Tribunais Comunitarios
Tribunais Comunitarios
Tribunais Comunitarios
1. Introdução
2. Metodologia e caracterização da amostra
3. Sistemas costumeiros de uso da terra
4. Origem e evolução dos tribunais comunitários como
instâncias oficiais de resolução de conflitos
5. Resultados do estudo sobre acesso, posse e transmissão
6. Papeis relativos das instituições na prevenção de conflitos
7. Recorrência e resolução dos conflitos de terras
8. Conclusões e Recomendações
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1. INTRODUÇÃO
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No total, foram administrados 3.371 inquéritos válidos. Foi definida uma amostra de
600 inquéritos por distrito, sendo 100 destinados às sedes distritais e os restantes aos
postos administrativos e respectivas localidades. O levantamento quantitativo foi
acompanhado por um outro de ordem qualitativa, nomeadamente entrevistas a grupos
alvo, tais como juizes dos tribunais comunitários, administradores, autoridades
tradicionais, entre outros.
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Instituto de Instituto de Investigação para o Desenvolvimento, instituição privada sem fins lucrativos
registada junto do Ministério para o Ensino Superior, Ciência e Tecnologia.
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O tamanho da amostra foi fixado em 200 entrevista por cada unidade de amostragem,
tendo-se em consideração a eventual variabilidade das respostas, os dados recolhidos
nos censos populacional e agro-pecuário dos anos 1997 e 2000, respectivamente. A
margem de erro das respostas situa-se entre os 3% e 4% o que se julga ser suficiente
para a caracterização das práticas actuais nos sistemas de uso dos recursos e na
prevenção e gestão dos conflitos de carácter fundiário.
Para além das entrevistas directas, foi consultada a documentação disponível em cada
uma das instituições, bem como, se fez uso da rede de organizações que colaboram
com a Campanha Terra, incluindo os arquivos locais de Organizações Não-
Governamentais nacionais e estrangeiras.
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Para efeitos deste inquérito teve-se por sociedade civil: toda a forma organizacional de cidadãos,
sujeita a uma estrutura comummente reconhecida pelos mesmos e cuja adesão se caracteriza por ser de
livre e espontânea vontade.
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⋅ Nível de urbanização
⋅ Culturas agrárias praticadas
⋅ Quantidade de biomassa e sua utilização
⋅ Actividades empresariais
⋅ Passado histórico recente na área da administração
⋅ Confissão religiosa da maioria
⋅ Sistema de direito costumeiro de uso da terra
Distrito de Manica
Distrito de Tambara
Distrito de Rapale
Distrito de Angoche
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Para efeitos deste relatório preferiram-se as designações de registado e não-registado em lugar de
formal e informal ou não-formal. Crê-se que o que distingue a natureza das múltiplas actividades de
carácter económico desenvolvidas pelas populações não é o facto de ser formal ou informal, uma vez
que não há acção que implique contratos que não esteja sujeita a formalidades, mas sim o facto de ser
ou não registado através da escrita e potencialmente junto dos serviços do Estado.
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Trata-se das listas elaboradas pelo Cruzeiro do Sul baseadas nos dados dos recenseamentos
populacional e eleitoral em confronto com as listagens históricas dos anos 60 e 70.
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Neste sistema quando um homem casa a sua família tem de pagar o lobolo à família
da mulher. O lobolo representa não só a garantia de transferência dos potenciais filhos
de um espaço territorial para outro, mas também a expressão pública de que a família
receptora da filha lhe garanta acesso à terra para habitação, agricultura e recolecção.
Até ao Século XIX os territórios hoje sob o controlo do Estado, eram regidos pelo
chefe da terra, autoridade suprema ao nível territorial a quem competia convocar a
guerra em caso de tentativa de ocupação por outros povos. O poder do chefe
comunitário sai reforçado com o aumento do número de “súbditos” e faz-se exercer
através do monopólio de adjudicação de novas terras e do papel judicial que lhe é
reconhecido em situação de conflito. Está-se assim perante um sistema de territórios
consignados hierarquicamente do nível superior ao inferior, um sistema onde a noção
de território do Estado está claramente implantada, um sistema onde não é a ocupação
que determina o espaço da jurisdição mas este que decide sobre o acesso à terra.
Acredita-se que qualquer ocupação indevida ou ilegal pode ser sujeita à punição dos
espíritos dos antepassados dos “donos” legítimos da terra em causa. Para além disto, o
infractor sujeita-se a ser votado ao ostracismo social, sendo excluído de participar nas
redes de segurança e de obrigação mútua que se estabelecem através do casamento e
dos processos de herança. Desta forma há um reconhecimento tácito, por parte de
todos os que não têm possibilidade ou não querem romper com as dependências
estruturais, das formas consuetudinárias da concessão dos direitos de acesso à terra.
