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TERRITÓRIO E IDENTIDADE: ELEMENTOS PARA A

IDENTIDADE TERRITORIAL*

Adriano Amaro de SOUSA


Mestrando em Geografia PPGG/FCT/UNESP-PP
[email protected]

RESUMO: Desenvolveremos, aqui, uma breve reflexão teórica sobre a


construção da identidade territorial, visando entender esse elemento simbólico-
cultural na dinâmica do território que forja(m) identidade(s). Para isso, fizemos
inicialmente um resgate das principais idéias sobre o conceito de território no
pensamento geográfico brasileiro balizados nos estudos de Claude Raffestin,
Milton Santos e Rogério Haesbaert, dando ênfase nos aspectos relacional e
dialético da abordagem territorial e identitária de Marcos Saquet. Posteriormente,
analisamos o conceito de identidade nas ciências humanas apresentando uma gama
de características (contraste, diferença e alteridade) e ramificações (étnica, cultural,
resistência e territorial) da identidade social. Desse modo, a identidade territorial é
um tipo de identidade social que se expressa na relação de pertencimento de um
grupo social a partir da delimitação de uma escala (i)material de referência
identitária.
PALAVRAS-CHAVE: espaço geográfico; identidade; território; identidade territorial.

TERRITORY AND IDENTITY: ELEMENTS FOR TERRITORY


IDENTITY
ABSTRACT: Develop here, a brief theoretical discussion about the construction
of local identity, aiming to understand this cultural-symbolic element in the
dynamic of territory to forge identities. For this reason, did a ransom initially the
main ideas on the concept of geographic thought in Brazilian territory marked out
in the studies of Claude Raffestin, Milton Santos and Rogerio Haesbaert,
emphasizing the aspects of relational and dialectical approach and territorial
identity of Marcos Saquet. Subsequently, we analyzed the concept of identity in
the humanities presenting a range of characteristics (contrast, difference and
otherness) and branches (ethnic, cultural resistance and territorial) of social
identity. Thus, the local identity is a kind of social identity that is expressed in the
relationship of belonging to a social group from the definition of an intangible
scale of reference identity.
KEY WORDS:: geographic space, identity, territory, territorial identity.

                                                            
* Texto apresentado como trabalho final da disciplina “O espaço, o tempo e o território: uma
questão de método”, ministrado pelo Prof. Dr. Marcos Aurélio Saquet no segundo semestre de
2007, no curso de Pós-graduação em Geografia, na Faculdade de Ciência e Tecnologia –
FCT/Unesp – Presidente Prudente/SP.

 
Caderno Prudentino de Geografia – número 30 – p.119-132

Introdução

A identidade territorial está (in)diretamente envolvida na


produção do território (objetiva e subjetivamente) por meio da TDR
(des-territorialização, re-territorialização e territorialização), devido aos
processos históricos desiguais determinados pela expansão do
capitalismo e seus aspectos culturais.

Simultaneamente, à des-territorialização dá-se a re-


territorialização. São processos intimamente ligados na
dinâmica socioespacial. Na primeira, há perda do
território inicialmente apropriado e construído, a
supressão dos limites, das fronteiras, como afirma
Raffestin (1984), e na segunda, uma reprodução de
elementos do território anterior, pelo menos, em algumas
das suas características. O velho é recriado no novo, num
movimento que representa as forças sociais, em que um
dos papéis do Estado é justamente a reterritorialização
(SAQUET, 2003, p. 39).

Para o autor, o processo de produção do espaço geográfico


apresentado na des-re-territorialização está eminentemente articulado
com o Estado e com o capital, sendo que a desterritorialização dá-se
por fatores econômicos e políticos. Contudo, a reterritorialização
decorre de elementos políticos e culturais.
Esta tríade (TDR’s) apreende o movimento da sociedade e do
espaço no tempo. Ela está fundamentada na territorialização como
fruto de uma estratégia para tomar posse de um espaço geográfico. Já a
desterritorialização é o abandono espontâneo ou forçado da
territorialização. Por último, a reterritorialização é a construção de uma
nova territorialização.
Assim, o presente artigo apresenta uma reflexão teórica sobre a
construção da identidade territorial, por meio da dinâmica do território
que forja(m) identidade(s).

