado; do cinema – Glauber Rocha; e muitas outras figuras e fatos. 26

Gomes traça um paralelo entre a efervescência cultural e o aparecimento do


Grupo de Compositores da Bahia. O ensino de música iniciado por Koellreuter e
continuado por Widmer culmina no surgimento de uma vanguarda musical que
ocorreu na Bahia pela atividade dos compositores bahianos entre 1966 e 1973. Os

26
GOMES, Wellington. Grupo de Compositores da Bahia: Estratégias Orquestrais. 148p. Tese
de Doutorado (Doutorado em Música) – Escola de Música da Universidade Federal da Bahia, Bahia,
2002, pg 6.
40

compositores pertencentes ao Grupo eram: Ernst Widmer (1927 – 1990), Fernando


Cerqueira (1941), Jamary Oliveira (1944), Milton Gomes (1916 – 1973), Rinaldo Rossi
(1945 – 1984), Nicolau Kokron Yoo (1936 – 1971), Antônio José Santana Martins
(1936), Lindembergue Cardoso (1939 – 1989), Carlos Rodrigues de Carvalho (1951),
Walter Smetak (1913 – 1984).
Uma das carasterísticas do Grupo eram as “novas aventuras de
experimentação”27. Os compositores não conheciam fronteiras, misturavam todos os
estilos, folclore e música brasileira com dodecafonismo, serialismo e eletroacústica. A
partir de 1967 é possível notar que as composições apresentam uma notação distinta
da tradicional, parecida com a usada pelos sonoristas. O compositor Jamary de
Oliveira comenta em entrevista sobre essa notação

As pessoas pensam que fomos influenciados pela escrita polonesa, mas era
uma coincidência muito grande. Encontram-se algumas obras nossas
anteriores a 1968 usando notações semelhantes, não iguais, mas com alguma
semelhança, ao que nós chamávamos de notação proporcional,
prolongamento...28

Contudo, Jamary comenta ter entrado em contato com a música de Penderecki


pela primeira vez em Curitiba.

Entramos em contato com a música de Penderecki em Curitiba. Havia um


crítico de arte que escrevia para o principal jornal de Curitiba, nos anos de
1968. Ele havia conseguido uma gravação da Paixão Segundo São Lucas.
Nesta época algumas pessoas estava trabalhando no curso, eu o Widmer, e
mais algumas pessoas, não me lembro exatamente agora. Ele nos convidou
para escutar essa obra de Penderecki. Todos gostaram muito da obra.
Quando Widmer foi a Europa ele comprou a partitura, foi quando
descobrimos que a notação de Penderecki era muito semelhante a que nós
estávamos utilizando.29

Oliveira comenta que quando entraram em contato com as partituras


começaram a utilizar a mesma grafia que a dos poloneses, deixando de lado a notação
anterior ao contato com o texto musical polonês. Pode-se notar a partir de então a

27
GOMES, Wellington. Grupo de Compositores da Bahia: Estratégias Orquestrais. 148p. Tese
de Doutorado (Doutorado em Música) – Escola de Música da Universidade Federal da Bahia, Bahia,
2002, pg.6
28
Em entrevista concedida à autora em 02/06/2012.
29
Idem.
41

influência do sonorismo nas composições do Grupo de Compositores da Bahia.


Jamary lembra que a Widmer passa a utilizar a notação polonesa somente depois de
1970

Widmer só veio a usar essa notação depois do I Festival da Guanabara.


Todos nós usávamos, o Widmer não. Somente depois do I Festival ele
começa a utilizar a notação. A obra dele era totalmente suíça, comportada.
No II Festival da Guanabara há uma mudança total de notação, a influência
polonesa é evidente.30

A análise realizada por Gomes da obra Quasars confirma o comentário de


Jamary sobre a mudança de notação.

Em Quasars (1970), de Ernst Widmer, já é possível observar uma série de


recursos instrumentais que são utilizados como meios para estabelecer a
idéia composicional desta obra – vibrato repentino, breve e violento
(sopros), vibrato largo e ritm ado (cordas), atrás do cavalete (cordas), col
legno (cordas), som m ais grave e m ais agudo possível ( quase todos, menos
cordas), arco friccionado com m uita força (cordas), soprar sem tirar som
(sopros), tocas nas chaves (sopros), tocar com os dedos (percussão), prato
suspenso com arco de contrabaixo (percussão), tocar com punhos ou
antebraços (piano), são muitos dos recursos espalhados por toda obra. 31

Outras obras da produção do grupo apresentavam notação distinta, assim


como a composição Procissão das Carpideiras (1969) de Lindembergue Cardoso que
foi apresentada no I Festival da Guanabara. A obra apresenta muitas características e
recursos do sonorismo polonês.