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A muti é composta por um conjunto interligado de elementos como limites, casas, cozinhas, currais,
sombras, locais sagrados, casa de banho e espaços de acesso à água, à lenha e demais recursos e deriva
o nome da designação clânica do chefe do agregado. O seu crescimento e a sua distribuição espacial
são pensados em função do código cosmológico astral, especialmente do Sol e da Lua em seus
movimentos e ciclos circulares, marcando e organizando o horizonte por pontos referentes – os pontos
cardeais
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Até meados do século, e ainda hoje se passa embora de forma esporádica, era prática
comum que, a par do lobolo, se praticasse o sororato, ou seja a possibilidade de
casamento com a irmã mais nova da noiva. Este hábito foi caindo em desuso com o
avanço da urbanização, mas ainda é frequente encontrarem-se formas de poligamia
entre os mais favorecidos que têm por objectivo o alargamento das redes de segurança
social e o reforço da segurança alimentar do marido pela abertura de uma machamba
só para si que é trabalhada por todas as suas mulheres sob a direcção da primeira
esposa.
Se em vida existia o sororato a morte era acompanhada pelo levirato, ou seja, a união
marital da viúva com o irmão mais velho do defunto, continuando a usufruir de todos
os direitos e deveres de “esposa da família”. O acesso à terra ficava assim
condicionado pelo uso, de acordo com o que era determinado pela família receptora.
Com o tempo e, possivelmente, porque a terra disponível foi diminuindo, o levirato
foi caindo em desuso carecendo a viúva de autorização especial para permanecer na
terra da família receptora. Esta autorização poderia ser revogada ao fim de alguns
anos se a família receptora assim o entendesse, situação que usualmente acontecia
quando as crianças já estavam crescidas. Nestas circunstâncias, a segurança de acesso
à terra pela mulher era tanto maior quanto maior fosse o número de filhos e quanto
mais velho fosse o marido.
Uma outra das medidas preventivas é a dos ritos de purificação após a morte do
anterior “dono”. Estes ritos têm por finalidade objectiva garantir o uso “devido” da
terra em função dos interesses e da reprodução da família. A purificação é uma
limpeza temporária dos espíritos “maus”, que a qualquer momento podem regressar
caso não sejam cumpridas as regras estabelecidas. Os ritos de purificação são dos
momentos simbólicos cuja origem se perde na memória dos séculos e deles se crê
depender o presente e o futuro da parcela familiar.
Nos nossos dias começa a ser cada vez mais usual que à viúva seja dado o mesmo
estatuto que à mulher divorciada por considerada culpa própria (adultério,
esterilidade, mau comportamento e acusação de feitiçaria), ou seja, a viúva é expulsa
das terras da família receptora e enviada de volta à família de origem. No entanto,
sempre que se verifica falta de terra a família de origem tem relutância em aceitar de
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volta a viúva desprezada ou a divorciada escorraçada, uma vez que ela não está
“contada” entre os que devem ter acesso à terra adjudicada à parcela familiar.
Constata-se também, que estes casos de descriminação da mulher são mais comuns
entre os casais onde o lobolo tem um papel meramente simbólico. Sempre que a
prática de expulsão por ambas as famílias se enraíza as mulheres casadas ficam numa
situação de debilidade de direitos no seu relacionamento diário com o cônjuge, uma
vez que não têm qualquer segurança de acesso à terra se tiverem de regressar à sua
terra de origem.
Uma forma de acesso à terra é o empréstimo. Uma família que tenha terras que não
estão sendo usadas, nem estão em pousio, pode emprestar a uma outra família ou
individualmente. O empréstimo está sujeito a várias regras, a mais importante é o
carácter temporário, quase de “emergência”, da transmissão dos direitos de
exploração e a proibição de plantio de árvores pelo ocupante. A proibição do plantio
de árvores deve-se ao carácter temporário da concessão de terra da família a um
vizinho com o qual não estão estabelecidas relações de aliança via casamento.
Ultimamente, em zonas onde a procura de terra é maior, começam a surgir cada vez
mais casos de aluguer de terras, cujas normas em pouco variam daquelas que regem o
empréstimo. A relação contratual em pouco ou nada beneficia o ocupante, não lhe dá
segurança de posse nem perspectiva de continuidade. Os contratos de exploração são,
habitualmente por campanha agrícola e não renováveis.
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A terminologia sobre o parentesco do povo que fala cisena gombe reflecte a estrutura
económica das famílias rurais. Para este povo há três níveis principais para a referência
do parentesco: o dos avós, antepassados do pai e da mãe, o nível do ego, e o das
crianças. Apesar das diferenças identificáveis através das formas de tratamento, a
terminologia do parentesco baseia-se nas gerações.
As famílias vivem num grande território comum e recebem terra para fazer as suas
machambas directamente do chefe comunitário. Entre as famílias alargadas
estabelecem-se relações económicas e sociais que não ocorrem entre as famílias
nucleares. O chefe da família alargada, que é o guardião da linhagem, reconhece
somente a autoridade do chefe comunitário, que é o responsável pela segurança e
reprodução das várias linhagens.
Porém, a família nuclear tem a sua própria identidade económica e o seu próprio local
habitacional. Ela tem de produzir rendimentos suficientes para cobrir as despesas de
consumo, contribuir para as linhagens com as quais mantêm relações de afinidade e
cumprir as obrigações para com a família alargada.
Quando o chefe da família nuclear morre deixa mulher ou mulheres e filhos, mas o único
herdeiro legítimo é o seu irmão mais velho. Se por qualquer razão este estiver
incapacitado, o legal depositário será ou o primeiro filho do irmão ou o seu primeiro
filho. Só os bens móveis são herdados, a propriedade imobiliária tal como a terra, as
árvores ou a casa, deve reverter para a comunidade, mantendo a família do malogrado
tão somente os direitos de propriedade sobre os frutos e as árvores que pertenciam ao seu
parente.
