JOANÍDIA-2010 DalilaVasconcellosdeCarvalho
JOANÍDIA-2010 DalilaVasconcellosdeCarvalho
JOANÍDIA-2010 DalilaVasconcellosdeCarvalho
Versão Corrigida
São Paulo
2010
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL
DEPARTAMENTO DE ANTROPOLOGIA
Versão Corrigida
São Paulo
2010
FOLHA DE APROVAÇÃO
Data da aprovação:___/___/_____
Banca Examinadora:
__________________________________
Profª. Drª. Heloísa André Pontes
__________________________________
Profª. Drª. Heloísa Buarque de Almeida
__________________________________
Profª. Drª. Fernanda Arêas Peixoto (orientadora)
Para Rafael, que fez de mim e deste trabalho parte de sua vida e para os meus avós
Eulário e Lázara de Carvalho (in memoriam).
AGRADECIMENTOS
The present study concerns the trajectory of two Brazilian musicians: Helza Camêu
(1903-1995), pianist, composer and musicologist, and Joanídia Sodré (1903-1975),
pianist, conductor and former director of the National School of Music (currently, the
School of Music of the Federal University of Rio de Janeiro). Their career began in
1923 and 1927, respectively, in the music scene of Rio de Janeiro. The construction of
the trajectory of the above mentioned artists aims at conducting a careful thought about
how gender conventions are closely linked in the social process of the construction of a
musical vocation during that period. It is about to understand vocation as a social fact,
that is, as a set of practices and social representations that shapes the artist’s experience.
The analysis of the trajectory of Helza Camêu and of Joanídia Sodré constitutes a
privileged way to understand how those two female artists, in search for the “artist”
profession, created new values and meanings that allowed them to make their way
through “male” and “female” professions.
música, por um longo processo de aprendizagem, levado a cabo pela família e/ou por
instituições especializadas, como escolas e academias.
Todavia, não é possível desconhecer as clivagens que o gênero introduz no
universo artístico: a construção de vocações masculinas e femininas conhece derivas
distintas. Quando Françoise Escal (1999) analisa o lugar das mulheres na história da
música ocidental – e podemos considerar o mesmo para a história da música brasileira –
ela aponta dois problemas, também constatados por Mariza Corrêa (2003) com relação à
história da antropologia: as “versões masculinas” da história constroem as personagens
femininas como “menores”, geralmente apagadas sob a categoria de “esposas” ou de
mulheres “excêntricas”. Escal apresenta diversos exemplos para ilustrar, primeiro, o
caso da pianista e compositora Clara Schumann (1819-1896), que passou à história
como esposa do compositor Robert Schumann (1810-1856). Clara Wieck já era
considerada uma pianista virtuose quando se casou com o compositor. Mesmo sendo
esposa e mãe de oito filhos, Clara não deixou de realizar seus concertos com os quais
ajudou a divulgar as obras do marido e a sustentar a família (SILVA, 2008)1.
Segundo, as “obras-primas” inscritas na história da música ocidental são
exclusivamente de autoria masculina, exemplos: Don Giovanni, de Mozart; A Missa, de
Bach, e a Nona Sinfonia de Beethoven (ESCAL, 1999, p. 28). Françoise Escal
argumenta, que embora atualmente, a noção de “obra-prima” esteja em desuso, sendo
recusada por alguns músicos, o fato é que as “obras-primas” da música ocidental não
foram compostas por mulheres.
Ao longo do trabalho, a autora procura compreender as variações históricas e
culturais que relegaram uma série de compositoras à condição de desprestígio e de não
reconhecimento de suas obras. Uma das hipóteses levantadas por ela é que as teorias
naturalistas sobre a diferença entre os sexos ou sobre a inferioridade das mulheres,
aplicadas ao domínio da criação musical, produziram diversas concepções segundo as
quais as mulheres seriam “desprovidas de gênio”, no sentido de uma “aptidão inata e de
uma disposição natural”. Quer dizer, as crianças precoces, “fora do comum", só
poderiam ser do sexo masculino. Desta forma, a inaptidão para compor “tão bem” seria
um caso particular da incapacidade geral das mulheres para as “coisas do espírito”.
1
Clara era filha de pais músicos. Foi preparada desde a infância pelo pai Friedrich Wieck, afamado
professor de música em Leipzig, para se tornar uma virtuose do piano, inclusive, estimulando-a a compor.
Ela tinha apenas 11 anos quando deu seu primeiro recital de piano, logo partiu em tournée pela Europa
acompanhada pelo pai.
3
mesmo modo, os críticos de arte avaliam as obras das pintoras por critérios imbuídos
nos papéis sociais distintos atribuídos a homens e mulheres2.
O trabalho de Heloísa Pontes (2008) sobre o teatro – em que as mulheres
tiveram uma projeção excepcional, conquistada mais cedo do que em outras esferas da
produção cultural e intelectual – indica que, quando as mulheres são o objeto da análise
no universo da produção cultural, é necessário adotar uma perspectiva que considere as
especificidades das conexões entre nome, corpo, gênero e marca dentro das convenções
sociais e artísticas em cada um dos campos em questão. A conexão específica entre
esses elementos no teatro brasileiro, por exemplo, fez dele um espaço peculiar no que se
refere à obtenção do renome pelas atrizes, como ilustra a carreira de Cacilda Becker
(1921-1969). Aproveitando a sugestão da autora, no caso da música, as conexões entre
nome, corpo e gênero aparecem traduzidas na figura do “gênio”: afinal, a manifestação
de genialidade na mais tenra infância é uma marca dos grandes compositores.
Outro trabalho importante é o da historiadora Vânia Carvalho (2008). Sua
análise sobre a casa moderna focado no estabelecimentos das rotinas diárias e dos usos
dos espaços sob as relações de gênero ajudou a compreender o piano (objeto) e o tocar
o piano (ação) inseridos nas práticas cotidianas que produzem e reproduzem sentidos e
valores acerca do feminino e do masculino. E, por fim, o trabalho do antropólogo Paulo
Guérios (2003), que analisou a trajetória do compositor Heitor Villa-Lobos e, entre
outras coisas, refletiu sobre as imagens projetadas sobre o compositor como construções
sociais que explicitam a lógica presente no universo musical.
A pesquisa que sustenta este trabalho foi realizada nos arquivos pessoais de
Helza Camêu e Joanídia Sodré depositados no Rio de Janeiro, respectivamente, na
Fundação Biblioteca Nacional, Divisão de Música e Arquivo Sonoro (DIMAS) e na
Biblioteca Alberto Nepomuceno, da Escola de Música da Universidade Federal do Rio
de Janeiro. Também foram coletados materiais no Museu da Imagem e do Som do Rio
de Janeiro, na sessão de Periódicos da Fundação Biblioteca Nacional e na Academia
Brasileira de Música. Outros materiais foram obtidos junto a Dona Julieta Machado
(1923), filha adotiva da compositora Helza Camêu, e à pesquisadora Luciana Dutra,
cuja dissertação de mestrado, Crepúsculo de Outono op.25 n.2 para canto e piano de
Helza Camêu: Aspectos analíticos, interpretativos e biografia da compositora de 2001,
2
“Percebidas como seres por excelência domésticos, sensíveis e com aptidão para a beleza decorativa,
suas obras eram uma extensão das capacidades concernentes ao âmbito do privado exibidas em público”
(SIMIONI 2004, p.10)
5
constituiu uma fonte fundamental para o trabalho. Foram ainda realizadas quatro
entrevistas: em 2009, com Dona Julieta; em 2010, com a bibliotecária Mercedes Reis
Pequeno (1927 - ), o fagotista francês Noel Devo (1936 - ), um dos principais
intérpretes da obra de Helza, e com Jacques Nirenberg (1923-2010), fundador do
quarteto de cordas da UFRJ e amigo de Joanídia Sodré. Além disso, utilizamos uma
extensa bibliografia sobre a história da música no Brasil: biografias, memórias,
dicionários especializados, entre outros.
O estudo está organizado em três capítulos.
No primeiro, Vocação Musical: conexões de gênero e classe social em três
gerações de músicos, faço uma análise do cenário musical no qual Helza e Joanídia
estão inseridas, a partir de um retrato coletivo composto pela trajetória de três gerações
diferentes de musicistas. O objetivo dessa construção analítica é elucidar os mecanismos
sociais presentes na aprendizagem do ofício musical entre homens e mulheres, bem
como compreender como a carreira musical se tornou uma opção para as mulheres no
século XIX. Com a ajuda dessa construção mais ampla, foi possível reduzir e ajustar o
foco nos capítulos seguintes.
No segundo, A “Prodigiosa” Joanídia Sodré, procurei construir o perfil da
musicista a partir das diversas facetas projetadas e incorporadas por ela em diálogo com
o contexto social em que viveu: “criança-prodígio”, “moça estudiosa”, “destemida”,
“regente principiante”, “senhora de sua arte”, “professora”, “diretor”, “ardilosa”,
“talentosa”, “competente”, “caprichosa”. A análise visa compreender em que medida
Joanídia se mostra uma figura ambígua por performatizar, no exercício de papéis
considerados “masculinos”, a incoerência de gênero entre o corpo, as ações (de tocar,
reger, dirigir) e os objetos (piano, batuta, vestimenta).
No terceiro capítulo, Compor e Escrever: duas faces de Helza Camêu , procurei
construir o perfil da compositora e musicóloga, analisando as inúmeras direções e
sentidos que constituem seu percurso singular entre o ofício musical e a pesquisa
musicológica, entre a prática musical e a escrita. Helza considerava-se uma compositora
fracassada, apesar do renome que alcançou, procuro compreender esta contradição,
mostrando o processo contínuo de definição e redefinição de suas ambições sociais no
jogo complexo entre a construção de um lugar para si e o espaço dos possíveis, marcado
pelas convenções de gênero.
6
3
Para ilustrar, entre os 12 músicos bolsistas do Imperador D. Pedro II, os destinos mais escolhidos foram
Paris e Milão (Auler, 1956).
9
4
D. João VI e D. Pedro II, herdeiros da dinastia de Bragança, iniciada no século XVII em Portugal pelo
rei D. João IV (1604-1656), que fundou e manteve, durante seu reinado, a maior biblioteca de música da
Europa de seu tempo (Rezende, 1970).
10
5
O Imperial Instituto dos Meninos Cegos foi fundado com o objetivo de oferecer aos deficientes visuais
cursos que os preparassem para exercer uma arte, um ofício ou uma profissão liberal. Entre eles,
destacamos: organista, afinador de piano, professor de música, torneiro, encadernador, entre outros.
6
O Liceu de Artes e Ofício foi fundado com o objetivo de fornecer cursos profissionalizantes aos
trabalhadores em geral e da construção civil: homens livres ou estrangeiros. No início, o corpo docente
era composto de pessoas de prestígio que não eram remuneradas. Os cursos do Liceu são abertos às
mulheres somente em 1881.
11
7
Os dados sobre Carlos Gomes aqui utilizados serão retirados ora de Nogueira (1997) e (2007), ora de
Mariz (2005).
8
É preciso dizer que Carlos Gomes nunca foi aluno regular do Conservatório de Milão em razão da idade
avançada, tinha quase 30 anos quando chegou à Itália. Contudo, teve aulas particulares como “compositor
em aperfeiçoamento.” (Nogueira 2007).
12
estabelecer portarias diferentes para cada um, até classes e professores distintos. Alunas
e alunos se reuniam somente para os ensaios de cenas cantadas, mas a presença dos pais
dos alunos era obrigatória. Além disso, os salários pagos às professoras das classes de
mulheres eram menores do que a remuneração recebida pelos professores homens
(ESCAL, 1999, p. 79, 83).
Apesar deste quadro discriminatório, as mulheres eram a maioria entre os alunos
de canto no Conservatório de Paris. Entre 1795 e 1816, foram formadas 227 cantoras e
90 cantores, segundo a autora, em razão da demanda da ópera e do teatro lírico. Em
1823, entre os alunos de piano havia 41 mulheres e 32 homens (Idem, p. 80 e 81). Não
obstante, podemos afirmar que no Imperial Conservatório de Música, assim como no
Conservatório de Paris, a prática musical era permitida às mulheres desde que
submetidas às regras de decoro e decência da época. Neste sentido, alguns instrumentos
eram mais recomendáveis a elas do que outros. Por exemplo, o piano era um
instrumento que convinha às moças, mais do que qualquer outro porque “(...) elas
podiam tocar sentadas, com as pernas fechadas e sem fazer grandes movimentos –- além
de não ficarem de frente para o público fazendo trejeitos faciais ou corporais.” (SILVA,
2008, p.74). Ao contrário, a harpa não era considerada um instrumento adequado, pois
sua execução exigia uma exibição sem reservas do corpo (ESCAL, 1999, p. 72).
Em 1855, é instituído no Imperial Conservatório o prêmio de viagem ao exterior
que concedia uma bolsa de estudos para aperfeiçoamento na Europa ao melhor aluno.
Henrique Alves de Mesquita9, aluno de contraponto e órgão do professor Giocchino
Giannini (1817-1860) foi o primeiro a receber o prêmio. Oriundo de família pobre,
Henrique nasceu no Rio de Janeiro em 1830, era trompetista. Giocchino Giannini
sempre foi seu professor, primeiro no Liceu Musical10 e, a partir de 1847, no Imperial
Conservatório de Música.
Ao lado dos estudos no Imperial Conservatório, Henrique Mesquita fundou, com
o clarinetista Antônio Luis de Moura, o Liceu e Copistaria Musical, estabelecimento
musical que oferecia cursos de música, comercializava instrumentos, vendia
transcrições de peças musicais e fornecia orquestra para bailes. Envolvido com o meio,
Henrique compôs inúmeras peças “ligeiras” como a modinha O Retrato (1854), o
9
Os dados sobre Henrique Alves de Mesquita foram obtidos em Marcondes (2000) e Cacciatore (2005).
10
O Liceu Musical era um estabelecimento privado de ensino musical fundado em 1841 por um grupo de
professores. Mantinha cursos de piano, canto, flauta etc.
14
romance Ilusão (1855), a valsa Saudades de Mme. Charton (1856), o lundu Beijos de
Frade (1856), entre outras.
Henrique partiu para Europa em 1857, estudou no Conservatório de Paris, onde
foi aluno do compositor François Bazin (1816-1878). Em conseqüência de problemas
causados por relacionamentos amorosos, teve a carreira na capital francesa
interrompida, perdeu a bolsa que recebia do Imperial Conservatório, suspendida por D.
Pedro II, em vista da suspeita sobre conduta do compositor. Em 1863, a companhia de
Ópera Nacional encenou sua opereta O Vagabundo ou Infidelidade, Sedução e Vaidade
Punidas sobre libreto traduzido para o português do italiano Francisco Gumirato
(AZEVEDO, 1956, p. 69).
Ao retornar ao Brasil em 1866, Henrique tornou-se um famoso compositor de
operetas; como diretor da orquestra do Teatro Fenix Dramática11, escreveu muitas peças
para o gênero: Ali-Babá, Trunfo às avessas e Coroa de Carlos Magno alcançaram
grande sucesso. Além disso, foi organista da igreja de São Pedro, função que exerceu
entre 1872 e 1886. Ainda em 1872, foi nomeado professor de harmonia e solfejo do
Imperial Conservatório.
Olhando, lado a lado, as trajetórias de Carlos Gomes e de Henrique de Mesquita,
podemos ver que ambos não se conformaram ao caminho que já trilhavam: Carlos
Gomes segue os passos para suceder o pai na função de mestre de capela e Henrique
possui seu próprio estabelecimento musical – arriscando-se em novas oportunidades
oferecidas pelas instituições imperiais. Os dois compositores obtiveram êxito: suas
obras foram encenadas pela companhia de ópera de José Amat e conquistaram a
oportunidade de estudar na Europa. Não fosse pela bolsa que receberam, Carlos Gomes
e Henrique de Mesquita jamais teriam ido à Europa, pois teriam que financiar com
recursos próprios a viagem, ou pedir uma bolsa de auxílio para D. Pedro II, ou ainda,
recorrer ao apoio de pessoas influentes para se aproximar do Imperador, o que era bem
mais improvável, visto que o acesso ao círculo aristocrático era restrito a poucos.
No Império, para um músico ser reconhecido como artista e sustentar com o
trabalho a sua família, precisava “cair nas graças” da família real e da elite12
circundante. Para isso, havia três possibilidades: o mais difícil deles, completar a
11
Fundado, em 1863, como Teatro Eldorado, em 1868, passou a se chamar Teatro Fênix Dramático, foi
um espaço dedicado à apresentação de operetas e peças de música ligeira.
12
Seguindo a linha apontada por Needell (1993), quando usamos o termo elite para este período estamos
nos referindo a um grupo muito restrito de pessoas. Um bom exemplo para dimensionar este grupo são as
associações musicais que tinham, no máximo, como sócio-fundadores, 600 pessoas.