Território

Etimologicamente o conceito de território nasce com duplo


sentido, material e simbólico. No primeiro, apresenta como dominação

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(jurídico-político e econômico), pois o território tem significado de


terra (territorium) e de controle (terror e aterrorizar). Já no segundo, o
território tem característica de apropriação no sentido simbólico-
cultural. Nesta perspectiva, o poder é um dos componentes centrais na
análise do conceito de território, por isso ele tem tanto uma abordagem
de dominação no sentido mais concreto, quanto de apropriação no
sentido mais abstrato.
Assim, para entendermos o debate sobre o conceito de território
no pensamento geográfico brasileiro é preciso analisar os principais
estudiosos do conceito em questão. A nosso ver, os principais autores
que se destacaram no Brasil foram Claude Raffestin, Milton Santos e
Rogério Haesbaert.
Iniciamos com o Claude Raffestin que elaborou o conceito de
território balizado nas relações sociais de controle e dominação (poder).
Para isso, ele coloca em confronto dois conceitos: espaço e território.
Sendo, assim, necessário compreender bem que o espaço é anterior ao
território e que o território se forma a partir do espaço. Ambos não são
termos equivalentes. “O território, nessa perspectiva, é um espaço onde se
projetou trabalho, seja energia ou informação, e que, por conseqüência, revela
relações marcadas pelo poder” (1993, p. 143-4). Já a produção territorial
advém da “comunicação entre os modos de produção e o espaço” (p.152),
assentada na construção de malhas, nós e redes para compreensão da
formação territorial. Tal formação está pautada nas relações de poder e
nas redes de circulação e comunicação. O sistema territorial busca a
integração e a coesão do território. Em síntese, a abordagem de
Raffestin sobre o território é política e econômica. E, também, areal
devido à atuação do poder do Estado se limitar às dimensões político-
administrativa da sua zona (limites e fronteiras). Duas outras
abordagens avançam na discussão das relações de poder no/do
território. Michael Foucault (1985) considera o poder para além do
Estado (instituições, empresas, cotidiano, entre outros). Já Marcelo
Lopes de Souza (1995), numa outra concepção, estabelece as relações
de poder no campo de tensão (conflito) balizado pelas diferenças
culturais de grupos sociais distintos, superando, assim, as teias de
relações do Estado.
Por outro lado, Santos e Silveira (2003), têm uma obra
considerada atual “O Brasil: território e sociedade no início do século XXI” que
interpreta a sociedade brasileira através do território a partir de sua
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história, de seu desenvolvimento e de seus usos pelos atores sociais.


Aqui, o território é conceituado de território usado que, por sua vez, é
sinônimo de espaço geográfico, contudo, restrito a escala nacional. Para
entender o Brasil globalizado é necessário o intermédio de diversas
técnicas sociais do uso do território nacional denominadas de meio
técnico-científico-informacional. Além do mais, a importância do papel
da informação e do conhecimento para dinamizar a economia nesse(s)
novo(s) espaço(s) geográfico(s). Os novos mercados reorganizam os
territórios produtivo e financeiro, acirrando, assim, as desigualdades e
competitividades das economias regionais, centralizando mais o capital
na região concentrada. Assim, a idéia de território usado deve ser
utilizada quando se quer definir qualquer pedaço de território, neste
deve-se levar em conta a interdependência e a inseparabilidade entre a
materialidade (inclui a natureza e o seu uso, também, inclui a ação do
homem), isto é, o trabalho e a política. Para Saquet (2007), a gênese
deste conceito está “materializada” na obra de Milton Santos (1994)
“Território: globalização e fragmentação” cuja abordagem é econômico-
material, ampliando a discussão para além da concepção areal,
enaltecendo o uso e o controle social.
Rogério Haesbaert (2004) entende o território a partir da
apropriação (simbólico-cultural) e dominação (político-econômico).
Apresenta as três principais vertentes do território: jurídico-política
(espaço de poder do Estado, das instituições e grupos sociais), cultural
(simbólicas e identitárias) econômica (produção material e contradições
sociais). A natureza é vista como território de recurso econômico que é
dominado por um seleto grupo social. Essas vertentes básicas apontam
diferentes enfoques da perspectiva parcial do território. Porém,
Haesbaert visualiza o território contemporâneo (globalização e
fragmentação) balizado numa visão integradora, pois a leitura do
território como espaço não pode ser considerado estritamente político,
nem unicamente cultural e tão pouco econômico ou natural. Ou seja,
ele é melhor analisado pelas suas diferentes dimensões. Assim, o
território é relacional (espaço-tempo, movimento, fluidez e
interconexão). O processo de produção do espaço geográfico está
sempre relacionado com a des-territorialização (econômico-político) e a
territorialização (político-cultural) de grupos sociais e empresas. Com a
globalização e o processo de re-territorialização ocorrem uma
transformação (política, cultural e econômica) no espaço mundial
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emergindo o fenômeno da multiterritorialidade balizado em novas três