Para orientar as cerimónias fúnebres é escolhida uma pessoa que não pertence à
linhagem. Este indivíduo é investido de um poder especial, o kufa, e torna-se o chefe das
cerimónias, administrador das despesas do funeral e o “sentenciador” durante a
distribuição dos bens móveis do falecido. De acordo com as leis consuetudinárias os
bens móveis não podem ser usufruídos pelos membros da família alargada, sob o risco
de incorrer em sacrilégio ou morte, o chocolo.
Existem, entretanto, duas modalidades para a transferência dos bens móveis, aos
membros da família alargada, sem o risco de chocolo: primeiro, através da doação dos
bens antes da morte do proprietário; segundo por meio da sua conversão e acumulação
em dinheiro.
A primeira forma não obedece a regras específicas, se bem que seja dada preferência aos
membros da família alargada, em particular ao irmão mais velho ou ao primeiro filho
nascido. O beneficiário torna-se então, o dono legítimo dos bens doados na condição de
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só ter acesso aos bens após a morte do doador e de assumir o dever de cuidar dos filhos
do doador. Trata-se, na prática, de uma forma de crédito reembolsado após a morte. Da
mesma forma que a prestação deve ser a favor dos descendentes também as dívidas do
malogrado, das quais não há testamento, são assumidas pelo legal depositário.
Os bens pessoais, tais como vestuário e utensílios, são vendidos sob o olhar do líder das
cerimónias fúnebres. Parte das receitas são utilizadas para as despesas fúnebres, bebida e
comida durante o período de luto, e o remanescente incluindo a poupança do falecido, é
confiado ao legal depositário. O legítimo herdeiro torna-se assim responsável pela
adjudicação do dinheiro e da utilização dos bens pelos menores e pela viúva com quem
casa (levirato). A terra, as árvores e as casas revertem para a comunidade, sob a
responsabilidade do chefe comunitário.
As terras sob jurisdição dos chefes comunitários são parte do território ancestral,
pertencem aos espíritos dos antepassados, aos pais da designação clânica de cada família
alargada. Os espíritos mitológicos do clã são os que se "apropriam da terra" e os únicos
que têm o poder de “fazer chover”. As cerimónias da chuva, ntsembe, são conduzidas
pelos chefes da família alargada que vivem na mesma área.
O chefe comunitário atribui a terra por família alargada. O chefe desta tem o dever de
controlar a terra em uso pelas famílias nucleares sob sua responsabilidade. Devido à
prática da devolução da parcela de terra pertencente à família nuclear após a morte do
chefe de família, verifica-se uma gradual rotação de parcelas de terra entre as famílias
alargadas que vivem na mesma zona do chefe comunitário. No passado, a rotatividade
das parcelas correspondia ao ciclo biológico da vida humana, nos últimos cinquenta
anos, o gradual empobrecimento dos solos implicaram rotatividade bienal das parcelas
dentro da área adjudicada à família alargada.
Em síntese:
i na altura do casamento a família nuclear recebe, através do chefe da família
alargada, um novo lote de terra no território do chefe comunitário;
ii a nova parcela de terra recebida pela família nuclear torna-se parte da área
pertencente à família alargada;
iii em cada dois anos as famílias nucleares, que vivem na zona pertencente à família
alargada, trocam entre si as parcelas de terra;
iv no caso de falecimento do chefe da família nuclear, a parcela em uso é
incorporada na área do chefe comunitário;
v posteriormente, esta parcela é adjudicada a indivíduos, recém-casados, de uma
outra família alargada mas,
vi se nessa parcela houver árvores de fruta estas pertencem eternamente aos
descendentes do seu primeiro utente.
Se determinada família não tem parcelas disponíveis para a rotação bienal aludida em
iii., é frequente pedi-las emprestadas a uma outra família alargada. A transferência
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Uma parcela de terra em nenhuma circunstância pode ser alugada ou alienada. Somente
as árvores podem ser alienadas. Neste sistema, a terra não tem valor mercantil uma vez
que o acesso, a posse e o controlo estão dependentes da dinâmica do grupo. Embora seja
frequente, o empréstimo de parcelas de terras é considerado como excepção imposta pela
relativa escassez de terra na região.
A segurança de acesso à terra pela mulher, não está baseada no facto de ela ser filha ou
esposa, como se viu noutros sistemas acima mencionados, mas sim no facto de ser tia
residente na casa do pai. A primeira filha, mesmo mudando de residência com o
casamento, é a principal responsável pela educação dos seus sobrinhos, filhos do irmão.
A mãe só é responsável pela educação das crianças até que estas se possam alimentar e
vestir sem precisarem de ajuda (até aos 6 ou 7 anos), daí em diante a responsabilidade
educacional é transferida para a comunidade, tendo por tutora a irmã do marido.