15
formação musical na Europa; exercer uma função na Capela Imperial ou mesmo nas
instituições imperiais recém-criadas, ou ainda, tornar-se um instrumentista (ou
compositor) afamado por toda capital do Império. Todavia, a maior prova de
reconhecimento era a nomeação para professor do Imperial Conservatório, afinal, todos
os professores desta instituição eram condecorados por D. Pedro II com a Ordem da
Rosa (DINIZ, 2008).
Como se sabe, D. Pedro II teve participação direta na trajetória de diversos
artistas (poetas, pintores e músicos) concedendo, conforme sua vontade, auxílio ou
bolsas para que os artistas pudessem se aperfeiçoar na Europa. A concessão de bolsas
transcorria da seguinte forma: ao receber um pedido de auxílio, o Imperador logo
iniciava uma investigação minuciosa sobre a vida e conduta moral do requerente. Não
encontrando nada que lhe desagradasse, informava-se sobre a quantia necessária e, em
seguida, concedia a bolsa por decreto ou portaria. Os bolsistas do Imperador eram
obrigados a apresentar, trimestralmente, um relatório com o andamento do curso,
freqüência, notas e bom comportamento. Ao todo, foram 151 bolsistas, dentre eles, 12
são músicos, entre os quais duas mulheres: a cantora Maria Monteiro (1870-1897),
nascida em Campinas, obteve o auxílio para estudar em Milão, em 1887, e a pianista
Luiza Leonardo, em 1873 (AULER, 1956).
Luiza Leonardo13 nasceu no Rio de Janeiro em 1859, filha do português
Victorino José Leonardo, professor de música do Imperial Instituto dos Meninos Cegos.
Sua mãe, Carolina de Oliveira Leonardo, era pernambucana, descendente dos Nassau; a
origem nobre garantia status a sua família. Batizada na igreja de São José, Luiza teve
como padrinho o próprio D. Pedro II.
Muito cedo, aos 7 anos de idade, iniciou seus estudos de piano. Foi aluna de
Isidoro Bevilacqua, pianista e professor que residia no Rio de Janeiro desde 1840,
quando se tornou professor de música da Família Real. Luiza não fez sua estréia em um
concerto privado, realizado no ambiente doméstico do salão, como era comum,
sobretudo, para as meninas. Bevilacqua organizou um concerto público no Teatro Lírico
Provisório com a presença de convidados ilustres, entre os quais se destacava a Família
Real. No final da apresentação, Luiza por volta dos 9 anos de idade, recebeu de D.
Pedro II uma bolsa de estudo para a Europa. Em 1873, aos 14 anos, Luiza ingressou no
Conservatório de Paris; em 1877, estreou como compositora com a Grande Marcha
13
Os dados sobre Luiza Leonardo foram obtidos em Boccanera Júnior [1903,1904 ] (1988).
16
14
A orquestra foi criada em 1861 pelo compositor Jules Pasdeloup (1819-1887) em razão dos Concerts
Populaires. O objetivo destes concertos era a ampliação do público de concertos e a divulgação de novos
compositores e músicos, não só franceses. Constituída de 80 músicos, apresentava-se em concertos
dominicais no Cirque d’hiver. Suas atividades foram interrompidas em 1886 e retomadas em 1919. Em
atividade até hoje, é a orquestra sinfônica mais antiga da França.
15
Os dados sobre Joaquim Antonio Callado foram obtidos em Diniz (2008).
16
Os dados sobre Chiquinha Gonzaga foram obtidos em Diniz (2005).
17
17
O único parente de Chiquinha envolvido com a música era o seu tio paterno e padrinho, Antonio Eliseu,
flautista amador, o grande animador musical da família.
18
Mesmo quando o casamento não punha um fim à sua prática, esta se destinava
ao entretenimento. O piano estava situado na sala de visitas ou na sala de música, dois
espaços femininos na casa, organizados de forma a permitir que a esposa apresentasse,
nas reuniões sociais, sua desenvoltura e polidez no trato social, indicativos da posição
social de sua família. O papel da mulher era ornamentar as reuniões sociais, sendo as
apresentações musicais (tocando e/ou cantando ao piano) apenas uma das formas de
cumprir sua tarefa (CARVALHO, 2008, p. 156 e 157). Decerto, a prática musical do
piano no âmbito da casa é parte do processo de modificação do espaço doméstico rumo
à especialização de seus ambientes: a “casa moderna” passou a expressar a posição
social da família, isto é, o consumo privado e individual adquiriu suma importância para
a construção de identidades sociais e sexuais neste período, daí a crescente
“mercantilização dos objetos domésticos e a sua exibição privada e ostensiva” (Idem, p.
22).
Não por acaso, Chiquinha teve suas aulas de piano até aproximadamente seus 13
anos, quando se casou com Jacinto Ribeiro do Amaral, oficial da Marinha Imperial. O
fato irônico é que seu pai lhe deu um piano como dote de casamento, piano este que será
um dos motivos da separação do casal. Com o casamento, Chiquinha não colocou o
piano depois de suas obrigações como esposa. E o marido, enciumado com tanta
dedicação da esposa ao que deveria ser somente uma prenda, exigiu que Chiquinha
escolhesse entre ele (o casamento) e o piano (sua ambição artística): ela escolheu o
19
piano. Ao se separar em 1869, ela foi renegada tanto pela família, que a proibiu de ver
os filhos, como também pela sociedade Imperial.
Ela transformou o piano em um instrumento de trabalho; afinal, precisava
sobreviver de suas apresentações como pianista, da venda de suas composições e das
aulas. Neste sentido, o apoio que recebeu de Callado foi fundamental para sua atuação
como pianista e, mais tarde, como compositora. Foi ele o responsável por sua
introdução no universo predominantemente masculino da vida boêmia do Rio de
Janeiro. Chiquinha inseriu-se aí “como um homem”: começou tocando seu piano no
grupo de choro de Callado tornando-se a primeira “pianeira”18. Tocou depois pelos
cafés-cantantes, confeitarias, bailes etc. Mais tarde, passou a compor peças dançantes
para o universo que a acolheu, isto é, próprias para “o salão”: lundus, maxixes, tangos; e
mais tarde, para o Teatro de Revista ou “Teatro Musicado”, que absorveu esta produção
musical. Chiquinha consolidou-se como compositora nas duas décadas finais do século
XIX, período em que mais compôs e participou ativamente da vida musical carioca, o
que demonstra a popularidade do repertório dançante e dos “pianeiros” nos salões.
Podemos dizer que o piano, no final do século XIX, ainda era um instrumento
predominantemente de “salão”, isto é, sua prática e seu repertório visavam à sua
execução na vida social de bailes, festas e salões. Era assim um instrumento
coadjuvante, “acompanhador”. Na Europa, por sua vez, devido a um longo processo
social e histórico que não pretendemos discutir aqui, o piano já era apresentado em
concertos solos, nos quais os “virtuoses”, já remunerados pelas suas apresentações,
eram a grande atração, como Clara Schumann (1819-1896)19e Franz Liszt (1811-1886),
considerados respectivamente, a primeira pianista a empreender uma carreira de
intérprete e o “pai do recital moderno” (BARONI, 1999, p. 55, 62).
À luz desse quadro, torna-se possível entender por que Luiza Leonardo
interrompeu a carreira de pianista ao retornar definitivamente para o Brasil, depois de
passar dois anos em Lisboa como pianista da corte de Luís I, de Portugal. Afinal, como
ela poderia se apresentar como um intérprete-pianista, aos moldes europeus, se o piano
no Brasil era ainda um instrumento da sala de visitas e seu repertório de valsas, polcas e
maxixes, destinado a alegrar recepções sociais?
18
Era esse o “nome pejorativo para músicos de pouca formação musical e muito balanço.” (MACHADO,
2007, p. 20).
19
Clara Schumann deu seu primeiro concerto solo em 1830, em Leipzig. logo depois, acompanhada pelo
pai, partiu em viagem pela Europa, apresentando-se em vários países (SILVA, 2008).
20
20
Os dados sobre Carlos Cavalier Darbilly foram obtidos em Marcondes (2000) e Cacciatore (2005).
21
Tais associações foram importantes sob vários aspectos, dentre os quais, cabe
destacar a apresentação de muitos pianistas estrangeiros, entre eles Thalberg (1812-
1871), pianista virtuoso apontado como rival de Liszt. Foram eles que trouxeram ao
Brasil o modelo do concerto solo de piano no qual o pianista executava suas próprias
composições e peças de outros compositores como por exemplo Chopin (1810-1849),
22
21
Entre 1850 até o final do século XIX, pelo menos 37 pianistas estrangeiros vieram se apresentar no Rio
de Janeiro ou em São Paulo (Toffano, 2007, p.64).
22
Os dados sobre Carlos Mesquita foram obtidos em Marcondes (2000) e Cacciatore (2005).
23
musicais e pelas instituições. Entretanto, não permitiu o abandono das outras atividades
que lhes garantiam o sustento. Ainda assim, podemos dizer que Carlos Darbilly,
Joaquim Callado e Henrique de Mesquita chegaram ao topo da profissão ao serem
nomeados professores do Imperial Conservatório de Música, como dito anteriormente, o
principal sinal de prestígio da época.
A trajetória de Chiquinha Gonzaga em muitos aspectos é semelhante à dos
compositores de sua geração: do mesmo modo foi professora, pianista, compositora,
maestrina. Começou a carreira de pianista circulando pela vida noturna carioca tocando
em bailes, saraus, confeitarias, cafés. A faceta de compositora surgiu logo em seguida:
imbuída pelo gênero dançante de música, compôs polcas, maxixes, lundus bem como
para o teatro de revista.
Contudo, Chiquinha não teve na família um ambiente musical favorável, ao
contrário, nunca teve o apoio dos pais para desenvolver sua ambição musical, o que
levou ao rompimento familiar definitivo. Para ela, a música deixou de ser uma prenda
doméstica e se transformou numa vocação irresistível, impulsionando-a a buscar suas
realizações em detrimento dos papéis de mãe e esposa. Uma vez que não herdou da
família o ofício musical, o apoio e o incentivo de Callado são essenciais para sua
inserção na “música ligeira”, meio predominantemente masculino.
Além disso, se compararmos sua trajetória com a de seu padrinho, sob o ponto
de vista dos índices de consagração da época, observaremos que, em nenhum momento,
ela esteve próxima da Família Real, apesar da popularidade que alcançou. O que nos
leva a afirmar que Chiquinha conseguiu realizar sua vocação, mas sempre sofrendo as
conseqüências do trânsito no universo masculino da boêmia e do fim do seu casamento.
Por esse motivo, ao contrário de Callado, Chiquinha não foi condecorada nem nomeada
professora do Imperial Conservatório. Ao longo de sua carreira, recebeu apenas o
reconhecimento popular, seu prestígio restringiu-se ao universo da “música ligeira”.
Luiza Leonardo, por sua vez, tem uma trajetória muito peculiar comparada aos
demais “músicos do império”. Também formada pelo pai, Luiza foi preparada para ser
uma pianista “erudita”; estimulada desde cedo, dedicou-se exclusivamente ao
instrumento (seu desenvolvimento no piano foi precoce, como visto). Formada pelo
Conservatório de Paris, além de adquirir um conteúdo musical sólido e “erudito”, foi
estimulada a compor. Ao ganhar o prêmio de piano, foi considerada uma “virtuose” do
instrumento e estava pronta para exibir-se em concertos.
26
23
Os dados sobre Alberto Nepomuceno foram obtidos em Pereira (2007).
28
24
Em 1904, foram publicados dois volumes de canções de Nepomuceno que reuniram os nomes mais
expressivos das letras da época (PEREIRA, 2007, p.165).
25
Os dados sobre Francisco Braga foram obtidos em Azevedo (1956), Mariz (2005).
29
contratual a publicação das obras sob pseudônimo João Valdez e o sigilo da editora em
relação ao nome do compositor (PEREIRA, 2007, p. 225).
No bojo do processo de modernização da cidade, a vida social dinamizava-se e,
do mesmo modo, o universo musical com o cinema (nessa época, toda sala de cinema
mantinha um pequeno conjunto musical para acompanhar os filmes), o teatro de revista
e as lojas de música. O piano fazia parte dos três ambientes. Se, no princípio, ele é um
instrumento doméstico, atrelado aos hábitos aristocráticos da corte, exclusivamente
“erudito”, no início do século XX, está presente em todos os espaços sociais das cidades
do Rio de Janeiro e de São Paulo. Coexistia nas salas de concertos, nos teatros, no
espaço acadêmico do Instituto Nacional de Música e do Conservatório Dramático e
Musical de São Paulo, mas também nos lugares de lazer das camadas médias e pobres,
que se divertiam no cinema, nas confeitarias, nas lojas de música ou no espaço
doméstico das festas, em torno do piano tocado pelos “pianeiros”.
Diante de um público ávido por diversão, uma espécie de mercado cultural se
constituiu em torno de três elementos fundamentais: o teatro, o piano e os editores de
música. A música que fazia sucesso nos teatros logo era impressa em partituras e
vendidas nas lojas de música após ser exibida pelo pianista demonstrador de partituras
(PEREIRA, 2007, p. 226). A produção musical proveniente desta tríade foi vista como
“popular”, “banal”, “chula”, sem valor artístico.
Em um contexto no qual a presença do “popular” é incontestável e concomitante
às estratégias cosmopolitas de uma elite armada de práticas e discursos segregacionistas,
acirram-se as fronteiras entre os dois universos, gerando novos princípios
classificatórios. Se, antes, a corte ditava e hierarquizava o valor artístico, com suas
benesses, instituições e condecorações, na República, o Instituto Nacional de Música
torna-se o reduto da “música erudita” ocupando posição central na definição e
hierarquização da produção musical conforme os critérios advindos da “música
ocidental”. Por esse motivo, a consolidação da carreira no universo “erudito” passa a
depender também da capacidade do músico de entrar no jogo social dando sentido a sua
vocação, ao seu projeto autoral. A trajetória de Ernesto Nazareth é um exemplo
emblemático porque podemos observar claramente os recursos que mobilizou para se
diferenciar dos “pianeiros”, como por exemplo Chiquinha Gonzaga. Afinal, ele tinha
ambição de ser reconhecido como compositor e pianista “erudito”.
32
Nazareth26 nasceu numa família modesta, em 1863; seu pai, Vasco, era
despachante aduaneiro no porto da cidade do Rio de Janeiro, e sua mãe, Carolina,
provavelmente, dona de casa. Foi ela que fez a iniciação musical dos quatros filhos:
Vasco Filho, Nazareth, Júlia Adélia e Maria Carolina, mas apenas Nazareth prosseguiu
na carreira. Aos 10 anos de idade, devido à morte da mãe, o pai chega a proibi-lo de
tocar, mas logo muda de idéia e consegue outro professor de música para o menino,
deixando claro que não apoiaria uma possível carreira musical.
Nazareth compõe sua primeira peça aos 14 anos, a polca Você bem sabe (1877),
que, ironicamente, dedica ao pai. Essa peça foi apresentada a Arthur Napoleão (dono da
Casa Editorial Arthur Napoleão & Miguéz), que resolve publicá-la. Nessa época,
existiam duas opções para editar: ou o compositor vendia a obra antecipadamente ou
arcava com os custos da edição em troca do lucro da vendagem, o que raramente
recebiam (PEREIRA, 2007, p. 25). Com o sucesso da publicação, Nazareth começa a se
tornar “conhecido” na cidade. Os tios, entusiasmados com sua fama, unem-se na
tentativa de arrecadar fundos para enviar o compositor à Europa, realizando o maior
desejo de sua vida. Infelizmente, o plano não se realiza e Nazareth prossegue sua
carreira no Brasil, apresentando-se no circuito dos clubes das sociedades da elite
fluminense, como: o Clube do Rio Comprido, o Clube do Engenho Velho e o Clube de
São Cristóvão, o mais aristocrático de todos. Nazareth consegue viver assim da renda de
suas músicas, do cachê das apresentações e das aulas particulares. Mais tarde, em plena
Belle Époque carioca, torna-se um dos compositores mais conhecidos da cidade.
Sustentava a família, a esposa e os quatro filhos, com as aulas particulares de música,
como pianista demonstrador de partituras nas casas de música e tocando em cinemas da
cidade. Por muitos anos foi contratado para tocar na sala de espera do cinema Odeon
para entreter o público27.
Entretanto, Nazareth mostra-se “avesso à celebridade popular” (MACHADO,
2007, p. 97), não aceitando compor para o teatro de revista, por exemplo. Para se afastar
do gênero “popular”, decide nomear suas composições “tango brasileiro”, executando
também suas peças em andamento lento para não acentuar o caráter dançante das
sincopas (p.90). Todas essas estratégias revelam sua ambição de se tornar reconhecido
pelas instituições e porta-voz das expressões legítimas da “música erudita” como
“compositor erudito” e não como “popular”.
