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PRESIDENTE DA ASPEUR
Argemi Machado de Oliveira

REITOR DA UNIVERSIDADE FEEVALE


Ramon Fernando da Cunha

PRÓ-REITORA DE ENSINO
Inajara Vargas Ramos

PRÓ-REITOR DE PESQUISA E INOVAÇÃO


João Alcione Sganderla Figueiredo

PRÓ-REITOR DE PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO


Alexandre Zeni

PRÓ-REITORA DE EXTENSÃO E ASSUNTOS COMUNITÁRIOS


Gladis Luisa Baptista

COORDENAÇÃO EDITORIAL
Inajara Vargas Ramos

EDITORA FEEVALE
Celso Eduardo Stark
Daiane Thomé scariot

EDITORAÇÃO ELETRÔNICA
Daiane Thomé Scariot

REVISÃO TEXTUAL
A Revisão textual é de responsabilidade dos autores e orientadores.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Universidade Feevale, RS, Brasil
Bibliotecária responsável: Elena da Costa Plümer – CRB 10/1349

Seminário de Games, Comunicação e Tecnologia (2012 : Novo Hamburgo, RS)

GamePad: 5 [recurso eletrônico] / comissão organizadora


Thiago Godolphim Mendes ... [et al.] - Novo Hamburgo : Feevale, 2012.
Dados Eletrônicos : color.

Modo de acesso: < www.feevale.br/gamepad >


ISSN: 2236-7497

l. Jogos Eletrônicos – Seminários. 2. Games – Seminários. 3.


Tecnologia. I. Mendes, Thiago Godolphim. II. Título.

CDU 794:004(061.3)

© Editora Feevale – Os textos assinados, tanto no que diz respeito à linguagem como ao conteúdo, são de inteira
responsabilidade dos autores e não expressam, necessariamente, a opinião da Universidade Feevale. É permitido citar parte
dos textos sem autorização prévia, desde que seja identificada a fonte. A violação dos direitos do autor (Lei n.° 9.610/98) é
crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.

Universidade Feevale
Campus I: Av. Dr. Maurício Cardoso, 510 – CEP 93510-250 – Hamburgo Velho – Novo Hamburgo – RS
Campus II: ERS 239, 2755 – CEP 93352-000 – Vila Nova – Novo Hamburgo – RS
Fone: (51) 3586.8800 – Homepage: www.feevale.br
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Associação de Pró-Ensino Superior em Novo Hamburgo - Aspeur


Universidade Feevale

GamePad 5
Seminário de Games, Comunicação e Tecnologia

Novo Hamburgo | RS | Brasil


2012
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Apresentação

O seminário tem como objetivo reunir acadêmicos, pesquisadores e desenvolvedores da área


de Games. Agregar pesquisadores, desenvolvedores e empresários em torno das discussões que
envolvem os processos, o papel dos games na sociedade e do profissional em suas diferentes
áreas de atuação, como produtos para entretenimento, mas também suas aplicações em âmbito
empresarial, educacional e comunicacional.

realização

Coordenação:
Prof. Thiago Godolphim Mendes

Promoção:
Instituto de Ciências Sociais Aplicadas – ICSA
Curso de Tecnologia em Jogos Digitais

Organização:
Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários - PROACOM

Apoio:
Pró-Reitoria de Pesquisa e Inovação - PROPI
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Sumário

A Digital Game-Based Learning e as Formas


de Inserção de Conteúdos Instrucionais................................................ 7

Thiago Mendes; Régio Pierre Silva

A Dimensão Estética dos Jogos..................................................................24

Marsal Ávila Alves Branco

A Ética e o Design no Game Inferno de Dante.........................................41

Mônica Lima de Faria; Artur Rodrigo Itaqui Lopes Filho

Desafios no Game Storytelling:


do Analógico ao Digital Sem Cheats......................................................... 49

Alberto Ourique; Carlos Cunha

Jogos Digitais como Possibilidades de Interação Estratégica


entre Educandos e Educadores para o Ensino da História............53

Jacson Cristiano do Amaral

Jogos Online na China...................................................................................65

Pedro Benevides

Métodos de Avaliação em Jogos Colaborativos.................................76

Gabriel Cândido Soares; João Batista Mossmann; Marta R. Bez El Boukhari


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Narrativa Audiovisual Adaptada


para Multiplataformas é Possível?..........................................................86

Guilherme Theisen Schneider

O gameplay do Texto Linear, do Conteúdo ao Labirinto..................93

Gerson Klein

O Novo Paradigma em Controladores de Videogames:


a Remoção da Prótese..................................................................................104

Christopher Kastensmidt

Santas, Sexys e Fatais: Um Mapeamento das Construções


de Sentido sobre as Mulheres em Jogos de Luta................................119

Rafael Soares Krambeck

Um Simulador de Casos Clínicos Complexos


no Processo de Aprendizagem em Saúde..............................................130

João Batista Mossmann; João Marcelo Lopes Fonseca; Vinicius Maroni; Paulo Ricardo
Barros; Michele Silva; Marta Bez; Cecilia Dias Flores; Alessandra Dahmer; Silvio Cesar
Cazella
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A Digital Game-Based Learning e as Formas


de Inserção de Conteúdos Instrucionais

The Digital Game-Based Learning and the Forms


of Instructional Content Insertion

Thiago Mendes; Mestrando; Universidade Federal do Rio Grande do Sul


[email protected]

Régio Pierre Silva; PhD; Universidade Federal do Rio Grande do Sul


[email protected]

Resumo
O presente artigo problematiza a questão da educação para os nativos digitais, a partir da
abordagem de Marc Prensky, destacando a eficiência dos jogos digitais como ferramenta de
educação e produção de conhecimento. O trabalho também propõe quatro categorias que
representam as diferentes formas de inserção do conteúdo instrucional – através da narrativa, dos
modelos de comportamento, do espaço de jogo aumentado e através de metajogo – detalhando
e apresentando exemplos de cada uma destas categorias.
Palavras Chave: Educação. Jogos digitais. Digital game-based learning. Design.

Abstract
This article discusses the issue of education for the digital natives, from Marc Prensky’s approach,
highlighting the efficiency of videogames as a tool for education and knowledge production.
This work also proposes four categories that represent different forms of insertion of instructional
content - through the narrative, models of behavior, the augmented game space and through
metagame - detailing and giving examples of each of these categories.

Keywords: Education. Videogames. Digital game-based learning. Design.

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Introdução

Cada vez mais se verifica o uso de tecnologias digitais, em especial os games, como ferramentas
de apoio de aquisição, construção e retenção de conhecimento. A questão está presente em
diversas áreas do conhecimento. Das ciências exatas, como a matemática e a física, até aquelas
consideradas mais subjetivas, como as artes visuais e a filosofia, se constituindo num campo de
pesquisa com ampla atividade.
Games como FoldIt1, uma iniciativa de um grupo de pesquisadores, liderados pelo Centro para
a Ciência em Games da Universidade de Washington (figura 1), colocam um grande número de
jogadores para resolver problemas sobre estruturas de proteínas de vírus que os pesquisadores
ainda não encontraram solução.

Figura 1 - Tela do Game Fold It


Fonte: Universidade de Washington

Com a consolidação da Internet como catalizador do acesso a muitos tipos de informações, a


popularização do computador doméstico e, consequentemente, o natural amadurecimento
das gerações que nasceram em contato com este tipo de tecnologia, e que recebe rótulos
como “Screenagers”, “nativos digitais”, “Geração M” entre outros (ALVES, 2008), a forma como
as pessoas buscam, acessam informações e, eventualmente, aprendem novos conhecimentos
mudou radicalmente. O Dossiê MTV Universo Jovem (2010) apresenta um panorama onde há
uma abundância de informações disponíveis e a velocidade de atualização dessas informações é
intensa, ocorrendo uma notória dificuldade de mensurá-las.
Essas características de abundância e velocidade de atualização das informações modifica o
papel do indivíduo que passa de um receptor passivo para alguém constrói seu conhecimento

1 
Disponível em http://fold.it, acesso em 29/12/2011.

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através de exploração, experimentação e produção de sentido. Este processo exploratório de


aquisição de informações proporciona maior envolvimento com o processo de aprendizagem
em si e possibilita uma relação menos arbitrária com conhecimentos prévios (AUSUBEL, 2010).
O mesmo Dossiê também revela outro dado interessante sobre o comportamento dos jovens,
aproximadamente 60% deles joga algum tipo de game pelo menos 10 horas por semana.
Considerando que existem aproximadamente, 64 milhões de jovens no País, estima-se que há no
Brasil por volta de 38 milhões de jogadores (MTV, 2010).
Esse interesse se reflete diretamente na indústria produtora de jogos digitais. Uma pesquisa da
Gartner Inc., uma das principais empresas de pesquisa de mercado dos Estados Unidos, publicada
no portal gamesindustry.biz2, especializado no mercado de jogos, revela um faturamento de
mais de 67 bilhões de dólares em 2010, prevê um faturamento de mais de 74 bilhões para 2011.
O mesmo relatório mostra um faturamento de 27 bilhões em 2010 no cinema e pouco menos de
40 bilhões na música, para fins de comparação.
Entre todas as tecnologias digitais, os jogos vêm chamando a atenção dos pesquisadores por
diversos motivos – pelo seu poder sedutor, por seus aspectos simulacionais, pela sua capacidade
narrativa não linear, ou mesmo pelo seu altíssimo potencial imersivo (PINHEIRO e BRANCO,
2006). Da mesma forma, o despertar de um particular interesse por parte de pesquisadores de
diferentes áreas – da comunicação, da tecnologia da informação, do design e da educação –
aponta para uma produção crescente de massa crítica nesta área nas universidades do Brasil e
do exterior (PINHEIRO e BRANCO, 2006).
Assim, os aspectos simulacionais presentes nos jogos permitem um processo exploratório baseado
numa relação entre estímulo e resposta, a partir de objetos com modelos de comportamento
pré-determinados que produzam diferentes significados à medida que o jogador modifica sua
ação (FRASCA, 2003). Se for realizada uma relação com a estrutura de conhecimentos de Ausubel
(2010), é possível supor que o jogador consegue relacionar cada novo resultado da interação nos
objetos e seus modelos de comportamento, apresentados por Frasca (2003), a um conhecimento
prévio presente em sua estrutura cognitiva, e isso facilita à produção de significado (AUSUBEL,
2010).
A percepção sobre a eficiência dos jogos como objetos de aprendizagem, na realidade, não é
novidade – a edição de janeiro de 1919 da revista Popular Science apresentava um modelo de
simulador de voo mecânico para o treinamento de pilotos militares (CROSSMAN, 1919), conforme
figura 2.

2 
Disponível em http://www.gamesindustry.biz/articles/2011-07-05-more-than-USD74-billion-will-be-spent-on-
games-in-2011 (acesso em: 21/07/2011)

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Figura 2 - Imagem do simulador de 1919


Fonte: (CROSSMAN, 1919)

Os jogos digitais são, invariavelmente, simuladores que proporcionam algum tipo de


experiência em ambiente controlado (FRASCA, 2003). Aqueles que possuem seu foco voltado
ao entretenimento exploram camadas narrativas e de jogabilidade visando uma aderência
voluntária do jogador (BRANCO, 2011). Essa aderência pode ser utilizada como uma forma
persuasiva de manter um jogador / aluno focado na experiência de jogo em produtos orientados
a construção de conhecimentos (MCGONIGAL, 2011). No entanto, para que esta experiência seja
adequadamente construída, é fundamental que haja uma relação entre a estratégia pedagógica,
utilizada na abordagem do conteúdo, e as métricas de game design, que se preocupa, sobretudo,
com a forma de entrega de conteúdo e a experiência do usuário, de forma que o resultado
produzido seja fruto da sinergia destes dois elementos (PRENSKY, 2001).
Estabelecer este tipo de sinergia, entre as métricas de game e as estratégias pedagógicas, no
entanto, não é facilmente realizável. A maior dificuldade encontra-se no fato de que game
designers e educadores detém conjuntos de conhecimentos distintos. Onde suas abordagens no
processo de criação de jogos são diferentes (PRENSKY, 2001).
Tavares (2005) defende que a capacitação de educadores para a área de games é determinante
na hora da escolha de quais jogos serão usados em sala de aula e, portanto, um conhecimento
mínimo sobre game design é crítico.
Prensky (2001), por outro lado, aponta que o formato dos jogos digitais produzidos no segmento
de entretenimento não tem o compromisso de ensinar os jogadores sobre conhecimentos, à
exceção dos referentes ao próprio jogo e, dessa forma, não possuem em sua matriz de informações
a estratégia mais eficiente para a aquisição e retenção de conhecimento.
Para que jogos de caráter educacional sejam mais eficientes, tanto na entrega de novos
conhecimentos, quanto no tipo de conhecimento que possibilitam aos alunos, é fundamental que
a abordagem de desenvolvimento dos jogos digitais esteja fundamentada nas melhores práticas
da atividade, bem como nas estratégias pedagógicas mais adequadas. Esta forma de pensar a
produção de games tem por objetivo proporcionar maior alinhamento entre educadores e game

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designers, permitindo que ambas as necessidade sejam atendidas da melhor forma possível. Da
mesma forma, esse alinhamento aproxima o conteúdo instrucional das expectativas dos alunos
no que se refere a acabamento, experiência imersiva e gameplay.

A DGBL e o Processo de Game Design

No final dos 90, a partir de um crescimento do mercado de videogames, o termo Aprendizagem


Baseada em Jogos Digital, ou Digital Game-Based Learning (DGBL), surge para apresentar uma
alternativa ao processo de ensino tradicional, focado inteiramente no conteúdo (AN e BONK,
2009).
Segundo An e Bonk (2009) a DGBL tem a vantagem de adequar o conteúdo da era da informação
em um formato viável aos nativos digitais. A DGBL tem potencial para fornecer poderosos
ambientes de aprendizagem, em que o aluno pode desenvolver as habilidades essenciais da era
da informação, incluindo o pensamento crítico e a capacidade de solução de problemas.
Garris, Ahlers e Drickle (2002) defendem que, na DGBL, ocorre um processo em que, na entrada, o
conteúdo instrucional e as características do game alimentam o processo de aprendizagem, que
ocorre com base em julgamentos e comportamentos, e recebe feedback do sistema. O jogador se
depara com uma determinada situação apresentada pelo sistema, analisa essa situação e executa
uma ação. Essa ação é recebida pelo game, que retorna a situação modificada. O resultado de
aprendizagem é gerado como um subproduto desse ciclo, conforme mostra a figura 3:

Figura 3 - Análise do Processo de DGBL


Fonte: (GARRIS, AHLERS e DRISKELL, 2002), adaptado pelo autor.

Para Prensky (2001) a DGBL é, conceituando de maneira simples, é qualquer casamento entre
conteúdo educacional e jogos de computador. A premissa atrás da DGBL é a de que é possível
combinar jogos digitais com uma vasta gama de conteúdos instrucionais e obter resultados tão
bons, ou melhores, do que os métodos de aprendizagem tradicionais. No entanto, o que faz
a DGBL tão interessante é a percepção do aluno. O aluno pensa estar jogando, enquanto, na
realidade, está aprendendo.

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Os games possuem, em sua estrutura, diversas características que possibilitam a aplicação


de vários dos princípios vistos neste capítulo, como o processo exploratório, a diferenciação
progressiva e a reconciliação integrativa. No próximo item, serão abordadas as características
estruturais dos jogos digitais, suas especificidades enquanto linguagem e as possíveis relações
que possibilitam aquisição e retenção de novos conceitos.
É importante entender que qualquer jogo, seja ele um game educacional ou do segmento de
entretenimento, com uma carga de informações mínima ensina alguma coisa ao jogador. Alves
(2008) apresenta uma série de experiências pedagógicas onde alguns grandes títulos presentes
nas prateleiras das lojas de games são utilizados como objetos de aprendizagem em sala de aula.
Johnson (2005) defende que, não importa o que o jogador pensa enquanto joga. O que importa
é a maneira como o jogador está pensando.
Essa afirmação é reforçada por John Dewey ao defender que:

A maior de todas as falácias pedagógicas seja a noção de que uma pessoa aprende apenas aquela
determinada coisa que está estudando naquela hora. O aprendizado colateral no caminho para formar
atitudes duradouras, de gostos e desgostos, pode ser e, com frequência é, muito mais importante do
que as aulas de gramática ou as aulas de geografia e história que são aprendidas. Essas atitudes são
fundamentalmente o que contará no futuro. (1997, pp. 33,34)

A aprendizagem colateral, proporcionada pelos jogos digitais, é uma forma alternativa ao


processo de leitura-pausa-reflexão inerente, aos materiais textuais convencionais. Nos games,
não há tempo para a pausa e a reflexão, da mesma forma como acontece, por exemplo, em
ambientes corporativos pós-internet (Prensky, 2001).
Para Prensky, produzir um jogo preparado para que haja um processo de reflexão em paralelo à
experiência do jogo, é essencial para a formação de conceitos, no entanto, não é tarefa fácil:
Um dos desafios mais interessantes no DGBL é resolver e inventar formas de incluir reflexão e
pensamento crítico com aprendizagem e ainda fazer um jogo divertido (2001, p. 51).
Esse problema se encontra presente em boa parte dos jogos produzidos com fins educacionais,
sobretudo por que há um problema de percepção entre os desenvolvedores de games e os
professores. Alves (2008), retrata essa situação enfatizando o problema que surge quando
desenvolvedores precisam se articular com pedagogos. Os desenvolvedores acreditam na
utilização da diversão de forma a contribuir no processo de aprendizagem. Os pedagogos, em
contrapartida, acreditam que as narrativas devem ter enfoque nos conteúdos escolares. Há uma
percepção equivocada, segundo a autora, de que há jogos para aprender e jogos para divertir,
como se fosse impossível a convivência de ambas as atividades.
Isso resulta em diversos problemas que afetam diretamente a qualidade dos games e os tornam
tediosos e excessivamente focados no conteúdo, deixando de lado os aspectos de envolvimento
e motivação do jogador (Mendes, Jogos Digitais como Objetos de Aprendizagem: Apontamentos
para uma Metodologia de Desenvolvimento., 2011b).

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Os avanços nos jogos digitais obtidos, nos últimos 30 anos, pela indústria do entretenimento não
encontra correspondência na área da educação. Enquanto de um lado, se construiu toda uma
nova forma de entretenimento, do outro lado, muito pouco se avançou (Prensky, 2001).
O que, à primeira vista, deveria ser o mais adequado a fazer, na realidade se prova ineficiente por
que o jogador não percebe vantagem quantitativa em executar as tarefas do jogo, defendida por
Koster (2004), perdendo assim o interesse.
Isso ocorre por que, nos jogos digitais, a perspectiva de aprendizagem está vinculada à da
tomada de decisões. Dessa forma, o jogador é dirigido, a julgar situações e tomar decisões a
todo o momento, sejam elas pontuais e específicas ou estratégicas e de longo prazo. Nenhuma
outra forma de cultura popular mobiliza o dispositivo de tomada de decisão da mesma maneira
(Johnson, 2005).
A demanda prática inerente é a principal contribuição dos jogos digitais no processo de
aprendizagem, ou seja, o jogador espera praticar algum tipo de atividade e essa prática vai torná-
lo melhor ao realizar tal atividade novamente. Aplicando o mesmo raciocínio para o ensino, o
jogador, através da prática orientada pelo próprio jogo, vai aprimorando suas habilidades e seu
conhecimento sobre determinada disciplina (Prensky, 2001).
Johnson (2005) conceitua dois tipos de tomada de decisão como “sondagem” e “investigação
telescópica”. A sondagem é o processo pelo qual o jogador descobre o que deve fazer e como
deve fazer, e isso ocorre através de tentativa e erro. Ou seja, como afirma Johnson:

Você tem que sondar as profundezas da lógica do jogo para entendê-lo e, como na maioria das
expedições investigativas, você obtém resultado por meio de tentativa e erro, tropeçando nas coisas,
seguindo intuições (2005, p. 35).

Decifrar a lógica do jogo, ou seja, quais são as regras que o jogador terá de respeitar para concluir
as tarefas apresentadas, é algo exclusivo dos games (Johnson, 2005).
Para o autor, a sondagem obedece a uma estrutura onde o jogador sonda o ambiente do jogo
a primeira vez, clicando em algo ou se ocupando de determinada ação, a partir do resultado e
baseando-se na reflexão, formula uma hipótese sobre o que ocorreu. Em seguida, tratando esse
efeito como realimentação do mundo, aceita ou repensa a hipótese original (Johnson, 2005).
A investigação telescópica, por outro lado, é o ato de gerenciar uma sequência de desafios
absolutamente clara, que pode ser encadeada ou tratada em paralelo, para finalizar de
determinado jogo, e que raramente é o foco central o jogador. Assim em seu caminho o jogador
precisa resolver outra série de desafios menores que são colocados para que ele possa alcançar
uma destas metas primordiais. Ou seja, os objetivos maiores servem como norteadores das ações
do jogador, mas ele terá de lidar com entraves mais pontuais, até que todas as condições para
atingir estes grandes objetivos sejam atingidas (Johnson, 2005).

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O jogador começa o processo através da sondagem de forma mais ampla e, à medida que vai
descobrindo os reais objetivos, e o conjunto de tarefas para realizá-los, inicia o processo de
solução desses entraves até a sua conclusão (Johnson, 2005).
Isso é possível por que a estrutura dos jogos é voltada completamente para o entendimento do
jogador e isso não é diferente nos jogos educacionais. O aprendizado baseado em jogos digitais
é, essencialmente, centrado no aluno, e não no conteúdo. Prensky (2001) problematiza a questão
afirmando que quase tudo que é produzido para fins educacionais ou de treinamento é centrado
no conteúdo ou no instrutor. O autor afirma que o jeito tradicional de conseguir a atenção dos
alunos com este tipo de conteúdo é a afirmação “isso vai cair na prova”.
É possível inferir que os jogos digitais oferecem um imenso potencial para o processo de
aprendizagem por estar absolutamente centrado no usuário e em mecânicas de sedução para
mantê-lo jogando.
Prensky (2001) defende que o processo de aprendizagem utilizando jogos digitais funciona
por que, em primeiro lugar, há um natural engajamento quando se coloca a aprendizagem
no contexto de game, isso é importante quando se trata de um conteúdo instrucional que,
normalmente, as pessoas não apreciam. Em segundo lugar, há um processo de aprendizagem
interativo aplicado, que pode e deve assumir diferentes formas, dependendo do processo. Em
terceiro lugar, existem diversas formas de colocar os jogos e o conteúdo instrucional juntos, em
um único pacote, e a melhor solução é a mais contextual possível.
No entanto, para que essa adequação dos materiais instrucionais às mecânicas de jogo funcione
de forma a explorar ao máximo o potencial dos jogos digitais, o conhecimento nas técnicas e
processo de game design é determinante (Tavares, 2005).

O Game Design e as Formas de Inserção de Conteúdo Instrucional

A primeira etapa para a concepção do game é a de pesquisa e coleta de informações sobre


o conteúdo do jogo, o público-alvo e a plataforma em que o jogo vai rodar. Quanto maior a
quantidade de informações sobre estes três aspectos, mais subsídios o game designer terá criar
um jogo eficiente. Esta é uma etapa crítica por que estabelece o que é necessário ter no game
(Bates, 2004).
A partir do conteúdo instrucional definido, sugere-se a construção de um mapa conceitual deste
conteúdo, que servirá para auxiliar no recorte das informações que deverão ser inseridas no
game. A quantidade de informações vai depender do tempo disponível para a sua produção e o
tempo de duração desejado para a experiência de jogo.
É importante ressaltar que o enfoque deve ser dado mais na experiência de jogo do que no
conteúdo em si. Isso que dizer que se determinada quantidade de conteúdo tornar a experiência
de jogo muito longa e cansativa, o conteúdo deve ser reduzido de alguma forma ou o gameplay

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deve ser modificado para ajustar esta demanda. O objetivo principal é manter a diversão e o
desafio (McGonigal, 2011).
Para isso, Schuytema (2008) recomenda o uso constante de prototipação. A prototipação do
gameplay vai assegurar que o jogo tenha em sua essência tudo aquilo que é necessário para
torna-lo divertido e envolvente.
O conteúdo instrucional deve exercer forte influência no tipo de gameplay que o game designer
vai criar. A sua inserção dentro deste gameplay deve ser feita de forma que seja impossível
dissociar as duas coisas.
Nos tópicos a seguir serão propostas quatro diferentes maneiras de se inserir o conteúdo
instrucional. Estas propostas foram retiradas de jogos educacionais, produzidos por diferentes
instituições e utilizados com grande sucesso junto aos seus públicos.

Conteúdo instrucional na narrativa e no ambiente de jogo

Esta é uma das maneiras mais comuns de pensar conceitualmente o jogo, o gameplay e a inserção
do conteúdo instrucional. No entanto, se respeitados os requisitos de projeto, apresentados no
item 3.3.1, a experiência de jogo pode ser muito eficiente.
Nesta forma, o conteúdo instrucional está presente nos cenários do jogo, na narrativa da história
e nas missões. Por se tratar de uma forma mais narrativa de jogo, alguns tipos de gameplay, como
os jogos de universo aberto e os point and click adventure3.
Um exemplo desta forma de inserção de conteúdo instrucional é o game Guardião (Feevale &
LEME, 2011), um jogo do gênero universo aberto com o objetivo de apresentar informações
sobre a prevenção de acidentes com potencial de causar lesões medulares permanentes.
Em Guardião (figura 4), o jogador assume o papel de um anjo da guarda que deve descer à
Terra e, do plano dos espíritos, impedir que as pessoas sofram acidentes que irão resultar em
graves lesões. Para isso, o jogador tem diferentes habilidades, que variam desde a capacidade
de influenciar a consciência das pessoas, até a de aparecer no plano físico, na forma de um
cadeirante.

3 
Point and click adventure é um gênero de gameplay onde o jogador precisa investigar e desvendar enigmas usando
o apenas o mouse do computador para interagir com a tela. É um jogo com grande carga narrativa.

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Figura 4 - Gameplay do jogo Guardião


Fonte: (FEEVALE e LEME, 2011).

As missões são apresentadas através de uma caixa de diálogo, que abre quando o jogador vai
até o local onde ela está disponível, o texto da missão contextualiza o motivo pelo qual ele deve
intervir e por qual razão esse tipo de acidente ocorre, de forma muito sucinta.
Para que o gameplay seja suficientemente dinâmico, o conteúdo instrucional foi inserido através
de um grande número de missões, que vão ficando mais complexas à medida que o jogador
avança no jogo. Não há grandes volumes de conteúdo instrucional em bloco, eles são intercalados
entre cada missão, de forma progressiva e segmentada. Desta forma o jogador vai explorando
o mapa através das diferentes missões e relacionando-os aos conceitos aprendidos nas missões
anteriores que fazem o papel de subsunçores.
Desta forma, o gameplay e o conteúdo instrucional, apesar de não terem uma relação direta,
trabalham em sinergia e fortalecem a “curva do dorminhoco” defendida por Johnson (2005). O
jogador joga e se diverte e, no final, aprende sem perceber.
O projeto chamou a atenção do Senado Federal Brasileiro e a universidade, criadora do game, foi
convidada a apresenta-lo na comissão de direitos humanos, como uma alternativa possível no
combate a violência no País (Feevale U. , 2011).

Conteúdo instrucional nos modelos de comportamento

A inserção do conteúdo instrucional através dos modelos de comportamento apresentados por


Frasca (1999) é, na essência, o que é feito em praticamente todos os simuladores.
Frasca (1999) defende quando o jogador interage com o jogo, ele recebe informações de
signos que são gerados com base nos modelos de comportamento dos objetos presentes

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nos ambientes virtuais. Se os modelos de comportamento forem estabelecidos com base em


conteúdo instrucional, então o processo de aprendizagem ocorre de forma não narrativa, mas
simulacional.

Figura 5 - Tela do simulador de guindastes onshore


Fonte: (ONIRIA, 2010).

O gameplay é voltado diretamente para a interação entre o jogador e o objeto a ser aprendido.
Por exemplo, em um simulador de voo usado para treinar pilotos, o jogador deve pilotar um
avião, que tem o modelo de comportamento equivalente ao seu correspondente real. O jogador
aprende a entender as respostas da aeronave aos seus comandos.
No entanto, essa forma de inserção instrucional não se limita aos simuladores de voo ou de
aparelhos específicos. O game Fold It (Universidade de Washington, 2011), já mencionado neste
trabalho, é, em sua essência, um simulador de comportamento físico-químico de proteínas
relacionadas às doenças (figura 6).
Seu conteúdo instrucional está nos modelos de comportamento destas estruturas e na forma
com a qual o jogador por interagir com elas. À medida que o jogador muda a forma da estrutura
da proteína, ele recebe um retorno de eficiência e isso vai estabelecendo um padrão lógico.
Ao avançar no game, o jogador vai se deparando com proteínas cada vez mais complexas e vai
tomar ações com base nos resultados das ações anteriores, que fazem o papel de subsunçores.

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Figura 6 – Gameplay de Fold.It


Fonte: (UNIVERSIDADE DE WASHINGTON, 2011)

A eficiência dessa forma de inserção de conteúdo instrucional é tão grande, que diferentes
segmentos sociais estão adotando a simulação em diferentes tipos de treinamento.

Conteúdo instrucional em espaço ampliado de jogo

Nesse caso, o conteúdo instrucional não se encontra completo no espaço formal do game. Esse
ambiente abriga apenas mecânicas de gameplay que obrigam o jogador a obter esse conteúdo
instrucional fora do jogo para que consiga avançar para a próxima etapa.
Quando um jogador se depara com um desafio cuja solução não se encontra no jogo, mas sim
em outro lugar, como um livro ou um website, e que o jogador é obrigado a encontra-lo para
poder avançar, ele está utilizando espaço ampliado da experiência de jogo, maior do que o jogo
em si, para superar determinado desafio.
Uma das formas mais conhecidas deste tipo de utilização é o ARG4, que combina jogos digitais,
websites e mídias do ambiente real para fornecer ao jogador pistas de como avançar na trama
proposta.
Um bom exemplo da inserção de conteúdo instrucional através do espaço ampliado é o que
ocorre nas Olimpíadas de Jogos Digitais e Educação (OjE), conforme a figura 7, promovida pela
Secretaria da Educação do Estado de Pernambuco, e que utiliza 3 tipos de jogo, entre eles o ARG.
Segundo o website oficial do projeto:

4 
Sigla para Alternate Reality Games.

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Os enigmas são integrados com os jogos casuais e motivam os participantes para a aprendizagem
direta através da apresentação de conteúdos curriculares de forma a favorecer o diálogo entre os
alunos e seus professores. Os wikigames ajudam os jogadores com suas habilidades de leitura e
competências interpretativas, enquanto os ARGs visam construir relações entre os mundos virtual
e físico da experiência do estudante. Juntos, esses desafios atualizam atividades de aprendizagem
baseadas no diálogo e na diversão, fazendo da OjE uma plataforma para “jogos conversacionais” na
escola. (Secretaria Municipal de Pernambuco, 2008)

O resultado do trabalho desenvolvido rendeu quatro prêmios nacionais em educação e o projeto


já alcança diversas cidades do País.
Seu desenvolvimento, no entanto, é um dos mais complexos desafios enfrentados por game
designers que precisam pensar em todas as possíveis interações para que o jogo possa explorar
essa estrutura de forma adequada, se manter suficientemente divertido e ainda entregar o
conteúdo instrucional de forma eficiente.

Figura 7 - Website das Olimpiadas dos Jogos Educacionais


Fonte: OJE (2011)

A inserção do conteúdo instrucional através do espaço ampliado impõe ao game designer um


tipo de pensamento mais complexo e desafiador por que exige que ele também estabeleça
mecânicas de jogo fora do espaço formal do game.
A concepção da ideia é crítica para que as etapas subsequentes do processo de produção sejam
capazes de estabelecer a experiência de jogo com a qualidade desejada.

19
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Conteúdo instrucional através do metajogo

Um fenômeno de ocorrência cada vez mais comum nas comunidades de jogadores pelo mundo
(nesse caso em jogos voltados ao entretenimento) é a criação de comunidades que estudam
maneiras mais eficientes de jogar o game, também conhecidas como theorycraft.
A theorycraft é o estudo das mecânicas de determinado jogo, bem como suas características e
subestruturas, com o objetivo de otimizar a performance do jogador ao jogá-lo. Essa prática vem
ganhando cada vez mais força, sobretudo em jogos onde há interação on-line entre jogadores, e
é comum encontrar websites e fóruns que desconstroem as mecânicas do gameplay para então,
matematicamente apresentar quais atitudes os jogadores devem tomar e que escolhas devem
fazer para obter um resultado superior.
O nível de complexidade e empenho dos interessados em theorycraft é tamanho que existem
inclusive ferramentas que simulam o desempenho a partir de escolhas que o jogador pode fazer
dentro do espaço de game. Esse é o caso do RAWR (figura 8), um simulador de desempenho para
o game World of Warcraft (Blizzard, 2012) extremamente popular. Com ele é possível analisar
a influência na escolha de equipamento, habilidades encantamentos e outras configurações
presentes no ambiente de jogo.
Uma vez que essa prática busca analisar e estudar o game com o qual o jogador interage, o termo
“metajogo” se torna mais apropriado para descrevê-la, considerando que se trata do “jogo de
como jogar” ou o “jogo do jogo”.
Com base nessa linha de raciocínio, é possível pensar em mecânicas de jogo que sejam
estruturadas de forma que o conteúdo instrucional se manifeste no metajogo, e não no jogo
em si. Isso permitiria, por exemplo, que um mecânico utilizasse conhecimentos de mecânica,
adquiridos fora do jogo, para melhorar o desempenho de um carro de corrida do ambiente do
game.

20
anterior Sumário próxima

Figura 8 - Tela do Simulador RAWR


Fonte: Elitist Jerks (2012)

Conclusão

Os formatos sequenciais e mecânicos de aprendizagem são cada vez menos eficientes na


educação de jovens que nasceram cercados de mídias digitais, dispositivos imersivos e a internet.
Uma alternativa à esse formato tradicional de educação é a DGBL, que utiliza os potenciais
imersivos, de engajamento e de não linearidade presentes nos jogos digitais, e os constrói
utilizando conteúdo instrucional em sua estrutura.
No entanto, para que estes jogos atinjam um alto potencial de eficiência é necessário entender
as diferentes formas de manifestação destes conteúdos instrucionais nas estruturas dos games,
suas especificidades e características, bem como quais os tipos de conteúdo mais adequados
para cada uma dessas formas.
A partir de uma tipologia proposta neste trabalho, onde o conteúdo instrucional de manifesta
de quatro maneiras – na narrativa e no ambiente de jogo, nos modelos de comportamento, no
espaço aumentado do jogo e através do metajogo – o presente artigo buscou contribuir para
o processo de construção de jogos educacionais indicando as abordagens mais adequadas o
desenvolvimento desses produtos.
Utilizando essa tipologia, é possível desenvolver jogos mais divertidos, envolventes e com maior
potencial de aprendizagem.

