0 Revista Pulmao RJ Vol27 1 2018

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Sumário Content

Editorial Editorial 1
Karen Rosas Sodré Azevedo, Agnaldo José Lopes

Editores Convidados 3
Thiago Thomaz Mafort

Artigos Articles
Orientações para os testes de função pulmonar: espirometria 5
Renato de Lima Azambuja, Agnaldo José Lopes

Valores de Referências para a Espirometria 11


Rogério Rufino, Cláudia Henrique da Costa, Agnaldo José Lopes

Métodos de medidas dos volumes pulmonares: técnicas 21


Elizabeth Jauhar Cardoso Bessa, Agnaldo José Lopes

Medidas dos volumes pulmonares e estratégias de interpretação 33


Karen Rosas Sodré Azevedo, Maria Izabel Veiga dos Santos

Medida da capacidade de difusão: técnicas 39


Maria Izabel Veiga dos Santos, Karen Rosas Sodré Azevedo

Medida da capacidade de difusão: estratégias de interpretação 45


Karen Rosas Sodré Azevedo

Técnica de oscilações forçadas na prática clínica: atuais aplicações e potenciais


futuros 51
Alvaro Camilo Dias Faria, Agnaldo José Lopes, Pedro Lopes de Melo

Teste de caminhada de 6 minutos: técnica e interpretação 57


Karen Rosas Sodré Azevedo, Kenia Maynard da Silva

Teste de broncoprovocação e hiperresponsividade 63


Sônia Regina da Silva Carvalho

Pressões respiratórias estáticas máximas 69


Júlio Cezar Rodrigues Filho, Ana Maria Silva Araújo

Testes de função pulmonar em crianças 75


Ana Alice Amaral Ibiapina Parente, Paula do Nascimento Maia

Diagnóstico e classificação do distúrbio ventilatório obstrutivo 81


Rogério Rufino, Cláudia Henrique da Costa, Agnaldo José Lopes

Aplicação dos testes de função pulmonar no diagnóstico e manejo da asma 89


Analúcia Abreu Maranhão, Sônia Regina da Silva Carvalho

Aplicação dos testes de função pulmonar nas doenças intersticiais 93


Cláudia Henrique da Costa

Função pulmonar na obesidade 99


Thiago Thomaz Mafort

Utilização dos testes de função pulmonar na avaliação pré-operatória de cirurgias


torácicas e extratorácicas 103
João Pedro Steinhauser Motta, Marcos Eduardo Machado Paschoal

Instruções para autores Instructions for authors 109


ISSN 1415-4315

A Pulmão RJ tem por missão fazer prospecção, promover e divulgar trabalhos científicos e educativos para
médicos, pesquisadores, professores, estudantes e demais partes interessadas. Visa contribuir para a pesqui-
sa e o desenvolvimento das melhores práticas médicas relacionadas ao tórax, com ênfase na pneumologia e
na tisiologia, no Brasil e no Mundo por meio da distribuição periódica de uma revista criativa e inovadora que
reúne a opinião e a experiência dos mais competentes profissionais e entidades correlatas.

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co de dados do LILACS (BIREME). Contato: [email protected]. Circulação: Quadrimestral. Distribuição: assinantes e,
gratuitamente, aos sócios da SOPTERJ, às sociedades regionais de pneumologia, a bibliotecas de faculdades e hospitais universitários do
Brasil. Capa: Figura referente ao artigo.
EXPEDIENTE

Editor Chefe José Dirceu Ribeiro - MD, PhD


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Agnaldo José Lopes - MD, PhD
Universidade do Estado do Rio de Janeiro - RJ
Universidade do Estado do Rio de Janeiro - RJ José Roberto Jardim - MD, PhD
Universidade Federal de São Paulo - SP
José Roberto Lapa e Silva - MD, PhD
Universidade Federal do Rio de Janeiro - RJ
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Editor Universidade Federal de Juiz de Fora - MG
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Universidade Federal de Santa Catarina - SC
Thiago Thomaz Mafort
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Secretário de Assuntos Científicos
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Universidade Federal do Rio de Janeiro - RJ
Marcelo Chalhoub Coelho Lima - MD, PhD
Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública - BA
Conselho Editorial Marcus Barreto Conde - MD, PhD
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Rio de Janeiro – RJ United States Food and Drug Administration - USA
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Universidade Federal Fluminense - RJ
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Hospital Geral do Andaraí (MS) e Instituto de Doenças do Tórax (UFRJ)
Southampton General Hospital - UK
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Universidade do Estado do Rio de Janeiro - RJ Global Initiative for Asthma (GINA) and for Chronic Obstructive Lung Disease (GOLD)
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Hisbello da Silva Campos - MD, PhD Universidade de São Paulo - SP
Centro de Referência Prof. Hélio Fraga - Ministério da Saúde - RJ Vera Luiza Capellozzi - MD, PhD
Hugo Goulart de Oliveira - MD, PhD Universidade de São Paulo - SP
Universidade Federal do Rio Grande do Sul - RS
Jorge Luiz da Rocha - MD
Hospital Estadual Santa Maria - RJ
Azevedo KRS, Lopes AJ Editorial

Editorial

Karen Rosas Sodré Azevedo


Agnaldo José Lopes

Os testes de função pulmonar na prática clínica

É com satisfação que organizamos esse número da Pulmão RJ, com uma ampla atualização dos di-
versos testes de função pulmonar, atendendo uma grande demanda do nosso grupo de pneumologistas. A
última diretriz nacional em função pulmonar foi publicada em 2002 pela Sociedade Brasileira de Tisiologia
e Pneumologia e, em 2005, um consenso entre as sociedades Americana e a Europeia publicou uma nova
padronização no European Respiratory Society.
A espirometria é o exame de função pulmonar mais comumente realizado, sendo suficiente na grande
maioria dos casos. No entanto, numa parcela significativa dos pacientes é fundamental a complementação
com outros testes funcionais mais específicos.
É importante ressaltar que, em todos os testes, é fundamental se manter a qualidade técnica, com
curvas aceitáveis e valores reprodutíveis, assim como a escolha adequada dos valores teóricos e uma análise
correta dos resultados. Isso serve não só para os testes mais complexos, mas também para a espirometria,
que é a base funcional a partir do qual os demais exames serão solicitados e interpretados. A espirometria
é erroneamente considerada um teste simples, mas é justamente nela que vemos os erros mais gritantes,
sobretudo por ser largamente realizada nos mais diferentes centros e por diferentes profissionais.
Novas metodologias, assim como novos equipamentos e conceitos, surgem todos os dias, e o objetivo
desse número da Pulmão RJ é ajudar os colegas pneumologistas a se manterem atualizados nessa subes-
pecialidade dentro da Pneumologia. Da mesma forma, uma padronização tem também como objetivo fazer
com que diferentes centros usem a mesma linguagem na interpretação dos diversos testes, facilitando a
comunicação e interação entre eles.
Ficamos felizes com o resultado, e esperamos que o nosso empenho, assim como o de todos os au-
tores, contribua para manter a qualidade técnica da Pneumologia no nosso estado.

Karen Rosas Sodré Azevedo


Agnaldo José Lopes

Editor-Chefe – Pulmão RJ

Pulmão RJ 2018;27(1):1-1 1
2 Pulmão RJ 2018;27(1)
Mafort TM Editor

Editor

A Sociedade de Pneumologia e Tisiologia do Estado do Rio de Janeiro (SOPTERJ) lança mais uma
edição temática da PulmãoRJ. Neste número serão abordados temas relacionados aos testes de função
pulmonar. Temos o prazer de termos como editores convidados a Dra. Karen Rosa Sodré de Azevedo e o Dr.
Agnaldo José Lopes, profissionais com larga experiência e expertise na fisiopatologia do sistema respirató-
rio. Aproveito para, em nome da SOPTERJ, agradecer o empenho e a dedicação dos editores.
Este número tem por objetivo ser mais que um apanhado de artigos relacionados à função pulmo-
nar, temos a pretensão que se torne um guia de referência sobre o assunto. Ele traz renomados autores
que, baseados em sua experiência e em publicações recentes, nos abrilhantam com textos que certamente
impactarão a prática clínica dos pneumologistas e demais profissionais que atuam na saúde respiratória.
Aproveito pata também agradecer aos autores que dedicaram parte do seu tempo a escrever os manuscri-
tos aqui publicados.
A SOPTERJ segue levando aos seus associados e ao público em geral atualização científica de qua-
lidade. A PulmãoRJ e os diversos eventos realizados nos últimos anos são prova viva da pujança da pneu-
mologia Fluminense. Aproveito para já deixar o convite para o nosso Congresso Estadual que vai acontecer
entre os dias 12 e 14 de setembro de 2019.
Espero que todos aproveitem a leitura deste número.

Thiago Thomaz Mafort



Secretário de Assuntos Científicos

Pulmão RJ 2018;27(1):3-3 3
4
Azambuja RL, Lopes AJ Orientações para os testes de função pulmonar: espirometria

Artigo

Orientações para os testes de função pulmonar: espirometria


Guidelines for lung function tests: spirometry

Renato de Lima Azambuja1, Agnaldo José Lopes2

Resumo

A espirometria é realizada há mais de 150 anos e continua sendo o principal exame de função pulmonar por
conta de sua simplicidade e reprodutibilidade. Ao mesmo tempo, fornece importantes informações para a prática
clínica. De modo a fomentar um uso mais frequente da espirometria, bem como zelar pela qualidade das medidas
aferidas, sociedades médicas, no Brasil e no mundo, publicaram orientações para padronização da metodologia
para os exames de espirometria. Uma preocupação mais recente diz respeito à forma que os resultados são apre-
sentados. De fato, muitos são os dados e variáveis que podem ser obtidos, sendo que nem todos eles são iguais
em relevância. Nessa revisão, os autores discutem as indicações, as variáveis medidas, a calibração, o controle de
qualidade, a realização do exame, os valores de referência, a interpretação e a exposição dos resultados.

Descritores: espirometria, interpretação, valores de referência, testes de função pulmonar

Abstract

Spirometry has been performed for more than 150 years and remains the main pulmonary function test
because of its simplicity and reproducibility. At the same time, it provides important information for clinical practice.
In order to encourage a more frequent use of spirometry, as well as to ensure the quality of the measures taken,
medical societies in Brazil and in the world have published guidelines for the standardization of the methodology for
spirometry tests. A more recent concern concerns how the results are presented. In fact, many are the data and
variables that can be obtained, and not all of them are equal in relevance. In this review, the authors discuss the
indications, the measured variables, the calibration, the quality control, the test, the reference values, the interpre-
tation and the exposure of the results.

Keywords: spirometry, interpretation, reference values, lung function tests

1. Pneumologista e Mestre em Ciências Médicas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
2. Professor Adjunto de Pneumologia e Tisiologia, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Endereço para correspondência: Boulevard 28 de Setembro, 77, Vila Isabel, 20551-030, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Email: [email protected]

Pulmão RJ 2018;27(1):5-10 5
Azambuja RL, Lopes AJ Orientações para os testes de função pulmonar: espirometria

Introdução Indicações da espirometria


As principais indicações são:
A espirometria é o exame de função pulmonar
- Rastreio de DPOC em tabagistas com mais de 40
mais comumente realizado. As primeiras medidas de vo-
anos.
lumes pulmonares remontam ao século II, quando Clau-
- Pré-operatório de cirurgia de ressecção pulmo-
dius Galenus mediu a variação do volume de uma bexiga,
nar.
antes e após ser insuflada por um menino. A mensuração
- Identificação do acometimento pulmonar em do-
da função pulmonar foi desenvolvida posteriormente por
enças sistêmicas.
fisiologistas, como Giovani Borelli (1608-1679), Humphry
- Avaliação de paraefeitos pulmonares por drogas.
Davy (1778-1829) e Willian Thomas Brande, cujos esbo-
- Avaliação dos efeitos de exposição ambiental ou
ços de seu gasometrônomo, chegaram aos nossos dias
ocupacional na função respiratória.
(Figura 1). O primeiro espirômetro de que se tem notícia
- Avaliação de incapacidade funcional.
foi feito pelo médico inglês John Hutchinson no ano de
- Investigação de dispneia, tosse ou sibilos.
18461.
- Avaliar e quantificar o efeito de tratamentos.
- Discriminação de dispneia de causa pulmonar ou
cardíaca.

Variáveis medidas
É importante o conhecimento dos volumes e
capacidades pulmonares, a fim de se compreender exa-
tamente o que se está avaliando. O volume corrente cor-
responde ao ar mobilizado numa respiração normal. A
capacidade residual funcional (CRF) é o volume restante
nos pulmões após uma expiração normal. O volume de
reserva expiratório é o ar que se pode exalar adicional-
mente, a partir da CRF. O volume residual (VR), não afe-
rido pela espirometria, é o volume que permanece nos
pulmões após uma expiração máxima. A capacidade ins-
Figura 1: Gasometrônomo de William Thomas Brande, 1819. piratória é o volume máximo de ar que pode ser inspirado
Fonte: A Manual of Chemistry, p.82, J.Murray, Albermale St, London. a partir da CRF. A capacidade vital corresponde a todo o
volume passível de ser mobilizado. Por fim a capacidade
pulmonar total é o volume máximo de ar que pode ser
A espirometria, portanto, é realizada há mais de
comportado nos pulmões.
150 anos, e continua sendo o principal exame de função
Na espirometria, são medidos fluxos e volumes
pulmonar por conta de sua simplicidade e reprodutibilida-
de ar respirado, sendo particularmente úteis os dados ob-
de. Ao mesmo tempo, ela fornece importantes informa-
tidos em uma manobra expiratória forçada. A capacidade
ções para a prática clínica. Apesar de sua enorme relevân-
vital (CV) aferida com este tipo de manobra é chamada
cia, o método ainda continua sendo bastante subutilizado.
capacidade vital forçada (CVF). O volume de ar eliminado
De modo a fomentar um uso mais frequente da
no primeiro segundo do sopro denomina-se volume ex-
espirometria, bem como zelar pela qualidade das medi-
piratório forçado do primeiro segundo (VEF1). A relação
das aferidas, sociedades médicas, no Brasil e no mundo,
entre o VEF1 e a CV é um índice importante, descrito por
publicaram orientações para padronização da metodolo-
Tiffenau em 1952, que avalia se há proporcionalidade nas
gia para os exames de espirometria2,3. Uma preocupação
alterações das duas variáveis citadas. Esta relação passou
mais recente diz respeito à forma que os resultados são
a ser conhecida com índice de Tiffenau (IT).
apresentados. De fato, muitos são os dados e variáveis
Os três principais valores a serem mensurados
que podem ser obtidos, sendo que nem todos eles são
e relatados são, portanto, CVF, VEF1 e IT. A CVF e o VEF1
iguais em relevância. Dados excessivos podem contribuir
devem ser apresentados nos seus valores absolutos e
para um entendimento incompleto da análise4. Tal pro-
percentuais dos previstos. É recomendado que o limite
blema poderia ser evitado por um formato de laudo mais
inferior da normalidade também seja relatado, utilizando-
conciso com os dados apresentados num formato padrão.
-se o z score.
Este capítulo objetiva revisar os aspectos técni-
O fluxo expiratório no volume situado entre 25 e
cos que devem nortear a realização da espirometria bem
75% da CVF (FEF25-75%) corresponde a uma medida de flu-
como propor um modelo padrão de laudo.
xo médio. Foi postulado por McFadden e Linden que, ao
longo da manobra de CV, após um decréscimo do volume

6 Pulmão RJ 2018;27(1):5-10
Azambuja RL, Lopes AJ Orientações para os testes de função pulmonar: espirometria

inicial, ocorreria, pelos mecanismos de interdependência encostar o dorso no encosto do assento. É prudente que
das estruturas pulmonares, um colapso nas pequenas o técnico esteja próximo ao paciente durante as mano-
vias aéreas (< 2 mm) de indivíduos com doença obstru- bras, pois alguns indivíduos podem apresentar tonteira
tiva em fase inicial. A redução do FEF25-75%, que ocorre ou, até mesmo, lipotímia ao término da manobra. O uso
nessa situação, foi proposto como um marcador de aco- do clipe nasal é recomendado.
metimento das pequenas vias aéreas. Todavia, o FEF25- O indivíduo respira até a CPT e, rapidamente
75%
é dependente da CVF. Capacidades vitais diferentes (não pode demorar mais de 3 segundos em apneuse), re-
causadas, por exemplo, por variações no tempo expirado aliza uma expiração de início explosivo e progressão cons-
de diferentes manobras resultam em grandes mudanças tante. O técnico o estimula com vigor até que se obtenha
no FEF25-75%, o que diminui sua reprodutibilidade. De fato, um platô na curva volume x tempo. Uma duração mínima
estudos falharam em demostrar benefício clínico com sua de 6 segundos é necessária. Alguns outros artifícios que
mensuração . Uma vez que outras técnicas de avaliação
6,7
podem ajudar a obter um bom exame são, uso de te-
das pequenas vias aéreas foram descritas (relação VR/ca- las de incentivo, acompanhamento do gráfico na tela do
pacidade pulmonar total (CPT) na pletismografia de corpo computador pelo paciente enquanto realiza a manobra,
inteiro, aprisionamento aéreo na tomografia computado- imitação do procedimento pelo técnico, simultaneamente
rizada em expiração, washout de nitrogênio, oscilometria ao paciente.
de impulso), a ATS não mais recomenda seu uso clínico4. Devem ser obtidos pelo menos 3 manobras que
Outras medidas de fluxo instantâneo – como 25, 50 e preencham os critérios de aceitabilidade e duas que sejam
75% da CVF, também caíram em desuso pelos mesmos reprodutíveis. Uma manobra aceitável tem um volume re-
motivos. troextrapolado menor que 150 mL ou 5% da CVF (o que
for maior). Além disso, deve ter o pico de fluxo expirado
Calibração e controle de qualidade comparado ao maior pico de fluxo das manobras prévias.
Geralmente feita com seringa de 3 litros, a cali- Variações maiores que 10% ou 500 mL (o que for maior),
bração do aparelho se dará todos os dias antes da reali- tornam a curva inaceitável. A avaliação da morfologia das
zação do primeiro exame. Desvios de mensuração serão alças fluxo x volume também determina a aceitabilidade
calculados pela diferença entre o volume injetado pela das manobras, havendo exemplos de curvas inaceitáveis
seringa e a relação volume medido / volume injetado. na Figura 2. Os dois maiores valores de CVF e VEF1 devem
Também se recomenda que sejam usados con- diferir menos de 150 mL.
troles biológicos, testando indivíduos saudáveis e não ta-
bagistas a cada 15 dias. Se os valores obtidos para um
mesmo indivíduo tiverem variação superior a 10%, o apa-
relho deve ser encaminhado para revisão2.
Recomenda-se a suspensão de broncodilatado-
res de curta duração 4 horas antes do exame e os de
longa duração, 12 horas. Broncodilatadores usado apenas
uma vez ao dia devem ser suspensos por 24 horas. Entre-
tanto, caso o objetivo seja verificar o efeito do tratamento
instituído, convém manter os broncodilatadores. Neste
caso, o médico solicitante deve assim descriminar no pe-
dido do exame. Café e álcool não devem ser consumidos
nas 6 horas antecedentes ao exame. Preferencialmente,
o indivíduo não deve ter apresentado infecção respiratória
nas últimas 3 semanas.

Realização do Exame
Paciência é virtude indispensável para o técnico
que realiza a espirometria. É preciso instruir o paciente
descrevendo a manobra cuidadosamente, não raro mais
de uma vez, até que se tenha plena compreensão. O in-
divíduo repousa por 5 a 10 minutos. Caso seja usuário de Figura 2: Exemplos de curvas aceitáveis.
prótese dentária, esta deve ser mantida (a menos que
não esteja bem ajustada). Deve-se cuidar para que o am-
biente esteja tranquilo e recomenda-se que se use roupas
confortáveis. O paciente deve estar sentado, porém sem

Pulmão RJ 2018;27(1):5-10 7
Azambuja RL, Lopes AJ Orientações para os testes de função pulmonar: espirometria

Valores de Referência ção do VEF1 e os restritivos pela redução da CVF, de acor-


Desde a publicação do consenso da SBPT, novas do com os valores expressos na Tabela 1.
equações de referência foram desenvolvidas. Existe uma
tendência mundial em adotar as equações da Global Lung Tabela 1: Gradação da gravidade do distúrbio ventilatório

Function Initiative (GLI) , em função de algumas vanta-


8

gens: confecção de dados a partir de grupos multiétnicos


oriundos dos cinco continentes, ampla faixa etária con-
templada (3 aos 95 anos de idade), uniformidade para
comparação com dados da literatura internacional e dis-
ponibilidade dos limites de normalidade obtidos através
do z score.

Interpretação
A relação VEF1/CVF é o principal parâmetro a de-
finir se existe obstrução, pois permite caracterizar se há
redução de fluxo desproporcionalmente ao volume. Nos
processos restritivos, ambos estarão reduzidos, o que
acarreta a uma relação normal ou, até mesmo, aumen-
tada. Para valores limítrofes da relação VEF1/CVF, uma Exposição dos resultados
vez que o uso do FEF25-75% e dos fluxos instantâneos se A simplificação da exposição dos dados obtidos
mostraram inacurados 6,7
para definir obstrução, a correla- no laudo final é essencial para que a espirometria seja
ção clínica e radiológica ajudará, sugerindo se há ou não mais bem compreendida pela população médica, o que
distúrbio obstrutivo. Nesse sentido, é importante que o acarretaria num forte estímulo de fomento para seu uso.
paciente leve radiografias ou tomografias de tórax que Assim sendo, apenas as variáveis relevantes a prática clí-
possuir, a fim de ajudar na interpretação. Vale ressaltar nica deve constar no laudo. A fim de que evitar um ex-
que a redução isolada de FEF25-75% com alargamento do cesso desorganizado de dados, os valores preditos podem
TFEF25-75% pode auxiliar no diagnóstico de distúrbio ven- ser omitidos, priorizando-se a exposição do limite inferior
tilatório obstrutivo incipiente em pacientes fumantes e da normalidade. Valores fora da faixa normal devem ser
sintomáticos. dispostos em negrito para enfatizar as anormalidades en-
Como os distúrbios restritivos são definidos pela contradas. O modelo de laudo simplificado não muda a
redução da CPT, sua caracterização pela espirometria es- necessidade de que todas as curvas obtidas estejam dis-
barra na limitação de não se conseguir definir restrição na poníveis para o médico-intérprete, permitindo uma análi-
presença de obstrução (a redução de CVF poderá ser se- se mais ampla pelo profissional. Essas curvas devem ser
cundária ao aumento do VR). Valor de CVF reduzida com salvas eletronicamente a fim de que se possa realizar uma
relação VEF1/CVF preservada, dentro de um contexto revisão do laudo no futuro, caso haja necessidade. Altura
clínico e radiológico sugestivos de restrição, deve ser va- e peso, aferidos na realização do exame, também devem
lorizado e mencionado, principalmente por se considerar estar no laudo.
que as metodologias para mensuração do VR ainda são Os valores de CVF e VEF1 precisam ser relatados
indisponíveis em muitos laboratórios de função pulmonar. nos seus valores absolutos e no percentual do previsto.
Nessas situações, o laudo deve indicar CVF reduzida por Quanto à relação VEF1/CVF, apenas o valor absoluto, em
provável distúrbio ventilatório restritivo. Vale ressaltar forma de fração decimal (deixando em branco a coluna
que, embora muitas vezes a redução da CVF não seja de percentual do previsto) tem sido recomendado recen-
acompanhada por redução da CPT, o contrário não acon- temente pela ATS/ERS a fim de evitar confusão na leitura.
tece, havendo uma boa correlação entre CVF normal e Se apropriado, pode-se expor também os valores de ca-
ausência de restrição na CPT . Assim, na presença de um
9 pacidade vital lenta (CV) e da relação VEF1/CV em colunas
valor normal de CVF, não é necessária a complementação separadas.
com medida da CPT . 9 Na conclusão, separa-se um espaço para os co-
A gradação da gravidade do distúrbio ventilató- mentários do técnico, onde irá relatar informações rele-
rio isoladamente pela amplitude da variação dos valores vantes na aquisição das curvas, como por exemplo, even-
espirográficos mostrou pouca correlação com a sintoma- tual dificuldade na realização da técnica pelo paciente.
tologia do paciente em diversos distúrbios respiratórios. Por fim insere-se a coluna com a interpretação final do
Ainda assim, esses valores têm implicações prognósticas, pneumologista, mencionando o tipo e grau do distúrbio
devendo, portanto, serem mencionados . Os distúr-
10,11,12 ventilatório encontrado, o efeito obtido com a broncodi-
bios obstrutivos serão caracterizados, conforme a redu- latação (especificando o broncodilatador que foi usado e

8 Pulmão RJ 2018;27(1):5-10
Azambuja RL, Lopes AJ Orientações para os testes de função pulmonar: espirometria

sua dose) e qualquer outra informação que julgue rele- Na Figura 3, observa-se um exemplo do modelo
vante (por exemplo, queda progressiva do VEF1 com ma- de laudo final simplificado aqui proposto. Neste modelo,
nobras consecutivas, sugerindo broncoespasmo induzido procura-se evitar o excesso de informações de modo que
pelo esforço). ele seja mais informativo ao médico assistente.

Figura 3: Exemplo de laudo simplificado, numa única página.

Pulmão RJ 2018;27(1):5-10 9
Azambuja RL, Lopes AJ Orientações para os testes de função pulmonar: espirometria

Referências
1. Valentinuzzi ME, Johnston R. Spirometry: a historical gallery up to
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10 Pulmão RJ 2018;27(1):5-10
Rufino R, Costa CH, Lopes AJ Valores de Referências para a Espirometria

Artigo

Valores de Referências para a Espirometria


Reference Values for
​​ Spirometry

Rogério Rufino1, Cláudia Henrique da Costa1, Agnaldo José Lopes1

Resumo

As medidas espirométricas podem ser interpretadas por comparação de valores derivados de uma deter-
minada população. Pessoas que não possuem doenças, ou saudáveis, apresentam para a espirometria valores de
referência (ou padrão). A população de referência deve ser distinguida de uma população genericamente represen-
tativa. A população representativa pode possuir os sintomas, morbidades (ex. asma, hipertensão arterial, diabete
melito), hábitos (ex. tabagismo) e exposições comuns por faixa etária, gênero e local da realização da espirometria.
É importante a realização de questionários respiratórios, de hábitos do tabagismo, exposição à riscos pulmonares
e de doenças prévias para o rastreamento de doenças que possam interferir na função pulmonar. Este artigo
apresenta as principais equações de referência que são utilizadas na prática médica, nos laboratórios e clínicas de
função pulmonar. Há equações de referências internacionais e nacionais. Cada uma delas possui características
distintas de população, técnica, aparelho e modelo estatístico. Não há a melhor. Deve-se identificar a que melhor se
adapta para a sua população e que permita um diagnóstico funcional ventilatório mais adequado. Este é o objetivo
deste artigo.

Palavras-chaves: espirometria, valores de referência, equações de referência

Abstract

Spirometric measurements can be interpreted by comparing values derived from a given population. People
who have no disease, or healthy, have reference (or standard) values for spirometry. The reference population
should be distinguished from a generically representative population. The representative population may have
symptoms, morbities (eg asthma, high blood pressure, diabetes mellitus), habits (eg smoking) and common expo-
sures by age group, gender and place of spirometry. Respiratory questionnaires, smoking habits, exposure to lung
risks and previous diseases are important for screening for diseases that may interfere with lung function. This arti-
cle presents the main reference equations that are used in medical practice and which are used by laboratories and
clinics of pulmonary function. There are international and national reference equations. Each has distinct characte-
ristics of population, technique, spirometer and statistical model. There is not the best. Identify the one that best
fits your population and allows a more adequate ventilatory functional diagnosis. This is the purpose of this article.

Keywords: spirometry, reference values, reference equations

1. Universidade do Estado do Rio de Janeiro


Endereço para correspondência: Avenida 28 de Setembro, 77 – 2º Andar – Serviço de Pneumologia - Tel. 21.2868-8248
Email: [email protected]

Pulmão RJ 2018;27(1):11-20 11
Rufino R, Costa CH, Lopes AJ Valores de Referências para a Espirometria

Espirometria Fatores que podem interferir na fun-


ção pulmonar
A palavra espirometria é a associação de duas Idade
palavras do latim spirare (respirar) e metrum (medir) e O sistema respiratório compreende primaria-
refere-se a um teste fisiológico que mede volumes de ar mente a caixa torácica, os pulmões e o diafragma.
em uma determinada unidade de tempo na inspiração e A complacência do sistema respiratório inclui a com-
expiração (Quadro 1). A espirometria é uma expressão placência pulmonar e da parede torácica (Figura 4).
simples de um processo complexo, assim como a medi- Define-se complacência a alteração do volume re-
da da pressão arterial sistêmica pelo esfignomanômetro.1 lativo a uma determinada pressão. A complacência
Este teste provê medidas de fluxo e volume, sendo uma pulmonar determina a frequência e a força expira-
ferramenta muito útil na prática clínica pneumológica tória e a complacência torácica determina a “carga”
para sugerir ou, até mesmo, definir diagnósticos.2-5 elástica durante a inspiração.6
Durante as primeiras duas décadas de vida,
Quadro 1 – Indicações da Espirometria
os pulmões estão na fase de crescimento e matu-
ração pulmonar. Os volumes pulmonares e fluxos
Avaliação da dispneia
Avaliação de sibilos e tosse tendem a se elevar. As alterações estruturais fisio-
Avaliação pré e pós-operatória de cirurgias torácicas e extrato- lógicas da parede torácica acontecem a partir dos
rácicas
Monitoramento de doenças pulmonar e extrapulmonar e os 50 anos. Ocorre diminuição da área seccional dos
impactos da terapia farmacológica e não-farmacológica músculos intercostais, calcificação progressiva das
Monitoramento de medicamentos com toxicidade pulmonar cartilagens costocondrais e costovertebrais e redu-
Avaliação ocupacional admissional e demissional
Acompanhamento em testes periódicos em profissões que ção da altura vertebral. Todos esses fatores fazem
podem gerar mudança da função pulmonar com que a caixa torácica se modifique na sua forma
Estudos epidemiológicos populacionais
geométrica (cifose torácica) e isso leva a mudança
Fontes: Referências 2-5 da curvatura do diafragma. Assim, a complacência
da caixa torácica diminui.2,7,8 A complacência pul-
Os parâmetros mais importantes a serem monar quase não se altera com a idade, mas com a
avaliados são: capacidade vital forçada (CVF) e/ou mudança da caixa torácica, a complacência do siste-
capacidade vital lenta (CV) e volume expiratório for- ma respiratório também se modificará, aumentando
çado no primeiro segundo (VEF1). A relação entre o volume residual (VR).6,9
estas duas variáveis (VEF1/CVF%) é parte importan-
te na interpretação do exame.2-5
As medidas dos volumes e fluxos pulmo-
nares podem ser conseguidas por vários tipos
de instrumentos. Estes espirômetros podem ser
aparelhos que medem diretamente o volume ou
o fluxo e apresentarem sistemas abertos e fe-
chados (inspira dentro do equipamento). Os de
volume são identificados como selado em água, Figura 4. Movimento diafragmático e da parede torácica
Legenda. O formato da caixa torácica se modifica durante o ato respira-
de pistão e de fôle e os de fluxo, por sensores de
tório (tipo “alça de balde”). Com a idade, há alça se movimenta menos.
fluxo (pneumotacógrafo).3,4
Os espirômetros de volume recebem ar
exalado dos pulmões, que é eliminado à tempera- O músculo diafragmático, diferente do inter-
tura corporal (37ºC), e plenamente saturado com costal, não se modifica na espessura, mas na sua
vapor d’água. À medida que o ar é exalado, ele ten- eficiência (ou capacidade funcional) em gerar pres-
de a se resfriar na temperatura ambiente. O ar res- sões negativas - isto caracteriza a sarcopenia.7 Há
friado faz com que uma pequena parte se condense também parcial desmielinização do nervo frênico,
e formas partículas de água. Isto reduz a medida o que pode reduzir adicionalmente a força contrá-
total de ar expirado. Para a correção dessa perda, til diafragmática. Sabe-se que a espessura diafrag-
os volumes devem ser registrados e convertidos das mática medida por ultrassonografia se correlaciona
condições ambientais (ATPS) para as condições cor- com a CVF (r= 0,74) e com a amplitude do potencial
porais (BTPS). A temperatura é medida por um ter- de ação muscular composto (r=0,53).10
mômetro que deve estar colocado dentro do equi- No envelhecimento fisiológico do pulmão, não
pamento.3 há relatos de disfunção e quantidade de pneumóci-
tos tipo II e do surfactante. As mudanças são estru-

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Rufino R, Costa CH, Lopes AJ Valores de Referências para a Espirometria

turais: dilatação dos alvéolos, aumento dos espaços


aéreos, redução da superfície de troca gasosa, de
tecido conjuntivo e recolhimento elástico estático.
Essas alterações levam ao aumento do VR e capa-
cidade funcional residual (CRF).6,8,11 A CRF também
aumenta pela diminuição do recolhimento elástico
pulmonar e o VR aumenta ~ 50% e a CV diminui ~
75% dos 20 aos 70 anos de idade.11
A capacidade pulmonar total (CPT) não muda
significativamente ao longo da vida. O VEF1 e a CVF
aumentam até próximo dos 20 anos de idade.12
O VEF1 e a CVF diminuem anualmente após
Figura 6. A curva fluxo-volume com a idade
os 20-25 anos. A perda de volume é aproximada- Fonte: referência 15 – Adaptação de Knudson RJ, Lebowitz MD, Holberg
mente de 20 mL em indivíduos com idades entre 25 CJ, Burrows B. Changes in the normal maximal expiratory flow-volume
curve with growth and aging. Am Rev Respir Dis 1983;127(6):725-734.
± 39 anos e de 38 mL naqueles com idade acima de Obs1. As linhas representam a evolução de homens com idades distintas,
65 anos (Figura 5).13 21 e 71 anos. Notem que com a idade de 71 anos há convexidade na
curva fluxo-volume, podendo sugerir que acha um formato de obstrução
na curva com os anos.
Obs2. Com a idade há um maior colabamento das vias aéreas, mime-
tizando o aspecto de doença obstrutiva de pequenas vias aéreas, pela
curva fluxo-volume.

Gênero
Muitas equações de valores de referência em
função pulmonar têm identificado que o gênero é
uma variável independente, bem como a idade e a
altura.2-5
As mulheres têm volumes e fluxos pulmo-
nares reduzidos em relação ao homem, da mesma
idade e altura. Responde até por 30% da variação
da função pulmonar, sendo usual a separação das
equações de referência por sexo.3
Os volumes pulmonares são maiores no sexo
Figura 5. Curva do volume pulmonar com os anos de vida
Fonte: Referência 12- Adaptação de Knudson RJ, Slatin RC, Lebowitz MD,
masculino, mas a relação VEF1/CVF é discretamen-
Burrows B. The maximal expiratory flow-volume curve: normal standar- te menor, em média, provavelmente pela maior
ds, variability, effects of age. Am Rev Respir Dis 1976; 113 (5): 587-599. compressão dinâmica resultante da maior força
Legenda: M= masculino; F= feminino.
Obs. Há duas linhas azuis e duas vermelhas. A linha superior de cada muscular.15
gênero representa o volume previsto e a inferior, o limite de referência. A Os valores máximos de CVF são alcançados
linha azul sempre acima da vermelha.
em torno de 25 anos no sexo masculino e 20 anos
no sexo feminino.15
Ao longo da vida, as mudanças na curva
Peso
fluxo-volume podem sugerir que exista um pa-
Reflete a massa corporal. Em balanças ca-
drão obstrutivo nas pequenas vias aéreas, mesmo
libradas, o erro de medida deve ser menor que
em não-fumantes, devido a perda do recolhimen-
0,01kg. Em estudos populacionais, o peso em ge-
to elástico e desarranjo estrutural. Basear-se no
ral não afeta as variáveis espirométricas, quando a
aspecto da curva em população idosa na definição
estatura e o gênero são considerados, exceto na
do distúrbio ventilatório obstrutivo (DVO), poderá
presença de obesidade mórbida.2-4
levar a um erro de interpretação, pois o formato
Os indivíduos obesos demonstram redução
tende a se modificar com a idade. Nesses casos, os
dos volumes e capacidades pulmonares, quando
valores espirométricos podem ser fundamentais no
comparados a indivíduos eutróficos. Reduções da
diagnóstico. O aspecto da curva côncava favorecerá
CPT e da CVF, acompanhadas de redução do VEF1,
o diagnóstico de DVO, mas os valores de referência
são os achados mais representativos e sugerindo a
auxiliarão para o diagnóstico de DVO ou dentro da
presença de padrão respiratório restritivo associado
faixa de referência (Figura 6).2,14,15,16
à obesidade.17

Pulmão RJ 2018;27(1):11-20 13
Rufino R, Costa CH, Lopes AJ Valores de Referências para a Espirometria

Etnia ças prévias são importantes para determinação de


Algumas equações de função pulmonar de- equações espirométricas. Devem ser utilizados em
monstram que pode haver diferenças nos volumes rastreamento de doenças ou exposição ocupacional
pulmonares. Muitos estudos têm mostrado que a ou ambiental.2,4,5,15,27
CV e a CPT na etnia africana são até 15% menores
do que em brancos, com a mesma idade, altura e Valores de referência
sexo.18,19 Em chineses, essa diferença pode alcan- O termo “valor normal” deve ser evitado e
çar 25% a menos do que em as pessoas caucasia- utilizado o termo “valor de referência”.28 As justifi-
nas.19 cativas são:
1- O valor pode estar normal, mas o pacien-
Altitude te tem uma doença respiratória sintomática. Assim,
Residentes de altas altitudes têm pulmões o termo normal fornece uma ambiguidade, pois se
maiores. Considera-se que a cada 300 metros acima refere a saudável e a pessoa tem uma doença pul-
do nível do mar ocorrerá um incremento de 100ml monar28;
de CVF.20 Contudo, isso não foi encontrado em ou- 2- A curva “gaussiana” refere a um modelo
tro estudo.33 Os pesquisadores não demonstraram de distribuição normal estatístico e, muitas vezes,
nenhuma alteração nos volumes pulmonares, mas as pessoas que estão fora da curva podem ser ca-
havia incremento de 30% no fluxo expiratório mé- racterizadas como “anormais” ou doentes.28
dio (FEF25-75%).21 A faixa de referência dá apenas informação
sobre a distribuição dos resultados do teste na po-
Técnica pulação saudável da qual eles foram derivados. Não
Além de fatores biológicos e ambientais, as diz nada sobre o verdadeiro positivo, taxa de falso-
variações de medida podem explicar valores dife- -negativo ou o valor preditivo de um teste positivo.5
rentes obtidos em populações semelhantes. As fon- Os valores de referência podem diferir nas popula-
tes de variação técnica nos testes de função pulmo- ções estudadas. A CVF prevista pode variar em até
nar podem situar-se no instrumento, procedimento, 20%.29
observador, indivíduo testado, nas interações entre A escolha de equações deve levar em consi-
estes e em outros fatores como temperatura, alti- deração4,5,28,29:
tude, posição e seleção e análise das curvas.3,4,22,23 1) Método – os valores devem ser obtidos
com técnicas padronizadas, equipamentos acurados
Poluição ocupacional e ambiental e leitura correta das curvas;
O tabagismo aumenta a reatividade brônqui- 2) Epidemiológicos – a amostra deve ser
ca, reduzindo a função pulmonar.24 Isto acontece constituída de não fumantes, sem doença cardio-
inclusive em pessoas expostas ao tabagismo pas- pulmonar prévia ou atual e sem sintomas respirató-
sivo.24 rios. A amostra deve ser representativa da popula-
ção na qual os dados serão aplicados com respeito
Estado socioeconômico à idade, estatura e composição étnica;
Indivíduos fumantes de menor nível socio- 3) Critérios estatísticos – deve ser verificado
econômico podem apresentar menores valores de se os vários modelos de regressão foram testados,
função pulmonar.25 Isso provavelmente resulta de como os resíduos se ajustaram e como os limites
condições ambientais desfavoráveis, maior frequ- inferiores foram estabelecidos. Devido as mudan-
ência de doenças respiratórias e acesso menor aos ças nas populações ao longo do tempo, inovações
serviços de saúde. tecnológicas nos equipamentos, padronizações para
obtenção das curvas e conceitos estatísticos podem
Posição ser revistos e os valores de referências devem ser
Há diferenças de valores da CVF e do VEF1 periodicamente derivados (revistos).
em posição supina, sentada e prona. Essa variação Os valores de referência são obtidos de uma
pode ser maior em até 8% da CVF e de 10% do amostra populacional e dois grupos de variáveis de-
VEF1 da posição supina para prona.26 As espirome- vem ser considerados4,5,30:
trias são padronizadas para a posição sentada.4,5,27 1- Variáveis antropométricas (sexo, idade e
etnia)
Questionários 2- Variáveis não controladas (tabagismo, sin-
Questionários respiratórios, de hábitos do ta- tomas e ocupação)
bagismo, exposição a riscos pulmonares e de doen- Atualmente, há na literatura médica muitos

14 Pulmão RJ 2018;27(1):11-20
Rufino R, Costa CH, Lopes AJ Valores de Referências para a Espirometria

estudos com valores de referência para a espirome- ta foram obtidos para a raça caucasiana (branca)
tria (Quadro 3)15,31-41. No Brasil, os primeiros valores em 199238 e revistos pelo mesmo autor no ano de
de referência para espirometria na população adul- 200740, para branca (Quadro 3).
Quadro 3. Características comparativas entre os trabalhos de valores de referência