vertentes detectadas por Haesbaert: território-zona (tradicional, lógica
política do Estado-Nação), território-rede (lógica econômica das
grandes corporações globais) e aglomerado de exclusão (áreas de
desordem sócio-espacial e pobreza estrutural). Por fim, o conceito de
território em Haesbaert tem centralidade nas dimensões política e
cultural.
Nesta perspectiva, Saquet (2007) afirma que as redes têm um
papel territorizalizador e des-territorializador. Ainda, argumenta que o
processo que promove a multiterritorialidade apresenta diversas
relações com o “vivido” por diferentes grupos sociais, em distintas
escalas de inteirações (área-rede, rede-rede e rede-lugar).
Saquet (2003) ainda colabora destacando não somente as
vertentes político-cultural, mas também a econômica, por que o
território é constituído de relações sociais e (i)materialidade.

Um território não é construído e, ao nosso ver, não pode


ser definido apenas enquanto espaço apropriado política
e culturalmente com a formação de uma identidade
regional e cultural/política. Ele é produzido, ao mesmo
tempo, por relações econômicas, nas quais as relações de
poder inerentes as relações sociais estão presentes num
jogo contínuo de dominação e submissão, de controle
dos espaços econômico, político e cultural. O território é
apropriado e construído socialmente, fruto do processo
de territorialização.

Após estudar as diversas abordagens sobre o conceito de


território Marcos Aurélio Saquet materializa suas discussões na obra
“Abordagem e concepções de território”, em 2007. Nela o autor apresenta
quatro possibilidades para compreender o território: a) relações de
poder; b) redes de circulação e comunicação; c) identidades simbólicas
e culturais; e, por último d) a natureza exterior ao homem. Tais
reflexões são frutos de um diálogo com autores italianos (J. Gottamann,
C. Raffestim, G. Dematteis, A. Turco, E. Turri, entre outros). Assim,
concordando com Saquet (2006, p. 83), o território é:

[...] natureza e sociedade: não há separação; é economia,


política e cultura; edificações e relações sociais; des-
continuidades; conexão e redes; domínio e subordinação;
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degradação e proteção ambiental, etc.. Em outras


palavras, o território significa heterogeneidade e traços
comuns; apropriação e dominação historicamente
condicionadas; é produto e condição histórica e trans-
escalar; com múltiplas variações, determinações, relações
e unidade. É espaço de moradia, de produção, de
serviços, de mobilidade, de des-organização, de arte, de
sonhos, enfim, de vida (objetiva e subjetivamente). O
território é processual e relacional, (i)material, com
diversidade e unidade, concomitantemente.

A nosso ver, o território é marcado pelo resultado do processo


histórico das relações sociais. Ele é móvel, dinâmico e está em
constante transformação. É produto e condição de articulação existente
entre o tempo histórico e os coexistentes. Além do mais, o território
integra as múltiplas dimensões: econômica, política e cultural. O poder
é exercido nas relações socioespacias e tem centralidade no território.
Ou seja, o território também é constituído de sociedade e natureza,
trabalho e capital, produção e circulação, fixo (área) e fluxo (rede),
energia e informação (técnico-científico), entre outros. Tudo isso numa
abordagem totalizadora e complexa.
Assim, o território apropriado tem características objetivas
(territorial) e subjetivas (simbólica, identitária e afetiva) do “espaço
vivido”, este(s) por meio da(s) territorialidade(s), forja(m) as
identidades territoriais.

Identidade territorial

O conceito de identidade ao longo da história filosófica deriva da


raiz idem que significa igualdade e continuidade & unidade e
diversidade. No período contemporâneo está relacionada ao
individualismo. Foi nos EUA, em meados dos anos 1950, que
disseminou o uso desse conceito contrapondo à sociedade de massa,
dando visibilidade a “busca da identidade”, em especial de grupos
sociais considerados de minorias (negros, judeus, homossexuais, grupos
religiosos, entre outros) e depois para toda a sociedade moderna.
Há duas discussões sobre a identidade nas ciências sociais:
psicodinâmica e sociológica. A identidade psicodinâmica é composta
pelo cerne do indivíduo e de sua cultura, quando esta entra em conflito
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ocorre aquilo que denominamos de “crise de identidade”. Já a


identidade sociológica é construída pelas pessoas a partir da cultura em
que vivem, a interação do eu com o simbólico e com o concreto faz
com que o indivíduo atinja um estado de identificação, ele se reconhece
e diz “este é o meu verdadeiro eu” (OUTHWAITE e BATTOMORE,
1996).