26
Os dados sobre Ernesto Nazareth foram obtidos no trabalho de Machado (2007).
27
Em 1910, em homenagem aos donos, Nazareth compôs o tango Odeon.
33
Segundo Machado (op.cit.), a frustração de não ter ido estudar na Europa foi
determinante na trajetória do compositor, pois é neste momento que “(...)
simbolicamente os universos da chamada música erudita e popular se cindiram (...)”
(p.26) para o músico: Nazareth fez sucesso como pianista tocando suas polcas e peças
do repertório clássico romântico nos salões da elite fluminense; como compositor,
consagrou-se como “o rei dos tangos”. No entanto, seus tangos não eram considerados
nem “música popular” nem “música erudita” do período. A obra musical de Nazareth só
será vista como “música erudita nacional” a partir da década de 1920, quando é relida
sob o ponto de vista modernista28.
O autor indica três episódios que, segundo ele, retratam “o não lugar” de
Nazareth nesse cenário musical que se quer estritamente demarcado e segregado. O
primeiro, ocorrido em 1918, quando o pianista polonês Arthur Rubinstein (1887-1982),
considerado um dos maiores pianistas virtuoses do século XX, veio se apresentar pela
primeira vez no Brasil. Rubinstein interessou-se em conhecer e ouvir o autor dos
famosos tangos brasileiros. No encontro com o pianista, Nazareth, ao invés de
apresentar suas próprias composições, insistiu em tocar Chopin.
O segundo episódio ocorreu em 1922. Ao apresentar suas obras num concerto
dedicado a compositores “eruditos” brasileiros no Instituto Nacional de Música do Rio
de Janeiro, alguns setores reagiram mal à sua inclusão no concerto. O último episódio
ocorreu em 1930, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, num concerto da pianista
Guiomar Novaes (1896-1979). Nazareth, que já enfrentava problemas de saúde, saiu no
meio do espetáculo, lamentando: “Por que eu não fui estudar na Europa? Eu queria ser
Guiomar Novaes!” (MACHADO, 2007, p. 27).
O que faltou a Nazareth para que ele se tornasse um concertista como Guiomar
Novaes, por exemplo? Para responder a esta pergunta, é preciso primeiro construir um
perfil dos intérpretes-pianistas que se destacaram internacionalmente no início do século
XX, para compreender os aspectos sociais envolvidos no êxito ou no fracasso de uma
carreira em que a busca pelo alto nível separa intérpretes de compositores e
profissionais de amadores.
É evidente que o fato de não ter ido à Europa foi decisivo, mas há seguramente
outros aspectos a serem ponderados: por exemplo, o piano na sua ascensão como
28
Tardiamente, aos 57 anos, Nazareth foi retratado como “gênio” num artigo publicado em 1920 pelo
compositor francês Darius Milhaud (1892-1974), que surgiu no panorama musical francês desde 1920,
quando integrou o Grupo dos Seis. Esteve no Brasil entre 1917-1918 influenciando o Modernismo
(Wisnik, 1977, p. 39).
34
29
Trata-se de uma peça do compositor francês Erik Satie (1866-1925), que faz uma paródia da Marcha
Fúnebre do compositor polonês Frédéric Chopin (1810-1849) (Wisnik, 1977).
30
Ver em Referências Bibliográficas: Marcondes (2000).
31
Esta informação foi concedida por Jacques Nirenberg, violonista e aluno de Paulina, em entrevista
concedida em 18 de novembro de 2009.
32
Nome dado ao primeiro violino de uma orquestra. É responsável pela execução dos solos e atua como
regente substituto repassando as orientações do maestro à orquestra.
37
33
Os dados sobre Vera Janacópulos foram obtidos no trabalho de França (1959).
34
As informações sobre a cantora Bidu Saião foram obtidas em Marcondes (2000), Cacciatore (2005).
38
deu início a sua carreira internacional. Com a morte da professora, sua mãe a conduziu
até Nice, na França, para ser aluna de Jean de Reszke.
Em Roma, no ano de 1926, estreou no teatro lírico interpretando Rosina, da
ópera O Barbeiro de Sevilha, do compositor italiano Gioachino Rossini (1792-1868).
Em 1937, Bidu estreou no Metropolitan Opera House35 e permaneceu no seu quadro de
artistas por mais 15 anos. Foi a principal intérprete de Villa-Lobos, fez gravações de sua
obra que se tornaram consagradas, como as Bachianas nº. 5, gravada em 1945; durante
dois anos foi o disco mais vendido de música erudita nos Estados Unidos. Bidu faleceu
aos 92 anos, em 1995, nos Estados Unidos36.
Analisando conjuntamente as poucas informações obtidas sobre a carreira de
Paulina, Vera e Bidu, elas apontam pistas valiosas acerca da profissão do intérprete na
era da “performance desligada da composição” (SAID, 1991, p. 32), mostrando, por
exemplo, como uma sólida formação “erudita” obtida na Europa é fundamental para
alcançar o êxito na profissão.
Tendo em vista que, na geração anterior, Luiza Leonardo, apesar de formada
pelo Conservatório de Paris, teve imensas dificuldades para atuar como uma pianista
profissional no Brasil e por isso, abandonou a carreira, interessa-nos saber como
Guiomar Novaes, Antonietta Rudge (1885-1974) e Magda Tagliaferro (1893-1986)
tornaram-se as primeiras intérpretes-pianistas do país. Vejamos mais de perto de que
modo a vocação surgiu, como foi recebida pela família, os incentivadores, o caminho
seguido e os obstáculos existentes até a profissionalização.
Quando Antonietta, Magda e Guiomar nasceram, o piano já estava em seus lares,
ou seja, foi na família que encontraram o estímulo para o estudo, de modo que foram
iniciadas no instrumento por volta dos cinco anos de idade e, antes dos dez anos, já se
apresentavam em público.
Guiomar37 teve com os irmãos mais velhos o primeiro contato com o piano.
Nasceu em São João da Boa Vista, no interior de São Paulo, em 1894, sendo a décima
sétima filha, dos 19 filhos do casal Anna, dona de casa, e Manoel, major do Exército e
negociante de café. Suas irmãs mais velhas tocavam piano incentivadas pela mãe, que,
no passado, teve pretensões artísticas e que, frustrada, estimulou os filhos, pois
35
Fundado em1880, é a maior organização de música clássica dos Estados Unidos. É, ainda hoje, um dos
principais palcos da ópera no mundo.
36
Pouco antes de morrer, a vida da cantora foi tema do samba-enredo da Escola de Samba Beija-Flor de
Nilópolis. Bidu entrou na avenida no último carro alegórico.
37
Os dados sobre Guiomar Novaes foram obtidos no trabalho de Orsini (1992).
39
“desejava ardentemente que um dos seus filhos seguisse a carreira artística.” (ORSINI,
1992, p.31). Antonietta e Magda foram iniciadas no piano respectivamente, pela mãe e
pelo pai. Antonietta38 nasceu na capital paulista, em 1885, filha de João Henrique e Ana
Emília, de ascendência inglesa. Ana Emília a iniciou no piano e estimulou seus estudos.
Magda39 nasceu em Petrópolis (RJ) em 1893, filha de Paulo Tagliaferro e
Louise, ambos franceses. Seu pai desejava ser cantor e pianista, mas fora impedido pelo
pai, tornando-se engenheiro; ainda sim, enquanto estudava engenharia, teve aulas de
canto e piano. No final, acabou por abandonar a profissão para se tornar professor de
música, uma vez que já era tarde para iniciar uma carreira de cantor ou pianista
(TAGLIAFERRO, 1979, p. 9).
Quando Magda completou cinco anos, ele imediatamente a iniciou no piano.
Aos nove anos, ela faz sua estréia em concerto realizado no Clube Internacional de São
Paulo. Até sua morte, em 1907, o pai incentiva e planeja sua carreira musical levando-a
até Paris com um único objetivo: prepará-la para ingressar no Conservatório da capital
francesa. Em 1906, aos 13 anos, Magda ingressou no Conservatório de Paris e, em
1907, ganhou o primeiro prêmio do Conservatório; em seguida saiu em “tournée” pela
França acompanhada pelo compositor francês Gabriel Fauré (1845-1924). No âmbito
pessoal, sua vida amorosa foi pouco convencional para época: teve três maridos, mas de
fato, nunca se casou. Sobre o casamento disse:
38
Os dados sobre Antonietta Rudge foram obtidos em Toffano (2007), Marcondes (2000) e no
documentário: ANTONIETTA RUDGE: O ÊXTASE EM MOVIMENTO. Direção Norma Bengell. Rio
de Janeiro: RioFilme, 2003. 1dvd (86 min).
39
Os dados sobre Magda Tagliaferro foram obtidos em um livro de memórias escrito pela própria pianista
em 1979.
40
cultural da cidade. Foi um grupo de fazendeiros que trouxe o maestro italiano Luigi
Chiaffarelli (1856- 1923) para ensinar piano às moças paulistas em 1883. Contudo, sua
competência e compromisso com o ensino ajudaram a difundir o piano como um
instrumento de concerto. Nos 40 anos em que viveu na cidade, ele consolidou uma
escola de piano que formou diversos artistas de renome, entre eles Antonietta, Guiomar
e Souza Lima, os dois últimos ganhadores do prêmio de piano do Conservatório de
Paris. Em sua casa reunia alunos e recebia os músicos estrangeiros que visitavam a
cidade. Ademais, participou da fundação do Conservatório Dramático e Musical em
1906.
40
Há relatos de que ela era capaz de memorizar e tocar com perfeição uma peça musical tendo ouvido
apenas uma vez (Toffano, 2008).
41
Charles Miller é considerado o introdutor do futebol no Brasil.
41
íntima com a música, pois como bem nos lembra Bourdieu (1994): “A música não são
os discos e a eletrola dos vinte anos, graças aos quais descobrimos Bach e Vivaldi, mas
o piano da família ouvido desde a infância e vagamente praticado até a adolescência
(...)” (Idem, p.97).
A transição do “piano tocado vagamente” para uma prática com vistas a uma
carreira profissional requer a figura do incentivador, geralmente uma pessoa da família,
assim como a figura do professor abalizado que oriente o estudo das exigências técnicas
do instrumento; juntos, família e professor, assumem a responsabilidade de conduzir os
primeiros passos da carreira. Vimos que no caso de Magda, seu pai exerceu as duas
funções, de pai e professor, e com a sua morte, a concertista assumiu não só condução
de sua vida profissional e afetiva, bem como o sustento da própria mãe. Guiomar teve
em Chiaffarelli o professor e mestre, e na mãe, a pessoa da família que participou
ativamente para que tivesse um bom professor de piano e pudesse se dedicar
exclusivamente ao estudo do instrumento. Mais tarde, Otávio ocupou o lugar da mãe na
condução da carreira e da vida pessoal de Guiomar.
Quando examinamos a trajetória de Antonietta sob o mesmo aspecto,
começamos a desvendar alguns dos motivos que levaram à interrupção precoce de sua
carreira. Primeiro, observamos que o apoio dado pelos pais no início da carreira não foi
suficiente para desviá-la do seu destino social. Sua posição social elevada contribuiu
para que ela cumprisse o destino das moças refinadas, a saber: casar-se ainda jovem
para garantir e manter o status social da família. Soma-se a isto, sua falta de ambição
profissional, segundo depoimentos de sua filha Helena; Antonietta nunca almejou
construir uma carreira profissional, não gostava de tocar em público (RUDGE apud
TOFFANO, 2007, p.102 e 103).
Ainda que o casamento e a maternidade fossem as principais obrigações
femininas e, frequentemente, os principais obstáculos à carreira profissional, Magda e
Guiomar conseguiram burlar as convenções de gênero: primeiro, graças ao apoio
incondicional da família, que não teve dúvidas em afastá-las das atribuições de mãe e
esposa em prol da carreira; segundo, a carreira internacional deu-lhes mais liberdade
para conduzir suas vidas. Morando muitos anos no exterior, não estavam submetidas
aos preconceitos e julgamentos vigentes na sociedade brasileira.
Embora as carreiras de compositor e de intérprete tenham se tornado distintas,
isto não quer dizer que os músicos não pudessem transitar entre as duas ao longo da
vida. Neste sentido, é interessante analisar a trajetória de Souza Lima, pois ela constitui
43
“Foi, então, para mim, o início de uma vida nova, cheia de mais
entusiasmo, cheia de ambição e de vontade de me tornar um artista de
verdade e possuir um diploma que seria uma honra e uma glória para a
minha profissão” (LIMA, 1986, p.67).
42
Os dados sobre Souza Lima foram obtidos em uma autobiografia escrita pelo próprio pianista em 1982.
43
O Pensionato Artístico foi uma instituição criada em 1912 e extinta em 1931 pelo governo do Estado de
São Paulo com o objetivo de promover a produção artística no Estado concedendo bolsas de estudos para
Europa aos artistas que a comissão julgava merecedores. Naquela época, o Estado não tinha nenhuma
Faculdade ou curso superior de artes.
44
primeiros pianistas do sexo masculino que se dedicou com afinco para tornar-se um
concertista” (Idem, p.18).
Ao que tudo indica, assim como seu irmão, Souza Lima está entre os poucos
homens de seu tempo que se tornou um intérprete-pianista. Conforme seu relato, era o
único homem entre as alunas de Chiaffarelli; não por acaso, nas reuniões com os alunos
que organizava em sua casa, Souza Lima sentava-se ao lado do mestre.
Foi sob a influência e a orientação do irmão que Souza Lima, aos quatro anos de
idade, deu seus primeiros passos na música. Somente aos 12 anos, tornou-se aluno do
professor Chiaffarelli, pois o irmão estava sobrecarregado com as atividades de sua
própria carreira. Sem deixar de lado o piano, Souza Lima foi encaminhado pelo próprio
Chiaffarelli para aulas de composição com o professor Agostinho Cantú. Não tardou
muito para que o jovem aprendiz de composição se arriscasse como compositor
participando de dois concursos: o primeiro foi um concurso de composição promovido
pela revista “A cigarra” e patrocinado pela Casa Levy. Era preciso compor uma valsa e
um tango. Souza Lima ficou em primeiro lugar com o tango Então, té logo e em
segundo com a valsa Charmante. O segundo concurso foi promovido pelo Centro
Musical de São Paulo e destinava-se à música sinfônica; Souza Lima ficou em segundo
lugar com um minueto, o primeiro, foi dado ao seu irmão, Paulo Augusto.
Concomitantemente aos estudos, Souza Lima trabalhou muito tocando e regendo
as orquestras dos cinemas, apresentando-se nas reuniões de casas de família,
acompanhando os músicos de renome que vinham se apresentar na cidade. Foi graças a
um amigo que conheceu, por exemplo, a família da pintora Tarsila do Amaral (1886-
1973).
Mais tarde, novamente conduzido por um amigo, Waldemar Otero, tornou-se
assíduo frequentador da famosa Vila Kyrial. Trata-se da mansão do Dr. José de Freitas
Valle, advogado e político importante que ocupou altos cargos no governo; sua casa era
um centro cultural da cidade aonde afluíam artistas, intelectuais, escritores e políticos.
Participavam das reuniões desde artistas consagrados até os novos talentos. Segundo
Souza Lima, era um ambiente em que se respirava arte. Freitas Valle juntamente com
Ramos de Azevedo e Sampaio Viana constituíam a comissão que dirigia o Pensionato
Artístico de São Paulo; sem dúvida, a oportunidade para Souza Lima decorreu do seu
contato com Freitas Valle na Vila Kyrial. Podemos dizer que sua entrada no círculo da
elite intelectual paulista pode ser considerada um sinal de que o pianista gozava de
prestígio e ascendera socialmente, situação que a bolsa veio apenas ratificar.
45
A concessão da bolsa a Souza Lima foi recebida de forma controversa por sua
família. Seguramente, o único que apoiou desde o princípio sua ida para Paris foi Paulo
Augusto, o irmão mais velho. A reação defensiva de sua família pode ser interpretada de
várias formas, mas claramente demonstra que a ida de Souza Lima à Europa era algo
inesperado; de certa forma, ele já tinha uma carreira profissional que transcorria bem,
aos moldes da carreira do irmão mais velho.