Legenda: Ref = referência; C= caucasiana; A= asiática; AD = afrodescendente; L = latino; M = misto (não específica); NEA = nordenste
asiático, sudeste asiático; CVF= capacidade vital forçada; VEF(x)= volume expiratório forçado (0,5=meio segundo; 1= um segundo; 3= três
segundos ou 6 = seis segundos); FEF25-75%= Fluxo expiratório médio; Fluxo expiratório forçado de 75 a 85%; FEF50% = fluxo expiratório
forçado a 50%; FEF75% = fluxo expiratório forçado a 75%; PFE = pico de fluxo expiratório; TFEF=tempo de fluxo expiratório forçado *
espirômetro de volume; ** método LMS; † = fator de correção.
Obs1= Prata (et al.), Rufino (et al.) e Pereira (et al) = equações brasileira, Hankinson (et al)= equações americanas; Pérez (et al)= equa-
ções latino-americanas; Falaschetti (et al) = equaçãoo inglesa; Brandli (et al)= equações suíças; Kubota (et al) = equações japonesas;
Quanjer (et al) = proposta de uma equação universal

Definição pré-testes Essas pequenas diferenças entre Normas nacional


A Associação Brasileira de Normas Técnicas e internacional podem levar às variações finais de
(ABNT) publicou, em 2015, uma atualização da Nor- medidas de fluxo e volume pulmonares. Não há ne-
ma Brasileira (NBR) de espirômetros destinados à nhum trabalho recente na literatura brasileira publi-
medição do volume expiratório forçado no tempo cado sobre esse assunto. O único trabalho encon-
em humanos (número 26782). Essas normas são trado na literatura nacional sobre a qualidade dos
discretamente diferentes das recomendações da aparelhos de espirometria foi publicado em 1995,
ATS/ERS27, que cita que os espirômetros devem ser por Dias43.
capazes de acumular volume ≥ 15s e medir volu- A importância de se ter um espirômetro va-
mes ≥ 8L (BTPS), com uma precisão de ± 3% na lidado e com certificação nacional reduz o risco de
leitura (ou ± 0,050L), com fluxos entre 0 e 14 L/s-1 variabilidade entre os testes, seja intraindividual,
e resistência total de 14 L/s-1 e < 1,5cmH2O L-1.42 interindividual ou entre laboratórios. Isso pode ser

Pulmão RJ 2018;27(1):11-20 15
Rufino R, Costa CH, Lopes AJ Valores de Referências para a Espirometria

um diferencial entre as equações existentes. Das têmica dos “saudáveis controlados”. Quanto maior
11 equações15,31-41, em três delas não há citação do a pressão arterial, maiores são os fluxos expirató-
nome dos aparelhos de função pulmonar: a ame- rios máximos. Essa influência da pressão arterial foi
ricana32, a japonesa36 e a internacional39. Nessas, também vista no trabalho de Pereira et al57 e valores
o importante foram os critérios de aceitabilidade e menores na CVF e VEF1 nos hipertensos.
reprodutilidade das curvas, que são praticamente os Outra análise seria o indivíduo saudável com
mesmos há pelo menos duas décadas, com pou- grande atividade física. Sabe-se que a atividade
quíssimas variações entre os países5. As especifica- física pode proporcionar aumento do volume pul-
ções do equipamento e o tipo (fluxo ou volume) não monar, especialmente a atividade de polo aquático,
foram descritas. Esses três trabalhos tinham um ob- basquetebol e de remador (canoagem).47
jetivo de se obter um excessivo número de espiro- Brandli et al (equação suíça)35 e Crapo et al30
metrias para desenvolver equações definitivas. Ou não tinham critérios de exclusão para tabagistas ou
melhor, “temporariamente” definitivas, pois com as ex-tabagistas, o que, nos dias de hoje, caracteriza-
mudanças étnicas dos países e as alterações nos ria uma amostra com doentes. O tabagismo hoje
biotipos das populações, os valores de referência é uma doença bem reconhecida e que pode levar
podem sofrer modificações com o tempo.44 à redução da função pulmonar de forma aguda ou
Além disso, os valores de espirometria po- crônica.3,4
dem também apresentar modificações conforme o O local de realização dos exames também
período do dia em que são realizados. O estudo de tem relevância na função pulmonar. Equações ela-
Crapo et al31 foi realizado à tarde e o de Rufino et boradas com aparelhos de campo utilizam, em ge-
al41 foi realizado pela manhã. Isto tem relevância. ral, pneumotacógrafos, e os valores são corrigidos
Em um estudo holandês44, foi verificado que o pico ou homogeneizados pelas condições BTPS. Contu-
da função pulmonar (CVF, VEF1, PFE) ocorre no pe- do, o fator poluição ambiental não tem correção. A
ríodo diurno, com variação de 20-25mL e de fluxo poluição ambiental interfere diretamente na função
de 100mL durante o dia. Nenhum dos outros nove pulmonar, especialmente em cidades com níveis de
trabalhos estabeleceu o horário de realização. poluição altos. Equações de Crapo et al31 e Knudson
Um dos mais importantes instrumentos de et al15 tiveram essa característica.
sustentabilidade de equações para valores de re- A amostra dever ter um número mínimo e
ferência em uma população saudável, é a própria ser representativa da população. Como Knudson et
definição de saudável. Ser “saudável” significa não al15 e Rufino et al41 levaram anos para se atingir o
ter ou ter doenças efetivamente controladas. Po- número necessário. Knudson et al15 realizaram de
rém, nas doenças controladas, os medicamentos dupla a tripla checagem do questionário respiratório
utilizados, às vezes, modificam a função pulmonar e ambiental. Rufino et al41 realizaram dupla verifica-
(ex. betabloqueadores seletivos). Esses fatos natu- ção do questionário e um segundo questionário de
ralmente reduz o universo de pessoas para a análise morbidade (questionário de Charlson). Esta dupla
de saudável do ponto de vista pulmonar, pois con- checagem é importante para não se ter o viés de
forme a idade se eleva, aumenta a frequência de doenças “esquecidas” (negação da doença) ou da
doenças. Em um trabalho escocês com 1.751.841 falta de comprometimento funcional respiratório.
indivíduos, foi verificado que a partir dos 60 anos, Crapo et al31 e Rufino et al41 realizaram radiografias
muitos pacientes apresentam até 8 morbidades e, de tórax e Rufino et al41 eletrocardiograma em todos
com 85 anos, todas as pessoas praticamente tem os pacientes. Esses critérios adicionais tornam a se-
pelo menos uma morbidade e quase 10%, 8 mor- leção de saudáveis mais rigorosa.
bidades, dentre elas, hipertensão arterial sistêmi- A etnia é uma variável importante e de difícil
ca, diabetes melito, osteoporose, doença pulmonar justificativa. Fatores técnicos não explicam as dife-
obstrutiva crônica e câncer.45 Ou seja, a multimorbi- renças de função pulmonar encontradas entre as
dade é uma realidade em pessoas idosas. Esse é um etnias. Considera-se que a etnia afeta proporções
desafio: desenvolver equações para pessoas idosas. corporais. Uma explicação para tal fato, seria o ín-
Enright et al46 derivaram dados para uma dice Córmico, que é a relação da estatura medida
equação de regressão em adultos saudáveis com na posição sentada (altura troncoencefálica) e da
mais de 60 anos, que fumaram até 5 cigarros por medida na posição em pé. O volume pulmonar es-
dia. Foram 288 pessoas, sendo 82 abaixo dos 70 taria mais relacionado com a altura sentada do que
anos. Os dados encontrados demonstraram que o com a altura em pé (estatura). Isso acontece em
PFE era maior do que se previa em 10%. Parte des- até 53% dos afrodescentes e caucasianos ameri-
se achado foi atribuído à hipertensão arterial sis- canos.48

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Rufino R, Costa CH, Lopes AJ Valores de Referências para a Espirometria

O gênero pode responder por até 30% da pulacional na medida em que determinam a inclu-
variação da função pulmonar, sendo usual a sepa- são ou exclusão de indivíduos.2,3
ração das equações de referência.49 No trabalho de O limite inferior para indivíduos com diferen-
Rufino et al41 houve uma diferença nos volumes de tes valores previstos não pode ser uma percenta-
até 31% nos gêneros. Os pulmões de homens adul- gem fixa. Os indivíduos de baixa estatura terão li-
tos têm uma menor relação peso-volume devido à mite inferior percentual menor, já que, ao longo da
menor proporção de colágeno. A força muscular é vida, e manteriam a distância da reta de regressão.
maior nos homens. As forças para expandir os pul- Outros estudos têm sugerido que o declínio da CVF
mões aliadas à menor retração elástica resultam em e VEF1 são proporcionais ao tamanho corporal.2,4,51
volumes maiores no gênero masculino. O maior ta- Devido a CVF e a VEF1 serem proporcionais à es-
manho dos pulmões no gênero masculino estende- tatura, o declínio seria proporcional à CVF ou ao
-se para todos os componentes, incluindo os sacos VEF1 por si só. Isto significa que a pessoa mais alta,
alveolares, os alvéolos e as vias aéreas.50 com maiores pulmões, teria declínio maior nos volu-
mes pulmonares e os indivíduos de menor estatura
Equações e limite inferior de referên- um declínio menor.2 O limite inferior de referência
cia é usualmente estabelecido englobando-se 95% dos
A escolha de uma determinada equação de indivíduos em torno da linha de regressão e excluin-
referência poderá resultar na caracterização ou não do-se 5% restantes. Isto coloca 5% da população
de determinado distúrbio ventilatório em certos in- fora da faixa de referência, o que é mais ou menos
divíduos. Se um indivíduo é testado longitudinal- válido, dependendo da prevalência de anormalida-
mente, pode-se considerar que apresentou declínio des prévias na população em que os testes serão
acentuado de função pulmonar por determinada aplicados.2,15 Outro método de análise dos limites de
equação e nenhuma por outra. Vários fatores po- referência seria pelo resíduo da regressão para es-
dem explicar a variação nas equações obtidas em tabelecimento do limite inferior tanto nas equações
populações semelhantes. Variação biológica pode lineares como na logarítmica. Esse método identi-
ser detectada se excede a variação do erro da me- fica os valores abaixo e acima da linha de regres-
dida.2 são e a dispersão em torno do valor médio. Com o
A escolha de um modelo de regressão rela- número encontrado de resíduo, múltipla pelo valor
ciona-se com determinado modelo de envelheci- considerado de 95% (1,645) de uma curva de dis-
mento. Habitualmente o envelhecimento pulmonar tribuição gaussiana fixa.2,15
é tido como linear simples, o que implica declínio
constante através da vida adulta, independente da Equação da Iniciativa Global de Fun-
estatura. A perda percentual de função pulmonar ção Pulmonar
será maior para pessoas de baixa estatura.2 A IGFP39 utilizou um novo modelo estatístico
A variabilidade da função pulmonar pode ser (LMS) que é a transformação de dados métricos em
dividida em intraindividual, interindividual e inter- paramétricos. Essa força tarefa da European Res-
população, dependendo do foco de interesse. Va- piratory Society derivou equações para valores de
riações intraindividuais podem se dever à postura, referência utilizando um banco de 160.000 pessoas
relação com alimentos, variação diurna ou circadia- de 33 países, em 72 laboratórios de função pulmo-
na, variação sazonal, a reatividade das vias aéreas nar. Pelos critérios de exclusão utilizados, um núme-
à temperatura e talvez a fatores endocrinológicos, ro expressivo ainda foi incluído 97.759 “saudáveis”
tais como aqueles que acompanham o ciclo mens- não-fumantes, de 2,5 a 95 anos de idade, com di-
trual. Todas as fontes de variação intraindividual po- ferentes etnias. Houve uma estranha definição de
dem causar também variação interindividual. Dife- etnia caucasiana, afroamericanos, norte asiático,
renças entre os indivíduos podem dever-se às suas sudeste asiático, latino-americana e oriundos da Ín-
características pessoais. Estas incluem idade, sexo, dia (indianos), polinésios e da Arábia. Não foi um
peso, altura, muscularidade, nível de atividade físi- estudo prospectivo, controlado na proposta meto-
ca, etnia, outras características genéticas e ainda dológica, e provavelmente teve um universo muito
experiências pregressas e atuais de saúde.2,4 diferente de controle de qualidade dos laboratórios
Dos fatores ambientais incluem ocupação, de função pulmonar. Fica muito difícil conseguir
poluição urbana e doméstica, local de residência uma homogeneização de dados num verdadeiro
(urbana ou rural) e estado socioeconômico. Todas “turbilhão” numérico. Deve-se considerar este tra-
as fontes de variação intra e interindividual já men- balho, mas como estatístico, do que um padrão a
cionadas podem também causar variação interpo- ser utilizado. Mas, apesar desses fatos contrários,

Pulmão RJ 2018;27(1):11-20 17
Rufino R, Costa CH, Lopes AJ Valores de Referências para a Espirometria

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Bessa EJC, Lopes AJ Métodos de medidas dos volumes pulmonares: técnicas

Artigo

Métodos de medidas dos volumes pulmonares: técnicas


Methods of the lung volumes measurement: techniques

Elizabeth Jauhar Cardoso Bessa1, Agnaldo José Lopes2

Resumo

Os volumes pulmonares estáticos não são medidos pela espirometria e necessitam de métodos especiais.
São importantes na definição dos distúrbios ventilatórios em algumas doenças pulmonares, especialmente nas
doenças restritivas. Os métodos mais utilizados para medir tais volumes são a pletismografia de corpo inteiro, o
teste de diluição de gases com o hélio e o teste do washout do nitrogênio. Em todos esses métodos, medimos
diretamente a capacidade residual funcional. Neste capítulo faremos uma abordagem das técnicas, enfocando as
vantagens e desvantagens de cada uma.

Descritores: volumes pulmonares, pletismografia, testes de função respiratória, capacidade residual funcio-
nal.

Abstract

Static lung volumes are not measured by spirometry and require special methods. They are important to
define ventilatory disorders in some pulmonary diseases, especially in restrictive diseases. The most common me-
thods for measuring volumes are body plethysmography, helium gas dilution test and nitrogen washout test. In all,
the functional residual capacity is measured directly. This chapter will take an approach of techniques, focusing on
the advantages and disadvantages of each one.

Keywords: lung volumes, plethysmography, multiple and single breath nitrogen washout, functional residual
capacity

1. Pneumologista e Médica do Serviço de Pneumologia e Tisiologia, Hospital Universitário Pedro Ernesto, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, RJ,
Brasil.
2. Professor Adjunto de Pneumologia e Tisiologia, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Endereço para correspondência: Boulevard 28 de Setembro, 77, Vila Isabel, 20551-030, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Email: [email protected]

Pulmão RJ 2018;27(1):21-32 21
Bessa EJC, Lopes AJ Métodos de medidas dos volumes pulmonares: técnicas

Introdução b) pletismógrafo de deslocamento de volume, que são


Em comparação com os volumes pulmonares di- aqueles com volume variável dentro de uma câmara de
nâmicos medidos pela espirometria, a medida de volumes pressão constante; e c) pletismógrafo de fluxo, que são
pulmonares estáticos requer técnicas especiais. Os três os que apresentam o fluxo de ar variável dentro de uma
métodos mais comuns para medir os volumes pulmonares câmara de pressão constante.
estáticos são a pletismografia de corpo inteiro, o teste do
washout do nitrogênio (TWN2) e a diluição de gás. Todos Técnica da VGT
esses métodos medem diretamente a capacidade residual O equipamento utilizado é uma câmara fechada
funcional (CRF), sendo necessária a medida da capacida- chamada de pletismógrafo de corpo inteiro (Figura 1).
de vital (CV). Os volumes pulmonares estáticos também
podem ser medidos usando técnicas de imagem1.
Em indivíduos saudáveis, quando comparamos
a pletismografia com outras técnicas para medir a CRF,
como a diluição de gases e o TWN2, observa-se diferen-
ças mínimas na CRF medida. No entanto, a maioria dos
estudos indicam que, em pacientes com doença pulmonar
obstrutiva e aprisionamento aéreo, a CRF medida pela
pletismografia (CRFpletis) excede com frequência a CRF
medida pela diluição de gás1,2. Isso porque a pletismo-
grafia mede o volume de gás intratorácico (VGT), incluin-
do áreas bem e mal ventiladas do pulmão. Já a diluição
do hélio (He) e o TWN2 são técnicas mais limitadas que
não medem áreas pouco ventiladas e, ainda, demandam
um tempo maior para sua execução. Por outro lado, o
equipamento é mais barato e mais disponível do que o
equipamento da pletismografia1,2. A escolha da técnica
para medir a CRF depende de vários fatores, incluindo
disponibilidade de equipamento e a avaliação da doença
subjacente do paciente. Figura 1. Pletismógrafo de corpo inteiro

Pletismografia de corpo inteiro A técnica de medida da CRF deve seguir alguns


O primeiro passo para determinar os volumes pul- passos :2,3

monares estáticos é medir a CRF, que é o volume de gás - O equipamento deve estar ligado com um tempo
que permanece nos pulmões após uma expiração basal. de aquecimento adequado e estar calibrado devidamente.
O VGT refere-se à medida pletismográfica do gás intrato- - O equilíbrio térmico demora cerca de 30 a 60
rácico no momento da oclusão do fluxo aéreo, ou seja, segundos.
o VGT é o gás compressível dentro do tórax . Portanto,
2 - O paciente deve sentar-se confortavelmente na
a CRF medida pela pletismografia (CRFpletis) é o volume câmara e alcançar o bocal sem ter que flexionar ou esten-
de gás medido durante o fechamento do obturador, ou der o pescoço.
seja, a oclusão do fluxo aéreo no final da expiração. Des- - É importante orientar ao paciente que, preferi-
sa forma, mede-se a CRF e, por derivação matemática, velmente, não deve remover próteses.
mede-se o volume residual (VR) e a capacidade pulmonar - Alguns pacientes podem apresentar claustrofo-
total (CPT) .
3 bia no pletismógrafo (orientar).
A pletismografia de corpo inteiro é um método - A manobra deve ser demonstrada pelo técnico
de medida de volumes com uma técnica bem padroni- e depois praticada pelo paciente. Esse deve ser instruído
zada, usada também para medir capacidades e resistên- a colocar ambas as mãos contra as bochechas, evitando
cias pulmonares . A técnica é baseada no princípio da Lei
4 alterações de pressão na boca.
de Boyle-Mariotte: em condições isotérmicas, um volu- - Um clipe nasal deve ser usado.
me de gás varia em proporção inversa à pressão a que - Orientar sempre que o obturador será fechado
está submetido, sendo constante o produto de volume por segundos durante o teste, para que o paciente saiba
pela pressão de um gás 1,2,3
. Os pletismógrafos podem ser o que esperar.
classificados conforme os sensores de suas variáveis2: - Alguns pacientes podem apresentar claustrofo-
a) pletismógrafos de pressão variável, que são aqueles de bia no pletismógrafo; orientar sempre que o pletismó-
volume constante e pressão variável; são os mais usados; grafo pode ser aberto a qualquer momento se ele ficar

22 Pulmão RJ 2018;27(1):21-32
Bessa EJC, Lopes AJ Métodos de medidas dos volumes pulmonares: técnicas

desconfortável. é medido diretamente ou derivado da diferença medida


- Alguns sistemas de pletismografia exigem volu- na pressão da caixa (Pcaixa), dependendo do tipo de pletis-
mes correntes antes do fechamento do obturador para mógrafo corporal usado1 (Figura 3).
estabelecer o nível expiratório final do paciente.
O paciente é instruído a conectar-se ao bo-
cal e respirar calmamente até que um nível expi-
ratório final estável seja alcançado (cerca de 3 -10
volumes correntes). Quando o paciente está próxi-
mo da CRF ou na sua CRF, o obturador é fechado
na expiração final por 2 a 3 segundos, e o paciente
é instruído a realizar uma série de respirações vi-
gorosas (panting), de forma suave, permitindo que
o ar no tórax seja comprimido e descomprimido, a
uma frequência entre 0,5 e 1,0 Hz2. Uma série de 3
a 5 manobras de respiração tecnicamente satisfa-
tórias deve ser registrada, após o qual o obturador
Figura 3. Uma manobra bem executada com uma série de linhas retas quase
é aberto e o paciente realiza, preferencialmente,
sobrepostas separadas por um pequeno desvio térmico.
uma manobra de expiração forçada para o registro
do volume de reserva expiratório (VRE), seguida
por uma manobra de capacidade vital lenta (CVL), ou Cálculo da CRF pela pletismografia
seja, a CV iniciada pela expiração forçada, seguida por A determinação da CRF é feita pela Lei de Boy-
uma inspiração forçada (Figura 2). Ou, como segunda le, que diz que P1 X V1= P2 X V2, onde as fases 1 e 2
opção, nos pacientes com dispneia grave, uma manobra referem-se ao estado do gás antes e depois da compres-
de capacidade inspiratória (CI) seguida por uma manobra são ou descompressão, respectivamente. Desse modo
de capacidade vital lenta expiratória. A manobra da CVL é derivada a fórmula para o volume de gás compressí-
pode ser feita separadamente, se houver necessidade. vel no tórax (equação simplificada), conforme segue:
Em qualquer tipo de sistema, o paciente deve iniciar o VGT = -( )x PB, onde é a inclinação da
panting com o obturador fechado até que se alcance um linha de pressão-volume plotada durante a manobra da
traçado estável2,3. A ATS/ERS recomenda que uma mano- respiração panting, e PB é a pressão barométrica. Observe
bra VRE vinculada ao VR seguida de uma manobra de CI que o VGT pode ser medido em qualquer volume pulmonar
para CPT seja realizada. por pletismografia, portanto, se o obturador for fecha-
do em um ponto diferente da CRF, o VGT não
representará a CRF. A diferença entre o VGT
e a CRF verdadeira é chamada de “erro de
comutação”. O VGT medido na CRF é chamado
de CRFpletis1.
As alterações na pressão são facilmen-
te medidas na boca (Pboca). Teoricamente, a
Pboca é igual à pressão alveolar (PA) quando
não há fluxo de ar. As alterações volumétri-
cas dos gases pulmonares são estimadas pela
medida das alterações de pressão no pletis-
mógrafo3. A pressão no pletismógrafo é medi-
da por um transdutor sensível, que é calibra-
Figura 2. Sequência da manobra representada pelo tempo versus volume do pela introdução de um pequeno volume de
gás conhecido na caixa fechada e relaciona a
Observe que, na fase em que o obturador é fecha- alteração de pressão ao volume conhecido (Pcaixa). O fator
do é que ocorre a determinação da CRFpletis. Subsequente- de calibração é aplicado às medições3.
mente, o paciente realiza uma manobra de VRE, seguida A demonstração da manobra de respiração (pan-
de uma manobra de CVL para determinar a capacidade ting) é um gráfico com a Pboca, traçada no eixo vertical e
vital inspiratória (CVI) e para derivar o VR e a CPT5. a Pcaixa traçada no eixo horizontal (Figura 3). O traçado
A variação de pressão na abertura das vias aéreas resultante é uma linha inclinada igual a , onde
é medida por um transdutor de pressão. Isso é traçado é a variação na pressão alveolar e é a variação
graficamente contra a variação no volume torácico, o qual no volume alveolar.

Pulmão RJ 2018;27(1):21-32 23
Bessa EJC, Lopes AJ Métodos de medidas dos volumes pulmonares: técnicas

Registros pletismográficos normais Critérios de aceitabilidade


e anormais das manobras
Alguns exemplos de registros normais e anormais Pelo menos três valores de CRFpletis que concor-
(Figura 4)3: 1) o loop deve estar fechado ou quase fecha- dam dentro de 5% devem ser obtidos e o valor médio
do (vide canto superior esquerdo); 2) se o equilíbrio tér- registrado, ou seja, a diferença entre o maior e o menor
mico não tiver sido alcançado, o loop tende a ser aberto valor dividido pela média deve ser < 0,05 (Quadro 1).
e a deslizar pela tela (vide canto superior direito); 3) se o
paciente se aproximar da CRF, o loop fica quase fechado
Quadro 1- Critérios de aceitabilidade para a técnica da medida
em forma de S, o que é normal (vide canto inferior es- da CRF pela pletismografia de corpo inteiro3
querdo); e 4) se o paciente realizar a manobra do panting
muito rápida ou muito profundamente, o traçado ficará 1. A manobra do panting mostra um circuito fe-
aberto e achatado (vide canto inferior direito). chado sem flutuação ou outro artefato.
2. As mudanças de pressão estão na faixa de ca-
libração e o traçado não deve ultrapassar a tela de visu-
alização.
3. A frequência da respiração (panting) deve estar
entre 0,5 e 1,0 Hz.
4. Deve ser registrada uma série de 3 a 5 mano-
bras tecnicamente satisfatórias.
5. Devem ser obtidos no mínimo três valores de
CRFpletis concordantes dentro de 5%.

Vantagens da pletismografia
A pletismografia apresenta várias vantagens sobre
outros métodos de medição de volumes pulmonares. A
Figura 4. Registros pletismográficos normais e anormais. CRFpletis é menos afetada pela distribuição da ventilação e
as medições podem ser feitas de forma rápida. A princi-
A alteração do volume alveolar é medida indireta- pal vantagem é que todo o gás no tórax é medido3.
mente, observando-se a alteração recíproca no volume do Em pacientes com obstrução das vias aéreas o
pletismógrafo. O VGT pode ser obtido a partir da inclinação teste tem maior precisão na medida dos volumes pulmo-
do traçado3: nares. Além disso, as medidas da Raw; a condutância e
a resistência da via aérea específicas (sGaw e sRaw, res-
pectivamente) também podem ser avaliadas3. A principal
medida registrada é a sRaw, que é corrigida pelo volume
pulmonar.
A medida da CRF pela pletismografia é frequen-
Onde: VGT = volume de gás torácico; PB = pres- temente maior que a medida pela diluição de He ou pelo
são barométrica; VGT = declive da linha mostrada = TWN2, o que é observado em pacientes com enfisema e
; Pcaixa cal= fator de calibração do transdutor outras doenças com aprisionamento de ar; bem como na
de pressão da caixa; Pboca cal = fator de calibração do presença de uma distribuição irregular da ventilação3,5-8. A
transdutor de pressão da boca; K = fator de correção. razão da CRFpletis/CRFTWN2 ou CRFpletis/CRFHe pode ser usada
A resistência da via aérea (Raw) e a condutância como um índice de air trapping pulmonar. Em indivídu-
específica da via aérea (sGaw) também podem ser medi- os normais e em alguns pacientes com doença pulmonar
das simultaneamente durante a manobra de abertura do restritiva, esta relação é próxima de 1. Valores acima de
obturador. As frequências do panting para medir a Raw e 1 indicam volumes de gás detectáveis pelo pletismógrafo,
o VTG são discretamente diferentes. Medidas para a Raw mas que não são medidos pelas técnicas de diluição do
devem ser feitas com o paciente a 1.5–2.5 Hz (1.5–2.5 gás3. Isso por que o hélio não se equilibra totalmente com
ciclos/s), ou 90–150 respirações/min, enquanto o VTG o gás contido em regiões pulmonares mal ventiladas, logo
deve ser medido com o paciente a uma frequência de esse volume não é incluído para o cálculo da CPT9,10.
0,5 a 1 Hz3. Em pacientes com DPOC, a determinação da CPT
pela pletismografia somente é válida quando a frequência
do panting é baixa (<1 Hz), pois em frequências mais
elevadas a transmissão da pressão alveolar para a boca

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Bessa EJC, Lopes AJ Métodos de medidas dos volumes pulmonares: técnicas

pode ser incompleta e resultar em aumento da CPT por 5). Uma tangente é traçada a partir dessa curva, que é a
artefato .11
razão do V/Pcaixa3.
Na década de 1960, Tierney e Nadel estudaram
13 pacientes com enfisema e observaram que a média
de CRF foi cerca de 0,99 L mais elevada quando medida
por pletismografia do que pelo TWN2. De fato, a pletis-
mografia pode superestimar a CRF e a CPT nos pacientes
com doença obstrutiva grave, pois a alta resistência das
vias aéreas (Pboca com o obturador fechado) subestima as
alterações da pressão alveolar12. Pacientes com enfisema
bolhoso grave podem ter uma diferença na CPT de mais
de 1 L entre a CRFpletis e os métodos de diluição do gás.
Entretanto, nos casos de obstrução heterogênea ao fluxo
aéreo, como na DPOC ou na asma, a pletismografia de
corpo inteiro é o método com maior acurácia. Em uma
versão inicial da Official Statement of the European Res-
piratory Society on Lung Volumes and Forced Ventilatory
Flows recomendou: “A determinação pletismográfica do Figura 5. Medidas da capacidade residual funcional (CRF) com o obtu-
volume de gás torácico é o método de escolha em pa- rador fechado e a resistência da via aérea (Raw) com o obturador aberto
pela pletismografia15
cientes com limitação ao fluxo aéreo e aprisionamento aé-
reo”13, embora a revisão de 2005 dessa diretriz não faça
essa recomendação2. V é o fluxo na boca, e a Pcaixa é a pressão do ple-
tismógrafo.
Resistência e condutância da via Mudanças no V são traçadas contra variações de
aérea pressão no pletismógrafo, que são proporcionais às alte-
A medida da resistência é baseada na lei de Ohm. rações do volume alveolar.
A Raw é a diferença de pressão por unidade de fluxo, Para medir o VGT em associação com a Raw, inicial-
quando o gás flui para dentro ou para fora dos pulmões .5
mente o obturador na boca é fechado e, em ato contínuo
Se a Raw for medida pela pletismografia, a pressão alve- o paciente continua a respirar em panting com o obtura-
olar é estimada após oclusão do obturador, ao nível da dor aberto. Variações na Pcaixa são, então, plotadas contra
boca14. A Raw é a razão entre a diferença da PA e a Pboca a Pboca. Devido ao fato de não existir fluxo de ar dentro
pela variação de fluxo determinada na boca e é medido ou fora dos pulmões, a Pboca se iguala a PA. Uma segunda
em centímetros de água por litro por segundo (cmH2O/L/ tangente é medida a partir dessa curva. A tangente dessa
seg) .
3,5
linha é a PA/Pcaixa. A Raw é calculada pela razão dessas
O volume pulmonar no qual a Raw é medida é duas inclinações3:
determinado durante a manobra do obturador fechado
para calcular a VGT. No entanto, essa manobra pode ser
de difícil realização para alguns indivíduos, sobretudo em
crianças.
A Gaw é o fluxo gerado por unidade de queda de
pressão nas vias aéreas, isto é, o inverso da Raw (1/Raw) Onde: V = fluxo aéreo; PA= pressão alveolar; Pbox
e é medido em litros por segundo por centímetro de água = pressão do pletismógrafo; medida com o obturador
(L/seg/cmH2O). A sGaw é calculada pela razão da Gaw aberto e fechado; cal boca = fator de calibração para
sobre o volume pulmonar, que é o VGT calculada com transdutor da pressão na boca e o cal fluxo = fator de
o obturador fechado3. Então, temos a seguinte equação: calibração para o pneumotacógrafo.
sRaw = Raw x VGT O panting permite a medida da pressão alveolar,
pois essa respiração mantem a glote aberta. A sGwa deve
Técnica ser calculada separadamente para cada manobra da Raw
A Raw é medida pela razão da pressão alveolar porque o volume pulmonar no qual as medidas são feitas
(PA) sobre o fluxo aéreo (V). Para o gás fluir nos pulmões influencia a Raw e a Gaw (Quadro 2).
durante a inspiração, a PA deve cair abaixo da pressão at-
mosférica (pressão na boca). O paciente realiza o panting
na frequência de cerca de 1,5 a 2,5 respirações/s (1,5-2,5
Hz), o que produz uma curva de fluxo-pressão (Figura

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Bessa EJC, Lopes AJ Métodos de medidas dos volumes pulmonares: técnicas

Quadro 2 - Critérios de aceitabilidade para a técnica da medi- maturidade. No entanto, baseado no princípio fisiológico,
da da Raw e sGaw.
sabe-se que a espirometria não é sensível para avaliar
1. A curva fluxo-pressão deve ser fechada; estan- acometimento das pequenas vias aéreas e nem a distri-
do a pressão e fluxo dentro da faixa de calibração dos buição da ventilação. Com isso, há um aumento de inte-
seus transdutores. resse pela TWN2, em particular pela técnica da respiração
2. Estabelecer o equilíbrio térmico durante o re- múltipla, para a avaliação da função das pequenas vias
gistro. aéreas, isto é, distribuição de ventilação16.
3. A frequência do panting deve estar entre 1,5- Nessa revisão, enfocaremos o método do TWN2
2,5 Hz. e as suas técnicas para a obtenção da CRF, já que ele
4. Raw e a sGaw devem ser calculadas para cada mede diretamente a CRF, sendo necessária a medida da
manobra. CV. Para fins didáticos, apenas citaremos os outros parâ-
5. Uma media de três ou mais esforços devem ser metros avaliados pela TWN2, os quais estudam a distribui-
registrados; valores individuais devem estar dentro de ção da ventilação pulmonar com enfoque nas doenças de
10% da média. pequenas vias aéreas.
A heterogeneidade da ventilação alveolar pode
O valor normal da Raw em adultos saudáveis varia ser avaliada por técnicas que utilizam uma concentração
de 0,6 a 2,4 cmH2O/L/s, enquanto a Gaw de 0,42 e 1,67 de um determinado gás exalado durante manobras de
L/s/cm de H2O. A sGaw varia de forma similar a Gaw. É in- respiração única ou múltipla. O TWN2 utiliza o N2 como
teressante notar que a distribuição da Raw em indivíduos gás inerte e pode fornecer conhecimentos sobre os meca-
saudáveis ocorre da seguinte forma: a) nariz, boca e via nismos da distribuição da ventilação anormal e a localiza-
aérea superior = 50%; b) traqueia e brônquio = 50%; e ção da patologia16. A técnica da respiração única mede a
c) pequena via aérea (<2mm de diâmetro) = 20%. Isso mistura do gás durante uma única respiração; já a técnica
mostra que uma obstrução grave ocorrida na pequena da respiração múltipla, mede a eficiência da depuração do
via aérea pode aumentar pouco a Raw e reduzir pouco gás dentro dos pulmões. A escolha da técnica depende
a sGaw. A Raw está elevada em pacientes com enfisema de alguns fatores, como por exemplo, a população estu-
devido ao estreitamento e o colapso da via aérea, espe- dada8.
cialmente nos bronquíolos3. Esta técnica baseia-se na lavagem do N2 dos pul-
Ao se utilizar a pletismografia de corpo inteiro em mões, enquanto o paciente respira 100% de O2. A con-
combinação com a espirometria para avaliar a resposta centração inicial de N2 alveolar e a quantidade de N2 la-
broncodilatadora, pode-se observar que até 20% dos pa- vada podem então ser usadas para calcular o volume do
cientes demonstram uma resposta broncodilatadora po- pulmão no início da lavagem.
sitiva na sRaw e pouca resposta no VEF1. Não se sabe De acordo com a padronização da medição dos
o significado clínico dessa observação. Entretanto, esta volumes pulmonares, nenhum método único para a me-
abordagem pode ser útil no diagnóstico diferencial entre dição de CRF usando o TWN2 tem sido usado, devido as
a disfunção das cordas vocais e a obstrução brônquica variações existentes nos sistemas comerciais disponíveis
central ou mais periférica . 5
e à ausência de estudos comparando acurácia, reproduti-
bilidade e eficiência2.
Técnicas de washout do nitrogênio
(TWN2) Técnica da respiração única
A medida dos volumes pulmonares que permane- O TWN2 pela técnica de respiração única é um
ce nos pulmões após uma manobra de CV pode ser rea- método antigo que mede a distribuição da ventilação,
lizada indiretamente através de duas técnicas de diluição analisando a concentração do N2 durante a expiração da
de gases: a diluição do He e o método do TWN2. Ambos CV realizada com fluxo baixo (400 a 500 ml/s) após uma
requerem que o paciente respire concentrações de gases, única inspiração de O2 a 100%3,8. O teste visa estudar a
normalmente não presentes nos pulmões, tais como o hé- relação entre estrutura e a função pulmonar. O indivíduo
lio (He) e oxigênio (O2) a 100%. Os gases inertes devem expira até o VR e, em seguida, inspira O2 a 100% até a
ser seguros para serem inalados nas concentrações ne- CPT. O O2 a 100% dilui o N2 presente nos pulmões. Em
cessárias; não devem participar das trocas gasosas e nem seguida, sem prender a respiração, expira-se de forma
se dissolver significativamente no sangue ou em outros lenta e uniforme até o VR a um fluxo de 0,3 a 0,5 L/s.
tecidos. As opções incluem gases endógenos como o N2 . 16
A concentração de N2 exalada é medida através de um
A espirometria tem sido a técnica padrão para dispositivo analisador de N2 que se encontra na abertura
avaliar o grau de obstrução das vias aéreas na maioria das vias aéreas, enquanto o volume exalado é medido
das doenças pulmonares crônicas, incluindo fibrose císti- pelo espirômetro. O volume do ar expirado da CPT até
ca (FC), asma e doenças pulmonares relacionadas a pre- o VR é registrado no eixo horizontal de um gráfico e a

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Bessa EJC, Lopes AJ Métodos de medidas dos volumes pulmonares: técnicas

concentração do N2 expirado é registrada no eixo vertical de pequenas vias aéreas) como da complacência local
(Figura 3). Na maioria dos indivíduos, observa-se um au- (enfisema).
mento acentuado na concentração de N2 na última parte 3) Volume de fechamento (VF): É a porção da CV
da CV expirada. Este é o ponto correspondente ao início que é exalada após o início do fechamento das vias aére-
do fechamento das vias aéreas, a fase IV da curva. O as (do início da fase IV até o VR). O VF é relatado como
volume pulmonar no qual a fase IV se inicia é chamada percentagem da CV. O valor da normalidade é <20%,
de volume de fechamento (VF). Durante esta fase, ocor- mostrando que ele ocorre após exalar 80% a 90% da CV.
re oclusão completa das pequenas vias aéreas das bases Valores elevados podem ser vistos em idosos; portadores
pulmonares dependentes da gravidade. A capacidade de de doença obstrutiva incipiente; síndrome restritiva gra-
fechamento (CF), expressa como percentagem da CPT e ve, pois o volume da CRF é menor que o VF; e na insufi-
é a soma do VF e o VR3. A razão CF/CPT tem menos va- ciência cardíaca congestiva.
riações do que a razão CF/CV e ainda inclui o VR, que é Então, a uniformidade da distribuição é avaliada
variável nas doenças obstrutivas e, portanto, a razão CF/ por dois parâmetros: a mudança na percentagem de N2
CPT é uma medida mais confiável. entre a porção de 750-1250 mL e o slope da fase III do
A variação dos valores absolutos da CV pode ocor- traçado expiratório, ambos registrados em percentual3.
rer por: alterações no volume pulmonar que ocorre du- A CV no slope da fase III do TWN2 é influenciado em
rante o fechamento das vias aéreas; variações no volume grande parte pelas diferenças inter-regionais gravitacio-
pulmonar expirado devido ao enchimento ou esvaziamen- nais e não-gravitacionais na distribuição de gases e no
to incompleto dos pulmões e também a dificuldades na fechamento das vias aéreas durante a fase inspiratória7
detecção do início da fase IV. Portanto, a continuidade do (Figura 6).
ar expirado aumenta a concentração de N2, pois vem das
regiões superiores dos pulmões, onde a concentração de
N2 é maior. Normalmente, o fechamento de pequenas vias
aéreas ocorre em volume pulmonar baixo (próximo ao
VR) durante a expiração. O fechamento expiratório preco-
ce das pequenas vias aéreas em volume pulmonar maior
resulta em aprisionamento aéreo.
As fases observadas pela curva do washout de N2
pela técnica da respiração única são as seguintes: fase I:
gás das vias aéreas superiores do espaço morto anatômi-
co, constituído por 100% de O2; fase II: gás do espaço
Figura 6. Fases registradas durante a manobra de respiração única
morto misto no qual as concentrações de O2 e N2 mudam para o cálculo da distribuição do gás. VF = volume de fechamento; CF
abruptamente à medida que o volume do espaço morto = capacidade de fechamento; CPT = capacidade pulmonar total; VR =
volume residual.
anatômico é expirado; fase III: um platô causado pelo
gás alveolar exalado, no qual concentrações de O2 e N2 O volume da fase IV é influenciado pelo fluxo ex-
mudam lenta e uniformemente; e fase IV: um aumento piratório, enquanto o slope da fase III depende do fluxo
abrupto na concentração do N2 que continua até atingir inspiratório. A dificuldade de controlar o fluxo expiratório
o VR. dentro de limites aceitáveis é possivelmente a principal
Os parâmetros da fisiopatologia derivados da causa de imprecisão nas medidas da CV3,16.
TWN2 pela respiração única são :3,8
O volume expirado após o início da fase IV é o VF,
1) Δ%N2 750-1250: É a diferença na concentração que é relatado como a percentagem da CV:
do N2 entre 750 ml e 1250 ml do gás expirado. O volume
expirado inicial de 750 ml contém gás de espaço morto
das fases I e II e não é usado na avaliação da distribui-
ção da ventilação. Em adultos saudáveis o valor normal
é ≤1,5%; em idosos chega até 3%. Valores aumentados CF é relatada como a percentagem da CPT:
podem sem vistos em doenças como asma, DPOC e FC.
2) Slope da fase III: É a alteração na concentração
de N2 entre 25% e 75% do volume expirado. É relatada
como %Δ N2 por litro de volume pulmonar. Em adultos
saudáveis o valor normal varia entre 0,5% a 1,5% N2/L de
volume pulmonar. Valores elevados indicam heterogenei- A CPT pode ser determinada pela técnica da respi-
dade na ventilação e refletem diferenças nas constantes ração única pela integração da área da curva do washout.
de tempo, que dependem da resistência local (doenças Sendo o volume de N2 conhecido, a equação de diluição

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Bessa EJC, Lopes AJ Métodos de medidas dos volumes pulmonares: técnicas

pode ser usada para calcular o VR: devido a melhorias nas técnicas com protocolos simples e
pela maior sensibilidade em algumas doenças comparan-
do-se com a espirometria16.
O teste é bastante atraente, sobretudo para a po-
pulação pediátrica, pois não utiliza esforço máximo duran-
te a respiração e utiliza volume corrente fixo (geralmente
Onde: FEN2 = média da concentração de N2 expi- 1l em adultos), sendo viável em todas as faixas etárias.
rada medida pela integração da área sob a curva, e FAN2 Apesar disso, ainda não tem o seu uso clínico difundido
= concentração de N2 nos pulmões no começo da inspi- e ainda são necessários trabalhos mais consistentes para
ração (Quadro 3). dirimir algumas questões16.
A CRF pode ser medida diretamente com a TWN2
Quadro 3 - Critérios para aceitabilidade do TWN2 com a técnica
pela respiração múltipla em circuito aberto e é baseada
da respiração única.
no washout do N2 dos pulmões quando o paciente res-
1. A CV inspirada e expirada deve estar dentro de pira O2 a 100% por vários minutos. No início do exame,
5% ou 200 mL a concentração do N2 nos pulmões é de cerca de 80%.
2. Durante a técnica da respiração única a CV deve Com a técnica de respirações múltiplas, o N2 dentro dos
estar dentro de 200 mL da CV previamente determinada pulmões é gradualmente lavado e o volume total expirado
3. O fluxo expiratório deve ser mantido entre 0,3 é medido. O teste é mantido até que a concentração de
e 0,5 L/s N2 alveolar seja de aproximadamente 1%.
4. O traçado de N2 deve mostrar oscilações car- Então, CRF é medida através da seguinte equa-
díacas mínimas ção3:

Bourdin et al., em um estudo transversal, mostra-


ram que asmáticos com história de duas ou mais exa-
cerbações por ano tiveram um aumento significativo no
slope da fase III. Não se sabe se representa apenas uma
associação ou se anormalidades em pequenas vias aére-
as podem ser usadas como um preditor de exacerbações Onde: = FEN2final = fração de N2 no volume expira-
subsequentes . O mesmo grupo, usando a análise com-
17 do; N2st = volume de N2 lavado do sangue/tecidos; FAN2al-
putadorizada do TWN2 pela respiração única, demonstrou veolar1
= fração de N2 no gás alveolar (inicial); FAN2alveolar2 =
que o controle inadequado da asma estava correlaciona- fração de N2 no gás alveolar (final).
do com aumentos no VF e com o slope da fase III18. Au- A correção deve ser feita para o N2 lavado do san-
mentos no VF ou na CF, bem como aumentos no slope de gue e tecidos. Assim, para cada minuto de O2 respirado,
fase III se correlacionam com a gravidade do fluxo de ar aproximadamente 30 a 40 mL de N2 são removidos do
em pacientes com DPOC . 19 sangue e tecidos (N2st = 0,04 x T [tempo de teste]). Esse
Os valores de normalidade para o TWN2 foram de- valor é subtraído do volume total de N2 lavado.
terminados para a população adulta brasileira. Nas equa- O VRE medido logo após a obtenção da CRF, como
ções, sexo, altura e idade explicaram 49-78% da variação uma relação da manobra (isto é, sem o paciente sair do
dos valores encontrados, sendo a altura o mais importan- bocal) é utilizado para se obter o VR. Então, VR = CRF –
te determinante da CPT8,20. VRE. A capacidade vital inspiratória somada ao VR resulta
na CPT.
Técnica da respiração múltipla O método atual de medida do TWN2 utiliza o sis-
O teste do washout pela respiração múltipla com tema com um analisador de N2 de resposta rápida, que
gás inerte é uma técnica de função pulmonar que mede é combinado a um espirômetro para fornecer a análise
a heterogeneidade da ventilação. O teste foi descrito pela respiração-a-respiração do N2 expirado. Os três principais
primeira vez há mais de 60 anos por Ward S. Fowler. Em parâmetros avaliados por esta técnica são: a CRF, o índice
seu primeiro trabalho em 1952, ele comparou o clearence de clearence pulmonar (ICP) e as razões de momento
do N2 respiratório entre indivíduos saudáveis e pacien- (RM). A CRF é o volume de ar presente nos pulmões após
tes com doença cardiopulmonar, a fim de avaliar o grau uma expiração espontânea em regiões ventiladas; o ICP
de diluição desigual de gás alveolar. À época, a técnica e a RM são medidas da heterogeneidade da ventilação
foi pouco apreciada até que novos analisadores de gás e global16. A CRF pode ser medida pela técnica da respira-
computadores foram desenvolvidos melhorando a análise ção múltipla, já que as configurações medem as concen-
automatizada da medição de volumes. Nos últimos anos trações de gás e o volume cumulativo necessário para
há um renascimento do TWN2 pela respiração múltipla eliminar o volume de gás do pulmão em repouso. A CRF

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Bessa EJC, Lopes AJ Métodos de medidas dos volumes pulmonares: técnicas

é derivada da razão entre o volume expirado cumulativo fuga aérea, mantendo a boca acoplada adequadamente
(VEC) do gás inerte e a diferença entre as concentrações ao bocal, pois isso poderia superestimar o volume pul-
do gás no final da expiração, medidos no início e no final monar. A fuga pode ocorrer no circuito ou nas válvulas
do washout. Os critérios de aceitabilidade do teste são respiratórias.
mostrados no Quadro 4.