A prática de casamento com várias irmãs estabelece igualmente uma complexa rede
de inter-dependências. Enquanto que o trabalho da primeira esposa é na totalidade
pertença da família do marido, a segunda e terceira mulher contribuem somente para
as despesas correntes da casa do marido. O rendimento adquirido através da
comercialização de excedentes ou de outras actividades produtivas é geralmente
transferido para a casa do pai e pertence à família que "fornece" as esposas. No caso
de morte do marido só a primeira mulher é herdada pelo irmão do marido, a segunda e
terceira esposas são livres de regressar à casa paterna e casar de novo. Caso o herdeiro
seja o primogénito, a primeira mulher recebe o título de mãe-viúva e a sua irmã (a
segunda mulher do de cujus), torna-se a mulher do depositário legal.
As formas de acesso, posse e controlo da terra foram alvo de uma série de mudanças
ao longo dos anos, sendo de destacar entre os factores que mais influenciaram essa
mudança:
o exercício do poder ao nível das chefaturas e das linhagens a partir do sec. XIX;
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Embora se possa verificar uma certa tendência evolutiva ao longo das décadas, seria
imprudente afirmar-se que há homogeneidade de manifestações em todo o território
sempre que se reúnem condições idênticas. Não há evidência que permita concluir
estar-se perante uma sucessão de fases históricas cujo resultado, em última instância,
seja a passagem de um sistema matrilinear para um sistema patrilinear. Tanto quanto a
investigação permitiu saber é que o sistema costumeiro de casamento preferencial se
foi adaptando aos factores exógenos trazidos pela história, sem entrar em ruptura e
sem adquirir um padrão uniforme de mudança, embora apresente características
comuns no espaço territorial em estudo.
A escolha do local do domicilio conjugal não pode ser vista somente como um
problema de supremacia psicológica sobre aquele que se transfere, mas sobretudo por
ser o local do domicilio que determina o local de casamento dos filhos (dentro ou
fora) e, como tal, a transmissão dos direitos de propriedade e de autoridade.
Estudos recentes revelam ser cada vez mais frequente o casamento em terra sob
controlo do marido, sendo este mais comum quando o sistema de herança sob as
árvores e a terra é pela via paterna. Foi registado ainda, a existência de tensões e
fricções latentes e permanentes entre o pai dos filhos e o irmão da mãe sobre o local
de residência da noiva e entre os velhos e os jovens, onde os primeiros usam as
mulheres afins a quem atribuem a gestão da terra e acertam casamentos quando da
altura dos ritos de iniciação como forma de ter no seu espaço territorial os que mais
lhes convêm. Do desenrolar destas fricções saem mais ou menos reforçados a
autoridade e o prestígio do chefe comunitário e da piamwene (irmã ou filha
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Antes da exploração das culturas industriais ou onde estas ainda não se fazem sentir
em grande escala, ao casar, o homem tem de trabalhar na “terra da sogra” por duas ou
três campanhas agrícolas, a fim de provar a sua dedicação à mulher escolhida e a sua
maturidade para constituir família. Passado esse tempo, ele pede um terreno à família
da mulher dentro do território ou uma “terra dispersa” no território do chefe, mas fora
das terras da família da mulher para onde se deslocava com a sua esposa. As razões
para pedir uma “terra dispersa”, podiam e podem ser várias, mas as mais frequentes
são a falta de espaço no território da mulher, incompatibilidade de feitios com a sogra
e o desejar ter a sua própria parcela e local de residência.
Sobre a “terra dispersa” o tio materno da mulher não tem qualquer poder de decisão
sobre o que produzir. O controlo do recurso pelo tio só é válido no território
matrilinear, na “terra dispersa” o controlo é da responsabilidade do marido. Contudo,
os direitos adquiridos sobre a “terra dispersa” que lhe foi concedida são limitados ao
preceito de que a terra continua sendo património da comunidade hospedeira, regra
esta que também lhe é aplicada em relação à terra da sua matrilinhagem de origem e
sobre as “terras dispersas” que foram concedidas pelo seu chefe aos maridos das
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A diluição da autoridade do chefe comunitário em favor do reforço do chefe do segmento de linhagem
é acompanhada da individualização da família nuclear em relação ao seu segmento de linhagem.
Quando comparadas a distribuição espacial do início do século, com meados e a actual, verifica-se que
as unidades territoriais são menores, que chefes de segmento de linhagem se passaram a auto-intitular
de chefes comunitários e que os celeiros da matrilinhagem deixaram de existir em benefício do celeiro
do segmento de linhagem.
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Esta dupla subordinação acabou por ser resolvida através do casamento preferencial
entre primos cruzados. O homem na qualidade de pai dos seus filhos varões e na
qualidade de tio das suas sobrinhas dá preferência ao casamento entre eles, para que
os seus descendentes venham a ter a sua designação. Assim, os netos têm a mesma a
designação clânica que o avô e o filho mantêm, por força da herança o controlo sobre
a terra e as árvores.
Este sistema de casamento preferencial com vista a assegurar o controlo da terra, vem
a consolidar-se e ganhar novas características com a generalização da compra da
castanha de caju para processamento industrial. Ele passou a verificar-se não só entre
primos cruzados, mas também com a neta materna da primeira mulher. A árvore,
como rezam os direitos consuetudinários em todo o país, é de propriedade individual.
Com o cajueiro aumentou a tendência para ao controlo do recurso terra se juntar
também a propriedade da terra onde o cajueiro está plantado.
