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Revista de Políticas Públicas

ISSN: 0104-8740
[email protected]
Universidade Federal do Maranhão
Brasil

Staevie, Pedro Marcelo


MIGRAÇÕES E MÚLTIPLAS TERRITORIALIDADES DOS IMIGRANTES EM BOA VISTA-RR
Revista de Políticas Públicas, octubre, 2012, pp. 245-251
Universidade Federal do Maranhão
São Luís, Maranhão, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=321131651025

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MIGRAÇÕES E MÚLTIPLAS TERRITORIALIDADES DOS IMIGRANTES EM BOAVISTA- RR

Pedro Marcelo Staevie


Universidade Federal de Roraima (UFRR)

MIGRAÇÕES E MÚLTIPLAS TERRITORIALIDADES DOS IMIGRANTES EM BOA VISTA - RR


Resumo: o presente artigo busca mostrar o processo migratório em direção a Boa Vista e às múltiplas
territorialidades existentes no espaço urbano da cidade. Com uma população marcadamente formada por
imigrantes, sobretudo nordestinos, a capital de Roraima configura-se numa cidade multifacetada, lócus de
distintas manifestações territoriais.
Palavras-chave: Migração, territorialidades, Boa Vista.

MIGRATIONS AND MULTIPLE TERRITORIALlTIES OF IMMIGRANTS lN BOA VISTA, lN THE STATE OF


RORAIMA
Abstract: the present article aims to show the migratory process towards the Boa Vista city and the multiple
existing territorialities in the urban space of the city. W ith a population formed by immigrants, mostly northeasters,
the capital of Roraima is configured in a multifaceted city, a place of distinct territorial manifestations.
Key words: Migration, territorialities, Boa Vista.

Recebido em: 10.11.2010. Aprovado em: 16.06.2011.

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Pedro Marcelo Staevie

1 INTRODUÇÃO Devido ao ainda difícil acesso e, em


parte, todos os governos locais dessa
Com a tomada do poder pelos militares em época eram regidos por militares pouco
1964, um novo modelo de ocupação e estimulados ao desenvolvimento de
uma base política futura. (BARBOSA,
desenvolvimento econômico para a Amazônia é
1993, p. 180).
colocado em prática. Sob os auspicios do
discurso da soberania nacional e da necessidade
2 MIGRAÇÔES, EXPANSÃO DEMOGRÁFICA
de resolução de conflitos agrários no Nordeste
E TERRITORIALIDADES EM RORAIMA
do pais, a "terra de poucos homens" torna-se foco
principal das açôes colonizadoras por parte do
Com a iniciativa do INCRA, Roraima inicia ao
governo ditatorial.
final dos anos 1970 um amplo programa de
O rebatimento desta nova politica em Roraima 1
assentamentos humanos dirigidos. Os projetos
só ocorreu em 1975, com a criação do
de maior monta foram instalados nas regiões
POLORORAIMA, no âmbito do Programa Polos
leste e centro-oeste do Território, com a Colônia
da Amazônia (POLOAMAZÔNIA). Este programa
Alto Alegre e os chamados Programas de
incentivaria 'l..] o acréscimo na escassa mão de
Assentamento Rápido (PAR) Apiaú e Baraúna e,
obra local, de população externa via migração."
ao sul, com o PAR Jauaperi e os Projetos de
(MINTER, 1975, apud BARBOSA, 1993, p. 52,
Assentamento Dirigidos (PAD) Salustiano
grifo nosso).
Vinagre (atuaIAnauá) e Jatapú. Durante os anos
Para o periodo de 1975 até 1979, o orçamento
1970 e 1980 ocorreu a implementação de
do POLORORAIMA previa investimentos na
diversos projetos, atualmente administrados pelo
ordem de US$ 53, 8 milhões, o que correspondia
Instituto Nacional de Reforma Agrária (INCRA)
a quase 51 vezes o valor do ICM arrecadado pelo
ou pelo Instituto de Terras do Estado de Roraima
Território em 1980. Deste total, 45% eram de total
(ITERAI MA).
responsabilidade do POLOAMAZÔNIA, 41 9%
Segundo Diniz (2003), os projetos de
viriam de outros ministérios 2 e os restantes 13: 1%
colonização agricolas implementados desde a
do governo local. Como era um Território Federal
criação do Território acabaram por promover a
e não possuia receita própria, na prática todos os
transferência de colonos de regiões deprimidas
recursos eram oriundos da União. No orçamento
economicamente do Nordeste brasileiro. Ainda que
previsto, havia recursos destinados para a criação
esta colonização dirigida tenha alcançado diversos
de novas colônias agricolas, regularização da
estados nordestinos, é fundamentalmente o
posse da terra e abertura de novas estradas que
Maranhão o que mais contribui naquele momento
"dariam suporte ao enquadramento de novos
no fornecimento de colonos imigrantes em direção
colonos no Território." (BARBOSA, 1993, p. 180).
ao novo Território Federal. Na realidade esta
Estes vultosos investimentos acabaram por
primazia do Maranhão como grande forn~cedor
possibilitar um fluxo migratório em direção a
de mão de obra é observada ao longo de muitas
Roraima, que só não foi mais intenso.
décadas, exercendo ainda importante papel na