21
anterior Sumário próxima

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23
anterior Sumário próxima

A Dimensão Estética dos Jogos


Marsal Ávila Alves Branco
Centro Universitário Feevale, Rio Grande do Sul, NH

DIMENSÃO ESTÉTICA

Em outros trabalhos defende-se a idéia de que os jogos são formados por três dimensões: a
dimensão lógica, a dimensão estética e a dimensão tecnológica. Resgata- se aqui o conceito e o
modo de operar da dimensão estética. O enquadramento que segue faz parte da proposição de
uma teoria dos jogos, sintetizada na tese.1
Alguns pontos específicos da realidade dos games parecem convergir intuição, realidade empírica
e referências bibliográficas. Um destes é a existência de um viés que, à falta de uma melhor palavra
para descrevê-lo, se pode chamar de artístico. Mas a fácil percepção de que nos games existe de
fato uma gama de coisas a que podemos rotular ‘arte’ não torna o uso da palavra menos espinhoso.
A tradição da palavra não apenas na filosofia como em quase todas as atividades humanas tende
a revesti-la de uma quantidade não desejável - para os fins da pesquisa - de significados. Essa
roupagem pode ser tão forte que a definição de seu escopo é necessária. No presente trabalho,
não há intenção em resgatar da filosofia e da ética conceitos de arte e do fazer artístico. Tampouco
fazer da tese uma defesa do caráter artístico dos games, tão comum hoje em dia2: defender que
é uma nova forma de arte e que seus projetistas são artistas por profissão. Usa-se aqui a palavra
arte por motivos menos nobres e complexos que as construções semânticas da filosofia e das
artes e mais pelo resgate do uso generalizado que se faz dela pela indústria para designar os
processos e atividades de produção de jogos que têm correlação com as disciplinas artísticas:
desenho, animação, direção de arte, modelagem, texturização, roteiro, composição, fotografia,
áudio, etc. Essas expertises ajudam a delimitar e marcar uma divisão para com as disciplinas duras
como matemática, lógica, engenharia e programação também compreendidas nos processos de
produção. Esta divisão entre ‘programação’ e ‘arte’ é tão marcante que acaba se espelhando até na
composição do espaço físico das desenvolvedoras de jogos (postos de trabalho separados para
cada área), além de estar na base das brigas que marcam o início dos game studies.

1 
Jogos digitais: teoria e conceitos para uma mídia indisciplinada / Marsal Alves Branco. – 2011.168f. : il. ; 30 cm. Tese
(doutorado) – Programa de Pós-Graduação de Ciências da Comunicação, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos,
2011.
2 
Especialmente no momento em que políticas culturais na Espanha e Estados Unidos pela primeira vez admitem
oficialmente - com a devida redistribuição das verbas de fomento e desenvolvimento -, que games podem ser
considerados, para todos os fins legais e práticos, obras de arte.

24
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De fato, a existência de uma dimensão chamada ‘artística’ - à parte qualquer implicação de


sua importância ou preponderância sobre o sistema de regras -, não pode ser negada por
ninguém que conheça minimamente o processo de produção de jogos. A ocupar os postos de
trabalho das desenvolvedoras estão ilustradores, diretores, animadores, escultores, escritores e
músicos. Tecnicamente, o que desenvolvem no seu dia-a-dia são resultado direto da aplicação
das habilidades que aprenderam e desenvolveram em processos de maturação artística: sejam
cursos de arte ou laboratórios pessoais de trabalho expressivo, aplicadas ao universo dos games.
Para a indústria, pouco preocupada com a construção e defesa de termos exatos a descreverem seus
princípios/processos, a escolha da palavra arte - despida de seus atributos filosóficos e reforçada
nos aspectos práticos dos processos de produção -, passa a ser uma conseqüência lógica e de
certa forma uma escolha natural para seus profissionais. É esse sentido que reproduzimos aqui.
A dimensão estética referida diz respeito aos aspectos dos games produzidos por profissionais
tradicionalmente do mundo ‘criativo’: desenhistas, escultores, músicos, diretores, editores, etc.
Nos primeiros movimentos da construção desta pesquisa nomeou-se a dimensão estética como
‘dimensão narrativa’. A escolha do nome provavelmente aconteceu em função da visibilidade
da briga sistema de regras versus narrativa nos game studies. Quando olha-se os processos
descritos acima na realidade da produção dos jogos, percebe-se que de fato o fruto do trabalho
dos profissionais da arte incide diretamente sobre os aspectos discursivos do game e por
consequência em sua narrativa. Toda vez que um diretor decide que o game vai usar personagens
em estilo cartoon, está definindo aspectos discursivos que guiarão os jogadores a enquadrar e
interpretar este game, e que consequentemente afetará também a narrativa do jogo. Quando
um desenhista acrescenta um detalhe de figurino ao concept do personagem está acrescentando
informações de natureza discursiva que podem ajudar (ou prejudicar) o entendimento sobre
aquele personagem; quando um compositor escolhe determinados acordes para compor a trilha
do game, está influindo diretamente na percepção de jogo construída sobre o jogador, mudando
sua leitura e provavelmente sua postura em relação ao jogo; ao propor uma cinemática mais
dinâmica e ângulos de câmera que distorçam os personagens, o editor propõe conceitos e
remete a gêneros que resgatam no jogador ‘pistas’ sobre o tipo de narrativa.
Assim, o trabalho de todos estes profissionais oriundos da arte guarda relações diretas com as
práticas comunicativas e discursivas do jogo, uma vez que seu fruto é o que será visto e ouvido
de fato pelo gamer, constituindo os blocos de informação básicos com os quais o jogador
lida. Por que então nomear esta dimensão de dimensão estética e não dimensão narrativa? A
decisão parte do fato de que nos games o conceito de narrativa está firmemente associado a
um tipo ou tipos específicos de jogos tais como, por exemplo, os adventures ou os mmo-rpgs.
Existe uma tendência - falaremos disso na etapa seguinte - em pensar os games em termos de
narrativa mais ‘fraca’ ou ‘forte’ e a consequência disso é ignorarmos que, independentemente
do fato de um game apresentar este ou aquele tipo de narrativa (ou não apresentar nenhum),
o trabalho dos profissionais ‘da arte’ ainda é necessário para a produção de um jogo. O abstract

25
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game3 de JULL ainda necessita da ação de ilustradores, modeladores, músicos, etc. Os elementos
visuais, sonoros e cinemáticos que compõem os jogos influenciam de maneira fundamental a
experiência dos jogos, quer os consideremos narrativos ou não. Não é preciso haver uma linha
narrativa para que um cenário ou personagem afete a experiência de jogo. Isso fica ainda mais
evidente quando notamos que o trabalho de um ilustrador se manifesta tanto na proposição de
um personagem quanto na proposição de uma interface. Ora, em se tratando de personagens,
está-se falando de uma das mais reconhecidas categorias das teorias narrativas: a figura que
representa o veículo da história, o conceito/coisa que a conduz. Mas em se tratando de interface,
como por exemplo o desenho da barra que indica os ‘pontos de magia’ do herói, a função
narrativa que esta barra cumpre é muito menos perceptível ou inexistente. Mas apesar do nível
diferente em que comunicam (linguagem e meta-linguagem) a expressão de ambos são frutos
de decisões estéticas. Assim, essa dimensão, referida aqui como dimensão estética, compreende
duas coisas intimamente relacionadas, mas distintas: as manifestações discursivas e estruturas
discursivas.

3.3.1 Manifestações Discursivas

Manifestações discursivas são as figuras/elementos/objetos que se encontram no jogo.


Seu escopo é o de todas as coisas que podem ser vistas e ouvidas na tela e/ou pelos demais
dispositivos que o jogador tenha que dispor para jogar. Qualquer ponto/ pixel/círculo que se
apresente ante aos sentidos do jogador é uma manifestação discursiva: uma arma tridimensional
girando na mão de um personagem; o barulho de uma explosão ou o som do latido de um
cachorro. A lista é, obviamente, imensa. Alguns autores propõe categorias para ajudar a organizar
suas diferentes expressões. JULL, por exemplo, sugere uma divisão para se pensar os tipos de
conteúdo representados pelas manifestações4. No entanto, como nas outras dimensões, o estudo
das manifestações discursivas importa apenas na medida em que percebemos como afetam a
experiência de jogo. De outra forma, bastaria compor uma lista abrangente de itens discursivos
comumente encontrados nos games e checar o que está presente e o que não está, mas isso
provavelmente não ajudaria a entender as lógicas que regem aquele discurso. Dizer que um
game tem como manifestação discursiva, dois personagens, um boné, um cenário, cinco caixas
de interface, um fundo texturizado e uma trilha sonora não quer dizer nada se não procurarmos
discernir de que formas afetam a experiência do jogo.
No caso das manifestações discursivas a quantidade de possibilidades e efeitos de discurso
que as produtoras desenvolvem são variadas e aumentam tanto em função da maturação do

3 
Abstract Game é um tipo de jogo cujos elementos ou cenários não representam outra coisa que não eles próprios.
O jogo de damas, por exemplo.
4 
JULL não fala especificamente das manifestações discursivas, mas lista algumas das características gerais que
podem afetar a experiência de jogo: graphics, sound, text, cut-scenes, game title, box, manual, haptics, rules, rumors
(JULL, 2005).

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mercado quanto pela afetação causada pelas outras dimensões, seja tecnológica - através da
introdução constante de novos dispositivos que possibilitam diferentes e mais ricas formas de
obter sensações -, seja lógica, como resultante da arquitetura lógica do jogo.
Red Steel para Wii (Ubisoft, 2006) é um bom exemplo do primeiro caso. Foi um dos primeiros jogos
a serem lançados para o console. Pela primeira vez em um console caseiro5 o jogador interage
com uma espada usando os mesmos movimentos do esporte real. No caso do jogo da Ubisoft,
mesmo antes de seu lançamento e diante dos vídeos promocionais da Nintendo, milhares de
gamers manifestaram na blogosfera seu entusiasmo com a possibilidade de ‘empunhar’ a lâmina
e realizar os movimentos ‘reais’ de esgrima para poder jogar. Neste caso, a introdução do nunchuk6
que compõe o sistema de hardware do Wii, fez com que a produtora usasse todo um arsenal
discursivo para entregar um forte impacto de experiência de jogo, reforçando e potencializando
o uso do dispositivo: não apenas o jogador deve se mover como se estivesse de fato lutando,
mas a escolha de uma câmera subjetiva reforça o caráter imersivo da interação, atuando pela
redundância (STEUER) de informações entre o sistema visual e o de orientação corporal. Soma-se
a isso a lâmina que, parada, ‘flutua’ suavemente na tela, imitando a respiração do jogador, ou os
sons que acompanham cada movimento e os brilhos e ruídos que surgem na tela quando a lâmina
acerta algo. Essa complexa composição de manifestações discursivas, a lâmina, o mapeamento
(pág. 104), a trilha, os figurinos e cenários ajudam - pela riqueza e sobreposição de informação
sobre os diferentes sentidos -, na construção do sentido de imersão.

Figuras 47 e 48 - Em Red Steel muitas das manifestações discursivas estão orientadas no sentido de reforçar
a sensação de empunhar de fato uma espada. Essa preocupação se manifesta na adoção de ângulos e
enquadramentos específicos, do uso de áudio e efeitos de luz que, unidos a capacidade do nunchuk de
reconhecer movimento, acrescentam redundância de informações através de diferentes sensoriais, buscando
com isso potencializar a sensação de imersão pelo jogador.
Fonte: http://j.i.uol.com.br/galerias/wii/redsteel82.jpg;
http://www.detonado.org/wp-content/uploads/2008/11/red_steel_7.jpg

5 
Este tipo de dispositivo já existia em fliperamas.
6 
Nunchuk: joystick do Wii com sensores de movimento e giroscópio, que permite ler e responder a diversos tipos
de movimento, tais como deslocamento e giro.

27
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Em Final Fantasy XII (2006), a produtora Square Enix mantém a tradição de empresa que dedica
muitos de seus recursos de produção no desenvolvimento de cenários, personagens, figurinos,
trilhas e cinemática que surpreendem pela quantidade de detalhes, cenários e horas de jogo
necessários para que o jogador alcance todos os objetivos propostos pelo sistema. Compondo
o time de produção7 estão designers, figurinistas, coreógrafos, diretores de cena, atores,
compositores, músicos, lutadores, dançarinos, etc, totalizando centenas de pessoas ao longo
de uma produção de cinco anos e um maciço investimento em todos os aspectos discursivos
que caracterizam a franquia. De fato, Final Fantasy XII aposta alto na oferta de estímulos aos
sentidos do jogador: os figurinos de cada personagem são repletos de detalhes e compostos
com acessórios, cortes de cabelo e modelagem de forma a fazer parecer que os personagens
estejam em um desfile de alta costura; os itens que carregam - em especial suas armas -, são
tão ricos visualmente que a venda destes como brinquedos físicos é comum e gera discussões
acaloradas em fóruns sobre quais são as mais bonitas; a movimentação dos personagens é
extremamente fluída, buscando alto grau de realismo e dotando cada personagem de diferentes
maneirismos e formas de se locomover; os aspectos de interface são bastante trabalhados
esteticamente, apresentando alto grau de coerência interna entre os elementos e também em
relação ao mundo/história contada ali; as canções e os temas musicais de Final Fantasy XII são tão
variados que em 2006, alguns meses após o lançamento do jogo, a trilha original foi lançada em
um conjunto de 4 cds totalizando 100 faixas musicais e um vídeoclipe.

Figuras 49 e 50 - Movimentação fluida, variada; riqueza de detalhes nos cenários, itens, personagens e
figurinos; efeitos de luz e áudio; grande quantidade de trilhas; muitos cenários e uma integração estética em
todos os detalhes da interface e de material do jogo são alguns dos fatores pelas quais a franquia Final Fantasy
é reconhecida. O game oferece uma enorme quantidade de estímulos visuais e investe boa parte de seus
recursos de produção justamente na produção destas manifestações discursivas.
Fonte: http://3.bp.blogspot.com/_kbVzNdqEolI/TLnzsbMsCgI/AAAAAAAAAHs/Js7DvdP_ilc/s1600/tgs-final-
fantasy-xiii-3.jpg; http://1.bp.blogspot.com/_tfv2hxvU3WE/TFCBmK28HwI/AAAAAAAACAs/AsnNgrPrM2A/s1600/
final_fantasy_xii_wallpaper.jpg

7 
Em 2009, a produção de Final Fantasy XII entrou no Guiness como a maior produção vista até então na indústria
dos games.

28
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É importante ressaltar que apesar dos exemplos acima - Red Steel e Final Fantasy XII -, serem
considerados por muitos como ‘jogos narrativos’, a existência dos recursos descritos até aqui
independem completamente da existência de uma narrativa. As manifestações discursivas estão
presentes em qualquer tipo de jogo, seja Red Steel ou seja o Jogo da Memória.
Obviamente nem todos os jogos dispõem da riqueza discursiva de Final Fantasy XII. Pelo contrário,
muitas desenvolvedoras apelam justamente para a economia de manifestações discursivas como
apelo, seja como forma de traduzir um gameplay simples, seja com fins estéticos, seja para
economia de recursos e produção. A maior ou menor quantidade de manifestações discursivas
sem dúvida afeta a experiência de jogo, mas é importante lembrar que a complexidade dos
games permite que um game seja simples do ponto de vista de suas manifestações e ainda assim
extremamente sedutor. O uso de poucos elementos gráficos, de áudio e/ou cinemática em um
game pode ser buscado propositadamente em função da imersão, ao permitir que o jogador
concentre sua atenção apenas nos aspectos importantes do jogo. Em alguns jogos casuais, por
exemplo, evita-se o uso demasiado de elementos que podem dispersar a atenção do jogador
do que é realmente importante. Na maior parte destes casos, a economia de manifestações
discursivas sintetiza a simplicidade do gameplay. Em Kamikase Race (2009) parece ter sido esta
a lógica usada pela Orbagames. A tela de jogo é de uma simplicidade que remonta a gerações
de consoles mais antigas, como o Atari. A paleta de cores se resume ao uso de preto e branco,
amarelo e vermelho - cor que identifica o carro manipulado pelo jogador. As informações de
interface que se encontram do lado da tela de gameplay são pensadas para não dispersarem a
atenção da tela principal. O preto é usado não só como substituto da textura como preenche
a tela como um todo, inclusive as áreas de interface. A forma dos veículos é extremamente
econômica e não há qualquer referência ao entorno da estrada que, aliás não tem curvas. Em
Kamikase Race, a única manifestação discursiva que chama a atenção para si isoladamente é
o carro do jogador, em função da cor e em cujo entorno este deve focar toda a sua atenção.
Esse arranjo não deixa muitas dúvidas de que a maneira como é composto têm como objetivo
potencializar a concentração do jogador nos aspectos mais relevantes do gameplay, neste caso,
o uso dos ludemas de performance física.
Em Tétris (1984) as manifestações discursivas se misturam ao gameplay, uma vez que a própria
forma das figuras de jogo é que compõem suas regras básicas. Nesse caso trocar a forma das
figuras de jogo afeta também a jogabilidade e o fluxo de jogo. Muitas de suas características de
discurso precisam responder a funções advindas do sistema lógico: as formas devem responder
a certas lógicas que extrapolam apenas as decisões de ordem estética.

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Figuras 51 e 52 - Kamikase Race é de uma economia espartana no uso de manifestações discursivas. A


simplicidade de suas figuras, no entanto, parece resgatar a simplicidade do gameplay, potencializando a
atenção do jogador apenas nos elementos de percepção que interessam ao desenrolar do jogo. Em Tétris é
impossível dissociar as figuras das regras que as regem. Trocar uma forma ou cor de cada um dos objetos é
mexer na dinâmica do jogo.
Fontes: http://www.kamikazerace.com/images/screens/screen-02.jpg;
http://www.mundotecno.info/wp-content/uploads/2010/11/tetris.jpg

Mas se nos exemplos acima as manifestações discursivas parecem guardar relações diretas com o
sistema lógico, isso não quer dizer que todo jogo casual responda necessariamente a essa lógica.
Nem todo jogo casual é econômico em suas manifestações e nem sempre a escolha destas se
dê em função de outras dimensões. A dimensão estética carrega, em si mesma, lógicas próprias e
não precisa recorrer a outras dimensões para justificar sua existência. Um objeto interessante na
tela não necessariamente remete a alguma necessidade lógica do gameplay (sua possibilidade
de uso, por exemplo) ou a alguma resposta vinda do sistema tecnológico (no caso de Kamikase
Race, a economia de cores não é fruto de uma limitação tecnológica). A manifestação discursiva
pode estar ali respondendo pura e simplesmente a um apelo estético e essa é a maior força desta
dimensão. Quando comparamos várias versões do mesmo jogo este fato tende a ficar evidente:

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Figuras 53 e 54 - As manifestações discursivas que fazem parte da dimensão estética não têm sua existência
condicionada a aspectos funcionais impostos pelos sistemas lógico e tecnológico, mas podem justificar-se por
si próprias a partir de sua função estética. Nos jogos acima, as demandas estéticas apresentadas são bastante
diferentes, apesar dos sistemas lógico e tecnológico serem iguais. As manifestações aqui respondem apenas a
anseios estéticos.
Fontes: http://www.wired.com/images_blogs/dangerroom/images/2008/07/30/jewelquest.jpg;
http://www.geekrz.com.br/wp-content/uploads/2010/05/bejeweled2.jpg

Jewel Quest e Bejeweled são jogos casuais que possuem o mesmo tipo de dinâmica de jogo
(embora todos tenham algum tipo de função própria) e podem ser encontrados em muitas
das mesmas lojas on-line. Ao aprender a jogar um deles, o jogador está apto a jogar os outros
(existem centenas desse tipo de jogos) porque de maneira geral o que mais os difere entre si são
suas manifestações discursivas. As diferenças nos motivos, objetos, paletas de cores e interface
afetam a experiência, apesar de estarmos falando, basicamente do mesmo tipo de sistema lógico
e tecnológico.
Os exemplos dados aqui pretendem mostrar o que são as manifestações discursivas e algumas
das formas como se relacionam com as outras dimensões. É claro que não se pretende - e nem se
conseguiria resgatar todas as formas pelas quais isso acontece devido a riqueza de soluções que
a indústria está constantemente apresentando8. Cada jogo trás seu arsenal de manifestações,
que usa para obter os mais diversos efeitos de discurso.
Outro aspecto importante a ressaltar é que ao usarmos o exemplo de Red Steel , Final Fantasy ou
Kamikase Race para exemplificar uma afetação possível entre a dimensão estética e a dimensão
tecnológica, não estamos excluindo a possibilidade de que ao mesmo tempo possam estar
ocorrendo outras relações na mesma ação. O corte arbitrário feito sobre as relações aqui é
puramente pedagógico. Um game frequentemente opera na inter-relação constante entre todas
as três dimensões.

8 
Ainda assim, seria muito interessante ver um autor se debruçando, por exemplo, na busca das regularidades no
relacionamento das manifestações com as outras dimensões.

31
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Da mesma forma, é importante notar que as manifestações discursivas também não excluem a
possibilidade que estejam operando em um nível mais complexo de encadeamento, formando
estruturas discursivas que são usadas como linguagem e/ou verdadeiros estilemas, ajudando
a compor uma narrativa, descrever uma situação e evidenciar um estilo. As manifestações
discursivas não podem ser confundidas com as estruturas discursivas, mas são aquelas que, ao
propor formas, sons, cinemática e textos, dão forma a estas.

3.3.2 Estruturas discursivas

O uso da expressão estruturas discursivas evita o uso da palavra narrativa, que pode ser confundida
- erroneamente -, como conseqüência natural do encadeamento das manifestações discursivas. As
estruturas discursivas são fórmulas comunicativas que têm o objetivo de transmitir informações a
partir da adoção de determinados recursos de linguagem. Os games apresentam várias estruturas
que lhes são recorrentes e que ajudam a definir como funciona sua linguagem9.
E porque propõe-se estruturas discursivas e não narrativa como escopo da dimensão estética? É de
supor que as narrativas, em qualquer conceito que sejam usadas, são parte fundamental de uma
dimensão que se denomina ‘estética’. Soma-se a isso o fato de que a narrativa é uma das pedras
de toque do estudo dos jogos, e a busca por um conceito viável aos games representa verdadeira
busca do ouro nos game studies. Justamente, o problema principal reside na necessidade
enganosa de adoção de um conceito de narrativa que sirva tanto para jogos como The Sims,
Zelda e Tetris. Ironicamente, vários autores ao não conseguirem enquadrar games tão diferentes
sob o guarda-chuva de um conceito (sem que este se torne tão abrangente a ponto de se tornar
inútil) optam por considerar os games em torno de sentenças igualmente universais do tipo jogos
não têm narrativa. E aí buscam, pelo contrário, conceitos de narrativa que são de fato inviáveis a
realidade dos games para justificar sua posição.
Autores como JULL, JENKINS, LAUREL e ATKINS definem narrativa de diferentes formas. JULL
aponta que muitas das discussões mais acaloradas que marcam os game studies derivam do fato
de que os autores trocam argumentos baseados em entendimentos diferentes da palavra. O
próprio JULL, em Half-Real (2005) descreve uma Wars, o game (1983) e Star Wars, o filme (1977), e
reconhece ao final não se trata de uma real discordância, mas do fato de partirem de diferentes
pressupostos na definição de narrativa. Enquanto para JENKINS a narrativa deve ser vista em
função de seu relacionamento com as outras mídias usando uma ‘base de dados’ já conhecida
do público, para JULL a narrativa é a apresentação de uma sequência de eventos (storytelling).
Obviamente não se trata da mesma coisa e reconhece que qualquer dos pontos de vista podem
ser igualmente úteis metodologicamente.

9 
Autores como ECO definem este tipo de construtos de linguagem como estilemas.

32
anterior Sumário próxima

Are games narrative? The answer depends exclusively on which meaning of “narrative” we are using
and what aspectos of games we are focusing on (JULL, 2005).

JULL resgata seis diferentes conceitos de narrativa frequentemente usados nos game studies10.
Consideremos aqui alguns dos mais significativos. O primeiro é o que acabamos de referir
considerando narrativa como apresentação de uma sequência de eventos, ou storytelling. Esse
sentido pode apresentar variantes como por exemplo a necessidade da existência ou não uma
sequência de eventos pré-fixados ou ainda só serem considerados narrativas se apresentarem
tipos específicos de sequência de eventos. Normalmente os principais críticos à existência de
narrativa dentro dos jogos derivam sua visão deste conceito. Não é impossível pensar as pequenas
evoluções discursivas de Tetris em termos de narrativa (bem como toda e qualquer atividade
humana), mas para a maior parte desses autores, esse é um enquadramento desnecessário e
pouco produtivo, porque coisas mais interessantes ocorrem no jogo de Tetris do que a análise de
uma forçada narratividade.
Em games cujas características são mais facilmente aceitas como tendo sentido narrativo
‘tradicional’ - como Legend of Zelda, Twilight Princes (Nintendo, 2005) por exemplo -, onde se pode
reconhecer um storytelling que atravessa e estrutura o jogo, a existência de uma narrativa deriva do
fato de se aceitar ou não que a condução do jogo pelo jogador pode subverter completamente a
maneira pela qual os eventos são apresentados ou sequer se serão apresentados. Pode-se discutir
que essa leitura ‘alternativa’ presente nas discussões de muitos dos autores da pós-modernidade
é uma característica até mesmo de obras onde a existência de narrativa é inquestionável, como
em Harry Potter livro, por exemplo (um leitor que só lê os trechos de aprendizado de magia,
ou que pula os combates, etc) mas que nos games a radicalidade da interferência causada pelo
jogador sobre o discurso representa um novo tipo de problemas e que os eventos desdobrados
pelo jogador durante o jogo até podem ser resgatados posteriormente como narrativa (quando
o jogador conta o que aconteceu no jogo) mas é fundamentalmente diferente da existência de
uma sequência pré-determinada de eventos. Pode-se argumentar que em casos como Zelda,
existe uma tendência de que determinados eventos de fato acontecerão, mas o fato de que não
aconteçam não quer dizer que o jogo não foi jogado. O jogador pode ter decidido ‘fazer outra
coisa’ que não perseguir os objetivos originais propostos pelo jogo.
Existem ainda outros sentidos de narrativa tais como ‘um específico tipo de tema’ ou ainda
narrativa como ‘a maneira como damos sentido ao mundo’. Mas o próprio JULL, que reconhece
sua presença, não os leva muito a sério em função de seu caráter vago e a falta de funcionalidade
que daí decorre. No entanto, especialmente no que diz respeito ao uso de temas específicos,

10 
São elas:
1. Narrativa como apresentação de um número de eventos (BORDWELL, 1985);
2. Narrativa como sequência pré-determinada de eventos (BROOKS, 1992);
3. Narrativa com um tipo específico de sequência de eventos (PRINCE, 1987);
4. Narrativa como um tipo de tema. (GRODAL, 1997);
5. Narrativa como mundo ficcional. (JENKINS, 2003);
6. Narrativa como a maneira pela qual damos sentido ao mundo (SCHANK and ABELSON, 1977).

33
anterior Sumário próxima

é possível pensar a importância do uso dos códigos de leitura dos gêneros narrativos sobre a
experiência de jogo. Esses códigos resgatam formas de pensar pré-determinadas que servirão
como ‘muleta’ narrativa do game e nas decisões do jogador.
Eis, pela porta dos fundos, as estruturas discursivas.
Ao reconhecer um gênero, o jogador constitui um mapa mental que resgata suas principais
características e seu conhecimento prévio daquele tipo narrativa ou mundo, ajudando na
interpretação dos acontecimentos e em sua tomada de decisões. Assim, ao reconhecer uma tela
de jogo, em que os elementos discursivos usam códigos do gênero terror, o jogador assume
que está diante de um game de terror, sobre o qual pode, com determinado grau de confiança,
antecipar um tipo de plot, personagens, puzzles e artifícios discursivos ao qual estará exposto ao
decorrer do jogo.
Os aficionados do tema fantástico medieval estão habituados a determinadas situações onde sua
decisão de ação é tomada mais sobre o conhecimento do gênero do que sobre a interpretação do
plot. “Volpato, o destemido, após se livrar das últimas armadilhas do templo de Arnaldo, contempla,
extasiado, o Coração de Caubí, o rubi mais valioso do mundo de Patinhas. O tesouro repousa, uma
explosão de reflexos vermelhos, sobre o crânio de uma estátua de dragão”. Considere-se que o game
- até o momento em que o herói contempla o rubi - não tenha apresentado qualquer referência
à existência de dragões. E que tudo leva a crer - pela narrativa apresentada - que já tenham
sido superados todos os perigos do templo. Basta agora pegar a recompensa: o rubi de Caubí
está ao alcance da sua mão. Mas, estranhamente, o jogador exita. Do ponto de vista narrativo, o
game dá todos os motivos para o jogador pensar que tudo está acabado. Ainda assim, o jogador
reconhece na cena um motivo clássico do gênero: uma pedra que ao ser retirada, dá vida ao
monstro guardião. E pensa duas vezes antes de agir. Neste caso, existe o reconhecimento de uma
estrutura discursiva pertencente ao gênero que ajuda a construir o sentido e levar à tomadas de
decisão por parte do jogador.
Indo mais além, para JENKINS, a narrativa pode ser entendida como mundo ficcional. A função
narrativa básica dos games para ele é proporcionar ao jogador a estruturação de um espaço
de jogo que facilita diferentes tipos de experiência narrativa. Ou seja, a função narrativa dos
games não é expressada da mesma maneira que nas definições ‘clássicas’ de narrativa, mas é
resultado da construção de mundos com lógicas próprias (coerentes ou não), história, regras,
cenários, personagens e demais elementos que permitirão ao jogador a construção de narrativas.
A idéia não é nova e é inspirada pelo trabalho de teóricos do hipertexto, tais como LANDOW,
mas é radicalizada pela natureza visual e exploratória dos games, que transformam a metáfora
da espacialidade de fato na representação de um ambiente físico que deve ser gerenciado e
pensado espacialmente. A natureza narrativa do jogo é então proporcionar um ambiente sand
box11 que oferece ao jogador as regras básicas que regem o universo proposto. O autor ilustra
o princípio resgatando algumas das principais críticas que historicamente se fez à literatura de

11 
Sand box é o termo usado para designar ambientes digitais estruturados onde os usuários têm liberdade para
criar e testar coisas.

34
anterior Sumário próxima

ficção científica: obras que concentram parte importante de sua energia na criação de mundos
e de suas regras e em detrimento da construção de personagens em profundidade. Propõe
então o que nomeia environmental stoytelling, ou enredos de ambiente, cujas características mais
importantes seriam - entre outras -, providenciar um palco para o desenrolar de ações e narrativas
emergentes.

The organization of the plot becomes a matter of designing the geography of imaginary worlds,
so that obstacles thwart and affordances facilitate the protangonist’s forward movement towards
resolution. Over the past several decades, game designers have become more and more adept at
setting and varying the rhytim of game play through features of the game space (JENKINS, 2005).

A idéia de narrativa como mundo ficcional é interessante e compreende algumas ‘aberturas’


e desdobramentos que devem ser levados em consideração quando pensamos nas histórias
propostas pelos games12. De maneira especial, a função de prover recursos para o desdobramento
de narrativas emergentes13, que proporciona o deslocamento da visão de narrativa centrada
na intenção do autor (a obra ‘como foi idealizada’) para uma visão centrada na experiência
proporcionada ao jogador.
As diferentes visões acerca do conceito de narrativa apontadas nas últimas páginas pode fazer
parecer que o centro da discussão sobre a narrativa em games está em descobrir qual o conceito
mais se aplica a realidade da mídia e/ou chegar a conclusão - pela adoção deste ou daquele
conceito - em termos da existência ou não há narrativa ali. As discussões entre JULL e JENKINS
ilustram isso de forma clara. Mas esse posicionamento pode ser um erro. Como dito anteriormente,
é possível que um dos maiores problemas seja a busca por uma regra geral que se aplique a
todos os casos e todos os games. Quando se fala de narrativa de jogos, pode-se concordar com
mais facilidade com a possibilidade do uso de um conceito clássico (como sequência de eventos)
quando estamos falando de BioShock, por exemplo. Os elementos principais estão ali, de forma
relativamente evidente (um plot reconhecível, a jornada do herói, a construção de tempo e
personagens, etc). Mas ao aplicar este conceito em WoW percebe-se que a análise resultante
a partir deste conceito tende a desconsiderar boa parte dos acontecimentos e características
mais interessantes do jogo pelo fato de que, simplesmente, estão fora do conceito, mesmo que
tenham características narrativas relativamente óbvias14.

12 
A maneira como aborda, por exemplo, a importância da adoção de regras de comportamento advindos de
narrativas transmidiáticas, usando o background do jogador naquele mundo proposto. As franquias nesse caso
agindo como geradores de mundo.
Emergent narratives são games que apresentam poucas regras de fácil aprendizado, resultando em grande
13 

quantidade de possibilidades de ação. Tétris é um exemplo clássico do tipo (JULL, 2005).


14 
Um dos muitos exemplos que podem ser resgatados é a área de pvp (player versus player) que consiste na
possibilidade do jogador participar de combates envolvendo mais jogadores. A maior parte das batalhas não afeta
o plot, mas sem dúvida possibilita ao jogador uma experiência de jogo que afeta consideravelmente sua sensação
de narrativa: a conquista de mais poder, a conquista de mais habilidades de jogo, conhecimento do sistema,
estabelecimento de amizades e aliados, etc.

35
anterior Sumário próxima

Em WoW, encontram-se sistemas específicos do jogo que entendem-se como narrativa (a


sequência de eventos projetada para alcançar o nível 85) e outros que só podem ser considerados
como tal ao mudar o conceito adotado (as missões auto- impostas pelos jogadores, o pvp, etc).
Sendo ainda mais radical, podemos resgatar Tétris. O game russo, aliás, é um dos jogos mais
lembrados quando a questão é defender que os jogos não precisam ter narrativa. Reconhecer a
existência de narrativa em Tétris obriga um alargamento considerável do conceito (resgatando o
contexto de sua criação, a origem russa, etc) que é tão geral e vago que praticamente o inutiliza
pela abrangência: nesse caso, qualquer tipo de movimento interpretativo passa a ser considerado
narrativa e logo sem função nenhuma enquanto conceito.

Figuras 55 e 56 - Bioshock 2 e Tétris. A questão da existência ou não de narrativa nos jogos não deve ser tomada
como o fator mais importante dessa discussão. Alguns jogos terão narrativa, outros não. Tão importante
quanto esta questão, a busca por um conceito ‘guarda-chuva’ de narrativa - que abriga todas as peculiaridades
narrativas encontradas no meio - também surge como uma falsa questão. Diferentes jogos necessitarão
diferentes approaches no que diz respeito a narrativa.
Fontes: http://ps3media.ign.com/ps3/image/article/106/1066381/bioshock-2-20100203022041552.jpg;
http://2.bp.blogspot.com/_O6u-rYBMVjI/TD9akbkjg1I/AAAAAAAAADo/1cK9gLcwdZU/s1600/tetris.jpg

Assim, duas questões parecem frequentemente desviar a atenção para o que deveriam ser as
principais preocupações sobre a narrativa nos games. A primeira é a formulação da pergunta
sobre a narrativa em termos de sua existência ou não. Colocada assim, a resposta tende a um
posicionamento radical, porque seja sim ou não ela tende a ter caráter universal, ou seja, aplicada
a todos os jogos que existem. Quando de fato jogos como Tétris (no que diz respeito a narrativa)
não deveriam ser colocados na mesma categoria que Bioshock.
A segunda é correlata a primeira e peca por raciocínio similar: ao aceitar a existência da narrativa
nos games, tende-se a buscar uma definição de narrativa que seja aplicável a todos os jogos.
Como anteriormente, o problema aqui é a idéia de um conceito universal. O risco é considerar
os jogos, enquanto mídia e enquanto linguagem, como um bloco monolítico de características
compartilhadas por todos. Este tipo de problema parece fazer parte da história do nascimento e
reconhecimento de todas as mídias, que em suas primeiras décadas tendem a serem consideradas

36
anterior Sumário próxima

como sendo uma coisa única15. Em uma mídia como os games, isso é potencialmente perigoso,
uma vez que a natureza interdisciplinar de seus processos produção, a variedade de sistemas
de distribuição e base tecnológica faz dela uma mídia extremamente flexível e rica em suas
diferentes expressões. Tetris e Bioshock são games, não há dúvidas, bem como um barco é tão
meio de transporte quanto um avião. Mas estudá-los com as mesmas técnicas, ferramentas e
approaches pode ser fatal.
Ao afirmar, no entanto, que cada jogo vai exigir a adoção de diferentes conceitos de narrativa, não
quer dizer que não possamos reconhecer grandes características que parecem ser compartilhadas
pela maior parte dos jogos que a possuem. Em games como The Sims, por exemplo, cuja estrutura
se adequa à narrativa como mundo ficcional, podemos encontrar características de linguagem
que também são encontradas em jogos como Bioshock, cuja proposta se enquadra dentro
de um conceito de narrativa mais tradicional - narrativa como sequência pré-determinada de
acontecimentos. Essa variedade de manifestações não é característica apenas dos games, mas
encontra em sua natureza interdisciplinar uma mídia extremamente fértil para abrigar diferentes
tipos de expressões, tornando árdua a busca por um conceito “geral” de narrativa. Uma forma de
lidar com isto é sugerida por ECO, que ao analisar as características da linguagem dos quadrinhos
desvia de uma definição de narrativa para concentrar-se nas formas pelas quais comunicam seus
sentidos. A viagem semiótica que daí decorre valoriza o discurso propriamente dito, a “coisa”
que está escrita ou desenhada na página. Mas desse caráter empírico, intui algo que indica
uma linguagem específica. O que busca são soluções de comunicação, estruturas de discurso
recorrentes cujo objetivo é “entregar um sentido”. Essas estruturas reincidentes são os blocos que
compõem a narrativa dos games e a caracterizam16, seja qual for o conceito que dela se adote.
Pode-se reconhecer algumas características mais ou menos constantes mesmo quando aplicadas
a diferentes tipos de jogos. Nos próximos trabalhos, buscar-se-á demonstrar quais são e como
funcionam. São elas: missões, amplificação, funcionalidade e vetorização. Cada uma delas pode
ter diferentes manifestações conforme o tipo de jogo, mas aparte o discurso adotado (formas,
nomes, personagens, gênero, etc) operam segundo a mesma lógica. Também influenciam-se
todo o tempo, operando conjuntamente. Eventualmente, alguns jogos não irão apresentar uma
outra com a mesma intensidade.