Quadro 4. Critérios para aceitabilidade do TWN2 com a técnica

de múltiplas respirações.

1. O traçado do washout deve indicar uma queda


contínua na concentração do N2 alveolar.
2. O teste deve continuar até que a concentração
do N2 caia para 1,5%.
3. Um indivíduo saudável deve completar a lava-
gem do N2 dentro de 3 a 4 minutos.
4. Múltiplas medidas da CRF podem variar cerca
de 10% entre os valores.
Neste caso, a média de três medidas da CRF, tec-
nicamente aceitáveis, deve ser usada para calcular os vo-
lumes pulmonares.
5. Excluir os valores de CRF que diferem em 0,25%
do valor médio da CRF entre os 3 testes.
6. Testes excluídos não devem ser usados para o
cálculo de outros índices do teste.

Figura 7. Traçados de lavagem de N2 com circuito aberto e respiração


A CRF é medida em todas as respirações do wa-
múltipla (A). Registro por computador de um teste de exalação de
shout e atualizada após cada respiração, até um ponto N2 em um paciente saudável. Os traçados mostram uma diminuição
final definido no tempo. Este ponto deve corresponder contínua na concentração de N2 expirada com respirações sucessivas.
O teste é continuado até a concentração de N2 cair para menos de 1%.
ao limiar do teste final utilizado para os índices de hete- (B) Um gráfico semelhante de um paciente saudável, porém, ocorre
rogeneidade da ventilação (por exemplo, limiar de ICP). um vazamento durante o teste. Os vazamentos são fáceis de detectar
porque o ar ambiente entra no sistema e causa um aumento abrupto na
O volume do N2 exalado deve ser corrigido para o gás do
concentração de N2.
volume do espaço morto (VEM) para cada respiração3,16.
O ICP é uma medida comum derivada do TWN2
com múltiplas respirações e fornece informações comple- Vantagens e aplicabilidade das
mentares em algumas doenças. O ICP mede o grau geral técnicas de washout de nitrogênio
de heterogeneidade da ventilação pulmonar. Outros parâ- Recentemente, a TWN2 pela respiração múltipla
metros derivados do TWN2 com múltiplas respirações des- tem sido de interesse devido a melhorias nas técnicas,
crevem mais a ventilação regional das vias aéreas e per- pelos protocolos fáceis e por ser sensível para algumas
mitem informações específicas sobre a heterogeneidade doenças comparando com os testes padrão de função pul-
da ventilação condutiva ou acinar16. O ICP é uma relação monar16. A técnica é sensível para detectar precocemente
do VEC (incluindo todas as frações de gás) sobre a CRF: comprometimento das pequenas vias aéreas periféricas
e também fornece informações que atualmente não po-
dem ser obtidas por outros testes de função pulmonar
ou imagens de tórax16. Nenhum dos métodos utilizados
O aumento da heterogeneidade da ventilação re- para detecção do acometimento de pequenas vias pode
sultaria, portanto, em mais respirações de volume corren- ser considerado como padrão ouro. O uso combinado de
te (maior volume expiratório cumulativo líquido) neces- múltiplas técnicas é necessário para avaliar a função das
sárias para eliminar o gás inerte e aumentar o ICP. Este pequenas vias aéreas15. Há evidências crescentes de que
é definido como o número de turnovers no nível da CRF o ICP é útil para avaliar a extensão e a progressão da do-
requeridos para reduzir a concentração do gás traçador ença pulmonar, bem como a resposta ao tratamento em
a uma dada fração de sua concentração inicial, que em pacientes com FC16.
geral é 1/40 (ou 2,5%). Nesta medida, o VEC é a soma Scichilone et al. sugerem que a formulação extra-
de todos os volumes correntes expirados durante a téc- -fina inalada com beclometasona/formoterol pode levar
nica do washout (Figura 7). Deve-se ter o cuidado com a à melhora das anormalidades das pequenas vias aéreas,

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Bessa EJC, Lopes AJ Métodos de medidas dos volumes pulmonares: técnicas

conforme expresso pela CVF ou pela melhora do volume ratória (mecânica pulmonar) e o escore de enfisema me-
de fechamento . 21
dido pela tomografia computadorizada de alta resolução
O slope da fase III pela técnica da respiração úni- (TCAR)25. Em um estudo com 31 pacientes com DPOC,
ca tem sido usada para estudar as pequenas vias aéreas Lopes et al mostraram correlações significativas entre a
em várias situações, tais como: pacientes com controle distância da caminhada em 6 minutos (DC6M) e o slope
inadequado da asma; uso de diferentes formulações de da fase III26. Farah et al. utilizando a técnica da respiração
esteroides inalados na asma; em fumantes com DPOC, múltipla, observaram que a heterogeneidade da ventila-
em enfisema com deficiência de alfa1-antitripsina e para ção prediz respostas sintomáticas à titulação da dose de
predizer a síndrome de bronquiolite obliterante em pa- ICS27.
cientes transplantados pulmonares . 22

Além da contribuição gravitacional, que pode ser Conclusões


de até 22% em um homem saudável, o slope da fase III Várias técnicas têm sido utilizadas para a medida
pode ser sensível para avaliar as vias aéreas em geral, dos volumes pulmonares estáticos, destacando-se a ple-
incluindo as pequenas vias aéreas; mas não significa es- tismografia de corpo inteiro que é a técnica padrão-ouro.
pecífico para a via aérea. A ausência alteração de no slope No entanto, ainda são bastante utilizadas as técnicas uti-
da fase III em uma determinada doença pulmonar pode lizando-se de gases. Dentre elas, destaca-se a TWN2 que,
ser um bom indicador de que não há comprometimento com a evolução do seu aparato técnico, tem sido cada vez
das pequenas vias aéreas. Por outro lado, alterações do mais utilizada em todo o mundo.
slope da fase III pode ocorrer em uma doença pulmonar
sem qualquer envolvimento das pequenas vias aéreas22.
Nyilas et al, em um estudo para avaliar os resulta-
dos do TWN2 pela respiração múltipla em pacientes com
fibrose pulmonar idiopática (FPI) demonstrou proprieda-
des clínicas favoráveis de ICP como biomarcador viável,
sensível e reprodutível. Os índices de heterogeneidade da
ventilação não se correlacionaram com a CVF, mas foram
associados a doenças estruturais das vias aéreas, o que
sugere que são medidas válidas na FPI. Além disso, a FPI
é uma doença pulmonar parenquimatosa caracterizada
por bronquiectasia de tração devido à fibrose do tecido
pulmonar circundante. Este foi o primeiro estudo mos-
trando que bronquiectasias, não relacionadas à discinesia
ciliar primária ou a outras doenças pulmonares crônicas,
estão associadas ao aumento da heterogeneidade da
ventilação medida pelo TWN2 pela respiração múltipla23.
A CVF é confiável, mas em virtude do mau prog-
nóstico dos pacientes com FPI, há uma clara necessidade
de marcadores sensíveis e reprodutíveis de anormalida-
des parenquimatosas para o diagnóstico precoce e ava-
liação de seguimento. O TWN2 pela respiração múltipla
representa uma nova e promissora medida de resultados
fisiológicos para esses pacientes. O ICP e a variável de
inomogeneidade da ventilação acinar (Sacin) são biomarca-
dores potencialmente sensíveis da gravidade da doença23.
É inviável utilizar como rotina as micro-tomogra-
fias para estudar o número e a patência de bronquíolos
terminais em fumantes ou em indivíduos com envelheci-
mento normal. No entanto, a combinação de novas análi-
ses de imagens de TC e testes não invasivos de heteroge-
neidade da ventilação pode constribuir promissoramente
na detecção precoce e monitorar a potencial perda de
vias aéreas patentes em fumantes24.
Mikamo et al. mostraram correlações significativas
entre o slope da fase III, as medidas da impedância respi-

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Bessa EJC, Lopes AJ Métodos de medidas dos volumes pulmonares: técnicas

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Pulmão RJ 2018;27(1):21-32 31
32 Pulmão RJ 2018;27(1):21-32
Azevedo KRS, Santos MIV Medidas dos volumes pulmonares e estratégias de interpretação

Artigo

Medidas dos volumes pulmonares e estratégias de interpretação


Measurement of lung volumes and interpretative strategies

Karen Rosas Sodré Azevedo1, Maria Izabel Veiga dos Santos2

Resumo

A medida dos volumes pulmonares estáticos traz informações adicionais importantes na análise funcional de
alguns pacientes. Em geral ela é feita de forma complementar após a espirometria, em casos selecionados. Iremos
abordar os determinantes dos volumes estáticos, a saber: capacidade residual funcional, volume residual e capaci-
dade pulmonar total, e as estratégias de interpretação das suas alterações nas diferentes patologias.

Descritores: volumes pulmonares, testes de função pulmonar, restrição, aprisionamento aéreo, hiperinsufla-
ção pulmonar.

Abstract

Measurement of static lung volumes brings important additional information on functional analysis in some
patients. In general, it is complement after the spirometry in selected cases. We will discuss the determinants of
static volumes, namely: residual function capacity, residual volume and total lung capacity, and the strategies of
interpretation of your changes in the different pathologies.

Keywords: lung volumes, pulmonary function tests, restriction, air trapping, pulmonary hyperinflation.

1. Doutora em Clínica Medica pela UFRJ. Pneumologista do Laboratório de Fisiopatologia do Instituto de Doenças do Tórax da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (IDT/UFRJ), Brasil.
2. Pneumologista do Laboratório de Fisiopatologia do Instituto de Doenças do Tórax da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IDT/UFRJ), Brasil.
Endereço para correspondência: Praia do Flamengo, 350, apto. 103, Flamengo, 22210-030, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Email: [email protected]

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Azevedo KRS, Santos MIV Medidas dos volumes pulmonares e estratégias de interpretação

Considerações gerais: do (VEF1) e da CVF na espirometria, para confirmação de


definições e indicações distúrbio restritivo pela redução da CPT, e na presença
Os volumes pulmonares são classificados como de obstrução com redução de CVF, para confirmação de
dinâmicos, quando mensurados a partir da espirometria, um distúrbio misto ou definição do distúrbio como obs-
quais sejam capacidade vital forçada (CVF) e capacida- trutivo puro. A medida dos VE também pode ser usada
de vital (CV) e, ainda, como estáticos, incluindo volume para avaliação de doença de pequenas vias aéreas (DPV),
residual (VR), capacidade residual funcional (CRF) e ca- observada com frequência no enfisema pulmonar e asma
pacidade pulmonar total (CPT). Estes últimos serão os brônquica. A elevação da relação VR/CPT, tem se mostra-
volumes abordados nesse capítulo. do um bom marcador de DPV, e caracteriza o que chama-
A CRF é volume de gás que permanece no pulmão mos de aprisionamento aéreo (AA)2. Ocasionalmente, em
após uma expiração basal, ao nível do volume corrente casos de doenças obstrutivas a espirometria se apresenta
(VC). O VR é o gás que permanece no pulmão após uma com redução harmônica do VEF1 e da CVF. Nesses casos
expiração completa. A CPT é o volume pulmonar total um valor normal de CPT com elevação da relação VR/
após uma inspiração completa e é composto da soma do CPT, vai definir o distúrbio como obstrutivo puro. Em geral
VR e da CV. A CRF é composta da soma do volume total com o tratamento e melhora clínica a espirometria passa
expirado a partir do final da expiração ao nível do VC a assumir o padrão de obstrução pura3.
(VRE) e do VR. A capacidade inspiratória é o volume total Na avaliação da resposta broncodilatadora (RBD),
inspirado a partir do final da expiração ao nível do VC quando esta é positiva, se observa redução do VR e da
(CI) .
1 relação VR/CPT, apesar de não existir critérios definidos
Todos esses volumes pulmonares podem ser mais de positividade para VR. A RBD pode ser negativa na es-
bem visualizados na Figura 1. pirometria, no VEF1 e/ou nos volumes (CV e CVF), com re-
dução ou até mesmo normalização do VR, quando a obs-
trução for predominantemente em pequenas vias aéreas.
Alguns autores sugerem uma redução do VR e aumento
na CI de 10 a 20% no percentual do previsto (%T) como
critérios de positividade, sendo o aumento da CI tam-
bém um marcador de diminuição do AA. O’Donnell et al.
estudaram 84 pacientes com enfisema avançado e com
resposta negativa ao VEF1, e observaram que 83% desses
pacientes tiverem resposta em 1 ou mais volumes. Con-
sideraram resposta positiva uma queda na CRF e no VR
e um aumento na CV e na CI igual ou maior a 10%, em
ambas as situações a variação em relação ao percentual
do previsto4. Nesse estudo, encontraram uma queda mé-
dia do VR de 510ml (23±4%T) nos pacientes mais graves
(VEF1<30%T) e de 270ml (14±2%T) nos pacientes com
30%T≤VEF1≤50%T. Newton et al. estudando pacientes
obstrutivos e com CPT superior a >115%T, determinaram
uma alteração significativa após o BD quando superior a
200 ml e 10%T em CI e de 20%T em VR. Observou-se
Figura 1. Volumes pulmonares e suas capacidades nos pacientes com CPT superior a 133%T, que a RBD
isolada em CI e VR (negativa em VEF1) aumentou o per-
A medida dos volumes pulmonares estáticos (VE) centual de resposta ao BD em 43%5. Trofimenko e Cher-
não é realizada rotineiramente nos laboratórios de função nyak estudaram a reversibilidade em pacientes com DPOC
pulmonar. Ela está indicada como complementação na e asma, e demostraram que a queda média do VR foi
elucidação dos distúrbios ventilatórios detectados na es- superior no grupo dos asmáticos, assim com o valor de
pirometria, quando inconclusivos, em alguns casos, como VR/CPT pós BD significativamente menor nesse grupo. O
avaliação de resposta broncodilatadora e ajuda diagnós- valor de VR basal era semelhante nos dois grupos6. O AA
tica. Pode ser usada também no acompanhamento em ocorre também em asmáticos sob controle, porém com
algumas patologias pulmonares, e em algumas situações obstrução persistente7. Sorkness et al. (2008) demonstra-
específicas como critérios de indicação de tratamento in- ram a importância do AA em pacientes com asma grave8.
vasivo. Desta forma, se sabe hoje, que a análise isolada do VEF1
Na primeira indicação, nos casos de redução har- na asma com obstrução persistente e na asma grave não
mônica do volume expiratório forçado no primeiro segun- é mais adequada.

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Azevedo KRS, Santos MIV Medidas dos volumes pulmonares e estratégias de interpretação

Para a elucidação diagnóstica, a medida dos vo- parâmetros é necessário um valor confiável de CV e dos
lumes estáticos pode ser útil quando se suspeita de asma seus sub-volumes (VRE e CI).
brônquica e a espirometria se encontra normal ou de- Existem duas maneiras de se calcular os valores
monstra obstrução com RBD negativa. Nesses casos, essa de VR e CPT a partir de valores medidos de CRF e CV. O
medida pode caracterizar a presença de aprisionamen- método mais indicado é a medida do VRE imediatamente
to aéreo, com RBD positiva ou até mesmo normalização após a medida da CRF seguida de uma CV inspiratória (CV
do VR e da relação VR/CPT. Nessa situação, a medida iniciada pela expiração forçada seguida de uma inspiração
dos volumes estáticos pode ser bastante esclarecedora, forçada). A partir daí calcula-se o VR pela diminuição da
principalmente quando associada a medida de resistên- CRF menos o VRE (valor médio a partir de 2 medidas
cia de vias aéreas (RVA) pré e pós broncodilatador . Um 9
reprodutíveis de CV). O valor da CPT será a soma do VR
dos determinantes da CPT é a complacência pulmonar, com o maior valor de capacidade vital inspiratória (CVI).
que quando aumentada eleva o valor da CPT, alteração A segunda maneira é a realização da CI após a medida da
típica do enfisema pulmonar. Eventualmente na asma gra- CRF, que somada a CRF será o valor da CPT. O valor da
ve, principalmente quando descompensada, pode ocorrer CPT será a média das 2 maiores somas de CRF e CI (vin-
também aumento da complacência pulmonar10. A medida culadas às duas manobras reprodutíveis de CV). O cálculo
da capacidade de difusão pode ajudar em caso de diag- do VR será o resultado da CPT menos a maior medida de
nóstico diferencial, sendo reduzida no enfisema e normal CV. Esse método pode ser necessário em pacientes com
ou aumentada na asma. obstrução ou dispneia grave, que não consigam realizar a
A análise dos VE também é importante na indica- manobra de VRE imediatamente após a medida da CRF.
ção de tratamentos invasivos do enfisema, como na cirur- Nesse caso a CI e a CV podem ser realizadas após a me-
gia redutora de volume pulmonar e na colocação de vál- dida da CRF, podendo a peça bucal ser retirada entre as
vulas endobrônquicas via endoscópica (CPT >100% e VR manobras. As manobras de CV nesse caso podem ser ini-
>175%T, medidos por pletismografia de corpo inteiro)11. ciadas pela expiração (capacidade vital inspiratória: CVI)
Critérios para classificação da gravidade do distúr- ou pela inspiração (capacidade vital expiratória: CVE),
bio restritivo ou da hiperinsuflação e do aprisionamen- utilizando-se o maior valor de CV obtido. Não existem
to aéreo pelos volumes, não foram definidos pelo último pontos de corte estabelecidos para definir valores repro-
consenso conjunto da Americam Thoracic Society (ATS) e dutíveis de VRE ou de CI1.
European Respiratory Society (ERS) de 2005. Ele sugere Voltamos a salientar que é necessário manobras
a estratificação dos distúrbios, sejam restritivos, obstru- corretas de CV e valores reprodutíveis de VRE ou de CI
tivos ou mistos, pelo valor de VEF1 em %T, entendendo para o cálculo da CPT e do VR. Em pacientes com obstru-
ser esse parâmetro de fácil acesso e excelente reprodu- ção significativa as manobras começando pela expiração
tibilidade. Sugerimos, no entanto, que utilizemos o valor (CVI) parecem fornecer valor superior de VRE, enquan-
da CPT para classificar o grau de restrição, assim como a to as manobras iniciadas pela inspiração (CVE) parecem
relação VR/CPT para grau de aprisionamento aéreo, con- gerar um maior valor de VR, justificando a preferência
forme a Tabela 1. a manobra de CV iniciada pela expiração (metodologia
mais indicada). A escolha do equipamento deve incluir a
Tabela 1. Critérios de classificação de restrição e de aprisionamento
aéreo (AA) possibilidade de configurar as medidas conforme as reco-
mendações acima.

Determinantes dos volumes


pulmonares estáticos
A dinâmica da respiração depende do jogo de for-
ças entre os músculos inspiratórios e a força de retração
elástica (RE), sendo a força do primeiro responsável pela
expansão do tórax e a força de RE pelo encolhimento e
consequente esvaziamento pulmonar11.
*Ou capacidade vital na presença de doença torácica restritiva
1. Capacidade pulmonar total
Derivações A CPT depende da força dos músculos inspirató-
Independente da técnica utilizada para a medida rios, da complacência pulmonar e da complacência da
dos volumes estáticos, o que se mede diretamente é o caixa torácica. Existem situações em que o responsável
valor da CRF, sendo necessária a medida da CV, para o pela restrição (redução da CPT) será a dificuldade de ex-
cálculo dos demais volumes, a saber: VR e CPT. Portanto, pansão do parênquima pulmonar (fibrose ou encarcera-
é importante salientar que para um cálculo correto desses mento pulmonar), e em outras em que a dificuldade de

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Azevedo KRS, Santos MIV Medidas dos volumes pulmonares e estratégias de interpretação

expansão será decorrente da redução da complacência vias aéreas12.


da caixa torácica, sendo a cifoescoliose e a obesidade as Nas últimas décadas tem-se demostrado o impor-
principias causas. Na primeira, a dificuldade de expansão tante papel das vias aéreas distais na fisiopatologia da
decorre da rigidez da caixa torácica associada a assime- DPOC, e que a hiperinsuflação pode ocorrer mesma nas
tria e o deslocamento do diafragma, que levam a menor fases iniciais da doença14,15,16. Da mesma forma, na asma
eficiência da musculatura torácica. Na obesidade ocorre brônquica comprometimento das pequenas vias aéreas, e
redução da expansão torácica pela deposição de tecido consequente AA, pode ter um importante papel nas exa-
adiposo subcutâneo em tórax, deslocamento do diafrag- cerbações e na asma de difícil controle8,14.
ma gerando menor força e diminuição da complacência Em algumas doenças, como miastenia e distrofia
pulmonar pelo aumento do volume sanguíneo. Somen- muscular, há comprometimento tanto dos músculos ins-
te na obesidade mórbida (índice de massa corpórea > piratórios como dos expiratórios, ocorrendo redução da
40kg/m) pode se encontrar restrição, numa obesidade de CPT e aumento do VR. Lembrar que mesmo na fraqueza
menor intensidade as alterações funcionais se restringem isolada dos músculos inspiratórios ou expiratórios ocorre
a redução no VRE e elevação da capacidade de difusão. redução da CV, por redução respectivamente da CI ou
A redução da CPT poderá decorrer também de perda do do VRE. Na suspeita de fraqueza muscular as medidas
parênquima pulmonar, como nas lesões residuais, ou da das pressões inspiratória e expiratória máximas devem
diminuição da força dos músculos inspiratórios, dentro do ser realizadas, sendo esses parâmetros funcionais mais
contexto das doenças neuromusculares ou por disfunção sensíveis que a espirometria17.
diafragmática como pode ocorrer no lúpus eritematoso
sistêmico. Na disfunção diafragmática bilateral ocorre 3. Relação VR/CPT
classicamente uma redução de mais de 50% da CV quan- A relação VR/CPT pode estar elevada pelo aumen-
do o paciente assume o decúbito dorsal. A não expansão to do VR ou pela redução da CPT com menor redução
plena dos pulmões, nas situações de restrição extrapul- do VR, de forma que o aumento no valor desta relação
monar, gera áreas de microatelectasias, que resultam em traz um sentido mais sindrômico do que diagnóstico. Ela
diminuição da complacência pulmonar12. se encontra elevada mais comumente nas situações de
Desta forma, a redução da CPT caracteriza um dificuldade de esvaziamento por comprometimento das
diagnóstico sindrômico de restrição pulmonar, sem defi- pequenas vias aéreas (enfisema, asma), mas também
nição etiológica, e deverá ser analisada a partir de da- em outras situações não tão comuns (fibrose pulmonar
dos clínicos e radiológicos. Frequentemente em situações idiopática, cifoescoliose). Em situações em que ocorre
restritivas o valor da CPT pode se encontrar dentro dos diminuição da expansão torácica (cifoescoliose e obesi-
limites da normalidade, porém com valor de CV e/ou CVF dade) ocorre concomitantemente diminuição na força de
já reduzido . A explicação para tal fato parece decorrer
13
retração elástica, na medida em que a força máxima de
de uma redução proporcionalmente menor do VR, preser- retração ocorre quando o pulmão se expande de forma
vando o valor da CPT. Salientamos também que o valor plena. Dessa forma, a diminuição da força de RE, secun-
da CPT pode se apresentar dentro da faixa da normali- dária a não expansão pulmonar plena, pode contribuir
dade em situações em que se espera restrição, como no para a dificuldade de esvaziamento12.
caso de ressecção pulmonar em pacientes jovens quando Como se vê, a relação VR/CPT não deve ser ana-
há adequada compensação, ou quando há associação de lisada como uma relação puramente matemática, porque
doenças, como por exemplo, doença intersticial e doença depende de toda a dinâmica respiratória que é bastante
pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) . 3
complexa. Salientamos que o VR e a relação VR /CPT
são parâmetros mais sensíveis e se correlacionam melhor
2. Volume residual com o grau de obstrução do que a CPT e que nos pro-
Na medida em que ocorra a redução de CPT ocor- cessos obstrutivos a relação VR/CPT é mais sensível para
rerá também a redução de todos os outros volumes, como caracterizar o AA, já que pode ocorrer também nesses
a CRF e o VR, apesar da queda não ser necessariamente casos um aumento da CPT. A redução da CVF ou uma
linear, como comentado acima. Já o aumento do VR pode diferença significativa entre CVF e CV podem ser dados
decorrer de doenças ou situações que comprometam a sugestivos de AA, porém menos sensíveis. Segue a Figura
função dos músculos expiratórios (lesão raquimedular 2 para ilustrar os conceitos acima descritos.
com paresia ou paraplegia) ou por dificuldade de esva- É importante fazer alguns comentários conceituais
ziamento por lesão ou colapso das vias aéreas, sobretudo sobre o termo hiperisuflação pulmonar. Ao longo dos anos
das pequenas vias. Neste caso, se situa as doenças obs- ela foi definida de diferentes formas: aumento da CRF18,
trutivas crônicas, como a DPOC, a asma e as bronquiec- aumento dos volumes estáticos CPT, CRF e VR12, aumento
tasias, quando extensas, caracterizando o aprisionamento da CRF ou do volume pulmonar expiratório final (VPEF)19.
aéreo, por comprometimento estrutural ou dinâmico das Gibson observa que a hiperinsuflação inferida pela radio-

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Azevedo KRS, Santos MIV Medidas dos volumes pulmonares e estratégias de interpretação

relação VR/CPT. As 2 situações, apesar


de serem decorrentes de mecanismos
diferentes, frequentemente coexistem.
Estudos com TC de tórax, utili-
zando técnicas especiais, tem ajudado
muito na compreensão do envolvimen-
to das pequenas vias aéreas nas doen-
ças pulmonares, inclusive em fumantes
sem obstrução demonstrada pela espi-
rometria21,22. Lembrar que somente a
Figura 2. Distúrbios funcionais considerando as variações no volume residual (em azul) e na técnica de medida de volumes pulmo-
capacidade pulmonar total. Faixa amarela representando a capacidade vital.
nares por washout de nitrogênio é ca-
paz de detectar precocemente a disfun-
grafia de tórax implica no aumento da CPT18. O consenso
ção em pequenas vias aéreas22.
de 2005, utiliza o termo hiperinsuflação, mas não define
O diagnóstico de DPV também é importante nos
qual o volume estático melhor a define. A hiperinsuflação
casos de acompanhamento após transplante de medula
no DPOC, decorrente do não esvaziamento pulmonar, é
óssea, onde o diagnóstico precoce de bronquiolite obli-
resultante do aumento da resistência de vias aéreas, da
terante é fundamental na resposta ao seu tratamento.
alteração na complacência pulmonar ou de ambos. Smi-
Nesses casos a medida de VR e VR/CPT pode ser bastante
th et al. (2014) avaliaram como as alterações do calibre
útil, como recomendado no consenso de diagnóstico de
das vias aéreas e as alterações enfisematosas, vistas pela
doença enxerto-hospedeiro no TMO de 201523.
tomografia computadorizada (TC), contribuía especifica-
A relação CI/CPT tem se mostrado um bom parâ-
mente para as alterações nos volumes pulmonares. De-
metro para prognóstico e tolerância de esforços em pa-
finiram a presença de AA como a elevação do VR ou da
cientes com DPOC, pelo aumento da CPT e redução da CI
relação VR/CPT acima do limite superior da normalidade
pelo aprisionamento aéreo. O valor da CI/CPT se mostrou
(LSN), e a hiperexpansão como aumento da CRF ou da
um preditor independente de mortalidade no DPOC num
CPT acima do LSN ou redução da relação CI/CPT abaixo
trabalho clássico24. A acentuação do aprisionamento aé-
do limite inferior. De 72 pacientes com DPOC, 15% ti-
reo durante o exercício caracteriza a hiperinsuflação di-
nham AA isolado, 18% tinham hiperexpansão isolada e
nâmica (HD). Nela se observa a queda progressiva da CI
22% tinham ambas as alterações. Pacientes com AA iso-
e da relação CI/CPT, chegando o volume expiratório final
lado tinham menor diâmetro das pequenas vias aéreas,
próximo a CPT, onde o sistema respiratório é naturalmen-
mais dispneia, e maior prevalência de bronquite crônica
te rígido e os músculos inspiratórios não conseguem gerar
quando comparado com o grupo controle. Os com crité-
uma contração eficaz. O AA e a HD se correlacionam me-
rios positivos para hiperexpansão isolada tinham menor
lhor com a dispneia e o status clínico do que o VEF1 nos
índice de massa corpórea, menor DLCO/VA%T, maior per-
pacientes com doenças obstrutivas crônicas25,26. Segue
centagem de enfisema e concentrações de hemoglobina
um organograma (Figura 3) para ajudar no entendimento
mais elevada. Aqueles em que ambos os padrões foram
dos processos envolvidos na HD.
encontrados tinham DPOC de maior gravidade, menor
diâmetro as VA e maior
percentual de enfisema.
Portanto diferentes pa-
drões de alteração dos
volumes pulmonares
se correlacionam com
diferentes fenótipos de
DPOC20. Sugerimos que
usemos o termo hiperin-
suflação pulmonar (ou
hiperexpansão), para
situações em que o au- Figura 3. Mecanismos envolvidos na gênese da hiperinsuflação dinâmica

mento da complacência
pulmonar leva a um au-
mento do volume pulmonar total, demonstrado pela CPT,
O AA, assim com a HD, ocorre também em asmá-
e o termo aprisionamento aéreo pelo aumento do VR e da
ticos, não só na asma grave, mas também nos casos de

Pulmão RJ 2018;27(1):33-38 37
Azevedo KRS, Santos MIV Medidas dos volumes pulmonares e estratégias de interpretação

pacientes com obstrução persistente. Outros mecanismos como teóricos publicados de diferentes origens, mas não
adicionais contribuem para a HD. A expiração muito lenta recomenda nenhum teórico específico para os volumes
ativa os centros respiratórios a deflagrar nova inspiração pulmonares. A ATS num documento recente (2017), com
antes do ponto de equilíbrio entre as forças do sistema recomendações para padronização dos laudos dos testes
(CRF), assim como o aumento da RVA ativa a musculatura de função pulmonar, afirma que uma grande compilação
inspiratória durante a expiração . 7,8
internacional de dados está em andamento para a formu-
Aumento de CPT e de VR com VR/CPT normal lação de um novo teórico, visto haver uma grande diver-
pode acontecer em pessoas normais e na acromegalia . 12
gência entre os valores de referência disponíveis29.

Valores teóricos
O consenso da ATS/ERS de 20053 cita os teóricos
mais usados nos Estados Unidos e na Europa27,28, assim

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38 Pulmão RJ 2018;27(1):33-38
Santos MIV, Azevedo KRS Medida da capacidade de difusão: técnicas

Artigo

Medida da capacidade de difusão: técnicas


Measurement of diffusing capacity: techniques

Maria Izabel Veiga dos Santos1, Karen Rosas Sodré Azevedo2

Resumo

A medida da capacidade de difusão traz informações adicionais importantes na avaliação de trocas gasosas
em diversas doenças pulmonares. Neste capitulo iremos descrever a técnica de respiração única (DLCOsb), com
ênfase na mais moderna, que utiliza analisadores rápidos (RGA), presente nos modelos mais novos de equipamen-
tos de função pulmonar.

Descritores: capacidade de difusão, testes de função pulmonar, analisadores rápidos de gases.

Abstract

The measurement of diffusing capacity brings important additional information in the evaluation of gas
exchange in several pulmonary diseases. In this chapter we will describe the single breath technique (DLCOsb),
with an emphasis on the most modern, which uses fast analyzers (RGA), present in newer models of pulmonary
function equipment.