Em Procissão das Carpideiras, muitos são os recursos de


indeterminação utilizados: glissandos de resolução indeterminada podem
ser observados na parte do contralto solo, na parte do coro de sopranos e na
parte dos tímpanos; clusteres de altura aproximada, na parte do piano, e de
altura indeterminada, na parte do coro de sopranos; o recurso de notas
extremas (mais agudo ou grave possível), sem altura determinada, na parte
de sopranos, na parte das cordas e na parte dos tímpanos; e finalmente a
adição de instrumentos não convencionais de altura indeterminada – uma
enxada e uma folha-de-flandres. 32

30
Em entrevista concedida à autora em 02/06/2012.
31
GOMES, Wellington. Grupo de Compositores da Bahia: Estratégias Orquestrais. 148p. Tese
de Doutorado (Doutorado em Música) – Escola de Música da Universidade Federal da Bahia, Bahia,
2002. p. 51
32
GOMES, Wellington. Grupo de Compositores da Bahia: Estratégias Orquestrais. 148p. Tese
42

O Grupo de Compositores da Bahia realizou um movimento de música


contemporânea importante, estando fora de eixo Rio-São Paulo. Pela distância
geográfica não recebiam muitos matérias, principalmente os vindos da Polônia.
Entraram, contudo, em contato com a música polonesa de Penderecki, sendo ela
incorporada na produção musical do grupo e exercendo influência na escrita e na
linguagem estética dos compositores.

de Doutorado (Doutorado em Música) – Escola de Música da Universidade Federal da Bahia, Bahia,


2002. p. 48
43

4 ANÁLISE DAS OBRAS

Serão analisadas três obras de compositores brasileiros que apresentam


influência do sonorismo polonês: Canticum Naturale de Edino Krieger, Mosaico de
Marlos Nobre e Am ém de Almeida Prado.

4.1 EDINO KRIEGER – Canticum Naturale (1972).

A obra Canticum Naturale “foi composta por encargo da Orquestra


Filarmônica de São Paulo, para a temporada comemorativa do Sesquicentenário da
Independência. Concluída a 28 de março de 1972. Motivada em elementos sonoros
ambientais da região transamazônica. Duração aproximada: 12 a 15 minutos.”33 A
estréia da obra deu-se no Teatro Municipal de São Paulo, sob a regência de Jaques
Bodmer. A composição está dividida em dois movimentos: “Diálogo dos pássaros” e
“Monólogo das águas”. É interessante destacar que no “Diálogo dos Pássaros”, o
compositor se utiliza de marcações ao invés de compassos, marcações estas que
duram segundos pré-estabelecidos, assim como nas obras sonoristas. Já no
“Monólogo das Águas”, o compositor se utiliza de compassos, na sua forma
tradicional.
O compositor emprega uma grande orquestra romântica para a execução da
obra. As madeiras se utilizam de suas extensões: as flautas são complementadas pelo
piccolo, os oboés pelo corne-inglês, os clarinetes pelo clarinete-baixo e os fagotes
pelo contrafagote. Os metais aparecem em uma formação tradicional: 4 trompas
(uma quinta trompa aparece na segunda seção), 3 trompetes, 3 trombones e tuba.
Para aumentar o colorido, pensado em uma obra que descreve os sons da floresta
amazônica, o compositor se utiliza de celesta, piano e harpa. As cordas são pensadas
em um número grande que comporta até divisi a 7 (Exemplo 3).
Destaca-se a modernidade do grupo de percussão e a presença de
instrumentos tipicamente brasileiros como reco-reco, matraca e chocalho. A partitura
se utiliza de uma escrita tradicional no que se refere aos instrumentos transpositores
- o corne-inglês está em fá, os clarinetes em si bemol, as trompas em fá e os
trompetes em si bemol – por que os poloneses não costumavam fazer isso.
A partitura apresenta uma bula para os símbolos empregados durante a obra,

33
KRIEGER, Edino. Canticum Naturale. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Música – Banco de
Partituras de Música Brasileira, 2000. p. 1. Orquestra.
444

na q
qual é posssível enco
ontrar os m
mesmos elementos utilizados pelos com
mpositoress
polo
oneses.

Exemplo 3 – E. Krieger:
K aturale. (“M
Cannticum Na Monólogo das Águass”) Divisi a
7, a 6 e a 5.

Assim como
c nas bulas
b bras como Anaklasis, Polim orpphia e Dim
de ob m ensões doo
Tem
m po e do Silêncio
S de Pendereck
ki, a comp
posição de Krieger u
utiliza símb
bolos para
a
efeittos sonoro
os como: repetir o grupo dee notas o m ais ráp
ápido posssív el; som
m
supeeragudo inndeterm in
nado; vibrrato lento com osccilação daa afinação
o; oscilatoo
lentííssim o com
m rebaixam afinação. (E
m ento da af Exemplo 4)
4