Considerações finais

Na dimensão estética propõe-se o conceito de manifestações e estruturas discursivas. Por


manifestações consideram-se todas as expressões visuais, sonoras e cinéticas que compõem o
jogo e que afetam fundamentalmente sua experiência. Já por estruturas entendem-se as maneiras

15 
Remediation. Bolter & Grusin. MIT Press, 2000.
Assim como ECO, ATKINS também propõe categorias narrativas a partir do uso recorrente de artifícios de linguagem,
16 

como por exemplo a maneira de entregar “realismo” nos jogos, ou o uso do que chama contra-factualidade (2003).

37
anterior Sumário próxima

como essas manifestações se organizam, criando regularidades que caracterizam o discurso dos
games. São elas: missões, amplificação, funcionalidade e vetorização. Manifestações e estruturas
discursivas serão os blocos de construção de sentido através do qual o gamer apreenderá o
jogo. E por serem blocos, essa opção metodológica permite a adoção de conceitos diferentes
de narrativa conforme as necessidades e especificidade de cada jogo. Seja qual for o conceito de
narrativa que se adote, as manifestações e estruturas serão sua forma de se manifestar.

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40
anterior Sumário próxima

A Ética e o Design no Game


Inferno de Dante
Ms. Mônica Lima de Faria
Professora do Centro de Artes UFPEL; doutoranda em Comunicação Social PUCRS
Rua Gonçalves Chaves, 3063 apto. 403B – (53) 91611249 – [email protected]

Ms. Artur Rodrigo Itaqui Lopes Filho


Professor do Instituto de Educação FURG ; doutorando em Filosofia PUCRS
Rua Gonçalves Chaves, 3063 apto. 403B – (53) 91065305 – [email protected]

Resumo
O presente estudo trata-se de uma analise do jogo digital Inferno de Dante, produzido pelas
empresas Visceral Games e Electronic Arts, lançado em 2010, baseado na obra literária A Divina
Comédia de Dante Alighieri, escrita entre 1303 e 1321. A análise foca-se na temática de sua
moralidade e a correspondência desta em seu projeto visual.

Abstract
The present study deals with an analysis of the digital game Dante’s Inferno, produced by
companies Visceral Games and Electronic Arts, released in 2010, based on the literary work The
Divine Comedy of Dante Alighieri, written between1303 and 1321. The analysis focuses on the
theme of his morality and correspondence of this on your visual design.

Introdução

O jogo digital Inferno de Dante, desenvolvido pela Visceral Games e Eletronic Arts – 2010 –, baseia-
se na obra literária A Divina Comédia, escrita por Dante Alighieri entre 1303 e 1321. Dentro das
possibilidades de adaptações, o jogo mostra diferenças na postura do personagem protagonista
– Dante – em relação à literatura, causando um estranhamento enquanto à postura ética do
personagem diante de seus enfrentamentos ao passar pelo inferno. O jogo, inclusive, se passa
somente no inferno, enquanto a obra literária é dividida em três etapas: o inferno; o purgatório;
e o paraíso.

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O imaginário imagético criado para o design do jogo também apresenta diferenças daquele criado
para a literatura. Dentre as versões de ilustração da obra de Alighieri destacam-se as gravuras de
Gustave Doré durante o século XIX que representam de forma enfática a dualidade moral entre
bem e mal em suas imagens, postura controversa ao observar a versão contemporânea no game.
Sendo assim este estudo apresenta uma análise comparativa entre as relações da moralidade e
suas correspondências visuais entre o jogo digital e a obra literária.

1. As diferentes moralidades

A obra de Dante Alighieri (1265-1321), dentre muitos aspectos, é uma obra de cunho moral.
É necessário que essa afirmativa esteja logo posta para que nos seja possível entender a clara
relação de contraposição existente ao relacionarmos o conteúdo dessa complexa obra que é
A Divina Comédia (2006) com o jogo digital O Inferno de Dante (2010). Essa contraposição não
será aqui entendida como partes excludentes, tão pouco será adotado uma relação hierárquica
entre ambas as mídias onde um acabaria por ser erroneamente entendido como uma variante
“melhorada” do outro. Mas sim será buscado o entendimento das variantes que tornaram a obra
tão diversa do game assim como seu contrário.
Dante Alighieri ao escrever a obra A Divina Comédia objetivou criticar toda estrutura político-
social vivida na Itália do séc. XIII – XIV. Julgando e sentenciando figuras ilustres do seu período,
inclusive figuras históricas que, segundo o autor, subvertiam os ideais por eles defendidos, –
algo não muito diferente dos líderes contemporâneos a ele – o autor afrontou sua época ao
posicionar em diferentes círculos (andares) do Inferno figuras comumente retratadas, lembradas
e ovacionadas pelos seus grandes feitos. Essa atitude nos revela uma posição subversiva do
autor frente a toda uma estrutura político-social que em uma primeira instância se apresentaria
virtuosa, mas que de fato, sob uma observação minuciosa, revelaria ser dotada de vícios, corrupta
e desviada.
O julgamento presente no primeiro tomo da obra, O Inferno, entende a virtude como a essência
presente na alma de cada indivíduo em contraponto aos vícios, que por sua vez corromperiam
aquilo de essencial característico ao mesmo. O ser humano, sobre essa perspectiva é entendido
como um ser dotado de um potencial voltado para o bem claramente interpretado pelo autor
como algo positivo, enquanto os vícios seriam todas as coisas mundanas capazes de desviar a
humanidade de seu caminho. Essa interpretação moral base do pensamento do autor reflete
uma moral fundada em princípios Católicos/Cristão onde, de maneira simplificada, podemos
descrever o ser humano como naturalmente bom, mas suscetível ao desvio de sua natureza
devido ao livre arbítrio que, por conseqüência, poderia o levar ao erro, isto é, ao pecado.
Essa base estrutural presente no pensamento de Dante não o destacava dos demais cidadãos
europeus do séc. XIII – XIV, tão pouco o qualificaria enquanto “fiel” devoto a cátedra religiosa, pelo
contrário, isso apenas o qualificaria enquanto cidadão Medieval, visto que, a lógica das virtudes

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medievalista era uma verdade tão clara quanto para muitos, a ciência passaria a ser durante o
período da história conhecido como Modernidade. Essa característica do autor acabaria por
sustentar todo julgamento posterior presente em sua obra. Fábio Alberti, tradutor, assim escreve
em seu texto introdutório à obra do autor:

Dante coloca a si próprio como personagem e lança mão da narração em primeira pessoa. Exilado,
peregrino, faz de si uma espécie de cidadão do mundo, representante do homem medievo, espremido
entre a cultura clássica e a cultura do cristianismo, em busca da excelência moral e espiritual e da
justiça social (ALBERTI, 2006, p. 07).

Igualmente, a base estrutural da qual Dante parte para desenvolver sua obra não o inibe de erigir
fortes questionamentos a estrutura religiosa que, segundo o autor, institui punições severas
alocando pessoas em certos círculos infernais, dos quais, segundo ele não seriam merecedoras,
como o caso do Primeiro Círculo descrito no Canto Número IV, onde estariam todos aqueles não
batizados, assim narrado pelo poeta Virgilio, personagem que dirige o autor em sua aventura:

Antes que vás em frente, convém saberes que não pecaram; porém, mesmo tendo realizado boas
obras, estão aqui porque lhe falta o batismo, portal da fé, no qual acreditas e ditoso por isso. Viveram
no tempo que antecedeu ao Cristianismo, e jamais prestaram culto a Deus: eu, que venho do
paganismo, sou um deles. Por tal defeito – outros nos mancharam – somos torturados com o castigo
de ter nossos desejos para sempre frustrados (ALIGHIERI, 2006, p. 22).

A posição do autor, enquanto escritor, claramente nos revela um tribunal moral com o qual
o mesmo passaria a julgar seus contemporâneos, muitas vezes deixando transparecer sua
aversão a estrutura religiosa de sua época, resgatando, da mesma maneira, os valores essenciais
esquecidos, e porque não abandonados pela mesma, sendo assim, promovendo um resgate de
valores morais para aplicá-los a estrutura dita defensora da moral (que acaba sendo posta em
questionamento).
Enquanto personagem, Dante, ao ingressar nos círculos infernais, transparece uma clara postura
dualista, igualmente complementar, que transita entre o respeito (frente a uma lógica divina
que, mesmo muitas vezes discordante a seu julgamento, é entendido como algo para além
de sua compreensão e poder), e o temor (diante a dor e o sofrimento promovido pelas forças
infernais conseqüentes dos atos humanos). Essa posição nos revela um Dante cauteloso que,
mesmo questionando e erigindo inúmeros questionamentos a essa estrutura, se resigna frente
a complexidade divina, aceitando sua determinação, apenas se rebelando enquanto autor,
alocando seus contemporâneos a lógica do inferno por eles defendida e difundida.
Nesse último quesito é onde encontramos a maior divergência moral entre a obra literária e
o jogo digital. Enquanto o autor/personagem, na obra literária assume uma posição cautelosa
frente ao complexo que constitui os círculos infernais, o personagem Dante do jogo digital
assume a posição de contestador nada cauteloso, recorrendo como primeiro recurso à violência
para sanar a “injustiça” imposta a ele e sua amada Beatriz (que no game é levada ao inferno por
Lúcifer).

43
anterior Sumário próxima

O Dante do jogo digital é um cavaleiro templário que mata, tortura e ordena o massacre de
inúmeras pessoas em nome de princípios Católicos/Cristãos. Ao morrer acaba sendo conduzido
ao inferno e lá promove um verdadeiro extermínio de criaturas infernais para enfim encontrar a
liberdade daquele cárcere, já que, em um primeiro momento este se coloca em uma posição de
injustiçado (visto que cumprira apenas ordens de seus superiores), mas que, em um segundo
momento compreende seus erros e passa a lutar pela redenção.
A passagem de uma postura de injustiçado para a postura de um redimido não impede Dante de
combater as forças do inferno que, em ambas posições, são vistas como reflexo icônico de toda
uma gama de valores correspondentes ao mal, errado, traiçoeiro e conseqüentemente injusto.
Por representar o mal, no jogo digital, o inferno passa a ser entendido como contraposto dualista
do bom, portanto, devendo ser combatido, algo que diverge radicalmente da obra literária que,
em nenhum momento questiona a existência do inferno enquanto estrutura necessária a lógica
divina.
O julgamento imposto pelo personagem do game é enfatizado quando o mesmo encontra
os prisioneiros do inferno, que por sua vez, lhes contam suas histórias, dando ao jogador a
possibilidade de tomar uma participação ativa não orientada pelo discorrer da história do game.
O jogador frente a essa posição tem a possibilidade de avaliar a história do prisioneiro e assim
tomar uma posição ativa na linha temporal do game, libertando a alma e a direcionando ao
paraíso, ou a condenando ao sofrimento no inferno.
A ação do jogo digital reflete um contraponto claro entre duas épocas muito distintas. Enquanto na
obra literária, ainda medievalista, as críticas postas por Dante ao inferno e seu modus operandi são
resumidas a uma contemplação reflexiva, transparecendo claramente um respeito a magnitude
da lógica divina (real para a sociedade medieval), o game reflete a posição de contestação ativa
comum de ser observado nos períodos modernos e contemporâneos. Esse conflito é mais claro
ao observarmos as representações iconográficas de ambas as obras.

2. As diferenças na visualidade

Segundo Ricoeur (2007) a noção de mal e a religiosidade estão intimamente ligados. Tendo uma
postura religiosa cristã, o autor afirma que a ação do mal reside no pecado que seria causar o
sofrimento ao outro, seja ele de forma física – através da violência – ou moral – que acarreta na
quebra de códigos e leis éticas e morais vigentes na sociedade. Ricoeur (2007) também ressalta
a importância do julgamento do ato maligno como o momento em que se condena o pecador e
este sofre sua punição, podendo assim ter a sua redenção através do arrependimento e aceitação
de sua culpa, ou o eterno sofrimento caso continue a pecar mesmo depois de punido.
O imaginário social construído para a imagem do mal pode ser transposto das ideias de Ricoeur
(2007). As noções erigidas através de discursos e simbolismos imagéticos do mal retornam à
ideia de sofrimento, violência, morte e punição. Ao observarmos as imagens do inferno ilustradas

44
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por Doré no século XIX pode-se bem observar as diferenças do que é bem e o que o mal no
imaginário da época. As gravuras de Doré mostram o inferno escuro e sombrio, no qual as formas
são difíceis de serem identificadas. De acordo com Durand (2002), a visão do negro provoca
choque e angústia em quem a vê:

[...] uma imagem mais escura, uma personagem vestida de negro, um ponto negro emergem
subitamente na serenidade das fantasias ascensionais, formando um verdadeiro contraponto
tenebroso provocando um choque emotivo que pode chegar à crise nervosa. Essas diferentes
experiências dão fundamento à expressão popular ter idéias negras, sendo a visão tenebrosa sempre
uma reação depressiva (DURAND, 2002, p. 91).

Sendo um ilustrador do século XIX, época na qual predominava o Romantismo (GOMBRICH, 1999),
Doré utiliza características do Barroco clássico em suas gravuras. As distinções contrastantes de
claro e escuro são providenciais nas representações visuais daquilo o que é bem e o que mal nas
imagens. O herói Dante, bem como seu guia Virgílio, aparecem no inferno em localizações mais
claras da imagem, enquanto os condenados, as criaturas e demônios ficam nas zonas escuras,
provocando a intenção do medo relacionado ao mal que estes seres representam.
Segundo Cappelari (2007), Gustave Doré retrata com maestria a dualidade bem e mal da obra de
Dante. O artista, ao retratar o imaginário da obra acentua o aspecto moral e diminui o religioso.
As figuras humanas são retratadas de maneira clássica enquanto os anjos e demônios são
diferenciados por ícones que celebram suas imagens como as asas, a presença ou não de chifres
e caudas, a luz em torno dos anjos e trevas em torno dos demônios. Essa diferenciação dá-se, não
de outra forma, devido ao imaginário existente em torno da temática na época em que a obra foi
interpretada por Doré.

Um modo de produção, uma forma de organização social, uma escala de valores, uma criação
tecnológica, um estilo de moradia ou uma obra de arte nada mais são do que determinações históricas
construídas pelo potencial criador do imaginário e concretizadas em cada sociedade. Desse modo,
o sem fundo humano, por intermédio do imaginário, é o produtor das representações e o instigador
da práxis social (RUIZ, 2003, p. 45).

Porém, ao pensarmos nas imagens do jogo, observamos certas diferenças no entendimento


da dualidade bem e mal mesmo nas representações visuais. Enquanto nas imagens do século
XIX Dante exibe um perfil clássico de um homem renascentista, com traços claros, organizados,
esteticamente belos que buscam um equilíbrio condizente com a postura “boa” ou “heróica”, o
herói Dante do jogo traz consigo certos paradoxos em sua visualidade. O Dante do game se
apresenta como um homem forte – característica do soldado, o que já é uma diferença do Dante
erudito literário –, armado e até mesmo deformado, com características grotescas e feias. A
representação do protagonista do jogo acaba trazendo qualidades de imagem que remetem em
certos aspectos, mais ao mal do que ao bem, construindo uma diferente leitura de herói a partir
de suas imagens que acompanham as diferenças na postura ética e moral do personagem.

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anterior Sumário próxima

Na contemporaneidade se enxerga a quebra da dualidade, o retorno do mal. A mudança do


pensamento moderno, no qual estava calcado Doré no século XIX, para uma condição pós-
moderna exigiu certa mobilidade das categorias dos estatutos sociais – classes, família, escola,
política etc. – assim modificando também a maneira de relacionar-se com os códigos morais.
Antes o trabalho supervalorizado, era o grande objetivo do indivíduo, que se reduzia à produção
e geração de capital objetivando uma produtividade cada vez maior. O tempo passa e o sujeito
vê a necessidade de fuga do status quo, buscando brechas na moralidade. “No pós-moderno,
Deus e o Diabo não estão mais no além mundo, estão no cerne do homem enquanto faces de
sua personalidade” (CAPPELARI, 2007, p. 233).
O que Maffesoli (2004) chama de uma “mística da violência” nada mais é que a aceitação do
mal, da imoralidade, como parte da vida: o hedonismo, o excesso, a loucura... uma comunhão
entre vida e morte. “Aí estão o excesso, o demonismo e as variadas efervescências de diferentes
ordens, afirmando que Dionísio é efetivamente o ‘rei clandestino’” (MAFFESOLI, 2004, p. 16). Não
se consegue mais limitar-se a uma vida reta extremamente racionalista e de abstenção, torna-se
necessária a construção de valores maleáveis e mais ricos capazes de pensamentos polissêmicos.

Constata-se uma volta do mal com toda a força. Refiro-me à face obscura de nossa natureza. Aquela
mesma que a cultura pode em parte domesticar, mas que continua a animar nossos desejos, nossos
medos, nossos sentimentos, sem suma, todos os afetos. Esta volta com toda força talvez seja aquilo
mesmo a que nos referimos há algumas décadas, de maneira bastante incerta, como “a crise”.
Fantasma que assombra a consciência dos dirigentes da sociedade, e que nada mais faz além de
expressar o que eles haviam negado, mas que continuava existindo naquela memória imemorial que
é o inconsciente coletivo (MAFFESOLI, 2004, p. 29).

Reconhecer a imperfeição é aceitar o retorno do mal. Porém isso não significa dizer que busca
agir com o mal, este ainda é uma força a se lutar contra muitas vezes. De um lado temos o pecado,
o qual se pode evitar e agir sobre ele, de outro lado tem-se aquilo que nem sempre se pode evitar
como a doença, a poluição etc. Ainda que se aceite o mal, não se nega o bem, não se procura
fazer sofrer, mas sim a liberação de amarras morais e sociais, a subversão de valores.
Assim o design do herói Dante do jogo segue estas características contemporâneas, onde o
grotesco, o feio, o deformado – apesar de também representar o mal e o pecado do personagem
que é moralmente imperfeito – são também aceitos como qualidades estéticas válidas de belo,
não seguindo cânones estabelecidos para uma representação dualista. Rahde e Cauduro (2005)
afirmam que as imagens contemporâneas carregam em si essas características, de poderem
ser imperfeitas, sujas, poluídas, grotescas e subversivas, sem perder deixarem de serem belas,
aceitando novas possibilidades de hibridismos visuais.
Não só o design do herói do jogo apresenta essas deformações de possuir qualidades relativas
ao mal, sendo um personagem a princípio bom. O guia Virgilio também demonstra uma
visualidade monstruosa, com rosto deformado e detalhes grotescos, enquanto nas imagens
de Doré é representado como uma figura de estética clássica greco-romana, remetendo à
origem do próprio personagem. Provavelmente, a mudança na visualidade de Virgílio se dá para

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anterior Sumário próxima

acompanhar à estética do design apresentado no jogo para o inferno, um lugar com criaturas
horrendas e deformadas, num excesso de violência grotesca onde não há espaço para o belo
convencional.
Em compensação personagens de posturas de bem e mal claramente definidas são tratados
no jogo dentro de seus estereótipos. Como exemplo disso tem-se o design da personagem
Beatriz, amada do protagonista, que aparece como uma figura bela e clara, deixando nítido seu
caráter de pureza e bondade, contrastando com as imagens infernais. De outro lado Lúcifer, o
vilão senhor do inferno, possui as características visuais esperadas ao estereótipo maligno: é
escuro, monstruoso, feio, deformado, com chifres e asas, fazendo a manutenção do imaginário
construído para a sua figura de diabo maligno.
Assim, as representações visuais tanto da obra literária quanto do game acompanham o discurso
moral de cada uma das versões, mesmo que no jogo, essa moralidade e postura do herói
enquanto tal seja contraditória ou subversiva.

Últimas considerações

O que se observa no jogo Inferno de Dante e a obra literária A Divina Comédia é uma mudança de
postura do herói enquanto seu posicionamento moral e ético em relação ao enfrentamento do
mal, o que é refletido em suas manifestações visuais.
As diferenças no comportamento e visualidade de Dante demonstram uma relativização do
mal e uma postura ativa, não mais apenas contemplativa, por parte do herói, o que reflete em
uma mudança de paradigmas da dualidade bem e mal em um aspecto contemporâneo que
é refletido no game. A postura do herói no jogo acaba por revelar uma mudança não só nesta
maneira de ver o entendimento ético, mas também toda uma mudança de entendimento moral
que são característicos de uma condição contemporânea e assim mostrada no jogo como uma
atualização da obra para um novo contexto sócio-cultural de um entendimento moral que é
apresentado na nova mídia.
Não diferentemente, o design do jogo com suas representações visuais também atualizam
essa visão moral, ao distorcerem a figura do herói como alguém ambíguo e polissêmico, mas
mantendo os estereótipos visuais de bem e mal bem definidos quando necessários, permitindo
assim novas interpretações e atualizações da visualidade e interpretação moral da obra.

Referências

ALBERTI, Fábio M. Dante Alighieri (1265-1321). In: ALIGHIERI, Dante. A divina comédia. Porto
Alegre: L&PM, 2006.

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anterior Sumário próxima

ALIGHIERI, Dante. A divina comédia. Porto Alegre: L&PM, 2006.

CAPPELLARI. Márcia S. V. As representações visuais do mal na comunicação: imaginário


moderno e pós-moderno em imagens de A Divina Comédia e do filme Constantine. Porto
Alegre: PUCRS, 2007.Tese (Doutorado em Comunicação), Faculdade de Comunicação Social,
Pontofícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2007.

DURAND, Gilbert. As estruturas antropológicas do imaginário. São Paulo: Martins Fontes,


2002.

GOMBRICH, E. H. A história da arte. Rio de Janeiro: LTC, 1999.

MAFFESOLI, Michel. A parte do diabo – resumo da subversão pós-moderna. Rio de Janeiro:


Record, 2004.

RAHDE, Maria Beatriz, CAUDURO, Flávio Vinícius. Algumas características das Imagens
Contemporâneas. In: XIV ENCONTRO ANUAL COMPÓS. Niterói: UFF, 2005.

RICOEUR, Paul. Evil – a challenge to philosophy and theology. New York: Continuum, 2007.

RUIZ, Castor Bartolomé. Os paradoxos do imaginário. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2003.

Jogo

VISCERAL GAMES; ELETRONIC ARTS. O Inferno de Dante. Visceral Games, 2010.

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anterior Sumário próxima

Desafios no Game Storytelling:


do Analógico ao Digital Sem Cheats

Alberto Ourique, Porto Alegre - RS


Carlos Cunha, Porto Alegre - RS

Palavras-chave: jogos digitais, game design, narrativa em jogos, story games, storytelling.

Um game pode ser concebido de várias formas. Para o autor Jesse Schell(The art of Game Design,
2008) o processo de Game Design nada mais é que do que o conjunto de decisões que precedem
e permeiam o desenvolvimento de um projeto de game. Já nas primeiras páginas do livro, ele
deixa claro que a criação de um jogo é um processo orgânico, aonde as regras vão se construindo
de acordo com cada projeto e com os profissionais envolvidos. Assim como em um jogo, onde
cada jogador encontra sua própria forma de se relacionar com a temática e com o sistema de
regras.
Para Schell, a utilização das lentes propostas em sua obra, permitem uma análise e construção
criteriosa de Gameplay, equilibrando as recompensas, dificuldade, temática, estética, sistema de
regras e todos os outros inúmeros elementos essenciais a um jogo elaborado. Dessa forma, não
existe um tipo único de profissional apto a se tornar Game Designer: programadores, designers
ou storytellers, diversos profissionais da chamada “indústria criativa” teriam um lugar à mesa de
reuniões. Se for a história, a tecnologia ou a regra que dá o pontapé inicial no processo, não
importa, para o autor o que conta é o bom entrosamento entre essas e outras diferentes variáveis,
chamadas por ele de “lentes”.
Já os autores Flint Dille e John Zuur Platten(The Ultimate Guide to Game Writing and Design)
dão uma pista no próprio nome do livro, afirmando que jogos devem ser “escritos”, o que
pressupõe uma etapa de Game Writing como parte do processo de criação. Para esses autores,
os personagens e história fornecem ao jogador elementos para que haja um “investimento
emocional”, uma conexão duradoura capaz de transformar jogadores em fãs. Eles se somam
ao coro afirmando que o processo de Game Design dever ser multidisciplinar e citam técnicas
narrativas de cinema, literatura e até mesmo os RPGs(Role-playing games) como ferramenta no
desenvolvimento de jogos.
Segundo os autores, o RPG permite que o jogador também seja autor e consequentemente,
Game Designer durante o jogo, em tempo real, o jogador se torna um storyteller através da
narrativa parcialmente ou totalmente compartilhada. Consciente de que não existe uma regra
na forma de construir o processo de criação de um jogo, esse artigo se propõe a trazer essa nova

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anterior Sumário próxima

ferramenta analógica como exercício de Game Design e Gameplay simultâneos: o Story Game.
Uma ferramenta que bem utilizada, pode trazer resultados muito interessantes não apenas para
construção de Game Stories, mas também permite emular um sistema de regras, em um Playtest.
São chamados de Story Games os jogos pertencentes a uma nova geração de RPGs que tem
como característica básica a narrativa compartilhada. Após as clássicas e consagradas franquias
D&D, Gurps e Storytelling, diversos títulos vêm surgindo, como Violentina - baseado em filmes de
violência do Diretor Quentin Tarantino, Este Corpo Mortal – com temática mágica e sobrenatural,
Shotgun Diaries – Com temática mais apocalíptica e o provável ícone nacional do gênero: Fiasco
– inspirado em filmes de golpes frustrados, como Fargo e Queime Depois de Ler, ambos dirigidos
pelos irmãos Coen.
Esses jogos exigem que todos os jogadores exerçam o papel de ator e diretor, ou, se preferirmos:
jogador e game designer. Nesse processo, todos os elementos narrativos e definidores da história
são construídos e testados em tempo real, o que permite a todos os envolvidos um playtest único,
com a possibilidade de sanar os “bugs” narrativos do jogo em tempo real. Deixando a história um
pouquinho de lado, a criação de um Story Game também permite ao Game Designer o playtest de
um sistema de regras, ao mesmo tempo em que acompanha a reação de cada um dos jogadores.
No best-seller How to write a Damn Good Novel o autor James N. Frey propõe três dimensões
principais para a construção de um personagem: a fisiológica – suas características físicas, a
psicológica – sua psiquê e personalidade e a social – seu lugar na pirâmide social. A proposta de
um personagem 3D parece uma alusão a algo que poderíamos chamar de “tecnologia narrativa”,
técnicas para a construção de personagens com o mesmo cuidado que a indústria de games
devota a outras disciplinas, como a estética e cinemática.
Frey defende as três dimensões como uma forma de criar um personagem crível e convincente,
que ele chama de Homo Fictus. Ele é o personagem que obviamente não existe fora da história,
do game, mas que poderia existir, pois parece real. Isso nós faz lembrar do filósofo Huizinga que
nos traz o Homo Ludens, que também exige diversão. Por último, o jogador como Homo Sapiens
que é também nos exige que sua inteligência não seja subestimada. Desta forma, esses três
“Homos” devem ser levados em conta e são essenciais para a construção de uma boa game storie.
Enfim, o processo de game development pode acontecer de diversas formas, onde não existe uma
correta ou errada. Este artigo ambiciona apenas, propor uma nova ferramenta com um potencial
a ser explorado no processo criativo, em especial na indústria dos jogos digitais: os Story Games.
Nem todos os jogos digitais possuem uma narrativa complexa, como as franquias Mass Effect,
Dragon Age e Skyrim. Acontece que muitos dos jogos mais simples acabam contando uma
pequena história, na medida em que o jogador faz suas escolhas, como a pequena historia
cotidiana na vida de um personagem do jogo The Sims, criada pelo jogador em suas singelas
escolhas.
Estruturas discursivas e manifestações discursivas. Essa é a divisão proposta por Marsal Branco
em Jogos Digitais: Metodologia e Conceitos para uma Mídia Indisciplinada. O autor divide os jogos
entre aqueles que possuem uma historia mais complexa, com mais diálogos e decisões narrativas,

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anterior Sumário próxima

denominando essas “teias” de informação como estruturas discursivas. Já os pequenos detalhes


que enriquecem jogos mais simples como um cenário, um ambientação através do som, um
estilo de personagem, um pano de fundo que ajuda a dar o tom do jogo. Eles são fragmentos que
não podem ser considerados uma narrativa, muito menos literária, mas porque não poderíamos
considerá-los “elementos narrativos”? Na medida em que eles dão a personalidade e diferenciam
os games, eles têm sua importância.
O Story Game permite que o jogo seja criado, testado e jogado ao mesmo tempo. Tanto sua
estrutura, quanto sua história. Por isso é uma ferramenta que se oferece para um Game Designer
disposto a tentar algo novo no processo de criação. Sem usar cheats comuns, como se inspirar
em mitologias e lendas já batidas, ou pior ainda: se inspirar em um jogo já consagrado. O autor
desse artigo acredita que os Story Games podem ajudar os excelentes profissionais da indústria
de games brasileira a ganhar níveis e se tornarem Game Developers ainda melhores.

BIBLIOGRAFIA

Bruno Bettelheim: A psicanálise dos contos de fadas – http://bibliotecariomaluco.blogspot.


com/2008/01/bruno-bettelheim-psicanlise-dos-contos.html

Joseph Campbell – O Poder dos Mitos – http://www.culturabrasil.org/campbell.htm

Flint Dille e John Zuur Platten – The Ultimate Guide to Video Game Writing and Design

Jesse Schell – The Art of Game Design

Joseph Campbell – O Herói de Mil Faces

Marsal Branco - Jogos Digitais: Metodologia e Conceitos para uma Mídia Indisciplinada

Johan Huizinga – Homo Ludens

James N. Frey – How to Write a Damn Good Novel – http://en.wikipedia.org/wiki/James_N._Frey

Lajos Egri – The Art of Dramatic Writing – http://books.google.com.br/books/about/The_Art_


of_Dramatic_Writing.html?id=RZ52P9cUf4AC&redir_esc=y

Stephen King – On Writing – http://dicasdoalexandrelobao.blogspot.com/2011/11/dicas-para-


escrever-de-stephen-king_28.html

Hakim Bey – T.A.Z. – http://pt.wikipedia.org/wiki/Zona_Aut%C3%B4noma_Tempor%C3%A1ria

51
anterior Sumário próxima

Ron Edwards – System Does Matter – http://www.indie-rpgs.com/_articles/system_does_


matter.html

Ron Edwards – Narrativism: Story Now – http://www.indie-rpgs.com/_articles/narr_essay.html

Ron Edwards – Simulationism: The Right to Dream – http://www.indie-rpgs.com/articles/15/

Ron Edwards – Gamism: Step on Up – http://www.indie-rpgs.com/_articles/narr_essay.html

Story Games Codex – http://www.story-games.com/codex/index.php?title=Main_Page

John Kim – Story and Narrative Paradigms in Role-Playing Games – http://www.darkshire.net/


jhkim/rpg/theory/narrative/paradigms.html

How to write a free RPG – http://www.thefreerpgblog.com/search/label/htwafrpg

Game Design Seminar with John Wick – http://youtu.be/iArk3EaBaDQ

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anterior Sumário próxima

Jogos Digitais como Possibilidades de Interação


Estratégica entre Educandos e Educadores para
o Ensino da História

Jacson Cristiano do Amaral1

Embora o poder executivo dos entes federados brasileiros venha paulatinamente se ocupando
da disponibilização de equipamentos de informática e de recursos humanos para as instituições
educacionais nas redes públicas de ensino, afim de incrementar os processos escolares de
administração e ensino-aprendizagem, consoando com o desenvolvimento exponencial atual dos
produtos de hardware e software, as implicações dessa consonância ainda são incipientemente
compreendidas e fracamente aproveitadas nessas redes e nos cursos de formação de professores.
Isso, pelo menos na realidade em que me situo, e suponho, é mais ou menos certo em grande
parte do território nacional brasileiro.
Quando de minha formação para a licenciatura em História pela Universidade Feevale, no cursar
das disciplinas, e nas atividades de prática docente em estágios supervisionados realizadas em
escolas na periferia da cidade de Novo Hamburgo, me pareceu que o aproveitamento desses
equipamentos de informática e das virtualidades da cibercultura estava subdimensionado,
figurando pouco nas proposições, discussões e reflexões tecidas nesses ambientes por parte
dos gestores, educadores e educandos. Um tanto pelo que este aproveitamento representa em
termos de novidade e inovação – ou seja, algo em mutação e relativamente pouco explorado e,
portanto, pouco conhecido.
Possivelmente, no que concerne aos cursos de formação de professores de História, isso é
devido à importância essencial do aprendizado acadêmico de conteúdos e referenciais teórico-
metodológicos próprios à historiografia, que tomam grande parte do tempo desses cursos,
muitas vezes relegando ao segundo plano os referenciais pedagógicos e psicopedagógicos mais
propriamente ditos, embora estes sejam igualmente fundamentais, mas também nestes últimos
o uso e aproveitamento dos recursos de informática é pouco explorado.
Quanto às instituições de ensino que recebem os educadores em formação em estágios
supervisionados, talvez isso seja devido a uma hipertrofia da função culturalmente conservadora
das escolas, que atrapalha uma abordagem mais contundente deste aproveitamento, hipertrofia

Licenciado em História pela Universidade Feevale, cursando especialização em Prática Docente no Contexto
1 

Universitário nesta mesma instituição.

