Alencastro 2018
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números mais exatos sobre o tráfico brasileiro. Advogado sem vínculos universitários,
Goulart trabalhou com os dados do arquivo do Instituto Histórico do Rio de Janeiro e da
historiografia, para corrigir “delirantes conjeturas” sobre os números do tráfico
elaboradas, entre outros, por Calógeras e Rocha Pombo. Incluindo pistas ainda
inexploradas, o livro de Goulart não recebeu a consideração que merece. Pierre Verger
retoma os estudos da tradição historiográfica baiana e os amplia, com a documentação
inglesa e portuguesa, para enfatizar o caráter bilateral do tráfico negreiro. Publicado em
1968, o livro de Verger se concentra nas trocas entre a Bahia e o golfo de Benim nos
séculos xviii e xix, fazendo pouca referência ao Rio de Janeiro e a Angola, tornados os
maiores polos negreiros do Atlântico.
décadas 1850 e 1860 o tráfico para o Brasil praticamente cessa mas aumenta fortemente
em direção à Cuba.
Os números do Database têm uma reconhecida precisão. A razão é simples.
Empreitado por governos e companhias mercantis, o comércio transatlântico de
africanos deixou numerosos registros navais, portuários, fiscais e contábeis. No período
do tráfico clandestino brasileiro (1831-1856), informações dos cônsules e espiões
ingleses (o mais célebre dos quais foi um carioca cujo codinome era “Alcoforado”),
agregados às CPIs sobre o tráfico instauradas pelo Parlamento britânico nos anos 1840,
fornecem um quadro bastante completo deste contrabando que gerou fortunas no Brasil
e em Portugal. Graças ao trabalho acumulado por gerações de especialistas, tais dados
puderam ser cotejados e apresentados nos quadros interativos do website do TSTD.
Isto posto, convém examinar mais de perto as cifras e a historiografia recente.
Observe-se que o Database não inclui as rotas indiretas de tráfico e que os números
relativos aos séculos XVI e XVII são esparsos. Além disso, os registros escondem certas
fraudes. Assim, na época filipina (1580-1640), para pagar um imposto de exportação
menor, negreiros saídos de Bissau ou de Luanda declaravam os portos brasileiros como
destino, mas rumavam para as Antilhas ou Buenos Aires, onde os preços dos escravos
eram mais altos e havia contrabando de prata espanhola. Desse modo, os registros do
TSTD sobre as importações brasileiras podem estar sobre-estimados, indicando uma
utilização mais intensa do trabalho compulsório indígena na primeira metade do século
XVII. No auge do ouro, no século XVIII, aconteceu o inverso. Africanos foram
contrabandeados das Antilhas para as regiões mineiras do Mato Grosso e Minas Gerais,
através da bacia amazônica e do Maranhão. Também é provável que o número de
moçambicanos desembarcados no Brasil século XVIII seja um pouco superior aos 6.924
indivíduos registrados no TSTD como sendo provenientes dos portos da África do
sudoeste. Na primeira metade do século XIX, incluindo os anos do tráfico clandestino
(1831-1850), as estatísticas são mais precisas pelas razões apontadas acima. Note-se,
entretanto, que nos 1848-1850, quando os preços no Brasil caíram por causa do grande
afluxo de negreiros, houve reexportação de africanos para o Caribe. Tomando em conta
essas considerações, calculo que o total de africanos desembarcados no Brasil, em cerca
de 14. 910 viagens transcorridas nos três séculos, 1550-1850, atinja 4.800.000, pouco
menos que os 4.860.000 constantes no Database. Globalmente, as importações
brasileiras no mesme período representam 46% do total dos escravizados
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portos do Benim. Cabe observar que Pombal também tentou enquadrar o tráfico
pernambucano e baiano em companhias negreiras onde predominava o capital
metropolitano. Teve sucesso no primeiro caso, criando a Companhia Geral de
Pernambuco e Paraíba (1759-1780). Mas fracassou no segundo, deixando assim os
negreiros baianos -, e fluminenses -, os mais importantes da América portuguesa, fora
das companhias semi-estatais que passaram a controlar os portos de tráfico situados ao
norte do rio São Francisco.
Enfim, o quarto eixo conectava o Rio de Janeiro e seus portos subsidiários, a
Angola e, mais tarde, depois da chegada da Corte, a Moçambique e, pôr vezes, a outros
portos negreiros da África Ocidental. Da Guanabara, derivava uma rede vinculando o
tráfico fluminense ao Rio da Prata. Crescendo com as exportações para Buenos Aires na
época do contrabando da prata de Potosí, e para Minas Gerais na época do ouro e do
diamante, o negócio negreiro do Rio de Janeiro passa a depender menos da demanda
dos produtores açucareiros fluminenses e se avoluma com o deslanche da produção
cafeeira no Centro-Sul. Ampliando suas redes na costa africana, tanto em Angola, e em
particular em Benguela, como em Moçambique, o polo mercantil do Rio de Janeiro
transforma a cidade no maior porto negreiro das Américas. Note-se que a cachaça
fluminense servia regularmente de frete e de escambo nos portos angolanos. Depois da
abertura dos portos, em 1808, o Rio também passa a reexportar mercadoria europeias de
escambo para os portos africanos. A intensificação do tráfico fluminense decorre ainda
da retirada dos negreiros ingleses e americanos dos portos africanos, depois da abolição
do comércio transatlântico de africanos nos dois países, em 1807. Com novas e
volumosas mercadorias de escambo, os tumbeiros fluminenses captam a oferta negreira
em diversos portos africanos abandonados pelos americanos e ingleses. O gráfico anexo
mostra que foi neste período que o Brasil se consolida como o maior importador de
escravos do Novo Mundo. Mais amplamente, o gráfico ilustra a grande sincronia entre o
fluxo do tráfico atlântico de africanos. Em outras palavras, desde de 1550 até 1850,
todos os “ciclos” econômicos brasileiros — o do açúcar, o do ouro e o do café —
derivam do ciclo multissecular de trabalho escravo trazido pelos traficantes.
No total, a rede de tráfico baseada no Rio de Janeiro tem maior preeminência
econômica e política no país, embora o eixo Bahia-Benim tenha grande destaque
cultural no passado e no presente das relações entre a África e o Brasil.
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REFERÊNCIAS
Fonte: TSTD