O princípio da identidade assume um sentido novo, um


sentido concreto. Se a contradição é mais essencial que a
identidade, a identidade nem por isso deixa de ser
essencial. Sem contradição, a identidade estagna. Para ser,
para viver, para vir a ser, é preciso dilacerar-se do
interior. Mas, através da contradição, a identidade se
restabelece em nível superior. Sem isso, o ser se
encaminharia rapidamente para sua ruína. Assim, a razão,
o conceito, ou simplesmente o ser vivo, repousam sobre
contradições resolvidas. A identidade, portanto, é posta
em seu lugar, no movimento (no conjunto de relações,
diferenças, interações e contradições que formam a
realidade concreta) (LEFEBVRE, 1995, p. 195).

Para o autor, o princípio da identidade tem um sentido dialético


que envolve a teoria da lógica da contradição. Essa contradição traz
consigo certas rugosidades que compõem os traços identitários. Nela
unidade e contradição são elementos estruturantes da identidade do ser
e do vir-a-ser.
A identidade é uma construção de caráter contrastante ou de
oposição com uma forte a ação individual ou grupal, implicando, assim,
a afirmação do nós diante dos outros. Nesse sentido, Cardoso de
Oliveira em sua obra “Identidade, etnia e estrutura social” argumenta que a
essência da identidade étnica é a identidade contrastiva. De modo geral,
a identidade étnica é uma modalidade da identidade social, sendo que a
diferença parece ser típica de qualquer identidade em processamento.
Esta diferença está presente em qualquer situação social podendo ser
geradora de desigualdade. Em outras palavras, a identidade do diferente
pode ser revelada na relação contrastiva. Não há identidade entre
idênticos, porque eles não se diferenciam, não havendo o que
contrastar. Sem a diversidade de grupos sociais e os interesses político e
econômico contido nelas, não há identidade.

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Castells (1999) entende a identidade social como sendo a “fonte de


significação e experiência de um povo” (p. 22). Assim, o significado e a
experiência são há base para a estruturação dos grupos sociais, ambos
buscam permanecer no tempo e no espaço. Estes grupos possuem uma
forte ligação com o seu lugar de origem estabelecendo uma verdadeira
identidade com o território. As identidades têm conseqüências
geográficas aparentemente contraditórias que ocorrem devido as
relações sociais. De modo geral, no nosso tempo histórico as
identidades religiosas, nacionais, territoriais, étnicas e de gênero,
aparecem como princípios fundamentais de auto-definição, cujo
desenvolvimento marca a dinâmica das sociedades e da política de
forma decisiva.

[Há] identidade de resistência – criada por atores que se


encontram em posições/condições desvalorizadas e/ou
estigmatizadas pela lógica da dominação, construindo,
assim, trincheiras de resistência e sobrevivência com base
em princípios diferentes dos que permeiam as instituições
da sociedade, ou mesmo opostos a estes últimos
(CASTELLS, 1999, p. 24) [grifo nosso].

Por outro lado, há comunidades que são aparentemente


homogêneas e os indivíduos que as compõem não se diferenciam uns
dos outros nem pela etnia, nem pela nacionalidade e muito menos pela
situação de classe social, porém, mesmo assim, os indivíduos e se
diferenciam entre si, e fortalece(m) a sua identidade de grupo. Haja
vista o trabalho de Nobert Elias & Jhon Scotson “Os estabelcidos e os
outsiders: sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade”
sobre a cidade pequena denominada de Winston Parva no interior da
Inglaterra. Nela, numa certa localidade, os moradores de dois bairros
mais antigos se diferenciavam dos moradores do bairro mais novo pelo
tempo de morada no local. Com isso, criaram estratégias de preservação
da sua identidade para manutenção dos cargos comunitários numa
tentativa de afirmarem a sua superioridade com relação aos habitantes
novos vistos como intrusos. Esta diferença sedimenta uma identidade
balizada entre os estabelecidos e os “outsider”. Por sua vez, essa relação
social estava carregada de signos que estrutura há identidade social
baseada no poder.