Tabela 1,-Imigrantes em Roraima, conforme estado de nascimento, número total e porcentagem


relativa a população total do estado - 2009.
Estado de nascimento Número total (em mil % do total da população
hab.\ residente em Roraima
MA 90 20,88
PA 30 6,9
AM 27 6,26
CE 14 3,25
PI 8 1,86
GO 5 1,16
PR 4 0,92
SP 3 0,7
RO 3 0,7
RS 2 0,46
Total MA, PA, AM, CE 161 37,3
Total imiOrantes 222,6 51,6
PODulacão total 431 100,00
Fonte: Elaborada pelo autor a partir da PNAD 2009.
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composição do fluxo migratório em direção a Camponeses estes que já haviam experimen-


Roraima. Neste sentido, Freitas (1997, p. 2) afirma: tado outra etapa migratória, oriundos de outras
frentes de colonização na própria Amazônia,
Esta ligação histórica entre o Maranhão particularmente de Rondônia. Ainda segundo o
e Roraima se fortaleceu através do autor,
tempo, gerando e perpetuando uma
série de fluxos [...] ligando comunidades Teriam sofrido o impacto de uma maior
específicas nos dois estados. demanda por terras ou mesmo ter
passado pelo processo de fracasso
A Tabela 1 mostra os dados retirados da dentro da agricultura nestas áreas.
PNAD 2009. Chama a atenção o fato de mais (BARBOSA, 1993, p. 183).
da metade da população ter nascido em outra
unidade da federação. Ademais, mais de 37% Ao estudar os principais fluxos migratórios em
nasceram no Maranhão, Pará, Amazonas ou direção a Roraima nos últimos quinquênios das
Ceará, os quatro principais "fornecedores" de décadas de 1970 (1975-1980) e 1980 (1986-
imigrantes para Roraima. Os imigrantes 1991), Diniz e Santos (2005), partindo dos
oriundos destes quatro estados representam Censos Demográficos de 1980 e 1991, mostram
nada menos do que 73% do total de nascidos a seguinte situação, visualizada nas Tabelas 2 e
em outras unidades da federação. 33•
Até a primeira metade dos anos 1980, ao Percebe-se, pela tabela anterior, a prevalência
menos 14 projetos de colonização agrícola já de Boa Vista no destino dos imigrantes que
haviam sido instalados em Roraima, chegaram a Roraima 4 • Dos 4.765 indivíduos,
favorecendo sobremaneira a convergência de 3.284, ou 68, 9% se dirigiram para a capital. Do
pessoas em direção à região. Silveira e Gatti total de indivíduos, 30,8 % tinham como
(1988 apud BARBOSA, 1993, p. 183) afirmam procedência o estado do Maranhão e, 131, o
que próprio Território de Roraima (migração
intraestadual).
[...] o surgimento de um fluxo migratório De 1980 a 1991 a população de Roraima
mais intenso [...] representaria uma cresceu 2,7 vezes (INSTITUTO BRASILEIRADE
forma de expansão da fronteira GEOGRAFIA E ESTATISTICA, 1980, 1991),
caracterizada por um campesinato passando de 79.159 para 217.583 habitantes. A
diferenciado.

