Clarice Lispector No ENEM
Clarice Lispector No ENEM
Clarice Lispector No ENEM
5.
a) Visão (“vitórias-régias boiavam monstruosas”); olfato (“decomposição era [...] perfumada”); tato
(“brisa se insinuava entre as flores”). Ela fica fascinada, sente-se atraída pela beleza do local, mas
também sente nojo e, por achá-lo tão belo, chega a ter medo do Inferno.
6.
a) Revela que Ana vivia uma vida insossa, presa ao seu “destino de mulher”, e que, interiormente,
tinha uma grande “vontade de viver”, de experimentar e vivenciar a intensidade da vida fora de sua
rotina controlada e monótona.
b) Provavelmente não. No fim da noite, Ana aparece novamente presa à segurança do lar: ela se
entrega à proteção do marido, que segura sua mão, “afastando-a do perigo de viver”, e, a seguir,
penteia os cabelos “sem nenhum mundo no coração” e sopra a “flama do dia” ao se deitar, dando a
entender que o acontecido seria apagado, esquecido, e tudo voltaria a ser como antes.
7. Sugestão: Durante o momento de epifania, Ana sente piedade pelo cego e amor pelo mundo
(“amava o mundo, amava o que fora criado”), revelando, num deslocamento do eu (do amor próprio e
familiar) para o outro, uma preocupação com o que está fora de seu universo particular.
8.
a) O belo e o feio (ou o estranho), o bem e o mal se misturam, paradoxalmente, pois da beleza da flor
sai o mosquito, assim como as belas vitórias-régias boiam em um lago escuro, soturno.
b) Sugestão: A imagem do cego se mistura à visão da paisagem, evocando, de modo insólito, sua
perturbação interior.
9. Sim, pois apresenta uma reflexão a respeito da identidade feminina e da posição da mulher de
classe média por volta da década de 1960.
“Ainda estava sob a impressão da cena meio cômica entre sua mãe e seu marido, na hora da
despedida. Durante as duas semanas da visita da velha, os dois mal se haviam suportado; os bons
dias e as boas tardes soavam a cada momento com uma delicadeza cautelosa que a fazia querer rir.
Mas eis que na hora da despedida, antes de entrarem no táxi, a mãe se transformara em sogra
exemplar e o marido se tornara o bom genro. ‘Perdoe alguma palavra mal dita’, dissera a velha
senhora, e Catarina, com alguma alegria, vira Antônio não saber o que fazer das malas nas mãos,
gaguejar — perturbado em ser o bom genro. ‘Se eu rio, eles pensam que estou louca’, pensara
Catarina franzindo as sobrancelhas. ‘Quem casa um filho perde um filho, quem casa uma filha ganha
mais um’, acrescentara a mãe […].”
(LISPECTOR, Clarice. Laços de Família. 12. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1982. p. 109-111.)
2. Com base no texto, é correto afirmar que Catarina:
a) Sente um certo tédio por ser obrigada a participar do episódio de despedida de sua mãe.
b) Diverte-se observando o constrangimento do marido e da mãe no episódio da despedida.
c) Embora ansiasse pela partida da visitante, sente muita tristeza ao final da visita da mãe.
d) Certifica-se de que a mãe e o marido, para sua tristeza, jamais poderiam manter um bom
relacionamento.
e) Compartilha do sofrimento vivenciado pela mãe e pelo marido na hora em que se despedem.
Tudo no mundo começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida.
Mas antes da pré-história havia a pré-história da pré-história e havia o nunca e havia o sim. Sempre
houve. Não sei o quê, mas sei que o universo jamais começou.
[…]
Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta continuarei a escrever. Como começar pelo
início, se as coisas acontecem antes de acontecer? Se antes da pré- pré-história já havia os monstros
apocalípticos? Se esta história não existe, passará a existir. Pensar é um ato. Sentir é um fato. Os dois
juntos — sou eu que escrevo o que estou escrevendo. […] Felicidade? Nunca vi palavra mais doida,
inventada pelas nordestinas que andam por aí aos montes.
Como eu irei dizer agora, esta história será o resultado de uma visão gradual — há dois anos e
meio venho aos poucos descobrindo os porquês. É visão da iminência de. De quê? Quem sabe se
mais tarde saberei. Como que estou escrevendo na hora mesma em que sou lido. Só não inicio pelo
fim que justificaria o começo — como a morte parece dizer sobre a vida — porque preciso registrar os
fatos antecedentes.