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Hall (1997), afirma em sua obra “Identidades Culturais na Pós-


Modernidade” que as identidades modernas estão em crises e são
fragmentadas pela globalização, devido os seus impactos sobre os
sujeitos contemporâneos. Com isso, o autor propõem três contra-
tendências a hegemonização cultural global: a) glolocalização
(fortalecimento das identidades locais); b) indivíduo híbrido
(cruzamento de culturas diferentes); e, por último c) sujeitos traduzidos
(migrante identidade dupla)1. As identidades são plurais e não existem
mais identidades “puras”, isto mostra que as identidades mudam com o
tempo e com o espaço. No jogo das relações sociais e de produção,
alguns indivíduos terão mais facilidades ou dificuldades, dependendo da
cultura ou classe social em que estão inseridos.
Desse modo, Haesbaert entende que a identidade social tem uma
relação com a identidade territorial, ambas acabam tendo proximidades,
já que definem o território e as relações sociais (idéia e matéria).

O território envolve sempre, ao mesmo tempo [...], uma


dimensão simbólica, cultural por meio de uma identidade
territorial atribuída pelos grupos sociais, como forma de
controle simbólico sobre o espaço onde vivem (sendo
também, portanto, uma forma de apropriação), e uma
dimensão mais concreta, de caráter político-disciplinar:
apropriação e ordenação do espaço como forma de
domínio e disciplinarização dos indivíduos
(HAESBAERT, 1997, p. 42).

Assim, o autor afirma que a identidade territorial é um tipo de


identidade social que expressa na relação de pertencimento de um
grupo a partir da delimitação de uma escala territorial de referência
identitária.
Saquet (2007) apresenta duas abordagens diferentes de estudos
de identidade com enfoque territorial. A primeira tem aspectos
históricos-culturais, simbólicas e afetivas da vida de grupos sociais em
um determinado lugar. Já na segunda, a identidade apresenta
característica de unidade transescalar, entre os sujeitos e lugares. Porém,
as duas abordagens acima não são excludentes. A reprodução da
identidade [territorial] é (i)material, histórica, relacional e multiescalar.

                                                            
1 Mais detalhes ver em Haesbaert e Bárbara (2001).
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O destaque dessa nova perspectiva é o caráter político da identidade,


como uma possibilidade de transformação social. Ela está referenciada
nas reflexões e contribuições dos autores italianos (G. Dematteis,
Magnaghi, Governa, Ruallani e Bagnasco), sobretudo, pela temática da
identidade tendo o desenvolvimento local e sustentável como pilares.

[...] a identidade é territorial e significa, além de


pertencimento a um certo lugar, o resultado do processo
de territorialização, com elementos de continuidade e
estabilidade, unidade e diferencialidade. O território é
produto e condição social, influenciando na constituição
de identidade local em virtude de ações coletivas; tem um
conteúdo dinâmico e ativo, com componentes objetivos e
subjetivos, nos níveis local e extralocal (SAQUET, 2007,
p 152).

A territorialidade é a dimensão simbólico-cultural no qual se


materializam os processos de identificação territorial. Haesbaert (2004)
sintetizou o conceito de territorialidade da seguinte forma:

1) Territorialidade num enforque mais epistemológico:


“abstração” condição genérica (teórica) para a existência
do território [...];
2) Territorialidade num sentido mais ontológico: a) como
materialidade (ex: controle físico do acesso através do
material), b) como imaterialidade (ex: controle simbólico,
através de uma identidade territorial ou “comunidade
territorial imaginada”), c) como “espaço vivido” (frente
aos espaços – neste caso, territórios, formais –
institucionais), conjugando materialidade e imaterialidade)
(p. 10).