Tabela 2 - Principais fluxos migratórios de Roraima: 1975-1980


Procedência Destino Número de imigrantes
Manaus -AM Boa Vista 1.608
Manaus -AM Caracaraí 377
Belém -PA Boa Vista 374
Fortaleza - CE Boa Vista 319
Imperatriz - MA Caracaraí 374
Santa Luzia - MA Boa Vista 284
Santa Luzia - MA Caracaraí 278
Imperatriz - MA Boa Vista 263
São Luis - MA Boa Vista 241
Santarém - PA Boa Vista 157
Bacabal- MA Boa Vista 154
Santa Inês - MA Boa Vista 132
Boa Vista - RR Caracaraí 131
Rio de Janeiro - RJ Boa Vista 122
João Lisboa - MA Caracaraí 120
Aracati - CE Boa Vista 114
Vitorino Freire - MA Boa Vista 113
Bacabal- MA Caracaraí 109
Rio Branco - AC Boa Vista 96
Vitorino Freire - MA Caracaraí 92
Total 4.765
Fonte: Adaptado pelo autor com base em Diniz e Santos (2005) e no IBGE.
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taxa de crescimento anual total ficou em 10,6%, 1986-91, 33.086 pessoas chegaram ao então
enquanto a mesma taxa para as áreas rurais foi Território Federal de Roraima. Tal incremento deu-
de 9,7%, muito acima dos 2,7% observados na se justamente pela expansão da atividade
década anterior. Estes números estão garimpeira na região.
estreitamente ligados à criação de colônias Merece destaque, ainda, o fato de que alguns
agricolas (23 no periodo), mas, sobretudo, à municipios que nem apareciam no quinquênio
expansão do garimpo, principalmente a partir de anterior (1975-1980) aparecem como importante
1987. Estimativas apontam (MACMI LLAN, 1995) local de procedência neste último periodo. Este
que aproximadamente 40.000 pessoas estiveram é particularmente o caso de Itaituba, no estado
envolvidas diretamente na atividade garimpeira do Pará. Não por coincidência, o municipio em
entre 1987 e 1991. Como já destacado, ainda questão também era uma área fortemente
que os atrativos de Roraima estivessem na área marcada pelo garimpo, assim como Santarém,
rural, a expansão populacional ocorrida na que, ainda que presente como importante "fonte"
década de 1980 se apresentou muito mais de imigrantes no primeiro quinquênio
intensa nas zonas urbanas (136%) do que rurais considerado, apresenta maior relevãncia no
(35,3%). (SANTOS, 2004). Boa Vista, que segundo periodo. Importante também é a
possuia uma população de 43.016 habitantes em presença de Porto Velho como um municipio
1980, alcança quase 119 mil em 1991, um fornecedor de imigrantes para Roraima, oriundos
crescimento semelhante ao experimentado por de uma região de fronteira agricola mais antiga.
Roraima como um todo. Sua participação no total A continuidade da importãncia do Maranhão, até
da população do estado alcança 54,66%. com o surgimento de novos municipios
A tabela 3 mostra alguns pontos que merecem fornecedores de imigrantes (como Zé Doca, por
destaque. Primeiramente, é importante observar exemplo) se dá pelo prosseguimento das
o incremento no total de imigrantes que aportam relações socioeconômicas históricas entre as
ao estado no periodo considerado (1986-1991). duas regiões, intensificadas pelas campanhas
Este número foi 3 vezes maior que o do quinquênio feitas pelos governos locais para atrair ainda mais
1975-1980. No que tange apenas à imigração maranhenses para a região.
interestadual, Santos e Diniz apontam que esta Estas campanhas serão "ajudadas" pela
também triplicou, passando de um total de 11.729 existência de uma rede (ou redes) social formada
individuosem 1975-80 para 33.086 em 1986-1991. por imigrantes mais antigos que darão suporte
Dito de outra forma, a partir dos dados data-fixa, aos entrantes mais recentes 5 •