53
anterior Sumário próxima

de funções conservadoras que se estendem aos equipamentos de informática, tomados como


pouco além de patrimônio a ser preservado.
Ora, temos assim um panorama que revela dois processos dissonantes, os quais é preciso que se
harmonize: a incógnita mutante tecnológica que aponta para o futuro, e o legado do passado
que clama por sua apropriação.
Existe ainda um enorme contraste socioeconômico entre os membros dos corpos discentes das
escolas públicas de periferia urbana, sendo que, ao passo que alguns educandos tem amplo
acesso a equipamentos de informática em seus lares, e mesmo lhes sendo possível levá-los à
escola, outros sequer possuem condições financeiras mesmo para possuir telefone ou frequentar
lan-houses, tendo contato com a cibercultura somente de modo indireto, fragmentário, e nos
eventuais aproveitamentos do laboratório de informática na escola que, no mais, são direcionados
aos objetivos de aula, havendo aí pouca ou nenhuma possibilidade de satisfazer suas curiosidades
pessoais não coincidentes com tais objetivos, muito menos para fruir a diversão que pode ser
possível nestes laboratórios.
Para educadores e postulantes ao trabalho em Educação, bem como às instituições de ensino, é
preciso e já inadiável que sejam capazes de lidar com esses recursos de informática e cibercultura
para o bem dos processos de ensino e aprendizagem, indo muito além do prosaico uso de
editores de texto e o aproveitamento de informações constantes em sites educativos, até mesmo
indo além do estabelecimento de aulas de informática que o ensinem. Uma parcela considerável
dos educandos, nos contextos acadêmico e escolar em que me inseri, são capazes destes usos
e aproveitamentos, apesar de muitas vezes, mais por problemas de motivação e de percepção
da auto-eficácia, deixarem essas habilidades de lado na solução das demandas acadêmicas ou
escolares.
Neste panorama, apresento aqui resultados parciais de minha investigação concernente ao uso
e aproveitamento desses recursos nos processos de ensino e aprendizagem do componente
curricular História na Educação Básica, entendendo que as relações que se dão nas escolas e,
mais pontualmente, as relações entre educador e educando são interações estratégicas, ou seja,
situações em que os participantes reconhecem a interdependência mútua de suas decisões.
São articuladas aqui, portanto, proposições tomadas na pesquisa bibliográfica empreendida para
o aprofundamento teórico e crítico na temática, com reflexões sobre as interações sociais entre
educadores e educandos, conforme verificadas em minha atuação acadêmica, para argumentar
sobre a pertinência da hipótese de que os jogos digitais interativos podem ser aliados do ensino
da História na Educação Básica, entendendo que estes produtos culturais tem, na interatividade,
trunfos que devem ser utilizados neste contexto.
Assim, quero propor que os jogos digitais interativos são elementos-chave para a otimização
dos trabalhos realizados por estes profissionais nestas instituições na atualidade. Por outro lado,
proponho que os recursos de informática e a cibercultura contribuem na redefinição do papel
dos professores e das instituições de ensino na atualidade, apontando para um futuro em que
estes não poderão mais tomar aqueles como secundários ou ignorá-los, como ainda se pode

54
anterior Sumário próxima

verificar em nossas escolas; visto que a função escolar tradicional de repositório da cultura e
instância de repasse unívoco de informações está irremediavelmente solapada.
Já se vão praticamente quatro décadas desde que as Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ) e Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) iniciaram os estudos da inserção da informática na
Educação em nossa Nação. Na UFRJ, o uso de software de simulação para o ensino de Química,
na UFRGS a defesa do uso do computador como ferramenta de ensino, com a fundação do
Laboratório de Estudos Cognitivos, tendo à frente a dr ª. Léa Fagundes.
Iniciando a década de 1980, a discussão sobre o uso e aproveitamento dos recursos de informática
na Educação se estabelece no Ministério da Educação (MEC), com a criação da Secretaria Especial
de Informática em 1979, e da Comissão Especial de Informática na Educação em 1983, que
implantam o projeto EDUCOM, que cria centros-piloto em cinco universidades públicas, a partir
dos quais este uso e aproveitamento da informática passa a ser difundido na Educação Básica.
O MEC lança, em 1987, o projeto Formar destinado à especialização de professores para atuarem
como multiplicadores das habilidades necessárias para a atuação nestes centros de informática
educativa. Lança também, neste ano, o primeiro concurso nacional de software educativo.
Finalizando aquela década, é instituído o Programa Nacional de Informática Educativa (Proinfo)
que desenvolve ações para capacitar professores e técnicos, e implanta centros de informática.
Na década seguinte, é criada a Secretaria da Educação à Distância (Seed) que objetiva fomentar
a incorporação das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) na Educação. Na década de
2000, o Governo Federal passa defender o uso de software livre na administração pública em
em programas de inclusão digital. Mais precisamente em 2005, ano em que o usuário brasileiro
de internet bate o recorde mundial de navegação domiciliar, é criado pelo MEC e sua Seed o
programa Mídias na Educação. O ano de 2007 marca o lançamento do programa Um Computador
por Aluno (UCA)1 que, a partir de sua implementação experimental em cinco cidades, passa a
disponibilizar notebooks2 para os educandos. No ano de 2010, este programa passa a contemplar
também a cidade de Novo Hamburgo3, na qual se situa a reflexão aqui traçada, conjugado com
o Plano Nacional da Banda Larga (PNBL) que incrementou o acesso escolar à rede mundial de
computadores.
Neste panorama, me parece ainda excessivamente incipiente a apropriação dos recursos de
informática pelos docentes no contexto da escola pública, e menos que isso dos jogos digitais
interativos entre tais recursos. Cabe, então, aos educadores deixar seu encastelamento nas
antigas noções e práticas educativas, para experimentar as novidades da informática, despidos
dos preconceitos para com os produtos culturais geralmente consumidos pelos seus educandos,
sob o risco de que tais práticas e noções caduquem, caindo por terra como uma folha no outono.

1 
http://www.uca.gov.br/institucional/index.jsp.
2 
http://www.cceinfo.com.br/uca.
3 
http://mundinho.novohamburgo.rs.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=1.

55
anterior Sumário próxima

É neste sentido, enfrentando outros riscos disparados pela apologia ao uso da informática na
Educação, que venho trabalhando na configuração de um projeto de pesquisa envolvendo a
utilização de jogos digitais interativos no ensino de História na Educação Básica. Para tanto, tenho
empreendido uma revisão bibliográfica fulcral, bem como experimentando games e software de
autoria, buscando me inteirar do que já existe neste sentido na realidade, do que existe aí em
potência, e do que é preciso que venha a existir.
Assim, o presente trabalho articula algumas proposições e reflexões que julgo pertinentes
neste contexto, com resultados da revisão bibliográfica empreendida. Neste intuito, tomemos
a obra “Games em educação: como os nativos digitais aprendem”, de João Mattar, como baliza
para situarmos o panorama atual da imbricação entre educação e jogos digitais interativos.
Inicialmente, é preciso reproduzir aqui as ressalvas que o autor tece em seu capítulo de conclusões,
devido a sua pertinência:

Poucos discordam de que são necessárias mudanças na educação. O uso de games é umas das
trilhas que começam a ser exploradas, mas é preciso um trabalho de evangelização, daí o tom muitas
vezes panfletário deste livro: trata-se de um exercício de conversão, de catequese, de divulgação de
uma visão. Não há, entretanto, motivo para alarme. [...] as novas tecnologias não significam o fim da
carreira dos professores; ao contrário, funções novas e interessantes se delineiam para o professor num
cenário renovado da educação. […] [grifo nosso]4

Esta obra de Mattar aponta diversas possibilidades e tentativas de realização e uso efetivo de
jogos digitais interativos e simulações para bem dos processos de ensino e aprendizagem,
referindo diversas outras obras e sites afins, que é preciso consultar. Para tanto, utiliza o conceito
“nativo digital”, desenvolvido por Marc Prensky, para buscar compreender as características
desses processos, supondo que os educandos na atualidade se caracterizam diferentemente
daqueles de outras geração quanto a sua relação com o aprender e o saber. Mattar ressalva
o tom apologético de suas proposições, na conclusão desta sua obra, porque é enfático no
entendimento que propõe quanto a esta diferença.

[…] Os nativos digitais são aqueles que já nasceram e cresceram na era da tecnologia, enquanto os
imigrantes digitais nasceram na era analógica, tendo migrado para o mundo digital somente durante
sua vida adulta. Naturalmente, esses dois grupos de pessoas pensam e processam informações de
modo diferente. Nossos alunos mudaram radicalmente e são hoje falantes nativos da linguagem
digital dos computadores, videogames e Internet; já os imigrantes digitais têm ‘sotaque’ quando usam
essa linguagem […] Nossos professores, imigrantes digitais, falam uma linguagem desatualizada
(aquela da era pré-digital) e estão lutando para ensinar uma população que fala uma linguagem
inteiramente nova [...]5.

4 
MATTAR, João. Games em educação: como os nativos digitais aprendem. São Paulo: Pearson Prentice hall, 2010.
p. 148.
5 
Idem : 10.

56
anterior Sumário próxima

É questionável o quanto há de mudança ou permanência nos modos pelos quais os cidadãos do


presente e do passado, nas diversas culturas, aprendem, estudam ou se apropriam dos produtos
culturais de seu tempo e sociedade. Quer me parecer que há algumas estruturas, pelo menos em
níveis bastante fundamentais, que se fazem presente na aprendizagem humana desde nossos
ancestrais mais remotos e que, justamente, nos diferencia dos demais animais. Mais que isso para
nossos propósitos, esta diferença se encontra justamente no desenvolvimento da comunicação
humana, inacessível em pleno aos demais animais.

[…] Un primer haz de ideas viene sucitado por la noción de “universo semiótico”em que se desenvuelve
todo el comportamiento animal. Con ello expressamos algo muy simple: que todo comportamiento
puede considerarse como regulado por lo que denominamos señales. [...] El universo de señales em
que nos desenvolvemos los humanos es radicalmente distintos de aquel em que vivem los animales.
[…] Contribuyen a crear estados representacionales de la mente; son éstos los que regulan la acción
que eventualmente se seguirá. Esta situación la compartimos, muy probablemente, los humanos
com – al menos – los outros abtropoides. Lo que es genuino de nuestra especie es que las tales
representaciones son simbólico-culturales6.

Este conceito de “universo semiótico” vem colaborar na compreensão dos processos de regulação
do comportamento humano, entre os quais se encontra os processos de ensino e aprendizagem
escolares, pelos quais as representações simbólico culturais das coisas no mundo e da existência
são reatualizados a cada nova geração.
Atualmente, entretanto, o universo semiótico em que se envolvem os jovens humanos é pouco
coincidente com aquele dos jovens humanos de há milhares de anos passados, e mesmo de
há algumas gerações em diversos pontos. Há na atualidade uma profusão de artefatos e
produtos culturais, em níveis de circulação global nunca vistos, cuja apropriação os humanos
atuais anseiam, e que os educadores não podem simplesmente ignorar, devendo antes fazê-la
operar em função de seus objetivos. Isso vai ao encontro das proposições de Paulo Freire, sobre
a “alfabetização” para “a leitura do mundo”.

Sempre que tenho discutido a questão da alfabetização, tenho afirmado que é impossível pensar-
se na leitura da palavra sem reconhecer que ela é precedida pela leitura do mundo. […] Por isso é
preciso primeiro constatar esta coisa óbvia: que o bicho gente, muito antes de desenhar e fazer a
palavra escrita,falou, disse a palavra e, muito tempo antes de escrever, “leu” o mundo dele, “leu” a
realidade dele. [...]7

O mundo que se dá a ler na atualidade está repleto de equipamentos de informática e de


elementos da cybercultura. O processos educativos que não levarem isso em conta, estão fadados
ao fracasso, pela desmobilização e desinteresse dos educandos, assim como vem se mostrando

6 
PERINAT, Adolfo Maceres. Comunicación animal, comunicación humana. Madrid: Siglo Veintiuno, 1993. pp.
182-183.
7 
FREIRE, Paulo; FREIRE, Ana Maria Araújo (org.). Pedagogia dos sonhos possíveis. São Paulo: UNESP, 2001. p. 136.

57
anterior Sumário próxima

inócua a educação que não leva em conta os anseios relacionais dos educandos, numa pedagogia
que apresenta a existência humana de forma assexuada e puritanamente prescritiva, enquanto
aqueles experimentam seus amores de modo secreto e clandestino.
Isso leva a considerar a justeza do conceito da “nativo digital” de Marc Prensky, com o qual se
busca identificar os indivíduos componentes da atual geração de educandos. Tomemos sua
conceituação, conforme explicada por Mattar:

[...] os indivíduos dessa geração preferem se autoeducar; ignoram a educação formal; tendem a
utilizar o método da tentativa e erro; preferem aprender pela interação com os colegas a aprender
com autoridades; consomem o aprendizado pouco a pouco, quando querem, em geral quando uma
habilidade é necessária; e preferem aprender na prática a aprender por manuais.8

Deste modo, não obstante as estruturas sociocognitivas básicas, percebe-se na atualidade novas
maneiras de apropriação de informações, de aprender, de leitura do mundo, que ultrapassam
os moldes tradicionais da educação escolar, com a função centralizadora do corpo docente
enquanto repositório das informações unívocas, pertinentes e bastantes.
Os equipamentos e programas de informática permitem que os educandos da atualidade
desenvolvam habilidades cognitivas não coincidentes com aquelas prescritas para os educandos
de outrora, como o respeito à subordinação hierárquica, a capacidade de gerar silêncio em
função da concentração, a habilidade de reproduzir sentenças contentoras de conhecimentos
pré-formalizados. Possivelmente, e muito devido às características de interatividade destes
equipamentos e programas, estamos vivendo a transição de um contexto em que prepondera a
expressão individual para outro, em que será mais valorizado a participação na comunidade de
sua pertença.
O Massachusetts Institute os Tecnology (MIT) desenvolveu o projeto “New Media Literacies”, que
pesquisa as habilidades e competências necessárias para que os jovens participem do mundo
atual, consoante com as tendências verificáveis nos processos socio-culturais hodiernos, e que
interessam ao objetivo do presente trabalho por estarem igualmente associadas ao uso de jogos
digitais interativos, podendo serem exercitadas com estes produtos culturais. Tais competências
e habilidades seriam, dentre outras, a capacidade de explorar o ambiente a fim de resolver
problemas; a habilidade de adotar identidades alternativas com o objetivo de improvisação e
descoberta; e a habilidade de experimentar e remixar significativamente conteúdos de mídia
[MATTAR, 2010].
Há dois modos gerais pelos quais o ensino da História pode se servir dos recursos de informática,
e em especial dos jogos digitais interativos, utilizando os conteúdos representados nestes jogos
para exercícios de análise crítica, ancorados em conhecimentos previamente construídos sobre
determinadas temáticas, e expondo os educandos à “retórica procedural”, conceito elaborado
por Ian Bogost, e que é fundamental para o entendimento de jogos e simulações.

8 
MATTAR, op.cit : 14.

58
anterior Sumário próxima

A retórica procedural é definida como a arte da persuasão por meio de representações e interações
baseadas em regras, em vez de palavras faladas e escritas, imagens fixas ou em movimento. […] A
proceduralidade se refere a uma maneira de criar, explicar e compreender processos que definem
como as coisas funcionam – os métodos, técnicas e lógica que guiam a operação de sistemas, sejam
eles mecânicos (como motores) ou organizacionais (como escolas). A retórica, por sua vez, refere-se
à expressão efetiva e persuasiva. A retórica procedural, portanto, combinando estes dois conceitos,
seria a prática de utilizar processos persuasivamente. Ou em outras palavras, a prática de persuadir
por meio de processos em geral, e processos computacionais em particular […]9.

Conjugando estes dois modos de implicação dos recursos de informática e o ensino escolar da
História temos, por um lado, meios para respaldar o uso dos jogos digitais interativos nas aulas
semelhantes ao uso que se dá nestes contextos a filmes e mesmo livros de época, pela crítica
de suas representações à luz do conhecimento historiográfico previamente construído; por
outro lado, pela exposição a determinadas ideias vinculadas ao sucesso do processo de ensino e
aprendizagem subjacentes em softwares especialmente desenhados para tanto.
Neste ponto acena uma problemática a qual não se pode mais ser tratada com evasivas, mas
que é muitas vezes tangenciada: as ideias e ideologias subjacentes no ensino da História. Ora,
como tudo que se fez no tempo pelo ser humano é objeto de estudo da História, pelo menos
potencialmente, como são feitas nisso as seleções de conteúdos escolares?
Há proposições de parâmetros orientadores desta seleção advindos do MEC, há proposições mais
ou menos detalhadas de conteúdos programáticos nos Projetos Político- Pedagógicos e Planos
de Estudos das instituições de ensino, há ainda uma seleção de cunho idiossincrático realizada
por cada professor de História. Todos esses níveis decisórios fazem suas operações de seleção em
consonância com suas funções, e assim verifica-se que o ensino da História – ainda que tenha
relativamente superado a louvação aos “pais da pátria” e a ênfase nas ações de governo – está
a serviço da uma determinada ideologia, referente à constituição e consolidação de Estados-
Nação territoriais, à valorização da Democracia, e à manutenção de relações de classe, embora a
mobilidade social aí também seja valorizada.
Estas ideologias e seus valores subjazem no ensino escolar da História pois é o Estado-Nação que
possibilidade haver escolas e professores, embora o professor historiador deva saber que e o quanto
os governos lidam para dirigir as consciências de seus governados também junto às escolas.
Embora atualmente as ações de governo não ousam ser tão prescritivas quanto outrora, para
um exemplo extremo da imbricação entre instituições escolares e tais ações, reproduzo um
depoimento constante na biografia “Wilhelm Pommer: memória e trajetória de um pastor
imigrante no sul do Brasil”, dito por uma filha do biografado, que bem ilustra a penetração destas
ações naquelas instituições, situado na cidade aqui enfocada em meados do século XX, quando
do ingresso do Brasil na II Guerra Mundial, e que teve grandes repercussões locais devidas às
especificidades demográfica e sócio-histórica local, outrora centro de difusão da colonização
alemã neste país, por proibir o uso de idioma e costumes alemães.

9 
MATTAR, op.cit. : 27.

59
anterior Sumário próxima

[…] naquela época, nós aprendemos em casa um cumprimento, que hoje lembra muito o
cumprimento da prenda gaúcha... aquele gesto assim de dobrar os joelhos, estendendo a mão para
frente, segurando o vestido. Isso era um gesto de respeito que a gente aprendeu em casa e ela, a
professora, disse que era um método nazista. Isso estava tão dentro da gente que a gente esquecia
de não fazer quando cumprimentava a professora. Então ela nos mandava para o pátio. Nós tínhamos
que cortar uma varinha e, na frente da classe, nós apanhávamos dela. [...]10

Obviamente que a violência física está abolida das escolas, pelo menos em tese, mas a capacidade
dos governos de se fazer presente nas instituições escolares ainda é plena, ou seja, dentro das
escolas brasileiras assume-se que a ideologia da Democracia e do Estado-Nação territorial precisa
ser preservada, embora os professores historiadores devam reconhecer a sua transitoriedade.
Entretanto, não vem ao caso que os professores de História passem a pugnar contra o Estado
legalmente constituído, mas apenas propor sua relativização, demonstrando que a conjuntura
atual nem sempre existiu, respaldando assim suas possíveis (desejáveis?) superações futuras.
Igualmente, os jogos digitais interativos estão carregadas de uma retórica procedural que
apresenta a solução de conflitos pela imposição da força, que dissemina posturas éticas
androcentradas e consumistas, bem como a sobrevalorização étnica. Isso é motivado pelo fato,
muitas vezes fracamente considerado, de que os games são produtos culturais criados por
pessoas falíveis e historicamente situadas.

Artificial agents are a mirror of their creators’ understanding of what it means to be at once mechanical
and human, intelligent, alive – what cultural theorist call a subject. […] agents come overcoded with
cultural values, a rich crossroads where culture and tecnology intersect and reveal their coarticulation.
This means in a fundamental sense that, in our agents, we are not creating life but representing
it, in ways that make sense to us, given our specific cultural backgrounds. […] Rather than seeing
an agent as a being in a social vacuum, we can see it […] as a kind of communication between a
human designer who is using it to embody a conception os an agent and a human audience trying
to understand it.11

Dentro das ações de governo de nossa Nação que visam fomentar o advento da informática
na educação, destacam-se as aberturas de editais de financiamento à pesquisa e realização
de jogos digitais interativos voltados à educação, como a Chamada Pública MCT/Finep/MEC –
Jogos Eletrônicos Educacionais 02/2006. Resultou desse esforço de financiadores e financiados
iniciativas louváveis, dentre as quais tomo como exemplo a realização do projeto “Tríade –
mediando o processo ensino-aprendizagem da História” da Universidade do Estado da Bahia
(UNEB).

KERBER, Alessander Mário. Wilhelm Pommer: memória e trajetória de um pastor imigrante no sul do Brasil. São
10 

Leopoldo: Oikos, 2008. p. 79.


11 
SENGERS, Phoebe. Schizophrenia and Narrative in Artificial Agents. in WARDRIP-FRUIN, Noah; HARRINGAM,
Pat (ed.) First Person: New Media as Story, Performance, and Game. Massachusetts: MIT Press, c2004. p. 113.

60
anterior Sumário próxima

Resultou deste projeto o jogo “Tríade” que pode ser muito útil para o ensino da história da
Revolução Francesa, com sua belíssima interface 3D, apesar de que pela sua estrutura, fundada
em ações que se desenrolam em primeira pessoa, pontuada por diálogos orientadores, enfatiza
o caráter individual das ações promotoras de alterações sociais, e tendo como protagonista
um senhor abastado que luta de capa e espada, valoriza os ideais de honra aristocráticos
pelo heroísmo. Não obstante, jogar este game é um recurso muito útil para a mobilização de
educandos em torno dessa temática, no mais calcada no fato histórico que marca a derrocada
dos reinos absolutistas e o advento dos Estados-Nação territoriais fundados numa Constituição.
Fazem par a este jogo também os jogos produzido nacionalmente “Búzios - ecos da liberdade”,
realizado também na UNEB12 e o “Jogo da Cabanagem”, desenvolvido pela Universidade Federal
do Pará (UFPA) tratando também de movimentos revolucionários contra o Absolutismo,
inspirados nos ideais iluministas que guiaram a Revolução Francesa, e que ocorreram dentro do
espaço territorial brasileiro.
As redes sociais de internet, povoada por milhares de educandos da Educação básica, embora
seus termos legais vetem a participação de indivíduos que ainda não atingiram a maioridade legal,
disponibilizam diversos jogos que enfatizam a colaboração, ao invés da oposição e eliminação
do oponente. Estes games sociais de colaboração, como os populares “Mini-Fazenda” ou “Mega-
City”(os dois jogos da Vostu), são simulações em cuja proceduralidade se podem verificar os
processos de exploração do ambiente e de tomada de decisão de seus usuários, perante as
demandas internas do programa. Igualmente, o game “Pioneer Trail” (Zynga) pode servir para
este tipo de verificação, entretanto ele carrega em si uma diferença importante para os objetivos
do presente trabalho. O ambiente simulado no jogo, a colonização do far-west norte-americano,
é análogo àquele da colonização do Brasil meridional, e tanto a jogabilidade como até mesmo
a arte nele contidas poderiam ser usados, ou no mínimo inspirar a realização de assemelhado
estritamente situado, nos contextos de aula pertinentes.
Ainda, venho trabalhando na realização de documentos de design de game, orientador de
possível transposição da temática escrita para a retórica procedural, referentes a três projeções
mais ou menos idealizadas, a saber, uma referente a jogo de aventura baseado no episódio
histórico conhecido como “Frota de João de Magalhães”, quando um pequeno número de súditos
da Coroa Portuguesa foram incumbidos de percorrer o então desconhecido e bravio caminho
litorâneo por via terrestre, ligando Laguna (atualmente no Estado de Santa Catarina-Brasil) a
Sacramento (Uruguay).
Outra projeção que busco amalgamar num design doc prevê jogo de ação e/ou representação
referente à história da colonização do Brasil meridional com contingente etnicamente teutônico,
situado precisamente na localidade Feitoria Nova/Teufelsloc, abordando os diversos eventos que
levaram a que fosse conhecida pelo topônimo Buraco do Diabo, e cujo núcleo de casas feitas
com a técnica construtiva enxaimel, reproduzindo de modo único no Brasil as Strassendörfer

12 
Para maiores informações e download dos games, consulte http://www.comunidadesvirtuais.pro.br.

61
anterior Sumário próxima

(aldeias cujas casas se localizam ao longo de uma estrada, é atualmente considerado patrimônio
histórico nacional pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).
Finalmente o projeto melhor acabado, prevê jogo de estratégia e também Role Playing Game
(RPG) que aborda a pré-História regional, este projeto foi testado na modalidade RPG analógico
em escola de Ensino Fundamental na qual trabalhei, com os educandos representando os
hominídeos ancestrais em situações de provisão e exploração, dirigidas pelo educador na função
de mestre do jogo.
Durante o período de minha atuação junto a essa coletividade, propus tarefas capazes de
nos preparamos com desenhos e roteiros de aventura para realizar alguma produção digital
pertinente, porém diversas questões como as normas institucionais de utilização do Laboratório
de Informática Educativa, privilegiando outras iniciativas, inviabilizaram esta realização
Neste ponto é interessante perceber que os jogos digitais interativos podem vir a compor Ambiente
Virtuais de Aprendizagem, que por sua vez são inovações importantíssimas principalmente
quanto à viabilização da apreciação dos trabalhos escolares de uma determinada disciplina ou
componente curricular por todos os membros do corpo docente e pelos dirigentes institucionais
nos processos de avaliação.
É importante notar que, embora os jogos digitais interativos e as simulações possam colaborar
nos processos de ensino e aprendizagem, estes artefatos culturais precisam estar conjugados
com atividades presenciais, a serem realizadas pelos educandos no mundo físico palpável, e com
instrução docente que contemple os estados emocionais/motivacionais dos discentes.
Ainda um ponto precisa fazer-se constar neste trabalho, e é referente a jogos de representação.
As atividades que demandei dos meus educandos geralmente oportunizavam a representação
de papéis de gênero e/ou classe situados em determinados períodos históricos, o que se mostrou
instigante para esses jovens, vindo mesmo alguns a preparar representações baseadas em textos
de época para além das demandas.
Entre tais jogos de representação houveram momentos de um jogo especial, ao qual nos
referenciamos na técnica do “teatro-fórum” de Augusto Boal13 dentro do programa metodológico
do “Teatro do Oprimido”. Consistia na definição de uma situação problema, de cunho social,
muitas vezes referente ao próprio desenvolvimento de grupo da turma enquanto coletividade
mas outras tantas representando conjunturas históricas passadas, que se desenvolvia até certo
ponto em que se interrompe a ação e alguém da assistência ocupa um dos papéis, encontrando
outra solução.
Afortunadamente, durante a revisão bibliográfica sobre jogos digitais interativos que desenvolvo,
encontrei um artigo de Gonzalo Frasca, cujos serious games são exemplos de como os games
podem veicular ideias a revelia do status quo, no qual este autor refere a mesma técnica, coma
diferença de que ele propõe sua transposição para o mundo virtual de games. Este autor

13 
BOAL, Augusto. Jogos para atores e não-atores. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.

62
anterior Sumário próxima

argumenta a favor de representações de caráter crítico brechtiano, em detrimento do caráter


catártico aristotélico.

Unlike narrative, simulations are kaleidoscopic form of representation that can provide us with
multiple and alternative point of view. By accepting this paradigm, players can realize that there are
many possible ways to deal with their personal and social reality. Hopefully, this migth lead to the
development of a tolerant attitude that accepts multiplicity as the rule and not the exception.14

Este arrazoado deve nortear a utilização de games na educação, quando nisso referimos os
componentes curriculares de Estudos Sociais.
È preciso, ao final, referir também aos textos disponíveis no site http://www.comunidadesvirtuais.
pro.br/ no qual os pesquisadores de jogos digitais interativos da UNEB disponibilizam seus
principais resultados. Dentre estes, o artigo “O papel do historiador no desenvolvimento de um
game”, de Filipe Pereira e Lynn Alves, tece diversos arrazoados muito relevantes para a inserção
dos historiadores no desenvolvimento destes artefatos culturais. Dentre estes arrazoados,
enfatizam muito acertadamente o dever do historiador, também neste contexto, de evitar o
“anacronismo”, ou seja, buscar compreender o passado a partir de valores, ideias e pensamentos
que são justamente atuais e, assim, lhe são hostis.
Apesar de um tanto fragmentário e superficial, devido ao caráter hercúleo da tarefa a qual
este trabalho se destina, o presente artigo buscou mostrar um panorama da inserção dos
jogos digitais interativos na Educação Básica, aliado a algumas proposições e entendimentos.
Longe de significar a última palavra dada a este respeito, serve mais como revelador de uma
intencionalidade, na tentativa de fazer consoar inovação tecnológica e preservação cultural.

Bibliografia

BOAL, Augusto. Jogos para atores e não-atores. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.

FREIRE, Paulo; FREIRE, Ana Maria Araújo (org.). Pedagogia dos sonhos possíveis. São Paulo:
UNESP, 2001.

KERBER, Alessander Mário. Wilhelm Pommer: memória e trajetória de um pastor imigrante no


sul do Brasil. São Leopoldo: Oikos, 2008.

MATTAR, João. Games em educação: como os nativos digitais aprendem. São Paulo: Pearson
Prentice Hall, 2010.

14 
FRASCA, Gonzalo. Videogames of the opressed: critical thinking, education, tolerance, and other trivial issues.
in WARDRIP-FRUIN, Noah; HARRINGAM, Pat (ed.) First Person: New Media as Story, Performance, and Game.
Massachusetts: MIT Press, c2004. p. 93.

63
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PERINAT, Adolfo Maceres. Comunicación animal, comunicación humana. Madrid: Siglo


Veintiuno, 1993.

WARDRIP-FRUIN, Noah; HARRINGAM, Pat (ed.) First Person: New Media as Story, Performance,
and Game. Massachusetts: MIT Press, c2004.

64
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Jogos Online na China


Pedro Benevides
Pós-doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da
Unisinos

resumo
Através da sistematização da busca de referências bibliográficas e do levantamento de critérios
para avaliar sua pertinência, o objetivo geral deste artigo é oferecer um panorama dos jogos
digitais na China, analisado em 4 vertentes: mercado, regulação estatal, público e a proeminência
dos jogos online, especialmente os MMOGs.
Palavras-chave: Jogos online. China. MMOGs.

Para além da grandiosidade numérica exposta em tantas estatísticas acerca do crescimento do


mercado midiático na China, existe um conjunto amplo de fatores sociais, culturais e geopolíticos,
além dos estritamente comerciais e estatais, compondo um panorama diferenciado daquele
colocado na China do final dos anos 1990. Trata-se de um cenário ofuscante pela magnitude e
velocidade dos fenômenos, o que se agrava pelas barreiras entre eles e o olhar brasileiro.
A pesquisa em comunicação no Brasil já apresenta alguns passos introdutórios na abordagem
deste conjunto de objetos, num esforço de aproximação cuja urgência vai ficando exposta à
medida que elementos da mídia chinesa repercutem no plano internacional, já anunciando altas
ambições de se colocar como referência para o mundo.

mercado chinês de jogos digitais – da importação à inovação

No início de 2011, indicadores oferecidos por governo e empresas estimam a estabilização do


crescimento do mercado chinês de jogos online. A queda de 52% de crescimento em 2008 para
30% em 2009 e 21% em 2010 indicava uma saturação do mercado, inundado pela repetitividade,
e que exigia inovação (Online game industry levels off, insiders say. China Daily, 20.01.2011).
Chegando a esta situação, o mercado de jogos apresentava perfil diverso daquele dos primeiros
anos de sua vertiginosa expansão, quando as empresas chinesas não passavam de importadoras
de jogos coreanos. Desde 2006 o mercado chinês de jogos digitais é dominado por empresas do
próprio país, num processo de autonomização da produção, em que foram 356 jogos produzidos
na China em 2010, 82 dos quais já exportados para 40 países (China’s own products dominate
online game sales. China Daily, 21.01.2011).