Obviamente que estas alterações vieram a reflectir-se num papel cada vez mais
dependente da mulher em relação ao homem no acesso à terra. Na década de 1990 a
situação de pobreza generalizada contribui para o surgimento dos “sem terra” em
algumas zonas junto à costa, afectando, particularmente, as mulheres dos pobres. Não
foi a falta de terra que conduziu à pobreza, mas foi a pobreza que criou os “sem terra”.
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A situação de “sem terra” não é absoluta, fica-se “sem terra” quando as áreas da
família nuclear estão em pousio ou são terras marginais com rendimentos muito
baixos. De acordo com alógica interna do sistema estas famílias deveriam recorrer às
terras da matrilinhagem, todavia assim não acontece ou porque elas já estão
totalmente ocupadas pelos mais velhos (casamento matrilocal) ou porque a mulher
veio viver junto do marido (casamento virilocal).
Uma vez que a parcela matrilinear não pode ser alugada, o aluguer de terra faz-se
junto dos que têm “terras dispersas” ou individual. Bens como fios de prata, anéis de
ouro e relógios, são pelas mulheres penhorados junto dos “banqueiros do povo”. O
dinheiro é entregue ao dono da terra e restituído (após a dedução da taxa de juro
estabelecida em função do período e do montante requerido) com a entrega de parte
da colheita. Há quem penhore a sua própria terra que está em pousio, como garantia
de restituição do dinheiro que foi concedido a crédito. Como a dívida não prescreve,
há casos de transferência total de propriedade da terra para os penhoristas.
Nas margens do rio Zambeze há um povo que fala a língua Chiphodzo e que pratica o
sistema de herança baseado em três gerações. No Distrito de Angoche os costumes entre
os povos costeiros, em particular os que falam a língua Khoti em muito se assemelham
ao do sistema de segurança de três gerações.
Quando a velhice traz a morte, os bens do homem são, por norma, herdados pelo seu
irmão mais velho. O matrimónio não dá à viúva direito de acesso à herança. A terra, por
seu turno, não é transferida aos herdeiros legítimos, nem à viúva e muito menos à
comunidade. Ela fica sob responsabilidade do primeiro filho varão. A transferência de
direitos e deveres ocorre numa cerimónia, conhecida por Kufa, que conta com a
participação de toda a linhagem. Se a criança mais velha (do falecido) for uma rapariga
esta não pode assumir a administração da terra herdada. Mais tarde, quando da morre do
primeiro filho varão a responsabilidade pela administração da terra e das árvores é
transferida ao seu primeiro filho, ou seja o primeiro neto do falecido velho. Nestas
circunstâncias o primeiro neto não pode tomar decisão sobre a terra sem o consentimento
prévio dos tios paternos.
A segurança económica da mulher até que ela se torne viúva, ou a dos seus
descendentes, geralmente não é da responsabilidade dos parceiros do seu clã mas dos
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parceiros com a designação clânica de seu marido. Esta instituição é assegurada pelos
rituais associados ao matrimónio (ver Caixa .....).
O filho encarregue pela gestão das árvores e da terra tem duas responsabilidades
principais; primeiro, anualmente cuidar da comercialização dos frutos das árvores
herdadas e da divisão equitativa dos rendimentos por todos os irmãos; segundo, distribuir
parcelas da terra do velho aos irmãos mais novos e aos filhos e sobrinhos na altura do
casamento destes.
Ao filho mais velho não é permitido plantar árvores de fruta nas terras de seu falecido
pai. Os benefícios provenientes da terra do pai revertem a seu favor enquanto ele estiver,
temporariamente, a cultiva-la. Todavia a receita proveniente da venda anual de cocos,
bananas ou mangas, cujas árvores foram plantadas pelo seu pai, deve ser dividida por
todos.
Contudo, como é pouco frequente que o pai morra antes de os filhos se casarem, tem-se
a situação mais complexa em que o velho morre deixando filhos e netos. O primeiro
filho varão assume a responsabilidade sobre a terra do pai. As irmãs do primeiro filho
varão, nessa altura já abandonaram a linhagem por força do casamento, mas os filhos dos
seus tios estão ainda no local, casando-se e exigindo terra. De acordo com as leis
consuetudinárias deste sistema, tais parcelas deverão ser partes do terreno originário do
avô. Isto significa que cada homem deve ter terra suficiente para si e para a adjudicação
após a sua morte aos netos com a mesma designação clânica.
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Mas tal não se passa em relação à alienação da propriedade, caso o fiel depositário o faça
os seus irmãos e tios têm o direito de solicitar a maldição contra o ofensor. A alienação
indevida da terra herdada recai sobre a alçada do feiticeiro, o Kumbaissa. Por outras
palavras, tal infracção constitui matéria suficiente para a condenação à morte, quais são
os mecanismos de persuasão deste direito, uma vez que “os netos terão de comer desta
terra”.
Na altura do casamento então, o homem tem acesso à terra através da herança e durante
a sua vida conjugal através da aquisição ou por outras formas de transacção. Devido ao
número de membros abrangidos pelo esquema de segurança de três gerações e por causa
dos constrangimentos da terra impostos pela presença das empresas e de pequenos e
médios privados, a parcela de terra herdada é geralmente pequena e de baixo
rendimento. Contudo ela joga um papel relevante nas alianças matrimoniais
estabelecidas, não só porque assegura o local de residência durante os primeiros anos do
casal (até ao primeiro parto), mas também porque é uma das garantia dada pela linhagem
do noivo à família da noiva.