Tabela 3 - Principais fluxos migratórios de Roraima - 1986-1991


Procedência Destino Número de imigrantes
Manaus -AM Boa Vista 2.300
Itaituba - PA Boa Vista 1.564
Imperatriz - MA Boa Vista 1.555
Fortaleza - CE Boa Vista 946
Zé Doca- MA Boa Vista 785
Belém - PA Boa Vista 712
Santarém - PA Boa Vista 705
Santa Inês - MA Boa Vista 703
Porto Velho - MA Boa Vista 586
São Luis - MA Boa Vista 567
Rio de Janeiro - RJ Boa Vista 556
Bacabal- MA Boa Vista 498
São João da Baliza - Boa Vista 443
RR
Alto Aleqre - RR Boa Vista 403
Goiânia -GO Boa Vista 376
Teresina - PI Boa Vista 362
São Paulo - SP Boa Vista 354
Acailândia - MA Boa Vista 306
Xinouara - PA Boa Vista 295
Mucaiaí - RR Boa Vista 288
Total 14.304
Fonte: Adaptado pelo autor com base em Diniz e Santos (2005).
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Outro ponto de destaque é a exclusividade Os anos 1990 representam uma redução na


de Boa Vista como destino final dos imigrantes. intensidade da imigração para o estado de
Este fato decorre dos fatores descritos Roraima, entretanto, tal movimento não pode ser
anteriormente, como a comercialização dos desconsiderado. Em termos absolutos, a entrada
minérios, feita quase que exclusivamente em de migrantes no estado foi significativa. Segundo
estabelecimentos da capital, assim como a dados de Díniz e Santos (2005), ao final da
espera por lotes agrícolas no interior do estado. década, cerca de 45 mil pessoas haviam entrado
A distribuição de lotes urbanos na periferia da no estado de Roraima. Dado que a saída de
capital também tem papel fundamental no pessoas foi da ordem de aproximadamente 14
movimento de pessoas em direção à cidade. mil indivíduos, o saldo migratório foi da ordem
Boa parcela dos 40.000 envolvidos diretamente de 31 mil pessoas. A tendência observada nos
no garimpo fixava residência em Boa Vista, tanto períodos anteriores é ratificada no período, quais
na casa de parentes e amigos como em sejam: a origem dos migrantes continua a ser o
residências construidas com material Nordeste brasileiro, sobretudo o Maranhão; o
disponibilizado pelo poder público. No caso dos aumento da participação do Pará como o estado
colonos agrícolas, muitos deles residiam de última residência dos migrantes.
também em Boa Vista, no que Santos (2004) Não obstante o crescimento da participação
denominou de residência múltipla, ocorrido pelo de pessoas nascidas em outras partes do pais
fato de que (como sul e sudeste) que vieram diretamente ao
estado, a massa de migrantes atualmente
O fenómeno só existe porque há residentes em Boa Vista é de nordestinos que
possibilidade de casas na capital [...], passaram por outra etapa migratória em estados
bem como que a condição de aquisição do Norte, sobretudo Pará e Amazonas. Estes
situa-se de acordo com um padrão de nordestinos acabam por incorporar alguns
racionalidade que não pode ser elementos da cultura nortista. Como exemplo,
explicado por razões de sucesso podemos citar um evento já conhecido em Boa
económico.
Vista, a noite paraense Uantar organizado por
paraenses com comidas e danças típicas do
O início da década de 1990 é marcado pela Pará), em que muitos participantes não são
intervenção do governo federal nas áreas de nascidos no Pará, mas que lá residiram antes de
garimpo. Entidades de direitos humanos e chegarem a Boa Vista. Neste sentido, Rocha