65
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Para começarmos a visualizar esse trajeto, vamos acompanhar brevemente o percurso de uma
empresa, a Shanda Interactive Entertainment Limited – ou apenas Shanda. Ela é uma das maiores
operadoras de jogos digitais na China e sua posição oscila entre primeira e segunda colocada
nos últimos anos. Fundada em 1999, em Shanghai, como simples empresa de distribuição, ela
já registra crescimento na receita de 84% de 2002 para 2003 (Shanda plans NASDAQ listing.
China Daily, 14.05.2004) e alguns anos depois já declara almejar a posição de conglomerado de
entretenimento.
Colhendo os frutos do comércio de produtos importados, a empresa passa então a uma etapa
de aquisições, mapeando cuidadosamente pequenas empresas locais atuando nas diversas
ramificações dos negócios dos jogos. Por exemplo, em 2004 a Shanda compra uma empresa
de jogos para dispositivos móveis chamada Beijing Digital-Red Mobile Software, além de
projetar altos investimentos em pesquisa e desenvolvimento (Shanda to acquire mobile game
developer. China Daily, 09.09.2004). Em 2006, a Shanda negocia com a Hewlett-Packard para que
os computadores pessoais desta empresa venham instalados com seus produtos (Shanda signs
new partner. China Daily, 19.04.2006).
À medida que alcança o patamar de liderança no mercado chinês, a Shanda vai se expandindo
para outros ramos digitais, como vídeos online, filmes, televisão, música e publicações, seguindo
passos de companhias como Apple e Amazon, com seus iPad e Kindle, respectivamente (Shanda
Interactive on the prowl. China Daily, 02.03.2010). Além disso, vai adentrando a competição
internacional, como em 2010, quando a Shanda compra a empresa estadunidense Mochi Media,
com matriz em San Francisco e possuidora de uma rede de 140 milhões de usuários ativos mensais
e mais de 15 mil jogos baseados em navegador, ou browser-based games (China’s Shanda Games
to acquire US Mochi Media. China Daily, 12.01.2010). As manobras mais ousadas foram alianças
realizadas com a Disney em 2006 e com a coreana NC Soft em 2007 (Yuan e Chung, 2009).
Trata-se de um trajeto inscrito num quadro amplo, que tem um de seus marcos no anúncio das
reformas de 1978, que abriram espaço para os primeiros jogos digitais. Ao longo da década de
1980, os jogos de arcade e os videogames domésticos (home game consoles) são comercializados
por empresas privadas, em geral com jogos estadunidenses e japoneses. Tais jogos são logo
associados à delinquência juvenil até que o Estado chinês lança medidas restritivas em 2000,
limitando o acesso de adolescentes ao período de férias, limitando também o tempo de
funcionamento das lojas a um máximo de 16 horas por dia e chegando ao ponto de proibir a
importação de equipamentos de videogame (game consoles). Os videogames domésticos são
anunciados por seus produtores chineses como “jogos de estudo” (study consoles), destacando
seu valor educativo e oferecendo aos pais uma alternativa ao arcade. Esses produtores domésticos
ofereciam as máquinas, mas não os jogos, que eram cartuchos clandestinos de Nintendo, Sony e
Sega. Os jogos de PC individual se colocam desde o início dos anos 1980 com jogos clandestinos
japoneses e taiwaneses, mas apenas no fim dos anos 1990 se disseminam a partir do barateamento
do PC e assim, no início dos 2000, se multiplicam os jogos digitais europeus e estadunidenses
para PC, somados aos japoneses e taiwaneses. A propagação dos PCs e a construção da infra-
estrutura de internet instalada pelo Estado viabilizam o fenômeno da projeção dos jogos online.
Na década de 2000 ocorre a proeminência destes jogos na China, que se mantém hoje e já pela

66
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capacidade própria das empresas chinesas. Arcades, videogames e jogos de PC ficam em segundo
plano diante dos jogos online, que se fortaleceram a partir de bases modestas: a importação de
jogos coreanos pelas frágeis empresas chinesas (Cao e Downing, 2008:516-517; Yuan, 2008:32).
Se nos Estados Unidos foi pelas mãos de amadores, entusiastas e tecnólogos da informação que
começou a indústria de jogos digitais, e se na Coréia do Sul foi pelo incentivo e protecionismo
estatal, na China o ramo dos jogos online é disparado no final dos anos 1990 pela combinação de
jogadores qualificados nas tecnologias de informação e de pequenos empresários importadores
hábeis na adaptação de ferramentas tecnológicas e mercadológicas ao contexto chinês (Williams,
2002:42; Chung, 2008:309; Yuan, 2008:39).
Numa periodização específica dos jogos online, no período de 2000 a 2002 ocorre a emergência
do mercado chinês de jogos online, dominado por jogos coreanos de alta qualidade, importados
por firmas chinesas, que já buscam desenvolver seus próprios títulos, imitando o modelo
coreano. De 2002 a 2005, as empresas chinesas de jogos online se fortalecem seguindo dois
caminhos: em primeiro lugar, caçando talentos identificados localmente através de parcerias
com universidades e instituições de pesquisa; em segundo lugar, realizando fusões, aquisições
e parcerias com empresas menores visando a verticalização, englobando a criação, a edição
(publishing) e a distribuição, e assim começando sua conversão em conglomerados. A partir de
2005, quando as empresas chinesas como Shanda, NetEase, Giant e Perfect World atingem as
posições de liderança no mercado, criando e distribuindo seus próprios jogos (Yuan, 2008:31-35).
Este portanto é o trajeto geral do mercado de jogos online na China: o fôlego reunido na
importação e distribuição permite às empresas chinesas transferir tecnologia, experimentar
métodos de coordenação todos os elos do mercado, da criação à distribuição, chegando ao
ponto de lançar seus próprios jogos no mercado chinês e logo alcançar o mercado internacional.
No mercado de games online, 2002 é o ano em que o número de títulos lançados na China por
empresas chinesas ultrapassa o de importados da Coréia. Assim se pode contabilizar o crescimento
das empresas chinesas, no que diz respeito ao número de jogos online lançados no mercado
interno: em 2002, foi lançado um total de 61 jogos online, sendo 30 chineses e 27 coreanos, e
em 2007 foram lançados 203, sendo 133 chineses e 64 coreanos (Yuan, 2008:82). A empresa de
análise de mercado Morgan Stanley afirmava em 2004 que a China domina a tecnologia de jogos
online, atrás apenas da Coréia, mas muito à frente do Japão, Europa e Estados Unidos (apud Yuan,
2008:66). A indústria de jogos online na China atinge assim capacidade própria de inovação
(Yuan e Chung, 2009:23).
As forças acumuladas nacionalmente são projetadas mundialmente de modo diferenciado. As
manobras para ganhar mercado estrangeiro de jogos de navegador estão priorizando a Coréia
do Sul, Taiwan e Vietname (Gaming set for fast growth in new play areas, China Daily, 20.02.2012).
Trajetórias empresariais do ramo de jogos ganham interesse para além desta área específica à
medida que tal gigantismo começa a direcionar a mídia como um todo. Assim, em fevereiro de
2005, a Shanda comprou 20% das ações da Sina, o maior portal chinês e considerado a segunda
maior organização de mídia do país, atrás apenas da poderosa CCTV, a emissora central chinesa
(Shanda buys large stake in Sina portal, China Daily, 21.05.2012). A imprensa observa que uma

67
anterior Sumário próxima

possível fusão das duas empresas poderia significar uma “drástica remodelação da indústria
chinesa de internet” (Shanda makes no move on Sina, China Daily, 28.09.2005).
Trata-se de tendência mundial a ser acompanhada atentamente, ocorrendo pelo menos em
dois eixos: fusões e aquisições envolvendo corporações já consagradas geram um grupo ultra-
centralizado de empresas que se remaneja a partir do processo de integração de mídia, informática
e telecomunicações, como AOL-Time Warner ou a Bertelsmann (McChesney, 2003:232), enquanto
que este mesmo processo de convergência gera novas empresas, da Microsoft à Google, que
também ajudarão a reconfigurar formas e conteúdos midiáticos (Mosimann, 2007:45-50). A
partir da década de 2000, é indispensável considerar a capacidade chinesa de acompanhar e
infletir estas forças globais.

tecno-nacionalismo e a entrada dos jogos digitais no Plano


Quinquenal

Em 2008 é anunciado que o número de usuários de internet na China ultrapassa o número nos
Estados Unidos – a famosa marca dos 253 milhões de usuários. A bem da verdade, o número
deve ser relativizado, correspondendo a 19% da população chinesa, enquanto os Estados Unidos
contam 69,7% da população acessando a internet. Ora, em apenas dois anos, de 2008 a 2010,
a taxa chinesa passou de 19 a 31%, com 420 milhões de usuários (Internet World Stats, 2010;
CNNIC, 2010:13). Hoje, no que diz respeito às telecomunicações na China, o foco das atenções
está na chamada Convergência das Três Redes, um projeto de infra-estrutura e regulamentação
comuns a três indústrias – a de telecomunicações, a de internet e a de emissoras (Hu e Li, 2011).
São dados que atestam as abrangentes medidas de Estado, cuja presença se coloca a cada passo
da história da indústria chinesa de jogos digitais, mas a seu próprio modo.
O Estado constrói e difunde a infra-estrutura de internet, garante o barateamento do PC e ao
mesmo tempo proíbe os equipamentos de videogames (consoles), sendo esta a combinação
básica que projetou os jogos online de modo especial na China. Já o que viabilizou que fossem
as empresas chinesas que dominassem o mercado em pouco tempo foi o protecionismo, mas
não de modo direto. Companhias estrangeiras de jogos não tinham permissão de lançar seus
produtos independentemente, mas apenas se associando a empresas locais, como já vimos.
Mas isso era decorrência do regramento geral da indústria e não de algum tipo de prioridade
dada pelo Estado ao mercado de jogos em particular. O Estado cria ambiente favorável para a
chamada (pelos próprios agentes) indústria cultural e os jogos participam como coadjuvante. As
empresas coreanas agem rapidamente, fazendo co-produções e joint-ventures com as chinesas,
enquanto européias e estadunidenses receiam a transferência de tecnologia e a pirataria.
Quando o mercado de jogos digitais ganha a projeção já assinalada, é aí que o Estado intervém
diretamente acolhendo e incentivando este ramo. Os incentivos vão começar em 2003, quando
a indústria de jogos entra no Programa 863, em outubro de 2003 (Ernkvist and Ström, 2008; Dal
and Chee, 2008).

68
anterior Sumário próxima

Para além das ações pontuais, a relação entre o Estado e o mercado de jogos digitais na China
precisa ser compreendido com uma referência mais abrangente. Analisando as medidas
protecionistas e as prioridades nos incentivos do Estado chinês, acadêmicos enquadram esse
conjunto de diretrizes e ações na categoria de tecno-nacionalismo, entendido como uma
doutrina que visa a autonomia em indústrias de alta tecnologia, desenvolvendo capacidade
local para galgar posições lucrativas em redes globais. Na China, o tecno-nacionalismo tem
origem na militarização da ciência e tecnologia nos anos de Mao, continuada nos anos de Deng,
e recentemente formulado como o Programa Nacional de Desenvolvimento de Alta Tecnologia
(ou Programa 863), do Ministério de Ciencia e Tecnologia. São ações que seguem os passos
de Japão, Coréia do Sul e outros NICs (newly industrialized countries). O tecno-nacionalismo
envolve amplo conjunto de ações: indução de influxo tecnológico, promoção de exportações e
diversificação de parcerias internacionais, assim como proteção do mercado interno, facilitação
infra-estrutural, incentivo a conglomerações, investimento em pesquisa e desenvolvimento,
formação de recursos humanos etc. Este é o quadro geral em que a mídia recebe suas condições
infra-estruturais (Jiang, 2011).

juventude chinesa

Os jovens do sexo masculino que compõem o perfil geral do público dos jogos digitais na China
possuem características diferenciais. O primeiro é o chamado coletivismo, comumente assinalado
para caracterizar a cultura chinesa, em oposição a um ocidente individualista. O coletivismo
seria marcado pela interdependência e por valores definidos em termos de obrigações sociais,
que se exprimem pelo termo guanxi, fator relevante para a compreensão da dinâmica da mídia
na China (Bastos e Pinto Neto, 2008). Trata-se de um sistema de trocas sociais, que envolve as
relações interpessoais mas também pode vincular duas empresas, num intercâmbio de benefício
recíproco cujo grau de assimetria é objeto de polêmica. As consequências para a mídia são
diversas, podendo chegar a se estabelecer como alternativa ao controle estatal: dada a rebaixada
credibilidade da mídia, que é propriedade estatal, aquelas redes de relações podem ser o caminho
para empresas se comunicarem com seus públicos sem depender completamente dos meios
de comunicação. Ainda que tal distinção entre individualismo e coletivismo carregue os tons
do orientalismo, note-se a existência de tantas pesquisas que observam, nas culturas chamadas
individualistas, a maior importância da representação que uma pessoa faz de si, enquanto que na
China importaria mais para a pessoa a representação que os outros fazem dela (Yuan, 2008:26).
Um estudo feito nos Estados Unidos indica que os estadunidenses percebem que a similaridade
de outros com eles é maior do que a deles em relação a outros: “Orientais teriam maior tendência
que ocidentais a assumir a perspectiva da terceira pessoa” (Cohen e Gunz, 2002:56). É um traço a
ser cautelosamente considerado.
Numa sociedade em acelerada urbanização e mobilidade social, o traço do coletivismo se
combina com outros, como o consumismo e o pragmatismo apolítico, que compõem um segundo
fator. Alguns usuários de jogos se colocam como consumidores exigentes, volúveis e altamente

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anterior Sumário próxima

exibicionistas (Yuan, 2008:65). Um empresária da Perfect World destaca o caso de um jogador


que não se inseria em nenhuma atividade coletiva, “Ele só ficava lá com as roupas e as armas mais
brilhantes. Ele tem estado lá por vários meses, mas gasta mais de 10 mil por mês comprando itens”
(Yuan e Chung, 2009:13). Note-se que a juventude cresce num ambiente educacional no qual a
ideologia e a política ensinadas oficialmente são divorciadas da competição e do individualismo
que esses mesmos jovens testemunham junto à expansiva economia, podendo conduzir a uma
“personalidade dissociada” na juventude chinesa (Jin, 2008:90-91).
Um terceiro fator destacável deriva da política de planejamento familiar (ou programa de
filho único), que interfere na relação elementar entre jogos digitais e juventude. Neste país,
encontramos uma situação talvez sem precedentes na história da humanidade: a população
urbana formando uma geração sem irmãos ou irmãs, a qual se atribui uma especial ânsia por
socialização. A solidão e a avidez por interação social é indicada como motor que leva os jovens
a buscarem status e liderança dentro de grupos, colocando em segundo plano o valor de vitórias
e soluções individuais (Yuan, 2008:64).
São fatores que se entrelaçam, em inúmeras possibilidades. Uma empresária chinesa comenta
a importância da sociabilidade promovida pelos jogos: “Jogadores chineses estão interessados
em alcançar alto status social no mundo virtual” (Yuan, 2008:64), enquanto os ocidentais
buscariam mais conquistas pessoais. Essa declaração aponta para uma articulação entre fatores
de coletivismo e de individualismo, e não uma oposição entre eles.

capitalização da mídia e segmentação de conteúdos

Antes de tratar dos jogos, vale situá-los em mudanças gerais dos programas midiáticos chineses.
Os jogos digitais estão envolvidos na dinâmica geral iniciada em 1978 com as reformas, a partir
das quais a manutenção do poder do Partido Comunista e a fragilização do seu controle sobre
a sociedade se entrelaçam permanentemente. A medida fundamental do Partido foi diminuir
a subvenção aos meios de comunicação, para deixá-los incorporarem as regras de mercado e
atraírem verbas publicitárias (Kivlehan-Wise e Welch, 2010, p. 16). De 1978 a 1996, ocorre um
grande crescimento dos meios, uma difusão de aparelhos de recepção, forte ascensão da
publicidade e competição acirrada entre veículos. De 1996 a 2001, os meios são organizados
em conglomerados, o que já ocorria em outras indústrias desde o começo dos anos 1990, como
providência para fortalecer a capacidade interna diante da competição internacional. O ano de
2001 é um marco decisivo, quando 15 anos de negociações finalmente atingem o objetivo de
entrada da China na Organização Mundial do Comércio. A partir daí, uma terceira etapa se inicia,
a de capitalização da mídia chinesa (Hu, 2003, pp. 22-23). O que importa destacar aqui é que esse
processo viabiliza que a mídia atenda a demanda por segmentação de conteúdos, combinada à
proliferação do consumo de aparelhos receptores e ao aumento da renda de parte da população.
Zhengrong Hu observa que o público era enquadrado como massa, pelo fator proibitivo da
mera falta de opção, até os anos 1970, quando a multiplicação de canais e de jornais viabiliza

70
anterior Sumário próxima

uma etapa inicial de segmentação, quantitativamente reforçada na década de 1980, quando se


observa uma explosão de veículos (Hu, 2001).
Voltando ao âmbito dos jogos digitais, a diversificação da demanda é assim percebida por
um empresário da NetEase: “Por exemplo, o grupo de jogadores que atingimos em Shanghai
é substancialmente diferente daquele do jogo Zhengtu. (...) Especificamente, os jogadores da
NetEase são em geral adolescente ou aqueles na casa dos 20 em pequenas e médias cidades.
Este grupo de pessoas não sofre muita pressão para se manter e tem uma moderada quantia de
dinheiro para gastar, de modo que o preço de 40 centavos por hora é aceitável para eles” (Yuan
e Chung, 2009:14). As empresas buscam interação diária com os jogadores, que podem evadir
facilmente dada a grande oferta de jogos. O atendimento imediato às demandas é também uma
vantagem a mais para firmas chinesas, pois as estrangeiras não podem capilarizar sua estrutura
e se familiarizar com a cultura para apresentar tamanha imediaticidade de contato com os
jogadores. Outro empresário comenta a dificuldade de se manter próximo às variáveis demandas
dos consumidores, percebendo desde o desejo pelo 3D até o anseio de converter relações online
em off-line (Yuan, 2008:51).
Qualquer apresentação de um registro do mercado de jogos digitais tende a perder validade
rapidamente, e é bom alertar sobre as tentações de indicar tendências no caso chinês. O dinamismo
se verifica na diversificação dos jogos. Entre 2009 e 2010, por exemplo, os jogos de estratégia de
guerra dominaram a indústria de jogos de navegador mas tomaram apenas 36% do mercado no
fim de 2011, enquanto cresciam os role-play games e os jogos casuais de esportes (Gaming set for
fast growth in new play áreas. China Daily, 20.02.2012). Mesmo os tão celebrados MMORPGs, nos
últimos dois anos, acusam desaceleração, ao passo que jogos em rede (web games) e jogos em
redes sociais ascendem (Online game industry levels off, insiders say. China Daily, 20.01.2011). As
prioridades também variam de acordo com as avaliações de cada empresa: a Tencent – a maior
empresa de jogos online em 2011 – investe em certos segmentos, como jogos de estratégia de
tempo real, jogos de esporte, e jogos em sites (Online game industry levels off, insiders say. China
Daily, 20.01.2011). As próprias posições dos gigantes do mercado são altamente flutuantes. No
início de 2011, o mercado de jogos online tinha o seguinte pódio: Tencent com 28.5%, Shanda
com 18.1%, e NetEase com 16.3% (Online game industry levels off, insiders say. China Daily,
20.01.2011). Para o futuro próximo, autoridades de estado e pesquisadores de mercado apontam
que o mercado chinês de jogos digitais terá como locomotivas os setores de jogos de navegador
(browser games, jogos específicos para navegadores de internet) e jogos para dispositivos
móveis (mobile games). Entre os fatores que favorecem o crescimento estão o já propalado
desenvolvimento da internet de banda larga e também, curiosamente, a expansão econômica
das grandes cidades – e não do país – onde estão baseadas largamente as 320 empresas de jogos
para web e as 250 empresas de jogos para móveis (Gaming set for fast growth in new play áreas.
China Daily, 20.02.2012). De todo modo, interessa observar alguns jogos já consagrados e buscar
entender as razões de fundo.

71
anterior Sumário próxima

a projeção dos MMOGs e possibilidades de inovação

Analistas frequentemente destacam a preferência chinesa pelos MMOGs: “Dentro do mercado


chinês de videogame, o aspecto mais instigante é a explosão de MMOGs” (Cao e Downing,
2008:517). Os MMOGs entram no mercado chinês em 2000 e logo o dominam, encolhendo
outros tipos de jogos. De 2002 a 2004, o mercado de MMOGs triplicou e no mesmo período as
empresas chinesas começam sua ascendência na produção destes jogos. O mercado é inundado
de jogos de baixa qualidade e os recursos dos jogos para PC são drenados sob impacto dos
MMOGs (Cao e Downing, 2008:517-519). Apesar de todas as flutuações que devem nos deixar
cautelosos, podemos encontrar comprovação empírica para a ascendência e estabilidade deste
tipo de jogo: “a posição de mercado dos principais operadores de MMORPG permanece estável
(iResearch, 2007 apud Yuan, 2008:35). Feita a constatação, a explicação corrente gira em torno do
coletivismo, que implicaria inclinação para a responsabilidade social e para a auto-identificação
em função de outros. Este quadro normalmente é levantado como explicação para a preferência
chinesa por MMORPGs, corroborada pelos operadores: “É sempre interessante adivinhar
estratégias de outros times e elaborar colaborativamente um plano vencedor”, nas palavras de
um executivo da Giant (Yuan, 2008:61). A gratuidade de acesso e a ânsia por interações se somam
à infra-estrutura de banda larga garantida pelo Estado e pela multiplicação de LAN houses nos
centros urbanos, criando amplas condições para a expansão dos MMOGs na China. Encontra-se
uma correspondência mútua entre condições de infra-estrutura, perfil de público, formato de
jogos e modelo de negócios:

“Fomos pioneiros no lançamento de jogos free-to-play, ou do chamado modelo de negócios item-


based, e eles se tornaram muito bem-sucedidos. Mas este modelo não significa que não consigamos
lucrar, embora 80% dos usuários não gastem um centavo, nós ainda conseguimos faturar, por que?
Porque jogadores chineses, ou consumidores tem um hábito diferente de consumo, eles apreciam
trabalho coletivo, permanecem num time vencedor, ostentam seus itens superiores para criar
identificação etc. e nós oferecemos tal plataforma” (Lin, executivo da Giant, apud Yuan e Chung,
2009:14).

As empresas chinesas rapidamente assimilaram as habilidades coreanas e norte-americanas na


produção de jogos, criando um repertório que combina lendas tradicionais e fantasias ocidentais.
Existe uma ascensão de narrativas que empregam conteúdos históricos ligados às dinastias, por
exemplo, o que não elimina o estrondoso sucesso de WoW, entre tantos outros títulos numa
variedade normalmente ampla.
O estado chinês demonstra especial sensibilidade aos jogos, criando métodos de interferência
os mais diversos. Além de regulação e censura de conteúdos depreciativos, existe o incentivo
a jogos nacionalistas exaltando heróis ou criando campanhas morais dentro dos mundos
virtuais. Diz um executivo da Shanda, sobre o jogo Maplestory Online: “tentamos construir uma
comunidade virtual saudável advogando o movimento contra os palavrões. Pensamos que é
estreito apenas satisfazer os desejos por estímulos momentâneos”. Tal iniciativa recebe incidência

72
anterior Sumário próxima

do Estado, que monta órgãos responsáveis pela moralidade online. São manobras que guardam
sua originalidade:

“A redescoberta, por parte do Estado, da cultura como lugar onde novas tecnologias de mando
podem ser instaladas e convertidas simultaneamente em capital econômico constitui uma de suas
mais inovadoras estratégias de governo desde a fundação da República Popular” (Wang, 2001:71).

O maior interesse, em termos de conteúdo e narrativa, talvez se encontre nos jogos originais que
emergem dessa ampla experiência que os chineses acumulam em jogos online. Nesse sentido, é
preciso destacar que o sucesso recente de Farmville (criado pela Zynga em 2009), o social network
farming game do Facebook, com dezenas de milhões de usuários, é uma cópia do jogo chinês
Happy Farm, de 2008 (Kohler, 2009). Aponta-se aqui a possibilidade de que o tempo em que
Coréia do Sul, Japão e Hong Kong oferecia como diferenciais aos Estados Unidos e à Europa – e
daí para nós – a alta tecnologia e as narrativas recheadas de artes marciais seja ultrapassado por
uma etapa marcada efetivas inovações de linguagem.

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74
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Periódico

China Daily, 2000-2012.

75
anterior Sumário próxima

Métodos de Avaliação em Jogos Colaborativos


Gabriel Cândido Soares1
João Batista Mossmann2
Marta R. Bez El Boukhari3

Resumo
O processo de colaboração dentro de um game prevê uma análise criteriosa das principais
características de um trabalho em equipe, em que estratégias de colaboração são adotadas pelos
jogadores para atingirem um objetivo em prol de todos. O propósito desse estudo foi analisar
os diferentes métodos de avaliação utilizados em estudos distintos. Previamente três estudos
foram selecionados de acordo com suas definições: a comunicação entre os jogadores dentro do
game; a quantidade do grupo que poderá jogar e as funções exercidas individualmente; quais as
características do local de aplicação do game; os meios de interação homem-máquina que foram
aplicados no estudo; os métodos de avaliação aplicados nos experimentos.

Abstract
The process of collaboration within a game provides a detailed analysis of the main characteristics
of teamwork, collaboration strategies that are adopted by the players to achieve a goal to
benefit all. The purpose of this study was to analyze the different methods of assessment used
in different studies. Previously three studies were selected according to their definitions: the
communication between players within the game, the amount of the group that can play and
the roles played individually, what are the characteristics of the application site of the game and
means of human-machine interaction that were applied in the study, the evaluation methods
used in the experiments.

1 
Instituto de Ciências Exatas e Tecnológicas – Universidade Feevale. Caixa Postal 93352–000 – Novo Hamburgo –
RS – Brasil. [email protected].
2 
Instituto de Ciências Sociais Aplicadas – Universidade Feevale. Caixa Postal 93352–000 – Novo Hamburgo – RS –
Brasil. [email protected].
3 
Instituto de Ciências Exatas e Tecnológicas – Universidade Feevale. Caixa Postal 93352–000 – Novo Hamburgo –
RS – Brasil. [email protected].

76
anterior Sumário próxima

1. Introdução

Jogos colaborativos são atividades realizadas em grupo, onde um jogador joga com o outro e,
ambos têm objetivos comuns. Um jogo colaborativo contribui no acréscimo de união entre os
envolvidos, onde todos são convidados a tomar decisões, definidas ou não pelo próprio jogador,
em prol do grupo. O seguimento dessas decisões estimula o jogador a permanecer colaborando
com todos. (BROTTO, 2009)
Para a pesquisadora McGonigal (2011), os jogos podem ser utilizados como uma ferramenta para
criar um mundo melhor. Os jogos podem produzir a sensação de que o jogador faz parte de algo
muito maior, gerando grande satisfação ao jogar. Ela também relata em sua pesquisa que o fator
mais importante para gerar satisfação ao jogador é os objetivos e recompensas propostas pelo
jogo, que em um jogo colaborativo é dado a todo o grupo.
A estrutura de um jogo colaborativo contribui para o aumento da confiança entre os jogadores,
a união e solidariedade de todos participantes. Em um jogo colaborativo os jogadores sofrem
menor pressão para competir, o foco é a colaboração e não a competição, tendo no final, um
grupo vencedor como um todo e, sem que o grupo se torne vencedor à custa de apenas um
jogador. (BROTTO, 2009)
Segundo DILLENBOURG et al. (1995), durante muitos anos o foco de pesquisas sobre aprendizagens
colaborativas eram focadas no conhecimento adquirido individualmente durante o processo.
Contudo, recentemente o foco se voltou ao grupo em si, fazendo uma análise mais ampla e com
resultado mais eficaz que uma avaliação individual.
A análise do processo de colaboração exige uma análise criteriosa de uma estrutura complexa,
como a apresentada por Johnson & Johnson (1975). Baseada na estrutura de Johnson & Johnson;
Collazos et al. (2010), particionou o processo de colaboração em três fases temporárias:
• Pré-Processo: envolve atividades como definição do grupo de jogadores, regras do
jogo, definição de critérios de sucesso, etc.;
• Em Processo: aplicação de estratégias, colaboração entre o grupo, monitoramento
das informações;
• Pós-processo: inspeção do sucesso do jogo e avaliação da qualidade do aprendizado,
após encerramento da atividade.
Esse artigo está organizado da seguinte maneira. Na seção 2, serão apresentados projetos de
referências para análise de colaboração. Na seção 3, serão identificadas e exploradas as principais
características de colaboração. Uma análise da forma como foram realizados os experimentos
dos projetos é descrita na seção 4. Feito isso, os dados encontrados são analisados, na seção 5. E,
por fim, uma conclusão do tema é realizada na seção 6.

77
anterior Sumário próxima

2. Projetos Referência

Como objetos de estudo foram definidos três projetos distintos conforme suas características e
tendo como base a proposta de colaboração através de um jogo, são eles: Chase the Cheese, nice
In-Car Experience (nICE) e Art of Defense (AoD).

2.1. Chase the Cheese

O jogo Chase the Cheese foi desenvolvido na Universidade do Chile, como ferramenta de obtenção
de dados de grupos envolvidos no processo de aprendizagem colaborativa. O objetivo do jogo
é fazer com que o rato (personagem principal) alcance o queijo sem que colida com armadilhas
dispostas no cenário.
A tela do jogo é dividida em quatro quadrantes, sendo que cada um é resolvido a cada
momento. Nos três primeiros quadrantes o rato é levado até uma sinaleira que indica que o
próximo quadrante já pode ser resolvido; enfim no quarto quadrante o rato é levado até o queijo,
encerrando o jogo. Para a solução de cada quadrante será necessário um trabalho em equipe, já
que os obstáculos no cenários não são visíveis a todos. (COLLAZOS, 2010)

2.2 nICE

O projeto nICE, foi desenvolvido na Universidade de Augsburg (Alemanha) com apoio da


indústria automobilística BMW (BROY, 2011). A proposta do projeto é a criação de uma ferramenta
que promova interação colaborativa entre todos os ocupantes de um carro, durante viagens,
incrementando a lista de alternativas multimídia disponíveis ao comprador do carro da BMW.
O jogo consiste na solução de um quebra-cabeça. Para isso os ocupantes terão que realizar
diferentes tipos de mini games, que para sua solução é necessário que os jogadores colaborem
entre si. O mini games são os seguintes:
• Quiz Musical: uma canção é reproduzida para todos, e diferentes perguntas são
feitas sobre o mesmo;
• Observação: os jogadores terão que identificar a localização de uma vista próxima e
também responder a questões sobre a vista apresentada;
• Labirinto: o objetivo desse mini game é levar uma bolinha controlada pelo jogador
até um determinado ponto;
• Desenho: um jogador faz um desenho e os outros terão que adivinhar qual foi o
desenho.

78
anterior Sumário próxima

A eficácia da solução no mini game permite com que uma ou mais peças do quebra-cabeça sejam
reveladas.

2.3 AoD

Desenvolvido no Instituto de Tecnologia da Georgia (EUA), AoD é um tower defense, com a


proposta de colaboração e utilização de realidade aumentada. (HUYNH, 2009) É caracterizado
pela utilização de peças, como em um tabuleiro. Conforme o gênero do jogo, a sua base é a defesa
de uma torre dos inimigos que surgem no cenário, atacando-a e a sobrevivência dessas ondas de
ataques. Para sua defesa o jogador terá que direcionar seu ataque no inimigo que lhe cabe abater
e passar para seu colega a localização do outros inimigos que são de responsabilidade dele.

3. Colaboração – Características Principais

Nessa seção serão abordadas características de destaque para o processo dos jogos apresentados
anteriormente.

3.1 Grupo de Jogadores e suas Funções

Em Chase the Cheese, são especificamente quatro jogadores, em quatro computadores. Cada
jogador recebe uma cor para identificação e fica sendo responsável pelo seu quadrante com
mesma cor.
Dentro de seu quadrante o jogador exerce a função de coordenador, sendo esse com o poder
único de mover o rato dentro do quadrante. Pelo cenário são espalhadas armadilhas, definidas
com cores, que são vistas pelos jogadores de mesma cor. Com a existência dessas armadilhas, os
outros três jogadores exercem a função de colaborador, indicando ao coordenador o local das
armadilhas.
O AoD é jogado apenas por dois jogadores, também diferenciados por cores distintas, mas que
exercem a mesma função. Os inimigos são diferenciados pelas mesmas cores dos jogadores,
assim cada jogador é responsável pela defesa de um determinado tipo de inimigo.
No nICE, o jogador pode sofrer uma variação, limitando-se entre três e cinco jogadores. Sendo os
jogadores o condutor do veículo (pai), que tem participação diferenciada, devido ao compromisso
de manutenção da segurança; o ocupante no banco do carona (mãe) e os ocupantes do banco
traseiro (crianças). Proposto como uma ferramenta familiar, buscou-se adaptar os objetivos de
acordo com a capacidade intelectual individual dos envolvidos. Em algum momento do jogo
será necessário que o condutor seja o juiz de uma atividade.

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anterior Sumário próxima

3.2 Comunicação

Nos três projetos apresentados é possível verificar dois diferentes tipos de comunicação. No AoD
e nICE, a comunicação é direta entre os participantes, eles podem se comunicar verbalmente ou
através de gestos. Ocorre um contato pessoal entre os participantes.
O Chase the Cheese limita a comunicação entre os participantes à utilização de um chat disponível
no jogo, onde cada vez um jogador pode se comunicar com outro.

3.2 Espaço Físico

Em Chase the Cheese, os jogadores são separados fisicamente, cada um em uma sala, justamente
para manter a comunicação somente pelo jogo e também promover a colaboração à distância.
AoD, por ser uma espécie de tabuleiro, é proposto em uma sala com uma mesa com base. Os
jogadores ficam a volta, se movimentando livremente durante o jogo.
O nICE, de acordo com sua proposta, é limitado a utilização dentro do carro. Um ambiente que
não permite muito a movimentação dos jogadores.

3.3 Interação

O jogo nICE, entre os selecionados, é que apresenta uma maior gama de ferramentas de interação
entre o jogo e jogadores. O condutor utiliza um pequeno visor e voz como interação. Aos outros
participantes é dado um tablet para realizar as atividades propostas. Essas ferramentas tornam
possível jogos com o mini game Labirinto. Todos jogam ao mesmo tempo em seus dispositivos
(exceto condutor) e devem permanecer juntos até o final da atividade.
No AoD os jogadores são equipados com um dispositivo celular, que capta os padrões do cenário
e os converte nas imagens do jogo. O jogador utiliza-se de várias peças, que representam as suas
defesas e para onde elas estão apontando.
O computador é base de interação no jogo Chase the Cheese.

4. Experimentos e Métodos de Avaliação

O processo de avaliação, como dito anteriormente, exige uma análise criteriosa de diversas
atividades. Os objetos de estudo propuseram seus próprios métodos de avaliação. Visto nesses
padrões de análises e validação, como a montagem de grupos e abertura para uma avaliação
individual de cada participante. Segue os meios utilizados em cada projeto.

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anterior Sumário próxima

4.1. nICE

Para validação do experimento, primeiramente ocorreram testes de jogabilidade entre pessoas


que não fazem parte do público alvo. Essa validação permitiu a identificação de erros e acertos
no andamento do jogo, como por exemplo, a necessidade de interação entre os jogadores para
responder as perguntas. Nesse momento não foi tido como abordagem principal à colaboração,
mas sim o jogo em si.
Como o público alvo é a família, foram selecionados 14 participantes (cinco famílias) para
experimentação de um protótipo completo da ferramenta. Os condutores tinham idade entre
40 e 46 anos, os caronas entre 37 e 43 e as crianças entre seis e nove anos. Cabe ressaltar a
capacitação dos condutores, sendo esses engenheiros profissionais e que todas as crianças
cresceram na Alemanha (BROY, 2011).
Com base em uma abordagem qualitativa de avaliação, os participantes iniciaram a avaliação
respondendo a um questionário sobre experiências anteriores em viagens e em jogos, após
realizaram uma viagem de 25 minutos em um carro disponibilizado pela BMW e com todos
os equipamentos necessários para o jogo. Esse foram observados por um pesquisador que os
acompanhou na viagem e após foram submetidos a um questionário sobre a experiência com o
jogo.
Como foco para o projeto a avaliação buscava resposta para as seguintes questões:
• Quais experiências prevalecem para os ocupantes, em um passeio normal de carro?
É necessário um sistema como nICE?
• Como essa interação com o protótipo pode influenciar em uma viagem?
• Será obtido sucesso na criação de divertimento e uma experiência colaborativa para
todos ocupantes do carro?
• Qual o nível de distração do condutor com a experiência?

4.2 Chase the Cheese

No Chase the Cheese foram definidos 11 grupos que jogaram uma única partida do jogo, são eles:
• Um grupo de estudantes de graduação, do curso de “Collaborative Systems”, da PUC
do Chile;
• Um grupo de pessoas que já trabalharam junto anteriormente e possuem um bom
relacionamento pessoal;
• Um grupo escolhido aleatoriamente, que não se conheciam ou mesmo teriam
trabalhado juntos anteriormente;

81
anterior Sumário próxima

• Quatro grupos de estudantes do ensino médio, com idade média de 15 anos de


idade. Dois definidos aleatoriamente e outros dois sendo amigos;
• Quatro grupos de estudantes de graduação da Universidade do Chile (COLLAZOS,
2010).
O experimente foi divido em quatro fases. Na primeira, os grupos receberam uma breve descrição
do que é o jogo, sem muitos detalhes. Na segunda fase os participantes foram separados e
cada um levado a uma sala. A partir desse momento a comunicação é limitada a disponível na
ferramenta. Na terceira fase, eles iniciam o jogo e tentam atingir o objetivo do jogo. A quarta fase
consiste na obtenção e análise dos dados obtidos pela ferramenta. Também foi realizada uma
entrevista final, para uma auto avaliação dos participantes.
A ferramenta grava diversas informações sobre o jogo, como o tempo decorrido, a pontuação
final do grupo, um log com todas as movimentações realizadas e as mensagens trocadas pelos
participantes.
Todos esses dados são organizados em indicadores que ajudarão a fazer a análise da ferramenta
como meio de colaboração. A análise realizada foi um tanto quando quantitativa, já que os
indicadores geraram uma pontuação final para cada grupo e esses ordenados de acordo com a
pontuação.

4.3 AoD

Os 12 participantes envolvidos na avaliação do game AoD, são estudantes de graduação com idade
entre 21 e 26 anos. Dois participantes do sexo feminino. Os participantes eram provenientes de
seis países diferentes. Seis deles não tem o inglês como língua nativa. Apenas dois não possuíam
experiências com jogos de realidade aumentada. (HUYNH, 2009)
Como em Chase the Cheese, o experimento foi dividido em fases. No primeiro momento os
participantes foram capacitados a utilizar os controles do jogo. Um pesquisador através de um
vídeo, apresentou a dinâmica do jogo.
A segunda fase consiste no jogo. Foram dadas a cada dupla de jogadores no máximo três chances
para jogar. O processo do jogo foi gravado em vídeo, para posteriormente serem analisadas
as movimentações dos jogadores e também um pesquisador acompanhou tudo realizando
anotações do que lhe chamou atenção.
Após o jogo, os envolvidos responderam a um questionário e realizaram uma entrevista como
reforço do entendimento do jogo. A partir dos dados obtidos, foi realizada uma análise qualitativa.

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anterior Sumário próxima

5. Resultados Obtidos

Os três projetos obtiveram resultados positivos após análise das informações dos experimentos,
com destaque para dois temas significativos identificados no estudo: a forma como é determinada
a comunicação entre os jogadores e a disponibilidade dos jogadores em colaborarem.
A forma como foi proposta a comunicação dentro dos projetos propiciou situações interessantes,
como a ocorrida no AoD, onde frente a frente, os jogadores se comunicavam constantemente,
sem isso o jogo perderia o sentido. No próprio AoD, com participantes selecionados, provenientes
de países distintos, poderia se tornar uma barreira para o bom andamento do jogo; não foi isso
que aconteceu.
No jogo Chase the Cheese, a comunicação sofre certa limitação. Por isso ganha mais destaque
na avaliação do jogo, quando todas as mensagens são categorizadas a fim de identificar as que
agregam ou não o jogo. Com a evolução do jogo, notou-se uma padronização na comunicação
dos jogadores, isso gerou um ganho de desempenho, em relação ao tempo de jogo e também
apresentou a adoção de uma estratégia seguida pelo grupo de jogadores.
A mesma estratégia de comunicação dita antes no Chase the Cheese define o que o jogo pode ser
jogado apenas uma vez, visto que após terem estratégias definidas e conhecimento do jogo, os
jogadores atingem o objetivo do jogo com grande facilidade. O não conhecimento do jogo é o
que pode definir a eficácia do jogo com ferramenta de promoção de colaboração.
A falta de comunicação entre os ocupantes em uma viagem é o que impulsionou o
desenvolvimento da ferramenta nICE. No primeiro questionário, foi apresentado aos participantes
questões referente ao comportamento dos ocupantes, principalmente das crianças, quando
realizavam um viagem longa de carro. Foi relatado que muitas vezes cada ocupante ficava em
silêncio durante toda a viagem e que as crianças apresentavam uma inquietude por não terem
uma atividade interessante para realizar.
A comunicação entre os participantes criou um ambiente agradável para todos no carro. O uso
de ferramentas como tablet, não impediu a comunicação, até mesmo colaborou com o despertar
da curiosidade dos jogadores. Tal curiosidade também gerou um ponto importante a ser
considerado, a distração do condutor do veículo. Limitado em relação aos demais participantes, o
condutor ficou curioso com o que estava sendo realizado e em alguns momentos os condutores
desviaram o foco da via e olharam o tablete do carona.
A disponibilidade dos jogadores em colaborarem uns com os outros, foi destaque em todos os
três projetos. Esse tipo de reação dos jogadores a adversidade proposta, mostrou a capacidade
de trabalho em equipe desempenhada por todos os participantes.
Em Chase the Cheese o comando do quadrante pelo colaborador, destacou o trabalho em equipe.
A cada mudança de quadrante e consecutivamente de coordenador, o grupo continuou a
colaborar. No AoD a proximidade física contribuiu para a ligação entre os jogadores.