Keywords: diffusion capacity, pulmonary function tests, rapid gases analysers

1. Pneumologista do Laboratório de Fisiopatologia do Instituto de Doenças do Tórax da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IDT/UFRJ), Brasil.
2. Doutora em Clínica Medica pela UFRJ. Pneumologista do Laboratório de Fisiopatologia do Instituto de Doenças do Tórax da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (IDT/UFRJ), Brasil.
Endereço para correspondência: Rua Marquês de Olinda 64, apto. 304, bloco A, Botafogo, 22251-40, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Email: [email protected]

Pulmão RJ 2018;27(1):39-44 39
Santos MIV, Azevedo KRS Medida da capacidade de difusão: técnicas

2. Unidades da medida (DLCO em valor


Considerações gerais
absoluto)
A medida da capacidade de difusão pulmonar
Na Europa: mmol.min-1.kPa-1 e nos EUA: mL.min-1.
foi inicialmente descrita por Marie Krogh em 1914, para
mmHg . O fator de correção entre a medida europeia e a
-1
explicar as trocas gasosas entre os alvéolos e o leito capi-
americana é a multiplicação da 1ª por 2.987.
lar pulmonar1. Forster e colaboradores descreveram uma
modificação na técnica de Krogh e usaram o hélio como
3. Determinantes das trocas gasosas
gás traçador na mistura do gás2. Desde então, várias mo-
A capacidade do pulmão para fazer as trocas ga-
dificações na técnica foram desenvolvidas.
sosas através da interface alvéolo-capilar é determinada
A difusão é uma medida de transferência de um
pelas propriedades estruturais e funcionais:
gás de uma área de alta pressão parcial para uma área
• Propriedades estruturais: volume do gás, ex-
de baixa pressão até atingir o equilíbrio. O gás utilizado
tensão da superfície de troca, espessura da membrana
para esta medida é o monóxido de carbono (CO), um
alvéolo-capitar e volume de hemoglobina (Hb).
gás que tem grande afinidade pela hemoglobina e que
• Propriedades funcionais: uniformidade da ven-
praticamente inexiste no sangue. Mede-se a transferência
tilação/perfusão, composição do gás alveolar, caracterís-
do CO do gás inspirado para o capilar pulmonar, usando
ticas de difusão da membrana, propriedade de ligação
um gás traçador inerte não difusível para determinar o
da Hb no capilar alveolar e tensão de CO e O2 no capilar
volume alveolar (VA) e a concentração alveolar do CO. Os
alveolar.
equipamentos mais antigos, que usam a técnica clássica
de medida da capacidade de difusão pulmonar (DLCO)
4. Etapas do processo de transferência
ainda são amplamente usados, principalmente no nosso
do CO para o capilar pulmonar
meio e provavelmente ainda estarão em uso por um longo
Durante o teste para a medida da DLCO, várias
período. Os analisadores de CO nestes equipamentos têm
etapas se seguem, como mostrado a seguir:
algumas limitações que serão descritas na técnica. Esses
• Liberação do CO para as vias aéreas e espaço
equipamentos usam o hélio como gás traçador. Os equi-
alveolar;
pamentos mais modernos usam analisadores de gases de
• Mistura e difusão do CO nos ductos alveolares,
resposta rápida (rapidly responding gas analyser - RGA),
sacos alveolares e alvéolos;
onde a análise é contínua em toda a amostra exalada,
• Transferência do CO da forma gasosa para liqui-
que chamaremos de técnica RGA e usam o metano como
da na interface da membrana alveolar;
gás traçador. Este método nos fornece medidas mais con-
• Difusão através da membrana das hemácias
fiáveis da DLCO. Na Europa, o termo mais usado é fator
para o seu interior;
de transferência (TLCO) e nos Estados Unidos (EUA) ca-
• Reação química com a hemoglobina.
pacidade de difusão pulmonar (DLCO).
O processo de difusão pode ser simplificado em
Um novo consenso da European Respiratory So-
2 propriedades de transferência ou condutância: condu-
ciety (ERS) e da American Thoracic Society (ATS) foi pu-
tividade da membrana (Dm) e ligação do CO com a Hb
blicado em 2017, com dois objetivos: 1) padronização da
(determinado pelo produto da reação química COHb (ϴ),
técnica pelos sistemas RGA, comparando com a técnica
e o volume sanguíneo capilar alveolar (Vc)).
clássica; e 2) prover novos cálculos para incorporar uma
Desta forma: 1/DLCO = 1/Dm X 1/ϴVc
análise contínua da amostra3. Em 2005, já havia sido pu-
blicado um consenso da ERS/ATS sobre a técnica clássica,
5. Analisador de gás
cujas recomendações permanecem válidas4. Falaremos
Para a técnica clássica da DLCO, somente a rela-
somente da técnica da difusão da respiração única (DL-
ção do CO inalado para o alvéolo e a concentração do gás
COsb), por ser a técnica mais usado em todo mundo.
traçador são necessários, sendo esta uma medida está-
tica. Nos sistemas novos com analisadores de resposta
Medotologia
rápida (RGA), existe um pequeno atraso de tempo decor-
1. Determinação da DLCO
rente da passagem do gás através dos tubos até o anali-
O volume de CO no espaço alveolar é o produto do
sador, e o tempo de resposta deste. Por isto, o tempo de
volume alveolar (VA) e a fração alveolar de CO (FACO).
resposta do analisador irá determinar a acurácia da medi-
Com um volume constante, a transferência de CO do pul-
da (análise verdadeira). É sempre muito importante ana-
mão para o sangue é: VA x ΔFACO / ΔT. Na ausência de
lisar as especificações de linearidade do analisador dos
CO no sangue, a transferência de CO é igual ao produto
equipamentos disponíveis. O volume de espaço morto do
da pressão alveolar de CO (PACO) e da DLCO.
equipamento deve também ser conhecido. Em adultos, o
espaço morto até o ponto de análise da amostra (todo o
circuito), somado ao do filtro e peça bucal deve ser menor

40 Pulmão RJ 2018;27(1):39-44
Santos MIV, Azevedo KRS Medida da capacidade de difusão: técnicas

que 200 ml. é uma das grandes vantagens da técnica RGA, que usan-
do um volume real de espaço morto gera valores mais
6. Etapas do teste: confiáveis de DLCO, ao contrário da técnica clássica que
• Condição do paciente: fatores que afetam o Vc utiliza um volume de EM fixo pré-determinado.
(exercício, posição do corpo, afinidade da hemoglobina Em relação ao VA, na técnica clássica, o volume de
pelo CO e nível de carboxihemoglobina) devem ser pa- gás coletado deve ser de 500 a 1000 ml. Por este motivo,
dronizados. Os pacientes que usam oxigênio suplementar o teste só pode ser realizado em pacientes com CV lenta
devem suspendê-lo 10 minutos antes do exame. O taba- maior que 1,3 L, limitando o seu uso nos pacientes com
gismo deve ser suspenso no dia do exame, por causa da restrição acentuada. Na técnica RGA faz-se uma medida
interferência da carboxihemoglobina na medida. O valor contínua e coleta-se uma amostra virtual em geral de 200
da hemoglobina deve ser inserido no programa para a ml, porém estes analisadores aceitam valores tão baixos
correção da capacidade de difusão pulmonar (DLCO adj). como 85 ml de amostra, outra vantagem da RGA. Em am-
Na ausência de história recente de sangramento, aceita- bas as técnicas, é recomendado o uso da metodologia de
-se uma hemoglobina coletada até 10 dias antes do exa- Jones-Meade para o cálculo do tempo de apneia6.
me. Para melhor entendimento da manobra da DLCO,
• Manobra inspiratória: iniciar o exame, respiran- igual em ambas as técnicas, veja a Figura 1. No gráfico
do calmamente, até o volume corrente ficar estável. Fazer da medida da DLCO com sistema RGA aparece a curva
uma expiração não forçada até o volume residual (VR). de estabilização do metano, como demostrado na Figura
No paciente obstrutivo, a manobra de expiração é mais 2, momento em que se determina o término do EM e o
prolongada, mas não deve exceder 12s. A seguir, o pa- início do VA.
ciente inala rapidamente (tempo inspiratório máximo de
4s) até a capacidade pulmonar total (CPT). Um volume
inspirado (VI) submáximo pode afetar a DLCO. O VI deve
ser, no mínimo, 90% da capacidade vital (CV). Um VI de
85% pode ser aceito, desde que o VA desta medida esteja
dentro de 200 ml ou 5% (o que for maior) do maior VA
obtido nas manobras aceitáveis. Um tempo inspiratório
prolongado irá reduzir o tempo de apneia inspiratória, re-
duzindo a DLCO.
• Apneia inspiratória e manobra expiratória: a ap-
neia inspiratória deve ser de 10 ± 2s. Tanto a técnica de
Ogilvie5 (do início da inspiração até o início da coleta do
gás alveolar) quanto a de Jones-Meade6 (início após 30%
Figura 1. Gráfico da manobra da DLCO.
do gás inalado até a coleta de 50% da amostra alveolar)
podem ser usados para a apneia inspiratória. A técnica de
Jones-Meade é a mais usada. Durante a apneia inspira-
tória, as manobras de Valsalva e Muller afetam a DLCO,
por afetar o volume sanguíneo. A manobra de Valsalva
reduz a DLCO e a de Muller aumenta7. Na técnica clássica
a expiração deve ser suave, não forçada e sem hesitação
ou interrupção, não podendo exceder 4s. Na RGA, a expi-
ração deve ser continua até o VR, com um tempo máximo
de até 12s, o que torna as medidas de VA nesta técnica
mais confiáveis em pacientes com doença pulmonar obs-
trutiva crônica (DPOC). Figura 2. Gráfico da manobra da DLCO na técnica com analisadores
• Espaço morto e coleta alveolar: Durante a ma- rápidos (RGA). Gás traçador: metano. Figura retirada do consenso ATS/
ERS3.
nobra expiratória o valor do espaço morto anatômico e do
equipamento deve ser conhecido. A coleta do gás alveo-
lar antes da eliminação completa do espaço morto (EM) Estudos comparando as técnicas usando como gás
irá reduzir a DLCO, enquanto que a coleta tardia irá au- traçador o hélio (He) ou o metano (CH4) em normais e
mentar. Na técnica clássica o volume de EM deve ser de em pacientes com DPOC não mostraram diferenças clíni-
0,75ml a 1L. Quando a CV for < 2L, ele deve ser reduzido cas nas medidas da DLCO8.
para 0,5L. Na RGA, o sistema identifica o término do es-
paço morto e o início da amostra de volume alveolar. Essa

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Santos MIV, Azevedo KRS Medida da capacidade de difusão: técnicas

7. Composição do gás inspirado vazamentos, manobras de Valsalva ou de Muller


A composição do gás para a realização do teste • Coleta de gás alveolar até 4s após o início da
é: 0,3% CO, 21% O2, gás traçador (hélio: 10% ou meta- expiração. No sistema com RGA, a coleção da amostra
no: 0,3%) e balanço de nitrogênio. O gás traçador deve virtual será feita após a eliminação completa do espaço
ser relativamente insolúvel e quimicamente inerte. Nos morto.
sistemas tradicionais o gás traçador usado é o hélio, en-
quanto no sistema com RGA o metano. Salientamos que Critérios de reprodutibilidade
a disponibilidade do hélio no planeta é finito, dessa forma No Consenso ATS/ERS de 2005, recomenda-se ob-
ele terá que ser substituído como gás traçador a médio e ter duas manobras aceitáveis com variação menor que 3
longo prazo. ml.min-1 mmHg-1 ou 10%, o que for maior. No Consenso
ATS/ERS de 2017, recomenda-se uma variação entre as 2
8. Intervalos entre as manobras manobras de 2 mL.min-1.mmHg-1 ou 0,67 mmol.min-1.kPa-1.
Deve ser obtido no mínimo 4 min de intervalo en- O valor relatado é a média de 2 manobras aceitáveis e
tre as manobras para se permitir a adequada eliminação reprodutíveis. Após discussão dos critérios de reprodutibi-
do gás do pulmão na técnica clássica. Nos pacientes com lidade a serem utilizados no nível do Rio de Janeiro, nos
obstrução um tempo maior (10 min) deve ser considera- equipamentos com analisadores RGA, optamos por usar
da, e inspirações profundas durante este período podem a diferença de 2 mL.min-1.mmHg-1 (ou 0,67 mmol.min-1.
ajudar a eliminar o gás. Na técnica com RGA o sistema kPa-1) ou 10%, o que for maior.
informa quando a manobra pode ser repetida, podendo
este tempo ser < 4min. Pode se repetir as manobras até Controle de qualidade do teste
5 tentativas. Conforme a tabela abaixo existe vários níveis de
qualidade de exame. O teste que preencher os critérios
Fatores que interferem na medida do escore A, deve ser aceito. Os testes que forem classi-
• Condições do paciente: repouso de 5min antes ficados com escores de B a D, podem ser aceitos, porém
do exame e posição sentada. a interpretação feita com cautela. Os valores encontrados
• Nível de Hb: considera-se como valor padrão da em teste classificado com o escore F não devem ser rela-
Hb em homens adultos e adolescentes do sexo masculi- tados3 (Quadro 1).
no de 14.6 g/dL e de 13.4 g/dL em mulheres adultas e
Quadro 1. Controle de qualidade do teste.
crianças (<15 anos). Quando os valores estiverem mui-
to alterados calcular a DLCO ajustada. Stanojevic et al.
(2017) sugerem que não seja realizado esse ajuste já que
no cálculo dos seus valores teóricos ele não foi realizado,
mas sugere que na interpretação do resultado esse dado
deve ser levar em consideração9.
• PAO2: a oferta de O2 suplementar deve ser sus-
penso no mínimo 10 min antes do exame. Nas altitudes
elevadas deve ser feito o ajuste pela pressão barométrica
(PB). Poluição ambiental também pode interferir na medi-
da da DLCO.
• Nível de carboxihemoglobina. O tabagismo, as-
sim como a ingestão de álcool, produz redução da DLCO,
devendo ser suspensos no dia do exame.
• A medida pode ser realizada após o broncodila-
tador nos pacientes com baixa reserva e com dificuldade
para realizar a manobra.
VI/CV: volume inspiratório/capacidade vital; TA: tempo de apneia; TCA:
tempo de coleta da amostra
Critérios de aceitabilidade
• A relação VI//CV deve ser maior que 90%, po-
rém aceita-se um valor de 85% se o VA desta medida for Calibração e controle de qualidade do
menor que 200 ml ou 5% (o que for maior) do maior VA equipamento
das manobras aceitáveis. • Os analisadores de fluxo e de gás devem ser ze-
• Inalação de 85% do gás no máximo em 4 se- rados antes de cada manobra.
gundos. • A calibração de volume com uma seringa de 3L
• Tempo de apneia de 10 ± 2s, sem evidências de deve ser feita diariamente e deve ser repetida durante o

42 Pulmão RJ 2018;27(1):39-44
Santos MIV, Azevedo KRS Medida da capacidade de difusão: técnicas

dia se houver mudança nas condições ambientais (se a Teóricos


temperatura mudar mais de 3º C ou a humidade relativa Existem numerosas equações de referência para
mais de 15%). Uma nova calibração de volume deve ser o cálculo do valor teórico da capacidade de difusão pul-
feita quando se perceber uma discrepância significativa monar pela técnica de respiração única, mas não está
entre o VI e CV, ou entre VA e CPT. claro qual a equação devemos usar na prática clínica. A
• Toda semana, ou quando houver suspeita de seleção de qual equação adotar se mantem um problema.
problemas, deve-se fazer uma DLCO com a seringa de Tem sido observada grandes diferenças entre as diversas
3 L conectada ao aparelho. Na sequência, a seringa é equações. A maioria das equações adota altura, sexo e
esvaziada, enche-se até 3 litros, faz-se uma apneia por idade para o cálculo dos valores previstos. Mas devemos
10s e a esvazia completamente. O cálculo de VA deve ser estar alertas para a possibilidade destes valores de re-
de 3 L ± 300 ml corrigido de STPD (temperatura e pres- ferência serem inadequados para a sua clientela. Pouco
são padrões em ar seco) à BTPS (temperatura corporal e se sabe sobre a variação étnica, mas trabalhos já foram
pressão ambiente, saturada com vapor d’água), fator de publicados reportando valores previstos menores nos pa-
correção: 863 / (PB-47). A seringa de 3 L tem um espaço cientes negros.
morto adicional, que normalmente é de ± 50ml, e deve Em 1981, Crapo publicou um estudo com equa-
ser considerado no cálculo da VA. O valor absoluto de ções de referência e limites inferiores da normalidade
DLCO deve ser menor que 0,166 mmol.min-1.kPa-1 ou 0,5 para DLCO e DLCO/VA11. Foram estudadas 245 pessoas
ml.min .mmHg . O controle biológico deve ser feito se-
-1 -1
residentes em Utah à uma altitude de 1400m. Todas eram
manalmente, cuja medida não pode variar mais que 12% não fumantes e sadias. A técnica usada foi a de Ogilvie
ou 1mmol.min-1.kPa-1 (ou 3ml.min-1.mmHg-1) do valor mé- modificada, aumentando a concentração de O2 da mistura
dio prévio. dos gases para 25%, para estabelecer uma PAO2 próxima
• Mensalmente um teste de vazamento com serin- à encontrada no nível do mar. O gás usado para o cálculo
ga de 3 L deve ser feito, assim como o teste da lineari- do VA foi o hélio. Neste estudo, foram obtidas equações
dade do analisador do gás. O ideal é que o fabricante do de referência maiores para homens e mulheres em rela-
equipamento determine uma função de análise automáti- ção a outros estudos.
ca de linearidade. Um teste com a seringa de 3L pode ser Um estudo brasileiro foi realizado por Neder em
realizado, em condições ATPS (temperatura ambiente e 1999 com o objetivo de estabelecer equações preditivas
pressão ambientais, saturada com vapor d’água). Posicio- brasileiras12. Foram avaliadas 100 pessoas (50 homens e
ne o êmbolo da seringa em ± 1 L, encher a seringa com 50 mulheres) de 20 a 80 anos. Estes foram randomica-
o volume remanescente com o gás. Após 10 s esvaziar a mente selecionados entre mais de 8000 pessoas. A téc-
seringa. O cálculo do VA deve ser de 3 L ± 300 ml, usando nica usada foi a de Ogilvie. As equações geradas neste
o valor do espaço morto no cálculo do VA. O valor obti- estudo foram significativamente diferentes da maioria dos
do de DLCO deve ser < 0,166 mmol.min-1.kPa-1 ou < 0,5 estudos prévios que usaram predominantemente popula-
mL.min-1.mmHg-1. ções caucasianas. Ao final do estudo, chegou-se à con-
Todas essas recomendações são as determinadas clusão que se deveria validar estas equações em outras
pelos consensos internacionais já citados, que devem ser amostras de brasileiros de diferentes etnias e regiões.
consultados para maiores especificações das técnicas e/ Em função da grande diferença entre as equações
ou do equipamento3,4. já publicadas, uma grande compilação internacional foi
realizada, com dados a partir de 2000 para se criar um
Confecção do laudo teórico que pudesse ser amplamente utilizado. Este estu-
Os seguintes parâmetros devem constar no laudo do foi retrospectivo e participaram os centros que tinham
do exame: publicações de equações de referência para a capacidade
• DLCO, com colunas para valor teórico (T), LIN e de difusão pulmonar e que adotaram metodologias se-
valor em percentual do teórico (%T). melhantes. Esta compilação incluiu 12.639 indivíduos, de
• KCO: valor absoluto, T e %T 19 centros em 14 países, na faixa etária de 4 a 91 anos
• A média da VA, coluna para T e %T. (média de 45 e intervalo interquartil de 26 a 57 anos),
Se uma medida da CPT tiver sido feita separada- sendo 85% da amostra da raça branca. A população não
mente, ela pode ser relatada em valor absoluto, assim caucasiana era composta de 10% de japoneses e 5%
como o valor da relação VA/CPT (opcional). Uma medida de chineses. Todos os dados foram coletados em equi-
de CV é recomendada para avaliar a adequação do VI. pamentos modernos, sendo que a maior parte utilizou 3
Valores do VI, do tempo de apneia, da pressão barométri- equipamentos (VmaxEncore da SensorMedics, MasterS-
ca (acima do nível do mar) e da Hb, se anormal, também creen da Jaegger e Collins). Os resultados no Jaeger fo-
são recomendados. ram muito semelhantes aos encontrados no SensorMe-
dics. As equações de regressão foram especificas para o

Pulmão RJ 2018;27(1):39-44 43
Santos MIV, Azevedo KRS Medida da capacidade de difusão: técnicas

sexo, e na análise multivariada as variáveis idade e altura


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com restrição significativa, além de fornecer resultados
10. Graham B, Mink I, Cotton D. Implementing the three-equation me-
mais confiáveis pela maior precisão dos analisadores rá- thod of measuring single breath carbon monoxide diffusing capaci-
pidos. Por outro lado, há de se ter uma adequação da ty. Can Respir J. 1996; 3:247-57.
11. Crapo RO, Morris AH. Standardized single breath normal values
técnica utilizada com os teóricos escolhidos. É importante for carbon monoxide diffusing capacity. Am Rev Respir Dis. 1981;
então, que junto com a atualização dos equipamentos, 123:185-89.
12. Neder JA, Andreoni S, Peres C, Nery LE. Reference values for lung
passe-se a utilizar e validar os resultados com os teóricos
function tests III. Carbon monoxide diffusing capacity (transfer
mais recentes. factor). Braz J Med Biol Res. 1999; 32:729-37.

44 Pulmão RJ 2018;27(1):39-44
Azevedo KRS Medida da capacidade de difusão: estratégias de interpretação

Artigo

Medida da capacidade de difusão: estratégias de interpretação


Measurement of diffusing capacity: interpretative strategies

Karen Rosas Sodré Azevedo1

Resumo

A medida da capacidade de difusão traz informações adicionais importantes na análise funcional de alguns
pacientes. Em geral ela deve ser feita de rotina após a espirometria em pacientes com doenças pulmonares inters-
ticiais, mas também é útil em outras situações. Iremos abordar as indicações e discutir a interpretação dos seus
resultados nas diferentes patologias.

Descritores: capacidade de difusão, testes de função pulmonar, doença pulmonar intersticial, enfisema.

Abstract

The measurement of diffusing capacity brings important additional information on functional analysis in
some patients. In general, it should made after routine spirometry in patients with interstitial lung disease, but it
also useful in others situations. We will address the indications and discuss the interpretation of their results in the
different pathologies.

Keywords: diffusion capacity, pulmonary function tests, interstitial lung disease, emphysema.

1. Doutora em Clínica Medica pela UFRJ. Pneumologista do Laboratório de Fisiopatologia do Instituto de Doenças do Tórax da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (IDT/UFRJ), Brasil.
Endereço para correspondência: Praia do Flamengo, 350, apto. 103, Flamengo, 22210-030, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Email: [email protected]

Pulmão RJ 2018;27(1):45-50 45
Azevedo KRS Medida da capacidade de difusão: estratégias de interpretação

ções. A má distribuição do volume inspirado altera signi-


Considerações Gerais: Conceitos
ficativamente o valor da VA, porém a medida da DLCO é
A difusão é uma medida de transferência de um
baseada no volume em que o gás traçador se distribuiu e
gás de uma área de alta pressão parcial para uma área
não no volume de gás torácico total. Dessa forma, o VA
de baixa pressão até atingir o equilíbrio. No caso da di-
não deve ser substituído pela medida obtida através de
fusão pulmonar (DLCO), é a medida de transferência do
outro método, porque se assumiria que as propriedades
monóxido de carbono (CO) entre o espaço alveolar e o
de difusão ocorreram da mesma forma nas áreas medidas
capilar pulmonar, sendo um bom teste para a avaliação
e não medidas, o que não se justifica. Por isso, caso o
da troca gasosa pulmonar. É importante trazer para a essa
valor da VAsb fosse substituído a aplicabilidade das equa-
discussão o conceito de que, qualquer redução na área de
ções de referência estariam seriamente comprometidas.
troca gasosa, seja da superfície alveolar ou do capilar pul-
Por outro lado, relatar uma grande diferença na relação
monar, irá reduzir essa medida. Por outro lado, qualquer
VAsb/CPT demostra que parte da redução da DLCO é de-
alteração na concentração da hemoglobina ou do fluxo
corrente de distúrbios na relação V/Q, e não por um dis-
capilar também irá alterá-la1.
túrbio difusional verdadeiro2.
Hoje temos os sistemas novos que usam analisa-
A relação entre a captação do CO e o VA é com-
dores de gases de resposta rápida (RGA), que nos fornece
plexa e não linear, de forma que, nas doenças restritivas
medidas mais confiáveis da DLCO, porém as caracterís-
a redução de uma não gera uma redução proporcional da
ticas das diferentes técnicas serão abordadas em outro
outra (a queda do VA é relativamente maior que a queda
capítulo2. Neste iremos discutir as alterações da DLCO nas
da difusão). O cálculo da KCO pode na verdade ajudar na
diferentes patologias.
compreensão das propriedades da captação pulmonar do
Falaremos somente da técnica da difusão da res-
CO e não um simples parâmetro de “normatização” da
piração única (DLCOsb), por ser a técnica mais usado em
DLCO pelo volume. Isso é importante tanto nas doenças
todo mundo2. Iremos discutir as alterações no valor da
obstrutivas, aonde a VA pode estar subestimada, assim
DLCO, no volume alveolar medido através dessa técnica
como nas doenças pulmonares intersticiais (DPI), onde
(VA) e do coeficiente de difusão (KCO).
a relação DLCO/Va pode apresentar uma falsa normali-
dade. O consenso internacional de fibrose pulmonar idio-
Volume alveolar
pática (FPI) de 2011 recomenda que o melhor parâmetro
O valor do VA pela DLCOsb (Vasb) é semelhante a
de acompanhamento é o valor absoluto da DLCO4, e no
capacidade pulmonar total (CPT) obtida pela pletismogra-
mesmo sentido o consenso de função pulmonar de 2005
fia em indivíduos normais. Em pacientes com distúrbios
afirma que a relação DLCO/VA não é válida para avaliação
na relação ventilação/perfusão (V/Q), sobretudo em do-
e acompanhamento na DPI5. Stanojevic et al., na formula-
enças obstrutivas em grau moderada a grave, é recomen-
ção de novos teóricos, afirmam que no seu estudo os va-
dado outro método para a medida da CPT.
lores de referência para KCO são válidos somente quando
O valor de VA obtido pelo método RGA, se mostrou
o valor de VA estiver na faixa da normalidade6.
semelhante ao método clássico, em indivíduos normais,
porém significativamente superior em pacientes com
Indicações
DPOC e asma não controlada, por sofrer menos inter-
As principais indicações da medida da DLCO são:
ferência da má distribuição da ventilação3. Isso também
avaliação funcional em patologias pulmonares, no diag-
poderá ocorrer em indivíduos idosos, onde a heterogeni-
nóstico e no acompanhamento, esclarecimento diagnósti-
cidade da distribuição da ventilação é maior. Dessa forma
co como teste complementar, na avalição de risco em ci-
os valores de referência para VA, não deverão ser diferen-
rurgia torácica resseccional e na avaliação pós transplante
tes, independentes do método usado, já que as medidas
de medula óssea (TMO). Em seguida vamos discorrer so-
de referência são feitas com indivíduos normais. Já em
bre essas diferentes situações.
pacientes, sobretudo nos distúrbios obstrutivos, haverá
um período de transição em que medidas realizadas pela
1. Avaliação funcional:
RGA terão que ser interpretadas com cautela em relação
• Doenças restritivas
ao teórico usado, e também numa avaliação comparativa
Nas doenças pulmonares intersticiais (DPI) a alte-
entre dois resultados realizados com técnicas diferentes2.
ração na medida da DLCO é mais precoce do que as alte-
rações na espirometria e nos volumes estáticos. O último
Coeficiente de transferência do CO
consenso da ATS/ERS de FPI de 2011 recomenda a medi-
(KCO)
da inicial da DLCO como bom preditor de sobrevida, com
Matematicamente o KCO pode ser calculado como
aumento de risco da mortalidade a partir de um valor bai-
DLCO/VAbtps, porém o KCO não deve ser usado como
xo de 40% do teórico (T)4. A medida da DLCO é melhor
uma correção da DLCO pelo volume (VA). Para a análise
preditor de sobrevida do que o valor inicial da CPT e da
da relação DLCO/VA são necessárias algumas considera-

46 Pulmão RJ 2018;27(1):45-50
Azevedo KRS Medida da capacidade de difusão: estratégias de interpretação

diferença alvéolo-arterial de O2. Na avalição longitudinal a com dispneia significativa e alterações obstrutivas discre-
queda da DLCO também se correlaciona com sobrevida, tas11,12.
porém de forma menos expressiva. Uma variação ≥15%
no valor absoluto entre 2 medidas deve ser considera- • Doenças vasculares
da significativa. Nesse grupo de patologias (DPI) o ideal Todas as doenças que comprometem o continen-
é uma avaliação conjunta, com outros testes funcionais, te vascular de forma significativa reduzem a medida da
inclusive o teste de caminhada de 6 minutos, e também DLCO por diminuição da área funcionante de troca, seja
com a avalição de extensão da doença e da presença de na doença vascular primária, na doença tromboembólica
fibrose através da tomografia computadorizada (TC)4,7. ou até mesmo na redução por vasoconstricção reflexa nas
Um valor de DLCO <40%T ou declínio ≥15% num pe- doenças pulmonares crônicas com hipoxemia5.
ríodo de 6 meses de acompanhamento, são importantes A hipertensão arterial pulmonar (HAP) é a princi-
critérios para indicação de transplante pulmonar na FPI . 8
pal patologia desse grupo. Farha et al. analisaram mais
Outras doenças pulmonares intersticiais, como profundamente essas alterações comparando as medidas
sarcoidose e pneumonia de hipersensibilidade crônica, re- em 28 pacientes com HAP e em 41 pacientes saudáveis.
duzem a medida da DLCO, porém em menor intensidade. Analisou os 2 componentes, a capacidade de difusão da
Na primeira, pelo maior comprometimento do interstício membrana (Dm) e o volume sanguíneo capilar pulmonar
axial e, na segunda, pelo comprometimento sobretudo (Vc), e demonstrou que ambos são responsáveis pela re-
dos bronquíolos . Nos pacientes com colagenoses e DPI,
9
dução da DLCO na HAP13.
a maior redução ocorre na esclerose sistêmica, decorren-
te do comprometimento do parênquima pulmonar e/ou 2. Esclarecimento diagnóstico:
pelo envolvimento vascular10. Existem várias situações clínicas em que a DLCO
Nos casos de restrição pulmonar decorrente de le- se altera, e sua análise ajuda na definição diagnóstica.
sões residuais ou ressecção, assim como na restrição ex- Segue alguns exemplos:
trapulmonar, como na cifoescoliose e nas doenças neuro- • Espirometria normal com DLCO baixa: doença
musculares, ocorre redução da DLCO, porém com relação intersticial e enfisema precoces ou doença vascular. Tam-
DLCO/VA normal, por ser a redução da DLCO secundária bém pode ocorrer na insuficiência cardíaca congestiva
a perda de volume pulmomar5. (ICC).
Em relação às doenças ocupacionais, a redução da • Espirometria normal com DLCO elevada: he-
DLCO ocorre precocemente na asbestose, podendo pre- morragia pulmonar e obesidade. Pode ocorrer no shunt
ceder as alterações na radiologia de tórax. Na silicose, é esquerdo-direito e nos defeitos de septo atrial.
frequente a associação do tabagismo e, portanto, a redu- • Distúrbio restritivo com DLCO baixa: DPI e FPI.
ção da DLCO pode estar associada não só a DPI, como • Distúrbio restritivo com DLCO baixa, porém com
também a presença de enfisema. DLCO/VA normal: cifoescoliose, doença neuromuscular e
ressecção pulmonar.
• Doenças obstrutivas • Distúrbio obstrutivo com DLCO baixa: enfisema,
A principal patologia obstrutiva que reduz a me- doenças císticas tais como linfangioleiomiomatose e his-
dida da DLCO é o enfisema, por perda de área alveolar tiocitose de células de Langerhans.
e vascular de troca gasosa. Nos pacientes com doença • Distúrbio obstrutivo com DLCO elevada: asma
pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), porém, com predo- não controlada ou asma e obesidade.
minância do fenótipo exacerbador, na asma e também • Distúrbio ventilatório misto (obstrução e redução
nos pacientes jovens e não fumantes com doença bolho- da CPT) com DLCO baixa: tuberculose residual, sarcoido-
sa, a medida da DLCO costuma ser normal. Dessa forma, se, paracocidioidomicose e pneumoconiose.
em pacientes portadores de asma brônquica, fumantes Devemos lembrar que doenças podem se super-
e com disfunção significativa na espirometria, é aconse- por, como DPI e DPOC, assim como ressecção pulmonar
lhável a complementação com a medida da difusão para em pacientes fumantes, de forma que essa lista é apenas
melhor definição do caso. No caso da asma, em situação uma forma didática de ajudar no diagnóstico funcional
de descompensação, a medida pode estar aumentada por das diferentes patologias pulmonares.
hiperfluxo ventilatório e vascular .
5

No enfisema, o comprometimento da DLCO se cor- 3. Outras indicações:


relaciona com a severidade da obstrução das vias aéreas, Na avaliação de risco de cirurgias torácicas a medi-
da capacidade de exercício e com o escore de enfisema da da DLCO é bastante útil, e deve ser realizada rotineira-
na TC. Esta correlação reflete a perda da área de super- mente14. Nas cirurgias com ressecção pulmonar, um valor
fície de troca alveolar e da perda do leito capilar pulmo- de DLCO previsto no pós-operatório inferior a 40%T é um
nar. Esse teste pode ser útil também naqueles pacientes bom preditor de complicações pulmonares e mortalidade,

Pulmão RJ 2018;27(1):45-50 47
Azevedo KRS Medida da capacidade de difusão: estratégias de interpretação

critério esse que vem sido utilizado desde o estudo


clássico de Markos et al.15. Esse tema será aborda-
do com detalhes em outo capítulo.
Na neoplasia pulmonar, outro fator que pode
contribuir para a redução da DLCO é a radioterapia,
lembrando que com os novos equipamentos com
radioterapia conformacional levam a danos pulmo-
nares cada vez menores16.
O uso da medida da DLCO também pode
ser útil no acompanhamento após TMO, porém não
Figura 1: Organograma diagnóstico
de forma rotineira. Se recomenda o acompanha- LLN: limite inferior da normalidade; PV: doença vascular; CW: doença de caixa
mento com espirometria e medida dos volumes torácica, NM: doença neuromuscular; ILD: doença pulmonar intersticial; CB:
bronquite crônica. Retirado do consenso internacional de função pulmonar5.
estáticos, para o diagnóstico precoce de bronquio-
lite obliterante (BO), substrato da doença enxerto-
-hospedeiro e a complicação mais temida. A restrição não
é característica na BO, portanto na presença de restrição
a medida da DLCO é útil no diagnóstico diferencial de
outras complicações17. Na avalição nas doenças hemato-
lógicas deve-se sempre lembrar da importância do valor
Referências
da hemoglobina no resultado dessa medida.
Na avaliação da capacidade laborativa, a utilização 1. Maclntyre N, Crapo RO, Viegi G, Jonhson DC, van der Grinten CPM,
Brusasco V, et al. Standardisation of the single-breath determina-
da DLCO é útil, porém o ponto de corpo para a definição
tion of carbon monoxide uptake in the lung. Eur Respir J. 2005;
de disfunção grave varia conforme o autor. Taiwo et al., 26:720-35.
sugeriram utilizar um valor de DLCO ≤40%T, enquanto 2. Graham BL, Brusasco V, Burgos F, Cooper BG, Jensen R, Kendrick
A, et al. 2017 ERS/ATS standards for single-breath carbon monoxi-
Sood numa revisão de 2014 sugere um valor de DLCO de uptake in the lung. Eur Respir J. 2017; 49:1600016.
entre 45-54%T18,19. 3. Horstman M, Mertens F, Schotborg D. Comparison of total-breath
and single-breath diffusing capacity in healthy volunteers and
Na interpretação da DLCO lembrar que fatores
COPD patients. Chest 2007; 131:237-44.
como obesidade, hemorragia pulmonar e policitemia ele- 4. Raghu G, Collard HR, Egan JJ, Martinez FJ, Behr J, Brown KK, et al.
vam a sua medida, a 1ª por hiperfluxo sanguíneo e a 2ª An official ATS/ERS/JRS/ALAT statement: idiopathic pulmonary fi-
brosis: evidence-based guidelines for diagnosis and management.
por captação do CO pela Hg extracapilar. Em casos de Am J Respir Crit Care Med. 2011; 183:788-824.
hemorragia intrapulmonar, é citado que um aumento > 5. Pellegrino R, Viegi G, Brusasco V, Crapo RO, Burgos F, Casaburi R,
et al. Interpretative strategies for lung function tests. Eur Respir
de 50% na medida sugere sangramento ativo recente,
J. 2005; 26:948-68.
porém isso nem sempre ocorre20. 6. Stanojevic S, Graham BL, Cooper BG, Thompson BR, Carter KW,
Francis RW, et al. Official ERS technical standards: Global lung
function initiative references values for the carbon monoxide trans-
Classificação fer factor for Caucasians. Eur Respir J. 2017; 50:1700010.
A padronização internacional de interpretação dos 7. Belloli EA, Martinez FJ, Flaherty KR. Update in Interstitial lung dise-
ase 2014. Am J Respir Crit Care Med. 2015; 192:538-43.
testes funcionais de 2005 sugere a seguinte classificação:
8. Diretrizes de doenças pulmonares intersticiais da Sociedade
redução leve: >60% do teórico (T) <LIN (limite inferior Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. J Bras Pneumol. 2012;
da normalidade); moderada: entre 40 e 60%T e acentua- 38(supl.2):S1-S133.
9. Lima MS, Coletta EN, Ferreira RG, Jasinowodolinski D, Arakaki JS,
da <40%T5. Alguns autores sugerem considerar um valor Rodrigues SC, et al. Subacute and chronic hypersensitivity pneu-
de DLCO acima de 140%T como elevada21. monitis: histopathological patterns and survive. Respir Med. 2009;
103:508-15.
10. Behr J, Furst DE. Pulmonary function tests. Rheumatology
Teóricos (Oxford). 2008; 47(Suppl 5):65-7.
No consenso de 2005 nenhuma equação de re- 11. Hegewald MJ, Crapo RO. Pulmonary Function Testing. In: Mason
RJ, Broaddus VC, Martin TR, King TE, Schraufnagel DE, Murray JE,
ferência foi recomendada para os parâmetros da DLCO1, et al., editors. Murray and Nadel’s Textbook of Respiratory Medici-
assim como no consenso de 2017, por existirem grandes ne. 5ª Edição. Saunders; 2010, 522-53.
12. Shapiro SD, Rielly J, Rennard SI. Chronic Bronquitis and Enphyse-
divergências entre os inúmeros teóricos publicados2. A es-
ma. In: Mason RJ, Broaddus VC, Martin TR, King TE, Schraufnagel
colha de teóricos será discutida no capítulo que aborda as DE, Murray JE, et al., editors. Murray and Nadel’s Textbook of Res-
técnicas de medida da difusão. piratory Medicine. 5ª Edição. Saunders; 2010, 919-67.
13. Farha S, Laskowski D, George D, Park MM, Tang WHW, Dweik RA,
Concluindo, a medida da DLCO faz parte de uma et al. Loss of alveolar membrane diffusing capacity and pulmonary
análise funcional mais completa, e consequentemente, capillary blood volume in pulmonary arterial hypertension. Respi-
ratory Research. 2013; 14:6-13.
num melhor entendimento da fisiopatologia de diversas
14. Ferguson MK, Vigneswaran WT. Diffusion capacity predicts morbi-
patologias pulmonares, como demonstrado na Figura 1. dity after lung disease in patients without obstructive lung disease.
Ann Thorac Surg. 2008; 85:1158-65.

48 Pulmão RJ 2018;27(1):45-50
Azevedo KRS Medida da capacidade de difusão: estratégias de interpretação

15. Markos J, Mullan BP, Hillman DR, Musk AW, Antico VF, Lovegrove
FT, et al. Preoperative assessment as a predictor of mortality and
morbidity after lung resection. Am Rev Respir Dis. 1989; 139:902-
10.
16. Yendamuri S, Komaki RR, Correa AM, Allen P, Wynn B, Blackmon S,
et al. Comparison of limited surgery and three-dimensional confor-
mal radiation in high-risk patients with stage I non-small cell lung
cancer. J Thorac Oncol. 2007; 2:1022-8.
17. Jagasia MH, Greinix HT, Arora M, Williams KM, Wolff D, Cowen EW,
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20. Greening AP, Hughes JMB. Serial estimations of carbon monoxide
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nóxido de carbono. J Pneumol. 2002; 28(Supl 3):S122-S138.

Pulmão RJ 2018;27(1):45-50 49
50 Pulmão RJ 2018;27(1):45-50
Faria ACD, Lopes AJ, Melo PL Técnica de oscilações forçadas na prática clínica: atuais aplicações e potenciais futuros

Artigo

Técnica de oscilações forçadas na prática clínica:


atuais aplicações e potenciais futuros
Forced oscillation technique in clinical practice:
current applications and potential futures
Alvaro Camilo Dias Faria1, Agnaldo José Lopes2,3, Pedro Lopes de Melo1,4

Resumo
Desenvolvida em 1956, a Técnica de Oscilações Forçadas (FOT de Forced Oscillation Technique) precisou
aguardar um maior desenvolvimento tecnológico, que ocorreu entre as décadas de 1960 e 1970, para que as pes-
quisas com ela começassem a fazer parte do cotidiano científico. Devido ao fato de requerer apenas cooperação
passiva dos voluntários e fornecer novos parâmetros para avaliação do sistema respiratório, a evolução em número
de publicações sobre a técnica nos últimos anos tem sido expressiva, chegando a aproximadamente 200 artigos
entre 2014 e 2018 (ainda não encerrado).
Apesar de atualmente a FOT ser conhecida como um método útil para os estudos sobre a fisiopatologia de
doenças respiratórias, apresentar elevado potencial para uso diagnóstico e ser considerada como estado da arte
em termos de avaliação respiratória, o nível de conhecimento entre os profissionais da área da saúde ainda é baixo.
Neste contexto, o presente trabalho apresentará uma breve revisão sobre novas aplicações e formas de análise da
FOT, principalmente relacionadas às análises de Complexidade do Sistema Respiratório e dos Modelos de Ordem
Fracional. As perspectivas são de que as aplicações da FOT permitirão na prática clínica uma análise mais detalhada
das alterações decorrentes de doenças respiratórias, melhorando os processos de diagnóstico, monitoramento e
prognóstico das mesmas.

Descritores: respiratory mechanics, complexity, model of fractional order, respiratory diseases, respiratory
pathophysiology, forced oscillations

Abstract
Developed in 1956, the Forced Oscillation Technique (FOT) needed to wait for a greater technological de-
velopment, which took place between the 1960s and 1970s, so that research with it began to be part of scientific
everyday life. Due to fact of requiring only passive cooperation of the volunteers and providing new parameters
for evaluation of the respiratory system, the evolution in the number of publications on the technique in recent
years has been expressive, reaching approximately 200 articles between 2014 and 2018 (not yet closed). Although
FOT is currently known as a useful method for studies on the pathophysiology of respiratory diseases, presents a
high potential for diagnostic use and is considered as state of the art in terms of respiratory evaluation, the level
of knowledge among health professionals is still low. In this context, the present work will present a brief review
on new applications and forms of analysis of FOT, mainly related to the analysis of Complexity of the Respiratory
System and Models of Fractional Order. The prospects are that the FOT applications will allow in clinical practice a
more detailed analysis of the alterations due to respiratory diseases, improving the diagnostic processes, monitoring
and prognosis of the same ones

Keywords: mecânica respiratória, complexidade, modelo de ordem fracional, doenças respiratórias, fisiopa-
tologia respiratória, oscilações forçadas

1. Laboratório de Instrumentação Biomédica, Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes e Faculdade de Engenharia, Universidade do Estado do Rio
de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
2. Faculdade de Ciências Médicas, Laboratório de Prova de Função Respiratória, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
3. Programa de Pós-graduação em Ciências da Reabilitação, Centro Universitário Augusto Motta, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
4. Laboratório de Pesquisa BioVasc, Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Endereço para correspondência: Pedro Lopes de Melo. Rua São Francisco Xavier, 524, sala 104, Pavilhão Haroldo Lisboa da Cunha, Universidade do
Estado do Rio de Janeiro, Maracanã, 20550-013, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Email: [email protected]

Pulmão RJ 2018;27(1):51-56 51
Faria ACD, Lopes AJ, Melo PL Técnica de oscilações forçadas na prática clínica: atuais aplicações e potenciais futuros

Introdução Aspectos teóricos e realização do exa-


Com o objetivo de investigar as propriedades me-
me
A FOT é um método não invasivo de avaliação
cânicas do sistema respiratório de forma mais detalhada,
da mecânica respiratória onde é necessária pequena co-
não invasiva e através da respiração normal, DuBois et al
operação do indivíduo11-13. Nessa técnica, oscilações de
(1956)1 desenvolveram a Técnica de Oscilações Forçadas
pressão de baixa amplitude são aplicadas, por meio de
(FOT de Forced Oscillation Technique). Porém, como sua
um dispositivo externo, ao sistema respiratório de um in-
real implementação, só foi possível a partir de um maior
divíduo que respira calmamente em um bocal, fazendo
desenvolvimento tecnológico — que somente ocorreu en-
uso de um clipe nasal11,12 (Figura 2). A sustentação das
tre o final da década de 1960 e início da década de 1970
bochechas é imprescindível para evitar a perda das osci-
— que as pesquisas com a referida técnica se tornassem
lações impostas pelo equipamento nos tecidos moles das
mais frequentes2,3. Em uma busca efetuada pelos autores
vias aéreas superiores, o que pode subestimar o valor da
no Pubmed (Figura 1), pode-se constatar um crescente
impedância do sistema respiratório14,15. São aplicadas os-
interesse pela técnica, com um total atual de 782 publica-
cilações no sistema respiratório do indivíduo, produzidas
ções relacionadas ao tema, sendo que ¼ delas (n = 193),
por um alto-falante, contendo todas as frequências de in-
foram efetuadas nos últimos cinco anos, já incluindo o
teresse para análise. A respiração espontânea do paciente
ano de 2018, ainda não encerrado.
e as oscilações de pressão aplicadas resultam em sinais
de pressão e de fluxo que são respectivamente captados
Atualmente a FOT é considerada como um méto-
por um transdutor de pressão e um pneumotacômetro.
do no estado-da-arte para a avaliação de função pulmo-
Esses sinais, quando medidos, passam por um sistema
nar4. Uma série de estudos clínicos vem demonstrando
de amplificadores e filtros e, em seguida, por um anali-
que o FOT é uma útil ferramenta para o diagnóstico e
sador de impedância, onde, através da transformada de
acompanhamento de diferentes doenças respiratórias5-9.
Fourier é efetuada a estimativa da impedância do sistema
Conforme ressaltado por Ribeiro, Lopes & Melo (2018)9, a
respiratório11. Uma pequena bomba produz um fluxo de
importância da FOT como ferramenta clínica em laborató-
ar constante, renovando o ar inspirado pelo indivíduo11.
rios de função pulmonar é cada vez maior.
Melo (2015)10, em uma revisão re-
cente neste mesmo periódico, descreveu os
princípios básicos da FOT e demonstrou al-
guns exemplos sobre a aplicação do método
com o objetivo de facilitar o aprimoramento
e divulgação entre os profissionais da área
da saúde. Na presente revisão, pretendemos
aprofundar os conhecimentos transmitidos
anteriormente através de exemplos recentes
da aplicação da técnica em diferentes doen-
Figura 2. Esquema simplificado da técnica de oscilações forçadas.
ças, assim como mostrar suas atuais limita-
ções e perspectivas futuras.
Um índice de validade para a aceitação da me-
dida é utilizado, conhecido como função de coerência.
Este parâmetro é calculado através da correlação entre
as transformadas dos sinais de pressão e fluxo. Quando
essa relação resulta em um valor unitário, indica que está
livre da influência de ruídos de origem fisiológica ou asso-
ciados à instrumentação. Usualmente, valores de 0,90 e
0,95 são empregados como limite mínimo para aceitação
da medida11.