ambientalistas chamavam a atenção para o (2006, p. 66) afirma que
genocídio de índios e as graves consequências
negativas que a garimpagem estava proporci- [...] a própria experiência da mobilidade,
onando àquelas regiões. Tais denúncias con- seja no seu planejamento ou no ato
tribuíram para que o governo federal intervies- concreto da transição de um território
se na área, determinando o fechamento dos para outro é determinante para a
garimpos ilegais, o que representou um gran- configuração social destes indivíduos.
de baque na economia roraimense. A minera-
ção era a principal responsável pela arrecada- Obviamente os nordestinos não perdem sua
ção de tributos (ICMS) por parte do recém- cri- identidade própria. Na verdade, perpetuam sua
ado estado de Roraima, além de se constituir identidade das mais diversas formas, através
na atividade econõmica em torno da qual de entidades sociais, grupos de folclore típicos
gravitava a economia roraimense. O fim do e, no caso de muitos comerciantes, através da
garimpo representou um movimento inverso nomenclatura de seus estabelecimentos
nos fluxos migratórios. Ocorre uma maior mi- comerciais. Não é raro encontrarmos na cidade
gração de retorno de indivíduos para seus es- estabelecimentos com nomes que fazem alusão
tados de origem ou de procedência, assim ao local de nascimento dos proprietàrios, como
como o deslocamento para outras regiões ain- comercial Fortaleza, borracharia do cearense,
da não "experimentadas" pelos migrantes. lanchonete Aracati e assim por diante. É
Ocorre, ainda, uma intensificação na migração interessante destacar que a maioria dos
em direção a áreas garimpeiras da Venezuela comerciantes nordestinos, nasceu no Ceará
e da Guiana, países fronteiriços a Roraima. (dados da Junta Comercial de Roraima).
Paralelamente, ocorre uma migração mais in- A migração vai se constituir em elemento
tensa em direção a Boa Vista, inflando ainda fundamental na configuração do espaço urbano
mais a periferia da cidade. na cidade. Ao estudar a migração nordestina
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em Boa Vista, Vale (2007) busca a compreensão parcela da população de origem geográfica e
do fenõmeno migratório desta população como social distintas. Armazéns que comercializam
matriz social que tem influência no processo de distintas variedades de vinhos e frutas tipicas do
estruturação da sociedade roraimense, assim sul do pais surgiram na cidade recentemente. A
como as formas de territorialização dos comercialização de erva-mate, bebida tipica do
nordestinos no espaço boa-vistense. Neste Rio Grande do Sul, também teve um crescimento
sentido, a autora afirma que "o processo de importante, assim como de produtos da culinária
territorialização evidencia-se por meio de paraense.
dimensões econõmicas, politicas e culturais". Junto a esta heterogeneidade nacional na
(VALE, 2007, p. 17). Entretanto, dois elementos composição populacional e cultural roraimenses,
nos parecem fundamentais neste processo. há uma forte presença de população oriunda de
Primeiro, as fortes redes sociais que se paises vizinhos, sobretudo da Guiana. Os
estabeleceram desde as primeiras entradas guianenses levam a este espaço multifacetado
mais expressivas de nordestinos no estado, nos um elemento significativamente distinto, a lingua.
idos dos anos 1970/S0. Outro ponto de destaque A Iingua oficial no pais é o inglês, mas, o dialeto