Souza Lima voltou de Paris em 1930, casou-se e retornou à capital francesa com
a esposa. Realizou tournées internacionais e depois pelo Brasil. A cena por ele
encontrada conhecia algumas alterações. Em 1935, como sabido, foi criado o
Departamento de Cultura do Município de São Paulo pelo prefeito Fábio Prado, que
convidou os intelectuais Paulo Duarte e Mário de Andrade para organizarem a entidade
da qual Mário seria o diretor. Nessa ocasião, o Teatro Municipal foi reestruturado,
criou-se o corpo estável com uma atuação fixa e definida composto pela orquestra, que
já existia, e pelos recém-criados: Coral Lírico, Coral Paulistano, o Quarteto de Cordas,
que recebeu o nome de Quarteto Haydn, e o trio (piano, violino e violoncelo)
denominado Trio São Paulo. Souza Lima foi convidado a integrar o Trio São Paulo. Sua
atuação como regente começou a partir de um convite de Mário de Andrade para reger
pela primeira vez um concerto sinfônico. Tratava-se na verdade de um teste; sabiam que
Souza Lima havia estudado regência na França e desejavam avaliar o desempenho do
então pianista conduzindo uma orquestra sinfônica. Em vista do êxito da estréia, Souza
Lima foi oficializado como regente da Orquestra Municipal de São Paulo, sua principal
atividade musical ao longo de 32 anos. Trabalhou ainda na Rádio Tupi e Gazeta como
diretor artístico e regente das orquestras das respectivas rádios (LIMA, 1982 p.176 e
177, 182).
A partir dos traços reunidos aqui, podemos comparar a trajetória do pianista
Souza Lima à das pianistas Antonietta, Guiomar e Magda, buscando construir um perfil
destes “virtuoses” dos primórdios do século XX e evidenciando como as convenções de
gênero estão entrelaçadas a aspectos importantes na construção da carreira de
concertista, a começar pelo ambiente familiar.
A presença solitária de Souza Lima, e do próprio irmão, entre as pianistas –
situação ressaltada por ele nos seus relatos sobre “o pioneirismo” do irmão e sua
presença solitária entre as alunas de Chiaffarelli – oferece uma pista segura acerca da
predominância das mulheres no instrumento, o que é confirmado pelos números. De
fato, no século XX, as mulheres são a maioria entre os alunos de piano: entre 1912 e
46
1921, dos 50 alunos laureados no curso de piano, 41 são mulheres e 9 são homens. No
Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, entre 1913 e 1929, dos 634
diplomados no curso de piano, apenas 17 eram homens (TOFFANO, 2008, p. 78 e 79,
85).
A predominância feminina no piano é consequência da inclusão do ensino do
instrumento na educação feminina como parte das prendas domésticas, isto é, como uma
obrigação que independe do envolvimento dos pais com a música, da vontade e da
aptidão das moças. Ainda que tal ensino não tivesse como objetivo a formação de
artistas e profissionais, ele facilitou o acesso das mulheres a sua prática, uma vantagem
significativa se considerarmos que a “precocidade” é uma marca comum entre os
concertistas consagrados.
Já para os rapazes, o contato com o piano dependia muito mais da relação dos
pais com a música: de uma mãe, que apesar do casamento e das obrigações familiares,
não tenha abandonado o hábito de tocar o piano, carregando consigo uma vocação
frustrada que acabava por transmitir aos filhos (homens e mulheres); ou de um pai,
músico amador nas horas de folga. Portanto, o ensino do piano para os homens é um
capital cultural transmitido principalmente pelos pais, sem o envolvimento mais
próximo destes com a música; dificilmente o piano seria mais do que um móvel da sala
de visitas para um menino.
De certa forma, a precocidade atenua o peso dos longos anos de estudos exigidos
para formar um intérprete-pianista; quer dizer, é apenas o primeiro passo, de modo que
nessa fase de formação, o aprendizado do instrumento requer sempre muitas horas de
estudo. Para isso, é necessário que o estudo também seja uma prioridade para a família.
A ela cabe incentivar o estudo, acompanhar as primeiras apresentações, procurar bons
professores, pagar aulas, adquirir os métodos etc.
Nas trajetórias de Souza, Magda, Guiomar e Antonietta, encontramos um
ambiente familiar propício e figuras centrais que ajudaram a despertar, e depois, a
construir a vocação musical: o pai de Magda, a mãe de Guiomar e a de Antonietta, a
mãe e o irmão mais velho de Souza Lima.
As diferenças entre seus percursos aparecem em relação ao inicio da carreira e à
formação musical. Enquanto Magda, Guiomar e Antonietta se dedicaram
exclusivamente ao piano e logo buscam na Europa a oportunidade de uma carreira
internacional como concertistas, Souza Lima começa a trabalhar tocando piano tanto em
sociedades dedicadas à música erudita quanto em cinemas, lojas de música, pequenas
47
orquestras e clubes. Ele começa também a compor; e aqui vale dizer que a composição
entrou em sua vida por iniciativa de Chiaffarelli. O professor separa claramente as
tarefas: ao aluno, a composição; às mulheres, o piano.
Podemos dizer que para Souza Lima a carreira de intérprete-pianista era uma
possibilidade, entre outras, compor, reger e tocar em conjunto de bailes – opções que
não estavam disponíveis às mulheres em razão das restrições de gênero e classe social.
Assim que, resguardando a reputação e a posição social da família, as opções para as
mulheres eram: na ausência de aptidão musical, abandonar o instrumento; tornar-se
diletantes, quando o casamento não punha um fim à prática do piano; ou concertistas,
quando encontravam apoio da família para o desenvolvimento artístico do instrumento
em detrimento dos papéis de mãe e esposa. A escolha feita por Chiquinha Gonzaga – de
atuar no universo boêmio da “música popular” – continuava a ser uma subversão às
convenções de classe e gênero.
Enquanto Antonietta, Magda e Guiomar se especializaram cedo, focando os seus
estudos e metas exclusivamente em razão da carreira de concertista, Souza Lima tinha
outras opções de atividades musicais e, aos poucos, explorou algumas delas. Em razão
disso, os anos foram se passando e a oportunidade lhe surgiu quase “por acaso”, já com
uma carreira em andamento.
A consolidação da carreira do concertista é um processo longo, apesar do
começo ainda na infância. Os primeiros obstáculos surgem logo na transição para a
adolescência, quando aparecem outras responsabilidades sociais a concorrer com os
estudos do piano. Em razão disso, o apoio familiar continua fundamental para que o
pianista continue a se dedicar exclusivamente ao piano em detrimento de qualquer outra
tarefa.
Para os homens a necessidade de prover seu próprio sustento ou mesmo o da
família impõe aos músicos, entre eles aos pianistas, o trabalho: dar aulas, tocar e
compor nos mais diversos estilos e ambientes, não havendo muito tempo para o estudo
aprofundado do instrumento. A situação se agrava quando os pais, desejando uma
carreira de maior status social e ganho financeiro para o filho, são contrários à carreira
musical obrigando-os, muitas vezes, a seguir outra profissão. Já para as mulheres, o
casamento constitui um dos maiores obstáculos à carreira musical, pois o apoio dos pais
à prática do piano na infância, muitas vezes, não se sobrepõe ao desejo de que as filhas
realizem um bom casamento, como pudemos observar na trajetória de Antonietta
48
44
Os dados sobre Villa-Lobos foram obtidos no trabalho de Guérios (2003).
45
Os dados sobre Francisco Mignone e Lorenzo Fernandez foram obtidos no trabalho de Mariz (2005),
Cacciatore (2005), Azevedo (1956), Marcondes (2000).
50
esta orquestra que o apresentou como compositor executando pela primeira vez uma
obra de sua autoria, uma Suite Característica para instrumentos de corda (GUÉRIOS
2003, p. 104). Casou-se pela primeira vez em 1913 com a pianista Lucília Guimarães.
Começou a compor por volta dos 27 anos, em 1914 (Idem, 2003).
Mignone, seguindo o caminho do pai, já na adolescência dividia suas atividades
entre o universo da música “erudita” e “popular”: estudava no Conservatório Dramático
e Musical de São Paulo, diplomando-se em piano, flauta e composição em 1917. Ao
mesmo tempo, fazia apresentações como pianista e flautista em pequenas orquestras e
conjuntos de todos os tipos, e compunha “música popular” sob o pseudônimo Chico
Bororó. A primeira vez em que deixou de utilizar o pseudônimo foi num concurso46 de
composição promovido pela Revista A Cigarra e patrocinado pela Casa Levy, em que
era preciso compor uma valsa e um tango: Mignone ganhou o primeiro lugar na valsa e
segundo com o tango (MARIZ, 2005).
Como foi dito anteriormente, o uso de pseudônimo é uma estratégia usada pelos
compositores para esconder o trânsito pela “música popular”, de modo a preservar suas
ambições no meio “erudito”, avesso a contaminações populares. Por essa razão, durante
a década de 1910, Villa-Lobos pouco utilizou elementos associados à “música popular”
em suas obras, pois aqueles constituíam um risco às suas pretensões artísticas, ainda
mais porque o valor atribuído à “música nacional” era insignificante se comparado à
supervalorização de tudo o que fosse do exterior (GUÉRIOS, 2003, p.99 ). É
interessante observar que Mignone e Villa-Lobos começam a conceber uma idéia sobre
“música nacional” e a utilizar elementos da “música popular” ou indígena para esse fim,
depois de viajarem à Europa na década de 1920.
Em 1919, depois do êxito de sua apresentação como pianista e compositor no
Teatro Municipal de São Paulo, Mignone ganhou uma bolsa do Pensionato Artístico do
Estado de São Paulo, foi estudar em Milão com o compositor Vicenzo Ferroni. Para
mostrar suas aptidões compôs sua primeira ópera, O Contratador de Diamantes, de
1921, da qual se destacou Congada, peça de bailado que integrava o segundo ato da
ópera, em que Mignone aproveitou um tema de lundu extraído do livro de Johann
46
Trata-se do mesmo concurso que premiou Souza Lima e seu irmão.
51
Baptist von Spix (1781-1826) e Carl Friedrich Philipp von Martius (1794-1868)
publicado no século XIX, contendo transcrições de melodias populares e indígenas47.
A peça foi tão bem aceita que Mignone, ainda na Europa, produziu outras peças
sinfônicas utilizando elementos da “música popular”. Em 1929, voltou para o Brasil; em
1933, mudou-se para o Rio de Janeiro, nesta época, tem início a colaboração com o
poeta Mário de Andrade, que o incentivou a seguir as propostas modernistas. A primeira
obra produzida neste contexto foi Maracatu do Chico Rei, segundo Mariz (2005), “um
bailado afro-brasileiro.” (p.232).
Em 1934, Mignone tornou-se professor de regência no INM, substituindo o
maestro Walter Burle- Marx (1902-1990), sua estréia na condução de uma orquestra
sinfônica ocorreu em 1920, regendo suas próprias composições. Destacou-se como
regente na década de 1930, se apresentando não somente no Rio de Janeiro, mas em
outras cidades brasileiras e até na Europa: Berlim e Roma, entre 1937 e 1938
(AZEVEDO 1956, p. 296, 305 e 306).
Villa-Lobos foi o primeiro compositor “erudito” a escutar as gravações de
música indígena e utilizá-las em suas composições (GUÉRIOS, 2003, p.143). Em 1925,
o compositor ouviu os fonogramas gravados pelo antropólogo Edgard Roquette Pinto
(1884-1954) durante sua participação em uma dessas expedições realizadas em 1908.
Na sua volta da Europa, Villa-Lobos buscou fontes que lhe fornecessem informações
sobre a música indígena, além de ouvir os fonogramas, consultou obras como: Histoire
d’un voyage à la terre du Brésil, de Jean de Léry e Rondônia, de Roquette Pinto (Idem).
O compositor descobriu-se brasileiro em Paris, foi a partir desta viagem, isto é, do
contato com as impressões européias sobre a nação e a nacionalidade brasileira que
passou a construir-se como artista brasileiro; sob o nome de Choros o compositor
agrupou as músicas nacionais que passou a produzir:
47
Trata-se de dois pesquisadores austríacos que vieram ao Brasil fazer um levantamento explanatório
(botânico, zoológico, mineralógico etc.) e coletaram canções populares e indígenas que foram transcritas
e publicadas no livro: Brasilianische Volkslieder und Indianische Melodien.
52
48
Os dados sobre Dinorá de Carvalho foram obtidos no trabalho de Carvalho (1996) e Caccitore (2005).
53
Assim como Souza Lima, Dinorá já possuía uma carreira em andamento quando
foi estudar na Europa, tardiamente, aos 26 anos, em comparação às trajetórias de
Guiomar Novaes e Magda Tagliaferro. A pianista permaneceu na França entre 1921 e
1924. Ao retornar ao Brasil, realizou alguns concertos, mantendo sempre o hábito de
apresentar composições suas, até que em um deles, sua obra Sertaneja foi ouvida por
Mário de Andrade, presente ao concerto. Entusiasmado, o poeta incentivou a pianista a
compor outras peças e lhe apresentou o professor de composição Lamberto Baldi (1895-
1979), com quem ela iniciou seus estudos de composição. Só a partir de então, por volta
de 1929, Dinorá passou a se dedicar à composição com afinco. Apesar do seu ingresso
tardio no universo da composição, por volta dos 34 anos, Dinorá ainda recebeu nove
prêmios como compositora, o primeiro deles foi em 1936, com a obra Festa na Vila
(1936), composta para orquestra.
Embora o hábito de compor fosse cultivado pela pianista desde a infância, foi
necessário o incentivo de Mario de Andrade para que ela levasse a sério o próprio
talento para a composição. A insegurança de Dinorá revela que a composição era uma
atividade predominantemente masculina e o ingresso das mulheres neste universo não é
feito sem apoio e incentivo de seus pares. De outro lado, sua trajetória vem demonstrar
como, aos poucos, o piano deu às mulheres acesso à composição, uma alternativa nova,
ainda que a sua escolha fosse um desafio cercado de conflitos e dilemas para as
mulheres da época.
Dinorá casou-se aos 43 anos, em 1938, com um admirador paranaense, José
Joaquim Bittencourt Muricy, que passou a cuidar inteiramente da carreira da
compositora. Segundo Carvalho (1996), o casamento tardio é conseqüência de sua
dedicação total à música. Desde a infância, a família afastou Dinorá de todas as tarefas e
funções comumente atribuídas às mulheres.
João de Souza Lima, Francisco Mignone, já o Estado de Minas Gerais concedeu bolsa
de estudos para Dinorá de Carvalho.
A figura do professor particular de música teve suma importância no
desenvolvimento da prática do piano no Brasil. São eles que acolhem, a pedido dos pais,
o talento dos filhos, orientando-os e preparando-os para a vida musical. Lembremos que
são os professores Elias Álvares Lobo, Isidoro Bevilacqua e Chiaffareli a oferecerem
aos seus alunos – respectivamente, Chiquinha Gonzaga, Luiza Leonardo, Antonietta
Rudge, Guiomar Novaes e Souza Lima – o ensino “erudito” do piano.
Outro aspecto comum a ser destacado é a viagem à Europa como elemento
primordial para a consolidação e o reconhecimento profissional, para compositores e
intérpretes. Afinal, a ida à Europa tornou-se uma marca de distinção porque assinalava o
status de artista, confirmando ao músico e aos seus pares seu pertencimento à “música
ocidental”. Por outro lado, conforme o processo de formalização do ensino musical foi
se acentuando, o diploma obtido em instituições européias, como o Conservatório de
Paris, foi adquirindo valor nas disputas por autoridade artística. Ao longo das três
gerações, os músicos que viajaram ao continente europeu, entraram em contanto com
diversas idéias e propostas musicais, entre elas as próprias formulações acerca da
“música nacional”, sobre a qual criaram novas perspectivas e reinventaram suas
próprias experiências.
Entre os que estudaram na Europa, apenas Carlos Gomes, Magda Tagliaferro,
Guiomar Novaes e as cantoras Bidu Sayão e Vera Janacópulos conseguiram construir
uma carreira internacional. Os outros músicos retornaram ao Brasil onde deram
prosseguimento às suas carreiras enfrentando problemas de toda ordem, inclusive
financeiros, o que exigiu certa capacidade de adaptação. Afinal, depois de muitos anos
engolfados na “música erudita”, eram obrigados a emergir num universo musical de
práticas musicais múltiplas.
Dois compositores estiveram à margem do Imperial Conservatório de Música
(ou Instituto Nacional de Música), são eles Ernesto Nazareth e Villa-Lobos. Depois de
perderem a figura que os incentivava (Nazareth, a mãe, e Villa-Lobos, o pai), pouco
tempo tiveram para estudar. Sem recursos, tornaram-se autodidatas e logo foram em
busca das oportunidades de trabalho como instrumentistas nas orquestras do cinema,
nos bailes e saraus realizados nas casas de família.
Nas três gerações analisadas, salvo Lorenzo Fernandez, o começo da carreira
entre os compositores é muito semelhante: o trabalho como instrumentista, circulando
56
por espaços sociais distintos marca um ponto de partida. Tocam (piano, flauta,
violoncelo) tanto em conjuntos musicais dedicados à “música séria” quanto à “música
ligeira”. Com exceção de Villa-Lobos e Ernesto Nazareth, dois autodidatas, os demais
compositores, Carlos Gomes, Henrique Mesquita, Carlos Mesquita, Joaquim Callado,
Carlos Darbilly, Francisco Braga, Alberto Nepomuceno, Lorenzo Fernandez e Souza
Lima, ainda que com dificuldades, sempre conseguiram estudar, seja em instituições
seja com professores particulares, obtendo boa formação “erudita” e até diploma.