Exemplo 4 - E. Kriieger: Cannticum Natturale. Bula


a
45

4.1.1 Primeira parte – “Diálogo dos pássaros”

No primeiro movimento, não somente os pássaros são retratados


musicalmente, mas também outros animais da fauna amazônica. Os pássaros
indicados na obra são: siriema, pica-pau, tempera-viola, uru, inhambu, inhambu-
preto, galo-do-mato, pássaro-tesoura, sabiá, bacurau, arara, papagaio, quero-quero,
uirapuru e vira-folha. Os animais representados são: grilos, rãs, sapos, insetos, javali
e papa-formiga.
O título desta primeira parte remete ao trabalho musical que Messiaen
realizou ao escrever música baseada no canto dos pássaros. Ao contrário do
compositor francês, que foi pessoalmente anotar o canto dos pássaros, Krieger
baseou-se nas inúmeras gravações realizadas no Amazonas pelo engenheiro Dalgas
Frisch. Messiaen retrata o canto dos pássaros com uma escrita livre, sem notas de
referência ou tonalidade, além de empregar duas ou três vozes, imitando os
harmônicos do canto dos pássaros. (Exemplo 5).

Exemplo 5 – O. Messiaen. Petites Esquisses D´ Oiseaux (Pequenos Esboços de


Pássaros). Canto sem notas de referência ou tonalidade.

Ao contrário, o compositor brasileiro sempre escreve a sugestão do canto dos


pássaros em apenas uma voz. Além disso, diferente de Messiaen, Krieger emprega
modos e tons para retratar cada pássaro apresentado na obra. A siriema, por
exemplo, é retratada pelo clarinete piccolo em mi bemol (marcação 7) e o canto inicia
com um quarta justa ( ré – sol) e a polarização da melodia é em cima da nota sol
(Exemplo 6).
46

Exemplo 6 - E. Krieger: Canticum Naturale (“Diálogo dos Pássaros” - siriema).


Notas escritas e não notas de efeito.

O javali é interpretado pela trompa (marcação 13) e a nota de referência na


melodia é sol. (Exemplo 7).

Exemplo 7 - E. Krieger: Canticum Naturale (“Diálogo dos Pássaros” - javali).


Notas escritas e não notas de efeito.

O uru é retratado pelo clarinete em si bemol (marcação 14) e fica clara a


utilização do modo lídio na construção da melodia. (Exemplo 8)

Exemplo 8 - E. Krieger: Canticum Naturale (“Diálogo dos Pássaros” - Uru).


Notas escritas e não notas de efeito.

O sabiá é interpretado pela flauta (marcação 20) e seu canto tem polarização
na nota lá. (Exemplo 9)
Os motivos curtos que representam cada pássaro remetem à obra de grandes
compositores do início do século XX como Bártok (Ao ar livre) e Stravinski
(Sagração da Prim avera), justamente pelo uso dos modos. Os pássaros e alguns
animais aparecem como personagens independentes que não interagem entre si, pois
não dialogam, nem se utilizam do material temático uns dos outros. Este é um
processo comumente utilizado por Stravinski, que em suas obras utilizava-se de três
ou mais temas independentes ao mesmo tempo. O movimento não tem forma
definida. O que ocorre é uma ambientação tipicamente sonorista, um pano de fundo
47

sobre o qual os pássaros e animais fazem suas aparições.

Exemplo 9 - - E. Krieger: Canticum Naturale (“Diálogo dos Pássaros” - Sabiá).

O clima da floresta é realizado por clusters de harmônicos nas cordas que o


compositor denomina de insetos (Exemplo 10), por improvisações nas flautas e
piccolo denominados de grilos (Exemplo 11), por trompetes com surdina, por
glissandos na harpa, pelo piano, pela celesta e pela percussão.

Exemplo 10 - - E. Krieger: Canticum Naturale (“Diálogo dos Pássaros”).


Insetos.

Exemplo 11 - - E. Krieger: Canticum Naturale (“Diálogo dos Pássaros”). Grilos.

Essa ambientação é realizada para a aparição dos solos que representam


pássaros e animais. Aparecem na seguinte sequência: sapos, siriema, pica-pau,
tempera-viola, inhambu, javali, uru, galo-do-mato, inhambu-preto, sabiá, bacurau,
pássaro-tesoura, choquinhas, papa-formigas, araras, papagaios, quero-quero, vira-
folha. As melodias são realizadas pelos instrumentos de madeiras e metais, com
excessão do pica-pau, representado pelos blocos de madeira da percussão.
48

Há um grande crescendo (marcação 31) com a mistura dos cantos de todos os


pássaros retratados, que resulta em um fortíssim o. Neste momento (marcação 33)
todos os instrumentos param de tocar (menos as cordas – insetos). É quando entra o
solo de flauta representando o uirapuru. Conforme a crença popular da Amazônia,
quando o uirapuru inicia seu canto todos os outros pássaros e animais se calam como
forma de reverência. É possível que o compositor tenha feito alusão a esta lenda pela
maneira como apresenta o solo deste pássaro na obra. Villa-Lobos possui uma peça
com o título de Uirapuru para orquestra, escrita para balé, na qual retrata o canto do
uirapuru também com a flauta. O canto do uirapuru marca o fim do movimento e
pode-se dizer que é a coda desta primeira parte.