é que as principais lideranças pol iticas do estado tipico do guianense não foi abandonado,
são naturais da região Nordeste do pais. Dos tornando-se mais um elemento neste mosaico
quatro governadores que dirigiram o estado, cultural denominado Roraima. A Iingua espanhola
desde sua efetivação em 1991, três (inclusive o também se faz presente neste espaço, originada
atual) nasceram no Nordeste. Tanto na dos imigrantes venezuelanos que se encontram
Assembleia Legislativa quanto na Cãmara dos no território roraimense. Alguns bairros de Boa
Vereadores da capital, cerca de metade dos Vista atualmente comportam uma população
representantes são nordestinos. No Centro de significativa de guianenses que, nestes espaços,
Tradições Gaúchas (CTG) é muito comum os reproduzem sua territorialidade, através de suas
shows de forró, mais do que qualquer representações culturais.
manifestação da tradição gaúcha. Esta se faz Por fim, temos a marcante presença de
perceber mais fortemente somente no mês de indigenas na população de Boa Vista. No ano de
setembro, quando das comemorações da 2005, a FUNAI estimava uma população indigena
semana farroupilha. Um dos produtos em Boa Vista da ordem de 2.437 individuos. Já o
alimenticios mais consumidos no estado é a Censo 2010 aponta para um total de 6.150
paçoca de carne seca, tipica do nordeste do indigenas vivendo na capital roraimense. Este
pais. Restaurantes de comida nordestina número representa cerca de 3,07% do total da
também são comuns na cidade. Essas população residente em Boa Vista, mas perfaz
constatações vão ao encontro do que afirma aproximadamente 22% de todos os indigenas
Vale (2007) sobre o processo de territorialização que moram no estado.
por parte dos imigrantes nordestinos. Neste
sentido, são esclarecedoras as palavras da 3 CONCLUSÃO
autora:
Em suma, o estado de Roraima e, particular-
A territorialidade social é bastante mente, sua capital Boa Vista, é um espaço
expressiva em Boa Vista, com uma multifacetado com distintas territorialidades,
cufiura que com qualquer das formas em onde tal processo forma a estrutura da socie-
que se apresenta, transforma-se em um dade roraimense. Estas territorialidades expres-
elo condizente do migrante ao seu meio
sam ou resultam do movimento migratório que
ambiente ainda que subjetivamente.
tem sido a marca do estado pelo menos desde
(VALE, 2007, p. 221).
a década de 1970.
Pode-se afirmar que a sociedade roraimense,
Ainda que a cultura nordestina, ou a
sua cultura e identidade estão ainda em
territorialização nordestina esteja mais presente
construção, num amálgama forjado no âmbito de
na cidade, outras manifestaçôes territoriais se
múltiplos processos sociais que dará, daqui a
apresentam no espaço urbano boa-vistense (e
algumas gerações, a verdadeira "cara" de
roraimense). Com a expansão e complexificação
Roraima, definindo o que é o roraimense. Pessoas
da cidade, algumas formas de manifestação
de vários estados da federação e de outros pa ises
tipicas de outras regiôes aparecem de forma mais
compõem o mosaico cultural e linguistico que
intensa nos últimos anos. É o caso de alguns tipos
de comércio e serviços mais voltados a uma forjará a futura identidade roraimense.
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REFERÊNCIAS Estudos Amazónicos, Universidade Federal do Pará,