Todavia, se para os compositores e instrumentistas era absolutamente comum a
convivência com estilos e ambientes musicais diversos, o mesmo não se verifica entre
as pianistas, cantoras e compositoras. Ao contrário, seus estudos musicais e suas
carreiras, desde o início, concentram-se na “música erudita” e no aprendizado de um
instrumento. Confinadas a alguns espaços sociais, as pianistas eram proibidas de se
apresentarem em público e de serem remuneradas, com exceção das cantoras de óperas
estrangeiras e, mais tarde, das cantoras do Teatro de Revista. As moças de conservatório
tinham pouco contato com “a música ligeira” ou “popular”, que chegava à sala de
visitas pelas mãos dos “pianeiros”, pela compra de alguma partitura, pelas melodias
ouvidas nas ruas ou pela freqüência aos teatros.
O perfil assemelhado das pianistas e compositoras dificultou a inserção destas
artistas no universo musical, a exemplo de Luiza Leonardo, cuja formação
exclusivamente “erudita” no piano foi um dos empecilhos para o prosseguimento de sua
carreira no Brasil. Entretanto, no início do século XX, é justamente este perfil o grande
trunfo das mulheres (Antonietta, Magda, Guiomar) na carreira de intérprete-pianista.
Não por acaso, Chiquinha Gonzaga é uma das poucas mulheres que conseguiu
trabalhar e sobreviver exclusivamente da música já no século XIX. Para isso, trilhou um
caminho masculino no universo da “música ligeira”, gênero musical considerado de
pouco valor artístico. Com o fim do casamento e das relações familiares, perdeu sua
posição social, não havia mais o que resguardar. Condenada socialmente, mergulhou no
meio que teve suas portas abertas pelo amigo Callado e, como ele, trabalhava tocando,
compondo, dando aulas etc.
A carreira de intérprete-pianista tornou-se uma opção de carreira no Brasil
apenas no início do século XX, para a “geração dos contemporâneos”, em razão da
consolidação do ensino do piano, da ascensão do concerto solo do piano, da
emancipação do intérprete do compositor e da vinda de inúmeros pianistas estrangeiros
que ajudaram a difundir a prática do concerto. Tal carreira se desenvolveu em meio ao
57
Podemos dizer, nos termos de Mariza Corrêa (2003), que Joanídia passou à
história como “um personagem menor”. A autora, ao estudar personagens femininas que
ocuparam posições de poder no cenário acadêmico das primeiras décadas do século 20,
deparou-se com fato semelhante. Suas personagens Leolinda Daltro, Emília Snethlage e
Heloísa Alberto Torres passaram à história da antropologia como “figuras de corredor”,
lembradas não pelos trabalhos que desenvolveram ao longo de suas carreiras, mas pelas
“histórias picantes”. Como ela, entendemos que essas histórias ajudam “a explicar mais
os personagens que as contam do que as personagens que as motiva.” (p.17).
Do ponto de vista institucional, Joanídia foi uma figura preeminente: foi a
primeira mulher a se tornar diretora da escola de música e, mais tarde, a primeira reitora
da universidade na década de 1960. A despeito da centralidade de sua posição
institucional, a trajetória de Joanídia Sodré não foi objeto de análises ou biografias. É
curioso que hoje ela seja lembrada pelas tais “histórias picantes” sobre sua vida pessoal
quando entre os documentos examinados, há poucos vestígios sobre a esfera íntima e/ou
familiar da maestrina. Não encontramos nenhum documento autobiográfico, relatos ou
lembranças; nem mesmos fotos de cenas íntimas ou cartas trocadas entre ela e Carlos
Anes. O acervo de documentos se refere exclusivamente à sua vida profissional:
recortes de jornais, fotos, processos judiciários, programas de concertos, cadernos de
música, partituras, entre outros. É na fase como diretora que encontramos os poucos
manuscritos e correspondências nos quais Joanídia aparece em primeira pessoa
respondendo, solicitando, despachando, cobrando, organizando, negociando, recebendo
pedidos de apoio etc.
Em meio a tantas fontes diversas, cabe destacar o único momento em que
Joanídia revê sua trajetória, organizando o passado em razão do presente, isto é, do seu
retorno ao Brasil como maestrina. Estamos nos referindo ao Ligeiro Esboço Biográfico
da Novel Regente Joanídia Sodré, escrito por Ascendino Dantes e publicado em junho
de 1930. Tudo indica que se trata de um trabalho encomendado pela própria Joanídia ou
por seus pais. Na época da publicação, Joanídia retornava ao Brasil depois de três anos
de estudos na Alemanha, às vésperas de sua estréia como regente no Teatro Municipal
do Rio de Janeiro. Embora o trabalho seja marcado pelo tom economiástico, ele é
importante porque a imagem apresentada é, ao mesmo tempo, aquela que é projetada
pelo biógrafo em razão do que ele acreditava ser condizente com a posição ocupada por
ela naquele momento; e, por ser um trabalho encomendado por ela, é também a imagem
que a própria Joanídia projetava de si enquanto artista.
61
Joanídia Sodré nasceu em 1903, na cidade de Porto Alegre, sendo filha única de
João Sodré Filho e Leonídia Nunes Sodré; pai dentista e mãe dona de casa. Quando a
família se transferiu do sul do País para o estado do Rio de Janeiro, Joanídia era uma
criança de cinco ou seis anos de idade. Primeiro, foram morar na cidade de Campos e,
por volta de 1911, em Niterói, capital fluminense, situada próxima ao Rio de Janeiro,
capital do país, pólo cultural que atraía artistas de todo o país, sobretudo os músicos
interessados em estudar no prestigiado Instituto Nacional de Música, como vimos no
capítulo anterior.
Com a família morando próximo à capital federal, João Sodré encontrou
condições favoráveis tanto para se instalar e trabalhar no seu consultório dentário
quanto para garantir os estudos regulares e musicais de Joanídia, realizados,
respectivamente, em casa com professores particulares e no Instituto Nacional de
Música. Joanídia teve todo o apoio dos pais para desenvolver sua vocação musical,
assim como os intérpretes-pianistas tratados no primeiro capítulo. Seus progenitores
tiveram grande participação no surgimento do seu interesse pela música: foi com sua
mãe, Leonídia, que desde muito cedo aprendeu a tocar o piano.
Ainda em Porto Alegre, em 1908, às vésperas de completar cinco anos de idade,
João e Leonídia organizaram uma audição em sua casa à qual estava presente o
jornalista da Gazeta do Comércio. Não sabemos ao certo se ele foi convidado ou se
estavam presentes outros jornalistas, mas o fato é que a decisão dos pais de apresentá-la
à imprensa em um concerto “íntimo” foi uma maneira de tornar pública a vocação
musical de Joanídia, significando sua introdução no meio musical.
Como dissemos no capítulo anterior, a imprensa escrita era a principal forma de
registro e divulgação de um evento artístico, ou seja, ter o nome nos jornais era a forma
mais eficaz para tornar-se um artista conhecido e reconhecido antes do advento de
outras mídias e da gravação. Desta forma, os jornais produziam em suas manchetes um
imaginário rico e diverso sobre a figura do artista e das práticas musicais, no interior do
qual se destaca a figura do “gênio”, que será também projetada sobre Joanídia pelos
jornais na ocasião de suas primeiras apresentações.
62
construídos em relação ao gênero, daí o uso dos adjetivos “delicada”, “graciosa”; das
metáforas das mãos como “borboletas”, da tecla do piano como “pétalas de lírios” e do
tocar como “carícias”, todos se referindo a características, objetos e ações considerados
femininos.
O relato do crítico sobre a apresentação de Joanídia mostra que a percepção do
ato de tocar é indissociável da apreensão do corpo e do instrumento produzidos em
conformidade com a expressão de um “feminino”. Entretanto, se o corpo, a ação e o
objeto são coerentes com a expressão do “feminino”, a figura do gênio, ao contrário,
parece não se conformar ao “feminino” e vice – versa, o que pode ser observado no
esforço, um tanto confuso, de produzir “o gênio” no “feminino” em oposição ao “gênio”
“masculino”: Joanídia não é um gênio “indiferente de asas robustas”, ela é “um gênio”,
porém diverso porque toca com “sentimentos” e “doçura”, tem imaginação e sonha.
A segunda apresentação de Joanídia aconteceu na cidade de Campos em 1909,
em um evento beneficente organizado pelo jornal O Tempo, em favor do abolicionista
Pedro Albertino Dias de Araújo. No trecho a seguir, vemos que Joanídia era uma
criança como outra qualquer, alheia à complexidade dos acontecimentos à sua volta,
mas que já compreendia o significado de tocar piano:
“(...) fomos procurar o seu ilustre pai e solicitamos dele que permitisse
que sua filha tomasse parte no próximo festival de domingo em
benefício do grande e velho abolicionista cego Pedro Albertino...” (...)
“O Dr. Sodré, que é um cavalheiro amável e distintíssimo, de uma
bondade rara, como se tratasse de uma bela festa de caridade, não
hesitou um momento; e graças a ele e a sua exma. gentilíssima
senhora, a festa de Pedro Albertino vai ter um concerto todo especial.
Joanídia não compreendeu e percebeu apenas que ia tocar em
alguma parte.” [grifos meus]50
50
Fonte: O tempo. Campos, 23 jun. 1909. Ibidem.
64
Imagine qual não seria o tamanho da frustração da platéia, caso Joanídia não se
apresentasse? E isto quase aconteceu, a menina adoeceu na véspera da apresentação;
mesmo assim, Joanídia apresentou-se mostrando que suas apresentações ao piano não
eram tratadas pelos pais como uma brincadeira, ao contrário, já implicavam a noção de
compromisso e “sacrifício”:
51
Fonte: Recorte de jornal sem título e data. Ibidem.
52
Fonte: O Tempo. Campos, 28 jun. 1909. Ibidem.
65
53
Fonte: Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 14 out. 1909. Ibidem.
67
54
Fonte: O Paiz . Rio de Janeiro, 15 out. 1909. Ibidem
55
Fonte: Gazeta do Povo. Campos, 18 fev. 1910. Ibidem.
68
56
Fonte: Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 15 out. 1909. Ibidem.
57
Estes são os compositores mais encontrados no Programa de piano de 1912 do Instituto Nacional de
Música, ou seja, no repertório musical programado para o estudo do piano do primeiro até nono ano de
curso; impresso na capa e na contracapa dos cadernos de estudos de música de Joanídia Sodré.
69
1921, mas permaneceu na escola em razão do curso de composição cujo diploma obteve
em 1924. Segundo Dantas (1930), Joanídia tinha um carinho especial por Nepomuceno,
a ele atribuía um papel de destaque em sua formação musical. Ao longo de sua carreira,
cultivou o hábito de incluir a obra do compositor nos programas de concerto que regeu
ou tocou.
A foto a seguir ilustra a relação assimétrica e próxima entre o professor e aluna:
Nepomuceno de cabelos desalinhados e de barba está sentado de modo relaxado, com os
braços apoiados na cadeira. Situado em diagonal ao piano e à aluna, seus olhos
acompanham atentamente a partitura executada por Joanídia. Em contraposição,
Joanídia apresenta uma postura rígida e estática; pés e braços alinhados de modo
simétrico. Apenas as mãos movimentam-se sobre o piano, as costas permanecendo
afastadas do encosto da cadeira. Um dos pés está apoiado no chão enquanto o outro
aciona, com a ponta, o pedal. Com os olhos fixos na partitura, Joanídia mostra-se
absolutamente concentrada na execução, postura de aluna disciplinada e estudiosa.
Entre 13 e 21 anos, Joanídia formou-se em diversos cursos que lhe deram ampla
formação musical: teoria e teclado em março de 1916; harmonia em dezembro de 1918;
70
58
Fonte: Apelação Cível contra União Federal. Rio de Janeiro, 1934. Ibidem.
59
Fonte: Caderno de Música de Joanídia Sodré. “Aula de Contraponto”, 1920. Ibidem.
60
Compositor e pianista nascido no Maranhão, foi aluno de piano do INM, diplomando-se com medalha
de ouro. Ganhou bolsa de estudos do seu estado natal para estudar na Europa. Foi professor do INM e
crítico musical de três jornais cariocas: O Globo, O Jornal e Diário Carioca (CACCIATORE, 2005,
p.319).
61
Fonte: Dantas, Luiz Ascendino. Ligeiro Esboço Biográfico da Novel Regente: Homenagem ao
Instituto Nacional de Música. Rio de Janeiro, 1930 p. 15-17. Ibidem.
71
62
Na cadeira de piano são seis professores para duas professoras; na cadeira de violino, são três
professores e apenas uma professora, Paulina D’Ambrosio.
72
(...) estará aberta na secretaria deste instituto, pelo prazo de trinta dias,
a contar de 19 do corrente, a inscrição ao concurso para prêmio de
viagem ao estrangeiro, para os discípulos do estabelecimento
diplomados no concurso de composição.
63
Fonte: Brasil. Diário Oficial. Rio de Janeiro, 18 de mai. de 1927. Biblioteca Alberto Nepomuceno.
Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
73
bens culturais). De modo que estudar música no INM e dominar outro idioma eram bens
simbólicos acessíveis a poucos.
Joanídia, que seguia sua carreira como professora, decidiu participar da
competição. Se a condição de professora do INM, por si só, já a colocava em uma
posição privilegiada em relação aos demais concorrentes, é preciso dizer que, desde sua
formatura no curso de composição em 1924, não se destacava como compositora, fato
comprovado pela inexistência de obras neste período.
Das inscrições à divulgação do ganhador, o concurso foi cercado por celeumas
de grande repercussão que ocuparam as páginas dos principais jornais da cidade. O
primeiro fato envolveu o compositor Antônio Assis Republicano (1897-1960) – negro,
conterrâneo e colega de turma de Joanídia Sodré (ambos alunos da turma de
composição de Francisco Braga e diplomados em 1924). Assis Republicano era um
compositor conhecido no Rio de Janeiro. Em 1925, sua ópera O Bandeirante foi
encenada no Teatro Municipal da cidade na fase áurea das temporadas de ópera64; em
1926, regeu um concerto de obras suas no Teatro Lírico65.
Joanídia e Assis Republicano foram os únicos inscritos na competição que se
tornou manchete de jornais quando foi descoberto que Republicano tinha mais de 30
anos e havia falsificado sua certidão de nascimento para tomar parte no concurso. A
justiça interveio, impedindo a participação do compositor. Tal decisão acabou
beneficiando Joanídia, que concorreu sozinha ao prêmio. Em conseqüência, houve
divergências entre os professores do INM, pois muitos não concordaram com a decisão
judicial que afastou Assis Republicano da disputa, por entenderem que Joanídia, na
condição de professora da instituição, tampouco poderia participar da disputa. Alguns
professores, tais como Luiz Amábile, se recusaram a participar do júri. Sua carta de
recusa foi publicada no jornal A Noite em 5 de setembro de 1927:
64
Entre 1913 e 1926, na gestão do empresário Walter Mocchi, as temporadas de ópera foram patrocinadas
pela Prefeitura do Rio de Janeiro (AZEVEDO, 1950, p. 210 e 211).
65
Assis Republicano diplomou-se em fagote no INM em 1920, obtendo medalha de ouro. Em 1921, seu
poema sinfônico intitulado Ubirajara foi executado pela Sociedade de Concertos Sinfônicos. Em 1930,
foi nomeado professor de contraponto e fuga no Conservatório Mineiro de Música de Belo Horizonte,
mais tarde, tornou-se professor do INM (CACCIATORE 2005, p.32 e 33).
74
66
Fonte: Amábile, Luiz. “As questões que agitam o Instituto Nacional de Música - Um concurso que não
se realiza por falta de comissão julgadora.” A Noite, Rio de Janeiro, 5 set. 1927. Ibidem.
67
Fonte: Petição: Joanídia solicitando ao Ministro da justiça o direito de se defender. Rio de Janeiro, 24
out. 1927. Ibidem.
75
68
Fonte: Idem.
69
Foi um jornalista, poeta e escritor, membro da Academia Brasileira de Letras. Pertenceu ao grupo de
poetas boêmios tais como: Olavo Bilac, Guimarães Passos, entre outros.
76
70
Fonte: Dantas, Luiz Acendino. Ligeiro Esboço Biográfico da Novel Regente: Homenagem ao
Instituto Nacional de Música. Rio de Janeiro, 1930. Ibidem.
71
Esta informação foi concedida por: Nirenberg, Jacques. Entrevista concedida a Dalila Vasconcellos de
Carvalho. Rio de Janeiro, 20 nov. 2009.
72
Fonte: Programa de Concerto regido por Joanídia Sodré na Alemanha, 27 mar. 1930. Biblioteca Alberto
Nepomuceno. Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
78
73
Fonte: O Fluminense, Niterói, 18 jul. 1930. Biblioteca Alberto Nepomuceno. Escola de Música da
Universidade Federal do Rio de Janeiro.