LISPECTOR, C. A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998 (fragmento).
3. A elaboração de uma voz narrativa peculiar acompanha a trajetória literária de Clarice Lispector,
culminada com a obra A hora da estrela, de 1977, ano da morte da escritora. Nesse fragmento, nota-
se essa peculiaridade porque o narrador
a) observa os acontecimentos que narra sob uma ótica distante, sendo indiferente aos fatos e às
personagens.
b) relata a história sem ter tido a preocupação de investigar os motivos que levaram aos eventos que a
compõem.
c) revela-se um sujeito que reflete sobre questões existenciais e sobre a construção do discurso.
d) admite a dificuldade de escrever uma história em razão da complexidade para escolher as palavras
exatas.
e) propõe-se a discutir questões de natureza filosófica e metafísica, incomuns na narrativa de ficção.
A partida de trem
Marcava seis horas da manhã, Angela Prain pagou o táxi e pegou sua pequena valise, Dona Maria
Rita de Alvarenga Chagas Souza Melo desceu do Opala da filha e encaminharam-se para os trilhos. A
velha bem vestida e com joias. Das rugas que a disfarçavam saía a forma pura de um nariz perdido na
idade, e de uma boca que outrora devia ter sido cheia e sensível. Mas que importa? Chega-se a um
certo ponto — e o que foi não importa. Começa uma nova raça. Uma velha não pode comunicar-se.
Recebeu o beijo gelado de sua filha que foi embora antes do trem partir. Ajudara-a antes a subir no
vagão. Sem que neste houvesse um centro, ela se colocara do lado. Quando a locomotiva se pôs
em movimento, surpreendeu-se um pouco: não esperava que o trem seguisse nessa direção e
sentara-se de costas para o caminho.
Angela Pralini percebeu-lhe o movimento e perguntou:
-A senhora deseja trocar de lugar comigo?
Dona Maria Rita se espantou com a delicadeza, disse que não, obrigada, para ela dava no mesmo,
Mas parecia ter-se perturbado. Passou a mão sobre o camafeu filligranado de ouro espetado no peito,
passou a mão pelo broche. Seca. Ofendida? Perguntou afinal a Angela Pralini:
– É por causa de mim que a senhorita deseja trocar de lugar?
LISPECTOR, C. Onde estiveste de noite. Rio de Janeiro. Nova Fronteira.
4. A descoberta de experiências emocionais com base no Cotidiano é recorrente na obra de Clarice
Lispector. No fragmento, o narrador enfatiza o(a)
a) comportamento vaidoso de mulheres de condição social privilegiada
b) anulação das diferenças sociais no espaço público de uma estação.
c) incompatibilidade psicológica entre mulheres de gerações diferentes.
d) constrangimento da aproximação formal de pessoas desconhecidas.
e) sentimento de solidão alimentado pelo processo de envelhecimento.
Declaração de amor
Esta é uma confissão de amor: amo a língua portuguesa. Ela não é fácil. Não é maleável. [...] A
língua portuguesa é um verdadeiro desafio para quem escreve. Sobretudo para quem escreve tirando
das coisas e das pessoas a primeira capa de superficialismo.
Às vezes, ela reage diante de um pensamento mais complicado. As vezes se assusta com o
imprevisível de uma frase. Eu gosto de manejá-la - como gostava de estar montada num cavalo e guiá-
lo pelas rédeas, às vezes a galope. Eu queria que a língua portuguesa chegasse ao máximo em
minhas mãos. E este desejo todos os que escrevem têm. Um Camões e outros iguais não bastaram
para nos dar para sempre uma herança de língua já feita. Todos nós que escrevemos estamos
fazendo do túmulo do pensamento alguma coisa que lhe dê vida.
Essas dificuldades, nós as temos. Mas não falei do encantamento de lidar com uma língua que não
foi aprofundada. O que recebi de herança não me chega.
Se eu fosse muda e também não pudesse escrever, e me perguntassem a que língua eu queria
pertencer, eu diria: inglês, que é preciso e belo. Mas, como não nasci muda e pude escrever, tornou-se
absolutamente claro para mim que eu queria mesmo era escrever em português. Eu até queria não ter
aprendido outras línguas: só para que a minha abordagem do português fosse virgem e límpida.