No caso de não restar terra do avô o pai do noivo tem o dever de procurá-la entre as
famílias vizinhas. Se houver terra disponível no território da comunidade, o pai do noivo
pode solicitar uma parcela, caso não, pode fazê-lo no território de um aoutra comunidade
sob determinadas condições e acordos testemunhados. Todavia, como é cada vez mais
difícil encontrar terra disponível seja onde for, a alternativa passou a ser a compra ou o
aluguer anual de uma parcela. Pedir emprestado deixou de ser alternativa viável.
A norma sobre o uso da terra e não das árvores está relacionada com a do arrendamento.
As parcelas de terra são arrendadas anualmente, como esta prática é recente ela suscita
várias interpretações, discrepâncias e até mesmo conflitos no caso da venda. Muito antes
da prática do arrendamento, na altura em que era comum o empréstimo da terra, a
alienação de fruteiras e do terreno anexo fazia parte das transacções económicas das
famílias rurais deste sistema. Estava claro que a terra sem árvores de fruta não podia ser
alienada. Somente algumas árvores tinham valor de mercado, como os coqueiros e as
mangueiras, outras como as bananeiras e as papaieiras não o tinham. Ao serem vendidas,
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vinham com elas a propriedade de todas as outras árvores de fruta que estavam no
terreno. O preço da venda não tomava em consideração aspectos como, por exemplo, se
as parcelas associadas eram ou não extensas, irrigadas ou não, se aptas para a lavoura ou
"cansadas".
Nos nossos dias, devido à crescente escassez de terra, a questão do valor da alienação
não é assim tão simples. Embora todos sejam peremptórios em afirmar que a terra por si
só, i.e. “a terra dos cereais”, não pode ser alienada, todos reconhecem que quando a
parcela associada é maior, está perto de um rio e tem ou não terra fértil, o valor das
árvores aumenta.
Por um lado o sistema tem por objectivo a segurança de acesso à terra por três gerações,
mas por outro lado, à medida que a procura aumenta, o valor da terra também aumenta
podendo por em causa a reprodução social da comunidade.
É para fazer face a esta situação que, normalmente os irmãos optam pela alienação das
árvores do pai e não permitem o plantio de novas árvores nas terras herdadas.
As instituições locais contornaram assim o problema das árvores, mas não o da tentação
da venda da terra em si. Nos territórios onde a terra tem valor mercantil a solução para
este problema é composta por duas regras: primeiro a terra não pode ser alienada se nela
não houver árvores; segundo existe uma restrição de carácter consensual para a alienação
de árvores/terra entre indivíduos com a mesma designação clânica. A transferência de
terra entre indivíduos do mesmo clã exige a presença dos chefes comunitários e a
anuência dos guardiães de ambas linhagens. Desta forma é muito pouco provável que
seja permitida a alienação em circunstâncias que representem risco para as gerações
vindouras.
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Os tribunais comunitários constituem hoje, na configuração que lhes é dada pela Lei
nº 4/92, de 6 de Maio, uma instância “oficial” (no sentido de ter sido criada por
diploma normativo estatal) de resolução de conflitos. Dado que eles representam, até
certo ponto, uma continuidade dos “tribunais populares de base” previstos na anterior
Organização Judiciária10, importa realçar a evolução das suas principais
características institucionais (o respectivo enquadramento nos sistemas de
administração da justiça, o perfil dos juízes que os compõem, o tipo de conflitualidade
que são chamados a dirimir, etc), tendo por base os contextos sócio-políticos que lhes
estão subjacentes.
Foi neste contexto que, após um amplo debate nacional estendido a todas as
províncias do país, se aprovou a primeira Lei da Organização Judiciária do pós-
independência, a qual veio instituir um sistema de tribunais populares, desde a
unidade administrativa mais baixa (a localidade) até à mais alta (com jurisdição em
todo o território nacional).
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Veja-se a Lei nº 12/78, de 2 de Dezembro, que vigorou até à aprovação da Lei Orgânica dos
Tribunais Judiciais (Lei nº 10/92).
11
Sobre as rupturas e continuidades nos processos políticos e jurídicos, ver Santos;Trindade et. al.
“Conflito e Transformação Social: uma paisagem das justices em Moçambique”, CEA-UEM/CES-UC,
2000:4.
12
Veja-se a Resolução sobre Justiça, aprovada pela 8ª Sessão do Comité Central da Frelimo em
Fevereiro de 1976, em “Documentos da 8ª Sessão do Comité Central”, Frelimo, Maputo, 1976.
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13
Ver artigo 38, nº 2, da Lei nº 12/78.
14
Contribuindo para o avanço da revolução, os tribunais populares eram considerados “como uma
arma permanente apontada ao inimigo da classe, aos reaccionários e aos traidores, aos sabotadores
da economia e aos exploradores sem escrúpulos, aos criminosos e bandidos marginais em todo o
país”. Os Tribunais Populares eram, assim, o instrumento que permitia ao Povo “resolver os
problemas e dificuldades que surgem na vida da comunidade, da Localidade, na Aldeia Comunal e no
Bairro Comunal”. Os tribunais populares eram ainda considerados o garante da consolidação e
Unidade do Povo moçambicano “a grande forja onde o Povo cria o direito novo que cada vez mais
rechaça o direito velho da sociedade da sociedade colonial- capitalista e feudal” (Preâmbulo da Lei nº
12/78).