Belém, 2004.
BARBOSA, R. I. Ocupação humana em Roraima I:
do histórico colonial ao início do assentamento VALE, Ana Lia Farias. Migração e territorialização:
dirigido. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi, as dimensões territoriais dos nordestinos em Boa
Belém, v. 9, n. 1, p. 123-144, 1993. Vista/RR. 2007. 268 f. Tese (Doutorado em Geografia)
- Programa de Pós-Graduação em Geografia da
CASTIGLlONI, Aurélia H. Migração: abordagens Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade
teóricas. ln: ARAGÓN, Luis E. (Org.). Migração Estadual Paulista do Campos de Presidente Prudente,
Internacional na Pan·Amazônia. Belém: NAEA, Presidente Prudente, 2007.
2009. p. 39-57.
NOTAS
DINIZ, Alexandre M. A. A dimensão qualitativa da
migração e da expansão da fronteira agrícola em Em 1962 o Território Federal do Rio Branco tem
Roraima. Caderno de Geografia, Belo Horizonte, v. seu nome modificado para Território Federal de
13, n.21, p.44-59, 2003. Roraima. Segundo alguns estudiosos (BARBOSA,
p. ex.) esta mudança se deu em função da
--o-: SANTOS, Reinaldo O. dos. O vertiginoso confusão que havia com Rio Branco, capital do
crescimento populacional de Roraima e seus Acre. Segundo o autor, correspondências e até
impactos socioambientais. Revista Caderno de mesmo pessoas acabavam parando nesta capital
Geografia, Belo Horizonte, v. 15, n. 25, p. 23-44, quando seu verdadeiro destino era o atual estado
2005. de Roraima.
, O POLOAMAZÕNIA estava vinculado ao
FREITAS, Aimberê. Políticas públícas e
administrativas de territórios federais Ministério do Interior, portanto, ao seu orçamento.
brasileiros. 2. ed. Boa Vista: Corprint Gráfica e 3
Os autores usaram o quesito "data-fixa", que
Editora, 1997.
mostra onde os entrevistados residiam numa data
fixa anterior, no caso cinco (05) anos antes. Como
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E
o Censo de 1980 não continha este quesito os
ESTATISTICA. Censo 1980. Disponível
autores usaram um filtro no qual foram
em:<www.ibge.gov.br>.Acessoem: 17 abr. 2011.
selecionados os indivíduos que tinham, em 1980,
tempo de residência inferior a cinco anos nos
_...,-_. Censo 1991. Disponível em:<www.ibge.
municípios de Roraima e idade igualou superior
gov.br>.Acessoem: 17 abr. 2011.
a cinco anos.
_-,._. Censo 2000. Disponível em:<www.ibge. 4
Dois pontos são importantes aqui. Primeiro:
gov.br>.Acessoem: 17 abr. 2011. naquela data (1980) só havia dois municípios em
Roraima, Boa Vista e Caracaraí. Segundo: os
_...,-_. Censo 2010. Disponível em:<www.ibge. valores na tabela são apenas dos 20 principais
gov.br>. Acesso em: 19 abr. 2011. muncicípios de procedência, não o total de
imigrantes que chegaram no período.
PNAD 2009. Disponível em: <www.ibge.
gov.br>. Acesso em: 19 abr. 2011. 5
Para alguns autores, existência destas redes é
fundamental para o entendimento do processo
MACMILLAN, Gordon. At the end of the rainbow: migratório, chegando a constituir uma corrente
gold, land and people in the brazilian Amazon. teórica no âmbito dos estudiosos do tema da
Londres: Earthscan Pub., 1995. migração. Tais correntes serão tratadas em
capítulo posterior. Para um primeiro contato com
ROCHA, Betty Nogueira. "Em qualquer chão: tal corrente, sugere-se a leitura de Castiglioni
sempre gaúcho!": a multiterritorialidade do migrante (2009).
"gaúcho" no Mato Grosso. 2006. 161 f. Dissertação
(Mestrado em Desenvolvimento, Agricultura e Pedro Marcelo Staevie
Sociedade) Programa de Pós-Graduação em Economista
Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade, Doutorando do Núcleo de Altos Estudos Amazónicos
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Rio (NAEA) da Universidade Federal do Pará (UFPA)
de Janeiro, 2006. Professor do Depto. Economia da Universidade
Federal de Roraima (UFRR)
SANTOS, Nelvio Paulo Dutra. Políticas públicas E-mail: [email protected]
economia e poder: o estado de Roraima entre 1970
e 2000. 2004, 271 f. Tese (Doutorado em Universidade Federal de Roraima· UFRR
Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido) Av. Cap. EneGarcez, n02413. BairroAeroporto, Boa
Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Vista/RR
Sustentável do Trópico Úmido, Núcleo de Altos CEP: 69304-000

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