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Com o uso da ferramenta nICE os ocupantes do carro conseguiram manter uma relação mais
amigável para o ambiente de uma viagem. O que antes era monotonia, com cada um realizando
a sua atividade, agora é uma tarefa que liga todos a atingir um mesmo objetivo.

6. Considerações Finais

A possibilidade de sucesso em uma abordagem colaborativa para um jogo é dependente de


diversos fatores, principalmente a comunicação entre os participantes e a participação ativa de
todos os envolvidos.
O propósito de um contribuir com o outro cria um ambiente mais agradável socialmente e
divertido; faz com que as pessoas fiquem mais unidas. A colaboração nos jogos permite um
cenário sem competição e duelo entre os jogadores como em jogos não colaborativos, que criam
vencedores à custa de perdedores. Em um jogo colaborativo todos são os ganhadores.
A possibilidade de criação de um time para unir forças e, consecutivamente, ficar mais fortes, é um
atrativo claro de jogos colaborativos. As pessoas têm a capacidade de jogar um jogo colaborativo
e se divertir ao mesmo tempo, o potencial desse tipo de jogos ainda pode ser explorado com
mais ênfase.

7. Referências

BROTTO, Fábio O. (2009) “Para Jogar uns Com os outros e VenSer… Juntos!!”. Projeto
Cooperação. Disponível em: <http://www.projetocooperacao.com.br/2009/04/25/jogos-
cooperativos/>. Acesso em: 04 abr. 2012

BROY, Nora et al. (2011) “A Cooperative In-Car Game for Heterogeneous Players”. Universidade de
Ausburg, Alemanha.

COLLAZOS, César A., GUERRERO, Luis A., PINO, José A., e OCHOA, Sergio F. (2010)
“Evaluating Collaborative Learning Processes”. Department of Computer Science Universidad de
Chile. Santiago, Chile.

DILLENBOURG, P., BAKER, M., BLAKE, A. e O’ MALLEY, C. (1996) “The Evolution of Research
on Collaborative Learning”, Spada & P. Reiman (Eds) Learning in Humans and Machine: Towards
an interdisciplinary learning science.

HUYNH, Duy-Nguyen Ta. (2009) “Art of Defense: A Collaborative Handheld Augmented Reality
Board Game”.School of Interactive Computing and GVU Center Georgia Institute of Technology.
Nova York, EUA.

84
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JOHNSON, D., JOHNSON, R. (1975) “Learning Together and Alone, Cooperation, Competition
and Individualization”. Prentice Hall Inc. Englewood Cliffs, New Jersey.

MCGONIGAL, Jane. (2011) “Reality Is Broken: why games make us better and how they can
change the world”. New York: The Penguin Press.

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anterior Sumário próxima

Narrativa Audiovisual Adaptada para


Multiplataformas é Possível?

Audiovisual Narrative Adapted For


Multiplataforms Is Possible?
Guilherme Theisen Schneider1

RESUMO
Este artigo científico aborda a possibilidade de adaptação de narrativas audiovisuais para
multiplataformas. Reflete acerca das formas de narrar histórias em audiovisuais, que se adaptem
às mídias móveis, internet, televisão e cinema, sem perder seu entendimento. Por caracterizar-
se como um artigo de revisão, o mesmo foi concebido através de pesquisa bibliográfica restrita
a livros, artigos científicos já existentes e sites relacionados ao tema proposto. Entre os autores
pesquisados, destacam-se Isa Beatriz, Jodeilson Martins, Lynn Alves, Cosette Castro, Cristiana
Freitas, Eduardo Leone, Maria Dora Mourão, Ana Laura M. S. Azevedo e Carlos Gerbase. Concluiu-
se que, apesar das distintas formas de se contar histórias e da crescente popularização de
dispositivos de transmissão que possibilitam múltiplas narrativas, as novas opções de acesso a
conteúdos, principalmente televisivos, ainda são restritas. Além disso, com todas as alternativas
de consumo, a preocupação o entendimento da história contada (linguagem que a constitui),
deve permear todo o processo de desenvolvimento desses conteúdos midiáticos.
Palavras-chave: Narrativa. Multiplataformas. Tecnologia. Conteúdo. Linguagem.

ABSTRACT
This research paper discusses the possibility of adaptation to audiovisual narratives for
multiplataforms. It reflects on the ways of narrate in audiovisual media suited to mobile, internet,
television and film, without losing your understanding. This paper is a type of review article, it
was designed through literature search restricted to books, papers and existing sites related

1 
Graduado em Comunicação Social – Habilitação em Publicidade e Propaganda – pela Universidade do Vale do
Rio dos Sinos (Unisinos) e Pós-Graduado em Gestão Estratégica de Marketing – Ênfase em Administração de Vendas
– pela Universidade Feevale. Professor dos cursos de graduação em Jogos Digitais, Design e Comunicação Social –
Habilitação em Publicidade e Propaganda – da Universidade Feevale. E-mail: [email protected].

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to the theme. Among the authors surveyed stand out Isa Beatriz Martins Jodeilson, Lynn
Ahmed, Cosette Castro, Christiana Freitas, Eduardo Leone, Maria Dora Mourao, Ana Laura M. S.
Azevedo and Carlos Gerbase. It was concluded that, despite the different ways of telling stories
and the growing popularity of transmitting devices that allow multiple narratives, new options
for accessing content, especially television, are still restricted. Also, with all the alternatives of
consumption, concern the understanding of the story (language that is), should permeate the
whole development process in these media content.
Keywords: Narrative. Multiplataforms. Technology. Content. Language.

INTRODUÇÃO

O desenvolvimento tecnológico trouxe um cenário sem precedentes para o meio audiovisual.


O acesso à informação, a renovação dos meios digitais e a revolução nas transmissões estão
trazendo não somente uma nova forma de se manter informado, mas uma nova realidade
quanto ao modo como se narram histórias, jogos, filmes, pois os mesmos estão acessíveis em
todos os meios.
A acessibilidade do audiovisual em outros meios fora da televisão e do cinema através
da convergência tecnológica de dispositivos e de acesso à internet trouxe também uma
preocupação. A forma como se contam histórias na televisão, no cinema ou até mesmo em
meios impressos é compreendida da maneira que o autor deseja? Dessa maneira, este artigo
busca pesquisar as formas de narrar histórias em audiovisuais, mas que se adaptem às mídias
móveis, internet, televisão e cinema, sem perder seu entendimento. A maior dificuldade, nesse
ponto, é descobrir se alguma informação que é contada na história, dependendo do suporte
que a pessoa utilize, está sendo entendida da mesma forma que eu outros suportes com perfis
diferentes de consumo.
O desenvolvimento deste trabalho se baseia na pesquisa bibliográfica realizada em livros, artigos
científicos e sites relacionados ao tema proposto. Com base nisso, abordar-se-á a narrativa em
novas tecnologias, como jogos digitais, por exemplo, com foco no audiovisual na TV digital, que
está ainda em processo de experimentação e não usufrui os recursos tecnológicos para que a
narrativa audiovisual possa ser apresentada diferentemente do modo como é feito hoje na TV
e no cinema. Dessa maneira, pode-se dizer que este estudo será introdutório à utilização de
narrativas e multiplataformas e poderá localizar o leitor em novas tecnologias de mídia e seus
perfis de uso.

1 Narrativa: suas definições e sua utilização

Para conceituar narrativa, antes, é preciso definir o que é narrar. Conforme Beatriz, Martins e
Alves (2009, p. 8), “etimologicamente, a palavra narrar nos remete para o termo narro, verbo

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derivado de gnarus, que significa: conhecer, saber de algo”. Dessa forma, o termo vindo do
Latim tem o sentido de levar ao conhecimento, contar algo ou dizer para alguém.
Diante da definição da palavra narrar, é possível descrever o significado do termo narrativa
como a arte de contar histórias, não necessariamente toda a história. Pode-se, ainda, colocar que
os avanços tecnológicos apresentam oportunidades de experimentação em narrativas porque,
conforme Castro e Freitas (2010, p. 4), “uma narrativa é posterior ao acontecimento, e pode ser
transcrita pela palavra, por sistemas visuais e sonoros, pela literatura, teatro, cinema, televisão,
jogos e outros”. Por mais que tenham sua sequência alterada, as relações dos personagens, o
contexto e os conflitos continuam contextualizados e o espectador poderá interagir com as
etapas fora de sequência, mas deverá passar por todas partes.

2 O suporte para a narrativa

O suporte ou os meios que serão utilizados para veicular a narrativa podem trazer outras
percepções com relação aos produtos audiovisuais. Alguns autores colocam que essas novas
percepções são obtidas através de um meio que, inicialmente, não foi levado em consideração
no momento da produção, como, por exemplo, um filme de cinema visualizado na tela do
smartphone, ou a partida de futebol com transmissão HD e 3D que é feita em uma sessão em sala
de cinema. Apóia-se, isso, ao conceito de Leone e Mourão (1987, p. 15), quando argumentam que:

Se no decorrer do tempo o cinema consolidou suas originais possibilidades narrativas, a televisão,


o vídeo e a multimídia absorveram esses conhecimentos e deles se valem para criar novas
possibilidades e metodologias na construção dos discursos audiovisuais e dos discursos em
hipertexto. Todas as mídias, debaixo do manto da edição, acabam se encontrando nas estruturas
de dramatização, pois o trabalho de articulação produz o discurso com seus tempos e seus espaços.

O meio para o qual se destina o produto audiovisual na sua produção tem características que levam
o perfil de consumo do mesmo. Dessa forma, novas produções podem entregar um produto com
características diferentes para cada mídia, tais como alguns sites, que são exibidos tanto em sua
forma integral, mobile e para tablets. O conteúdo é exibido conforme uma série de características
de leitura do perfil do usuário do meio.

3 As consequências dos diversos meios na narrativa

A narrativa audiovisual tem avançado junto com a evolução dos meios e com novas tecnologias
que surgem para facilitar o acesso ao audiovisual. Esse avanço contribui para que o modo como
são contadas as histórias também tenham novas características, que são fundamentais para
o consumo da mídia em novos dispositivos ou de novas formas de transmissão. Conforme as
autoras Castro e Freitas (2010, p. 3),

88
anterior Sumário próxima

Com o avanço dos meios digitais temos a oportunidade de desenvolver conteúdos com múltiplas
narrativas, histórias paralelas e inter-relacionadas, que o homem busca há tempos na elaboração do
próprio olhar, na construção de uma visão pessoal da história.

Por consequência disso, o consumidor passa a ter acesso a novas formas de narrativa. Novas
tecnologias possuem maneiras de consumo diferentes das mídias analógicas. Portanto, um
roteiro de cinema pode ter uma evolução da sua trama de forma não linear, ou ainda pode ter
um ritmo na narrativa mais rápido que o tradicional em certas cenas, o que propõe que um tipo
de público de vídeos e internet pode assimilar de forma positiva, por ter a referência dessa
linguagem no seu dia a dia.
Contudo, vale ressaltar que conforme alguns estudos, como Azevedo (2006, p. 1), “a introdução
das tecnologias digitais no audiovisual e os hibridismos dentre os setores desta área ainda
estão em seu início e não há como saber com certeza o que virá pela frente”. Mas os novos
recursos que são desenvolvidos e empregados em aparelhos, sinalizam caminhos que novos
meios podem se adaptar a narrativas antigas, ou ainda pegar diversas características de meios
tradicionais e digitais para a formação de novas fórmulas de contar histórias.
Todos os avanços tecnológicos para o consumo dessas histórias não garantem o entendimento
da narrativa em suportes multiplataformas. Atualmente, se o audiovisual é exibido na internet
e tem seu conteúdo delimitado a um perfil de utilização dos sites de vídeo, esse conteúdo,
supostamente, deverá estar subdimencionado, caso seja exibido no cinema. Essa diferença na
quantidade de informação, na maneira como o conteúdo é exibido e o modo como o consumidor
tem o contato com os meios diferentes é um desafio para a adequação de múltiplas linguagens
para um produto que seja maleável a todos os meios de exibição.

4 Convergência de narrativas na produção audiovisual e TV


digital

Os novos meios digitais estão influenciando a produção de narrativas audiovisuais de meios


mais antigos, tais como a televisão e o cinema. Essa influência fica mais evidente quando são
comparados produtos audiovisuais produzidos antes da popularização dos sites de vídeo ou
ainda na acessibilidade de câmeras de vídeos. Assim como aconteceu com a televisão que
utilizou técnicas do cinema e do rádio no início da produção. Alguns anos mais tarde concretizou
o desenvolvimento da sua linguagem própria e características de narrativa particulares, que,
hoje, são reconhecidos por linguagem televisiva.
Dessa mesma maneira estamos em um processo de implantação de um novo sistema de televisão,
com recursos interativos, de alta definição de imagem e acessível em dispositivos móveis. Esse
sistema, que possui incentivo do governo e que é originado de um sistema japonês que promete
uma nova linguagem para a televisão graças a novos recursos, está passando por problemas,
os quais vão desde linguagens mais novas até custos de sua implantação. “Contudo, não são

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anterior Sumário próxima

apenas os modos de produção que mudam com a entrada das mídias digitais convergentes. O
que muda é o olhar do público frente aos novos meios e a possibilidade de sair da condição de
receptor e tornar-se produtor de conteúdo audiovisual” (CASTRO, 2008, p. 19).
A narrativa audiovisual específica para TV digital tem sua linguagem baseada no cinema, pois,
em várias características técnicas, o novo sistema se assemelha a ele. Contudo, a interatividade e
a transmissão com recursos extras oriundos de outras tecnologias que utilizam a internet como
canal de retorno estão sendo incorporadas a sistemas híbridos de TV digital, o que traz mais
recursos para novos tipos de narrativa. A nova função dos aparelhos de TV mais modernos, que
acessam a internet e possuem aplicativos para utilização na grande tela, apresenta recursos que
poderão alterar o perfil de consumo e ainda evoluir as narrativas que estarão disponíveis com
sua utilização, embora, hoje, possam estar pouco adaptados ao uso nativo da televisão. Porém, a
audiência ainda baixa para a alta definição e a interatividade são fatores decisivos para o sucesso
do novo sistema. Somente com aparelhos de TV com preços acessíveis e uma abrangência
realmente massiva desse sinal digital será possível trazer um novo modo de consumir o produto
televisivo no Brasil.

5 Conclusão

A evolução das formas de contar histórias e a popularização de novos dispositivos de transmissão


promovem possibilidades múltiplas de narrativas e ainda possibilitam que o espectador possa
alterar o seu modo de assimilação. A mesma história pode ganhar formas diferentes de sequência
dos fatos, no caso de interatividade. Ainda será possível obter informações extras do conteúdo
visto e esse conteúdo adicional deverá agregar mais informações à narrativa.
Essas novas opções de conteúdo televisivo ainda estão no campo da experimentação por parte
das emissoras. Seus custos são altos, a distribuição de sinal com interatividade ainda é restrita
e os aparelhos disponíveis no mercado no ano de 2012 não comportam a possibilidade dessas
escolhas.
Com as alternativas de consumo do conteúdo midiático em vários dispositivos, a preocupação
do autor, do realizador e do distribuidor do conteúdo audiovisual com relação ao entendimento
da história fica evidente. A busca por fórmulas para uma adaptação da história para cada tipo
de exibição será fonte de inúmeros estudos no futuro, mas a evolução das possibilidades não
param. Dessa maneira, o que hoje pode parecer adequado a um tipo de linguagem, amanhã,
com o avanço tecnológico, pode não cumprir com pré-requisitos da narrativa. Para o professor
Damasceno Ferreira (apud GERBASE, 2001, p. 98), os diferentes meios podem trazer diferentes
percepções dos produtos audiovisuais, mas não alteram a essência, a estrutura da linguagem
que os constitui.

90
anterior Sumário próxima

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Disponível em: <http://www.intercom.org.br/premios/analaura_moura.pdf>. Acesso em: 20 dez.
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eletrônicos. Disponível em: <http://www.sbgames.org/papers/sbgames09/culture/full/cult2_09.pdf>.
Acesso em: 20 dez. 2011.

CASTRO, Cosette. Indústria de contenidos en latinoamérica. Disponível em: <http://www.eclac.cl/


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______; FREITAS, Cristiana. Narrativa audiovisual para multiplataforma: um estudo preliminar.


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91
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jornali%CC%81stico s&source=web&cd=1&ved=0CCQQFjAA&url=http%3A%2F%2Fwww.
douglasteixeira.com. br%2Fwp-content%2Fuploads%2F2011%2F04%2FTEIXEIRA-Douglas_
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Acesso em: 20 dez. 2011.

92
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O gameplay do Texto Linear,


do Conteúdo ao Labirinto

Gerson Klein
Universidade Federal do Rio Grande Do Sul - Brasil
[email protected]

Resumo
Este artigo possui como tema a ser analisado, o gameplay do texto linear. Na forma de uma
análise bibliográfica e documental, utiliza-se do aparato metodológico apresentado por Branco,
além dos estudos sobre cibertexto e a literatura ergótica de Aarseth bem como as discussões em
torno da utilização dos verbos como força motriz no desenvolvimento dos jogos de Crawford.
Demonstra que a utilização de textos lineares como ponto de partida para o desenvolvimento
de jogos é uma possibilidade viável com aplicações práticas, inclusive em áreas como a da
tecnologia educacional.
Pavavras-Chave: Ludemas. Cibertexto. Gameplay. Jogos. Tecnologia educacional.

Abstract
This paper has as a theme to be analyzed, the text linear gameplay. In the form of a literature
review. Utilizes the methodological apparatus presented by Branco, studies and ergotic literature
and cybertext of Aarseth and discussions around the use of verbs as a driving force in game
development Crawford. Demonstrates the use of linear texts as a starting point for developing
games is a viable possibility with practical applications, including in such areas as educational
technology.
KeyWords: Ludema. Cybertext. Gameplay. Games. Educational technology.

1. INTRODUÇÃO

Há uma enorme falange de psicólogos, neurocientistas e teóricos da educação , entre outros,


elaborando sobre muitas questões relacionadas a maneira com que as novas tecnologias estão
afetando o modo com que os estudantes absorvem e retêm informações (Palfrey & Gasser, 2011).
Muitas bibliotecas e escolas já estão sendo transformadas. Algumas estão dedicando cada vez
menos espaço aos livros e cada vez mais a computadores e impressoras. A digitalização significa

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que os livros, em seu formato clássico, encadernados, não são a única maneira de transmitir
informação (Palfrey & Gasser, 2011). Mas as instituições de ensino nem sempre colocam as
necessidades dos alunos em primeiro lugar. O debate, deveria centrar-se em como as crianças
estão aprendendo e construindo suas habilidades de conhecimento digitais em seu currículo
básico e como aproveitar o interesse das pessoas nas novas mídias. como os jogos digitais
utilizando-os como um veículo para o conteúdo curricular. Mesmo com a escrita ainda sendo
meio mais utilizado para a emissão de informação, vivemos uma era de transição. Todo o
conteúdo e conhecimento produzido está passando por um processo gradual de digitalização.
Mas a digitalização, ao transcrever o conteúdo de materiais impressos carece de uma direção,
pois os computadores não são livros, e possuem suas próprias linguagens, uma delas são os
jogos digitais.
Este artigo possui como tema a ser analisado o gameplay do texto linear. O gameplay pode
ser definido como uma ou mais séries de desafios em uma relação causal, num ambiente de
simulação” (Rollings & Adams apud Vannucchi & Prado, 2010). Não será utilizado a palavra
“Jogabilidade” por se tratar de um termo ainda não dicionarizado). Para tanto, por considerar que
as formas de apreensão de conteúdo estão em processo de mudança na contemporaneidade,
esta análise pretende colocar em foco uma competência que precisa ser redimensionada em
virtude das tecnologias da comunicação e informação serem de grande demanda por parte dos
docentes. A competência da transformação do texto linear em modelos que representem as
relações que possam revelar as mecânicas jogáveis desse texto.
A coisa mais importante que as escolas podem fazer, não é usar mais tecnologia no currículo, mas
usá-la de modo mais eficiente. A tecnologia deve ser utilizada como apoio a nossa pedagogia a
não por si só (Palfrey & Gasser, 2011). Muitas tecnologias tem entrado na pauta das instituições
de ensino muito antes de qualquer pesquisa quanto à sua eficácia. O uso da internet, por
exemplo, gera toda uma amplitude de questões sobre como adequar a navegação na rede com
os princípios pedagógicos pretendidos.
O rápido aumento no uso da World Wide Web colocou a hipermídia em destaque, como um modo
de acessar informações, beneficiando a aprendizagem e o ensino. Entende-se por hipermídia,
a metodologia ou tecnologia onde as unidades de informação estão interligadas e as páginas
podem ser percorridas em muitas seqüências diferentes ao escolher ferramentas diferentes de
navegação, tais como mapas de site, botões, home pages, hyperlinks e assim por diante (Ford &
Chen, 2000 apud Eyuboglu & Orhan, 2011). Todavia, a liberdade oferecida pela hipermídia têm
um preço. Isso porque a flexibilidade aumenta a complexidade (Ellis & Kurniawan, 2000 apud
Eyuboglu & Orhan, 2011). Tal complexidade pode levar alguns alunos a perder a sua orientação,
reduzir a sua paciência, diminuir a motivação para aprender (Ford & Chen, 2000 apud Eyuboglu
& Orhan, 2011).
Essas modalidades de leitura podem retardar o acesso a um material relevante e significativo e
levar a uma perda de tempo. Portanto, é importante esclarecer as relações entre as diferenças
individuais dos usuários, seus comportamentos de navegação e performances de aprendizagem
hipermídia a fim de determinar sua utilidade como ferramenta de ensino / aprendizagem. Por

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outro lado, os jogos, devido à sua qualidade de atividade regulamentada, sujeita a convenções
que suspendem as lei normais e que instauram momentaneamente uma legislação nova, a única
que conta naquele momento (Caillois, 1990), podem ser uma ferramenta bastante eficaz para a
tarefa de orientar os alunos, pois se tratando de um ambiente controlado, pode prepará-los na
consolidação de critérios de navegação que posteriormente vão utilizar.
Todo jogo se processa e existe no interior de um campo previamente delimitado, de maneira
material, deliberada ou espontânea. A arena, a mesa de jogo, o círculo mágico, o templo, o palco,
a tela, o campo de tênis, etc., têm todos a forma e a função de terrenos de jogo, isto é, lugares
proibidos, isolados, fechados, sagrados, em cujo interior se respeitam determinadas regras. Todos
eles são mundos temporários dentro do mundo habitual, dedicados à prática de uma atividade
especial (Huizinga, 2000).
Essa natureza ordenada, permite aos educadores que se engajem na utilização desse meio, que
cria condições para a adoção de uma estratégia pedagógica dentro de limites claros, balizando
as fronteiras do assunto que se pretende abordar, dentro dos domínios do jogo em seu arranjo
específico. Chegamos assim a uma característica muito relevante se comparada à navegação
muitas vezes desnecessária da internet. Ele cria ordem e é ordem (Huizinga, 2000). Introduz na
confusão da vida e no terreno de construção de conhecimento permeado pelas incertezas de
quem procura novos conhecimentos, uma perfeição temporária e limitada, exige uma nova
ordem suprema e absoluta: a menor desobediência a essa, estraga o jogo, privando-o de seu
caráter próprio e de todo e qualquer valor.

2. O TEXTO, O TRABALHO E O CAMINHO.

No texto linear, é o leitor que interpreta e atua dentro do roteiro que é ali sugerido. Como o
passageiro de um trem, pode apreciar a paisagem e tecer observações sobre o que vê, mas não
pode mudar o seu curso, ou seja o desempenho do texto linear se desenrola apenas na cabeça
do usuário, enquanto num jogo, as ponderações se traduzem em atitudes, expressadas na sua
atuação. Assim como no jogo, existe uma categoria de texto que carrega consigo algumas dessas
características: o cibertexto.
O cibertexto é um texto que realiza seu sentido fora da cabeça do leitor (Aarseth, 1997). Um livro
com três finais possíveis, por exemplo, é um cibertexo. Possui uma configuração labiríntica, você
pode escolher como ele termina. Se nos colocássemos ao lado do leitor desse livro no ato de
leitura, saberíamos, pelo roteiro e pelas páginas percorrido por ele, qual foram as suas escolhas.
Enquanto isso se o mesmo acompanhamento fosse perante a leitura de texto linear, as inclinações
do leitor seriam subjetivas e secretas, ele não percorreria um caminho diferente.
O conceito de cibertexto centra-se na organização mecânica do texto, como parte integrante
do intercâmbio literário. No entanto, também centra a sua atenção sobre o consumidor, ou

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usuário, do texto, como mais uma figura integrada que decide os caminhos a percorrer. Durante
o processo de cibertextualidade, o usuário terá efetuado uma seqüência de semiótica, e esse
movimento seletivo é um trabalho físico de construção que os diversos conceitos de “leitura”
não levam em conta. Este fenômeno, chamado de de ergódico (Aarseth, 1997), usa um termo
apropriado da física que deriva das palavras gregas ergon e hodos, que significa “trabalho” e
“caminho”. no texto ergódico, um esforço de literatura, não trivial é necessário para permitir
que o leitor percorra o texto. Se a literatura ergódica faz sentido como um conceito, em muitos
aspectos, a construção física do cibertexto se assemelha à dos jogos. Basicamente, os jogos de
aventura chamados de adventures são um exemplo de um jogo textual montado sobre charadas
e enigmas, a ponto desse gênero ser chamado de gênero narrativo. Perfaziam a adição de uma
mecânica de gameplay sobre um texto com diversos caminhos percorríveis. O jogador podia ir
adiante ou escolher um caminho alternativo e cair em uma armadilha ou areia movediça.
Para que possamos perseguir a meta de explicar a mecânica de jogo (gameplay) contidas no
texto linear, precisamos de uma definição dessa expressão . Esse não é o objetivo desse estudo e
para tanto, utilizamos o artigo de Vannucchi & Prado, que se prontificaram a explicar as diversas
definições do termo. Entre as definições temos: “gameplay é o núcleo do jogo, “uma ou mais
séries de desafios em uma relação causal, num ambiente de simulação” (Rollings & Adams apud
Vannucchi & Prado).
Para Howland apud Vannucchi & Prado, a experiência do jogador é bastante importante na
definição do conceito, já que o autor define gameplay em função das “interações significantes
que o jogador tem com o jogo”. Ou ainda, o gameplay se refere às atividades realizadas no âmbito
de um quadro de regras acordadas que, direta ou indiretamente contribuem para alcançar metas
(Lindley apud Vannucchi & Prado, 2010) Ao apresentar os elementos de um jogo Rollings & Adams
acrescentam: O gameplay incentiva o jogador a empregar estratégias” para desenvolver bem sua
atuação no jogo e chegar a parâmetros específicos (Rollings & Adams apud Vannucchi & Prado,
2010). Em diversas das definições apresentadas, é colocada uma ânfase nas ações do jogador,
trazendo a tona importância do verbo na composição de um jogo. Ao desenvolver o game play
de um jogo, a pergunta principal é :”O que queremos que o jogador faça?”, “Quais os verbos que
vamos permitir por ele conjugar?”
A contagem de verbos dos jogos digitais do início da década de 1980 era de menos que 10,
provavelmente por causa da natureza simples de entrada do joystick. Os únicos comandos
possíveis era direita, esquerda, acima, abaixo e o botão de “atirar”: Cinco verbos. Desde então, os
jogos vêm ficando mais complexos e a contagem de verbos cresce, mas no geral a contagem de
verbos dos jogos dos dias de hoje são entre 15, no máximo 30 verbos (Crawford, 2004).
É através dos verbos conjugáveis pelo jogador e mediados pelos dispositivos de entrada como
o mouse, teclado ou joytick que a sua representação no jogo age segundo os verbos próprios
daquele jogo, como andar, pular, correr ou pegar uma espada. Nota-se a diferença entre os verbos
de entrada(clicar, mover, rolar) com os verbos que caracterizam a ação dentro do jogo.

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É correto afirmar então que os verbos são a força motriz de um jogo e somente pela intencionalidade
do jogador é que ele se desenrola e é em torno dos verbos que podemos relacionar o texto linear
com o gameplay.

A intencionalidade encontra-se no âmago da consciência; é a ponte entre o sujeito e o objeto; é a


estrutura que dá significado à experiência: Se vou ver uma casa para comprar, percebo-a de modo
diferente do que se fosse lá para visitar amigos. Essa capacidade humana de ter intenções, a que
denominamos intencionalidade, é a estrutura do sentido que nos possibilita, sujeitos que somos, a
ver e compreender o mundo (Moreira & Mazini apud May, 1973).

Para extrairmos a mecânica lúdica do texto linear a partir dos verbos, utilizaremos parte de um
aparato metodológico originalmente desenvolvido para o entendimento dos jogos, os Ludemas.

3. UM APARATO METODOLÓGICO PARA A COMPREENSÃO DOS JOGOS

Na década de noventa, os jogos, devido à sua visibilidade,ganharam o status de disciplina


acadêmica com o estudo crítico do gênero. Imediatamente as discussões em torno do tema se
dividiram em dois terrenos separados por um abismo. De um lado o território dos que elegeram
como centro dos acontecimentos de um jogo, o sistema de regras, denominados ludólogos, e do
outro lado os narratólogos, que elegem a narrativa e a linguagem dos jogos como objeto de seu
estudo (Branco, 2011). Para os ludólogos, não existem jogos eletrônicos sem sistema de regras;
nem todos os jogos contam histórias; logo, o sistema de regras (e não as histórias contadas pelos
games), são essenciais para sua existência. Para os narratólogos, os textos não são isolados entre
si, mas negociam significados, sugerem relações e hierarquias que são tão importantes quando
o próprio texto. Os textos podem ser mapeados como redes: tem pontos de entrada e saída,
diferentes caminhos (significados) e estes caminhos podem ser trilhados, pois o leitor constitui o
texto no ato da leitura. A diferença básica entre os dois campos é que o sistema de regras de um
jogo, é explícito e físico, uma atividade regulamentada (Caillois, 1990), enquanto a constituição
do texto por um leitor no ato da leitura remete à uma criação subjetiva de relações.
Então, ao buscarmos extrair o gameplay de um jogo, estaremos estabelecendo escolhas arbitrárias
já que a interpretação do que o indivíduo lê, é inerentemente subjetiva. Nosso objetivo aqui é
sistematizar o mapeamento arbitrário dessas relações e significados dos textos adicionando a
eles relações ludológicas.
Para isso, utilizaremos parte de um aparato metodológico que foi desenvolvido originalmente
para a observação de jogos chamados Ludemas e num caminho inverso iremos combiná-los ao
textos lineares para criar jogos a partir desses.

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3.1. Os Ludemas

O Ludema é o menor ato de um jogo, a sua parte fundamental. Quando um Ludema ocorre,
está acontecendo um jogo. Quando um jogador pressiona um botão fazendo seu personagem
pular, o Ludema está ocorrendo. O Ludema ocorre quando o jogador, entre as possibilidades do
sistema, atualiza uma ação.
É o agir físico, quanto mais Ludemas, maiores as características lúdicas de uma determinada
mídia. Enquanto o sistema de regras é responsável por todas as possibilidades de ação que estão
em potência dentro de um jogo, os Ludemas ocorrem quando dentre todas as possibilidades o
jogador, por um ato ou vontade atua sobre algum dispositivo (joystick, teclado e mouse) e isso
afeta o andamento do jogo. Ou seja, o Ludema é a resposta do jogador ao reconhecimento de
uma situação/desafio específico contido no sistema de regras. É a potência ofertada pelo sistema
de regras transformada em ato pelo jogador (Branco, 2011).

3.1.1 Os tipos de Ludema

Os Ludemas possuem diferentes objetivos dentro do gameplay de um jogo. e por isso


proporcionam experiências de jogo distintas entre si. Os diferentes tipos de Ludema representam
as ofertas de diversão advindas do sistema lógico. As principais categorias são:
Ludemas de exploração: Ocorrem quando o jogador movimenta ou direciona o seu personagem,
explorando seu entorno. O jogador é colocado diante de um ambiente que não conhece e precisa
movimentar-se, explorando seu entorno para reconhecer as possibilidades e ameaças (Branco,
2011). Pode estar na prática, voltado para uma exploração espacial como no caso dos games
onde a incorporação de mapas e a conquista de espaços geográficos é importante
Ludemas de performance física: É um desafio imposto ao jogador decorrente da dificuldade
motora de execução.O que define esse Ludema, não é o fato do jogador pular ou se mover mas
pelo fato de que representam desafios de execução. Acontece quando o jogador demonstra suas
habilidades ao pressionar os botões corretos nos tempos exatos exigidos pelo jogo.
Ludemas de performance cognitiva: Desafio imposto ao jogador decorrente da dificuldade
cognitiva. O apelo deste tipo de Ludema é apresentado quando o jogador resolve o enigma
apresentado pelo jogo. Pode ser um quebra cabeça, uma charada ou um labirinto.
Ludemas estéticos: Ocorrem quando o jogador realiza ações para apreciar aspectos estéticos do
jogo. Ao escolher os atributos de um personagem como roupas e adereços, ou simultâneamente
à performance física, o jogador realize um movimento coreografado, ele está sendo motivado
por Ludemas estéticos, mesmo que essas ações não tenham consequência nas dinâmicas do
jogo.

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Ludemas de interface: Ocorrem quando o jogador realiza ações com a finalidade refinar os
sistemas do jogo. O domínio desses sistemas permite ao jogador realizar diversos aspectos da
sua performance, ao customizar a movimentação, força, defesa ou ítens.
Ludemas de coleta: Ocorrem quando o jogador atua visando incorporar itens, habilidades
e poderes para o personagem. Opera sob a lógica da coleção, o ato de juntar coisas durante
o jogo, visando melhorias o nas características de um personagem, por exemplo. É bastante
comum, nesse tipo de jogo, que os jogadores decidam parar de avançar na narrativa( e portanto
em direção à finalização do jogo) até que através da coleta, tenham conseguido mais força,
habilidade ou poderes. Mas muitas vezes se realiza no sentido da simples satisfação aferida no
ato de colecionar ítens.
Ludemas sociais: Ocorrem quando um jogador realiza ações baseadas em aspectos de
sociabilidade e relacionamento com outras pessoas dentro do jogo. O Ludema social não deve
ser confundindo com a pura possibilidade de estar jogando com outras pessoas, mas ocorre
apenas quando - ao jogar com outras pessoas - o jogador toma decisões em função da presença
destas e age em conformidade com isso (Branco, 2011).
Para finalizar, é importante ressaltar que os Ludemas, foram categorizados, por uma questão
didática e essas categorias podem operar em simultaneidade e não apenas em uma sequência
de eventos. Categorização essa, que será utilizada para detectar nos textos lineares as suas
possibilidade lúdicas.