4.1.2 Segunda parte – “Monólogo das Águas”

O movimento é em forma ABA. Há em todo o trecho, uma polarização sobre a


nota mi, sendo que, sobre esta nota, na seção central, chega a sugerir o modo maior, o
modo lídio e o modo mixolídio. A parte A inicia-se com outra ambientação que é
criada pelos clusters realizados pelas cordas da primeira parte que continuam e
fazem a ligação com o segundo movimento, por clusters no piano e pela entrada de
um motivo em fusas nos violoncelos (Exemplo 12) que será desenvolvido na parte A´.

Exemplo 12 - - E. Krieger: Canticum Naturale (“Monólogo das Águas”).


Motivo em fusas nos violoncelos

Há uma pausa na ambientação (compasso 10) e um novo material apresenta


acordes de quartas nos metais (compasso 12). A ambientação retorna no compasso
15, quando no compasso 21 aparece um material sonoro inusitado – uma série
dodecafônica no vibrafone (exemplo 13).
Exemplo 13 – E. Krieger: Canticum Naturale (Monólogo das Águas). Série
dodecafônica.
49

Esta série é composta quase que em sua totalidade de sétimas maiores, cada
nota tocada no vibrafone é dobrada por algum instrumento de madeira, que segura a
nota da série criando um bloco sonoro. A partir de então todo o material sonoro
aparece junto, com a série dodecafônica nas madeiras, os acordes de quarta nos
metais e o motivo em fusas nas violas e violoncelos. O compositor desenvolve este
material, até que no compasso 34 a segunda parte (B) se inicia com uma polarização
completa em cima da nota mi, nas trompas, no trombone baixo, na tuba, na harpa, no
piano, na celesta e no sino.
No primeiro movimento, “Diálogo dos pássaros”, Krieger utiliza-se da lenda do
uirapuru. Na segunda parte, há a entrada de uma voz humana que pode ser entendida
como a representação da lenda de Iara, rainha das águas. A partir da entrada deste
canto a música assume um caráter completamente modal, polarizado na nota mi, que
aparece ora em modo lídio, ora em modo mixolídio (a mistura de modos típica da
música nordestina). A melodia é acompanhada por um ostinato da nota mi em vários
instrumentos: na harpa, no xilofone, na tuba, no grave do piano em oitavas e no
contrabaixo. A nota mi é constante e esta seção termina com uma cadência em mi
mixolídio (exemplo 14).

Exemplo 14 - E. Krieger: Canticum Naturale (“Monólogo das Águas”).


Cadência final mixolídia, solo de soprano.

A parte A´ se inicia com o término do canto. O motivo em fusas (exemplo 12)


aparece nos violoncelos como anteriormente, mas desta vez não permanece neste
instrumento. O motivo é desenvolvido a partir de diferentes notas e começa a
aparecer gradativamente nos registros agudos e graves: nas violas, nos violinos
(segundos e primeiros), nas flautas, nos fagotes e nos contrafagotes. Este motivo
passa a ser desenvolvido pelas madeiras, enquanto as cordas realizam variações
rítmicas em colcheias (compasso 91), em tercinas (compasso 95) e novamente em
fusas (compasso 97). No compasso 101 aparecem os acordes de quartas. A
superposição dos acordes de quartas e dos motivos em fusas, levam a um grande
crescendo que desencadeia no ponto mais sonoro da obra, a coda.
50

O primeiro movimento apresenta características do sonorismo, com o uso de


alguns efeitos como: o uso de clusters, blocos sonoros e repetições aleatórias. O
segundo movimento perde o caráter sonorista da peça ao empregar modos,
tonalidades, acordes de quarta e a série dodecafônica. Contudo, a coda é a parte mais
sonorista da obra. É realizada pela sucessiva entrada das famílias de instrumentos,
com caixas de repetições aleatórias, que formam uma massa sonora característica dos
compositores poloneses. Tem seu início com uma cadência aleatória (furioso) na
percussão, no piano e na celesta. (Exemplo 15).

Exemplo 15 - E. Krieger: Canticum Naturale (“Monólogo das Águas”).

A harpa inicia glissandos que vão aos registros extremos do instrumento. As


cordas fazem uma entrada com um cluster, assim como os metais e as madeiras. Nos
últimos cinco compassos a orquestra faz um glissando do registro grave ao agudo,
terminando abruptamente em um acorde de notas indefinidas.
Esta é uma obra única na produção musical de Edino Krieger, no que se refere
ao contínuo uso de materiais sonoristas. No entanto vale a pena lembrar que o
caráter brasileiro está marcado, sobretudo na parte do canto (solo de soprano). O
material sonorista está a serviço, portanto de uma caracterização musical nacional.
4.2 MARLOS NOBRE – Mosaico (1970)
51