Atuais aplicações
Os exames de FOT podem ser efetuados através
do emprego de oscilações de uma única frequência, de-
nominando-se assim como FOT monofrequência ou, ain-
da, com mais do que uma frequência, que é chamada de
Figura 1. Artigos sobre a Técnica de Oscilações Forçadas, publicados no
Pubmed até agosto de 2018.
FOT multifrequência. Cada uma destas formas apresenta
suas vantagens e desvantagens metodológicas, além de

52 Pulmão RJ 2018;27(1):51-56
Faria ACD, Lopes AJ, Melo PL Técnica de oscilações forçadas na prática clínica: atuais aplicações e potenciais futuros

variações importantes nas formas de avaliação do sistema


respiratório.

Análise da impedância monofrequência: parâme-


tros tradicionais e complexidade do sistema respiratório

Na análise monofrequência, a impedância do sis-


tema respiratório (Zrs) é mensurada em 5 Hz16. Durante
a avaliação, o instrumento aplica um sinal senoidal de 2
cmH2O pico a pico ao sistema respiratório do voluntário,
que permanece ventilando espontaneamente. O instru-
mento permite a avaliação da Zrs a partir dos sinais pro- Figura 3. Valores de impedância respiratória em todo o ciclo respiratório
em indivíduos saudáveis; em fumantes com espirometria normal; e na
venientes de um transdutor de pressão e um pneumota-
DPOC com obstrução das vias aéreas leve (I), moderado (II), grave (III)
cógrafo colocado perto da boca do indivíduo. Os sinais ou muito grave (IV).
resultantes de pressão (P) e fluxo de ar (V’) são usados
para obter o módulo de impedância dentro da respiração dinâmicas podem estar associadas a estados de doenças,
(Zrs = P / V’)17. Este parâmetro é tradicionalmente usado o que pode ser previsto pela avaliação das flutuações no
em medições da impedância em tempo real , e é inter-
16 comportamento temporal do pulmão. Essas flutuações
pretado como a carga mecânica total do sistema respira- geralmente se originam do não-equilíbrio do sistema res-
tório , incluindo os efeitos respiratórios resistivos (Rrs) e
18 piratório e podem ser avaliadas através da variabilidade e
reativos (Xrs) observados em 5 Hz, conforme descrito na da complexidade do sistema respiratório, através dos pa-
Equação 1. râmetros desvio-padrão da impedância (SDZrs) e entro-
pia aproximada (ApEn), respectivamente. Como exemplo,
podemos observar na Figura 4 como a complexidade do
sistema respiratório de indivíduos asmáticos diminui com
o aumento do grau de obstrução, demonstrando uma
Geralmente a Zrs e seus componentes (Rrs e Xrs)
perda do poder de adaptabilidade do sistema respiratório,
são considerados em termos de valores médios durante
diminuindo assim os graus de liberdade20.
as fases inspiratória e expiratória do ciclo respiratório. As
alterações mecânicas durante as diferentes fases do ciclo
respiratório habitualmente são caracterizadas usando os
seguintes parâmetros:
1) impedância média do sistema respiratório (Zm);
2) impedância média durante os ciclos de inspira-
ção (Zi);
3) impedância média durante os ciclos de expira-
ção (Ze);
4) impedância média no início da inspiração (Zii);
5) impedância de média no início de expiração
(Zie);
6) a média dos valores pico-a-pico de impedância
Figura 4. Sinais típicos de indivíduos normais (verde) e asmáticos com
(Zpp=Zie-Zii); obstrução moderada (azul) e grave (vermelho).
6) a dependência da impedância em relação aos
ciclos respiratórios (ΔZrs=Ze-Zi)10.
Análise multifrequência: parâmetros tradicionais e
modelamento
Esta análise foi aplicada com êxito na avaliação de
alterações respiratórias em pacientes com DPOC, mos-
A impedância do sistema respiratório descreve o
trando aumento da impedância média do sistema respira-
efeito das propriedades resistivas do sistema respiratório,
tório (Zm) de acordo com o grau de obstrução (Figura 3).
através da curva de Resistência (Rsr) (Figura 5), também
Outra forma de análise do sistema respiratório
chamada de componente real ou em fase do sistema. Ela
a partir da análise monofrequência é através do estudo
também descreve os efeitos das propriedades elásticas e
da variabilidade e da complexidade do sistema respira-
inertivas do sistema, através da curva de Reatância (Xsr),
tório19,20. Como o pulmão é um órgão complexo e adap-
também conhecida como componente imaginário ou fora
tativo, que desempenha balanceamento dinâmico sob
de fase.
delicadas condições homeodinâmicas, mudanças em tais

Pulmão RJ 2018;27(1):51-56 53
Faria ACD, Lopes AJ, Melo PL Técnica de oscilações forçadas na prática clínica: atuais aplicações e potenciais futuros

Figura 5. Representação gráfica da componente real do sistema respi-


ratório e metodologia de obtenção dos parâmetros resistivos. Exemplos Figura 6. Representação gráfica da componente imaginária do sistema
de resultados em um indivíduo normal (em azul) e um portador de DPOC respiratório e metodologia de obtenção dos parâmetros reativos. Exem-
(em verde). R0 representa a resistência no intercepto, Rm a resistência plos de resultados em um indivíduo normal (em azul) e um portador de
média e S coeficiente angular da curva de resistência. DPOC (em verde). Cdin,sr representa a complacência dinâmica do siste-
ma respiratório, fr a frequência de ressonância e Xm a reatância média.
A componente em fase da impedância ou resistên-
cia (Figura 5) está relacionada às propriedades resistivas Com base na mesma curva de Xsr (Figura 6), pode
em todo o sistema respiratório (a soma das resistências ser calculada a complacência dinâmica do sistema respi-
de via aérea extratorácica, via aérea intratorácica, tecido ratório (Cdin,sr) através da reatância em 4 Hz, de acordo
pulmonar e parede torácica)21,22. com a fórmula descrita abaixo, proposta por Nagels et al
Através da regressão linear da curva de resistên- (1980)3:
cia, são obtidos os parâmetros empregados na interpre-
tação dos resultados. O primeiro refere-se ao parâmetro
resistência total (R0), ou resistência no intercepto, estan-
Cdin,sr = -1
2πƒXsr
do relacionada com a resistência total do sistema respira-
tório23; o segundo é o parâmetro resistência média (Rm),
calculado através da média dos valores de resistência na
faixa de frequência de 4 a 16 Hz que, segundo a literatura Recentemente, valores de normalidade para a po-
está relacionada à resistência das vias aéreas centrais22; e pulação brasileira foram publicados em uma amostra de
terceiro, o parâmetro denominado coeficiente angular da 288 voluntários9, demonstrando que a altura foi o melhor
curva de resistência (S), este ligado à não-homogeneida- preditor de parâmetros de impedância respiratória. Va-
de do sistema respiratório23. lores de resistência foram significativamente maiores no
A curva de reatância (Figura 6) apresenta o domí- sexo feminino, provavelmente devido às diferenças rela-
nio de duas componentes. Em frequências mais baixas, cionadas ao sexo nos volumes pulmonares. A idade intro-
ela assume valores mais negativos devido ao predomínio duziu uma redução da resistência em homens e mulheres,
da complacência do sistema. Essa curva apresenta um o que pode ser associado com o aumento da capacidade
comportamento crescente, até passar por um valor nulo, residual funcional.
conhecido como frequência de ressonância (fr), quando Como exemplo de resultados das aplicações atu-
a curva passa pelo eixo das frequências e as proprieda- ais, podemos observar as alterações decorrentes da sili-
des elásticas e inertivas se anulam. Após esse ponto, ela cose em 25 pacientes em comparação a um grupo con-
passa a ser dominada pelas propriedades inertivas11,21. O trole (Figura 7).
parâmetro fr também é relacionado à não-homogeneida- Outros exemplos recentes sobre a utilização da
de do sistema respiratório23. A reatância média (Xm) é FOT podem ser destacados como estudos com Telemoni-
o parâmetro calculado através da média dos valores de toramento de pacientes com DPOC25, comparações entre
reatância na faixa de frequência 4 a 32 Hz, usualmente o método e exames de imagem elaborados como a tomo-
também está relacionada à não homogeneidade do siste- grafia computadorizada de tórax para o melhor entendi-
ma respiratório24. mento de patologias diversas26-29.
Uma forma atualmente empregada para o me-
lhor entendimento das doenças que acometem o sis-
tema respiratório, e que possui futuro promissor, é a
análise através dos modelos elétricos4,30,31. Esses mo-
delos permitem a obtenção de informações adicionais
sobre as mudanças anatômicas ou fisiopatológicas que

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Faria ACD, Lopes AJ, Melo PL Técnica de oscilações forçadas na prática clínica: atuais aplicações e potenciais futuros

Figura 7. Comparação dos parâmetros resistivos (A e B) e reativos (C e D) de indivíduos controle e silicóticos.

Figura 8. Análise comparativa dos parâmetros obtidos no Modelo FrOr no grupo controle, em indivíduos tabagistas e nos pacien-
tes com DPOC: Inertância (L; A) e Coeficiente beta (β; B).

ocorrem nas doenças respiratórias8. Recentemente, es- A habilidade da FOT em obter informações deta-
ses novos parâmetros contribuíram para um aumento na lhadas sobre a mecânica respiratória por meio de um exa-
exatidão diagnóstica em pacientes com asma leve8, em me de execução simples e não invasivo torna esta técnica
adultos com fibrose cística 32
e em pacientes silicóticos . 33
potencialmente útil para uso clínico, complementando
Destacamos abaixo os resultados com indivíduos tabagis- os exames tradicionais de função pulmonar. No entan-
tas e pacientes com DPOC (Figura 8). to, embora o interesse neste método esteja aumentando,
a FOT ainda é essencialmente utilizada em ambiente de
Considerações finais e perspectivas pesquisa. Comparando com a espirometria, proposta em
futuras 1846, existe uma estreita semelhança entre a atual eta-
É importante ressaltar que todos os trabalhos e pa de desenvolvimento da FOT e os passos inicialmente
resultados apresentados nesta revisão se referem à meto- percorridos ao longo do processo de desenvolvimento e
dologia de FOT, estudada e aperfeiçoada longamente por popularização da espirometria.
nosso grupo de pesquisa e por outros grupos. Estes resul-
tados não se estendem à metodologia da oscilometria de
impulso, que uma técnica mais recente e que apresenta
resultados e métodos de análise diferentes34.

Pulmão RJ 2018;27(1):51-56 55
Faria ACD, Lopes AJ, Melo PL Técnica de oscilações forçadas na prática clínica: atuais aplicações e potenciais futuros

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Azevedo KRS, Silva KM Teste de Caminhada de 6 minutos: técnica e interpretação

Artigo

Teste de Caminhada de 6 minutos: técnica e interpretação


6-minute walking test: technique and interpretation

Karen Rosas Sodré Azevedo1, Kenia Maynard da Silva2

Resumo

O teste de caminhada de 6 minutos vem sendo cada vez mais utilizado pela sua simplicidade e boa correla-
ção com a dispneia de esforço, apresentado pelos pacientes com doenças pulmonares crônicas, nas suas atividades
diárias. As alterações encontradas no teste têm mostrado boa correlação com as descritas na ergoespirometria,
sendo este um teste de maior custo e complexidade, e pouco acessível no nosso meio. Iremos abordar neste capí-
tulo aspectos técnicos e estratégias de interpretação nas diferentes patologias.

Descritores: teste de caminhada de 6 minutos, testes de função pulmonar, dispneia, doença pulmonar crô-
nica.

Abstract

The 6-minute walk test is being increasingly used by your simplicity and good correlation with the dyspnea
of exertion by patients with chronic pulmonary disease, in their daily activities. The changes found in this test have
shown good correlation with those found in exercise test, which is more costly and complex, and less accessible in
our midst. In this chapter we cover technical aspects and strategies of interpretation in the different pathologies.

Keywords: 6-minute walk test, pulmonary function tests, dyspnea, chronic lung disease.

1. Doutora em Clínica Medica pela UFRJ. Pneumologista do Laboratório de Fisiopatologia do Instituto de Doenças do Tórax da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (IDT/UFRJ), Brasil.
2. Fisioterapeuta Coordenadora do Laboratório de Reabilitação Pulmonar e Pesquisa da Disciplina de Pneumologia da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Brasil
Endereço para correspondência: Endereço para correspondência: Praia do Flamengo, 350, apto. 103, Flamengo, 22210-030, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
Email: [email protected]

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Azevedo KRS, Silva KM Teste de Caminhada de 6 minutos: técnica e interpretação

Considerações gerais em relação a um valor basal, pré-intervenção clínica ou


Durante o exercício moderado, há aumento da cirúrgica4. A variação da DTC6 nas doenças pulmonares e
ventilação pulmonar (VE), que é suficiente para eliminar a cardiovasculares crônicas tradicionalmente era considera-
maior produção de CO2, de forma que a PaCO2 e o pH não da significativa quando igual ou superior a 54 m2, porém
se alteram. Durante o exercício intenso, ocorre produção estudos têm demostrado que nas doenças pulmonares
de ácido láctico, o qual pode induzir alcalose respiratória crônicas uma variação em torno de 35 metros pode ser
parcialmente compensatória. Do ponto de vista da me- considerada significativa11,12. Alguns autores sugerem que
cânica respiratória, a VE aumenta inicialmente às custas a estimativa de diferença mínima clinicamente importante
do aumento do volume corrente (VC) e, posteriormen- (DMI), a menor diferença percebida como benéfica que
te, da frequência respiratória (FR). A combinação desses poderia justificar uma mudança no manejo clínico, deve-
dois mecanismos atua no sentido de minimizar o trabalho ria ser feita pelo método anchor, onde as alterações da
da respiração. A diferença alvéolo-arterial do oxigênio se DTC6 seriam relacionadas a outro marcador importante
elava durante o exercício, porém a PaO2 em geral perma- de mudança3,12.
nece inalterada em pessoas normais. A queda da PaO2
durante o exercício nos pacientes com doenças pulmona- Metodologia
res crônicas, ocorre pela intensificação dos distúrbios da A metodologia de execução do teste obedece ao
relação ventilação-perfusão e pela limitação da difusão, protocolo desenvolvido pela American Thoracic Society
decorrente da diminuição do tempo de trânsito no capilar (ATS) em 20022. Tendo como reforço, a revisão analítica
pulmonar1. realizada pela própria ATS associada à European Respira-
O teste de caminhada de 6 minutos (TC6) é um tory Society (ERS), em 20143. Em 2002, a ATS estabele-
teste simples, não necessita equipamento ou treinamento ceu o protocolo e determinou sobre os cuidados neces-
complexo, é bem tolerado, e reflete bem as atividades da sários, o local, a metragem do corredor para o teste e as
vida diária dos pacientes com doença pulmonar ou car- variáveis que devem ser aferidas. Segundo o protocolo, o
diovascular moderada a grave. Caminhar é uma atividade espaço para o teste deve ser próximo ao local onde pode-
realizada diariamente pela maioria dos pacientes mode- rá contatar o médico e material de emergência, caso haja
radamente ou gravemente comprometidos. Essa técnica necessidade. A execução do teste deve ser realizada por
avalia a resposta global e integrada de todos os sistemas profissionais treinados2. O paciente deverá ter sido orien-
envolvidos em um exercício submáximo, como ocorre na tado a vir com roupas confortáveis e sapatos adequados,
rotina desses pacientes . O TC6 fornece, portanto, indi-
2,3 ter tomado todos os seus medicamentos, ter feito leve re-
cadores de reserva funcional pela distância total percorri- feição matinal e não ter praticado exercícios físicos, pelo
da (DTC6), indicadores do estresse sensorial pelos esco- menos até duas horas antes do teste.
res de dispneia e fadiga, avalia a resposta cardiovascular O teste de caminhada em seis minutos (TC6M)
através da frequência cardíaca e a integridade das trocas deve realizado em um corredor de 30 metros, e aferidas
gasosa pela monitorização da saturação periférica de O2 as variáveis frequência cardíaca (FC), a SpO2, pressão ar-
(SpO2) . Através dele, pode se observar objetivamente
4 terial (PA) e a percepção subjetiva de dispneia pela Escala
a progressão de perda funcional ou o efeito positivo de de Borg, antes e ao término do teste. A FC e a SpO2 po-
intervenções terapêuticas, e obter parâmetros preditores dem ser monitoradas durante todo o teste, e a SpO2 míni-
de morbidade e mortalidade em várias patologias pulmo- ma deve ser relatada, mesmo que não seja a SpO2 final.
nares . A revisão sistemática conjunta da European Res-
5 A queda em pontos percentuais (pp) da SpO2 deve ser
piratory Society (ERS) com a American Thoracic Society relatada e uma queda ≥ 4 pp pode ser considerada signi-
(ATS), de 2014, mostra a semelhança da resposta ao ficativa. Para tal, os equipamentos são: cronômetro que
exercício, respectivamente no TC6 e na ergoespirometria, irá marcar os seis minutos, oxímetro de pulso para aferir a
e a correlação da DTC6 com medidas de atividade física FC e a SpO2, esfigmomanômetro para aferir a PA, uma es-
em pacientes com doenças pulmonares crônicas6. Um dos cala de Borg impressa que será mostrada para o paciente
teóricos mais usados é o de Enright, de 1998 . Dourado
7 indicar o grau de dispneia, uma cadeira que poderá ser
analisou valores teóricos citados na literatura e os com- deslocada para qualquer área da pista e dois cones para
parou com os valores encontrados numa população brasi- marcar os pontos de retorno e deverão ser colocados no
leira. Os valores teóricos de Enright (1998) foram os mais início e final da pista de teste. Deverá ter fitas brilhantes
próximos aos valores encontrados nesse estudo brasilei- marcando o início e o final da pista. A pista de teste deve
ro8,9. Enquanto Iwana et al.8 trabalharam com uma popu- ser marcada a cada 3 metros, que facilitará a contagem
lação de 13 a 84 anos, outro estudo nacional estabeleceu da distância percorrida. O teste deve ser realizado em
valores de referência para a faixa etária de 7 a 12 anos10. ambiente fechado, em temperatura confortável2,3.
Como não há consenso na indicação de um teórico espe- Antes de iniciar o teste, o paciente deverá estar
cífico, uma boa alternativa é se utilizar a variação da DTC6 sentado por, pelo menos, 10 minutos, em local imediata-

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Azevedo KRS, Silva KM Teste de Caminhada de 6 minutos: técnica e interpretação

mente antes do início da pista, quando serão aferidas as caráter progressivo, leva insuficiência respiratória e mor-
variáveis pré-teste. O paciente será orientado a caminhar te, com uma sobrevida média de 2 a 4 anos5. No grupo
o máximo que puder em sua própria cadência por seis restante, não FPI, uma significativa parte dos pacientes
minutos, sem correr, poderá diminuir o ritmo ou inter- são portadores de colagenosas, sobretudo de esclerose
romper o teste de acordo com a sua necessidade, assim sistêmica (ES)14.
como retornar ao teste se for possível, desde que o tempo O prejuízo nas trocas gasosas, que piora com o
de seis minutos ainda não tenha finalizado. O avaliador exercício, é secundário a múltiplos fatores, sendo os prin-
não parará o cronometro. Será incentivado por frases de cipais os distúrbios na relação ventilação/perfusão e re-
efeito (como, por exemplo, “você está indo muito bem”) e dução da capacidade de difusão ao monóxido de carbono
será informado acerca do tempo restante para terminar o (DLCO). Na FPI, a queda da SpO2 e a DTC6, são mar-
teste (“faltam apenas 2 minutos”). Entretanto, não devem cadores de mau prognóstico. Lama et al15 e Flaherty et
ser utilizadas palavras de encorajamento . Ao completar
2
al.16, demostraram que a presença de SpO2 mínima ≤88%
os seis minutos, o paciente tem que parar onde estiver, durante o teste se correlacionou com aumento da morta-
o avaliador levará a cadeira para ele sentar e imediata- lidade. Du Bois et al. encontraram que um valor de DTC6
mente serão aferidas as mesmas variáveis pré-teste. O < 250m ou queda > 50m num intervalo de 24 semanas,
avaliador calculará e registrará a distância percorrida pelo aumentou o risco de mortalidade, respectivamente em
paciente2,3. 2.1 e 2.7, sendo preditores independentes de mortalida-
Em caso de o paciente relatar desconforto, dores, de17. Lettieri et al. criaram um novo índice, o produto da
principalmente no tórax, dispneia intolerável, câimbras, distância e da SpO2 mínima (PDS). Avaliaram esse índice,
marcha alterada, palidez ou aparência de desconforto e junto com a DTC6 e a SpO2 mínima individualmente, em
SpO2 < 80%, o teste deve ser imediatamente suspenso. 81 pacientes com FPI. Os pacientes foram acompanhados
Nessa situação o paciente sentará e serão aferidas PA, FC por 12 meses, e após esse período, 48 pacientes estavam
e SaO2, e o médico deverá ser solicitado. Considerando vivos. As medidas da capacidade pulmonar total e da ca-
a SpO2, o teste pode ser reiniciado se ela retornar a um pacidade de difusão eram similares nos 2 grupos, sendo
valor ≥ 85%, desde que o paciente esteja clinicamente a SpO2 em repouso menor no grupo que faleceu. As três
bem .3
medidas do TC6 foram inferiores nesse grupo, porém o
Em caso de paciente em oxigenioterapia o teste produto foi significativamente menor que as outras duas
deve ser realizado com o mesmo fluxo de O2, mantendo o medidas. Um valor de PDS <200 m% esteve associado a
fluxo constante durante todo o teste. Numa análise com- um risco sete vezes maior de morte em 12 metros18.
parativa, se houver mudança no fluxo de O2, isso deve Nas DPI uma forma mais ampla de avaliação fun-
ser considerado na interpretação. É importante a utiliza- cional, além da espirometria, é mandatória. Considerando
ção de um fornecedor ou concentrador de O2 portátil com o pouco acesso aos equipamentos de medida da capa-
carrinho, sabendo que esse peso adicional irá reduzir a cidade de difusão no nosso meio, usar outro teste para
DTC6. O próprio paciente deve carregar a sua fonte de avaliar o prejuízo nas trocas gasosas neste grupo é im-
O22,3. portante. As alterações no teste de exercício cardiopul-
O teste poderá ser realizado duas vezes, com in- monar são capazes de predizer sobrevida na FPI, porém
tervalo entre eles de no mínimo 30 min. Relatar a melhor é um exame de maior custo e complexidade, podendo até
medida da DTC6. Estudos mostraram que o primeiro teste mesmo estar contraindicado na doença intersticial avan-
tem um efeito de aprendizado, melhorando a performan- çada. O teste da caminhada de 6 minutos é simples, de
ce e diminuindo a ansiedade , porem o maior estudo rea-
2
baixo custo e fácil treinamento. É bem tolerado, inclusive
lizado (n = 1514) mostrou uma diferença de apenas 24- naqueles com grande limitação e/ou dependentes de O2,
29 metros (IC de 95%) , variação essa menor do que a
13
havendo critérios bem definidos para interrupção do tes-
considerada significativa, como veremos mais adiante. A te, se necessário3. Alguns autores, como Swigris et al.,
repetição do teste está indicada principalmente quando o sugerem que a recuperação da frequência cardíaca nos
teste for usado para avaliar mudanças ao longo do tempo primeiros minutos após o término do teste é um dado
e em ensaios clínicos .
3
que pode estar associado ao aumento da mortalidade na
FPI19. Baseada em vários estudos, uma revisão recente
TC6 nas doenças intersticiais de aplicação do TC6 na FPI, sugere que o ponto de corte
As doenças intersticiais pulmonares (DPI) abran- para se definir uma diferença de mínima importância clí-
gem um extenso grupo heterogêneo de condições pulmo- nica seja em torno de 35 metros20.
nares crônicas. Elas são associadas a comprometimento Ao contrário da FPI, a implicação clínica das al-
difuso do interstício e são agrupadas em função de acha- terações do TC6 nos pacientes com DPI não FPI, ainda
dos clínicos e tomográficos. A fibrose pulmonar idiopática não está bem estabelecida. Alguns estudos relataram
(FPI) é uma das doenças pertencentes a este grupo. De alterações no TC6 nesses pacientes, comparada com as

Pulmão RJ 2018;27(1):57-62 59
Azevedo KRS, Silva KM Teste de Caminhada de 6 minutos: técnica e interpretação

encontradas em pacientes com FPI13,21. Fernandes et al. Estes trabalhos demostram que a limitação ao
encontraram como únicas variáveis significativamente di- exercício na DPOC parece ser predominantemente mecâ-
ferentes, entre o grupo de FPI e DPI não FPI, a dispneia nica, assim como os trabalhos citadas na seção anterior
inicial (Borg) e o PDS, ambos inferiores no grupo com FPI. demostraram que na DPI a limitação é principalmente nas
Os demais parâmetros do TC6 e capacidade vital (CV) trocas gasosas.
foram semelhantes nos 2 grupos . 21
Nas doenças pulmonares obstrutivas, o TC6 tem
Bloem et al. (2017) discutiram a necessidade de se mostrado mais útil em pacientes com DPOC, porque
realizar 2 testes nos pacientes com DPI e sugerem que neles a tolerância a esforços é multifatorial. Além das
um 2º teste não seja necessário neste grupo. Primeiro, alterações na mecânica pulmonar e nas trocas gasosas,
porque a repetitividade do teste foi muito boa (encontra- existem também alterações na função muscular e na res-
do diferença de 8-11 metros), segundo, porque um único posta do sistema cardiovascular23. No caso dos pacien-
teste foi suficiente para caracterizar uma queda significa- tes asmáticos, as alterações são basicamente mecânicas,
tiva da SpO2. Alguns pacientes não conseguiram realizar com menor repercussão no TC6, como veremos a seguir.
um 2º teste no mesmo dia. Ele salientou que a recomen- Na asma, apesar de o valor de VEF1 ser usado
dação de se realizar 2 testes é baseada em estudos com como marcador do grau de disfunção, em pacientes com
portadores de DPOC22. obstrução grave ele apresenta baixa sensibilidade e capa-
cidade de predizer melhora na tolerância a esforços com
TC6 nas doenças obstrutivas o tratamento. Estudo brasileiro com 60 pacientes asmáti-
Em pacientes com enfisema, o parâmetro que cos, adultos e estáveis, e separados pelo grau de disfun-
melhor se correlacionou com a dispneia são os marcado- ção (valor de VEF1 maior ou menor e igual a 60%T), nos
res de hiperinsuflação dinâmica (HD). Na HD, que ocorre quais foram realizaram o TC6, os valores médios da DTC6
pela piora progressiva do aprisionamento aéreo, a CRF se (pré e pós broncodilatador), assim como a dispneia pré
aproxima da CPT, e a musculatura inspiratória não é mais e pós, não foram diferentes nos dois grupos. Os valores
capaz de gerar um ganho proporcional de volume. Esse médios dos 2 grupos estavam na faixa da normalidade,
mecanismo, que ocorre frequentemente na DPOC, causa considerando Enright 199828. Em outro estudo com 25
a interrupção do exercício por dispneia . Estudos em pa-
23
asmáticos com diagnóstico de asma grave, também não
cientes com DPOC, demostraram boa correlação entre a houve diferença significativa da DTC6 em relação aos va-
DTC6 e o escore de dispneia e a gravidade da doença .
6,24
lores previstos29. A limitação da atividade física em pa-
Chen et al. estudaram 150 pacientes com DPOC estável, cientes com asma grave parece estar associada mais ao
com diferentes graus de severidade. Demostraram que a aumento da resistência de vias aéreas e a doença de pe-
DTC6 esteve associada ao VEF1 (%T) na doença grave e quena via aérea30.
muito grave. A SpO2 se correlacionou com a dispneia na Um estudo acompanhou 69 pacientes com bron-
escala Borg nos diferentes subgrupos. O VEF1 (%T) e a quiectasias não FC durante seis anos. A DTP6 foi signifi-
relação VR/CPT puderam predizer a DTC624. Golpe et al. cativamente maior no grupo que sobreviveu, assim com
estudando a mortalidade em 104 com DPOC, demonstra- a queda da SpO2 menor neste grupo, porem o melhor
ram que a DTC6 e a dispneia ao final do teste se corre- parâmetro do TC6 que foi capaz de predizer a mortalidade
lacionaram com a mortalidade, porém a SpO2 durante o foi o PDS. Um valor de PDS < 280m apresentou uma taxa
teste não foi útil nessa análise .25
de risco de morte muito superior (P<0.001)31.
Waatevik et al. analisaram 423 pacientes com
DPOC no período de 2006-2009, e analisou todos os fa- TC6 nas doenças vasculares
tores relacionados a mortalidade durante o ano 2011. O TC6 tem sido usado como medida de desfecho
Trezentos e setenta pacientes realizaram o TC6 e a des- primário em diversos estudos com hipertensão arterial
saturação do O2 durante o teste dobrou o risco de morte pulmonar (HAP), de várias etiologias, sendo inclusive
e aumentou o risco de exacerbação. Neste grupo foi ob- usado como parâmetro para aprovação de novas drogas
servado o dobro do declínio anual de CVF e VEF1, e uma para o tratamento de HAP32. Souza et al. observaram que
maior perda anual da massa corpórea . Enright, em edi-
26
pacientes com DTC6 >400 metros, tinham após 6 meses,
torial de 2016, salientou que a SaO2 mínima pode ocorrer risco reduzido de internação ou morte por HAP. Por outro
durante ou após o término do teste, devendo, portanto, a lado, a variação do DTC6 após seis meses não se associou
oximetria ser mantida após o término por alguns minutos. ao risco de internação ou morte pela HAP33.
Segundo ele, o TC6 ajuda na determinação da severida- Estudos com resultados positivos no TC6 também
de da doença, como marcador de qualidade de vida, no são encontrados na HAP por doença tromboembólica crô-
fenótipo da DPOC e no prognóstico, podendo ser usado nica, assim como na ES34,35. Na esclerodermia a DTC6 re-
também como uma avaliação objetiva de resposta ao tra- duzida pode estar associada a presença de DPI, de HAP
tamento .27
ou ambas. A presença de HAP tende a apresentar uma

60 Pulmão RJ 2018;27(1):57-62
Azevedo KRS, Silva KM Teste de Caminhada de 6 minutos: técnica e interpretação

DTC6 mais reduzida independente da associação ou não Mathai et al. estimaram a diferença mínima clini-
com a DPI . Sanges et al. analisaram 298 pacientes com
37
camente importante (DMI) em 405 pacientes com HAP, e
ES com realização sistemática de TC6. Quarenta e dois a menor diferença percebida como benéfica após 16 se-
por cento apresentavam DPI e 6% tinham HAP. A DTC6 manas de tratamento com tadalafila. Havia 247 casos de
se associou a hipertensão pulmonar, mas não com a DPI. HAP idiopática, 96 casos associados a doenças do coláge-
O envolvimento muscular ou articular não se se associou, no e o restante dos casos apresentava etiologias diversas.
de forma independente, com a DTC614. Em pacientes com Encontrou um DMI em torno de 33m, tanto na análise
ES frequentemente não é possível a monitorização por distribucional como no método anchor12.
oximetria pela doença vascular periferia (fenômeno de
Raynaud).

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62 Pulmão RJ 2018;27(1):57-62
Carvalho SRS Teste de broncoprovocação e hiperresponsividade

Artigo

Teste de broncoprovocação e hiperresponsividade


Bronchoprovocation test and hyperresponsiveness

Sônia Regina da Silva Carvalho1

Resumo

Os testes de broncoprovocação (TBP) tem por finalidade identificar a presença de hiperresponsividade brô-
nquica (HRB) medida pelo grau da broncoconstricção consequente ao estreitamento brônquico, edema ou oclusão
das vias aéreas. Os TBP tem sido utilizado não só para pesquisa, mas habitualmente realizados para excluir ou con-
firmar uma suspeita de diagnóstico de asma. Os TBP podem utilizar estímulos diretos como a metacolina e indiretos
como o exercício. Ao longo dos anos as normatizações referentes aos TBP foram sendo publicadas e contam com
protocolos bem definidos para cada tipo de TBP. Esta revisão teve como objetivo apresentar a importância dos tes-
tes de broncoprovocação na prática da pneumologia com ênfase nos TBP com metacolina e exercício apresentando
seus aspectos técnicos e a interpretação dos resultados.

Descritores: teste de provocação brônquica, asma

Abstract

The purpose of bronchoprovocation tests (BPT) is to identify bronchial which is hyperresponsiveness measu-
re by the severity of bronchoconstriction caused by bronchial thickness, edema or ay occlusion. BPT are been used
for research and to confirm or exclude asthma diagnosis. Direct stimuli (methacholine) or indirect (as exercise) can
be used in BPT. For many years, publications about BPT standardization by world respiratory societies established
the protocols for most BPT tests. This review aims to present the importance of the bronchoprovocation tests in the
practice of pulmonology and describes technical aspects and interpretation results of methacholine and exercise
tests.

Keywords: bronchial provocation tests, asthma

1. Professora Associada de Pneumologia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio).


Endereço para correspondência: Rua Mariz e Barros, 775, Tijuca, 20270-901, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
Email: [email protected]

Pulmão RJ 2018;27(1):63-68 63
Carvalho SRS Teste de broncoprovocação e hiperresponsividade

cipalmente diagnosticada através da história clínica e pela


Introdução e Histórico
espirometria que pode demonstrar a reversibilidade da
Os testes de broncoprovocação (TBP) tem por
obstrução do flux aéreo. No entanto, a espirometria pode
finalidade identificar a presença de hiperresponsividade
ser inconclusiva sendo indicado o TBP em casos de sus-
broônquica (HRB) medida pelo grau da broncoconstricção
peita de asma. Os TBP também podem ser utilizados em
consequente ao estreitamento brônquico, edema ou oclu-
situações em que a hiperresponsividade pode ocasionar
são das vias aéreas. Os TBP têm sido utilizados não só
risco de vida a profissionais como mergulhadores, alpinis-
para pesquisa, mas habitualmente realizados para excluir
tas entre outros11. Os TBP podem ser realizados utilizan-
ou confirmar uma suspeita de diagnóstico de asma1.
do de estímulos diretos como a metacolina e histamina,
Historicamente, os testes de broncoprovocação fo-
ou indiretos como exercício. A metacolina é um agente
ram inicialmente testados em modelos animais, em 1910,
muscarínico sintético que interage diretamente nos re-
por Dale e Laidlow2 que utilizaram a histamina como
ceptores muscarínico da musculatura lisa das vias aéreas
agente farmacológico inespecífico. Em 1921, Alexander
resultando em constrição e estreitamento da via aérea.
e Paddock3 demonstraram em humanos, o efeito bron-
Ocorrendo o mesmo em testes com histamina. Quando
coconstricção da pilocarpina parenteral, desencadeando
os receptores muscarínico são diretamente estimulados
sintomas em asmáticos, diferindo de indivíduos normais.
ocorrerá um aumento na resistência das vias aéreas de-
Weiss4, na mesma época, demonstrou esse mesmo efeito
corrente do encurtamento da musculatura lisa.12-14
com o uso de histamina parenteral. Em 1940, Curry e
Os TBP com estímulos indiretos através do exercí-
Lowell5 utilizaram a histamina e a metacolina inalatória e
cio ou outros estímulos como a hiperventilação eucápnica
parenteral para produzir obstrução brônquica em indiví-
provocam resfriamento e ressecamento das vias aéreas
duos sadios e asmáticos. Posteriormente, Tiffeneau e Be-
e consequentemente broncoconstricção relacionada a
auvallet (1945)6 iniciaram estudos sobre a utilidade clínica
mudanças na osmolaridade do epitélio das vias aéreas
dos testes de broncoprovocação e popularizaram o uso da
pela perda de água11. A utilização de salina hipertônica
acetilcolina como agente broncoprovocador, tendo como
também tem efeito na osmolaridade e mais recentemen-
principais desvantagens, a meia vida curta e a rápida ina-
te utilizando o manitol. Outros testes indiretos utilizando
tivação pela colinesterase. Entretanto, apenas a partir de
a adenosina monofosfato e alérgenos específicos podem
meados dos anos 60, os estudos foram retomados escla-
provocar bronconstricção através do estímulo de célu-
recendo pontos controversos.
las e/ou mediadores inflamatórios e neurais. A resposta
A normatização dos testes de broncoprovocação
broncoconstrictora através de mecanismos inflamatórios
permitiram, a partir dos anos 70, a comparação entre
decorrente de estímulos indiretos em indivíduos é varia-
resultados obtidos em laboratórios diferentes e compre-
da podendo ser diferente em TBP direto e indiretos. Os
endiam o controle de fatores técnicos e não técnicos. Os
TBP indiretos são úteis na confirmação do diagnóstico de
fatores técnicos incluem o método de geração do aeros-
asma, mas não em sua exclusão10. Além disso, se cor-
sol, a inalação, preparo e conservação dos agentes far-
relacionam melhor com a inflamação das vias aéreas e
macológicos, a medida da resposta e a expressão dos
também tem importância no monitoramento da respos-
resultados. Os fatores não técnicos envolvidos referem-se
ta da terapia anti-inflamatória1,15. Os TBP por exercício e
à obstrução do fluxo aéreo, infecção respiratória recente
hiperventilação eucápnica têm indicação em casos com
e a exposição recente a alérgenos7.
sintomas associados a esses estímulos assim como sus-
No Brasil, a Sociedade Brasileira de Pneumologia
peita de asma induzida pelo exercício e em praticantes de
(SBPT) em 20028 publicou diretrizes para os testes de
mergulho16.
broncoprovocação. Anteriormente, as Sociedades Ame-
As contraindicações dos TBP estão resumidas
ricana (ATS) e europeia (ERS) publicaram em 19939 e
na Quadro 1 e necessitam ser observadas pois podem
199910 suas padronizações para TBP em conjunto e a
comprometer a qualidade do TBP assim como orientar
ERS1 revisitou o tema em 2017 sendo utilizado por esse
na seleção do paciente que tem condições de realizá-lo.
autor como base dessa breve revisão.
É indispensável uma avaliação pré-teste para identificar
possíveis riscos ao paciente além da observância da pos-
Considerações gerais, indicações e
sibilidade de o mesmo realizar as manobras espiromé-
contraindicações
tricas e técnicas de inalação inerentes ao protocolo dos
O termo responsividade da via aérea se refere à
TBP17.
facilidade que a via aérea se estreia quando é estimu-
lada por agentes provocadores. A hiperresponsividade
brônquica (HRB) é definida como um aumento do grau
de estreitamento da via aérea em indivíduos expostos a
agentes broncoconstrictores8.
A asma é o modelo de doença com HRB e é prin-

64 Pulmão RJ 2018;27(1):63-68
Carvalho SRS Teste de broncoprovocação e hiperresponsividade

Quadro 1. Contraindicações para realização de Testes de Broncoprovocação* assintomáticos1. Respostas a metacolina


prolongadas ou retardadas são raras, mas
os riscos potenciais de broncoconstricção
grave não deve ser desprezada e as me-
didas de segurança no laboratório devem
ser sempre respeitadas1.
A metacolina pode ser adquirida
sob a forma de pó cristalino branco. Ela
possui alto poder higroscópico e há ne-
cessidade de dessecar cuidadosamente
a substância para que a preparação das
soluções baseadas no seu peso seja rea-
lizada de maneira adequada e não com-
prometam os resultados de sua utilização
nos TBP. O problema da estabilidade das
soluções de metacolina já foi estudado,
tendo sido verificado que as soluções de
metacolina permanecem estáveis por um
período de 4 meses e devem ser estocadas
a uma temperatura de 4oC10. A contami-
Legenda: VEF1 = volume expiratório forçado no 1° Segundo. *Adaptado: Coates AL, Wanger nação bacteriana degrada rapidamente as
J, Cockcroft DW, et al. ERS technical standard on bronchial challenge testing: generalconside- soluções de metacolina, portanto, é indica-
rations and performance of methacholine challenge tests. Eur Respir J. 2017; 49:1-17.
do o uso de alíquotas individuais para cada
Teste de broncoprovocação com me- concentração de metacolina10.
tacolina As soluções de metacolina devem ser manipula-
A metacolina inalada estimula diretamente os re- das por farmacêutico ou profissional qualificado seguindo
ceptores muscarínicos (M3) da musculatura lisa das vias as recomendações estabelecidas para soluções estéreis e
aéreas. Ela é metabolizada pela acetilcolinesterase, mas utilizando solução salina como diluente18.
de maneira mais lenta do que a acetilcolina e seus efeitos As concentrações de metacolina utilizadas no TBP
podem ser bloqueados parcialmente por drogas anti-coli- podem variar conforme a utilização de um protocolo com-
nérgicas como o brometo de ipratrópio (Quadro 2) sendo pleto com a concentração inicial de 0,625 mg/ml de me-
necessário observar o tempo de suspensão das drogas tacolina que vão sendo duplicadas até 16 mg/ml. Outro
para a realização do TBP com metacolina1. protocolo, o encurtado se inicia também com a concen-
tração de 0,625 e em seguida multiplicados por 4 até a
Quadro 2. Recomendações para a suspensão das drogas broncodilatadoras para realização de concentração de 16mg/ml1.
TBP com metacolina*. Desde 1999, a ATS10 recomenda
para o teste de broncoprovocação com
metacolina o método do volume corrente e
o método do dosímetro10, com equipamen-
tos de liberação do aerossol específicos
e com estudos demonstrando resultados
semelhantes entre eles. Esses métodos de
geração de aerossol são muito utilizados;
um foi proposto por Chai e cols19 que uti-
liza um nebulímetro e um dosímetro que
controla a liberação do agente farmaco-
lógico por 6 segundos. São feitas 5 ina-
Adaptado: Coates AL, Wanger J, Cockcroft DW, et al. ERS technical standard on bronchial lações, de cada concentração, a partir da
challenge testing: general considerations and performance of methacholine challenge tests. Eur capacidade residual funcional. O outro mé-
Respir J. 2017; 49:1-17.
todo foi introduzido por Cockcroft e cols20
Milhares de testes de broncoprovocação já foram e Junniper e cols21 e utilizava um nebulímetro Wright para
realizados sem efeitos adversos significativos1. Habitual- gerar o aerossol, que é inalado por 2 minutos em volume
mente ocorrem sintomas leves como sibilos, tosse, disp- corrente, fornecendo um débito de cerca 0.13ml/min e
neia e opressão torácica embora muitos permanecem um tamanho de partícula de cerca de 1,3 m de massa

Pulmão RJ 2018;27(1):63-68 65
Carvalho SRS Teste de broncoprovocação e hiperresponsividade

de diâmetro2. No entanto, estudos mais recentes identi- está indicado em situações de broncoconstricção induzida
ficaram pequenas diferenças entre os métodos em con- pelo exercício em asmáticos e também em profissionais
centrações mais baixas de metacolina em pacientes com que atuam em situações de emergência como policiais,
asma mais grave e em indivíduos com HRB mais leve os bombeiros e forças armadas27,28. O TBE também tem sido
métodos não foram semelhantes22,23. Indivíduos com HRB utilizado para avaliar o efeito das terapias anti-inflamató-
leve pelo método do volume corrente pode ser conside- rias em asmáticos9,10,29,30. As contraindicações são as mes-
rado normal pelo método do dosímetro. Em um estudo o mas de outros testes de broncoprovocação já descritas
falso-negativo chegou a 25% em todos os testes e a 50% na tabela 11. Também está contraindicado em indivíduos
para HRB leve/moderada24. Essa diferença pode ser cau- com angina instável e arritmias1,9,10 assim como também
sada pela bronca dilatação relacionada à manobra de ins- em pacientes com problemas ortopédicos que possam
piração máxima e a suspensão da respiração no nível da interferir na atividade física na esteira ou bicicleta. Está
capacidade pulmonar total. Esse efeito foi identificado em indicado, à título de prevenção a realização de eletrocar-
indivíduos normais e asmáticos leves, mas não em indiví- diograma em pacientes com mais de 60 anos10.
duos mais graves . Por esse motivo aí, o consenso de
25,26

2017 da ERS1 não recomenda o uso de equipamentos que Interpretação


necessitem de inspiração máxima a nível da capacidade A determinação do VEF1 através das manobras es-
pulmonar total e, portanto, o equipamento do dosímetro pirométricas usuais antes e após o exercício em posição
a ser utilizado com a liberação e dose a volume corrente sentada está preconizada no TBE1,11. Devem ser realiza-
ou inspiração submáxima. das 2 a 3 manobras de CVF aceitáveis e com a diferença
do VEF1 entre as curvas menores que 0,2 L. A cada etapa
Interpretação de teste será selecionado sempre o maior valor do VEF110.
O volume expiratório forçado no primeiro segundo A cada etapa do teste, o VEF1 será convertido em per-
(VEF1) é o parâmetro utilizado no TBP por possuir exce- centual do valor do VEF1 basal, isto é, antes do exercício.
lente reprodutibilidade. Após a inalação de uma dose da Quando ocorre redução maior ou igual a 15% do VEF1
metacolina, em seguida se determina o VEF1 em mano- basal se considera um TBE positivo1,9,10.
bras de capacidade vital forçada 30 e 90 segundos após
cada inalação e se seleciona o maior VEF1 entre elas. Por Conclusão
conseguinte, se obtém uma curva dose-resposta repre- Os testes de broncoprovocação são importantes
sentada no eixo X por escala logarítmica a concentração ferramentas no diagnóstico de asma por determinarem a
de metacolina inalada e no eixo Y o valor do VEF1. A con- presença de HRB através de estímulos diretos (por exem-
centração de metacolina responsável pela queda de 20% plo, a metacolina) e indiretos (por exemplo, o exercício).
do VEF1 na curva dose-resposta e denominada de PC20 Os TBP têm suas peculiaridades em termos de especifi-
(isto é, concentração provocadora da queda de 20% do cações técnicas, protocolos específicos e interpretação de
VEF1), sendo reconhecida como índice de HRB. Quando resultados que necessitam ser observadas. Sendo assim,
a PC20 é menor que 1 mg/ml de metacolina tem especi- é importante compreender os TBP mais utilizados na prá-
ficidade e valor preditivo positivo quase de 100% para o tica clínica a fim de que possamos indicá-los e interpretá-
diagnóstico de asma. Se o PC20 é menor que 8-16 mg/ml, -los adequadamente.
considera-se que existe HRB. Estudos mostraram que se
os resultados de PC20 não for menor que 10 praticamente
descarta o diagnóstico de asma6-8. Quando o resultado e
demonstrado como dose cumulativa para queda de 20%
do VEF1 denomina-se de PD20 (isto é, dose provocadora
para queda de 20% do VEF1)6,9.