74
Fonte: Diário de Noticias. Rio de Janeiro, 18 jul. 1930. Ibidem.
75
Como já dissemos no primeiro capítulo, foi nesta orquestra que Villa-Lobos trabalhou como
violoncelista e fez sua estréia como compositor.
76
Francisco Nunes deixou a Sociedade em 1925, quando foi organizar e dirigir o Conservatório Mineiro
de Música de Belo Horizonte (CACCIATORE 2005, p.319).
77
Francisco Braga deixou o posto em 1933, sendo substituído por Henrique Spedini (?- ?), que ficou no
cargo até se aposentar em 1954 (Idem, p.518).
80
Se não era comum o surgimento de regentes, menos ainda de “uma regente”. Isto
quer dizer que, ao ocupar a posição de maestro, Joanídia estava, aos olhos dos críticos,
postulando uma posição masculina. Sua ambição masculina de glórias é vista como
positiva desde que submetida aos papéis de esposa e mãe:
78
Fonte: Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 19 jul. 1930. Biblioteca Alberto Nepomuceno. Escola de
Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
79
Fonte: Gonçalvez, Armando. Correio Fluminense. Niterói, 27 jul. 1930. Ibidem.
82
80
Fonte: Nunes, João. O Globo. Rio de Janeiro, 18 jul. 1930. Ibidem.
83
sua análise sobre o gestual de Joanídia para avaliar a expressividade de sua mímica
corporal observamos que há um julgamento que extrapola as qualidades técnicas e
artísticas e remete a certa moralidade do corpo feminino.
Imbassahy estava entre os críticos receosos das capacidades de Joanídia, não
pelo fato de ela ser mulher, mas por considerar sua formação musical, em composição,
insuficiente para o exercício da função de regente. Para isso, apresenta o exemplo do
músico italiano Arturo Toscanini (1867-1957)81, na época, regente principal da
Orquestra Filarmônica de Nova York, que se dedicava exclusivamente à carreira de
maestro; e do músico francês Hector Berlioz (1803-1869), que, mesmo sendo um
grande compositor, sentiu dificuldades em reger a própria obra:
“Confesso que não foi sem uma certa dose de prevenção que me
apresentei anteontem no Municipal, para assistir ao concerto sinfônico
que, em vesperal, ia ser dirigido pela sra. Joanídia Sodré,
recentemente chegada da Europa, para onde fora no intuito de se
aperfeiçoar, segundo ouvi, em seus estudos de composição. (...) Para
que um musicista seja considerado um bom diretor de orquestra, não
basta saber, mesmo profundamente, as regras de composição e
harmonia, nem ensinar sua profissão: não são raros os operistas
que não sabem dirigir a orquestra de sua música. Quase não existe
compositor de ópera, ou de qualquer música de fôlego, como a
sinfonia bem elaborada, cuja batuta não se curve à de Toscanini
que, aliás, não me consta tenha escrito qualquer coisa de valia nesse
gênero. Berlioz nas suas Memórias (...) confessa, falando da execução
de uma missa sua (...) em Paris, [que] não possuía requisitos
necessários quando teve que dirigir a orquestra e os coros do
Odéon, para fazer ouvir esse seu trabalho musical.
(...) dizia ele: sai- me muito regularmente; que bem longe estava eu de
possuir as mil qualidades de precisão, de sutileza, de calor, de
sensibilidade e sangue frio, unidos a um instinto indefinível, que
constituem o talento do verdadeiro chefe de orquestra, sendo-me
preciso tempo, exercícios e reflexões para adquirir algumas.” [grifos
meus]82
81
Hoje, é considerado um dos principais maestros do século XX.
82
Fonte: Imbassahy, Arthur. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 19 jul. 1930. Ibidem.
84
83
Fonte: Idem.
84
Fonte: Idem.
85
Apesar de ter sido encorajada pela crítica, Joanídia só volta a conduzir uma
orquestra no ano seguinte, em 1931. Neste ano, regeu três concertos: um organizado em
comemoração à independência política do Uruguai, com a presença do presidente
Getúlio Vargas e do ministro plenipotenciário do Uruguai, e os outros dois organizados
85
Fonte: Diário da Noite. Rio de Janeiro, 18 jul. 1930. Biblioteca Alberto Nepomuceno. Escola de
Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
86
Fonte: Diário de Notícias. Rio de Janeiro, 18 jul. 1930. Ibidem.
86
87
Fonte: Imbassahy, Arthur. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 5 mai. 1931. Ibidem.
88
Filho do compositor Alfredo Bevilacqua, foi aluno e professor do INM e membro fundador da
Academia Brasileira de Música. Como crítico musical trabalhou no jornal O Globo desde a sua fundação
(Cacciatore 2005, p.56, 57).
87
89
Fonte: Bevilacqua, Octavio.O Globo. Rio de Janeiro, 05 mai. 1931. Biblioteca Alberto Nepomuceno.
Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
90
Fonte: Bevilacqua, Octavio. O Globo. Rio de Janeiro, 30 jun. 1931. Ibidem.
88
91
Fonte: Apelação Cível contra a União Federal. Rio de Janeiro, 1934. Ibidem.
89
O concerto realizado em 1935 foi organizado por uma empresa que então surgia
no cenário, a Empresa Artística Teatral, mas a iniciativa comemorada pelos críticos não
92
Compositor e crítico musical nascido no Paraná, filho do compositor Brasílio Itiberê da Cunha (1846-
1913) (CACCIATORE, 2005, p. 118).
93
Fonte: Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 6 out. 1934. Biblioteca Alberto Nepomuceno. Escola de
Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
90
94
Fonte: Bevilacqua, Octavio. O Globo. Rio de Janeiro, 10 jun. 1935. Ibidem.
91
Segundo João Itiberê da Cunha (JIC), Joanídia se impõe como regente no meio
musical por meio das suas qualidades artísticas e pessoais somadas ao seu trabalho
persistente, e não por ser mulher. Curiosamente, o crítico prefere tratá-la como
“professora”, ao invés de “maestrina”, mais condizente talvez com a atuação
profissional que acabara de ressaltar. Se o título de “professora” é significativo do ponto
de vista institucional, da perspectiva do renome artístico, o de maestrina é muito mais
importante, sobretudo para a própria Joanídia:
95
Fonte: D’Alva, Oscar. O Globo. Rio de Janeiro, 24 out. 1938. Ibidem.
96
Fonte: Cunha, João Itiberê da. “Concerto Sinfônico da Escola Nacional de Música.” Correio da Manhã.
Rio de Janeiro, 21 out. 1938. Ibidem.
92
“Ela provou ser uma criatura ardilosa, por causa disso, ninguém
gostava dela. Eu digo ninguém porque você pode ter visto, conversado
com as pessoas, e essas pessoas não conheceram Joanídia, ouviram
falar. Poucas pessoas conheciam dona Joanídia. As que conheciam,
conheciam por alguma negativa que ela fizesse, porque ela não se
deixava levar na lábia. Ou ela gostava da pessoa ou não, então não
adiantava nada você trazer diploma da Sourbonne ou diploma de
97
Jacques Nirenberg, nascido no Rio de Janeiro em 1923, foi músico, médico psiquiátrico e professor de
música de câmara na Escola de Música da UFRJ. Foi aluno de violino da professora Paulina D’Ambrósio
e membro do Quarteto Oficial da Escola de Música e membro da Academia Nacional de Música. Jacques
teve uma relação profissional e de amizade com Joanídia Sodré, sendo seu amigo pessoal.
94
Harvard, não adiantava nada, nada. Ela não queria saber disso. Ela
queria uma pessoa que pudesse ajudá-la na administração da escola.”98
Outro episódio que diz muito sobre a personalidade da diretora foi a conquista
de uma reivindicação antiga, a troca do antigo órgão doado por Leopoldo Miguéz em
1890 (levado para a capela da Universidade do Brasil) pelo novo órgão encomendado
na fábrica Giovanni Tamburini da Itália, inaugurado em 13 de agosto de 1954. Logo
que assumiu a direção da escola, Joanídia envolveu-se na realização deste projeto. A
princípio, a diretora pretendia apenas reformar o antigo órgão, mas devido aos custos
elevados da reforma, passou a considerar a possibilidade de comprar um novo,
empreendimento financeiro vultuoso que jamais teria sido concretizado se a diretora não
tivesse conquistado o apoio do reitor da universidade, Pedro Calmon, e do vice,
Deolindo Couto (PAOLA; BUENO, 1998, p.90).
Se, no âmbito da universidade, Joanídia conduzia com diplomacia suas relações,
fora dela, o relacionamento, sobretudo com os críticos, não era lá muito amistoso; ao
contrário, eles rejeitavam a diretora da escola que, por sua vez, menosprezava o papel
da imprensa, como podemos observar em outro trecho do depoimento de Nirenberg:
98
Fonte: Nirenberg, Jacques. Entrevista concedida a Dalila Vasconcellos de Carvalho. Rio de Janeiro, 20,
nov. 2009.
99
Idem.
95
artistas, críticos, compositores e intérpretes que estavam fora da Escola e não pelos
professores da instituição que tinham acabado de reelegê-la para mais um mandato.
Por meio de uma carta dirigida ao presidente Café Filho, o grupo pede a saída de
Joanídia da direção da escola de música, colocando em suspeita o processo eleitoral e
acusando-a de proteger o compositor Carlos Anes. Dos vinte e cinco signatários, quinze
declaram-se membros da Academia Brasileira de Música. O primeiro a assinar a carta é
o compositor Villa-Lobos. Dentre os demais, destacamos os críticos Andrade Muricy
(Jornal do Comércio), Renzo Massarani (Jornal do Brasil), Eurico Nogueira França
(Correio da Manhã), os compositores Helza Camêu, Alceu Bocchino, Cláudio Santoro,
Jayme Ovale, Frutuoso Vianna. Assinou também: Odina Dantas (Diário de Notícias), o
compositor Camargo Guarnieri (então no Departamento de Cultura do Estado de São
Paulo), o escritor Manuel Bandeira, Luiz Gonzaga Botelho (Sociedade Cultura Artística
de São Paulo), entre outros 100..
A Academia Brasileira de Música, fundada em 1945 por Villa-Lobos, tinha
como objetivo reunir as personalidades do universo musical: compositores, intérpretes e
musicólogos. Na época de sua fundação, o projeto educacional dirigido por Villa-Lobos
no período Vargas encontrava-se já implementado; o compositor deixara a chefia do
SEMA (Superintendência da Educação Musica e Artística) permanecendo na direção do
Conservatório Nacional de Canto Orfeônico, criado em 1942 (GUÉRIOS, 2007, p.198).
Curioso é notar que, na carta, Villa-Lobos se apresentou primeiro, como membro do
Instituto da França101 (estabelecimento francês que inspirou a criação da Academia) e
depois, como presidente da ABM.
Apresentamos abaixo o trecho que inicia o manifesto contra Joanídia. Nele
podemos observar aspectos do contexto da disputa; primeiro, nota-se que a “música
nacional” é a expressão do potencial da nação, o que situa o País ao lado dos países
“civilizados”. Disso resulta a importância da Escola de Música no encaminhamento
profissional deste “dom da natureza”, isto é, a tradição no ensino musical estaria sendo
deixada de lado pela “direção da escola”:
100
Fonte: Carta Manifesto contrário a Joanídia Sodré ao Exmo. Presidente da República. Rio de Janeiro, 3
dez. 1954. Biblioteca Alberto Nepomuceno. Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
101
É uma instituição francesa de 1795 que reúne as cinco grandes academias francesas: L' Académie
Française, L'Académie des Inscriptions et Belles-Lettres, L'Académie des Sciences, L'Académie des
Beaux-Arts, L'Académie des Sciences Morales et Politiques. Fonte: Institut de France. Disponível em:
http://www.institut-de-france.fr. Acessado em 2 ago. 2010.
96
102
Fonte: Carta Manifesto contrário a Joanídia Sodré ao Exmo. Presidente da República. Rio de Janeiro, 3
dez. 1954. Biblioteca Alberto Nepomuceno. Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
97
103
Fonte: Idem.
98
104
Lembremos, por exemplo, a figura de Leopoldo Miguéz, outro diretor tão contradito quanto ela pela
sua atuação “ditatorial” (Pereira 2007, p. 69), mas cujos méritos administrativos são referendados até hoje
pela historiografia musical.
99
105
Fonte: Nirenberg, Jacques. Entrevista concedida a Dalila Vasconcellos de Carvalho. Rio de Janeiro, 20
nov. 2009.
100
Uma leitura desatenta deste conflito pode levar a pensar que se trata apenas de
compositores ofendidos em sua vaidade, preteridos pela diretora em favor de um
compositor menor. Porém, estamos diante de um embate pela hegemonia no campo
musical, no qual Joanídia ocupa uma posição privilegiada do ponto de vista
106
Fonte: “Façam concurso e ingressem na congregação da escola, se querem influir na sua vida.” O
Jornal, Rio de Janeiro, 10 dez. 1954. Biblioteca Alberto Nepomuceno. Escola de Música da Universidade
Federal do Rio de Janeiro.
107
Fonte: Abaixo-assinado em defesa de Joanídia dos professores da Escola Nacional de Música. Rio de
Janeiro, 12 dez. 1954. Ibidem.
101
CAMÊU
As palavras acima revelam a imagem que Helza Camêu fazia de si: considerava-
se uma compositora fracassada. Se, no capítulo anterior, o perfil da maestrina Joanídia
Sodré foi construído a partir das imagens projetadas sobre ela, neste capítulo é a auto-
imagem de Helza que orienta a análise. Este sentimento é reiterado em um conjunto de
fontes em que ela fala sobre si mesma: nas duas entrevistas que concedeu, nas suas
correspondências, na análise que fez sobre a trajetória de Bidu Sayão e Guiomar
Novaes.
Helza desempenhou vários papéis: pianista, compositora e musicóloga tendo
sido premiada em todos eles. Conquistou a medalha de ouro em piano em 1920 no INM,
foi premiada como compositora duas vezes em 1936 e 1943 e, por fim, em 1977, seu
livro Introdução ao Estudo da Música Indígena Brasileira recebeu o Prêmio Especial
da Caixa Econômica Federal, conferido à melhor interpretação da cultura brasileira.
Assim, podemos dizer que ela era uma artista multifacetada que foi capaz de
tocar, compor e escrever, produzindo uma obra profícua. Curiosamente, porém, Helza
em nenhum momento valoriza seu perfil múltiplo e “masculino”, ao contrário, vê na
diversidade das atividades que realizou o sinal do fracasso como compositora. Neste
sentido, pretendemos compreender sua própria noção de “fracasso” analisando as
inúmeras direções e sentidos que constituem seu percurso singular entre o ofício
musical e a pesquisa musicológica, entre a prática musical e a escrita. Começando pelo
seu interesse musical, o modo como este foi acolhido no ambiente familiar –
principalmente pelo pai; por que motivos Helza desistiu da carreira de pianista; as
108
Camêu, Helza. Depoimento à posteridade. Rio de Janeiro, 16 mar. 1977. Museu da Imagem e do Som
do Rio de Janeiro.
103
109
Helza Camêu foi entrevistada por Aloysio de Alencar Pinto (pianista, compositor, folclorista);
Mercedes Reis Pequeno (professora e bibliotecária); Cleofe Person de Matos (musicóloga, regente de
coral e professora); Maria Sylvia Pinto (cantora e principal intérprete da compositora); Eurico Nogueira
França (crítico e musicólogo); Adhemar Alves Nóbrega (musicólogo)e por João Vicente Salgueiro,
diretor do Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro.
104
amarela (DUTRA, 2001, p.8). Em 1910, Graziela faleceu aos 12 anos de idade. Helza
tornou-se assim filha única tendo toda a atenção dos pais voltada para si.
Se os primeiros anos de sua infância foram marcados pelo sofrimento gerado
pela perda dos cinco irmãos, eles significaram também a descoberta da música. Helza
guarda muitas recordações dessa fase, como revela em carta escrita a Andrade Muricy
em 1961. Foi observando as aulas de piano da irmã mais velha, Graziela, que ela se
interessou pelo piano, iniciando-se no instrumento aos sete anos, com a mesma
professora da irmã, a alemã Paula Ballariny.
110
Fonte: Camêu, Helza. Depoimento à posteridade. Rio de Janeiro, 16 mar. 1977. Museu da Imagem e
do Som do Rio de Janeiro.
105
“Em casa, meu pai gostava muito de música, tinha uma pianola, só
tinha peças clássicas, de criança, ouvia Beethoven, Mendelssohn,
Sonho de uma noite de verão. Dormia ouvindo Sonho de uma noite de
verão! (...) Ah! Mas tinha A Sertaneja! Interessante! (...) Mais fora
disto, o que eu me habituei a ouvir foi isso.”114
111
Fonte: Idem.
112
As obras de Francolino não foram consultadas.