A obra Mosaico faz parte da segunda fase da produção artística de Marlos


Nobre. Apresenta um compositor com completo domínio das técnicas composicionais
modernas e das correntes mais avançadas do seu tempo, trabalhando nesta peça a
linguagem musical sonorista. Foi estreada no II Festival da Guanabara, no Teatro
Municipal do Rio de Janeiro, executada pela Orquestra Sinfônica do Rio de Janeiro,
sob a regência do maestro Armando Krieger.
A composição é dividida em três partes - Densidades, Ciclos e Jogos – que são
ligadas por transições. Não há pausas entre um movimento e outro. A execução da
obra é realizada por uma grande orquestra tipicamente romântica, composta por
torno de 90 músicos ou mais. O compositor utiliza as madeiras a três e não a dois,
para conseguir uma sonoridade especial em apenas um timbre. No primeiro
movimento, especialmente, não há misturas de famílias de instrumentos. Vale a pena
ressaltar que o compositor trabalha com as madeiras a três com a finalidade de
alcançar unidade tímbrica, sobretudo na primeira parte. As escolhas de instrumentos
que caracterizam um aspecto mais moderno são: a utilização do clarinete em mi
bemol (requinta) e o uso sofisticado da percussão, especificada para quatro
instrumentistas. Como nas obras de compositores da escola polonesa, os
instrumentos transpositores são escritos em dó - corne inglês, clarinetes, trompas –
vem escritos como soam.
A obra, assim como nas composições sonoristas, apresenta uma bula para
explicar os símbolos utilizados ao longo da partitura. Nesta bula estão especificados
alguns efeitos, como: nota m ais aguda possível, nota m ais grave possível, grupo
m elódico legato, grupo m elódico staccato, im provisação seguindo o m odelo dado. A
seguir seguem exemplos extraídos da bula da partitura (Exemplo 16)

Exemplo 16 – Marlos Nobre: Moisaco (“Densidades”). Bula - exemplos com os


símbolos utilizados pelo compositor.

4.2.1 Primeira parte – “Densidades”


52

O primeiro movimento da obra, “Densidades”, é em forma AB e possui três


pontos culminantes. O tempo desta primeira parte é rápido e os períodos de regência
são curtos (um segundo, dois segundos, cinco segundos, aproximadamente). A partir
da marcação 7 a mínima é igual a 52 e na marcação 51 a mínima é igual a 80.
A introdução do movimento inicia-se com um cluster em pianíssimo nas
madeiras e um arpejo do mesmo cluster no piano e no vibrafone. (Exemplo 17)

Exemplo 17 – M. Nobre: Mosaico (“Densidades”). Cluster nas madeiras e


arpejo no piano e vibrafone

Na parte A, as madeiras fazem 4 entradas, sucessivamente, fazendo repetições


aleatórias. O oboé e o corne inglês fazem a primeira entrada de repetições, o clarinete
e clarinete baixo a segunda entrada, o piccolo e a flauta a terceira entrada, o fagote e o
53

contrafagote a quarta entrada. As sucessivas repetições criam um pano de fundo, uma


massa sonora que leva ao primeiro ponto culminante na indicação de número 13. Há
uma quinta entrada de repetições aleatórias realizada pelas trompas. A massa sonora
continua quando entram os metais realizando notas soltas acentuadas acompanhados
da percussão que levam ao segundo ponto culminante (Exemplo 18).

Exemplo 18 - M. Nobre: Mosaico (“Densidades”). Notas soltas nos metais.

A partir de então (B) a massa sonora é ainda mais densa, pois todos os grupos
orquestrais estão tocando, com especial atenção para a percussão. Há uma cadência
de tímpano em fá sustenido, uma sonoridade (grave) característica dos compositores
sonoristas. A cadência de percussão leva ao terceiro e último ponto culminante deste
movimento. A partir de então o pano de fundo que estava nos metais e nas trompas,
passa a ser realizado pelas cordas enquanto as madeiras e os metais realizam
entradas rítmicas em grupos distintos, acompanhados pela percussão (Exemplo 19).
O compositor começa a diluir o material sonoro até chegar a um pianíssimo nas
cordas. A nota lá 5 no agudo da flauta é o elemento de transição para o movimento
seguinte.

Exemplo 19 - M. Nobre: Mosaico (“Densidades”). Acompanhamento nas


54

cordas.

4.2.2 Segunda parte – “Ciclos”

O primeiro movimento, “Densidades” é um movimento que explora os tuttis,


enquanto que o segundo movimento, “Ciclos”, em andamento lento (colcheia = 52),
explora solos em vários instrumentos. O compositor trabalha os efeitos timbrísticos
dos instrumentos da orquestra com uma textura menos intensa do que a empregada
em “Densidades”. O movimento é em forma ABA.
Na primeira parte (A) os solos são apresentados respectivamente, na flauta, no
clarinete em mi bemol (requinta), no oboé, no trompete e no clarinete. O trompete é
utilizado com surdina e apresenta uma sonoridade que lembra as madeiras. A parte B
inicia a construção para o ponto culminante do movimento. Esta parte é composta
por figuras rítmicas em tercinas e posteriormente um ostinato, que aparece uma
única vez na obra inteira que leva ao ponto culminante do segundo movimento e que
marca o meio da obra como um todo. Na marcação 77 há uma nota curta (passagem
de lá para si bemol) que originará a figura de unidade deste movimento (Exemplo
20). O máximo do desenvolvimento da figura se dá nas marcações 107 a 109, que
apresenta uma sonoridade tipicamente sonorista (Exemplo 21). O ostinato, das
marcações 110 a 117, é outro desenvolvimento desta figura (Exemplo 22). Na parte A´
retornam os solos com frases mais curtas e sobrepostas, finalizando com os acordes
55

do começo que levam a transição para o movimento seguinte.