Teste de broncoprovocação por


exercício
O teste de broncoprovocação por exercício (TBE)
é também um teste de provocação indireto que identifi-
ca a HRB através do ressecamento e resfriamento das
vias aéreas9,10. Tem grande utilidade para diagnóstico na
maioria dos pacientes com asma induzida pelo exercício
(AIE). O resfriamento e ressecamento das vias aéreas es-
tão envolvidos na liberação de mediadores inflamatórios
como a histamina e leucotrienos. De modo geral o TBE

66 Pulmão RJ 2018;27(1):63-68
Carvalho SRS Teste de broncoprovocação e hiperresponsividade

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68 Pulmão RJ 2018;27(1):63-68
Filho JCR, Araújo AMS Pressões respiratórias estáticas máximas

Artigo

Pressões respiratórias estáticas máximas


Maximum static respiratory pressures

Júlio Cezar Rodrigues Filho1, Ana Maria Silva Araújo2

Resumo

A avaliação da função pulmonar consiste em diversas medidas e manobras que, em seu conjunto, nos forne-
ce um panorama do funcionamento da musculatura respiratória. Testes para a análise da força muscular respiratória
devem ser solicitados diante de indicações clínicas, como a presença de ortopneia, queda da capacidade vital ou
diante de um grupo de doenças que cursam com comprometimento destes músculos, como as doenças neuro-
musculares. Espirometria, teste de contagem, pico do fluxo da tosse, pressões inspiratória e expiratória máximas e
pressão de inspiração nasal nos fornecem dados relevantes na análise da força muscular inspiratória, importante na
detecção precoce da insuficiência respiratória, e da força expiratória, importante na força e competência da tosse.
Abordamos as técnicas mais utilizadas e destacamos a importância do uso integrado das informações e da necessi-
dade de avaliações periódicas, principalmente em pacientes com fatores de risco. São informações importantes na
prevenção de complicações, melhora da qualidade de vida e aumento da sobrevida destes pacientes.

Descritores: pressão inspiratória máxima, pressão expiratória máxima, pico do fluxo da tosse, pressão de
inspiração nasal

Abstract

The assessment of pulmonary function consists of several measurements and maneuvers that, together,
give us an overview of the functioning of the respiratory musculature. Tests to analyze the respiratory muscular
strength should be solicited when there are clinical indications, such as the presence of orthopnea, decline of vital
capacity, or in face of a group of diseases that impair those muscles, as do the neuromuscular diseases. Spirometry,
single breath counting test, peak of cough flow, maximal inspiratory and expiratory pressures and nasal inspiration
pressure give us relevant data for the analysis of the muscular inspiratory and expiratory force, important elements
for coughing force and competence. We approach the techniques that are most used, and highlight the importance
of the integrated use of the information and the necessity of periodical assessment, especially for patients that
present risk factors. They are important for the prevention of complications, the improvement of life quality, and
the possibility of enhancing the survival rate of the patients.

Keywords: maximum inspiratory pressure, maximum expiratory pressure, peak of cough flow, nasal inspi-
ration pressure

1.Médico Pneumologia (SBPT/AMB) e na área de atuação em Medicina do Sono (AMB), Mestre em Neurociência PPGNeuro/UNIRIO, Médico Pneumologista
da TDN/AFIP (Tratamento de Doenças Neuromusculares), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
2.Médica Pneumologista e do Laboratório de Fisiopatologia Pulmonar do Instituto de Doenças do Tórax (IDT/UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Endereço para correspondência: Rua Professor Rodolpho Paulo Rocco, 255, Cidade Universitária, 21941-913, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
Email: [email protected]

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Filho JCR, Araújo AMS Pressões respiratórias estáticas máximas

Introdução Indicações
Várias doenças têm seus cursos patológicos li-
A avaliação da função pulmonar consiste em diver-
gados à perda de força da musculatura respiratória. A
sas medidas e manobras que, em seu conjunto, nos for-
presença de dispneia, não explicada por outras condições
nece um panorama da mecânica ventilatória, permeabili-
clínico-patológicas, queda dos valores de CV e condições
dade das vias aéreas, competência das trocas gasosas e
que nos levem a suspeitar da ineficiência da tosse, são
funcionamento da musculatura respiratória. Os músculos
situações em que a apropriada avaliação da função mus-
respiratórios são os únicos músculos esqueléticos envolvi-
cular se faz necessária7.
dos na manutenção de uma função eminentemente vital1.
Pacientes com DPOC avançada podem perder
Resumidamente podemos dividi-los em:
massa muscular e isto implica em um pior prognóstico,
Músculos Inspiratórios que participam ativamente
por isso, um acompanhamento de parâmetros envolvidos
da inspiração:
nesta avaliação se faz necessário.
• Diafragma (maior e mais importante músculo
A avaliação das condições de desmame de respi-
respiratório);
radores mecânicos, em pacientes de Unidades de Terapia
• Músculos Intercostais Externos;
Intensiva, ou de reversão de traqueostomias utilizam pa-
• Músculos Inspiratórios Acessórios - Esternoclei-
râmetros de função da musculatura respiratória.
domastóideos, levantadores das costelas.
As doenças neuromusculares, entretanto, são
Músculos Expiratórios que participam da expiração
sem dúvida, os casos em que estas informações ganham
forçada, já que numa situação de normalidade a expi-
maior relevância médico-fisioterápica, sendo de crucial
ração se dá de forma passiva, após o relaxamento da
importância no estabelecimento de prognósticos e medi-
musculatura inspiratória:
das terapêuticas como, por exemplo, o uso de ventilação
• Músculos Intercostais Internos;
mecânica não invasiva (VMNI), aparelhos e medidas de
• Músculos Abdominais1.
tosse assistida etc8. No Quadro 1, encontramos um qua-
A fraqueza da musculatura respiratória é definida
dro com as principais doenças para as quais é indicada
como a inabilidade de gerar valores normais de fluxo e
uma avaliação rotineira da força muscular respiratória.
pressões aéreas durante uma inspiração ou expiração2.
Devemos realizar a avaliação da força dos músculos res-
piratórios diante da suspeição clínica. Sinais e sintomas
como dispneia, ortopneia, tosse ineficaz ou queda inex-
plicada da capacidade vital (CV) podem ser indicativos da
diminuição da eficácia dessa musculatura.
A apropriada avaliação da musculatura respirató-
ria, no entanto, não é habitualmente solicitada, mesmo
tratando-se de método fácil e prático. Isto se deve, pro-
vavelmente, ao pouco uso destas informações na conduta
terapêutica da maioria dos especialistas, no entanto, o
enfraquecimento da musculatura inspiratória é uma causa
importante de dispneia3, sintoma extremamente comum
em nossos pacientes e motivo suficiente para se dar mais
atenção a este aspecto. Além disso, a avaliação é de cru- Quadro 1. Lista de doenças neuromusculares
cial importância na condução das doenças neuromuscula-
res, cujos pacientes em estágios avançados desenvolvem
insuficiência respiratória decorrente da fraqueza muscu-
Métodos
Espirometria
lar4, assim como na determinação da qualidade de vida e
Toda avaliação da força muscular respiratória
sobrevida de pacientes com DPOC ou ainda na extubação
deve ser iniciada pela espirometria, pois pacientes com
de pacientes em Unidades de Terapia Intensiva (UTI)5.
deficiências musculares podem apresentar diminuição da
Vários métodos podem ser utilizados para avaliar
capacidade vital (CV) e da capacidade vital forçada (CVF).
a competência muscular. Os mais habitualmente usados
A capacidade pulmonar total (CPT) também pode estar
são as pressões respiratórias estáticas máximas, como a
reduzida, porém necessita de testes de medida de volu-
Pressão Inspiratória Máxima (PImáx) e a Pressão Expira-
mes estáticos.
tória Máxima (PEmáx)6, porém outros testes podem nos
A queda dos parâmetros espirométricos, no entan-
fornecem informações adicionais. Apresentaremos algu-
to, pode acontecer mais tardiamente. Valores de CV nor-
mas destas técnicas.
mais foram registrados em pacientes que já mostravam
perda da força muscular pelas avaliações de pressão ins-

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Filho JCR, Araújo AMS Pressões respiratórias estáticas máximas

piratória máxima (PImáx) e pressão expiratória máxima Pico de fluxo da tosse (PFT)
(PEmáx). A queda de PImáx é mais precoce e, portanto, Esta medida é um acesso direto à qualidade e for-
uma efetiva queda de CV ocorre apenas quando a medida ça da tosse do paciente. Para a retirada eficaz do muco
da força muscular está abaixo 50% do previsto9. Chaudri ou corpos estranhos das vias aéreas baixas, é necessário
et al. e Polkey et al., em seus trabalhos, indicam que a um pico de fluxo de grande magnitude, como os gerados
inexistência do pico de fluxo na curva fluxo-volume da pela tosse em indivíduos normais. Uma tosse competente
espirometria tem correlação com a presença de fraque- é consequência de volumes pulmonares efetivos e da nor-
za muscular, podendo este achado anteceder a queda da malidade da função neuromuscular15.
CV10,11. Usando um medidor de peak-flow acoplado à boca
A comparação de resultados espirométricos entre do paciente, este deve ser estimulado a tossir partindo da
exames do mesmo paciente, realizados na posição senta- CPT, ou seja, após uma inspiração máxima, anotando-se
da e em posição supina traz forte suspeição do compro- as medidas encontradas. As manobras devem ser repe-
metimento da força diafragmática. Indivíduos normais, tidas por até 10 vezes até que os três melhores resulta-
em supino, conseguem valores de CV iguais ou maiores dos não possuam variabilidade maior que 10%16. Valores
do que sentados, porém uma queda ≥ 40% da CVF é abaixo de 160 L/min são indicativos de tosse ineficaz.
muito indicativa de perda da eficácia diafragmática, o que Considerando que a presença de infecção respiratória pio-
pode levar à queda do volume corrente (VC) durante o ra a força muscular, valores < 270 L/min já podem indicar
sono. Diferenças de 20% de CVF em adultos entre as a necessidade do uso de aparelhos de tosse assistida9.
duas posições já devem ser suficientes para a suspeição
de fraqueza muscular pelo clínico ou especialista9. Em PImáx/PEmáx
crianças com doenças neuromusculares esta diferença A PImáx reflete a força do diafragma, dos mús-
pode ser de apenas ≥ 7%8. culos intercostais externos e musculatura inspiratória
Uma CV ou CVF < 50% do predito é indicativo de acessória, enquanto a PEmáx reflete a força da muscula-
fraqueza muscular acentuada. Em pacientes com doen- tura expiratória e a qualidade da tosse17.
ças neuromusculares uma queda de 15% da CVF num O equipamento utilizado para a medida das pres-
período de três meses também é um fator de suspeição. sões máximas pode variar. Os mais comumente usados
Pacientes com distrofia neuromuscular de Duchenne que são os Manovacuômetros analógicos, mas existem apa-
apresentem CV < 1L possuem uma sobrevida reduzida. relhos digitais, que possuem módulos para esta aferição.
Além disso, valores de volume expiratório forçado no pri- O importante é que tenham capacidade de medir preci-
meiro segundo (VEF1) ≤ 20% do previsto estão associa- samente pressões positivas e negativas de forma linear,
dos à hipercapnia em vigília12. permitam ajustes e calibrações. A faixa de aferição ideal
seria +200 à – 150 cm H2O, mas faixas menores podem
Teste de contagem - single breath ser utilizadas diante da maior necessidade de precisão
counting test (SBCT) entre +100 à – 100 cm H2O (18) (Figura 1).
Um teste de fácil realização e que tem apresentan-
do boa correlação com os resultados da espirometria13.
Vem sendo utilizado para avaliação de pacientes com do-
enças neuromusculares com risco de declínio respirató-
rio rápido, mas também pode ser utilizado para isolada
avaliação periódica e comparativa da função respiratória.
Além disso, pode ainda ser realizado em posição sentada
e em decúbito dorsal para avaliar mais especificamente a
fraqueza diafragmática14. Figura 1. Manovacuômetro

O teste de contagem consiste em quão longe o


indivíduo consegue contar, com tom de voz normal de- As fibras musculares possuem maior eficácia na
pois de esforço inspiratório máximo, numa contagem na execução do seu esforço quando se apresentam em seu
cadência de dois números por segundo. Trabalhos ante- comprimento fisiológico favorável. Para a PImáx, teremos
riores sugerem que o teste se correlaciona com medidas maior força muscular quando a mensuração parte de um
padrões da função respiratória no adulto, principalmente volume próximo do volume residual (VR). De modo con-
com os valores de CVF13, mostrando que esta manobra trário, a medida mais eficaz da PEmáx ocorre quando esta
simples pode ser usada na monitoração da deterioração parte de um volume próximo à CPT1,18,19.
da função pulmonar. O paciente deve estar preferencialmente sentado
em posição ereta ou em decúbito dorsal à 45° (é impor-
tante sempre realizar as manobras posteriores, na posi-

Pulmão RJ 2018;27(1):69-74 71
Filho JCR, Araújo AMS Pressões respiratórias estáticas máximas

ção adotada inicialmente), com o aparelho adaptado à


boca usando um clip nasal. Para a mensuração da PImáx, Pressão Inspiratória Nasal (PIN)
o paciente deve ser estimulado a realizar uma expiração A pressão inspiratória nasal (PIN) tem apresenta-
forçada até aproximar-se do VR e então, obstruindo-se do mais reprodutibilidade do que a PImáx, além de evitar
o orifício de escape do manovacuômetro, solicita-se que um resultado superestimado devido ao uso inadequado
realize uma inspiração profunda. Na medida de PEmáx, da força das bochechas21. Para a realização do teste, uma
o paciente, nas mesmas condições descritas acima, deve peça é adaptada a uma narina, enquanto o paciente res-
ser estimulado a realizar uma inspiração profunda, se pira normalmente com a boca fechada. A narina livre, en-
aproximando da CPT e então, com o orifício de escape tão, é obstruída e o paciente estimulado a realizar sniffs
obstruído, realizar uma expiração forçada. Os valores má- de forte intensidade por até 10 vezes. O valor máximo
ximos que se mantiverem por um tempo aproximado de encontrado deve ser aquele considerado como o resulta-
1 a 2 segundos devem ser anotados. As manobras devem do da medida20.
ser repetidas de 3 a 8 vezes, o maior valor deve ser o A associação dos valores de PImáx com a PIN am-
considerado e a reprodutibilidade aceitável entre as ma- plia a sensibilidade e especificidade para o diagnóstico de
nobras deve ser de 10%18,19. fraqueza muscular torácica. PIN <32% do predito tem
A presença de ortopneia e PImáx < -60 cm H2O é uma especificidade de 85% e sensibilidade de 81% em
indicação do uso de VNI em pacientes com esclerose late- prever Insuficiência Respiratória Hipercapnica, enquanto
ral amiotrófica (ELA) . A avaliação da qualidade da tosse
20
valores de PIN > 32 % do predito exclui este diagnósti-
é de fundamental importância, pois nos permite adotar co20.
medidas fisioterápicas para melhorá-la, prevenindo infec- Valores discriminatórios de PImáx, PEmáx (22)
e
ções respiratórias, assim valores de PEmáx ≤ 45 cm H2O PIN (23)
para a população brasileira já foram publicados
estão relacionados a tosse ineficaz9. (Tabela 1).

Tabela 1. Valores discriminatórios de PImáx, PEmáx e PIN segundo Uldry C. et al.21.

Legenda: DP – Desvio Padrão, PImáx – Pressão Inspiratória Máxima, PEmáx – Pressão Expiratória
Máxima, PIN – Pressão Inspiratória Nasal.
* Ortopneia e PImáx < 60% do predito é critério para o início do uso de ventilação mecânica não invasiva
(VMNI)24.
# PIN <32% do predito tem uma especificidade de 85% e sensibilidade de 81% em prever insuficiência
respiratória hipercpanica25.

72 Pulmão RJ 2018;27(1):69-74
Filho JCR, Araújo AMS Pressões respiratórias estáticas máximas

Conclusões Referências
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Pulmão RJ 2018;27(1):69-74 73
74 Pulmão RJ 2018;27(1):69-74
Parente AAAI, Maia PN Testes de função pulmonar em crianças

Artigo

Testes de função pulmonar em crianças


Pulmonary function tests in children

Ana Alice Amaral Ibiapina Parente1, Paula do Nascimento Maia2

Resumo

A avaliação da função pulmonar contribui para o diagnóstico e é importante no acompanhamento do pa-


ciente com doenças pulmonares crônicas. Os testes utilizados na prática clínica pediátrica são capazes de medir os
volumes e capacidades pulmonares, que auxiliam na caracterização dos distúrbios ventilatórios. Existem diversos
exames para avaliar a função pulmonar, entre eles: espirometria, prova broncodilatadora, pico de fluxo expiratório,
oximetria transcutânea e gasometria arterial, testes de broncoprovocação, medida de volumes pulmonares, capa-
cidade de difusão e técnica de interrupção de resistência e da oscilação forçada. O mais usado na pediatria é a
espirometria. Apesar de existirem várias formas de avaliar a função pulmonar da criança, alguns métodos podem
ser caros e outros restritos a uma faixa etária especifica. Ao trabalharmos com crianças, a dificuldade de realização
aumenta, e por isso, devemos entender as diversas maneiras de avaliar a função do pulmão, para escolher o mé-
todo mais adequado para o seu paciente.

Descritores: espirometria, testes de função pulmonar, crianças.

Abstract

The evaluation of pulmonary function contributes to the diagnosis and is important in monitoring the patient
with chronic pulmonary diseases. The tests used in clinical pediatric practice are able to measure lung volume and
capacities, to assist in the characterization of ventilatory disorders. There are several tests to assess pulmonary
function, among them: spirometry, bronchodilator test, peak expiratory flow, Transcutaneous oximetry and arterial
blood gas analysis, testing of bronchial provocation test, measurement of lung volumes, diffusing capacity and
technical interruption of resistance and forced oscillation. The most used in Pediatrics is spirometry. Although there
are several ways to evaluate lung function of children, some methods can be costly and others restricted to an age
group specifies. By working with children, the difficulty of achievement increases, and for that, we must understand
the various ways of assessing lung function, to choose the method best suited for your patient.

Keywords: spirometry, pulmonary function tests, children

1. Professora Adjunta de Pediatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Pneumologista pediátrica do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão
Gesteira (UFRJ).
2. Doutora em Clínica Médica (UFRJ) e Professora Assistente de Pediatria da Universidade Estácio de Sá.
Endereço para correspondência: IPPMG. Rua Bruno Lobo, 50, Cidade Universitária, 21941-912, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
Email: [email protected]

Pulmão RJ 2018;27(1):75-80 75
Parente AAAI, Maia PN Testes de função pulmonar em crianças

valores do CVF e dos do VEF1 < 0,150L. Não devem ser


Introdução
feitas mais do que oito tentativas.
Apesar dos avanços tecnológicos e farmacológi-
Com o objetivo de determinar os resultados como
cos, as patologias pulmonares continuam sendo doenças
normais ou alterados, os valores obtidos devem ser com-
predominantes em nosso meio, afetando significativa-
parados com os previstos para um indivíduo do mesmo
mente a população infantil.
sexo e altura. Consideramos os valores de 80% em re-
Os testes da função pulmonar são realizados para
lação ao previsto, como o limite inferior da normalidade
avaliar a função pulmonar e suas limitações, auxiliar no
para o PFE, CVF, VEF1 e VEF1/CVF e de 70% do valor pre-
diagnóstico e no monitoramento do declínio pulmonar e
visto, para o parâmetro FEF25-75%5-9. Recentemente, reco-
da resposta à terapêutica proposta1-2.
menda-se o uso das equações de referencia do GLI-2012
para pesquisas clínicas para facilitar a comparação inter-
Tipos de testes
nacional. Além disso, o uso de desvio-padrão (z-score)
Vários testes da função pulmonar podem ser uti-
em relação ao valor previsto pode facilitar a compreensão
lizados na população pediátrica. Destacam-se3-4:
dos distúrbios ventilatórios (Tabela 1)10-14.
• Espirometria
Tabela 1. Caracterização dos distúrbios ventilatórios
• Prova broncodilatadora
• Pico de fluxo expiratório
• Oximetria transcutânea e gasometria arterial
• Testes de broncoprovocação
• Técnica de washout de nitrogênio e diluição de
hélio
• Difusão de monóxido de carbono
• Técnica de interrupção de resistência e da osci-
lação forçada
Fonte: Diretrizes para Testes de Função Pulmonar - SBPT (2002)3
Espirometria
É um dos testes de função mais realizados na prá-
O DVO pode ser classificado em níveis de gravida-
tica pediátrica. É capaz de medir alguns volumes, capa-
de (leve, moderado e grave), com ênfase na análise do
cidades e fluxos pulmonares. Geralmente é realizada em
VEF1 e VEF1/CVF. Caso haja conflito entre os graus, opta-
pacientes em escolares e adolescentes, sendo possível de
-se por usar a classificação do mais acentuado3.
ser feita em pré-escolares.
Existem hoje no mercado diferentes tipos de es-
Espirometria em lactentes e
pirômetros, sendo o com o dispositivo fluxo-medido mais
pré-escolares
usado na pediatria. Independentemente do tipo de apare-
As espirometrias em lactentes são realizadas sob
lho, a cooperação do indivíduo à ser examinado, a técnica
sedação, com um colete inflável ao redor do tórax e ab-
realizada, o treinamento do operador e as características
dome do paciente. A técnica inicialmente descrita foi a
pessoais do paciente, irão influenciar nos resultados es-
compressão torácica rápida (CTR). Pode-se realizar a CTR
pirométricos.
a partir de volumes elevados. A critério clínico, podem ser
Resumidamente, o procedimento é dividido em 3
realizadas curvas pós-broncodilatador.
fases: inspiração máxima, expiração forçada e expiração
As manobras em crianças menores de seis anos
contínua até o final do exame. Durante a manobra é ne-
são similares às maiores, porém a aceitabilidade é di-
cessário que o técnico encoraje o paciente a manter a ex-
ferente. A expiração forçada se completa em um tem-
piração, usando para isso os gráficos de incentivo ou fra-
po inferior. Além do VEF1, valoriza-se o VEF0,5, o VEF0,75,
ses como “sopra, sopra, sopra” ou “continua soprando”.
o FEF25%, o FEF50% e o FEF75%. Por meio de orientação
As principais variáveis obtidas na espirometria são:
adequada, consegue-se realizar manobras aceitáveis com
capacidade vital forçada (CVF), volume expiratório força-
sucesso1-4,12.
do no primeiro segundo (VEF1), fluxo expiratório forçado
entre 25-75% da CVF (FEF25-75%), pico de fluxo expiratório
Prova broncodilatadora
(PFE) e relação VEF1/CVF. Dois tipos de curvas devem ser
A prova broncodilatadora, corresponde à realiza-
avaliadas: fluxo-volume (FV) e volume-tempo (VT). Deve-
ção de uma nova espirometria após a administração de
-se ressaltar que a espirometria não é um exame capaz
drogas broncodilatadoras e tem como objetivo analisar a
de medir o VR, a CRF e a CPT.
reversibilidade do DVO. Administra-se o broncodilatador,
Três manobras com CVF aceitáveis são necessá-
geralmente o fenoterol ou o salbutamol, por via inalatória
rias para um teste ser adequado. Além disso, devem ser
e outra espirometria deve ser realizada após 15 minutos.
reprodutíveis, com uma diferença entre os dois maiores

76 Pulmão RJ 2018;27(1):75-80
Parente AAAI, Maia PN Testes de função pulmonar em crianças

Para a avaliação da resposta ao broncodilatador, Os testes com exercícios também podem ser
utiliza-se a variação do VEF1. Em Pediatria, considera-se usados na avaliação da função pulmonar e na resposta
como resposta ao broncodilatador um aumento de 12% broncoconstrictora, como o teste da caminhada (6 e 12
ou superior ao valor inicial e/ou de 200ml .
1-3
minutos), o teste de broncoprovocação por exercício, a
oximetria do exercício ou por meio de medidas gasomé-
Pico de fluxo expiratório tricas seriadas1,4,14.
O pico de fluxo expiratório (PFE) é o volume de
gases liberado na expiração forçada. É indicado para uma Testes para medidas de volumes
avaliação mais simplificada da função respiratória, sendo pulmonares
utilizado principalmente no controle do paciente asmático, Os exames que avaliam a saída e entrada de ar
para avaliação da evolução clínica e resposta terapêutica. − como a espirometria− não são capazes de quantificar
Usado também para reconhecimento da piora pulmonar, os volumes de ar presentes dentro do pulmão. O termo
classificação da asma e suas exacerbações. Este tipo de volumes pulmonares refere-se às medidas da capacidade
medida, quando realizada em aparelho portátil e com um pulmonar total (CPT), volume residual (VR) e capacidade
bom ensino aos responsáveis, pode ajudá-los a perceber residual funcional (CRF). Através dessas medidas é possí-
se há boa adesão às medicações, o momento certo para vel a determinação dos demais volumes. O VR pode variar
a procura de uma emergência, quando iniciar, modificar bastante nas crianças, por isso a relação VR/CPT costuma
ou suspender um determinado tratamento e pode con- ser mais útil na avaliação da função pulmonar. Os exames
tribuir para a determinação de fatores desencadeantes, que fazem a medição direta dos volumes pulmonares são:
como o exercício .
15-16
a pletismografia de corpo total, diluição de hélio e lava-
gem do nitrogênio.
Oximetria transcutânea e
gasometria arterial Pletismografia
A medida transcutânea do oxigênio, realizada pelo Esse exame se baseia na lei de Boyle. Essa lei de-
oxímetro de pulso, é um exame não invasivo e simples de termina que o produto da pressão (P) pelo volume (V) de
ser realizado. Pode ser importante no acompanhamento um gás é constante (P x V = K) em condições isotérmicas
de doenças pulmonares crônicas e para avaliação da ne- mantidas. Esse teste permite medições mais precisas do
cessidade de oxigênio complementar. Considera-se ideal que o método de diluição do hélio, porque inclui áreas
a saturação de oxigênio (SatO2) > 95%. Nos casos de que não se comunicam com as vias aéreas, como nas
alterações significativas na oximetria transcutânea, deve bolhas de enfisema. Dessa forma, é possível determinar o
ser realizada a gasometria arterial. Valida ou não a hipo- volume de todo os gases dos pulmões.
xemia suspeita, se há retenção de gás carbônico (CO2) ou Esse aparelho é composto de uma caixa hermeti-
desequilíbrio ácido-básico14-15. camente fechada que comporta o corpo inteiro do pacien-
te. O interior da caixa contém um obturador, cujo objetivo
Testes de broncoprovocação é impedir a saída do ar pela boca, podendo, dessa forma,
São realizados para avaliação de uma resposta medir a pressão dos gases no interior dos pulmões; um
constrictora exacerbada a estimulantes diversos que po- pneumotacógrafo, que irá medir o fluxo aéreo; e um me-
dem estar presentes no nosso cotidiano. Podem ser rea- didor, para verificar a pressão dentro da caixa.
lizados em laboratórios especializados, capazes de exe- No momento que o paciente para de respirar, a
cutar medidas de emergência, se necessário. Têm como pressão alveolar se iguala à barométrica. Quando o obtu-
principal indicação o diagnóstico de tossidores crônicos de rador é fechado e o indivíduo faz uma exalação forçada,
origem desconhecida. É de grande ajuda nos indivíduos ocorrerá uma elevação da pressão alveolar, que será ve-
sintomáticos com espirometria normal. rificada pelo aparelho. Depois, solicita-se ao paciente que
Pode-se utilizar agentes específicos, como a me- realize respirações basais repetitivas contra o obturador.
tacolina (mais utilizada) ou a histamina, ou o carbacol. O A CPT determinada será correlacionada com seus níveis
teste pode ser considerado positivo, devendo então ser previstos. Para sua realização em lactentes, há necessi-
suspenso, quando o VEF1 tiver uma redução de 20% em dade de sedação.
relação ao valor basal do VEF1, medido antes da admi-
nistração do broncoprovocador. O valor da PC2O (dose Técnica de diluição do hélio
provocativa que faz o VEF1 cair em 20%) servirá para É um exame que utiliza um gás, em um sistema
quantificar o grau dessa reatividade brônquica. Não se fechado, com uma campânula e um analisador de gás. O
deve esquecer de administrar o broncodilatador ao final hélio é o gás mais amplamente escolhido devido as suas
do teste, mesmo que a criança não apresente broncoes- características peculiares de ser um gás inerte, que não
pasmo importante. participa das trocas gasosas, e tem mínima difusibilidade

Pulmão RJ 2018;27(1):75-80 77
Parente AAAI, Maia PN Testes de função pulmonar em crianças

na corrente sanguínea e tecido celular. Isso permite que Técnicas especiais para pré-escolares
ele fique presente exclusivamente dentro dos comparti- A limitação da maioria dos testes da função pul-
mentos pulmonares. monar é o seu uso na população pediátrica jovem. Isso
Enche-se a campânula, os circuitos e traquéias ocorre, devido à pouca cooperação destes para realização
com hélio, com um volume e concentração conhecidos, do exame. Avanços tecnológicos permitiram a introdução
que pode ser diferente nos diversos tipos de aparelhos. de novas técnicas, que visam suprir essa limitação e per-
Abre-se então a conexão deste com a campânula e espe- mitir a avaliação pulmonar em crianças de 2 a 5 anos,
ra-se o momento em que a concentração do hélio no apa- verificando o impacto na vida adulta das intercorrências
relho fique em equilíbrio com a concentração deste, pre- respiratórias na primeira infância.
sente no interior do pulmão examinado. A concentração
do hélio, após a abertura da válvula, reduz rapidamente Técnica de interrupção de resistência
dentro da campânula, e depois de forma mais lenta, até (rint)
alcançar a paridade entre os valores aparelho-pulmão. Essa técnica se baseia na avaliação da resistência
Nas pessoas sadias ou naquelas com distúrbio por interrupção do fluxo aéreo (Rint). Possui várias vanta-
ventilatório restritivo (DVR), essa estabilidade ocorrerá gens práticas. Essa medida é realizada usando um equi-
em 2 a 3 minutos, enquanto no distúirbio ventilatório pamento portátil, que não depende do esforço do pacien-
obstrutivo (DVO), a igualdade será mais tardia. A CRF te. O Rint é uma estimativa da resistência das vias aéreas,
é medida e, através desse valor, é encontrado o VR. O que requer uma breve interrupção do fluxo respiratório,
valor da CRF será elevado conforme a idade e a presença momento este em que o fluxo e a pressão da abertura
de doenças que cursam com o aprisionamento aéreo. Os da via aérea são medidos. A pressão da via aérea é esti-
valores da relação valor obtido/valor previsto serão quan- pulada pela modificação da sua pressão de abertura, no
tificados para medida do VR. momento em que ocorre a interrupção do fluxo de ar.

Método de washout de nitrogênio Técnica da oscilação forçada (FOT)


O conceito dessa técnica se assemelha com a da A técnica de oscilação forçada (FOT) é capaz de
diluição do hélio, e tem objetivos parecidos. Baseia em dar informações específicas da fisiologia respiratória. Sua
uma troca de gases, porém em um circuito aberto. Para vantagem sobre a espirometria é não necessitar de gran-
isso, o paciente adere na face uma máscara com uma de esforço do paciente, pois necessita apenas de respira-
válvula de três vias, que permite a respiração do ar am- ções basais por um período curto.
biente, uma das válvulas é fechada, e o paciente passa a A forma de determinar a impedância é a aplicação
respirar somente O2 a 100%. O gás expirado é direciona- sucessiva de sinusóides de diferentes frequências. Para
do para uma câmara de mistura. O nitrogênio é medido isso, pode-se utilizar três tipos: barulhos aleatórios, uma
continuamente nessa câmara, e a criança continua a res- série de impulsos ou falsos barulhos aleatórios. A FOT é
pirar o O2 concentrado10,17-19. um método confiável de avaliação da hiperresponsividade
brônquica em adultos e crianças22.
Capacidade de difusão para o
monóxido de carbono (DLCO) Conclusões
É um método não invasivo capaz de avaliar a in- A espirometria permanece como o método de ava-
tegridade da membrana alvéolo-capilar e a eficiência das liação da função pulmonar mais utilizado na prática pedi-
trocas gasosas, podendo estimar a transferência do O2 do átrica. Outras formas de auxílio no diagnóstico e monito-
ar alveolar para o interior da hemoglobina, por meio de ramento dos distúrbios respiratórios estão surgindo para
uma medida indireta utilizando-se o monóxido de carbono complementação em todas as faixas etárias.
(CO). Este gás é altamente difusível e com alta afinidade
com a hemoglobina.
A DLCO é indicada para o diagnóstico e avaliação
evolutiva de doenças intersticiais e enfisema pulmonar, e
outras situações onde a determinação da CPT contribuirá
para o diagnóstico, acompanhamento ou escolha da inter-
venção terapêutica. Por meio da medida do CO inspirado
e expirado, calcula-se o CO que foi difundido na membra-
na alvéolo-capilar. O valor encontrado é correlacionado
com os níveis previstos e quantificado20-21.

78 Pulmão RJ 2018;27(1):75-80
Parente AAAI, Maia PN Testes de função pulmonar em crianças

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Pulmão RJ 2018;27(1):75-80 79
80 Pulmão RJ 2018;27(1):75-80
Rufino R, Costa CH, Lopes AJ Diagnóstico e classificação do distúrbio ventilatório obstrutivo

Artigo

Diagnóstico e classificação do distúrbio ventilatório obstrutivo


Diagnosis and classification of obstructive ventilatory disorder

Rogério Rufino1, Cláudia Henrique da Costa1, Agnaldo José Lopes1

Resumo

Este artigo tem como objetivos definir, diagnosticar, classificar a intensidade do distúrbio ventilatório obs-
trutivo, que acontece nas mais comuns doenças crônicas pulmonares como asma e doença pulmonar obstrutiva
crônica (DPOC). O diagnóstico deve ser hierarquizado e sempre como método de escolha a espirometria. Outros
métodos podem ser utilizados para em casos especiais determinar o distúrbio ventilatório obstrutivo especialmente
para pequenas vias aéreas.

Palavras-chaves: Distúrbio ventilatório obstrutivo, espirometria, volume expiratório forçado no 1º segundo,


capacidade vital forçada

Abstract

This article aims to define, diagnose, classify the intensity of obstructive ventilatory disorder, which occurs in
the most common chronic pulmonary diseases such as asthma and chronic obstructive pulmonary disease (COPD).
The diagnosis should be hierarchical and always as a method of choice spirometry. Other methods may be used to
in special cases determine obstructive ventilatory disorder especially for small airways.