4. OS LUDEMAS DO TEXTO LINEAR

Para obtermos um mapeamento das mecânicas implícitas em um texto linear precisamos em


primeiro lugar, fazer uma interpretação daquilo que entendemos daquele texto. E ter em conta
que a interpretação é um ato de escolha., de inclinação ou preferência por essa ou aquela
tendência.
Quando utilizados como lente para a observação dos jogos, os Ludemas caracterizam uma
interpretação literal e objetiva do gameplay desse jogo. Mesmo que possamos ter mais de um
Ludema simultâneamente (um Ludema de exploração e um Ludema estético por exemplo): A
interpretação dos Ludemas de um jogo não permite múltiplas opções. Isso ocorre porque , como
já foi dito, as características físicas do jogo são explícitas.
Contudo, podemos ler um texto linear sob essa ou àquela inclinação; não existe entendimentos
livres de ideologia. A adoção dos Ludemas como ferramenta das possíveis interpretações lúdicas
de um texto fornece um aparato que traz possibilidades diversas para aqueles que o utilizam.
A desvantagem disso é que não se trata de um procedimento que garantirá que o gameplay
interpretado vá resultar num jogo necessariamente eficaz.Isso dependerá das escolhas que o
desenvolvedor fizer. Por outro lado estamos utilizando esse aparato metodógico para a geração
de conceito e por isso, ao trazer diversas possibilidades, poderá ser bastante adequado quando

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inserido numa metodologia de projeto, onde a etapa conceitual se beneficiará com a diversidade
de alternativas. O texto linear nos permite descrever um roteiro daquilo que queremos que o
jogador faça em um jogo, e como já citado, dos verbos que queremos que ele conjugue. E serão
através dos Ludemas que essas ações se desenrolarão.
Por exemplo; no texto abaixo:
A Idade Média teve início na Europa com as invasões germânicas (bárbaras), no século V, sobre o
Império Romano do Ocidente. Essa época estende-se até o século XV, com a retomada comercial
e o renascimento urbano (Silva, 1995).
Quais as possibilidades de gameplay do texto acima? A lista de verbos é a seguinte: Teve,
início, Invasões, estende-se e retomada. Considerando que a composição “ teve início” pode ser
substituída por “iniciou”, e, para fins de simplificação, vamos suprimir o verbo “ter”.
Então a lista de verbos evoca Ludemas correspondentes diversos, Eis uma possível interpretação:
Iniciar: Ludema de exploração
Invadir:Ludema de performance física
Estender:Ludema de exploração
Retomar:Ludema Social
Ao combinarmos cada verbo com um Ludema, estamos trazendo a tona as possibilidades de
interação onde cada Ludema seria transformado em um pequeno fragmento de um jogo. Em “A
Idade Média teve início na Europa com as invasões germânicas.” Segundo essa primeira análise,
o jogo começaria com a exploração por parte do usuário que constataria as características
ambientais da idade média ao observar o ambiente do jogo e seguiria com uma batalha travada
pelo usuário para conter ou promover uma invasão, nesse caso a invasão bárbara.
Esses Ludemas, que foram escolhidos arbitrariamente reforçam um caráter expancionista, bélico
e gerariam um jogo com bastante ação. O jogo começaria com uma exploração do ambiente
permitindo ao jogador constatar a mudança de era(da idade antiga para a idade média). Em
seguida, o jogo se desdobraria numa batalha ambientada nas invasões germânicas. Fazendo
uma alusão à extensão da época medieval o usuário acessaria um calendário , ao explorar mais
uma vez o ambiente. Conforme avança no jogo, uma etapa onde o jogador passa a negociar
com outros jogadores é habilitada, perfazendo o último Ludema, um Ludema social. Mas se
preferíssemos, poderíamos interpretá-lo assim:
Iniciar: Ludema de interface
Invadir:Ludema de performance cognitiva
Estender:Ludema de interface
Retomar:Ludema de performance cognitiva

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Nesse caso, a ênfase seria mais estratégica, composta de fases voltadas à um nível de decisão mais
tático do que reativo. As atividades as quais o jogador estaria envolvido, teriam uma natureza
mais cognitiva do que as da primeira análise. As tomadas de decisão não seriam tão práticas
e imediatas e um jogo como esse exigiria mais reflexão e raciocínio. Temos dois exemplos de
análises completamente diferentes sobre o mesmo texto. Essas diferentes ênfases nos dão uma
pequena idéia das múltiplas interpretações e personalizações possíveis utilizando os Ludemas
para esse fim.
Esse roteiro fisicamente descrito de jogabilidade, traz aspectos mecânicos que permitem uma
ponte entre o texto escrito e um roteiro de jogo , num processo de formação de um roteiro
de desenvolvimento da tensão exploratória para se tornar algo imersivo que reage somente
depois da intervenção do usuário. O texto roteirizado passa a ser o ponto de encontro entre duas
entidades distintas, o jogo e jogador num espectro de possíveis ações e reações que são geradas
tanto pelo jogado como pelo próprio jogo, num fluxo circular de informação que vai do jogo ao
jogador e vice-versa.
Então a transmissão de conteúdo para o aluno emerge das interações do jogador e do ambiente,
a partir da manipulação de regras e mecânicas de jogo pela criação de estratégias e táticas
que tornam interessante e divertida a experiência de jogar. Cada Ludema aponta o caminho
de um pequeno jogo, onde ora o usuário manipula a interface para configurar uma estratégia,
ora explora com seu personagem o ambiente proposto, caracterizando as diversas formas de
labirinto, os caminhos diferentes de um jogo.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A combinação de um aparato metodológico desenvolvido originalmente para operar como


uma medida ludológica dentro dos limites dos jogos com o texto linear, traz um choque e
revela dimensões completamente diferentes. Existem muitas formas de interpretação um texto
mas os Ludemas permitem, mesmo com variações possíveis , uma interpretação balizada das
tensões entre uma estrutura linear, como é a configuração de qualquer narrativa e as estruturas
conhecidas dos jogos existentes. Foi apresentado aqui, um caminho para o entendimento da
gênese dos jogos trazendo novas possibilidades de fecundidade. Os Ludemas trazem a tona
todo um universo oculto contido dentro dos textos, e que podem ampliar e revelar as sua
estrutura mecânica jogável, para que os desenvolvedores tenham nos textos lineares uma fonte
de referência para enriquecer suas abordagens e os educadores tenham nessa ferramenta, uma
possibilidade de mediação entre a linguagem tradicionalmente utilizada do livro encadernado
com as mídias interativas. Essas técnicas podem ser úteis ao se configurarem numa matriz que ao
ser aplicada aos textos, dão ao desenvolvedor uma noção das nuances e camadas que o podem
constituir o macro game. Podem ajudar na composição do ritmo do jogo, mapeando o que foi
escrito na forma de diferentes jogos possíveis como parte do projeto completo.

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Procura se utilizar da vantagem da fruição inerente dos jogadores oferecendo uma possibilidade
de aumento do envolvimento se traduzindo num aliado quando for necessário despertar uma
maior motivação por parte dos alunos. É um passo na direção de se criar uma linguagem que
traduza a linguagem multidimensional da geração atual. Os Ludemas configuram aqui, uma
espécie de glossário, um dicionário lúdico a ser aplicada para que educadores e alunos passem
a falar a mesma língua, e tratem do que é mais importante ao se lidar com a educação: o teor do
conteúdo.
O direcionamento da intencionalidades dos alunos para os interesses pedagógicos propostos
pelos professores, só poderá ocorrer se os docentes puderem contar com ferramentas concebidas
especialmente para esse fim.
O aprendizado baseado em jogos é um passo importante nesse sentido. Certamente não é
o único, mas para que os jogos se constituam numa mídia familiar aos educadores é preciso
desenvolver-lhes as competências necessárias para que tenham trânsito livre, de uma mídia para
a outra, pois são vários os passos para a realização de um jogo, e é só assim, particionando o
processo em as etapas é que é possível a apreensão dessa linguagem cheia de sutilezas sem
perder de vista o que precisa ser ensinado.
A maior dificuldade encontrada nesse artigo foi a união de fragmentos de áreas tão diferentes,
como a psicologia, a comunicação, a pedagogia e o design. Devido à isso, corremos o risco
de estarmos tocando apenas a superfície do assunto referido. Dessa forma, assuntos como a
cibertextualidade e o gameplay, que são temas de discussões muito amplas dentro dos game
studies não foram aprofundados. Isso nos conduziria a uma perda de espaço por parte dos
assuntos objetivados no artigo. A demonstração de como os Ludemas poderiam funcionar ao
sair dos limites dos jogos para buscar na realidade os subsídio para jogos novos e diversificados.

6. REFERÊNCIAS

[1]. Aarseth, E. J. (1997). Cybertext: Perspectives on Ergodic Literature. Baltimore: The Johns
Hopkins University Press.

[2]. Branco, M. (2011). Jogos Digitais, Metodologia e Conceitos para uma Mídia Indisciplinada. São
Leopoldo RS: Universidade do Vale do Rio dos Sinos .

[3]. Caillois, R. (1990). Os Jogos e os Homens. Lisboa: Edições Cotovia Ltda.

[4]. Crawford, C. (2004). Chris Crawford on Interactive Storytelling. Berkeley, CA: New Riders.

[5]. Eyuboglu, F., & Orhan, F. (01 de Janeiro de 2011). Paging and scrolling: Cognitive styles in
learning from. British Journal of Educational Technology , pp. 50-65.

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[6]. Gerjets, P., Scheiter, S., & Schuh, J. (04 de Fevereiro de 2010). Information comparisons in
example-based hypermedia environments: supporting learners with processing prompts and an
interactive comparison tool. EDUCATIONAL TECHNOLOGY RESEARCH AND DEVELOPMENT,
pp. 73-92.

[7]. Huizinga, J. (2000). Homo Ludens. São Paulo: Editora perspectiva.

[8]. Moreira, M. A., & Mazini, E. F. (1982). Aprendizagem significativa - A teoria de David Ausubel.
São Paulo: Editora Moraes Ltda.

[9]. Palfrey, J., & Gasser, U. (2011). Nascidos na era digital - Entendendo a primeira geração de
nativos digitais. Porto Alegre RS: Editora Artmed.

[10]. Scheiter, K., & Gerjets, P. (19 de Junho de 2007). Learner Control in Hypermedia
Environments. EDUCATIONAL PSYCHOLOGY REVIEW , pp. 285-307.

[11]. Vannucchi, H., & Prado, G. (14 de Outubro de 2010). Discutindo o conceito de gameplay.
Acesso em 8 de Janeiro de 2012, disponível em Manakin - ECA - Escola de Comunicações e
Artes: http://200.144.190.38:8180/xmlui/bitstream/handle/1/229/ECA_CAP_ART_PRADO_
DISCUTINDO%20O%20CONCEITO_2009.pdf?sequence=1

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O Novo Paradigma em Controladores de


Videogames: a Remoção da Prótese
Christopher Kastensmidt
Professor, cursos de Desenvolvimento de Jogos Digitais e Comunicação Social,
Feevale, [email protected].

Resumo
Durante quase toda a história de consoles de videogames, o controlador atuou como um tipo de
prótese eletrônico do jogador. Como mostra este artigo, desde 1972 até 2006, estes controladores
ficaram cada vez mais complexos e abstratos. Em 2006, este rumo inverteu radicalmente com o
lançamento do Nintendo Wii, que marcou a primeira simplificação significante de um controlador
para um console popular. Depois, o lançamento do Kinect da Microsoft em 2010 levou esse novo
paradigma em simplificação a um ponto completamente inesperado: o do jogador não utilizar
mais controlador nenhum que não seja o próprio corpo.
Este artigo aprofunda esta mudança radical de paradigma no desenvolvimento de controladores,
mostrando as mudanças nos controladores ao longo de todas as gerações de consoles e os efeitos
destas mudanças na complexidade da prótese, e depois a mudança de paradigma ao longo dos
últimos anos que removeu esta prótese física do corpo e transformou-a em prótese virtual.
Palavras Chave: Jogos digitais. Cibercultra. Controladores.

Abstract
During almost the entire history of video game consoles, the controller used by the player acted
as a type of electronic prosthesis. As this article shows, from 1972 to 2006, these controllers
became increasingly complex and abstract. In 2006, this path changed radically with the launch
of the Nintendo Wii, which signaled the first significant simplification of a controller for a popular
console. The launch of Microsoft’s Kinect in 2010 took this new paradigm to another level: the
player no longer needed any controller at all, save his own body.
This article examines this profound change of paradigm in controller development, showing
the changes in controllers along all console generations, and the effects of those changes on
the complexity of the prosthesis. Then is discusses the change of paradigm in recent years that
removed this physical prosthesis and made it a virtual one.
Keywords: Video games. Cyberculture. Controllers

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Introdução

Os videogames foram introduzidos como produtos comerciais no começo dos anos setenta.
Desde o começo desta indústria, foi necessário o sujeito jogador utilizar algum tipo de controlador
para input. Durante quase toda a história dos videogames, o controlador foi um objeto físico
segurado nas mãos, um tipo de prótese eletrônica do jogador.
De 1972 até 2006, estes controladores se tornaram cada vez mais complexos e abstratos. Mas em
2006, este rumo inverteu radicalmente com o lançamento do Nintendo Wii, o primeiro console
popular a oferecer uma simplificação significante do controlador. Esta tendência de simplificação
chegou ao extremo com o lançamento do Microsoft Kinect em 2010, onde o jogador não
precisava utilizar mais controle nenhum. No final, a prótese sumiu.
Este texto aprofunda nesta mudança radical de paradigma no desenvolvimento de controladores.
Primeiro, o artigo estuda o controlador no contexto de teorias de cibercultura e pós-humanismo.
Segundo, o artigo apresenta uma breve história dos controladores durante as primeiras seis
gerações de consoles, mostrando a tendência dos controladores a ficar cada vez mais complexos.
Depois, o artigo discute a sétima geração dos consoles, o ponto de inflexão que inverteu o
paradigma e começou a simplificação do controlador. Finalmente, o artigo traz uns pensamentos
sobre esta trajetória do controlador como prótese.

Visões de interfaces, cyborgs e o controlador como prótese

Para colocar este estudo dentro do contexto teórico, podemos encontrar teorias relevantes
dentro de vários assuntos, mas escolhemos aqui pensar em duas abordagens: a do controlador
como interface e a do controlador como extensão do corpo.
Muitos pesquisadores discutem a interface entre humanos e computadores. Nicholas
Negroponte (1995) destaca a importância da interface. Ele explica como, no começo da indústria
de computadores, era mal-visto gastar tempo em criação de interfaces, que o computador em
si levou mais importância que a pessoa que o utilizava. Negroponte vai tão longe a dizer que
interfaces foram criadas para ser complexas de propósito, para a “manutenção do mistério”. Ele
afirma que esta situação tem que mudar, com interfaces cada vez mais intuitivas.
Pierre Lévy (1999) coloca a interface do controlador em termos de “modificação”. Ele escreve:
“No videogame, cada jogador, ao agir sobre o joystick, dataglove ou outros controles, modifica
em um primeiro tempo sua imagem no espaço do jogo”. No conceito dele, o jogador utiliza o
controlador para modificar seu avatar, que depois modificará o espaço do jogo.
Alex Primo (2007) nota como a interface estabelece limites. Ele vê que “as interações reativas
dependem da previsibilidade e da automatização nas trocas”. Ele usa como exemplo um jogo de
corrida automobilística, onde do ponto de vista do console existe simplesmente “um conjunto
de regras e instruções a serem seguidas diante das entradas recebidas via gamepad”. O foco

105
anterior Sumário próxima

do console é no input do controlador. O foco do jogador é utilizar uma ação dos dedos para
solucionar os problemáticos do jogo.
Existe também uma rica literatura sobre o conceito de interfaces físicas, como controladores
de jogos, serem próteses eletrônicas. Em 1969, Marshall McLuhan já imaginou todos os meios
de comunicação como extensões do homem (MCLUHAN, 2007). Para MuLuhan, colocar uma
prótese como extensão do corpo (por exemplo, usar uma roda como extensão do pé) causa um
tipo de auto-amputação. Ele fala que “Fisiologicamente, no uso normal da tecnologia (ou seja de
seu corpo em extensão vária), o homem é perpetuamente modificado por ela.”
André Lemos (2002) vê as tecnologias extensões como instrumentos, cujo uso é natural para
o ser humano desde a idade de pedra. Ele fala da “Cyborgização da cultura contemporânea”,
com o processo simbiótico entre homem e tecnologia. Francisco Rüdiger (2008) aponta como
os defensores do pós-humano falam no mundo como grande maquinário, e que a essência
do ser humano existe na mente, sendo qualquer outra peça trocável que não seja os próprios
pensamentos.
São muitas abordagens diferentes, e o estudo da trajetória de controladores é um caso muito
interessante dentro deste contexto teórico.

A evolução dos controladores e o aumento da prótese

Um console é um aparelho feito para o motivo específico de executar videogames (MILLER, 2004).
Os consoles habilitam recursos de input (na forma de controladores), output (normalmente na
forma de conexão a algum aparelho externo para visualização, como um televisor) e processamento
de dados para a execução dos jogos. Estes sistemas também podem disponibilizar recursos
de transferência externa de dados para comunicação com outros consoles para experiências
multijogadores. A história de consoles divide-se em gerações (KENT, 2001), com a geração atual
dos consoles sendo a sétima.
Para entender a evolução dos controladores, não é necessário olhar os controladores de todos
os consoles já criados. Em quase todas as gerações de consoles (com exceção da segunda e
sétima, que serão discutidos nas suas secções respectivas), a maioria dos consoles lançou com
controladores muito parecidos, com os consoles dominantes pautando o desenvolvimento da
próxima geração. Por causa disso, utilizamos aqui o console mais vendido de cada geração para
representar os controladores daquela geração.
Nas secções a seguir, estudamos todas as gerações de consoles de videogames uma por uma,
com olho na evolução dos controladores ao longo da história delas.

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A primeira geração
A primeira geração de consoles começou em 1972 com o lançamento do Magnavox Odyssey.
O console mais conhecido desta geração é o PONG da Atari, a versão caseira do videogame de
fliperama do mesmo nome, que muitas pessoas consideram o produto que lançou a indústra de
jogos (KENT, 2001).
Seja PONG ou seus muitos imitadores, todos os consoles desta geração utilizaram controladores
do tipo paddle, um controlador em forma de dial/roda (figura 1).

Figura 1 - Pong da Atari com dois controladores do tipo paddle

O uso de paddle como controlador limitou o jogador a dois movimentos: girar para esquerda ou
para direita. Este movimento foi interpretado no output (na tela) de quase todos como movimento
ao longo de um eixo (vertical ou horizontal). No jogo Pong (ATARI, 1975), este movimento é
representado por uma pequena barra que sobe e desce ao longo de um lado da tela (figura 2).

Figura 2 - Pong - avatar em forma de barrinha vertical que sobe e desce

O nível de abstração necessária para controlar um avatar gráfico com movimento de apenas um
eixo é relativamente baixo (comparado com jogos posteriores com movimento de dois eixos ou
até representações tridimensionais), e a habilidade motor de controlar apenas um controle em
forma de roda é atingível por quase qualquer pessoa. Por exemplo, compara esta dificuldade
com a habilidade motor necessário de dirigir um carro, algo mais complexo mas ainda atingível
pela maioria da população.
Assim, a indústria de consoles começou com um sistema de controle de baixíssima complexidade.
Por este motivo, os jogos desta primeira geração fizeram grande sucesso entre famílias, onde
qualquer um poderia facilmente participar.

107
anterior Sumário próxima

A segunda geração
A segunda geração começou em 1976 com o lançamento do Fairchild Channel F, o primeiro
console que podia executar jogos armazenados em formato cartucho. Os cartuchos guardaram
os jogos em memória ROM, e o console foi o primeiro a utilizar uma CPU (unidade central de
processamento) capaz de interpretar as instruções para execução.
Os controladores desta geração variaram bastante, desde o teclado do Magnavox Odyssey até
o controle em formato de disco com dezesseis botões do Intellivision. Porém, o console mais
importante da geração, com 30 milhões de unidades vendidas (uma ordem de magnitude maior
que a venda de qualquer outro console até aquele momento), foi o Atari 2600 (figura 3).

Figura 3 - Atari 2600, principal console da segunda geração

O console utilizou controlador em formato de joystick mais botão (figura 3). O joystick deixou
liberdade de movimento em dois eixos, e o botão necessitou o uso de duas mãos. Também
interessante é como o controlador, por meio de um fio, parou de ser afixado ao console em si. Ele
virou a ser parte móvel. Assim, o ponto de referência do controlador não foi mais o console, mas
sim as mãos do jogador. O controlador virou um tipo de prótese eletrônica do jogador.
O controle motor e abstração mental necessários para jogar aumentaram bastante com a adição
de um eixo a mais de movimento (figura 4) e a necessidade de utilizar duas mãos para cumprir
funções diferentes. Assim, o pulo de complexidade da primeira para a segunda geração foi
significativo.

Figura 4 - Pac-man no Atari 2600 - movimento bidimensional

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anterior Sumário próxima

A terceira e quarta gerações


A terceira geração começou com o lançamento do NES da Nintendo em 1983. Este console
também ia ser o grande campeão de vendas da geração, com mais de 60 milhões de unidades
vendidas.

Figura 5 - Nintendo NES e controlador

Este console substituiu o joystick para um gamepad, um controlador do tipo direcional digital
(em formato de cruz), e acrescentou mais um botão para ações (figura 5) (notamos aqui que
também foram adicionados dois botões para funções do sistema, que não discutimos aqui nem
no resto deste estudo, já que estes botões não são relacionados ao ato de jogar).
A diferença do joystick para o direcional digital pode aparecer pequena, mas é uma mudança
conceitual. Movimento virtual, anteriormente representado com um movimento físico pelo
espaço (o movimento do joystick ou rotação do paddle) foi trocado por pressão sobre um botão
(o direcional digital). O movimento da mão foi trocado por um toque de dedo, o analógico pelo
digital, e o controlador ficou ainda mais abstrato da ação física.
A adição de um botão extra forçou a troca do polegar entre um botão e outro, um ato
normalmente feito sem olhar. A dominância deste movimento, mesmo simples, aumentou ainda
mais o controle motor necessário para jogar.
A quarta geração dos consoles não mudou a paradigma dos controladores dos jogos, continuando
com o controle direcional e dois botões. Por isso ela não será discutida aqui.

A quinta geração
A quinta geração começou com o lançamento do 3DO Interactive Multiplayer em 1993. A geração
foi marcada principalmente por sua utilização de cenários tridimensionais, como Super Mario 64
(NINTENDO, 1996) (figura 6).

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anterior Sumário próxima

Figura 6 - Mario 64, navegação de avator por três dimensões

O campeão de vendas da geração foi o PlayStation da Sony, com mais de 100 milhões de unidades
vendidas. Olhando de frente, o controlador é parecido dos controladores das duas gerações
anteriores, com a adição de apenas dois botões a mais (figura 7). Porém, a grande diferença foi
na adição de quatro botões tipo gatilhos, colocados em cima.

Figura 7 - O controlador do Playstation

Estes botões, para serem acionados com dois dedos de cada mão, foram necessitados pelo
controle de personagens em cenários tridimensionais. Estes botões podem ser utilizados para
controlar profundidade 3D ou de girar a câmera ou personagem.
A utilização, nas duas gerações anteriores, de dois polegares (um para direcional digital e um para
os botões) pulou para dois polegares mais quatro dedos para apertar os gatilhos. O controle motor
e poder de abstração necessários para utilizar estes controladores para movimentar personagens
em mundos tridimensionais são imensos. Ao mesmo tempo, muitos jogos começaram a utilizar
os controladores de maneiras cada vez mais abstratas. Por exemplo, jogos de luta utilizam um
sistema de “combos” onde o jogador tem que decorar uma série complexa de movimentos e
toques de botão para fazer golpes avançadas, sem nenhuma base na lógica ou na realidade. O
jogo popular Street Fighter II (CAPCOM, 1991), por exemplo, inclui mais de cem combinações para
o jogador aprender. Estes sistemas são criados, na verdade, para ser complexos.
A combinação destes fatores começou a limitar muito os usuários dos videogames. Como J. C.
Herz escreveu em 1997, a indústria tinha colocado todo o foco em adolescentes masculinos
(HERZ, 1997). Nas palavras dela, “In the videogame industry, what teenage boys want, teenage
boys get”.

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A sexta geração e o começo da sétima


Como toda geração anterior, a sexta geração continuou o aumento de complexidade dos
controles. O PlayStation 2, lançado em 2000, vendeu mais de 140 milhões de unidades, e
apresentou um controlador muito complexo (figura 8).

Figura 8 - PlayStation 2 e controlador

O controlador acrescentou duas alavancas analógicas ao controle direcional digital, quatro


botões e quatro gatilhos da geração anterior. Estas alavancas deixaram mais opções para controle
de personagens em mundos tridimensionais, e mais opções para sistemas de controle cada vez
mais complexos.

A sétima geração e a abolição da prótese

Conforme mostra a última parte deste documento, a história das primeiras seis gerações de
consoles foi uma de constante aumento em complexidade e abstração dos controladores (figura
9), que continuou até o lançamento do PlayStation 3 em 2006.

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anterior Sumário próxima

Figura 9 - Aumento em complexidade de controladores

A sétima geração mostrou sinais que nada ia mudar, com o lançamento do Xbox 360 (2005)
e PlayStation 3 (2006) com sistemas de controle iguais aos da sexta. Mas uma mudança de
paradigma na sétima geração inverteu esta tendência de sistemas cada vez mais complexos.

A revolução portátil
O que sinalizou (e possibilitou) a mudança de paradigma não foi na área de consoles de
videogames mas sim dos videogames portáteis. O Nintendo DS lançou em 2004 com tela sensível
ao toque (figura 10).

Figura 10 - Nintendo DS com caneta stylus para controle

O aparelho também ofereceu controles mais tradicionais (direcional digital, quatro botões e dois
gatilhos), porém a maioria dos jogos foram criados para funcionar com apenas a caneta stylus e
tela sensível ao toque.

112
anterior Sumário próxima

A indústria logo descobriu que este sistema de controle deixou o aparelho altamente popular
entre grupos que não se acostumaram a comprar videogames portáteis, como crianças e
mulheres (KANOH, 2008).

O Nintendo Wii e o começo do fim da prótese


O sucesso do Nintendo DS em atrair novos consumidores impulsionou a Nintendo a fazer um
lançamento ousado na área de consoles: o Nintendo Wii (figura 11). Com o Wii, a Nintendo
abandonou o foco no consumidor adolescente e foi atrás um público maior (CARLESS, 2006).

Figura 11 - Nintendo Wii (2006)

Ao contrário das gerações anteriores, o Wii simplificou o controlador, deixando ele em forma
de bastão com apenas um direcional digital, três botões para ações e um gatilho. A maioria do
sistema de controle foi transferido para um acelerômetro embutido para medir aceleração por
três eixos, e um sensor ótico para detectar onde o controlador apontava na tela.
O uso do bastão com acelerômetros devolveu movimento físico ao jogador, acrescentado ao fato
que este movimento imita o movimento de verdade. Por exemplo, para fazer seu avatar fazer
golpe com taco de golfe, o jogador faz o mesmo movimento com o bastão (figura 12). Assim, os
níveis de abstração e complexidade caíram bastante.

Figura 12 - Movimento do bastão para jogar

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anterior Sumário próxima

O sensor ótico também merece destaque, porque ele transferiu parte do controle da mão do
jogador, e o devolveu para o console (neste caso, uma barra de sensores que se coloca em cima
ou em baixo da TV (figura 13).

Figura 13 - Barra de sensor infravermelho

O aposto deu certo, com o Wii rapidamente ultrapassando as vendas dos seus competidores
Microsoft e Sony, que tinham lançados os seus produtos antes (WALTON, 2007).

O Kinect e a transformação da prótese


Porém, a paradigma não parou com o lançamento do Wii. Em 2010, a Microsoft lançou um novo
sistema de controle para o Xbox 360: o Kinect (figura 14). O Kinect utiliza uma câmera, dois
sensores de profundidade e um microfone para interagir com jogadores.

Figura 14 - Microsoft Kinect

Os sensores e câmera deixam o Xbox 360 interpretar os movimentos dos jogadores, sem
necessidade de controladores. Por exemplo, o jogador pode dar um chute real para fazer o
avatar chutar no jogo (figura 15). Pela primeira vez, o próprio jogador virou o controlador, sem
necessidade de prótese física.

Figura 15 - Controle de avatar por movimentos corporais com Kinect

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anterior Sumário próxima

A câmera também pode reconhecer o jogador na frente, e o microfone pode reconhecer a voz e
entender comandos simples. Negroponte (1995) previu toda a funcionalidade do Kinect quando
falou:

“O desafio para a próxima década não é apenas oferecer às pessoas telas maiores, melhor qualidade de
som e um painel gráfico de comando mais fácil de usar. É fazer computadores que conheçam o usuário,
aprendam quais são suas necessidades e entendam linguagens verbais e não verbais”.

Considerações Finais

Após seis gerações e mais de trinta anos de controladores mais complexos, o Wii e Kinect
mostraram que a tendência de próteses mais complexas não é a única solução para comunicar
com mundos interativos cada vez mais complexos.
Com o Microsoft Kinect, o corpo volta a ser usado do jeito dele, e a “auto-amputação” do McLuhan
(2007) ficou bastante reduzida. Uma prótese ainda existe, claro, que é o sensor de movimento,
mas a paradigma é completamente diferente.
Primeiro, o ponto de controle (a prótese) voltou para o console, onde não apareceu desde a
primeira geração. E esta vez, o jogador não tem que ir até o console para jogar.
Segunda, esta prótese virou transparente para o jogador. O jogador não reage com o sensor e
sim com a visualização do jogo. Do ponto do visto do jogador, a prótese virou virtual (figura 16).

Figura 16 - Videogames com prótese virtual

A história de controladores de jogos mostra a dificuldade em prever o futuro tecnológico. Trinta


anos de um rumo de desenvolvimento tecnológico foi completamente descartado dentro de
um período de quatro anos. A remoção da prótese do controlador de videogames contradita a
idéia do humano-cyborg e mostra que os paradigmas de tecnologia podem se mudar a qualquer
momento. Ao mesmo tempo, a remoção cai perfeitamente dentro do aviso do Negroponte (1995)
quando ele fala que “Menos é Mais”.

115
anterior Sumário próxima

Referências

CARLESS, Simon. Breaking: Nintendo Announces New Revolution Name - ‘Wii’. Gamasutra.com.
27 de abril de 2006.

Disponível em: < http://www.gamasutra.com/php-bin/news_index.php?story=9075>. Acesso


em: 26/11/2010.

HERZ, J. C. Joystick Nation. London: Abacus, 1997.

KENT, Steven L. The ultimate history of vídeo games: from Pong to Podemon--the story
behind the craze that touched our lives and changed the world. United States: Prima, 2001.

KANOH, Yukiko. Survey: PSP Preferred by Japanese Men, DS Lite by Women. TechOn. 10 de abril
de 2008.

Disponível em: < http://techon.nikkeibp.co.jp/english/NEWS_EN/20080410/150251/>. Acesso


em: 26/11/2010.

LEMOS, André. Cibercultura: tecnologia e vida social na cultura contemporânea. Porto Alegre:
Sulina, 2004.

LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 2000.

MCLUHAN, Marshall. Os Meios de Comunicação Como Extensões do Homem. Cultrix, São


Paulo, 2007.

MILLER, Carolyn, Handler. Digital Storytelling. United States: Focal Press, 2004.

NEGROPONTE, Nicholas. A Vida Digital. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

PRIMO, Alex. Interação mediada por computador: comunicação, cibercultura, cogniçãol.


Porto Alegre: Sulina, 2007.

RÜDIGER, Francisco. Cibercultura e pós-humanismo: exercícios de arqueologia e criticismo.


Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008.

WALTON, Brett. Press Release: Nintendo Wii is market leader in home console business.
VGChartz. 22 de agosto de 2007. Disponível em: < http http://gamrfeed.vgchartz.com/
story/508/press-release-nintendo-wii-is-market-leader-in-home-console-business/>. Acesso
em: 26/11/2010.

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Jogos Digitias Referenciados

Pac-Man (Atari, 1982).

Pong (Atari, 1975).

Street Fighter 2 (Capcom, 1991).

Super Mario 64 (Nintendo, 1996).

Figuras

Wikimedia Commons: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Atarisearspong.png (acesso:


04/09/2011)

Wikimedia Commons: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Pong.png (acesso: 04/09/2011)

Wikimedia Commons: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Atari-2600-Wood-4Sw-Set.jpg (acesso:


04/09/2011)

Wikimedia Commons: http://en.wikipedia.org/wiki/File:A2600_Pac-Man.png (acesso:


04/09/2011)

Wikimedia Commons: http://en.wikipedia.org/wiki/File:NES-console-with-controller-png.png


(acesso: 04/09/2011)

Wikimedia Commons: http://en.wikipedia.org/wiki/File:N64_Super_Mario_64_whomp_fortress.


jpg

(acesso: 04/09/2011)

Wikimedia Commons: http://en.wikipedia.org/wiki/File:PSX-Original-Controller.jpg (acesso:


04/09/2011)

Wikimedia Commons: http://en.wikipedia.org/wiki/File:PS2-Fat-Console-Set.jpg (acesso:


04/09/2011)

Figura criada pelo autor.

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Wikimedia Commons: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Nintendo-DS-Lite-w-stylus.png (acesso:


04/09/2011)

Wikimedia Commons: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Wii_console.png (acesso: 04/09/2011)

Imagem de marketing da Nintendo. http://www.new-wii-games.co.uk/wp-content/


uploads/2011/04/people-playing-wii-3-306x191.jpg (acesso: 04/09/2011)

Wikimedia Commons: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Nintendo_Wii_Sensor_Bar.jpg (acesso:


04/09/2011)

Wikimedia Commons: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Xbox-360-Kinect-Standalone.png


(acesso: 04/09/2011)

Imagem de marketing da Microsoft. http://www.kinectxbox.me/wp-content/uploads/2010/11/


playing-kinect2.jpg (acesso: 04/09/2011)

Imagem de marketing da Sony.

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Santas, Sexys e Fatais: Um Mapeamento das


Construções de Sentido sobre as Mulheres em
Jogos de Luta1
Rafael Soares Krambeck2

Resumo
Ao observar o jogo digital como uma mídia diferenciada que gera uma cultura própria, este
artigo analisa os modos pelos quais as problemáticas de gêneros sexuais são construídas em
jogos de luta. Enquanto dispositivos midiáticos que trazem personagens ficcionais limitados
quase que apenas pelas próprias regras, os jogos constroem sentidos sobre os diversos gêneros
e sexualidades. A partir de uma perspectiva dos estudos da teoria queer, busca-se construir
categorias a fim de explicitar distintas construções de sentido sobre o feminino. A análise consistiu
em um ensaio de mapeamento inicial das imagens das personagens de quatro séries de jogos de
empresas diversas, de tal modo que, visou-se uma diversidade de cenários. A pesquisa não tem
o propósito de obter considerações de grande aprofundamento, afinal, para tal, seria necessário
um olhar mais denso sobre os objetos. Portanto, os resultados da pesquisa são implicações de
uma reflexão sobre a superfície de um campo a ser explorado.
Palavras-Chave: Comunicação. Jogos Digitais. Gênero. Teoria Queer. Feminino.

Primeiramente, tomo a liberdade de avisar algum virtual leitor deste artigo que se trata de
resultados de uma reflexão, sobretudo, sobre gêneros na sociedade contemporânea. Apesar da
observação do jogo digital enquanto uma mídia diferenciada com uma dinâmica característica
que gera uma cultura em torno de si, o artigo não se detêm às teorias sobre jogos digitais.
O trabalho desenvolvido parte de uma perspectiva dos estudos da teoria queer para construir
categorias a fim de explicitar distintas construções de sentido sobre o feminino. Baseia-se no
pressuposto que enquanto dispositivos midiáticos que trazem personagens ficcionais limitados

1 
Trabalho apresentado ao V GAMEPAD – Seminário de Games, Comunicação e Tecnologia, na Universidade
Feevale, Novo Hamburgo, dias 23 a 24 de março de 2012.
2 
Bacharel em Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA).
Atualmente, cursa mestrado no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação, da Universidade do Vale
dos Sinos - São Leopoldo/RS. Desenvolve pesquisa sobre teoria queer e cibercultura na linha de Cultura, Cidadania
e Tecnologias da Comunicação, sob orientação da Drª Adriana Amaral. Email: [email protected].