15
Veja-se o artigo 3 do Decreto-Lei nº 4/75, de 16 de Agosto.
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Grande parte dos tribunais continua a funcionar nos mesmos edifícios, desde a
implantação dos tribunais populares, não tendo beneficiado de qualquer obra de
conservação, nem dispondo de material básico para o seu funcionamento
(esferográficas, cadernos, papel, etc). Para além de péssimo estado de conservação,
continuam a funcionar nos (ou junto aos) edifícios dos Grupos Dinamizadores
(GD’s) e das Células do Partido Frelimo. Como é normal, esta circunstância reflecte-
se no grau de legitimidade local destes tribunais, em função da dimensão da
popularidade daquele partido político.
16
Entre as principais manifestações dessa crise podem apontar-se a radicalização do conflito armado
entre as forças governamentais e a Renamo; a crónica dependência alimentar do exterior, em resultado
da longa e persistente seca que assolou a região, afectando irremediavelmente toda a produção agrícola,
em especial a do sector familiar; e a agudização da crise económica internacional, cujos reflexos sobre
o continente se fizeram sentir de forma particularmente dramática (de tal modo que há quem considere
os anos oitenta como uma “década perdida para África” - M’baya, 1995: 62; Abrahamsson e Nilsson,
1996: i).
17
Sobre os diferentes caminhos de interpretação do preceito constitucional em causa, ver
Santos;Trindade et. al. “Conflito e Transformação Social: uma paisagem das justices em
Moçambique”, CEA-UEM/CES-UC, 2000:4; Trindade, João “Moçambique: dos tribunais populares à
crise do judiciário”, Coimbra, 1996.
18
Como por exemplo, a guerra, o abandono dos juízes por falta de “estímulos” ou condições de
trabalho, a emergência e concorrência de outras instâncias de resolução de litígios, etc.
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A eleição dos juízes é outra questão que condiciona em grande medida a legitimidade
local dos TC’s. As últimas eleições realizaram-se em 1987. Actualmente, a
“renovação” dos membros dos tribunais é feita, fundamentalmente, em função das
iniciativas locais, segundo critérios locais, fixados ao sabor das vicissitudes sociais (e
políticas) vividas. Em regra, serão os responsáveis dos GD’s e os Presidentes das
Aldeias quem os nomeiam.
Compreende-se que, também por este motivo, a mobilização dos TC’s seja
relativamente modesta nos locais onde o Partido Frelimo não goze de muita
popularidade e onde coexistem outros actores sociais, com diversas fontes de
legitimação.
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Para efeitos da recolha e análise dos dados teve-se por economia familiar aquela em
que a adjudicação dos factores de produção se faz tendo por objectivos simultâneos,
(i) reforçar as redes sociais minimizadoras de riscos e (ii) multiplicar a produtividade
marginal de cada factor. Por seu turno entendeu-se ser a família rural a mais pequena
unidade de consumo, produção e distribuição das sociedades rurais africanas.
Com base nestes pressupostos teóricos tem-se por acesso à terra e demais recursos
como função de consumo, a utilização e posse da terra como função de produção e a
venda ou trespasse definitivo da terra como a função de distribuição.
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Terra
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Árvores de fruta
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Os dados das análises por características dos respondentes que se seguem referem-se
às respostas às perguntas sobre terra. Todavia sempre que se verificam diferenças
significativas em relação às árvores de fruta e aos outros recursos elas estão
devidamente anotadas nos respectivos comentários.
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Em síntese:
ii. Verifica-se que nos espaços territoriais sob a alçada dos sistemas de direitos
costumeiros o acesso à terra e aos outros recursos são, devidamente,
assegurados, tal como consta na Lei de Terras.
iii. Verifica-se ainda que onde o mercado tende a tomar preponderância, quer o
mercado fundiário quer o das árvores de fruta, os sistemas de direitos
costumeiros têm encontrado formas para acomodarem-se à mudança sem
entrarem em ruptura. Qualquer intervenção do Estado neste domínio, quer
com a finalidade de codificação quer com a de normalizar os sistemas de
direitos costumeiros ao nível nacional é de todo contraproducente.
iv. Contudo, a elevada percentagem de famílias que tem acesso à terra à revelia
de qualquer sistema de direito é um sinal preocupante porque demonstrativo
do vacum institucional existente o que não corresponde nem à letra nem ao
espírito da legislação nacional sobre o assunto.
vii. Regra geral o discurso ideológico dos homens tem cariz patriarcal, enquanto
que o das mulheres se caracteriza pela afirmação dos seus direitos, em
particular dos adquiridos pelo trabalho. Esta diversidade de discursos deve ser
cautelosamente acompanhada face ao aumento das transacções feitas via
mercados fundiário e de árvores. Como os sistemas dos direitos costumeiros
tendem a favorecer o patriarcado e não a igualdade nas relações de género
(mesmo no caso das áreas cobertas pelo sistema de casamento preferencial tal
como se verificou) particular atenção deve ser dada a este tema, muito
possivelmente através de regulamentação específica.