Keywords: Obstructive ventilatory disorder, spirometry, forced expiratory volume in the second, forced vital
capacity

1. Universidade do Estado do Rio de Janeiro


Endereço para correspondência: Avenida 28 de Setembro, 77 – 2º Andar – Serviço de Pneumologia - Tel. 21.2868-8248
Email: [email protected]

Pulmão RJ 2018;27(1):81-88 81
Rufino R, Costa CH, Lopes AJ Diagnóstico e classificação do distúrbio ventilatório obstrutivo

Definição so das vias aéreas, o que faz com que haja uma menor
O distúrbio ventilatório obstrutivo (DVO) é a dis- capacidade de mobilização do volume de ar durante a
função ventilatória na qual se observa a redução (ou limi- expiração, acarretando um aprisionamento aéreo.1
tação) dos fluxos expiratórios. Relaciona-se mais comu- Capacidade Vital (ou Capacidade Vital Lenta
mente ao aumento da resistência das vias aéreas (ex.: - CVL): o volume de ar mobilizado entre uma inspiração
asma) ou à redução da retração elástica do pulmão (ex.: e expiração máximas determinado pela manobra lenta.1,2
enfisema). Muitas doenças apresentam distúrbios ven- Ela poderá ser normal ou reduzida. A manobra não força-
tilatórios mistos (DVM), que se caracteriza pelo DVO e da (ou lenta) promove menos compressão intratorácica e
pelo distúrbio ventilatório restritivo (DVR) associado ao é possível que o volume de ar mobilizado seja maior. Em
mesmo paciente. Alguns pacientes podem apresentar o geral, em pessoas saudáveis não há diferença de valores.
chamado distúrbio ventilatório inespecífico (DVI). Este 1 Porém, se houver diferença dos valores encontrados de
último é quando se encontra alguma anormalidade na es- CVL em relação ao valor da CVF (CVL-CVF) pode indicar
pirometria que pode indicar um DVR, mas ao se fazer a obstrução. É considerado anormal, quando o valor for su-
medida de todos os volumes pulmonares, não se constata perior a 10%.
a perda de volume pulmonar. Eles estão normais. Assim, Capacidade Inspiratória (CI): é o volume de
há uma inespecificidade no achado da espirometria.1 ar mobilizado de forma lenta partindo de expiração com-
Uma das importantes definições das possibilidades pleta até inspiração plena. Em pacientes com doença
dos testes funcionais respiratórios é determinar a localiza- obstrutiva, há CI tende a reduzir com a atividade física e
ção da obstrução do fluxo aéreo: nas grandes vias aéreas indicando uma obstrução dinâmica.1
(ex. Asma), nas pequenas vias aéreas (doença pulmonar Volume Expiratório Forçado no 1º segundo
obstrutiva crônica-DPOC em fase inicial), em ambas (ex., (VEF1): permanece normal nas obstruções leves e dimi-
asma e DPOC) ou obstruções de vias aéreas “altas” (larin- nui conforme aumenta o distúrbio ventilatório obstrutivo
ge, traqueia ou brônquios principais). 1 (DVO). Isoladamente não faz o diagnóstico de obstrução,
mas é usado para graduar a intensidade.1
Diagnóstico do Distúrbio Ventilatório VEF1/CVF: este parâmetro é expresso em por-
Obstrutivo centagem. Encontra-se reduzido nos casos dos DVO.
Espirometria Quando dentro do limite de referência teórico, não exclui
A espirometria é o mais importante método e o diagnóstico de obstrução. Nesses casos, os fluxos ins-
considerado o padrão para o diagnóstico de distúrbios tantâneos podem sugerir redução e métodos adicionais
obstrutivos. Em alguns casos, métodos complementares podem ser necessários para confirmação do DVO.1
poderão ser utilizados para certificar ou aprimorar o diag- Volume Expiratório Forçado em Seis segun-
nóstico inicial. Os outros métodos funcionais utilizados dos (VEF6): volume expiratório forçado nos primeiros
que podem ser utilizados são oscilação forçada, medida seis segundos. O VEF6 tem sido utilizado como um substi-
dos volumes pulmonares pela técnica de lavagem de ni- tuto da CVF na relação VEF1/CVF. Seria uma relação VEF1/
trogênio e pletismografia de corpo inteiro. Muitas doen-
1 VEF6, ao invés de VEF1/CVF. Ela tem sido utilizada para
ças apresentam DVO e é fundamental correlacionar os rastreamento de pacientes com obstrução pulmonar, es-
achados funcionais com o desenvolvimento da doença, pecialmente em tabagistas na atenção primária.3
para uma propedêutica mais eficaz (Quadro 1). Tempo de fluxo expiratório forçado entre
Quadro 1. Doenças que cursam com distúrbio ventilatório obstrutivo
25-75% (TFEF25-75%): Tempo expiratório forçado mé-
dio. Em pacientes com DVO tendem a ter valores mais
altos. Porém, há grande variabilidade nos valores de re-
ferência. É um dos parâmetros indicativos de doenças de
pequenas vias aéreas.1
Fluxo expiratório forçado (FEF): Os fluxos ex-
piratórios instantâneos apresentam grande variabilidade
em pessoas normais, o que dificulta a sua valorização.
Obs.:* doenças que podem ter diferentes distúrbios ventilatórios de Nos DVO se apresentam com diminuição.1
obstrutivo, misto ou restritivo.
PFE: pico de fluxo expiratório. Há uma variação
Parâmetros funcionais de referência natural (biológica) do fluxo expiratório durante o dia. Po-
Capacidade Vital Forçada (CVF): o volume de ar rém, não é esperada variação frequente >10% em adultos
mobilizado entre uma inspiração e expiração máximas de- e 13% em crianças. Nestes casos, há uma evidência de
terminada pela manobra forçada. Ela poderá ser normal variação do fluxo aéreo.4 Deve ser avaliada a possibilidade
ou reduzida. Quando a manobra da CVF é realizada na de distúrbio ventilatório obstrutivo com espirometria.
espirometria, existe maior compressão dinâmica e colap-

82 Pulmão RJ 2018;27(1):81-88
Rufino R, Costa CH, Lopes AJ Diagnóstico e classificação do distúrbio ventilatório obstrutivo

Diagnóstico do Distúrbio Ventilatório ciety/European Respiratory Society (ATS/ERS)5 e, em al-


Obstrutivo guns casos, pelo Global Initiative for Chronic Obstructive
O diagnóstico dependerá da análise de quatro da- Lung Disease (GOLD).7 A classificação do GOLD é espe-
dos importantes: reprodutibilidade e aceitabilidade dos cífica para pacientes com DPOC e tem uma característica
parâmetros técnicos da espirometria, relação VEF1/CVF, de considerar um valor fixo da relação VEF1/CVF < 0,7
CVF e VEF1.1,5,6 Na Figura 1 é apresentado o fluxograma (ou 70%). Ao invés, de utilizar o valor inferior ao limite de
de diagnóstico. O modelo mais simples de padronização
6 referência (ou normalidade) da relação (Quadro 2). Essa
é utilizar em primeira análise a razão VEF1/CVF. Ela estan- definição de <0,7 é amplamente aceita, principalmente
do diminuída (abaixo do valor de referência), o distúrbio pela praticabilidade.7 Porém, como o valor do VEF1 dimi-
ventilatório poderá ser considerado obstrutivo. nui mais rapidamente com a idade do que o da CVF, desta
A classificação da gravidade do DVO, poderá ser forma na definição GOLD de obstrução, há uma tendência
realizada pelas recomendações da American Thoracic So- de se diagnosticar mais DPOC em idosos.7
A gravidade do DVO
Quadro 2. Classificação da Gravidade da Obstrução
pode ser determinada pelos
percentuais do teórico encon-
trados do VEF1 ou se paciente
tiver o diagnóstico confirmado
de DPOC, pelos critérios do
GOLD7 (Quadro 3).
Além dos valores en-
Legenda: VEF1 = volume expiratório forçado no 1º segundo; BD = broncodilatador; CVF = capacidade vital contrados na espirometria,
forçada; ATS = American Thoracic Society; ERS = European Respiratory Society; DPOC = Doença Pulmonar
deve-se olhar principalmente
Obstrutiva Crônica; GOLD = Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease
o formato da curva fluxo-volu-
Figura 1. Fluxograma de diagnóstico dos distúrbios ventilatórios
me. O aspecto da curva pode
direcionar para o diagnóstico
do DVO. As Figuras 2 e 3, que
representam a visualização
gráfica da espirografia, apre-
sentam o aspecto das curvas
volume-tempo e fluxo-volume
em pacientes com DVO. As
curvas fluxo-volume são mais
representativas para a iden-
tificação da obstrução. Elas
com o tempo reduzem o pico
de fluxo e começam a ficar
mais achatadas e com meno-
res áreas sobre a curva, dei-
xando de ser uma linha reta,
para concavidades cada vez

Legendas: DVO = Distúrbio ventilatório obstrutivo; DVM = Distúrbio ventilatório misto; DVR = Distúrbio
mais anguladas e paralelas ao
ventilatório restritivo; VEF1 = volume expiratório forçado no 1º segundo; CVF = capacidade vital forçada; LN eixo do volume.1
= limite da normalidade; DPOC = doença pulmonar obstrutiva crônica; ATS = American Thoracic Society; ERS
= European Respiratory Society; GOLD = Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease

Quadro 3. Classificação da Gravidade da Obstrução

Legenda: VEF1 = volume expiratório forçado no 1º segundo; BD= broncodilatador; CVF= capacidade
vital forçada; ATS = American Thoracic Society; ERS = European Respiratory Society; DPOC = Doença
Pulmonar Obstrutiva Crônica; GOLD = Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease

Pulmão RJ 2018;27(1):81-88 83
Rufino R, Costa CH, Lopes AJ Diagnóstico e classificação do distúrbio ventilatório obstrutivo

Figura 2. Curva fluxo-volume e volume tempo de um paciente com DVO e resposta broncodilatadora aéreo. Mas o inverso pode não ser
verdadeiro. A relação VR/CPT que é
um parâmetro útil para identificar,
em fases iniciais, a doença de peque-
nas vias aéreas e o alçaponamento
aéreo.1,8

Obstruções de Grandes
vias Aéreas
A obstrução de grandes vias
aéreas ocorre quando há redução do
fluxo de ar acima das pregas vocais,
traqueia e brônquios principais. Estas
áreas possuem suporte cartilaginoso
Legenda: VEF1= volume expiratório forçado no 1º segundo; CVF = capacidade vital forçada e o fluxo é naturalmente turbilhonar.
Obs. A. Curva fluxo-volume. Notem que há três Linhas. A azul representa a curva fluxo-volume sem O fluxo dependerá da luz pérvea e da
broncodilatação. O formato é mais achatado (convexa) e se aproximando do eixo horizontal (mais
aplainada). Quando utilizou o broncodilatador houve um aumento da área, mas ambas as curvas os pressão dos músculos expiratórios.
fluxos são menores do que o esperado que é a linha verde. O pico de fluxo expiratório é de aproxi- As causas mais comuns de obstrução
madamente de 5L/min; B. Curva volume-tempo. É do mesmo paciente. Houve discreto aumento do
de grandes vias aéreas: disfunção
volume (CVF) após a broncodilatação. A maior variação foi do fluxo que estava limitado.
das cordas vocais, lesões traqueais
Figura 3. Curva fluxo-volume e volume tempo de um paciente com DVO e sem resposta broncodila- e de brônquios principais por esteno-
tadora
se, tumores, malácia e corpo estra-
nho. Uma das sequelas comuns que
levam a obstrução das grandes vias
são estenoses subglóticas ou lesões
granulomatosas pós-intubação oro-
traqueal.9
A alça inspiratória e expirató-
ria da curva fluxo-volume ajudar a in-
terpretar ou sintomas pulmonares ou
doenças das vias aéreas superiores.9
A alça da curva fluxo-volume pode
ser um indicador de possível obs-
trução das vias aéreas centrais e su-
periores. No entanto, muitas curvas
Legenda: VEF1= volume expiratório forçado no 1º segundo; CVF = capacidade vital forçada inspiratórias podem estar anormais
Obs. (A) Curva fluxo-volume. A azul representa a curva fluxo-volume sem broncodilatação. O formato
pela falta de esforço inspiratório. No
é de um pico e praticamente desaba e fica em paralelo ou com grande angulação (convexidade) e se
aproximando do eixo horizontal. Quando utilizou o broncodilatador não houve praticamente aumento Quadro 4 são apresentados os dife-
da área. A fluxo-volume demonstra que não houve resposta aos broncodilatador utilizado. O pico de rentes distúrbios obstrutivos altos e
fluxo expiratório é de aproximadamente de 3,5L/min. (B) Curva volume-tempo. É do mesmo paciente.
Houve discreto aumento do volume (CVF) após a broncodilatação. os dados espirométricos que podem
estar alterados.9

Um dos primeiros volumes a aumentar nos DVO


é o volume residual (VR). Ele representa o volume de ar Obstrução de Pequenas Vias Aéreas
que permanece nas vias aéreas após uma expiração má- As pequenas vias aéreas são definidas como aque-

xima. O volume residual estará elevado tanto no modelo las com diâmetro interno de ≤2 mm e reconhecidas como

de aprisionamento aéreo (air trapping) e na hiperinsufla- o principal local da resistência ao fluxo aéreo. No entan-

ção, em relação a uma pessoa com as mesmas caracte- to, sabe-se que as alterações nas pequenas vias aére-

rísticas fenotípicas de altura, gênero e idade. Quando a as, embora relacionadas à obstrução expiratória do fluxo

capacidade pulmonar total (CPT), que é a soma de todos aéreo, podem ocorrer na ausência de comprometimento

os volumes pulmonares (VR, volume de reserva expira- espirométrico.1,10 Isso levou ao conceito de pequenas vias

tória, volume corrente e volume de reserva inspiratória), aéreas representando a “zona silenciosa” da doença pul-

começar a ter valores percentuais supranormais, o pa- monar (o local de dano pulmonar precoce sem obstrução

ciente começa a ter um padrão de hiperinsuflação. Todo reconhecida ao fluxo aéreo ou sintomas), o que levou ao

paciente que tem hiperinsuflação possui aprisionamento desenvolvimento e validação de novos testes fisiológicos

84 Pulmão RJ 2018;27(1):81-88
Rufino R, Costa CH, Lopes AJ Diagnóstico e classificação do distúrbio ventilatório obstrutivo

Figura 4. Representação esquemática utilizando dois parâmetros funcionais O conceito de fechamento pre-
coce das pequenas vias aéreas durante
a expiração foi explorado no passado,
observando a composição do gás du-
rante diferentes estágios de uma ex-
piração total. O teste de lavagem por
respiração única é realizado inalando
100% de oxigênio do volume residual
(VR) para a capacidade pulmonar total
(CPT) e expirando lentamente (0,4–0,5
L/s) para o VR novamente.1 A análise
da concentração de nitrogênio ao lon-
go dessa expiração é quadrifásico:
Fase I contendo nitrogênio es-
paço morto anatômico;
Fase II envolvendo um rápido
aumento rápido de nitrogênio (fase
Legenda. CV = capacidade vital forçada; VR = volume residual
Obs. O esquema utilizado dos dados funcionais permite compreender a diferença de aprisionamen- brônquica);
to aéreo e hiperinsuflação. O volume residual está elevado tanto no modelo de aprisionamento Fase III envolvendo um aumen-
aéreo e na hiperinsuflação (40%), em relação a uma pessoa com as mesmas características fenotí-
picas de altura, gênero e idade. O aumento da capacidade pulmonar total (soma do volume residu- to contínuo e mais gradual do nitrogê-
al com a capacidade vital) acima do limite de referência determina a hiperinsuflação. Todo paciente nio (fase alveolar);
que tem hiperinsuflação possui aprisionamento aéreo, mas o inverso pode não ser verdadeiro.
Fase IV envolvendo um curto
Quadro 4. Obstrução Alta das Vias Aéreas aumento rápido final de nitrogênio (fe-
chamento das vias aéreas).
O volume de fechamento (VF) é
o volume de gás que resta para expirar,
quando o fechamento das vias aéreas
periféricas começa. Se o VR for co-
nhecido, a capacidade de fechamento
(CC), que é o volume de gás restante
nos pulmões e vias aéreas neste mo-
mento, também pode calculado como a
soma do VR e CF. (Quadro 5)10,11
Legenda: FEF50%=Fluxo expiratório forçado a 50% da curva; FIF50%=Fluxo inspiratório forçado a 50% Em adultos saudáveis, a VF
da curva; PFE=pico de fluxo expiratório; VEF1=fluxo expiratório forçado no 1º segundo; VEF0,5=fluxo
expiratório forçado em meio segundo
ocorre em volumes pulmonares baixos
(pouco antes do final da expiração),
visando detectar anormalidades nas vias aéreas periféri-
como resultado da pressão pleural de-
cas e a resistência associada ao fluxo aéreo.
pendente da gravidade. Na doença pulmonar obstrutiva,
As alterações precoces das vias aéreas ocorrem
a VF é aumentado devido ao fechamento prematuro das
mais comumente nas regiões periféricas dos pulmões ao
vias aéreas, o que pode ocorrer por várias razões (incluin-
nível dos bronquíolos terminais. Ao longo da curva expi-
do perda de recuo elástico como parte do processo de
ratória, as medições de fluxo podem ser realizadas em
enfisema e perda / oclusão de pequenas vias aéreas).11,12
diferentes intervalos que refletem o fluxo de ar pelas di-
Pacientes com enfisema avançado podem ser dis-
ferentes vias aéreas. Estes incluem fluxo expiratório má-
tinguidos de indivíduos saudáveis e de outras doenças
ximo quando 75% da (FEF75%), fluxo expiratório máximo
respiratórias pela maior fase II. Na doença inicial, no en-
quando 50% (FEF50%), fluxo expiratório máximo quando
tanto, o aumento da inclinação da Fase III é mais facil-
25% (FEF25%) e o fluxo expiratório médio (FEF25%-75%)
mente reconhecida.11,12
(Quadro 5).
A técnica de oscilometria forçada (FOT) e a osci-
O FEF25%-75% (ou médio) é o parâmetro que foi o
lometria de impulso (IOS) são métodos inteiramente não
mais amplamente estudado. Porém, ele é dependente al-
volitivos para avaliar a impedância das vias aéreas (sinal
tamente da CVF e pode, portanto, ser reduzido na ausên-
de pressão / fluxo) emitindo pressões oscilatórias de dife-
cia de limitação do fluxo aéreo. Particularmente, quando
rentes frequências (geralmente entre 5 e 35 Hz) no trato
os pulmões de um paciente são menores que a média
respiratório durante a ventilação corrente. A capacidade
para idade, sexo, altura e raça. Portanto, o FEF médio
de isolar a função das vias aéreas periféricas usando um
requer interpretação cautelosa.1,10
Pulmão RJ 2018;27(1):81-88 85
Rufino R, Costa CH, Lopes AJ Diagnóstico e classificação do distúrbio ventilatório obstrutivo

método independente do esforço é importante, pois não Figura 6. Fases da lavagem do nitrogêneo

apenas avalia as pequenas vias aéreas, mas também é


independente da variabilidade dos pacientes relaciona-
dos ao esforço.11,12 Estudos indicam que a IOS não só
é uma medida útil da função das pequenas vias aéreas,
mas também pode ser mais sensível à detecção precoce
da DPOC precoce do que em trabalhos longitudinais da
espirometria (Quadro 5).11,12

Figura 5. Fluxos expiratórios e pequenas vias aéreas

Conclusão
A espirometria é o principal exame para o diag-
nóstico e mensurar a gravidade do DVO. Ele deve ser uti-
lizado para o diagnóstico e acompanhamento da evolução
funcional com o uso do tratamento farmacológico espe-
cífico. Uma espirometria normal não afasta o DVO e ou-
tros métodos de função pulmonar podem ser necessários
para a correlacionar com a principal queixa do paciente: a
dispneia.

Legenda: FEF= fluxo expiratório forçado

Quadro 5. Exames e variáveis utilizadas para o diagnóstico das pequenas vias aéreas.

Legendas: FEF = fluxos expiratórios; VF = volume de fechamento; CF = capacidade de fechamento; Scond = heterogeneidade
condutância das vias aéreas; Sacin = heterogeneidade condutância acinar; Raw = resistência das vias aéreas; sRaw = resistência
específica das vias aéreas; sGaw = condutância específica das vias aéreas; X5 = reatância em 5 Hz; R5 = resistência em 5Hz

86 Pulmão RJ 2018;27(1):81-88
Rufino R, Costa CH, Lopes AJ Diagnóstico e classificação do distúrbio ventilatório obstrutivo

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Rufino R, Costa CH, Lopes AJ Diagnóstico e classificação do distúrbio ventilatório obstrutivo

88 Pulmão RJ 2018;27(1):81-88
Maranhão AA, Carvalho SRS Aplicação dos testes de função pulmonar no diagnóstico e manejo da asma

Artigo

Aplicação dos testes de função pulmonar no diagnóstico e manejo da asma


Application of pulmonary function tests in the diagnosis and management of asthma

Analúcia Abreu Maranhão1, Sônia Regina da Silva Carvalho2

Resumo

O diagnóstico clínico da asma é sugerido por um ou mais sintomas, como dispneia, tosse crônica, sibilância,
opressão ou desconforto torácico, sobretudo à noite ou nas primeiras horas da manhã. As manifestações que su-
gerem fortemente o diagnóstico de asma são a variabilidade dos sintomas. O exame físico do asmático geralmente
é inespecífico, pois muitas das vezes encontra se normal. A presença de sibilos é indicativa de obstrução ao fluxo
aéreo; contudo, pode não ocorrer em todos os pacientes e não ser exclusiva dos pacientes com asma. A confir-
mação deve ser feita por métodos objetivos, uma vez que a história clínica pode não ser elucidativa e os sinais e
sintomas da asma não são exclusivos dessa condição. Os testes diagnósticos disponíveis na prática clínica incluem
espirometria (antes e após o uso de broncodilatador), testes de broncoprovocação e medidas seriadas de pico de
fluxo expiratório.

Descritores: asma, manejo, testes de função pulmonar

Abstract

The clinical diagnosis of asthma is suggested by one or more symptoms, such as dyspnoea, chronic cough,
wheezing, chest tightness or discomfort, especially at night or in the early hours of the morning. The manifestations
that strongly suggest the diagnosis of asthma are the variability of the symptoms. The physical examination of the
asthmatic is usually non-specific, since many times it is normal. The presence of wheezing is indicative of airflow
obstruction; however, may not occur in all patients and not be exclusive to patients with asthma. Confirmation
should be made by objective methods, as the medical history may not be clear and the signs and symptoms of
asthma are not unique to this condition. Diagnostic tests available in clinical practice include spirometry (before and
after bronchodilator use), bronchoprovocation tests, and serial measures of peak expiratory flow.

Keywords: asthma, management, pulmonary function tests

1. Professora Adjunta de Pneumologia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio).


2.Professora Associada de Pneumologia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio).
Endereço para correspondência: Rua Mariz e Barros, 775, Tijuca, 20270-901, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
Email: [email protected]

Pulmão RJ 2018;27(1):89-92 89
Maranhão AA, Carvalho SRS Aplicação dos testes de função pulmonar no diagnóstico e manejo da asma

Introdução asma usualmente é feita através da espirometria, a qual


A asma é uma doença heterogênea que recente- fornece duas medidas importantes para o diagnóstico de
mente demonstrou consistir em vários fenótipos diferen- limitação ao fluxo de ar das vias aéreas: VEF1 e capacida-
tes, que foram identificados por análises de cluster base- de vital forçada (CVF)14.
adas em diferentes características clínicas1,2. A idade de A principal característica fisiopatogênica da asma é
início da asma foi considerada um fator chave na distin- a inflamação brônquica, que é resultante de um amplo e
ção dos fenótipos de asma3. Além de ser uma característi- complexo espectro de interações entre células inflamató-
ca distintiva importante desses subfenótipos, pois estudos rias, mediadores e células estruturais das vias aéreas. Ela
mostraram que pacientes com asma de início na idade está presente em todos os pacientes asmáticos, inclusive
adulta diferem em muitos aspectos daqueles em que a naqueles com asma de início recente, nas formas leves da
asma começou na infância . A doença de início precoce
4 doença e mesmo entre os assintomáticos14.
está associada a mais atopia e alergias do que as de início As características observáveis (fenótipo)
tardio ou adulto . 5 da asma - incluindo características clínicas da doença e
A asma compreende vários sub-fenótipos com seus mecanismos subjacentes (endotipo) - são comple-
diferentes características clínicas, inflamatórias e fun- xas e representam uma infinidade de interações entre o
cionais. Fatores potenciais que demonstraram contribuir hospedeiro e o ambiente que ocorrem em diferentes es-
para o declínio acelerado da função pulmonar na popu- calas espaciais (isto é, genes para células e tecidos para
lação geral de asma são o tabagismo, as exacerbações órgão)15. Houve progresso em nossa compreensão da
recorrentes e o baixo volume expiratório forçado basal heterogeneidade da imunologia na asma. A citologia do
em primeiro segundo (VEF1). No entanto, a gravidade escarro fornece evidência de inflamação complexa eosi-
da inflamação também pode ser um fator importante na nofílica, neutrofílica e mista, bem como poucas células
indução da remodelação das vias aéreas . A identifica-
3,6 inflamatórias em alguns pacientes paucigranulocítico15.
ção precoce de pacientes com risco de declínio acelerado A inflamação eosinofílica de vias aéreas de alta
da função pulmonar é importante porque sabe se que intensidade tipo 2 está presente em cerca de 50% dos
a obstrução irreversível do fluxo aéreo está associada à adultos com asma, mas estudos de abstinência de cor-
maior morbidade e mortalidade . Além disso, determinar
7 ticosteroides frequentemente revelam inflamação eosi-
a natureza dos fatores de risco pode ajudar a identificar o nofílica das vias aéreas, sugerindo que sua prevalência
tratamento preventivo mais adequado paciente . 8 pode estar subestimada. A atopia está presente em 50%
O efeito do tabagismo na função pulmonar na a 60% dos adultos e crianças com asma, mas é mais co-
asma clínica ainda é essencialmente desconhecido. Em mum na asma grave entre crianças e entre adultos com
estudos de base populacional, sugere-se que o tabagismo doença de início na infância e doença de início tardio15. A
ativo tenha um efeito negativo sobre a função pulmonar asma não eosinofílica foi descrita em adultos e crianças,
em pacientes com asma . Entretanto, nesses estudos
9,10 mas é pouco compreendida. Alguns pacientes têm doen-
com asma autorreferida 11,12
ou auto-relatada por diagnós- ça predominante de neutrófilos com liberação de citocinas
tico médico de asma , o acompanhamento não foi iniciado
9 de células T helper 1, células T helper 17, 21 ou células
quando a asma foi diagnosticada. Além disso, a linha de linfoides inatas do tipo 3, com ativação de macrófagos e
base dos estudos mais pioneiros remonta a anos antes do liberação de neutrófilos. A hiperresponsividade das vias
uso generalizado de corticosteroides inalados . Os eosi- 9 aéreas é uma característica presente nos fenótipos da
nófilos sanguíneos estão associados à obstrução ao fluxo asma com ou sem inflamação granulocítica em crianças
aéreo e ao maior declínio da função pulmonar, indepen- e adultos. Na asma, o músculo liso da via aérea é hiper-
dentemente da asma e do tabagismo. A eosinofilia é um contrátil, o que é amplificado pelos mastócitos ativados e,
fator de risco para a obstrução ao fluxo aéreo mesmo possivelmente, produto da inflamação das vias aéreas15.
naqueles sem sintomas13. Os testes de função pulmonar têm importante pa-
O diagnóstico clínico da asma é sugerido por um pel no diagnóstico, na quantificação da intensidade do
ou mais sintomas, como dispneia, tosse crônica, sibilân- acometimento dos distúrbios ventilatórios e no manejo de
cia, opressão ou desconforto torácico, sobretudo à noite pacientes com doenças pulmonares, tanto na população
ou nas primeiras horas da manhã. Uma das manifesta- adulta quanto na pediátrica. Em geral, a partir de seis
ções que mais sugere o diagnóstico de asma é a variabi- anos de idade as crianças são capazes de realizar mano-
lidade dos sintomas bem referida por alguns pacientes. bras de inspiração e expiração forçadas, indispensáveis a
A espirometria é amplamente preconizada nas diretrizes uma avaliação confiável da função pulmonar16.
nacionais e internacionais sobre o manejo da asma e per-
mite a identificação objetiva da obstrução das vias aére- Espirometria
as, que pode estar subestimada ou mesmo imperceptível A espirometria é um exame peculiar na avaliação
para alguns pacientes. A confirmação do diagnóstico de da função pulmonar. Requer compreensão e colaboração

90 Pulmão RJ 2018;27(1):89-92
Maranhão AA, Carvalho SRS Aplicação dos testes de função pulmonar no diagnóstico e manejo da asma

do paciente, equipamentos exatos e emprego de técnicas das vias aéreas é medida através da diferença de pressão
padronizadas aplicadas por pessoal especialmente treina- entre o alvéolo e a boca dividida pela taxa de fluxo. A
do. Assim, em determinadas circunstâncias, como na in- condutância das vias aéreas é o inverso da resistência, é
capacidade cognitiva e na fraqueza muscular, a condução o fluxo gerado por unidade de pressão através das vias
do exame deve ser mais criteriosa14. aéreas sendo fornecida juntamente com a Rva17.
A confirmação do diagnóstico de asma usualmente Embora geralmente a espirometria seja suficiente
é feita através da espirometria, a qual fornece duas medi- para o diagnóstico de obstrução, há uma relação negativa
das importantes para o diagnóstico de limitação ao fluxo entre a resistência das vias aéreas e o VEF1 e os fluxos
de ar das vias aéreas: VEF1 e CVF17. expiratórios máximos17,18. Sendo assim m casos individu-
A avaliação dos seguintes parâmetros funcionais ais a medida da Gva pode ser de grande utilidade. Estu-
são muito impottantes na realização do teste de forma dos mostraram a utilidade da medida da Rva e Gva como
completa: 1) na curva volume-tempo (VT), a CVF, o VEF1, parâmetros sensíveis para diagnóstico diferencial entre
a relação VEF1/CVF, o fluxo expiratório forçado entre 25% asma e DPOC assim como podem avaliar também a res-
e 75% da capacidade vital forçada (FEF25-75%) e o tempo posta broncodilatadora17.
do fluxo expiratório forçado entre 25% e 75% da capaci-
dade vital forçada (TEF25-75%); e 2) na curva fluxo-volume, Teste de broncoprovocação
o pico de fluxo expiratório (PFE) e os fluxos expiratórios A asma é caracterizada pela presença de hiper-
forçados a 50 e 75% da capacidade vital forçada (FEF50% responsividade das vias aéreas (HRB) que ocasiona um
e FEF75%)17,18. estreitamento da via aérea pela inflamação e variados es-
O diagnóstico de asma é confirmado não apenas tímulos desencadeantes. O nível da HRB é causado pela
pela detecção da limitação ao fluxo de ar, mas principal- inflamação e tem relação com a gravidade da doença e
mente pela demonstração de significativa reversibilidade, também é reduzida com tratamento anti-inflamatório19.
parcial ou completa, após a inalação de um broncodila- Portanto, a medida da HRB através dos testes de bron-
tador de curta ação . A resposta ao broncodilatador é
18
coprovocação são importantes no diagnóstico da asma,
considerada significativa e indicativa de asma quando o avaliando a gravidade e a resposta ao tratamento19.
VEF1 aumenta, pelo menos 200 mL e 12% de seu valor O teste de broncoprovocação por metacolina é o
pré-broncodilatador ou 200 mL de seu valor pré-bronco- mais frequentemente utilizado no diagnóstico da asma.
dilatador e 7% do valor previsto. Entretanto, em geral, os É muito útil para excluir a asma em razão de seu va-
espirômetros disponíveis calculam apenas o valor percen- lor preditivo negativo ser maior do que seu valor predi-
tual em relação ao VEF1 pré-broncodilatador. tivo positivo20. O teste de brncoprovocação por exercício
Na Figura 1 abaixo um exemplo das curvas da es- (TBE) é também um teste de provocação indireto que
pirometria de um paciente com asma. identifica a HRB através do ressecamento e resfriamento
das vias aéreas. Tem grande utilidade para diagnóstico na
maioria dos pacientes com asma induzida pelo exercício
(AIE)20. De modo geral o TBE está indicado em situações
de broncoconstricção induzida pelo exercício em asmáti-
cos e também tem sido utilizado para avaliar o efeito das
terapias anti-inflamatórias em asmáticos20.

Medidas seriadas do pico de fluxo ex-


piratório
O PFE representa o fluxo máximo gerado durante
uma expiração forçada, realizada com a máxima intensi-
dade, partindo do nível máximo de insuflação pulmonar,
ou seja, da capacidade pulmonar total. É considerado um
indicador indireto da obstrução das grandes vias aéreas.
As medidas são afetadas pelo grau de insuflação pulmo-
Figura 1. Exemplo curva fluxo x volume em paciente asmático nar, pela elasticidade torácica, musculatura abdominal e
pela força muscular do paciente21. É dependente do es-
Resistência de vias aéreas forço e, por isso, requer a colaboração do paciente. O
A caracterização da doença obstrutiva além da- valor do PFE pode ser medido através de espirômetros
quelas já mencionadas anteriormente relacionadas aos ou por medidores portáteis de custo acessível e manuseio
parâmetros espirométricos também conta com o aumen- relativamente simples.
to da resistência das vias aéreas (Rva) . A resistência
17
O guia global do manejo da asma (GINA) reco-

Pulmão RJ 2018;27(1):89-92 91
Maranhão AA, Carvalho SRS Aplicação dos testes de função pulmonar no diagnóstico e manejo da asma

menda medidas objetivas da função pulmonar, como espi-


rometria ou pico do fluxo expiratório (PFE), para avaliação Referências
da gravidade da asma e resposta à terapia instituída. Mui-
1. Haldar P, Pavord ID, Shaw DE, et al. Cluster analysis and clinical
tas vezes os sintomas iniciais da crise não são reconheci- asthma phenotypes. Am J Respir Crit Care Med. 2008; 178:218-24.
dos pelo pacientes. Nesses casos, a monitoração diária do 2. Moore WC, Meyers DA, Wenzel SE, et al. Identification of asthma
phenotypes using cluster analysis in the Severe Asthma Research
pico de fluxo pode ser recomendada . Aparelhos portáteis
21
Program. Am J Respir Crit Care Med. 2010; 181:315-23.
(peak flow meters) constituem ferramentas importantes e 3. Wenzel SE. Asthma phenotypes: the evolution from clinical to mo-
lecular approaches. Nat Med. 2012; 18:716-25.
acessíveis para avaliação e tratamento da asma. Além de
4. Sood A, Qualls C, Schuyler M, et al. Adult-onset asthma becomes
detectar obstrução em pacientes com poucos sintomas a the dominant phenotype among women by age 40 years. The lon-
medida do PFR é um importante método de acompanha- gitudinal CARDIA study. Ann Am Thorac Soc. 2013; 10:188-97.
5. Kankaanranta H, Tuomisto LE, Ilmarinen P. Age-specific incidence
mento domiciliar e na suspeita de asma ocupacional22. of new asthma diagnoses in Finland. J Allergy Clin Immunol Pract
A medida de PFE serve como base, juntamente 2017; 5: 189–191.
6. De Nijs SB, Venekamp LN, Bel EH. Adult-onset asthma: is it really
com outros aspectos, para a classificação da gravidade da
different? Eur Respir Rev. 2013; 22:44-52.
asma. Outra forma de avaliar a asma é pela variabilidade 7. Hansen EF, Phanareth K, Laursen LC, et al. Reversible and irrever-
dos valores de PFE. Se a amplitude da variação entre os sible airflow obstruction as predictor of overall mortality in asthma
and chronic obstructive pulmonary disease. Am J Respir Crit Care
maiores valores for >20%, pode se inferir que o paciente Med. 1999; 159:1267-71.
apresenta uma hiperresponsividade brônquica23. O dispo- 8. Bumbacea D, Campbell D, Nguyen L, et al. Parameters associated
with persistent airflow obstruction in chronic severe asthma. Eur
sitivo para medida do PFE requer um instrumento com
Respir J. 2004; 24:122-8.
acurácia de ± 10% ou dentro de ± 20 L/min do valor 9. Tommola M, Ilmarinen P, Tuomisto LE, et al. The effect of smoking
atual, seja o que for maior. Os medidores pediátricos têm on lung function: a clinical study of adult-onset asthma. Eur Respir
J. 2016; 48:1298-1306.
faixa de registro entre 60 a 400 L/min (valor mínimo não 10. Aanerud M, Carsin A-E, Sunyer J, et al. Interaction between asth-
menos que 60L/min), e os medidores adultos tipicamente ma and smoking increases the risk of adult airway obstruction. Eur
Respir J 2015; 45: 635–643.
variam de 100 a 850 L/min (não menos que 100 L/ min).
11. Colak Y, Afzal S, Nordestgaard BG, et al. Characteristics and prog-
O dispositivo deve ter uma resistência ao fluxo de não nosis of never-smokers and smokers with asthma in the Copenha-
mais do que 2,5 cm H2O/L/s, com fluxo de até 14 L/s. Se gen General Population Study. A prospective cohort study. Am J
Respir Crit Care Med 2015; 192: 172–181.
os resultados são lidos manualmente as marcas devem 12. Hancox RJ, Gray AR, Poulton R, et al. The effect of cigarette
ser feitas a cada 10 L/min24. smoking on lung function in young adults with asthma. Am J Respir
Crit Care Med 2016; 194: 276–284.
O esforço expiratório forçado deve ser iniciado a
13. Coumou H, Westerhof GA, de Nijs SB, et al. Predictors of accele-
partir de uma posição inspiratória mantido em posição rated decline in lung function in adult-onset asthma. Eur Respir J.
neutra pois a hiperextensão eleva e a flexão reduz o PFE 2018; 51:1701785.
14. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia para
por mudanças na complacência traqueal. O PFE é geral- o Manejo da Asma. J Bras Pneumol. 2012;38(supl.1):S1-S46.
mente alcançado dentro do primeiro décimo de segundo 15. Papi A, Brightling C, Pedersen SE, et al. Asthma. Lancet 2018;
391:783-800.
do esforço expiratório. Instrução apropriada e estímulo
16. Ruchkys VC, Dias RM, Sakurai E, et al. Acurácia de medidores do
do paciente são importantes para o sucesso do teste. A pico do fluxo expiratório (peak-flow) da marca MiniWright. J Pedia-
manobra deve ser repetida até que 3 leituras estejam tria 2000; 76:447-52.
17. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT). Diretrizes
dentro de 20 L/min cada uma da outra. O maior valor das para testes de função pulmonar. J Pneumol. 2002; 28:166-206.
3 leituras deve ser anotado. Deve-se observar se ocorre 18. ATS/ERS TASK FORCE. Standardization of Lung Function Testing:
Standardization of spirometry. Eur Respir J. 2005;26:319-38.
tendência ao declínio nas manobras sucessivas, o que in-
19. Coates AL, Wanger J, Cockcroft DW, et al. ERS technical stan-
dica broncoconstrição24. dard on bronchial challenge testing: general considerations and
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Costa CH Aplicação dos testes de função pulmonar nas doenças intersticiais

Artigo

Aplicação dos testes de função pulmonar nas doenças intersticiais


Application of pulmonary function tests in interstitial diseases

Cláudia Henrique da Costa1

Resumo

O interstício pulmonar pode ser acometido por um grupo amplo e heterogêneo de doenças. Embora a maio-
ria das doenças apresente padrão ventilatório restritivo devido ao depósito de fibrose no pulmão, com consequente
aumento da elasticidade, algumas doenças podem apresentar padrão ventilatório obstrutivo. Os testes de função
pulmonar podem ser ajudar a fazer o diagnóstico diferencial entre esses padrões, constituem grande auxílio na
investigação de piora da dispneia de alguns pacientes, direcionam para o diagnóstico de doença mista (obstrução e
restrição) e auxiliam na indicação do uso de oxigênio suplementar. Dessa forma, devem ser utilizados rotineiramen-
te no acompanhamento dos pacientes com doença intersticial. A queda da capacidade vital forçada e da capacidade
de difusão do monóxido e carbono são os principais fatores relacionados com a progressão de doença das doenças
fibrosantes pulmonares.

Descritores: fibrose pulmonar, sarcoidose, hipersensibilidade a drogas, espirometria, capacidade de difusão


pulmonar

Abstract

The pulmonary interstitium may be affected by a broad and heterogeneous group of diseases. Although
most of the diseases present a restrictive respiratory pattern due to the deposition of fibrosis in the lung, with a
consequent increase in elasticity, some diseases may present with an obstructive ventilatory pattern. Pulmonary
function tests can help to make the differential diagnosis between these patterns, are a great help in the investiga-
tion of worsening of dyspnea in some patients, guide to the diagnosis of mixed disease (obstruction and restriction)
and help in the indication of the use of oxygen additional. Thus, they should be routinely used in the follow-up of
patients with interstitial disease. Decreased forced vital capacity and the diffusion capacity of carbon monoxide are
the main factors related to disease progression of pulmonary fibrosing diseases.