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anterior Sumário próxima

quase que apenas pelas próprias regras, os jogos constroem sentidos sobre os diversos gêneros
e sexualidades.
A análise consistiu em um ensaio de mapeamento inicial das imagens das personagens de quatro
séries de jogos de empresas diversas, de tal modo que, visou-se uma diversidade de cenários. A
pesquisa não tem o propósito de obter considerações de grande aprofundamento, afinal, para
tal, seria necessário um olhar mais denso sobre os objetos. Portanto, os resultados
da pesquisa são implicações de uma reflexão sobre a superfície de um campo a ser explorado.

Teoria Queer e as Identidades de Gênero

Herdeira legítima dos estudos culturais e de gênero norte-americanos, a teoria queer tem sido
desenvolvida desde o final da década oitenta pelos mais diversos teóricos dipersos por áreas
como sociologia, antropologia, educação, entre outras. Ela propõe ir além da dualidade masculino/
feminino, heterossexual/homossexual, etc., assim, tendo um dos maiores objetivos, a crítica ao
que se convencionou chamar de “heteronormatividade homofóbica”, defendida por aqueles
que vêem na heterossexualidade uma matriz de análise aos desvios e que, de certa maneira, irá
heterossexualizar e/ou homossexualizar instituições e discursos. Ou seja, a heteronormatividade
“é um conjunto de prescrições que fundamenta processos sociais de regulação e controle, até
mesmo aqueles que não se relacionam com pessoas do sexo oposto” (MISKOLCI, 2009, p. 156).
A própria manobra de adotar o termo “queer” reflete a postura crítica da teoria, pois, desenvolve
um novo significado ao termo, entendendo-o enquanto uma prática de vida que se posiciona
contra as normas socialmente aceitas. A tradução do vocábulo para a língua portuguesa é
bastante problemática, como explicita Louro, “queer pode ser traduzido por estranho, talvez
ridículo, excêntrico, raro, extraordinário” (2004, p. 38). Contudo, a intenção dos teóricos foi de
subverter uma prática lingüística que, até então, carregava um intento de ofender os sujeitos aos
quais se refere. “Queer adquire todo o seu poder precisamente através da invocação reiterada
que o relaciona com acusações, patologias e insultos” (BUTLER, 2002, p. 58).
De certa forma, a teoria queer sugere uma análise dos processos a partir de um ponto de
vista comprometido com aqueles socialmente estigmatizados. Não é estranho que os primeiros
trabalhos da área acusam que o modelo heteronormativo foi estabelecido para normatizar
as relações sexuais. Assim, “os estudos queer atacam uma repronarratividade e uma
reproideologia, bases de uma heteronormatividade homofóbica, ao naturalizar a associação
entre heterossexualidade e reprodução” (LOPES, 2002, p. 24).
Judith Butler, considerada uma das precursoras da teoria, desenvolveu o que ela denominou de
teoria da performatividade. “O gênero é performativo porque é resultante de um regime que
regula as diferenças de gênero. Neste regime os gêneros se dividem e se hierarquizam de forma
coercitiva” (BUTLER, 2002, p. 64). De uma forma reducionista, essa teoria defende que a reprodução
de normas sociais, frequentemente realizada ritualmente através de performances, institui

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anterior Sumário próxima

representações de sujeitos que são os resultados das mesmas. Portanto, “a performatividade


deve ser compreendida não como um “ato” singular ou deliberado, mas, ao invés disso, como a
prática reiterativa e citacional pela qual o discurso produz os efeitos que ele nomeia” (BUTLER,
2001, p. 154). Não obstante, quem aventura-se a escapar à essa reprodução de masculinos/
femininos idealizados em uma matriz heterossexual são marginalizados.
Alem disso, Vencato considera que “a sociabilidade da margem não se estabelece de forma
simples e que as relações entre esses sujeitos marginais para além de enfatizarem uma espécie
de igualdade porque estigmatizados se dá, principalmente, através de um sistema hierárquico
construído de forma bastante complexa” (2006, p. 285). A autora vai indicar que na construção
do sujeito há outros elementos que carregam significados sociais e alguns deles comportam
significados desvalorizados em determinados grupos sociais, assim, dentro de um grupo
discriminado pela sociedade, outros elementos geram novas discriminações e hierarquização
interior ao grupo. Velho vai delinear esse jogo de significados sociais como “o fato de um
indivíduo ser judeu, católico, cigano, índio, negro, umbandista, japonês etc. coloca-o como
parte de uma categoria social que, dependendo do contexto, poderá ser valorizada ou ser objeto
de discriminação ou estigmatização” (1999, p. 44).
Contudo, o pensamento queer por diversas vezes confronta-se com as estratégias políticas dos
movimentos LGBT e feministas, pois ela “adota a etiqueta da perversidade e faz uso da mesma
para destacar a „norma” daquilo que é „normal”, seja heterossexual ou homossexual. Queer
não é tanto se rebelar contra a condição marginal, mas desfrutá-la” (GAMSON, 2002, p. 151).
Além disso, um dos principais pontos defendidos pelos estudos queer é o de que devem ser
analisados “a identidade de gênero, a sexualidade, a subjetividade e o corpo como modalidades
relativamente independentes no processo de construção das identidades” (BENTO, 2006, p. 25).
Haraway (2000) ao analisar as estratégias do feminismo denuncia que o ato de nomeação
gera uma exclusão. Pois ao se perceber que as identidades, sejam de gênero, raça, classe, são
socioculturalmente construídas na historia e permanecem contraditórias, parciais e estratégicas,
essa identidades não podem ser mobilizadas como uma forma de unidade entre os sujeitos.
Assim sendo, adotar um termo como “mulher” ou “gay” e ter consciência de sua insuficiente
abrangência é uma coisa, reafirmar a matriz de dominação através da celebração de um
essência compartilhada é outra, uma vez que, os signos “mulher”, “gay” ou “negro” não
expressam “a multiplicidade e as descontinuidades das experiências” (BENTO, 2006, p. 82) dos
assim catalogados.
São esses estudos que capacitam todos aqueles designados como anormais, desviados e
perversos – as travestis, as drag queens, os drag kings, os/as transexuais, as lésbicas, os gays, os
bissexuais – enquanto indivíduos que constroem suas identidades pelos mesmos processos dos
“normais”. Inegavelmente, o referente da binariedade está presente, no entanto, ele é apenas a
matriz de construção de sentidos, estes operados para os sujeitos que fluem entre os gêneros,
contudo, a identidade construída nessas performances não será originada nas diferenças sexuais.

121
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2. Tradicionais Séries de Jogos de Luta

Ao se propor observar jogos de luta, buscaram-se jogos que fossem apresentados em séries já
consagradas através da história da cultura gamer. Não somente isso, mas também se procurou
abarcar na pesquisa jogos que apresentassem uma diversidade de cenários/narrativas e fossem
produzidos por diversas industrias dos games. Desta maneira, chegou a construção da
amostragem que contou com quatro séries de jogos tradicionais: Mortal Kombat, originalmente
da norte-americana Midway Games, Street Fighter, da japonesa Capcom, Tekken, da japonesa
Namco, e The King of Fighters, da SNK. Em um primeiro processo de coleta, chegou-se à um total
de 75 personagens angariadas ao longo das séries.

2.1 A série Mortal Kombat (MK)

Lançada em 1992, a série conta com 15 jogos lançados. Originalmente, até o quarto título, foi
produzida pela Midway Games para as máquinas de arcade, sendo convertidos para consoles
caseiros pela AcclaimEntertainment e, a partir do nono título, a Midway Games passou a produzir
seus jogos apenas para consoles caseiros. Entretanto, em 2009, a empresa vai a falência e a
franquia é comprada pela Warner Bros., integrando a Warner Bros. InteractiveEntertainment.
Os primeiros jogos consistiam numa jogabilidade simples em 2D e diferenciavam-se pelos sprites
digitalizados, afinal, os outros jogos utilizavam sprites desenhados a mão. Entretanto, a série se
popularizou pela grande violência dos jogos e suas finalizações, movimentos específicos usados
no final de uma luta, sendo a mais conhecida a “Fatality”, na qual o oponente é morto de forma
cruel, havendo desmembramentos, empalação, decapitação, entre outras variações (ver figura 1).
A série de jogos também foi uma das primeiras a inserir elementos secretos. Além disso, a franquia
conta com histórias em quadrinhos, filmes, seriados, musicais, action figures e jogos de cartas.
Desta série, foram coletadas 15 personagens.

Figura 1 - Exemplo de Fatality que ilustra a violência do jogo.

122
anterior Sumário próxima

2.2 A série Street Fighter (SF)

A mais antiga das séries estudadas, a série Street Fighter foi lançada pela Capcom em 1987 e,
atualmente, conta com 28 jogos, entre jogos “puros” e diversos crossovers. Inicialmente, o primeiro
jogo apresentava apenas os dois protagonistas Ryu e Ken como personagens selecionáveis para
duelar com 10 personagens através de cinco países do mundo, nesse jogo já são introduzidos os
golpes Hadouken, Shouryuuken e Tatsumaki Senpuukyaku, que acompanharam Ryu e Ken por
toda série. Os controles também podem ser considerados como inovadores, pois, constavam
em um joystick e dois botões hidráulicos, que conforme eram apertados com mais força davam
mais intensidade aos golpes, no entanto,como os jogadores acabavam batendo com muita força
nos botões, logo, eles foram trocados pelos seis botões que se tornariam tradição na série.
Já o segundo episódio da série, apresentou oito personagens selecionáveis de seis países
diferentes. A popularização dos jogos deveu-se às trilhas sonoras e cenários bem trabalhados
com as características de cada país em questão (ver figura 2). O terceiro jogo da série não obteve
muito sucesso devido ao lançamento de outros jogos de luta que se utilizavam de tecnologia
3D. A franquia conta com filmes e desenhos animados. Outra marca característica da série serão
os vários jogos crossovers, contudo, no trabalho se considerou apenas aquelas personagens que
não pertenciam às outras séries.
Desta série, foram coletadas 21 personagens.

Figura 2 - Cenários Chinês (Chun-Li) e Brasileiro (Blanka), respectivamente.

2.3 A série Tekken (TK)

Lançada em 1994, originalmente para máquinas de arcade, Tekken é um dos jogos responsáveis
pelo não-sucesso do terceiro título do Street Fighter, pois, desde o primeiro título, a série
produzida pela japonesa Namco utiliza a tecnologia 3D. A série conta, atualmente, com dez jogos
produzidos para PlayStation, PlayStation 2, Game Boy Advance, Playstation Portable, PlayStation

123
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3 e Xbox360. As versões para Game Boy Advance e Xbox360 foram produzidas antes da franquia
fechar contrato de exclusividade com a Sony.
Uma diferenciação do jogo Tekken em relação aos outros jogos de luta consiste no fato de que
Tekken dedica um botão para cada membro do corpo do personagem ao contrário dos outros
jogos de luta que diferentes botões correspondem à diferentes forças de ataque. Além disso, a
série se tornou popular no grupo dos praticantes de artes marciais, uma vez que, grande
parte dos estilos de luta dos personagens refletem artes marciais reais. Não obstante, existem
muitas similaridades entre personagens do jogo e pessoas reais tal como Marshall Law e
Bruce Lee e Lei Wulong e Jackie Chan.
Desta série, foram coletadas 16 personagens.

2.4 A série The King of Fighters (KoF)

Com o título sugestivo de “o rei dos lutadores”, o primeiro The King of Fighters foi lançado em 1994
como um Dream Match que arrecadava personagens de cinco jogos também produzidos pela
SNK: Fatal Fury, Art of Fighting, Ikari Warriors, Athena e Psycho Soldier.O grande mérito do jogo foi
introduzir um sistema de lutas de trios (em algumas versões, quatro personagens por time), até
então inédito.
A partir do sucesso do primeiro título da série, os jogos passaram a ser lançados anualmente,
tendo em seu nome o ano da publicação. Contudo em 2004, a empresa passou a adotar a
numeração comum aos outros jogos de luta. A série conta com 13 jogos lançados.
Desta série, foram coletadas 23 personagens.

3. Multiplicidade e Tendência nas Personagens Femininas

Em seguida do estudo exploratório de coleta de personagens, que resultou em 75 personagens,


fez-se uma primeira observação do corpus e então, a partir de características recorrentes
nas construções das personagens femininas delineou-se seis categorias a serem detalhadas
abaixo. Contudo, por meio da observação, foi possível perceber também que grande parte das
personagens não pode ser classificada unicamente como pertencente a uma categoria, sendo
a maioria das personagens, um híbrido de duas ou mais categorias. Assim, é evidente que tal
categorização é um processo meramente metodológico.

124
anterior Sumário próxima

3.1 Fantásticas

Assim foram classificadas aquelas personagens que, de certa forma, vão surgir por meio
da exploração da fantasia. Elas são ligadas á forças ocultas como a Rainha Sindel de Mortal
Kombat ou personificações de animais tal qual a Panda de Tekken (Ver imagem 3). Apesar
de estarem presentes nos quatro jogos analisados, não possuem uma grande expressão, pois
apenas 15% das personagens podem ser consideradas fantásticas.

Figura 3 - Exemplos de Personagens Fantásticas: Sindel (MK) e Panda (TK).

3.2 Infantis

As personagens deste grupo são personagens“meninas”e não“mulheres”. Podem ser considerados


exemplos dessa categoria, Ling Xiaoyude de Tekken, Li Xiangfei de The King Of Fighters e Karin
de Street Fighter. Apesar de uma maior expressividade no total dos jogos (28% das personagens
podem ser consideradas nessa categoria), essa categoria é ausente entre as personagens do
Mortal Kombat, isso, provavelmente, devido ao teor adulto em relação à violência que os jogos
da série contem.

Figura 4 - Ex. de Personagens Infantis: Ling Xiaoyu (TK), Li Xiangfei (KoF) e Karin (SF)

125
anterior Sumário próxima

3.3 Lutadoras

Pode parecer redundante criar uma categoria para “lutadoras”, no entanto, ao observar o grupo
coletado pode-se perceber que existem personagens que trazem referências à artes marciais
ou luta em si, enquanto outras poderiam ser “recontextualizadas” em um jogo de aventura sem
maiores problemas. Então, nessa categoria classificaram-se aquelas personagens com referências
à luta. Curiosamente, apenas 40% das personagens foram assim caracterizadas, sendo exemplos
dessa categoria: Sonia Blade de Mortal Kombat, Chun-Li de Street Fighter, Nina Williams de Tekken
e Yuri Sakazaki de The King of Fighters.

Figura 5 - Ex. de Personagens Lutadoras: Chun-Li (SF) e Yuri Sakazaki (KoF).

3.4 Masculinizadas

Assim, foram classificadas aquelas personagem que tem uma imagem que acaba vinculando-as
ao masculino, sejam questões físicas, como o corpo musculoso de Sheeva de Mortal Kombat,
sejam questões de vestuário, como o terno vestido por King de The King of Fighters. Nessa
categoria podem ser encontradas 31% das personagens.

Figura 6 - Ex. de Personagens Masculinizadas: Sheeva (MK) e King (KoF)

126
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3.5 Santas

Na quinta categoria, foram agrupadas personagens que carregavam certa aura de deusas tal
qual Ashrah em Mortal Kombat, que herda essa imagem de Raiden, clássico personagem da série.
Mas também foram incorporadas aqui, aquelas personagens com “bons princípios” como as mãe
e filha Michelle e Julia Chang em Tekken. Esse é o grupo de menor expressividade, com apenas
11% das personagens sendo consideradas “santas”.

Figura 7 - Ex. de Personagens Santas: Ashrah (MK) e Michelle/Julia Chang (TK).

3.6 Sexys

Essa categoria é a mais recorrente nos quatro jogos analisados, sendo que dois terços das
personagens analisadas podem ser consideradas “sexys”. Aqui foram classificadas aquelas
personagens que tem na sensualidade o principal vetor da sua criação. Ironicamente, enquanto
os personagens masculinos vestem quimonos e até mesmo armaduras, as lutadoras usam
microvestidos e maios para lutar. Algumas são baseadas no estilo “Viúva Negra” (seduzir e matar),
contudo, muitas apenas são argumentos para atrair jogadores.

Figura 8 - Ex. de Personagens Sexys: Jade (MK), Cammy (SF) e Mai Shiranui (KoF).

127
anterior Sumário próxima

4. Considerações Finais

O trabalho buscou debater a construção de sentido sobre o feminino no contexto dos jogos
digitais de luta, apreciados aqui como mídias diferenciadas e de dinâmica própria que geram
uma cultura “gamer” em torno de si. A partir disso, verificou-se que a construção de sentido em
torno das diferenças sexuais se dá de maneira vinculada à uma construção de sentido em torno
do próprio jogo.
Contudo, inegavelmente, as críticas lançadas aos jogos digitais que acusam a cultura “gamer”
de machismo, possuem certo embasamento, uma vez que, 77% das personagens coletadas nas
quatro séries de jogos podem ser consideradas erotizadas, em maior ou menor grau. Antes de
serem personagens “lutadoras”, elas são objetos sexuais apresentados em roupas mínimas e
seios fartos.
No entanto, como ressaltado inicialmente, trata-se de um trabalho de aproximação inicial ao
campo. Não há aqui quaisquer intenções de traçar considerações determinadas, e sim, um
mapeamento exploratório de uma área ainda a ser explorada com maior profundidade. Portanto,
construir as categorias metodológicas apresentadas operacionaliza um processo para o estudo
dos gêneros nos jogos digitais.

5. Referências

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de Janeiro: Garamond, 2006.

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GAMSON, Joshua. Deben autodestruirse los movimientos identitarios? Un extraño dilema. In:
JIMÉNEZ, Rafael M. Mérida. Sexualidades transgresoras. Una antología de estudios queer.
Barcelona: Icária editorial, 2002, p. 141-172.

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XX. In: SILVA, T. T. Antropologia do ciborgue: as vertigens do pós-humano. Belo Horizonte:
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2002.

128
anterior Sumário próxima

LOURO, Guacira Lopes. O corpo estranho. Ensaios sobre sexualidade e teoria queer. Belo
Horizonte: Autêntica, 2004.

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brasileira. In:_____. Individualismo e cultura: notas para uma antropologia da sociedade
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Política e cotidiano: estudos antropológicos sobre gênero, família e sexualidade. Florianópolis:
Nova Letra, 2006, p. 281-296.

129
anterior Sumário próxima

Um Simulador de Casos Clínicos Complexos no


Processo de Aprendizagem em Saúde
João Batista Mossmann1
João Marcelo Lopes Fonseca2
Vinicius Maroni3
Paulo Ricardo Barros4
Michele Silva5
Marta Bez6
Cecilia Dias Flores7
Alessandra Dahmer8
Silvio Cesar Cazella9

Resumo
Este artigo apresenta o projeto SimDeCS, que representa uma importante oportunidade para
estabelecer uma nova forma de relação entre educador e educando, inserindo ferramentas
informatizadas na forma de simuladores de casos clínicos complexos no processo de aprendizado.
A experiência tem como objetivo apresentar um processo mais atrativo e próximo das situações
do mundo real reduzindo as distâncias entre a teoria e a prática clínica, através da utilização de
jogos sérios (Serious Games). O sistema encontra-se em fase de prototipação, porém os testes
realizados até o momento mostraram-se bastante promissores no que tange o processo de
aprendizado de casos clínicos complexos.

1 
Universidade Feevale; [email protected].
2 
UFCSPA - Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre; [email protected].
3 
UFCSPA - Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre.; [email protected].
4 
UFCSPA - Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre; [email protected].
5 
UFCSPA - Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre; [email protected].
6 
Universidade Feevale; [email protected].
7 
UFCSPA - Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre; [email protected].
8 
UFCSPA - Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre; [email protected].
9 
UFCSPA - Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre; [email protected].

130
anterior Sumário próxima

Abstract
This paper presents the SimDeCS project, which represents an important opportunity to
establish a new form of relationship between teacher and student, introducing computerized
tools to simulate complex clinical cases in the learning process. The experience aims to present a
more attractive and effective learning process by reducing the gap between theory and clinical
practice through the use of serious games. The system is in prototype phase, but the tests so far
have proved very promising in regard to the process of learning complex clinical cases.

1. Introdução

A formação e a capacitação de recursos humanos em saúde devem estar associadas às adequações


dos modos de atenção à saúde, criando-se, dessa forma, os cenários propícios à aprendizagem
e à organização da cadeia do cuidado em saúde. Neste contexto, entendem-se os cenários de
aprendizagem como a incorporação e a interseção de métodos didático-pedagógicos; de áreas
de práticas e vivências; de utilização de tecnologias e habilidades cognitivas e psicomotoras;
de valorização dos preceitos morais e éticos, orientadores de condutas individuais e coletivas;
de organização do processo de trabalho (Maris, 2004).
A imposição desta realidade sugere a necessidade de reformulação do ensino, buscando a
inclusão de recursos tecnológicos na formação destes educandos. A área da saúde, no que
tange ao diagnóstico investigativo e a conduta terapêutica, caracteriza-se como um ambiente
de domínio incerto. Nestes ambientes destaca-se como alternativa de ensino a utilização de
simuladores. As simulações de casos clínicos são consideradas ferramentas muito poderosas na
educação de profissionais de saúde, de acordo com a Organização Pan-Americana de Saúde1.
As simulações podem ser representadas de diversas formas, entre elas através de jogos
computacionais aplicados ao ensino conhecidos como jogos sérios (Serious Games). Sendo sua
principal característica ensinar conteúdos específicos de disciplinas ou treinar habilidades tanto
operacionais como comportamentais (MORAIS, 2010).
Este artigo apresenta o projeto SimDeCS, que se constitui como uma importante oportunidade
para estabelecer uma nova forma de relação entre educador e educando, inserindo ferramentas
informatizadas na forma de simuladores de casos clínicos complexos no processo de aprendizado.
Deste modo, caracteriza um processo mais atrativo e próximo das situações do mundo real
reduzindo as distâncias entre a teoria e a prática clínica. Este artigo encontra-se dividido da
seguinte forma: a seção 2 descreve questões relacionadas a modelagem de conhecimento. A
seção 3 apresenta a modelagem de casos clínicos, a seção 4 apresenta o jogo implementado
para simulação de casos clínicos, a seção 5 descreve o processo de avaliação, e por fim, a seção
6 apresenta as conclusões.

1 
Ref: Relatório Técnico 02 / BR CNT 0900487.001

131
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2. Modelagem do Conhecimento

A modelagem do conhecimento, no simulador proposto, será feita por especialistas, amparados


pelas diretrizes clínicas. Os componentes do raciocínio clínico serão representados por Redes
Bayesianas.
Redes Bayesianas são uma das técnicas de inteligência artificial para representação do
conhecimento incerto (PEARL, 1986). O conhecimento incerto é a presença da incerteza na base
de conhecimentos a ser utilizada. Em geral, está associado a graus variáveis de probabilidades
e o encadeamento e influência entre elas. O motor de inferência aplicado as redes Bayesianas
que calculam as probabilidades conjuntas de um grande número de variáveis.
Na área das Ciências da Saúde em geral e especificamente na área médica, decisões são
muito frequentemente tomadas a partir de cenários e da interpretação de probabilidades em
conjunto. O Teorema de Bayes é a forma matemática de relacionar probabilidades encadeadas.
Ele demonstra como alterar probabilidades considerando novas evidências, e assim, obtendo
novas probabilidades. O Teorema de Bayes é a base da Inferência Bayesiana, sendo desta forma
o cerne da tomada de decisão dentro de uma Rede Bayesiana.
Redes Bayesianas são representadas graficamente por grafos dirigidos acíclicos onde cada
variável que se acredita ter influência é representada como um nodo. A cada nodo da rede é
associada uma tabela de probabilidades. Esta tabela é conhecida como Tabela de Probabilidades
Condicionais (CPT), considerando que ela representa as probabilidades de um evento ocorrer.
Caso um nodo não possua predecessores (um nodo pai), dizemos que ele tem uma Tabela de
Probabilidades Inicias (IPT). Além dessa representação numérica, o relacionamento qualitativo
entre as variáveis é representado nas relações de dependência estabelecidas entre os nodos
(PEARL, 1993).
Trabalhando com modelos gráficos na representação do conhecimento, torna-se mais intuitivo
o entendimento dos mesmos. Segundo Castillo et al (CASTILLO, 1998), a representação gráfica
de modelos probabilísticos mostra explicitamente a relação entre as mesmas, além de conservar
essas relações de forma qualitativa.

2.1. Modelagem do Conhecimento pelo Especialista

A primeira etapa é delimitar o conhecimento a ser representado. É frequente nas Ciências da


Saúde que um determinado problema a ser abordado seja ampliado em abrangência na medida
em que novas variáveis e situações vão sendo conectadas, indefinidamente. Para evitar essa
impossibilidade de representação, o especialista de domínio deve ter claro que limites usará na
representação do problema. Uma diretriz clínica pode ser um exemplo de fonte inicial para essa
delimitação.

132
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A etapa seguinte é elencar da fonte todas as variáveis que possam estar implicadas no problema.
Para cada uma dessas variáveis deverá ser atribuída uma probabilidade inicial. Essa probabilidade
poderá advir da própria fonte do conhecimento (diretriz clínica, levantamento epidemiológico,
casuística disponível) ou, na ausência destes, de uma estimativa da prevalência na população
que está sendo representada no problema.
A terceira etapa é estabelecer as ligações conhecidas (qualitativas) entre os diferentes nodos.
É essencial não haver ciclos, pela natureza da aplicação do Teorema de Bayes, de forma que as
probabilidades ao se propagarem na rede não se retroalimentem.
A última etapa é a avaliação da plausibilidade clínica da rede constituída, com a possibilidade
de calibração das probabilidades iniciais para um melhor desempenho no julgamento do
especialista de domínio.

3. Modelagem dos Casos Clínicos

A formulação de casos clínicos de variáveis graus de complexidade é feita pelo docente, através
de um ambiente web, utilizando uma linguagem de domínio específico (DSL) de alto nível: a VR-
MED.
A VR-MED (MOSSMANN et al, 2010) foi concebida para que programadores e projetistas, apoiados
por uma notação própria e simples, especifiquem características do caso de estudo em questão.
Essa notação é gráfica e procura representar as características presentes no domínio nos casos
clínicos da área da saúde e, além disso, prover suporte para a execução destes.
Para guiar a construção da VR-MED, utilizou-se o processo incremental de desenvolvimento
de DSLs (BIERHOFF, 2006) composto pelas etapas de análise, implementação e utilização
(DEURSEN, 2000). Na etapa de análise foram utilizados casos de estudos empregados pelos
professores das aulas de Medicina de Família e Comunidade. Durante a análise procurou-se
identificar as características comuns nos casos de estudo, com a finalidade de prover uma
documentação acerca do domínio. Considerando as características de domínio e os requisitos
coletados durante as reuniões, decidiu-se optar pela criação de uma DSL baseada em um
fluxograma, considerando que esse é um formato compreensível aos especialistas do domínio,
que não possuem necessariamente conhecimentos da área de desenvolvimento de sistemas.
A VR-MED deve produzir como saída um jogo cujo roteiro viabilize um ambiente para o jogador
investigar situações relacionadas ao domínio de Medicina de Família e Comunidade. Para
desenvolver a linguagem, foi realizada uma pesquisa nos casos de estudos textuais utilizados
no ensino de Medicina de Família e Comunidade. Com o levantamento realizado, durante essa
pesquisa, foram identificadas características do domínio, tais características estão presentes na
DSL para a montagem do jogo.

133
anterior Sumário próxima

As características obtidas durante esse processo foram registradas em um Diagrama de


Características. Este diagrama documenta, essencialmente, as características conceituais que
representam entidades do domínio. Como exemplos pode-se citar: Médico, Paciente, Sintomas,
Exames Complementares, entre outros.

3.1. Notação Gráfica da VR-MED

Após coleta e o registro das características de domínio foram definidas também as regras
e os signos gráficos para representá-las em um diagrama próprio para a VR-MED. O diagrama
consiste de um fluxograma que contém uma representação gráfica diferente para cada uma
das características de domínio. Essa notação foi escolhida, tendo como objetivo fornecer uma
representação que descreva uma sequência de atividades.
Para exemplificar a notação da VR-MED, a Figura 1 apresenta um exemplo, entre essas duas
características funcionais (Médico Perguntar Sintomas e Paciente Contar Sintomas) estão
modelados três Sintomas (característica conceitual). Com isto, o aluno poderá, durante a
execução do jogo, estabelecer possíveis relações de um sintoma com outro, para, a partir disto,
estabelecer um diagnóstico.

Figura 1 - Exemplo de modelagem de sintomas na VR-MED

Já a Figura 2 apresenta um diagrama construído na VR-MED, representando uma situação em


que o médico atende no consultório de uma unidade de saúde. O paciente, de nome Gustavo,
apresenta um quadro de hipertermia, falta de apetite e encontra-se emagrecido. O diagrama
possui duas raias, uma para o paciente e outra para médico. As características representadas
para o paciente encontram-se na raia denominada “Gustavo”.

134
anterior Sumário próxima

Figura 2 - Diagrama de um caso clinic na VR-MED

4. O Jogo

O diagrama apresentado na seção anterior, quando reproduzido, exibe inicialmente uma tela,
conforme a Figura 3. Pode-se observar que o jogo apresenta apenas um paciente, conforme
representado no diagrama. As representações gráficas de personagem e ambiente são partes
das bibliotecas multimídias e foram configuradas através das propriedades dos elementos no
diagrama da VR-MED.
No jogo em 2D, o jogador interage com o ambiente utilizando o mouse. Quando o jogador
pretender interagir com um paciente, ele deve clicar sobre sua imagem, o que lhe dará acesso
a informações como idade, peso, altura e nome (propriedades do paciente). Além dessas
informações, o ambiente apresenta ao jogador um menu que representa as características
presentes no diagrama que gerou esse jogo. Para acessar estas características, que representam
atividades possíveis no jogo, basta clicar sobre a opção desejada. Através da característica
funcional Realizar Exame Físico, por exemplo, o jogador terá acesso aos exames inseridos durante
a modelagem do caso com a VR‑MED, em uma lista na parte inferior da tela. Caso escolha, por
exemplo, Exames Complementares, uma nova tela é apresentada ao usuário, permitindo a
reprodução de imagens ou outras mídias, que contenham informações importantes para o jogo.
No caso da Figura 4, é apresentada uma tela contendo uma radiografia, obtida a partir da opção
Solicitar Exame Complementar.

135
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Figura 3 - Jogo em 2D, simulando caso clínico

Figura 4 - Jogo em 2D, mostrando resultado de exame complementar

A criação do player que possui a responsabilidade de executar os jogos construídos no ambiente


é fundamental para o sucesso do simulador. Esse player é a parte onde a criatividade pode
propiciar novas metáforas para que os alunos interajam no jogo e tenham acesso aos elementos
do domínio representados pela VR-MED. Até o momento foi desenvolvida uma interface mais
simples, em 2D, com metáforas de navegação baseadas em “cliques”, tal como descrito nesta
seção. Atualmente, encontra- se em desenvolvimento uma interface mais rica, com navegação
no cenário 3D, que permite ao jogador explorá-lo, além de propiciar a atuação de informações
que influenciam o ambiente.

136
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5. Avaliação

Quando simuladores são aplicados a ambientes de ensino se torna fundamental estabelecer


uma forma de avaliação dos educandos submetidos a estes ambientes. No caso específico de
simulação de casos clínicos para a área da saúde, todo o trajeto percorrido pelo aluno durante
a resolução do problema proposto deve ser considerado no momento de estabelecimento de
um resultado, não ficando esta avaliação restrita somente ao resultado final encontrado.
Segundo SEIXAS; FLORES et. al. (2004), o ideal seria trabalharmos avaliando todas as hipóteses
possíveis da construção do conhecimento, garantindo ao fim a compreensão por parte do
educando do resultado encontrado. Evitando assim, que o aluno faça sem compreender e
estimulando-o a refletir sobre o que fazer.
Para suprir esta lacuna, entre o processo de construção do conhecimento e a chegada ao
resultado final, utilizamos um motor de inferência para análise das decisões tomadas pelo
aluno durante o processo de aprendizagem. Atribuindo assim valores mensuráveis quanto
ao custo e a efetividade das escolhas e avaliando o tempo transcorrido até o diagnóstico; assim
como o custo em exames complementares realizados questão relevante a medicina de família e
comunidade.
Para construção deste motor de inferência dividimos o processo de avaliação, assim como o
jogo, em três grandes etapas a saber:
• Investigação e construção da hipótese diagnostica
• Seleção do diagnostico presuntivo para o caso
• Desfecho ou conduta terapêutica
Na primeira fase o aluno investiga os pacientes participantes do caso através da observação
de sinais, sintomas, exames físicos e complementares. Nesta busca, o simulador utiliza-se das
informações de tempo, custo e influência no diagnostico dos nodos modelados na rede
bayesiana para avaliar, além do diagnostico encontrado, também o caminho percorrido pelo
aluno.
Nesta primeira fase, investigativa, alguns pontos fundamentais são considerados para obtenção
do calculo de desempenho do estudante. Ao diagnostico presuntivo selecionado é atribuído
um peso, sendo este influenciado pela complexidade de identificação do diagnostico, ou seja,
existe uma tolerância para casos clínicos que possibilitam mais de um diagnostico plausível.
O tempo e o custo despendidos na busca de solução do caso são comparados com o diagrama
modelado pelo agente de domínio, desvios para baixo distanciando-se do esperado indicam um
comportamento lotérico em que o discente pode ter chegado a uma conclusão baseada em
poucas evidencias e portanto acarreta em uma redução de sua pontuação. Por outro lado,
uma utilização demasiada do tempo e do custo também é penalizada pois indica indecisão e
desconhecimento do aprendiz submetido a simulação.

137
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No momento em que o aluno chega a um diagnostico presuntivo e seleciona a conduta


terapêutica para o paciente este passa a um segundo estagio da avaliação. Nesta fase a adequação
da conduta ao diagnostico sugerido são avaliados, porém e, casos de uma seleção diagnostica
equivocada seguido de uma alternativa de tratamento adequada tem sua penalidade reduzida
em relação ao erro completo de diagnostico e tratamento.
O resultado da avaliação emerge na interface do jogo em pontos identificados como chave.
Sendo eles disparados no momento em que diagnostico presuntivo é selecionado ou
quando a conduta terapêutica é determinada. Além disto, mensagens de apoio pedagógico e
recondução podem emergir durante a investigação quando o agente mediador identificar que
o aluno navega de forma cíclica pelas evidencias sem conseguir avançar no processo.
Ao final a avaliação do aluno é exibida na forma de um texto estruturado explicando
os pontos onde o erro ou o sucesso ocorreu agindo como um tutor inteligente reforçando o
aprendizado.

6. Conclusão

O SimDeCS torna-se um grande auxiliar no processo pedagógico de aprendizagem dos alunos


seguindo as diretrizes do aprendizado baseado em problemas. No simulador o aprendiz é
submetido a situações que se aproximam da realidade podendo testar seus conhecimentos e
ao fim ser avaliado identificando seus acertos e falhas.
Atualmente, o SimDeCS encontra-se em fase de desenvolvimento, contando com um protótipo
funcional que compreende a modelagem dos casos, algumas redes bayesianas e o ambiente
do jogo em uma versão em duas dimensões.
Encontra-se em desenvolvimento uma versão de modelagem do diagrama integrada com as
redes bayesianas, uma nova interface do jogo mais interativa e atrativa visualmente e o agente
mediador responsável pelas respostas pedagógicas e avaliação do caso.
Ao final desta fase, espera-se que o SimDeCS se consolide como uma valiosa ferramenta no
processo de aprendizagem de alunos da área medica.

Referências

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138
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