Exemplo 20 - Marlos Nobre: Moisaco (“Ciclos”). Nota curta.

Exemplo 21 - Marlos Nobre: Moisaco (“Ciclos”). Desenvolvimento da nota


curta.

Exemplo 22 - Marlos Nobre: Moisaco (“Ciclos”). Ostinato

4.2.3 Terceira parte – “Jogos”


56

O terceiro movimento, “Jogos”, é em andamento rápido. Assim como na


primeira parte, “Densidades”, as marcações da regência tem curta duração de
segundos e a semínima é igual a 132. O título do movimento é uma alusão ao que o
compositor realizará ao longo da seção, ou seja, ele joga com o material sonoro
através de caixas de repetições aleatórias realizada por diversos instrumentos.
A nota curta empregada no movimento anterior, também é utilizada nesta
parte. Há uma introdução na qual o compositor desenvolve a nota curta, na
percussão, no piano e nas cordas. Enquanto as madeiras e os metais realizam frases
em uníssono. Esta introdução prepara para a primeira improvisação, realizada pela
percussão. A improvisação se inicia com tímpano, caixa-clara, tom-toms e bombo
(Exemplo 23) posteriormente entram tam-tams, pratos e folhas de zinco. Quando o
tímpano para, entram blocos de madeira e chocalhos e na seção final entram congas.

Exemplo 23 – M. Nobre. Mosaico (“Jogos”). Improvisação da percussão.

Há uma segunda preparação para as improvisações seguintes, onde o


compositor continua desenvolvendo a nota curta, desta vez realiza entradas rítmicas
em tercinas nas diferentes famílias de instrumentos. Esta preparação conduz às
improvisações dos metais e das madeiras que aparecem na seguinte ordem: nas
trompas (marcação 182), nos trombones (marcação 184), nos trompetes (marcação
186) e nas madeiras (marcação 188, exemplo 24).
57

Exemplo 24 – M. Nobre. Moisaco (“Jogos”). Improvisação das


madeiras.

A partir da marcação 190 a percussão começa a participar desta


improvisação através das caixas-claras e tom-toms. A partir da marcação 193 há uma
sonora improvisação do vibrafone.
Uma passagem (furioso) no tímpano conduz à coda final da obra. Estas
últimas marcações são rítmicas e o desenvolvimento da nota curta está presente até o
final. O compositor intensifica o som e a textura, através da dinâmica, dos registros
extremos empregados e da articulação. Material que vai se desenvolvendo até chegar
ao final, em um acorde seco.

4.3 ALMEIDA PRADO – Am ém (1975)


58

É possível distinguir duas fases na música do compositor Almeida Prado: antes


e depois dos quatro anos que estudou na França, entre 1969 e 1973. No Brasil, aluno
do nacionalista Guarnieri. Na França, aluno de dois importantes nomes da música
contemporânea - Nadia Boulanger e Olivier Messiaen – dois mestres de tendências
completamente opostas. Ao voltar para o país de origem, o compositor apresenta uma
obra única e refinada como comenta José Maria Neves:

A música composta por Almeida Prado após sua chegada a Paris em 1969
será bem diferente da precedente. A constante busca de novas sonoridades e
de nova estruturação formal, a influência da moderna música européia
(especialmente da escola polonesa), que é assimilada e se incorpora à
linguagem do compositor, levam Almeida Prado a criar obra que mostra-se
perfeitamente pessoal, sem necessidade de emprego de recursos aceitos
como sinais de modernidade. 34

Uma das composições que demonstram esta influência da escola polonesa


mencionada por Neves é a obra Am ém para orquestra de cordas. Do ponto de vista da
grafia musical, Am ém não parece ter influência do sonorism o, pois o compositor
utiliza uma escrita tradicional, com exceção do trecho mostrado no exemplo 26,
quando o compositor se utiliza de uma escrita que possibilita a improvisação em
torno de uma nota. Prado não faz uso de bula no início da partitura como em quase
todas as obras de influência sonorista. Contudo, alcança uma sonoridade que remete
ao sonorismo polonês através de alguns recursos utilizados nas cordas.
A obra, dividida em três partes, ABC resulta de uma derivação entre cada uma
dessas partes. A parte A vai do compasso 1 ao 58 e tem uma estrutura que se repete
cinco vezes de forma distinta. Esta estrutura é formada sempre por duas partes: a
primeira apresenta uma música muito forte e dissonante nos registros agudos, com
efeitos distintos a cada uma das cinco aparições. Na segunda há um contraste em
pianissíssim o nos registros graves onde as vozes se movimentam como em um choral
e terminam sempre em um longo acorde perfeito como se fosse uma fermata.
O início da composição marca a primeira aparição da estrutura. Há um cluster
nos registros agudos em fortíssim o e o coral em pianissíssim o que termina em acorde
perfeito de fá maior com a terça no baixo. (Exemplo 25)