Keywords: pulmonary fibrosis, sarcoidosis, drug hypersensitivity, spirometry, pulmonary diffusing capacity

1. Profa. Associada de Pneumologia e Tisiologia, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Endereço para correspondência: Boulevard 28 de Setembro, 77, Vila Isabel, 20551-030, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Email: [email protected]

Pulmão RJ 2018;27(1):93-98 93
Costa CH Aplicação dos testes de função pulmonar nas doenças intersticiais

bastante variada. Existem formas subagudas e crônicas,


Introdução
algumas evoluindo para fibrose pulmonar5. Também são
As doenças intersticiais constituem um grupo he-
vistas imagens tipo pneumonia em organização e pneu-
terogêneo de possibilidades diagnósticas que têm em
monia eosinofílica4. Muitos medicamentos estão implica-
comum o acometimento do interstício pulmonar1. Embo-
dos, mas os mais comuns são: amiodarona, inibidores da
ra os testes de função pulmonar raramente ajudem no
enzima conversora de angiotensina, drogas usadas no
diagnóstico da doença, eles são amplamente usados no
tratamento do câncer e metotrexato. A história clínica é
acompanhamento dos pacientes.
fundamental, assim como verificação da concordância en-
A maioria das doenças intersticiais aumenta a
tre o início do uso e o tempo para aparecimento dos sin-
elasticidade pulmonar, provocando encurtamento do tem-
tomas, que costumam reduzir ou desaparecer com a sus-
po expiratório e um consequente aumento da frequência
pensão do medicamento. A espirometria pode ajudar no
respiratória2. O padrão ventilatório com redução de volu-
acompanhamento de pacientes em uso de medicamen-
me corrente e aumento da frequência respiratória pode
tos potencialmente causadores de lesões intersticiais5. O
ser observado mesmo em fases iniciais da doença quando
acompanhamento deve ser feito através da medida de
o paciente é submetido a exercício físico2. Faremos a se-
CVF.
guir uma breve descrição das principais causas de acome-
timento intersticial e como os testes de função pulmonar
Doenças do tecido conjuntivo
podem ajudar no acompanhamento desses pacientes.
Embora todas as colagenoses possam acometer o
interstício pulmonar, as que mais frequentemente o fazem
Doenças intersticiais pulmonares
são a esclerose sistêmica e a artrite reumatoide6.
Existem muitas doenças que podem acometer o
Em pacientes com esclerose sistêmica, a dispneia
interstício pulmonar. No entanto, na prática clínica, acaba-
pode estar relacionada tanto ao comprometimento do in-
mos lidando com as mais frequentes: doenças do tecido
terstício pulmonar como pela ocorrência de hipertensão
conjuntivo, associadas a drogas, ocupacionais, sarcoido-
pulmonar (HP)6. Os testes de função pulmonar desempe-
se, pneumonia de hipersensibilidade e fibrose pulmonar
nham um importante papel no acompanhamento destes
idiopática (Tabela 1).
pacientes, servindo, inclusive, para orientar o diagnóstico
de dispneia nestes casos. No
Tabela 1. Principais diagnósticos relacionados com doença intersticial pulmonar
caso de piora da doença in-
tersticial, tanto a CVF quanto a
DCO estarão comprometidas7.
No entanto, nos pacientes com
HP, a difusão fica mais compro-
metida. Assim, quando a rela-
ção CVF%/DCO% está acima
de 1,6, devemos suspeitar de HP7. Todos os pacientes
Doenças ocupacionais
com esclerose sistêmica devem realizar anualmente eco-
Pneumoconiose é o termo usado para definir as
cardiograma transtorácico e testes de função pulmonar
doenças causadas pela inalação de poeiras minerais3.
englobando espirometria e medida da capacidade de difu-
A exposição à sílica e ao asbesto ainda são importan-
são do monóxido de carbono8. Como a hipoxemia é mais
tes causas de doença intersticial pulmonar no Brasil. A
facilmente verificada ao exercício, os testes de caminhada
espirometria é uma importante ferramenta no acompa-
ou do degrau podem avaliar a dessaturação de oxigênio
nhamento de trabalhadores com exposição a poeiras. Nas
em fases precoces da doença e estes testes devem fazer
fases iniciais da doença o exame pode ser normal. Pacien-
parte do acompanhamento dos pacientes com esclerose
tes com silicose podem apresentar padrão obstrutivo ou
sistêmica sempre que possível9,10.
restritivo, independente da história de tabagismo4. A ca-
Os pacientes com artrite reumatoide podem apre-
pacidade de difusão (DCO) é mais sensível do que a me-
sentar padrão tomográfico indistinguível da fibrose pul-
dida da capacidade vital forçada (CVF) para determinar
monar idiopática em cerca de 50% dos casos. Além dis-
as lesões fibróticas, embora não seja específica. A CVF
so, o metotrexato, frequentemente usado no tratamento
e a DCO estão diretamente relacionadas com os achados
da artrite reumatoide pode causar fibrose pulmonar11.
radiográficos encontrados em pacientes com asbestose3.
Assim, estes pacientes devem ser acompanhados com
cuidado. O diagnóstico da doença de base é fundamen-
Acometimento pulmonar devido ao uso
tal para exclusão de fibrose pulmonar idiopática e estes
de drogas e medicamentos
pacientes não são candidatos ao uso de antifibróticos. Os
Doença pulmonar relacionada ao uso de medica-
testes de função pulmonar ajudam no acompanhamento.
ções é relativamente frequente e a manifestação clínica,

94 Pulmão RJ 2018;27(1):93-98
Costa CH Aplicação dos testes de função pulmonar nas doenças intersticiais

A queda mantida de CVF apesar do uso de imunossupres- dos dois antifibróticos (pirfenidona e nintedanibe) tiveram
sores devem alertar ao médico para uma possível troca como desfecho principal a redução da queda da CVF15,16.
de tratamento favorecendo ao uso de imunobiológicos. Assim, torna-se necessário que estes pacientes sejam
Devemos lembrar que alguns pacientes evoluem acompanhados com espirometrias seriadas, no mínimo
com padrão ventilatório obstrutivo devido às lesões de semestralmente. A queda da CVF e/ou da CPT acima de
pequenas vias aéreas que causam bronquiolite e conse- 10% aponta para uma evolução rápida da doença e para
quente aprisionamento aéreo12. Nesses casos, tanto a to- uma necessidade de intervenção, quando possível15,16. A
mografia computadorizada de alta resolução realizada na DCO também é um parâmetro sensível que pode predizer
fase expiratória pode evidenciar o padrão em mosaico, o prognóstico. Níveis de DCO abaixo de 30% estão re-
como a pletismografia de corpo inteiro, pode verificar o lacionados a um prognóstico desfavorável em pacientes
aumento do volume residual. A obstrução costuma aco- com fibrose pulmonar idiopática17. O teste da caminha-
meter as pequenas vias aéreas devido ao deslocamento da de 6 minutos e o teste do degrau podem ser usados
do ponto de igual pressão durante a fase expiratória para para acompanhar os pacientes com FPI pela redução da
as porções brônquicas mais periféricas, causando o apri- distância caminhada e pela queda da saturação do O2 ao
sionamento aéreo nas áreas posteriores à obstrução13. término do exame10.
Nesses casos, observa-se o aumento do volume residual Os pacientes com FPI, assim como as demais do-
e a consequente amputação da capacidade vital, além da enças intersticiais que cursam com depósito de fibrose
clássica redução dos fluxos expiratórios. pulmonar apresentam aumento da elasticidade e conse-
quente redução da complacência1. Assim, os pacientes
Sarcoidose com doença intersticial pulmonar apresentam um desvio
Pacientes com sarcoidose podem ter espirometria para a direita da curva pressão – volume. No caso do
normal, evoluir com obstrução das grandes vias aéreas enfisema pulmonar, situação na qual a complacência pul-
devido ao crescimento de linfonodos, podem ter doen- monar está aumentada, essa curva fica desviada para a
ça das pequenas vias aéreas pelo comprometimento da esquerda. É interessante notar que uma parte dos pacien-
submucosa brônquica pelos granulomas e podem, ainda, tes tabagistas com diagnóstico de FPI pode apresentar
apresentar hiperreatividade brônquica em até 20% dos áreas de enfisema nos ápices pulmonares17. Nesses ca-
casos13. Nos casos com fibrose pulmonar, os pacientes sos, a curva pressão volume pode estar com a aparên-
apresentam síndrome restritiva e redução de todos os vo- cia normal, pois a força elástica aumentada da fibrose é
lumes pulmonares e da capacidade de difusão13. Nesses compensada pelo aumento da complacência causada pelo
casos, o tratamento com corticoide não consegue norma- enfisema18. A espirometria pode, então, apresentar valo-
lizar estes testes, mesmo quando o paciente refere me- res dentro da normalidade ou pouco alterados18. A DCO,
lhora da dispneia. no entanto, está muito reduzida, assim com a queda da
saturação de oxigênio ao final do teste de caminhada de
Pneumonia de hipersensibilidade 6 minutos será caracteristicamente, importante18.
Assim como nos casos de sarcoidose, estes pa-
cientes apresentarão padrão ventilatório de acordo com O uso dos testes de função pulmonar
o acometimento pulmonar. Nos casos que verificamos nas doenças intersticiais
predomínio broncocêntrico e aprisionamento aéreo na to- Os testes de função pulmonar mais usados na
mografia computadorizada, podem se correlacionar com prática clínica, tanto na época do diagnóstico quanto no
padrão obstrutivo14. Já os pacientes com evolução crôni- acompanhamento, são os comentados a seguir.
ca, especialmente os que não se afastam do agente cau-
sador, evoluem com importante fibrose do parênquima Espirometria
pulmonar e consequente padrão restritivo14. Nesta fase As doenças intersticiais fibrosantes e que cursam
da doença, mesmo com a cessação da exposição e tra- com restrição costumam apresentar uma curva fluxo vo-
tamento com corticoide os pacientes podem apresentar lume com aspecto normal, embora de menor tamanho,
progressão da doença. pela redução da capacidade vital1. É interessante notar
que a CVF pode estar menos reduzida que a CV. Embo-
Fibrose pulmonar idiopática ra todos os volumes estejam reduzidos, isso não ocorre
Com o advento do tratamento desta patologia de forma totalmente proporcional. O padrão ventilatório
através do uso de antifibróticos, tornou-se imperioso o com redução de volume corrente e aumento da frequ-
diagnóstico preciso e o acompanhamento destes pacien- ência respiratória fica bem evidente durante a realização
tes. Embora os pacientes possam apresentar espirome- das manobras respiratórias do exame. A relação VEF1/CVF
tria normal nas fases iniciais da doença, quase sempre se costuma estar normal. Em pacientes com muita fibrose e,
observa a queda progressiva da CVF. Os estudos pivotais consequentemente, grande aumento da pressão elástica

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Costa CH Aplicação dos testes de função pulmonar nas doenças intersticiais

do pulmão, esta relação pode estar acima dos valores es- suplementar, que geralmente é recomendado quando a
perados para o paciente, o mesmo podendo ocorrer com saturação no final do teste fica abaixo de 88%.
o FEF25-75%. Esses fluxos supranormais estão relacionados
com o aumento da força elástica pulmonar1. Lembrar que Teste do degrau
algumas doenças intersticiais podem apresentar padrão Assim como o teste da caminhada, o teste do de-
obstrutivo ou exame espirométrico normal .
12,13
grau também pode ser utilizado para acompanhar pacien-
tes com doenças intersticiais. Neste caso, não há necessi-
Pletismografia de corpo inteiro dade de ter um corredor, mas um degrau de 15 a 18 cm
A medida dos volumes estáticos irá confirmar a de altura para que paciente possa subir e descer de forma
síndrome restritiva e todos os volumes devem estar re- cadenciada durante 6 minutos. As medidas da pressão
duzidos, embora não de forma proporcional1. O volume arterial, frequência cardíaca e respiratória, além da oxi-
residual não costuma reduzir muito devido ao aprisiona- metria de pulso devem ser realizadas antes e no final do
mento aéreo. Assim, em alguns casos, a relação VR/CPT exame20. Neste exame, conta-se a quantidade de vezes
pode estar normal ou acima do esperado. O aumento do que o paciente sobe e desce o degrau. Da mesma forma
volume residual pode estar relacionado ao aprisionamen- que no teste da caminhada, pacientes com doença res-
to aéreo ou bronquiolite respiratória . 12
tritiva apresentam importantes quedas da saturação ao
final do teste, mas devemos ter em conta que este exame
Medida da difusão pulmonar exige um esforço físico maior que o teste de caminhada.
Este é o teste mais sensível para avaliar a função
pulmonar em pacientes com doenças intersticiais incipien- Conclusão
tes1,17. A queda da capacidade de difusão do CO pode ser Os testes de função pulmonar são de grande auxí-
observada inclusive nas fases precoces da doença. Nos lio na investigação de piora da dispneia em pacientes com
pacientes com fibrose pulmonar idiopática, tanto os vo- esclerose sistêmica, direcionam para o diagnóstico de do-
lumes pulmonares como a difusão são comprometidos . 17
ença mista (obstrução e restrição), auxiliam na indicação
Lembrar que quedas desproporcionais da DCO apontam do uso de oxigênio suplementar e devem ser utilizadas
para a possibilidade de doença mista (fibrose e enfisema) rotineiramente no acompanhamento dos pacientes com
ou para a associação de fibrose com hipertensão pulmo- doença intersticial. A queda da CVF e da DCO são os prin-
nar, especialmente no caso da esclerose sistêmica . 7,8
cipais fatores relacionados com a progressão de doença.

Teste da caminhada de 6 minutos


O teste da caminhada de 6 minutos é um teste
submáximo muito utilizado na prática clínica, pois é bara-
to, reprodutível e tem ampla aplicabilidade. Quase todos
os pacientes são capazes de caminhar e este teste conse-
gue mensurar a capacidade do indivíduo de realizar esta
tarefa tão corriqueira na vida diária de todos. Obviamen-
te, pacientes com doenças osteoarticulares podem não
ser capazes de realizar o teste, assim como aqueles com
história recente de acidente vascular encefálico ou infarto
agudo do miocárdio não devem realizá-lo. Deve-se utilizar
um corredor de no mínimo 27 metros de comprimento,
onde o paciente possa caminhar, indo e voltando até com-
pletar 6 minutos19. Medidas da pressão arterial, frequên-
cia cardíaca e respiratória, além da oximetria de pulso
devem ser realizadas antes e no final da caminhada19.
A distância percorrida no TC6M tem boa correla-
ção com o consumo máximo de oxigênio medido no teste
de exercício de esteira, está relacionada com a qualidade
de vida e pode servir de indicador prognóstico na fibrose
pulmonar idiopática. A queda da saturação de O2 imedia-
tamente após o TC6M pode ser o primeiro dado objetivo
de lesão pulmonar intersticial19. Quando possível, este é
um teste muito útil para acompanhamento de pacientes
com doença intersticial e para indicar o uso de oxigênio

96 Pulmão RJ 2018;27(1):93-98
Costa CH Aplicação dos testes de função pulmonar nas doenças intersticiais

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Pulmão RJ 2018;27(1):93-98 97
98 Pulmão RJ 2018;27(1):93-98
Mafort TT Função pulmonar na obesidade

Artigo

Função pulmonar na obesidade


Pulmonary function in obesity

Thiago Thomaz Mafort1

Resumo

A obesidade é um problema de âmbito mundial e com prevalência crescente. Trata-se de enfermidade me-
tabólica com repercussões negativas em diversos órgãos e sistemas. Os parâmetros da função pulmonar também
são prejudicados pela obesidade. Esta promove diminuição de volumes pulmonares, redução da força muscular
respiratória, aumento na resistência de vias aéreas, decréscimo na complacência do sistema respiratório e alteração
na capacidade de difusão ao monóxido de carbono. O emagrecimento parece ter efeito positivo com recuperação
do que foi perdido em decorrência da obesidade. O reconhecimento do aumento de peso como fator prejudicial
ao funcionamento adequado do sistema respiratório é importante e reforça a necessidade de se combater esta
enfermidade.

Descritores: obesidade, testes de função pulmonar, espirometria

Abstract

Obesity is a worldwide problem and with increasing prevalence. It is a metabolic disease with negative reper-
cussions in several organs and systems. The parameters of lung function are also hampered by obesity. It promotes
a decrease in pulmonary volumes, a reduction in respiratory muscle strength, an increase in airway resistance, a
decrease in respiratory system complacency, and a change in the diffusion capacity of carbon monoxide. The weight
loss seems to have a positive effect with recovery of what was lost due to obesity. The recognition of weight gain
as a detrimental factor to the proper functioning of the respiratory system is important and reinforces the need to
combat this problem.

Keywords: obesity, pulmonary function tests, spirometry

1. Doutor em Medicina pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Médico do Serviço de Pneumologia e Tisiologia do Hospital Universitário Pedro
Ernesto, Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Endereço para correspondência: Boulevard 28 de Setembro, 77, Vila Isabel, 20551-030, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Email: [email protected]

Pulmão RJ 2018;27(1):99-102 99
Mafort TT Função pulmonar na obesidade

sanguíneo torácico decorrente da deposição de tecido


Introdução
adiposo no tórax também parecem promover alterações
A obesidade é um problema de saúde mundial,
nos parâmetros de função pulmonar8.
de grandes dimensões, e com prevalência crescente nos
últimos anos1. É a enfermidade metabólica mais frequen-
A influência da obesidade nos volu-
te no mundo e se caracteriza pela presença de um exces-
mes e fluxos pulmonares
so de tecido adiposo corporal. Sua etiologia é complexa e
Quando se utiliza a espirometria para avaliar a
multifatorial, resultando da interação de genes, ambiente,
função pulmonar de pacientes obesos, se observa redu-
estilos de vida e fatores emocionais. O ambiente moderno
ção proporcional da capacidade vital forçada (CVF) e do
é um potente estímulo para a obesidade. A diminuição
volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1),
dos níveis de atividade física e o aumento da ingestão
sugerindo distúrbio ventilatório restritivo9,10. A redução da
calórica são fatores ambientais determinantes2,3. Dados
CVF e do VEF1 parece estar diretamente relacionada com
publicados em 2016 pelo Ministério da Saúde mostram
o grau de obesidade, com os indivíduos obesos mórbidos
que mais da metade da população está com sobrepeso e
apresentando restrição mais acentuada11. Ao se avaliar os
que 18,9% dos brasileiros estão obesos4.
volumes pulmonares estáticos, se observa principalmen-
Seu diagnóstico depende do índice de massa cor-
te redução do volume de reserva expiratório (VRE) e da
pórea (IMC), que é calculado através da razão entre o
capacidade residual funcional (CRF), além de redução da
peso (em kg) e o quadrado da altura (em metros). Quan-
capacidade pulmonar total (CPT). A redução deste volu-
do o IMC está entre 25-29,9 kg/m2 se caracteriza o so-
me e das capacidades parece guardar relação exponen-
brepeso e, quando está acima de 30 kg/m2, se caracteriza
cial com a elevação do IMC e tem relação direta com os
obesidade. Esta é subdividida em grau I, (IMC entre 30 e
efeitos mecânicos produzidos pela deposição de gordura,
34,9 kg/m2), grau II (IMC entre 35 e 39,9 kg/m2) e grau
tanto no tórax como no abdome12. Como já dito, a obe-
III ou obesidade mórbida (IMC >40 kg/m2) (NIH, 1998).
sidade promove diminuição da complacência do sistema
São várias as complicações sistêmicas relacionadas à obe-
respiratório e traz desvantagem mecânica aos músculos
sidade, com algumas delas acarretando grave comprome-
responsáveis pelo processo da respiração.
timento aos órgãos e tecidos. Estas complicações estão
relacionadas tanto com as alterações mecânicas provoca-
As repercussões da obesidade sobre a
das pelo acúmulo de tecido adiposo como por inúmeras
difusão pulmonar
citocinas produzidas pelos adipócitos5.
Outro teste de função pulmonar de grande impor-
As repercussões da obesidade no sistema respi-
tância clínica é a medida da capacidade de difusão ao
ratório têm sido cada vez mais estudadas. O acúmulo de
monóxido de carbono (DLco). Ele avalia a transferência
gordura no organismo promove alterações na fisiologia
de gases dos alvéolos até o interior das hemácias. O prin-
respiratória com prejuízo em vários parâmetros da função
cípio do teste é medir a quantidade (em mililitros) de mo-
pulmonar. Os diferentes padrões de distribuição da gor-
nóxido de carbono (CO) que se difunde para os capilares
dura corporal parecem influenciar de maneira diferente
durante uma respiração sustentada por 10 segundos após
as repercussões negativas no funcionamento do sistema
a inalação de uma concentração conhecida de CO13. A
ventilatório6.
taxa de difusão de um gás através da membrana alvéolo-
-capilar pode ser resumida através da Lei de Fick. Ela diz
Obesidade e função pulmonar
que o volume de gás que se difunde por minuto (mL/
É sabido que a função pulmonar adequada depen-
min) é diretamente proporcional à área de superfície da
de do funcionamento harmônico das estruturas que com-
membrana e à diferença de pressão parcial (através da
põem o sistema respiratório. Na respiração normal, o dia-
membrana) e inversamente proporcional à espessura da
fragma contrai, empurrando o conteúdo abdominal para
membrana ou a distância para a difusão.
baixo e para frente. Concomitantemente, a contração dos
Um fator que contribui diretamente para a difusão
músculos intercostais externos traciona as costelas para
do CO é a perfusão do tecido pulmonar, uma vez que áre-
cima e para frente7. Em indivíduos obesos, esse mecanis-
as mais perfundidas apresentam maior concentração de
mo está prejudicado, pois o excesso de adiposidade que
hemácias. A ventilação também é fator fundamental para
reveste o tórax e ocupa o abdômen dificulta a ação da
a DLco, uma vez que o gás precisa chegar ao alvéolo para
musculatura respiratória. Estas alterações estruturais da
se difundir. Assim, distúrbios da relação ventilação-perfu-
região toracoabdominal levam à limitação da mobilidade
são são fatores determinantes para alteração da DLco13.
diafragmática e do movimento costal, o que promove al-
Este fator parece ter importância quando se ava-
terações na dinâmica do sistema respiratório e reduz a
lia a difusão dos gases nos indivíduos obesos. Devido à
sua complacência, ocasionando desvantagem mecânica
deposição de gordura na região torácica, ocorre maior
dos músculos respiratórios. Ainda nesta linha, alterações
vascularização desta área. Isto explica, ao menos em
no controle neural da respiração e aumento do volume

100 Pulmão RJ 2018;27(1):99-102


Mafort TT Função pulmonar na obesidade

parte, um aumento na DLco observado neste grupo de cido que o emagrecimento promove melhora nestes parâ-
pessoas .
14
metros, o que corrobora a hipótese de que as alterações
respiratórias provocadas pela obesidade são uma conse-
As repercussões da obesidade sobre a quência direta do excesso de peso.
força muscular respiratória
A força muscular respiratória pode ser
avaliada através da mensuração da pressão inspi-
ratória máxima (PImáx) e da pressão expiratório
máxima (PEmáx). Os valores de PEmáx e de PI-
máx dependem não apenas da força dos músculos
respiratórios, mas também do volume pulmonar
em que foram feitas as mensurações e do corres-
pondente valor da pressão de retração elástica do
sistema respiratório. Esta última resulta da soma
das pressões de retração elástica dos pulmões e
da caixa torácica15.
Na obesidade, tanto a PImáx quanto a PE-
máx podem estar reduzidas. A disfunção da mus-
culatura respiratória é multifatorial e, apesar de
algumas descrições de que o diafragma apresenta
Figura 1. Anormalidades na função pulmonar provocadas pela obesidade.
maior atividade eletromiográfica em indivíduos
obesos, parece haver uma contração muscular
ineficaz com fadiga precoce. A redução da PImax e da Diversos estudos mostraram que o VRE, um dos
PEmax se dá provavelmente por distensão da musculatu- parâmetros mais alterados nos indivíduos obesos, au-
ra diafragmática, aumento do trabalho respiratório e ine- menta após a perda de peso, seja após dieta de restrição
ficiência biomecânica muscular provocada pela deposição calórica ou cirurgia bariátrica19. Mesmo reduções modes-
de gordura torácica e abdominal16. tas no peso, como uma redução do IMC de 35 para 33 kg/
m2, parecem induzir aumento do VRE20. O emagrecimento
Padrão de distribuição da gordura também promove alterações em outros parâmetros como
corporal e função pulmonar a CRF e a CPT, assim como na troca gasosa levando à um
O padrão de distribuição de gordura corporal pa- ganho na oxigenação21. Em publicação recente Mafort e
rece ter relevância nas alterações funcionais pulmonares cols mostraram aumento dos volumes pulmonares (CPT,
observadas nos indivíduos com sobrepeso ou obesidade. VRE e CRF) em pacientes obesos e com sobrepeso que
Esta pode ser avaliada de diversas maneiras, por métodos foram submetidos à colocaçao de balão intragástrico e
antropométricos ou exames complementares. Quando o orientação dietética por um período de seis meses22. A
acúmulo preferencial de gordura se dá na região do tórax, força muscular respiratória e a dispneia também melho-
caracteriza o padrão torácico. Já o padrão androide se ram após o emagrecimento23.
caracteriza por acúmulo de gordura na região abdominal,
enquanto no ginoide o acúmulo se dá na região gluteo- Conclusão
femoral .
17
A obesidade é fator de comprometimento de di-
O padrão androide de deposição parece influenciar versos parâmetros da função pulmonar. Ela promove
mais negativamente os volumes e capacidades pulmona- compressão mecânica do diafragma, pulmões e parede
res, por gerar maior resistência à contração diafragmática torácica, o que pode levar à distúrbio ventilatório restri-
e prejuízo à mecânica ventilatória. Isto também explicaria tivo. Além disso, e excesso de tecido adiposo diminui a
um maior prejuízo no VEF1 e na CVF dos homens obesos, complacência total do sistema respiratório, aumenta a
quando estes são comparados com mulheres de IMC cor- resistência de vias aéreas e diminui a força muscular res-
respondente. Já que nas mulheres, o padrão que predo- piratória. Em pacientes obesos ou com sobrepeso há uma
mina é o ginoide .
18
forte correlação entre prejuízo da função pulmonar e o
padrão de distribuição da gordura corporal, com maior
Emagrecimento e melhora dos parâ- comprometimento quando a gordura se acumula priorita-
metros de função pulmonar riamente no torax e abdômen. Vale ressaltar que o ema-
Conforme já relatado anteriormente, a obesidade grecimento promove recuperação, pelo menos parcial,
causa uma série de alterações nos parâmetros de função dos volumes pulmonares que estavam comprometidos
pulmonar, como ilustrado na Figura 1. Também é conhe- pela obesidade ou sobrepeso.

Pulmão RJ 2018;27(1):99-102 101


Mafort TT Função pulmonar na obesidade

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102 Pulmão RJ 2018;27(1):99-102


Motta JPS, Paschoal MEM Utilização dos testes de função pulmonar na avaliação pré-operatória de cirurgias torácicas e extratorácicas

Artigo

Utilização dos testes de função pulmonar na avaliação


pré-operatória de cirurgias torácicas e extratorácicas
The use of the pulmonary function tests in preoperative evaluation
in thoracic and extrathoracic surgeries
João Pedro Steinhauser Motta1, Marcos Eduardo Machado Paschoal2

Resumo

A ressecção pulmonar ainda é um procedimento de risco. Apesar da evolução no manuseio das doenças
infecciosas e trauma, a ressecção pulmonar tem lugar na doença pulmonar metastática e permanece como a única
terapia com intenção curativa do câncer de pulmão, doença com elevada prevalência e principal causa de mortali-
dade por câncer em homens e mulheres. Na avaliação do paciente candidato à toracotomia com ressecção, há que
considerar a morbidade e mortalidade do procedimento escolhido, a presença de doença pulmonar obstrutiva crô-
nica (DPOC) associada e uma condição pulmonar pós-operatória em que haja qualidade de vida. Relativo a câncer
de pulmão e DPOC vale lembrar o fator de risco tabagismo em comum e sua associação elevada.
Todo paciente candidato a ressecção pulmonar deve passar por uma avaliação sistemática e progressiva da
função pulmonar visando uma estratificação do risco para o procedimento indicado e eventual extensão. Já o uso
de testes de função pulmonar nas cirurgias não torácicas ou torácicas sem ressecção se destina aos pacientes com
déficit estabelecido da função pulmonar e visa reduzir a incidência de complicações pulmonares do pós-operatório
como atelectasia, pneumonia, exacerbação de doenças pulmonares crônicas, broncoespasmo, ventilação mecânica
prolongada e insuficiência respiratória aguda.

Descritores: avaliação pré-operatória, câncer de pulmão, cirurgia extratorácica

Abstract

Pulmonary resection is still a risk procedure. Despite the evolution in handling infectious diseases and trau-
ma, pulmonary resection takes place in metastatic lung disease and remains the only curative intent therapy for
lung cancer, a disease with a high prevalence and the leading cause of cancer mortality in men and women. In the
evaluation of the patient for thoracotomy and resection, the morbidity and mortality of the procedure chosen should
be considered, the presence of associated chronic obstructive pulmonary disease (COPD) and a postoperative pul-
monary condition and the quality of life. Relative to lung cancer and COPD is worth remembering the common risk
factor smoking and its high association. All patients for pulmonary resection should undergo a systematic and pro-
gressive evaluation of lung function aiming at risk stratification for the indicated procedure and eventual extension.
The use of pulmonary function tests in non-thoracic or thoracic surgeries without resection is intended for patients
with established pulmonary function deficit and aims to reduce the incidence of postoperative pulmonary complica-
tions such as atelectasis, pneumonia, exacerbation of chronic lung diseases, bronchospasm, prolonged mechanical
ventilation and acute respiratory failure.

Keywords: pre-operative evaluation, lung cancer, extrathoracic surgery.

1. Pneumologista do Instituto de Doenças do Tórax, Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
2. Pneumologista do Instituto de Doenças do Tórax e do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Endereço para correspondência: Rua Professor Rodolpho Paulo Rocco, 255, 3º andar, sala 03F90, Ilha do Fundão, 21941-913, Rio de Janeiro, RJ,
Brasil.
Email: [email protected]

Pulmão RJ 2018;27(1):103-108 103


Motta JPS, Paschoal MEM Utilização dos testes de função pulmonar na avaliação pré-operatória de cirurgias torácicas e extratorácicas

Introdução quando abaixo de 60% do valor previsto é um fator pre-


A ressecção pulmonar ainda é um procedimento ditor independente de complicações, da morbidade e
de risco. Mesmo com a evolução no manuseio das do- mortalidade pós-operatório8,9. A importância de sua me-
enças infecciosas e do trauma, onde pode ter indicação, dida, associada ao VEF1, se fundamenta no achado em
a ressecção pulmonar tem lugar de destaque na doença que mais de 40% dos pacientes com VEF1 acima de 80%
pulmonar metastática e permanece como a única terapia podem apresentar um DLCO inferior a 80%10. Desta forma,
com intenção curativa do câncer de pulmão, doença com o valor estimado do VEF1 e DLCO pós-operatória deve ser
elevada prevalência e principal causa de mortalidade por realizado naqueles pacientes com o VEF1 ou DLCO abaixo
câncer em homens e mulheres . 1 de 80% de predito.
Na avaliação do paciente candidato à toracotomia Assim como a DLCO abaixo de 40% do previsto, o
com ressecção há que considerar a morbidade e morta- VEF1 abaixo de 40% do previsto também é utilizado como
lidade do procedimento escolhido, o tabagismo, a pre- preditor de risco11. Com isto, os valores pré-operatórios
sença de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) de VEF1 e DLCO passaram a servir como um patamar e
e uma condição pulmonar pós-operatória em que haja introduziu-se o valor percentual estimado ou previsto no
qualidade de vida. A associação de tabagismo e câncer pós-operatório destes, %VEF1ppo e %DLCOppo. Taxas de
ocorre em até 90% dos pacientes com câncer de pulmão, mortalidade entre 50-60% foram encontradas em pacien-
a associação tabagismo e a DPOC ocorre em até 50% dos tes com %VEF1ppo entre 30-40% e uma taxa de mortali-
pacientes, e mesmo o tabagismo isolado (sem DPOC as- dade acima de 20% em pacientes com %DLCOppo abaixo
sociado) carreia um maior risco no per e pós-operatório. de 40%12. Com isto introduziu-se o patamar de %VEF1ppo
A presença de DPOC nos pacientes portadores de câncer e %DLCOppo acima de 40% como critério de ressecção pul-
de pulmão ocorre em até 70% dos casos . Desta forma,
2,3 monar.
todo paciente candidato a ressecção pulmonar deve pas-
sar por uma avaliação sistemática e progressiva da função Avaliação do VEF1ppo e DLCOppo
pulmonar visando uma estratificação do risco funcional Cálculo anatômico, cintilografia perfusional, tomo-
para o procedimento indicado e uma eventual extensão grafia computadorizada quantitativa e ressonância mag-
(por exemplo: proposta de lobectomia que se estenda nética perfusional com contraste dinâmico são algumas
para pneumectomia). técnicas para a avaliação função pulmonar prevista no
Na avaliação funcional dos pacientes candidatos à pós-operatório, basicamente o %FEV1ppo e %DLCOppo. Usu-
ressecção cirúrgica está recomendada a avaliação funcio- almente o cálculo anatômico, através da tomografia e da
nal pulmonar pré-operatória, o cálculo da função pulmo- broncoscopia, e a cintilografia perfusional são os utiliza-
nar prevista após a ressecção, medidas de troca gasosa dos.
e teste de exercício. Na avaliação da função pulmonar O calculo anatômico da função pulmonar pós-ope-
pré-operatória, a medida do volume expiratório forçado ratório é um preditor confiável e ainda atual e se baseia
no primeiro segundo (VEF1) é correlacionada com o grau no número de segmentos pérvios a serem ressecados13.
de déficit respiratório nos pacientes com DPOC e fornece Ele é muito utilizado nas lobectomias e pode ser utiliza-
uma medida indireta da reserva pulmonar. do no cálculo do %VEF1ppo e %DLCOppo, conforme segue:
A correlação entre o déficit da função pulmonar e VEF1ppo ou DLCOppo = VEF1Pre x (1 - n de segmentos paten-
o melhor ou pior resultado da intervenção cirúrgica fora tes a serem ressecados/n total de segmentos pulmonares
observada inicialmente por Gaensler na abordagem ci- funcionantes).
rúrgica da tuberculose pulmonar em 19554. Desde então O cálculo baseado na cintilografia perfusional for-
a espirometria e o estudo da capacidade de difusão do nece os valores estimados que melhor se correlacionam
monóxido de carbono (DLCO) se mostraram seguros na com os valores medidos no pós-operatório. Ele é muito
avaliação da ressecção pulmonar por toracotomia, o que utilizado nas pneumectomias e se baseia na quantifica-
é menos claro na toracoscopia5,6. ção da perfusão regional através da emissão radioativa do
Tecnécio (Tc) retido no leito capilar pulmonar, conforme
Testes de função pulmonar segue: VEF1ppo ou DLCOppo = VEF1Pre x (1 - fração da perfu-
Dos parâmetros da função pulmonar o VEF1 é o são total do pulmão a ser ressecado).
que ainda hoje melhor se correlaciona com o grau de dé-
ficit de função e fornece uma medida indireta da reserva Teste de exercício cardiopulmonar
pulmonar7. Pacientes com o VEF1 superior a 80% do pre- (TECP)
dito (em combinação com a DLCO também superior a 80% A medida do consumo máximo de oxigênio
do predito) são geralmente avaliados como risco leve até (VO2max) durante o teste de exercício cardiopulmonar é
para uma pneumectomia. um importante preditor de aumento de risco no pós-ope-
A DLCO atua avaliando a troca alveolar de O2, e ratório, e um valor na faixa de 15 a 20ml/kg/min está

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associado a elevada morbidade e mortalidade. A medida Abordagem recomendada


do VO2max é utilizada nos casos de estratificação onde o Todo paciente a ser submetido a uma toracotomia
risco para pneumectonia é limítrofe ou elevado. com ressecção deve ter o risco funcional avaliado para
Ainda que não seja o ideal, na ausência do TECP, o pneumectomia, uma vez que a principal patologia é o
teste da escada ou o incremental shuttle walk test (ISWT) câncer, e por vezes o estadiamento final se dá no pré-
poderão ser usados como alternativa de baixo custo e seu -operatório. Eventualmente pode ocorrer também uma
valor acima de 22m ou 400m, respectivamente, são pre- complicação que necessite uma extensão resseccional. O
ditores de baixo risco14,15. Evidências conflitantes têm sido algoritmo abaixo ilustra o encaminhamento dos pacientes
descritas em relação ao teste da caminhada em 6 minutos na sua avaliação funcional (Figura 1).
(TC6M). Assim sendo, o TC6M não é recomendado na
seleção de pacientes para ressecção pulmonar16.

Figura 1. Algoritmo de estratificação do risco funcional nas ressecções pulmonares

Figura adaptada do original em Brunelli A et al. Eur Respir J. 2009; 34(1):17-41.

Testes de função pulmonar nas cirur- (CPP) como atelectasia, pneumonia, exacerbação de do-
gias não torácicas e cirurgias toráci- enças pulmonares crônicas, broncoespasmo, ventilação
cas sem ressecção pulmonar mecânica prolongada e insuficiência respiratória aguda.
Ao contrário do protagonismo estabelecido no al-
goritmo de avaliação pré-operatória de pacientes candi- Testes de função pulmonar
datos a cirurgias de ressecção pulmonar, o uso dos testes Revisão sistemática conduzida pela American Col-
de função pulmonar apresenta participação secundária lege of Phisicians serviu como base para diretrizes de ava-
quando se trata da avaliação pré-operatória de cirurgias liação pré-operatória de cirurgias não cardiotorácicas da
torácicas sem ressecção pulmonar ou cirurgias não torá- mesma sociedade com objetivo de reduzir as CPP17,18.
cicas, devendo ser realizados apenas em grupos selecio- Enquanto fatores relacionados ao paciente (presença de
nados de pacientes, partindo do foco principal na história doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), idade maior
clínica e exame físico do paciente. O objetivo é reduzir a que 60 anos, classificação da American Society of Anes-
incidência de complicações pulmonares do pós-operatório thesiologists (ASA) maior ou igual a II, dependência fun-

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cional e insuficiência cardíaca congestiva) ou à cirurgia 100%23.


(duração maior que 3 horas; procedimentos torácicos, do
abdome superior, cabeça e pescoço, neurocirúrgicos, vas- Oximetria de pulso e gasometria
culares; procedimentos de emergência ou em anestesia arterial
geral) demonstraram graus variáveis de aumento do risco Em estudo prospectivo e multicêntrico de quase
de CPP, o mesmo não foi definido para a espirometria. 2.500 pacientes, a medida da SpO2 pré-operatório (so-
Tais diretrizes recomendam que a avaliação da função bretudo quando SpO2 <90%), respirando em ar ambiente
pulmonar seja reservada para pacientes com suspeita clí- e em posição supina, foi o mais forte fator de risco para
nica de doença pulmonar obstrutiva não diagnosticada. PPC relacionado ao paciente identificado24. A análise de
Ainda considerando a literatura sobre o tema, dois estu- gasometria arterial raramente é necessária como parte da
dos de caso-controle avaliaram o uso de valores obtidos avaliação pré-operatória, sobretudo pelo caráter mais in-
por espirometria (VEF1, CVF e VEF1/CVF) como preditores vasivo do procedimento. Artigo retrospectivo de 1987 que
de risco pré-operatório. Em um artigo sobre cirurgias ab- avaliou preditores de mortalidade e insuficiência respira-
dominais os valores espirométricos não foram diferentes tória em pacientes em pós-operatório de esofagectomia
em pacientes que apresentaram CPP daqueles sem com- identificou PaO2 <75mmHg, assim como idade >65 anos
plicações . Em outra publicação que comparou tabagis-
19
e hipoalbuminemia como fatores de risco independentes
tas com VEF1 <40% com tabagistas com VEF1 normal, para desfechos desfavoráveis25.
apenas a presença de broncoespasmo foi mais frequente A partir da evidência atual disponível, podemos
no grupo com obstrução grave do fluxo expiratório, sem considerar como abordagem razoável utilizar a prova de
alterações em relação a pneumonia, intubação prolon- função pulmonar para pacientes com doença pulmonar
gada, tempo de terapia intensiva ou mortalidade entre obstrutiva e suspeita clínica de estarem aquém de seu
os grupos . Em relação à cirurgia cardiovascular, estudo
20
melhor padrão respiratório, objetivando uma otimização
retrospectivo inglês publicado em 2012 avaliou 11.217 da terapia específica para a doença obstrutiva ainda no
pacientes submetidos a cirurgia de revascularização mio- período pré-operatório. Outra consideração seria para o
cárdica e demonstrou diferenças de mortalidade precoce esclarecimento de dispneia ou intolerância ao exercício,
em pacientes DPOC estratificados de acordo com valores com objetivo de diferenciar possíveis patologias pulmona-
espirométricos, sugerindo que o exame tem seu valor na res de alterações cardiológicas, também com impacto no
avaliação pré-revascularização coronariana em pacientes manejo pré-operatório desses pacientes. O uso de mé-
DPOC21. Persiste a dúvida; entretanto, se há indicação todos simples e pouco invasivos como a medida da SpO2
para a avaliação espirométrica em pacientes não DPOC. em ar ambiente e o TC6M podem fornecer informações
relevantes sobre o risco de CPP, podendo ser alternati-
Testes de exercício cardiopulmonar vas para pacientes com fatores de riscos identificados na
Uma revisão da literatura publicada em 2009 for- avaliação pré-operatória. O uso de testes mais complexos
neceu nove estudos que investigaram o valor preditivo como o CPET e invasivos como a gasometria arterial de-
do VO2max e o limiar anaeróbio, obtido por meio de TECP, vem ser reservados para situações excepcionais.
no cálculo da morbimortalidade perioperatória em cirur-
gia tóraco-abdominal não cardiopulmonar. A maioria dos Agradecimento: À Dra. Karen Sodré Azevedo.
estudos analisados demonstraram que o pico de consumo
de oxigênio (VO2peak) e, possivelmente, o limiar anaeróbi-
co são preditores válidos de morbimortalidade e poderiam
fornecer um meio de identificar pacientes de alto risco22.
Não se sabe até que ponto este teste pode agregar valor
à estimativa de risco obtida após uma anamnese cuida-
dosa e exame físico. O teste de caminhada de 6 minutos
(TC6M), alternativa mais simples e disponível do que o
CPET, foi avaliado em publicação de 2015 como preditor
de CPP para cirurgias torácicas sem ressecção, cirurgias
do andar superior do abdome ou grandes cirurgias ab-
dominais. Um total de 78 pacientes foi recrutado para o
estudo. Pacientes que desenvolveram CPP tiveram uma
distância percorrida no TC6M significativamente menor
no pré-operatório em comparação com os pacientes sem
CPP, sendo o valor de ≤325 metros um limiar para pre-
dizer PPC com sensibilidade de 77% e especificidade de

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cessitem de permissão deverão ser comunicadas ao edi- 4. World Health Organization. Guidelines for sur-
tor. Se for necessária permissão solicita-se que seja enca- veillance of drug resistance in tuberculosis. WHO/Tb,
minhada cópia da ilustração original da figura, endereço 1994;178:1-24.
de contato, email, fax e número de telefone.
Homepages/Endereços Eletrônicos
Legendas: Deverão acompanhar as respectivas 5. Cancer-Pain.org [homepage on the Internet].
figuras (gráficos, fotografias e ilustrações) e tabelas. Cada New York: Association of Cancer Online Resources, Inc.;
legenda deve ser numerada em algarismos arábicos, cor- c2000-01 [updated 2002 May 16; cited 2002 Jul 9]. Avai-
respondendo a suas citações no texto. Além disso, todas lable from: http://www.cancer-pain.org/
as abreviaturas e siglas empregadas nas figuras e tabelas
devem ser definidas por extenso abaixo das mesmas. Outras situações:
Na eventualidade do surgimento de situações não
Referências: Devem ser indicadas apenas as re- contempladas por estas Instruções Redatoriais, deverão
ferências utilizadas no texto, numeradas com algarismos ser seguidas as recomendações contidas em International
arábicos e na ordem em que foram citadas. A apresen- Committee of Medical Journal Editors. Uniform require-
tação deve estar baseada no formato Vancouver Style, ments for manuscripts submitted to biomedical journals.
atualizado em outubro de 2004, conforme os exemplos Updated October 2004. Disponível em http://www.icmje.
abaixo e disponíveis em http://www.ncbi.nlm.nih. org/.
gov/bookshelf/br.fcgi?book=citmed. Os títulos dos
periódicos citados devem ser abreviados de acordo com
o estilo apresentado pela List of Journal Indexed in In-
dex Medicus, da National Library of Medicine disponibi-
lizados no endereço: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/
entrez/journals/loftext.noprov.html.
Para todas as referências, cite todos os autores até
seis. Acima desse número, cite os seis primeiros autores
seguidos da expressão et al.

Exemplos:
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Resumos
2. Saddy F, Oliveira G, Rzezinski AF, Ornellas DS,
Garcia CSN, Nardelli L, et al. Partial Ventilatory Support
improves oxygenation and reduces the expression of in-
flammatory mediators in a model of acute lung injury. Am
J Respir Crit Care Med. 2008; 177:A766.

Capítulos de Livros
3. Barbas CS, Rocco PR. Monitorização Da Mecâ-
nica Respiratória em Indivíduos respirando espontanea-
mente e ventilados mecanicamente. In: Rocco PR; Zin
WA, editores. Fisiologia Respiratória Aplicada. 1 Edição.
Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2009, p. 193-206.

Toda correspondência para a revista deve ser encaminhada para:


Dr. Thiago Thomaz Mafort, MD, PhD; [email protected]
Endereço da Pulmão RJ: [email protected]

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