113
Fonte: Correia, Julieta. Manuscrito. Rio de Janeiro, 2 de abr. 2000.
114
Fonte: Camêu, Helza. Depoimento à posteridade. Rio de Janeiro, 16 mar. 1977. Museu da Imagem e
do Som do Rio de Janeiro.
115
Fonte: Camêu, Helza. Entrevista à Lauro Gomes na Rádio MEC. Rio de Janeiro, 1991.(cópia cedida
pela pesquisadora Luciana Dutra).
106
Helza, que já havia concluído seus estudos regulares no colégio Pedro II,
instituição de ensino prestigiada na época, ingressou, em 1920, no Instituto Nacional de
Música para obter o diploma. Devido às aulas particulares que fizera desde 1910, em
apenas um ano se formou na instituição, não precisando cursar os nove anos exigidos
para o curso de piano. Com a morte de Alberto Nepomuceno, assumiu a classe de piano
João Nunes (1877-1951)116. No trecho abaixo, podemos observar como a relação entre
professor e aluno nem sempre se estabelece de maneira fácil, exigindo um esforço de
adaptação de ambos os lados; mas, ao começo difícil, seguiu-se uma relação de
cumplicidade:
“Eu já escrevi sobre isso e foi um pouquinho penoso para mim porque
eu senti o choque entre os dois temperamentos. O Nepomuceno era
uma criatura extremamente extrovertida, muito, como dizer, muito
animado, muito (...). O outro [João Nunes] era o contrário, uma
criatura muito retraída, ele deixava sempre uma grande diferença entre
o aluno e ele, de maneira que eu senti esse choque muito grande. (...)
Você sentia que não havia aquela aproximação do professor e aluno,
não havia. Havia uma grande distância. Felizmente, eu fui muito feliz
até o final do ano porque depois, ele modificou-se, mas na hora, eu
senti essa diferença que foi muito brusca, a diferença entre os dois,
porque o Nepomuceno era uma criatura que dava sua personalidade,
seu entusiasmo, o outro, guardava muito e fazia sempre muita
restrição e nem sempre oportunamente. Infelizmente, eu sou obrigada
a dizer isso porque eu não gosto de dividir o que eu não sinto.”117
No final de 1920, Helza passou pelos exames finais com distinção, sendo por
isso convidada a participar do concurso a prêmio promovido pelo INM para os melhores
alunos de flauta, violino, canto, harpa e piano. Para cada instrumento havia uma banca
de jurados e um repertório exigido. O júri de piano foi composto entre outros, por Oscar
Guanabarino (1851-1937), crítico musical do Jornal do Comercio, pelo professor
Francisco Braga (1868-1945), e pelo pianista e compositor Ernani Braga (1888-1948).
Uma análise detida do programa do concurso mostra que somente no piano há
alunos concorrendo ao prêmio. Na flauta, no violino, no canto e na harpa, apenas
alunas, o que indica uma maioria de mulheres. Helza concorreu com 11 candidatos: três
homens e nove mulheres. Curiosamente, para o piano há uma distinção entre alunos e
116
Fonte: Camêu, Helza. Depoimento à posteridade. Rio de Janeiro, 16 mar. 1977. Museu da Imagem e
do Som do Rio de Janeiro.
117
Fonte: Idem.
107
alunas, isto é, exige-se uma peça diferente para cada grupo. Para as moças, a Balada
op.24 de Grieg e para os rapazes, Variações Sérias op. 54 de Mendelssohn.
Não era um recurso para avaliar alunos em níveis diferentes já que as duas obras
faziam parte do repertório exigido para alunos do último ano do curso de piano do INM.
Então, por que avaliar homens e mulheres separadamente? Como vimos no capítulo
anterior, a percepção do ato de tocar é indissociável da apreensão do corpo e do
instrumento (objeto), logo que o pianista, ao tocar, performatiza expectativas diversas
sobre o “feminino” e o “masculino”.
Agraciada com a medalha de ouro, Helza podia concorrer à bolsa de estudos no
exterior, também concedida pelo Instituto Nacional de Música: o sonho e a ambição de
muitos musicistas, como discutimos no primeiro capítulo. Entretanto, ela nem sequer
cogitou a possibilidade em função de sua família:
118
Fonte: Idem.
108
música. Este fato marca o início da luta que travaria com o pai para seguir sua carreira
profissional. Francolino não queria que a filha trabalhasse, mas permitiu que aceitasse o
emprego desde que ele fosse levá-la e buscá-la diariamente na porta do colégio, atitude
que desagradava profundamente a jovem professora (DUTRA, 2001, p.15).
Entre a formatura no INM e o primeiro recital de piano, foram três anos de
estudos. João Nunes prepara-a para o primeiro recital, vislumbrando uma carreira de
intérprete-pianista para a pupila. A confiança do mestre na qualidade e na competência
de Helza pode ser observada no exame detalhado do programa de audição de suas cinco
alunas de piano, realizada em 22 de agosto de 1923, no Salão Nobre do INM. O nome
de Helza é destacado no programa pela seguinte informação: “1º prêmio de piano do
Instituto Nacional de Música”. Helza encerrou o programa tocando parte do repertório
que então preparava para o seu concerto solo, executando, inclusive, a peça
Marionnettes, composta por João Nunes e a ela dedicada. Além disso, Helza executou
uma peça considerada extremamente difícil: São Francisco de Paula caminhando sobre
as ondas de Liszt, executada em geral por virtuoses.
Seu primeiro concerto realiza-se dois meses depois, em 24 de outubro. O crítico
Oscar Guanabarino anunciou o evento no Jornal do Comercio:
119
Guanabarino, Oscar. “Teatros e Música”. Jornal do Comercio. Rio de Janeiro, 24 out. 1923. Divisão
de Música e Arquivo Sonoro, Fundação Biblioteca Nacional.
109
É interessante lembrar que Helza, aos 17 anos já havia passado (e bem) por uma
situação de igual ou maior grau de exigência, em que se apresentou em público,
concorrendo com outros candidatos e sob o julgamento de jurados: o concurso para
medalha de ouro em piano do Instituto Nacional de Música, em 1920. Na época, o
próprio Oscar Guanabarino concedeu-lhe o voto para medalha de ouro.
Em uma entrevista concedida por ela a Lauro Gomes em 1991, Helza fala mais
uma vez sobre estréia, mas agora, fazendo uma comparação entre as duas situações
dando novas pistas para compreender sua desistência:
120
Fonte: Camêu, H. [Carta] 27 fev. 1961, Rio de Janeiro [para] Muricy, A. Rio de Janeiro. Ibidem.
110
121
Fonte: Camêu, Helza. Entrevista à Lauro Gomes na Rádio MEC. Rio de Janeiro, 1991.(cópia cedida
pela pesquisadora Luciana Dutra).
122
Fonte: Camêu, Helza. Entrevista à Lauro Gomes na Rádio MEC. Rio de Janeiro, 1991.(cópia cedida
pela pesquisadora Luciana Dutra).
123
Completam os estudos particulares, o curso de história da música com Octavio Bevilacqua (1887-
1965), o de técnica do violoncelo com Newton Pádua (1894-1966) e de o técnica do violino com Paula
Ballariny. Fonte: Muricy, Andrade. Ficha dos Acadêmicos: Helza Camêu. Jornal do Comercio. Rio de
Janeiro, 1961. Academia Brasileira de Música.
111
Em seu depoimento, Helza mostra como a opinião dos críticos musicais ou dos
compositores renomados, como era o caso de Lorenzo Fernandez, é significativo para o
músico iniciante porque assinala sua aceitação ou não entre seus pares. Neste sentido, é
possível compreender por que Helza se tornou sua aluna particular de composição. A
auto-crítica, ainda que exacerbada, como é o caso de Helza, que “destruiu” as peças que
julgou “ruins”, não é suficiente para confirmar seu “talento”, apenas mostra seu
compromisso com a “arte”, sua busca pela “obra perfeita”.
O programa do concerto de 1934 foi dividido em duas partes: na primeira, foram
apresentadas duas canções: Cismando, sobre poema de Manuel Bethencourt, e
Cavalgada, poema de Raymundo Corrêa (1859-1911); duas peças para violino e piano:
Melodia e Scherzetto, um Prelúdio em mi bemol maior e um Estudo op. 19 n. 4 (sobre
fragmento de um canto indígena) para piano. Na segunda parte, duas peças para piano e
violino: Cantilena e Capricho sobre um canto popular. Para encerrar, uma peça para
piano e violoncelo: Meditação; e duas canções: A hora cinzenta, poema de Raul de
Leoni (1895-1926) e Oração ao sol, poema de Renato Travassos (1897-1960)125. Nestas
obras compostas entre 1928 e 1933, podemos observar que Helza manifesta sua
preferência pelos poemas de escritores contemporâneos e neo-simbolistas126.
A estréia de Helza como compositora recebeu a crítica de João Itiberê da Cunha
(JIC), publicada no jornal Correio da Manhã, que inicia seu texto elogiando a
compositora por ser “dotada”, isto é, prendada, tratando-a como uma principiante:
124
Fonte: Camêu, Helza. Depoimento à posteridade. Rio de Janeiro, 16 mar. 1977. Museu da Imagem e
do Som do Rio de Janeiro.
125
Fonte: Programa do “Concerto extraordinário – Composições de Helza Camêu”. Rio de Janeiro, 8 dez.
1934. Divisão de Música e Arquivo Sonoro, Fundação Biblioteca Nacional.
126
Segundo Dutra (2001), Helza escolheu para suas canções poemas de escritores neo-simbolistas cujas
obras se encaminhavam para o modernismo, e a obra de muitas escritoras e poetisas, entre as quais:
Florbela Espanca, Cecília Meireles, Helena Kolody, Ilka Maia, entre outras. (p.61)
112
Não parece exagerado afirmar que, enquanto os elogios feitos por JIC se referem
às qualidades pessoais de Helza (ele avalia seu comportamento “feminino”), a crítica
desfavorável se dirige à “compositora principiante”, reforçada pelo descaso do
comentador, que nem precisou assistir à segunda parte do concerto para fazer suas
considerações.
Em contraste com a crítica anterior, Octavio Bevilacqua fez observações mais
animadoras ao concerto, não exclusivamente em razão das qualidades musicais das
127
Fonte: Cunha, João Itiberê da. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 12 dez. 1934. Divisão de Música e
Arquivo Sonoro, Fundação Biblioteca Nacional.
128
Fonte: Idem.
113
obras, mas por se tratar de um fato incomum. Ironicamente, o crítico afirma que, a
despeito do “feminismo triunfante” e das mulheres serem a maioria entre os alunos nas
escolas de música, o surgimento de um “autor feminino” é ainda uma “coisa muito
rara”:
130
Nessa época, Iberê Grosso integrava o trio formado pelo violoncelista Oscar Borgerth e pelo pianista
espanhol Tomás Teran, que era professor do pianista Arnaldo Estrela então, iniciando sua carreira de
intérprete-pianista (Cacciatore 2005, p. 134,175 e 176).
131
Fonte: Cunha, João Itiberê da. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 24 set. 1936. Divisão de Música e
Arquivo Sonoro, Fundação Biblioteca Nacional.
132
Fonte: Idem.
115
1. Sentados (da esquerda para a direita): a cantora Ruth Corrêa, o compositor Lorenzo
Fernandez e Helza Camêu.
É de se notar que, pela primeira vez, sua linguagem pessoal é reconhecida. JIC
assinala uma das grandes qualidades da compositora: a criação de canções em que
melodia e poesia, música e texto, combinam-se formando uma unidade harmoniosa e
expressiva:
133
Fonte: Imbassahy, Arthur. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, sem data. Ibidem.
117
Segundo o crítico, sua obra é “moderna” porque está na fronteira, ou seja, não
acompanhava nem o nacionalismo, nem os movimentos vanguardistas da época, como o
dodecafonismo. Sua obra dialoga com o atonal e o politonal, com a incorporação de
melodias indígenas e com o impressionismo de Debussy de forma independente, sem
aderir a nenhum dogma.
Além da avaliação positiva dos críticos, outro sinal de reconhecimento de sua
obra foram os dois prêmios que conquistou como compositora. Em 1936, Helza se
inscreveu no concurso para quartetos e orquestra promovido pelo Departamento de
Cultura do Estado de São Paulo, dirigido por Mário de Andrade (1893-1945). Fez sua
inscrição assinando apenas as iniciais do seu nome: H.C. A compositora concorreu com
16 candidatos e recebeu o segundo lugar com o Quarteto em si maior. Vale notar que
apenas sua obra foi premiada, não houve primeiro nem terceiro lugares; somente duas
menções honrosas às obras do carioca Ernani Braga e do paulista Assuero Guarritano
(1889-1955).
Foi o próprio Mário de Andrade que escreveu à compositora, comunicando-a do
prêmio e da organização do “Concerto Público” no qual apresentaria sua obra. O
quarteto de Helza foi executado em primeira audição no Teatro Municipal de São Paulo,
no dia 10 de maio de 1937. Para a rápida viagem a São Paulo, visto que sua mãe estava
muito doente, além da companhia de Julieta, o pai exigiu que Helza (na ocasião com 34
anos), fosse acompanhada também pela pianista e amiga da família, a compositora
Amélia de Mesquita:
134
Fonte: Cunha, João Itiberê da. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 20 nov. 1943. Ibidem.
135
Fonte: Camêu, Helza. Depoimento à posteridade. Rio de Janeiro, 16 mar. 1977. Museu da Imagem e
do Som do Rio de Janeiro.
118
136
Fonte: Programa do “17º Concerto Público do Departamento Municipal de Cultura.” São Paulo, 10
abr. 1937. Divisão de Música e Arquivo Sonoro, Fundação Biblioteca Nacional.
137
Helza, antes de retornar ao Rio de Janeiro, solicitou a Mário a devolução das partituras do quarteto
premiado e do poema sinfônico Yara, que ela também havia inscrito no concurso para orquestra. Quando
enfim Mário mandou o pacote com as obras em questão pelo correio, ele foi extraviado. Helza ficou
extremamente preocupada, pois se tratava dos originais do poema sinfônico Yara, não havendo cópias.
Trocaram cartas até que o pacote fosse encontrado por acaso em um depósito do correio no Rio de
Janeiro. Helza não esperava que Mário mandasse as obras pelo correio e sim por uma pessoa de
confiança. Tendo confiado a devolução das obras a Mário de Andrade e não ao Departamento de Cultura,
a compositora se aborreceu com o tom impessoal das cartas do poeta ao tratar do assunto.
119
“Helza Camêu
138
Fonte: Camêu, H. [Carta] 30 ago. 1937, Rio de Janeiro [para] Andrade, M. São Paulo. Divisão de
Música e Arquivo Sonoro, Fundação Biblioteca Nacional.
120
Helza ainda insiste trocando mais duas cartas sobre o assunto, mas Mário não
oferece nada de concreto para a viabilização do concerto em São Paulo, que, de fato,
nunca aconteceu. Esse conjunto de cartas demonstra as dificuldades de Helza em se
fazer ouvir e, sobretudo, em executar obras que exigiam uma estrutura maior como
orquestra e coro. Observe-se que, no concerto de 1934, são apresentadas obras de
pequena escala: canções, prelúdios e peças de câmara. Assim, devido à falta de apoio do
Departamento de Cultura e, conseqüentemente, aos altos custos com os quais deveria
arcar – os cachês dos músicos, por exemplo – a compositora desistiu definitivamente de
realizar o concerto. O poema sinfônico Yara jamais foi executado.
Anos mais tarde, em 1943, Helza decide participar do concurso para
compositores brasileiros, promovido pela Orquestra Sinfônica Brasileira e pelo
Departamento de Imprensa, com o poema sinfônico Suplicio de Felipe dos Santos,
sobre texto do escritor Gastão Penalva (1887-1944). A obra, composta em 1937, é a
primeira parte da obra Quadros Sinfônicos, que possui mais dois poemas sinfônicos:
Vila Rica e Consagração dos Mártires, composta a pedido de Gastão Penalva, que
enviou à compositora um texto sobre a Inconfidência Mineira. Em maio de 1938, ao
receber a obra acabada, o escritor escreve à compositora elogiando-a pelo trabalho de
“mulher” e “artista”:
139
Fonte: Andrade, M. [Carta] 6 set. 1937, São Paulo[para] Camêu, H., Rio de Janeiro. Ibidem.
140
Fonte: Penalva, G. [Carta] 22 mai. 1938, Rio de Janeiro [para] a Camêu, H. Rio de Janeiro. Ibidem.
121
143
Fonte: Rico. Jornal Diretrizes. Rio de Janeiro, 15 abr. 1946. Divisão de Música e Arquivo Sonoro,
Fundação Biblioteca Nacional.
144
Fonte: Idem.
145
A autora ressalta que a troca de nome era feita por aquelas cujo nome da família não representava um
capital simbólico no teatro, como o caso da atriz Bibi Ferreira, filha do ator Procópio Ferreira.