34
NEVES, José Maria. Música Contemporânea Brasileira. Rio de Janeiro: Contra Capa Ltda,
2008.
59

Exemplo 25 – A. Prado: Am ém . Estrutura de repetição, cluster nos registros


agudos e coral nos registros graves.

Na segunda aparição os clusters nos registros agudos vem com trilos e o coral
termina em um acorde de sol maior. A terceira aparição é talvez o trecho mais
sonorista da obra com glissandos irregulares nos registros agudos das cordas
(Exemplo 26).

Exemplo 26 – A. Prado: Am ém .

Esses efeitos não são algo herdado dos seus estudos com Nadia Boulanger ou
60

Messiaen. O coral termina em um acorde perfeito de lá menor. A quarta aparição da


estrutura inicia-se com o cluster movido em polirritmia nos registros agudos e o coral
terminando em um acorde perfeito menor de sol nos registros graves. A quinta
aparição da estrutura tem o cluster nos registros agudos e termina em um uníssono
de ré. Nenhuma vez a parte forte terminou em consonância, o que marca o fim da
parte A. Haveria um coral seguindo a lógica da estrutura, no entanto o coral se
transforma na parte B da composição.
A segunda parte da obra vai do compasso 59 ao compasso 109. Esta seção está
dividida em duas partes, uma polifônica e uma homofônica. Inicia-se com um cluster
nos registros graves em pianissíssim o, contudo uma melodia começa a desenvolver-
se no violoncelo. É perceptível que esta melodia tem origem nos chorais da parte A
(Exemplo 27).

Exemplo 27 – A. Prado: Am ém . Melodia no violoncelo.

No compasso 73 o compositor inicia uma imitação da melodia do violoncelo


nas outras vozes, vai do registro grave ao agudo – contrabaixo, viola, segundos
violinos, primeiros violinos – as vozes tornam-se totalmente independentes. Uma
característica moderna desta peça é a independência das partes do violoncelo e do
contrabaixo.
A partir do compasso 89 o contrabaixo executa um pedal de fá, que estará
presente até quando no final da obra ele dá a sustentação (executando a fundamental
do acorde) ao acorde de si maior que encerra a composição. Interessante notar que a
dinâmica dos demais instrumentos neste compasso é forte, enquanto para o
61

contrabaixo a dinâmica é fortíssimo. A chegada ao fá também marca a parte


homofônica da seção B, a melodia está harmonizada e as vozes estão se
movimentando no mesmo ritmo. (Exemplo 28)

Exemplo 28 – A. Prado: Am ém . Chegada à nota fá no grave do contrabaixo e


textura homofônica.

No compasso 110 encontra-se o ponto culminante da obra como um todo, aqui


inicia-se a parte C da peça. Neste compasso o violino chega a um fá sustenido que
conflita com o fá natural executado em nota pedal pelo contrabaixo. A composição irá
terminar em um acorde de si maior e ao analisar esta parte percebe-se que o material
utilizado é o mesmo quase que o tempo todo: o compositor está formando um acorde
de sétima de dominante de si maior. A nota fá sustenido está nos primeiros violinos, a
nota mi nos segundos violinos e a nota dó sustenido nos violoncelos. Há duas notas
alheias ao acorde, a nota ré nas violas e o pedal em fá natural nos contrabaixos. O
compositor utiliza-se dessas notas para dar um caráter dissonante a esta parte,
fazendo com que o ouvinte aguarde a consonância final. A partir do compasso 119, há
uma expansão rítmica, as notas vão ficando cada vez mais longas. Finalmente, no
compasso 138 o contrabaixo chega à nota si e o acorde perfeito maior é completado
pelos outros instrumentos. (Exemplo 29)
Ao analisar a composição percebe-se que autor preocupou-se em escrever uma
obra acessível às orquestras brasileiras, uma peça de execução relativamente simples.
A obra Am ém lembra que Almeida Prado era uma pessoa religiosa (católico) e que
62

esta religiosidade teve grande sintonia com o pensamento de Messiaen. Contudo, a


influência sonorista está presente em alguns aspectos da obra, principalmente na
parte A. Vale a pena lembrar que um dos expoentes máximos do sonorismo,
Penderecki, escreveu diversas obras de caráter religioso. O uso dos registros agudos e
os efeitos nas cordas, remetem aos compositores sonoristas poloneses.