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Ao optar-se pela interacção dos dois tipos de sistemas na legislação sobre o acesso,
uso e distribuição dos recursos naturais em Moçambique, pretendia-se harmonizar a
prevenção com a resolução aproveitando com o que de melhor cada um poderia
contribuir.
Assim sendo, importa saber qual o grau de confiança que o cidadão tem nas várias
instituições que se sobrepõem ou interagem ao nível comunitário20, como indicador da
prevenção dos conflitos, e qual a eficiência das mesmas na resolução dos conflitos.
Para o efeito foram formuladas duas categorias de questões:
20
Para efeitos analíticos foi estabelecida uma tipologia das instituições que actuam ao nível local,
sendo: as Instituições Endógenas, p.e. autoridades tradicionais, cujo funcionamento depende
exclusivamente dos sistemas de direitos costumeiros que regulam as relações intra e inter-
comunidades; as Instituições Transversais, p.e. igrejas e associações, cujos procedimentos são
estipulados em função dos interesses dos seus membros; e as Instituições Exógenas, p.e. as do Estado,
cuja autoridade foi imposta por razões históricas e relações de poder não dependentes das comunidades
locais.
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Vide Santos;Trindade et. al. “Conflito e Transformação Social: uma paisagem das justices em
Moçambique”, CEA-UEM/CES-UC, 2000; Cruzeiro do Sul. 2000. Levantamento Sócio-Económico da
Província de Nampula; CS-IID, Maputo.
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A análise que se segue refere-se às respostas para os conflitos de grande dimensão por
não terem sido detectadas diferenças significativas nas respostas acerca dos conflitos
de pequena dimensão.
Em síntese:
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Cerca de 15% das famílias entrevistadas declararam terem tido conflitos de terras nos
últimos dois anos. O Distrito de Manica é o que mais altas percentagem apresenta e os
de Tambara e Angoche são os de mais baixa percentagem. À partida, o modelo
analítico que suporta serem o aumento da densidade populacional e das actividades do
mercado os geradores de conflitos, não se aplica à evidência empírica recolhida, uma
vez que Angoche ambas as variáveis também se fazem sentir, mas nem por isso o
número de conflitos é mais elevado.
Uma outra hipótese analítica suporta que quanto maior é a eficiência e inter-acção das
várias instituições menor são os conflitos fundiários22. Será que em Angoche o quadro
institucional é mais eficiente do que em Manica? E como explicar os 12% de conflitos
em Rapale e a baixa percentagem em Tambara? Mais ainda qual a eficiência relativa
das várias instituições na resolução destes conflitos? Qual é pois o papel dos Tribunais
Comunitários?
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Trata-se da escola neo-institucionalista
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Os dados que se seguem referem-se às respostas dadas para a resolução dos conflitos,
contudo nos comentários é feita a análise comparativa com as respostas sobre as
intenções de recorrência.
A esse propósito foram realizadas uma série de entrevistas em grupos foco com
representantes de organizações da sociedade civil, membros dos governos distritais,
autoridades tradicionais e juízes de tribunais comunitários. Da análise do material
coligido construiu-se a seguinte tipologia.
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Em síntese:
Este quadro institucional é constituído por uma série de instituições cujo desempenho
depende da fluidez da articulação entre elas. Quanto melhor os papeis relativos estão
definidos e melhor é o cumprimento das funções que lhes são atribuídas pela
sociedade em geral e pelas comunidades em particular, mais eficiente é o desempenho
e melhor são concretizados os direitos dos cidadãos e realizados os interesses do
estado em relação aos recursos naturais.
A formação, por seu turno, deverá assentar duas componentes fundamentais: (i) a
componente dos procedimentos para com o cidadão e as instituições locais no mais
completo respeito pelos direitos constitucionais; e (ii) a componente processual na
articulação com as instâncias superiores e nas áreas que envolvam a interacção com
terceiros.
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8. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
O presente estudo tinha por finalidade identificar (i) o interface entre o sistema
judicial e os sistemas costumeiros (ii) compreender as ligações e os fluxos de
informação e (iii) as interdependências entre ambos.
Este estudo está integrado num programa mais amplo que é o de desenvolver e testar
(a) metodologias e (b) material didáctico para a formação dos membros dos tribunais
comunitários sobre (c) os princípios constitucionais e (d) os princípios basilares das
novas leis.
Conclusões
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Por último a análise das práticas da justiça judicial teve por preocupação exclusiva
saber até que ponto existem e são tidas como efectivas pelos cidadãos e pelas várias
instituições que existem ao nível local.
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Não se pode dizer que existam interdependências, uma vez que as ligações na maior
parte dos casos não estão estabelecidas e quando existem são informais, não
obedecendo a nenhuma regra de procedimentos ou de processamento. Em lugar de
interdependências constata-se existirem sobreposições e intersecções entre os vários
actores e os vários níveis de actuação.
Recomendações
2. Uma segunda condição indispensável para a eficácia dos futuros graduados é que
os alunos sejam seleccionados de acordo com os critérios legais, afim de se garantir a
sua legitimidade junto das comunidades e das autoridades comunitárias e
administrativas;
4. Uma segunda parte do curso deve ser dedicada à apreensão dos princípios
constitucionais relacionados com os direitos humanos e com as normas de
convivência e autonomia das sociedades democráticas;
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