123
queria ser julgada pelo seu trabalho de “artista”, e não de “mulher”, daí o uso do
pseudônimo Jó. Se o prêmio obtido no concurso de 1936 deu-lhe segurança para tentar
realizar um concerto em São Paulo, o segundo acentuou-lhe o sentimento de desânimo e
frustração revelado na entrevista de 1977, em que fala sobre a “reserva” que pesava
sobre as compositoras e o significado “relativo” dos concursos em sua carreira:
De acordo com o que foi apresentado até aqui, pode-se dizer que, a partir de sua
estréia como compositora em 1934, Helza dedicou-se com afinco à sua carreira de
compositora: realizou dois concertos, em 1936 e 1943, participou de dois concursos,
tendo sido premiada nos dois. Em termos de produção, entre 1936 e 1943, compôs um
terço de toda sua obra musical. Estimulada pelo prêmio de 1936, sua produção que, até
então, se destinava à voz, a instrumentos solistas ou a pequenos grupos instrumentais,
voltou-se para orquestra e para conjuntos de câmara maiores (DUTRA, 2001, p. 29).
146
Fonte: Camêu, Helza. Depoimento à posteridade. Rio de Janeiro, 16 mar. 1977. Museu da Imagem e
do Som do Rio de Janeiro.
147
Fontes: Camêu, H. [Carta] 26 ago. 1946, Rio de Janeiro [para] Fernandez, O. L. Rio de Janeiro.
Academia Brasileira de Música.
124
148
Com o apoio de Getúlio Vargas, o canto orfeônico tornou-se obrigatório em todas as escolas
municipais. Helza chegou a dar aulas em uma escola municipal, mas logo se afastou por discordar dos
rumos tomados pelo projeto.
149
Fonte: Correia, Julieta. Entrevista concedida a Dalila V. de Carvalho. Rio de Janeiro, 19 mar. 2009.
125
sua filha adotiva, tinha um bom salário na Remington e a ajuda com as despesas da
casa. (DUTRA, 2001, p. 39). Ao lado disso, a ausência dos pais trouxe um pouco de
liberdade para que ela conduzisse a própria vida, depois de um longo período de
privações, como podemos notar na carta de Paula Ballariny:
“Agora é justo que você recupere os longos anos que você ficou
privada de freqüentar bons concertos. Teu bom e prezado pai e
também a querida D. Corinthya seriam os primeiros a dizer: Helza,
minha filha nós somos ti gratos pela sua imensa dedicação que tiveste
noite e dia conosco. Aproveita agora para cuidar da tua arte e tirar as
tristezas que estão prejudicando a tua saúde.”150
150
Fonte: Ballariny, P. [Carta] 29 out. 1947, Caxambu [para] a Camêu, H. Rio de Janeiro. Divisão de
Música e Arquivo Sonoro, Fundação Biblioteca Nacional.
151
Fonte: Idem.
126
152
Fonte: Idem.
153
Fonte: Correia, Julieta. Entrevista concedida a Dalila V. de Carvalho. Rio de Janeiro, 19 mar. 2009.
127
músicas trazidas pelo antropólogo Darcy Ribeiro154. Helza pretendia realizar uma
pesquisa de campo na Serra dos Carajás no Pará com o objetivo de coletar e estudar a
música dos índios Carajás quando seu cargo foi extinto, em 1953, sem maiores
justificativas.
Anos mais tarde, Helza se dirige à discoteca da rádio MEC (Serviço de
Radiodifusão Educativa do Ministério da Educação e Cultura) em busca de um disco
para ilustrar uma de suas palestras, quando o amigo René Cavé, diretor artístico da
rádio, oferece-lhe um emprego. Assim, praticamente por acaso, Helza passou a trabalhar
na Rádio MEC (1955), primeiro organizando a discoteca e depois, integrando, como
redatora, a equipe do programa155 Música e Músicos do Brasil (1958). Permanece no
cargo até a aposentadoria, em 1973.
Ao lado disso, profere várias conferências sobre compositores brasileiros na
Associação Brasileira de Imprensa e na Associação dos Artistas Brasileiros, publicando
ainda artigos sobre música indígena em jornais e revistas especializadas. Seu primeiro
artigo “Apontamentos sobre música indígena” aparece, em 1950, no jornal Tribuna da
Imprensa do Rio de Janeiro.
Um pouco mais tarde, é requisitada pelo Museu Nacional do Rio de Janeiro,
onde fez a catalogação e análise do acervo de instrumentos musicais. Participou, ainda,
em 1964, da organização, juntamente com a naturalista Maria Eloísa Fenelon Costa
(1927-1996), da exposição da coleção de 200 instrumentos indígenas promovida pelo
departamento de Antropologia do Museu Nacional156. Dois trabalhos contribuíram para
o amplo (re)-conhecimento como musicóloga: o artigo Valor histórico de Brasílio
Itiberê da Cunha e sua fantasia característica: A sertaneja, publicado em 1970, e o
livro “Introdução ao Estudo da música Indígena Brasileira”, concluído pela autora em
1972, mas só editado em 1977. Com esta obra, Helza recebeu o Prêmio Especial da
Caixa Econômica Federal, conferido à melhor interpretação da cultura brasileira.
Na década de 1960, quando Helza estava afastada da carreira de compositora,
embora nunca tenha deixado de compor, volta a ser reconhecida como tal. As diversas
154
Parte destas transcrições foi utilizada pelo antropólogo nas obras “Religião e mitologia Kadiweu” e
“Noticias de Ofaié Chavante”, publicadas respectivamente, em 1950 e 1951. Fonte: Muricy, A. Ficha dos
Acadêmicos: Helza Camêu. Jornal do Comercio. Rio de Janeiro, 1961. Academia Brasileira de Música.
155
A equipe era composta pelo maestro Alceu Bocchino (1918 -), pelo compositor Edino Krieger (1928-),
pelo musicólogo Ademar Alves Nóbrega (1917-1979), pelo musicólogo e crítico musical Aires de
Andrade (1903-1974), pelo musicólogo Mozar de Araújo (1904- 1988). e dirigida por Andrade Muricy
(1895-1984), presidente da Academia Brasileira de Música.
156
Fonte: Muricy, Andrade. Ficha dos Acadêmicos: Helza Camêu. Jornal do Comercio. Rio de Janeiro,
1961. Arquivo da Academia Brasileira de Música.
128
157
No mesmo disco constavam também as obras dos compositores Villa-Lobos, Marlos Nobre e Lorenzo
Fernandez.
158
Em 2005, o selo Rádio MEC, em comemoração aos 60 anos da Academia Brasileira de Música, lançou
um CD comemorativo dedicado à obra de Helza Camêu.
129
161
Fonte: Muricy, Andrade. Helza Camêu nas Ondas Musicais. Jornal do Comércio. Rio de Janeiro, 12
jan. 1966. Divisão de Música e Arquivo Sonoro, Biblioteca Nacional.
131
Helza diz apenas que foi desviada, sem deixar claras as causas e o “alvo visado”.
Afinal, qual era o seu objetivo? Continuar a carreira de pianista? Não ter deixado em
segundo plano a carreira de compositora? Ter feito a pesquisa de campo entre os
Carajás?
Essa imagem de uma compositora frustrada pode ser encontrada em outros dois
manuscritos, também da década de 1960: um sobre a trajetória da pianista Guiomar
Novaes e outro sobre a cantora Bidu Sayão. O artigo sobre esta última foi escrito em
1962 para uma conferência que nunca se realizou, segundo anotações da própria Helza.
Já o texto de Guiomar parece ter sido escrito no mesmo período, provavelmente para o
programa da rádio MEC.
Helza se propõe a analisar a carreira de Guiomar e Bidu como uma história de
sucesso que se desenrola desde o surgimento da “vocação” no qual todos os
acontecimentos e aspectos de suas vidas são organizados com um único sentido (realizar
a vocação) e de modo coerente (com o sucesso) produzindo uma identidade fixa e
coerente (o artista). Ao falar dessas mulheres, Helza faz uma reflexão sobre sua própria
carreira musical, nas entrelinhas, em contraposição às carreiras de ambas, definidas por
ela em duas palavras: “sucesso ininterrupto”. O que teria faltado a ela própria para ser
uma artista de renome? Em outras palavras, quais teriam sido as causas “justas”,
162
Fonte: Camêu, H. [Carta] 27 fev. 1961, Rio de Janeiro [para] Muricy, A. Rio de Janeiro. Ibidem.
133
163
Fonte: Camêu, Helza. Guiomar Novaes. Sem data. (manuscrito). Divisão de Música e Arquivo Sonoro,
Biblioteca Nacional.
134
Helza não deixa de apontar os obstáculos enfrentados por Bidu Sayão na busca
pela profissionalização decorrentes das convenções de gênero impostas à conduta
feminina pela sociedade, bem como sua luta pessoal contra aqueles que consideravam
sua voz inadequada para uma cantora lírica:
Os problemas que ela levantou contradizem sua própria noção de sucesso, a tal
ponto que ela parece perguntar-se como: Bidu não desistiu da carreira? Como alcançou
o renome? Helza retoma então a noção de “predestinação”, considerada a realização do
dom como destino que se impõe ao indivíduo e à sociedade, a despeito dos “fatores”
sociais apontados por ela anteriormente:
164
Fonte: Camêu, Helza. Bidu Sayão. 1962 (manuscrito). Ibidem.
165
Fonte: Idem.
166
Fonte: Idem.
135
167
Fonte: Idem.
168
Fonte: Idem.
136
em sua formação musical, dedicando-se com afinco aos estudos, mas não se considerava
uma boa professora por ser impaciente:
169
Fonte: Camêu, Helza. Guiomar Novaes. Sem data. (manuscrito). Divisão de Música e Arquivo Sonoro,
Biblioteca Nacional.
170
Fonte: Fonte: Camêu, Helza. Bidu Sayão. 1962 (manuscrito). Ibidem.
137
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FONTES
Periódicos
__________. Pelo mundo das Artes. Jornal do Comércio. Rio de Janeiro, 31 out. 1923.
Ibidem.
Cunha, João Itiberê da. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 12 dez. 1934. Ibidem.
Massarani, Renzo. Música. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 4 nov. 1965. Academia
Brasileira de Música.
Muricy, Andrade. Ficha dos Acadêmicos: Helza Camêu. Jornal do Comercio. Rio de
Janeiro, 1961. Ibidem.
Biografia e memórias
Dutra, Luciana. (2001). Crepúsculo de Outono op.25 n.2 para canto e piano de
Helza Camêu: Aspectos analíticos, interpretativos e biografia da compositora.
Dissertação de Mestrado apresentada a Escola de Música da Universidade Federal de
Minas Gerais.
Outras Entrevistas:
Correspondências
Andrade, M. [Carta] 6 set. 1937, São Paulo [para] Camêu, H. Rio de Janeiro. Resposta
ao pedido de apoio. Divisão de Música e Arquivo Sonoro, Fundação Biblioteca
Nacional.
__________. [Carta] 23 set. 1937, São Paulo [para] Camêu, H. Resposta ao pedido de
apoio. Ibidem.
Camêu, H. [Carta] 30 ago. 1937, Rio de Janeiro [para] Andrade, M. São Paulo.
Solicitando o apoio do Departamento de Cultura para realizar um concerto.
________. [Carta] 9 set. 1937, Rio de Janeiro [para] Andrade, M. São Paulo.
Solicitando o apoio do Departamento de Cultura para realizar um concerto. Ibidem.
________. [Carta] 26 ago. 1946, Rio de Janeiro [para] Fernandes, O. F. Rio de Janeiro.
Agradecendo sua indicação para a Academia Brasileira de Música. Academia Brasileira
de Música.
141
________. [Carta] 27 fev. 1961, Rio de Janeiro [para] Muricy, A. Rio de Janeiro. Notas
sobre sua carreira. Divisão de Música e Arquivo Sonoro, Fundação Biblioteca Nacional.
Penalva, G. [Carta] 22 mai. 1938, Rio de Janeiro [para] Camêu, H. Rio de Janeiro.
Agradecendo a pela composição. Ibidem.
Outros
Fotos
1. Sentados (da esquerda para a direita): a cantora Ruth Corrêa, o compositor Lorenzo
Fernandez e Helza Camêu. “10º Concerto Cultural da Série de 1943- Programa de
Composições de Helza Camêu”. Rio de Janeiro, 18 nov. 1943. Divisão de Música e
Arquivo Sonoro, Fundação Biblioteca Nacional.
Discografia
Camêu, Helza. Música Moderna Brasileira. Rio de Janeiro: Odeon, 1967. 1 disco (12
min) 3CBX442. Divisão de Música e Arquivo Sonoro, Fundação Biblioteca Nacional.
___________. Helza Camêu. Rio de Janeiro: Selo Rádio MEC, 2005. 1 disco (62min).
AA1700.
__________. (1965). Mario de Andrade e a música brasileira. Jornal das Letras. Rio de
Janeiro, fev-mar.
Camêu, Helza.(sem data). Guiomar Novaes. Sem data. Divisão de Música e Arquivo
Sonoro, Fundação Biblioteca Nacional.
Periódicos
Amábile, Luiz. “As questões que agitam o Instituto Nacional de Música - Um concurso
que não se realiza por falta de comissão julgadora.” A Noite, Rio de Janeiro, 5 set. 1927.
Ibidem.
Cunha, João Itiberê da. “Concerto Sinfônico da Escola Nacional de Música”. Correio
da Manhã. Rio de Janeiro, 21 out. 1938. Ibidem.
Biografia e memórias
Dados biográficos de Joanídia Sodré. O Radial, Rio de Janeiro, 1 mai. 1952. Ibidem.
Entrevistas
Outros
Programa de Concerto regido por Joanídia Sodré na Alemanha, 27 mar. 1930. Idibem.
Fotos
1. Convite da primeira apresentação de Joanídia Sodré no Rio de Janeiro, dado à ela por
Júlia Cesar, 14 out. 1909. Biblioteca Alberto Nepomuceno da Escola de Música da
UFRJ.
AZEVEDO, Luis Heitor Corrêa. de (1956). 150 anos de música no Brasil (1800-
1950). Rio de Janeiro: José Olympio.
DINIZ, André. (2008). Joaquim Callado: O pai do choro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor.
DINIZ, Edinha. (2005). Chiquinha Gonzaga: uma história de vida. Rio de Janeiro:
Ed. Rosa dos Tempos.
GUÉRIOS, Paulo Renato. (2003). Heitor Villa-Lobos. Rio de Janeiro: Editora FGV.
KATER, Carlos. (2001). Eunice Katunda: musicista brasileira. São Paulo: Editora
Annablume.
LÉPRONT, Catherine. (1990). Clara Schumann. São Paulo: Editora Martins Fontes.
LIMA, João de Souza. (1982). Moto perpetuo: a visão poética da vida através da
música. São Paulo: IBRASA.
LIRA, Mariza. (1978). Chiquinha Gonzaga: A grande compositora popular
brasileira. Rio de Janeiro: Funarte.
REZENDE, Carlos Penteado. (1970). Notas para uma história do piano no Brasil
(século XIX). In: Revista Brasileira de Cultura, Rio de Janeiro, n. 6, p. 09-38.
SADIE, Julie Anne. & SAMUEL, Rhian. (1996). The New Grove Dictionary of
Women Composers. London: Macmillan.
TOFFANO, Jaci. (2007). As pianistas dos anos 1920 e a geração jet-lag: o paradoxo
feminista. Brasília: Editora UNB.
BIBLIOGRAFIA GERAL
BOURDIEU, Pierre. (1994). Gosto de classe e estilos de vida. In: Ortiz, Renato (org.).
Pierre Bourdieu: Sociologia. São Paulo: Editora Ática, p. 82-121.
BURNS, Mila. (2006). Nasci para sonhar e cantar. Gênero, projeto e mediação na
trajetória de Dona Ivone Lara. Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional da Universidade Federal do
Rio de Janeiro.
CORBIN, Alain. (1999). Bastidores. In: ARIES, Philippe. e DUBY, Georges. (org). A
história da vida privada: Da Revolução Francesa à Primeira Guerra Mundial. São
Paulo: Companhia das Letras.
GEERTZ, Clifford. (2003). A arte como um sistema cultural: arte e etnografia. In: O
Saber Local. Petrópolis: Editora Vozes, p.142-181.
PONTES, Heloisa. (1998). Destinos Mistos. São Paulo: Companhia das Letras.
SAPIRO, Gisèle. (2007). La vocation artistique entre don et don de soi. In: Actes de la
Recherche em Sciences Sociales, Paris, nº 168, p. 5-12.
SCOTT, Joan. (1990). Gênero: uma categoria útil de análise histórica. In: Educação e
Realidade, Porto Alegre, v.16, n.2, p. 5-22.
SOUZA, Gilda de Mello e. (1987). O Espírito das Roupas: moda no século dezenove.
São Paulo: Companhia das Letras.
149