A territorialidade é balizada pelas relações sociais expressas no


território, seja pela materialidade (produção, troca e consumo) ou pela
imaterilidade (idéia, controle, autoridade, estratégias etc.), essas relações
forjam identidades territoriais. A identidade é dinamizada pelas diversas
práticas sociais que acontece pela ação dos sujeitos na produção
territorial.
A identidade territorial é o resultado do enraizamento de um
grupo social nas relações cotidianas balizada por tradições e mudanças

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no tempo e no espaço. Nesse sentido, Saquet (2003) apresenta a re-


territorialização da imigração italiana no Rio Grande do Sul pela
dinâmica do território e da identidade na Colônia Silveira Martins
fundada em 1878, onde se verificou a reprodução de elementos e
características de seu modo de vida anterior e novo. Agora,
analisaremos, resumidamente, como Saquet apreendeu as relações de
identidade territorial nesse grupo social:

a) Produtos agrícolas: milho, trigo, arroz, aveia,


cevada, uva, etc.; artesanais: fabricação de vinho,
serrarias, sapatarias, moinhos, ferrarias, entre outras;
atividades comerciais: alguns italianos que migraram já
haviam exercido o papel de negociantes, intermediando
relações de compra e venda, de troca. Assim, criam os
primeiros estabelecimentos mercantis (chamados de
vendas) em Silveira Martins, Nova Palma e Ivorá;
b) Elementos da vida cultural: alimentação (polenta,
massas, vinhos, salame, forglia, queijos...), objetos da vida
diária (como mesas, cristaleiras... específicas), práticas
religiosas ligadas ao Catolicismo (igrejas/templos, Santos,
capitéis, canções, festas, etc., os dialetos (vêneto e
fruilano, principalmente). Criaram, desta forma, as
chamadas linhas, como Vale do Vêneto, Val Veronês,
Novo Treviso, Val Feltrina, Nova Údine, Val de Búia,
lembrando e homenageando alguns dos seus lugares de
origem de muitas famílias;
c) Formam associações de ajuda mútua, desde a década
de 1980, e, pequenas cooperativas para comercialização
da produção agrícola, entre outras iniciativas políticas,
culturais e econômicas (2005, p. 13876).

Diante desse quadro, visualizamos a identidade territorial dos


imigrantes italianos pela produção territorial baseada na
cultura/economia de origem deles, que estabelecem traços identitários
entre si. Tais traços são frutos de processos estruturais e conjunturais
de uma ação coletiva fundamentada(s) na(s) vivência(s) e nos saberes
do grupo do social ítalo-brasileiro neste território chamado de Silveira
Martins.

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Por fim, como vimos acima com Stuart Hall, as identidades


contemporâneas são globais, pluriculturais e de resistência. Elas se
apresentam em espaços culturalmente híbridos e desiguais.

Hoje num mundo dito globalizado, juntamente com esta


identidade continua/contígua, aparecem identidades
descontínuas, fragmentadas e/ou sobrepostas, onde
vigora o confronto ou o diálogo, a relativa fluidez e a
interseção elaborando assim, novas formas de
identificação social.

Para o autor, o território é produto e produtor de identidade não


só apenas no âmbito do poder, mas, também, no campo da afetividade
e do significante.

Considerações finais

Podemos sintetizar que, o conceito de identidade não pode ser


entendido sem o contraste/alteridade, ou seja, sem o outro. É outro
que fortalece esse jogo de identificação, que é também histórica,
dinâmica, complexa e está em constante transformação. Tais
observações podem e devem ser visualizadas no ensino de geografia
sob o enfoque da identidade territorial.

Identificar, no âmbito humano-social, é sempre identificar-


se, um processo reflexivo, portanto, e identificar-se é
sempre identificar-se com, ou seja, é sempre um processo
relacional, dialógico, inserido numa relação social. Além
disso, como não encararmos a identidade como algo
dado, definido de forma clara, mas como um movimento,
trata-se sempre de uma identificação em curso, e por em
estar em processo/relação ela nunca é una, mais multipla.
Toda a identidade só se define em relação a outras
identidades, numa relação complexa de escalas territorias
e valorizações positivas e negativas (HAESBAERT, 1999,
p. 174-175).

Nesse sentido, para compreendermos o conceito de identidade


territorial temos que levar em consideração a territorialidade (relações
sociais), devido a sua apropriação subjetiva, este pode ser considerado
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de enraizamento, pertencimento e afetividade. A identidade territorial


tem uma forte repercussão no espaço geográfico por que ela produz a
territorialização e a des-territorialização.
A identidade territorial é histórica, processual e trans-escalar. É,
também, unidade e contradição, simples e complexa, homogeneidade e
heterogeneidade, mudança e permanecia, continuidade e
descontinuidade, entre outras. Ela trás consigo elementos concretos
(espaço e matéria) e abstratos (representação e idéia) que nós
carregamos, além de rugosidade(s) que deixa(m) traços identitários
impressos na paisagem.

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