Exemplo 29 – A. Prado: Am ém . Final da obra em acorde perfeito de si maior.

A parte B com o uso da imitação converte o material musical em um bloco


sonoro nos registros graves, a escrita é tradicional, mas a sonoridade remete ao
sonorismo polonês. A obra termina em acorde maior, após ter apresentado uma obra
completamente dissonante, recurso utilizado por Penderecki em algumas obras,
como Polimorphia e Paixão Segundo São Lucas.

5 CONCLUSÃO
63

O presente estudo discorreu sobre a recepção do sonorismo polonês por parte


dos compositores brasileiros. Este trabalho explanou sobre o estilo polonês,
analisando o contexto histórico que envolveu o surgimento desta vanguarda em um
ambiente sob forte influência comunista. Apresentou os expoentes do estilo e as
técnicas e efeitos composicionais empregados.
Através das pesquisas realizadas, foi possível perceber que o termo
“sonorismo” não era conhecido no meio acadêmico brasileiro. O artigo do compositor
Marcos Lucas, único artigo escrito sobre o tema, até então, não utiliza o termo. E, nas
entrevistas realizadas com os compositores Marlos Nobre, Edino Krieger e Harry
Crowl, referiram-se à música sonorista como “escola polonesa”, “música de
Penderecki” e “música de Lutoslawski”. Por estes motivos, esta pesquisa é
responsável pela introdução do termo no meio musical brasileiro.
As três hipóteses utilizadas para analisar os meios pelos quais os autores
entraram em contato com o estilo polonês de vanguarda, demonstraram-se
parcialmente corretas. A primeira hipótese, a de que Koellreutter e Ernest Widmer
teriam introduzido o sonorismo no Brasil, mostrou-se incorreta. A segunda, a de que
os compositores brasileiros teriam entrado em contato com o estilo ao estudar no
exterior, mostrou-se parcialmente correta, pois alguns deles ouviram a música
polonesa pela primeira vez ainda no Brasil. A terceira, a de que a passagem de
Penderecki pelo Brasil teria servido de motivação para o uso do sonorismo, mostrou-
se incorreta. Segundo as pesquisas existem obras brasileiras influenciadas pelo
sonorismo anteriores à vinda de Penderecki ao Brasil em 1969. Uma quarta hipótese
surgiu nas entrevistas, a de que os compositores brasileiros teriam conhecido o estilo
através da veiculação da música sonorista através da Rádio MEC. Marlos Nobre e
Edino Krieger mencionaram ter realizado programas de rádio sobre a música
polonesa de vanguarda, lembraram que todos os anos recebiam material gravado do
Festival Outono de Varsóvia. Percebe-se que a música de vanguarda realizada na
Polônia era conhecida e difundida nos meios da música contemporânea mundial.
Foram objeto de análise três obras da produção brasileira com influência
sonorista, Canticum Naturale de Edino Krieger, Mosaico de Marlos Nobre e Am ém
de Almeida Prado. Contudo, ainda existem muitas composições brasileiras que
apresentam influência sonorista. A obra Três Im agens de N ova Friburgo (1988), de
Edino Krieger, é claramente uma composição influenciada pelo estilo polonês. Além
de Mosaico, Marlos Nobre apresenta outras obras sob influência sonorista,
64

Ukrim akrinkrin (1964), Convergências (1968), Concerto Brev e (1969), Biosfera


(1970) e In Mem oriam (1976). Lindembergue Cardoso apresenta as seguintes
composições, Procissão das carpideiras (1969), Extrem e (1971), Pleoram a (1971),
Reflexões 2 (1974) Réquiem para o Sol (1979), Suiteem dó (1979), Relatividade I
(1981). O compositor Cláudio Santoro também apresenta obras de influência
polonesa, Três Abstrações (1966), Interm itências I (1967), Interm itências II (1967),
Interm itências III (1968) e Interações Asintóticas (1969). As composições aqui
mencionadas carecem de estudo e poderão ser analisadas em pesquisas futuras.
Os fatos históricos e musicais apresentados neste projeto demonstram que
ainda há muito a ser pesquisado, estudado e consequentemente descoberto sobre a
produção musical dos compositores brasileiros da segunda metade do século XX.
Este trabalho pretendeu realizar um estudo aprofundado para que uma pequena
parte desta lacuna fosse preenchida, trazendo ampla visão sobre a música brasileira,
um melhor entendimento sobre a cena musical a partir dos anos 1960 e uma
compreensão mais detalhada sobre uma parte da obra de compositores como
Almeida Prado, Marlos Nobre, Edino Krieger, Lindembergue Cardoso e outros. O
presente trabalho abriu caminho para a pesquisa da relação entre a música brasileira
e o sonorismo polonês. Não pretende ser um trabalho conclusivo, mas um primeiro
estudo acadêmico para que musicólogos e estudiosos da música brasileira e polonesa
se interessem pela temática, tendo nesta pesquisa o começo para futuras
investigações.
65

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Artigos

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