Jogo Da Dissimulação Wlamyra
Jogo Da Dissimulação Wlamyra
Jogo Da Dissimulação Wlamyra
deAlbuquerque
Grafia atualizada segundo o Acordo Ortogrfico da Urlgua Portuguesa de 1990,
que entrou em vigor no 13rasil em 2009.
Capa
Mariana Newlands
Foto de capa
Album/akg-imagcs / Latin Stock
Preparao
Lucimara Carvalho
ndice remissivo
Luciano Marchiori
Reviso
Mrcia Moura
Ana Maria Barbosa
Dados lnternacionais de na Publiculo (u!')
Drasileira do livro .. \1'. Drasil)
R. ,k
o jogo da dissill111h,,;,;o : dadaIlia negra no Brasil;
Wbm).' r" R. J e Albuquerque - Sal> Paulo Companhia da, Letras,
2009.
L llnlsil - Histria 2. Brasil- Hislria - Aboliu da c,cravido,
18833. CidadaIlia 4. Cla". , ,o"i" - Bra"iI5. - Brasil 6.
,<egro" - Brasil- COlldi6es scxiais 7. l. ntllJO
09-00183
nJice I-',,,a e,tlgo "i,tern' t;(l'
1_ Negros no Brasil: Abolio e cidadania: lli:itria ,ocial
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Todos os direitos desta edio reservados
i'.I IITORA SCH\VARCZ LTDA.
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I
Para minha av Maria e
para Raimundo Nonala Fonseca
(in memoriam).
pginas que se seguem fique evidente meu elnpel1ho " ,
I ' ' em InCitar o
eltor a pensar a racializao das relaes nas ltimas dcadas oito-
centlstascomo"ummanuscritoestranho desbotado ch ' d I'
, ~ I , elO c e lP-
ses, lI1COCrenCl3S, emendas suspeitas e comentrios tcndenciosos".2.1
44
-
I. Cnsules, doutores e os "sditos
de cor preta": razes e aes polticas
num processo de racializao
Desde a chegada da fanlia real ao Brasil, polticos, di ploma-
tas e juristas se viam s voltas com a obsti nada presso inglesa cm
prol da emancipao dos escravos. Foram incessantes as investidas
diplomticas e comerciais dos britnicos. Entre 1808 e 1850, a
ofensiva dos ingieses sofreu revezes, e essa hi stria j bas tante
conhecida.' Mesmo depois de aprovada a lei de 1831 proibindo o
trfico transatlntico para o Brasil, o que oS ingleses viram foi a
habilidade brasileira para dribl-Ia e o incremento, at meados do
sculo, da lucrativa indstria de importao de africanos para os
trpicos.
Dissimul ao e sabotagem, como adj etivou Ubiratan Castro,
foram as principais polticas brasileiras frente coao dos ingle-
ses.' Mas,apesar de tambm no ter sido a razo determinante para
o fim do trfico em 1850, no se pode dizer que a misso britnica
foi incua. Segundo Pierre Verger, o governo brasileiro se queixava
de que, depois da lei de 183 J, "os cruzadores britnicos, detinham
e visitavam os vasos nacionais em guas brasj leiras e especial-
mente logo sada do porto da Bahi a.' Naquele momento de con-
45
solidao da independncia nacional, tamanha insistncia indig-
nava os polticos brasileiros e transformava a defesa do trfico em
questo de soberania. No mais, os ingleses tinham os seus interes-
ses na frica e na Amrica e conti nuaram a t-los depois de 1850,
quando o trfico atlntico foi finalmente extinto. ' Afinal, peJa larga
barra da baa ainda adentrava a mquina mercante bri tnica. No
ano de 1859, por exemplo, foram registrados no porto de Salvador
180 navios comerciais eonl bandeira britnica, contra 87 (001 a
portuguesa.' Tempos depois, em 1871, entre os 924 ali apartados,
309 eram ingleses.'
EntTetanto,o Conselho de Estado no temeu prejuzos comer-
ciais ao negar um pedido do cnsul ingls que, em 1877, se empe-
nhou para garantir a permanncia na Bahia de dezesseis libertos
africanos retornados da costa da frica. Eram comerciantes que,
com passaportes expedidos em Lagos, j possesso inglesa, preten-
diam negociar na capital da provncia. A chegada deles provocou
um incidente diplomtico que ocupou o Conselho de Estado do
Impri o. Situao inusitada. Dessa vez, os ingleses queri am que os
africanos aqui se estabelecessem, os brasileiros que no estavmTI
mais di spostos a importar negros. Como se ver, os argumentos pr
e contrao trnsito ent re o Brasil e a costa africana pendiam ao sabor
das conveni ncias comerciais e convices ideolgicas.
Enquanto os africanos aguardavam no port o de Salvador a
deciso sobre os seus destinos, na Corte, os membros da seo de
justi a do Conselho de Estado cri avam arti fcios jurdicos para
impedir que qualquer homem de cor pudesse imigrar para o Bra-
sil. O desafio era elaborar mecanismos eficazes sem que se explici-
tassem restries pautadas em critri os raciais. Em telnpo de
desarticulao do escravismo, essa era lIJlla tarefa to rdua
quanto deli cada e que no preocupava apenas os notveis mem-
bros do Conselho de Estado. ainda na dcada de 1870 que, em
provnci as como Rio de Janeiro, So Paulo e Hahi a, a campanha
aboli cionista passa a ser lnais ben1 articul ada e a contar COll1 a
fra nca participao de abolicionistas negros e mesmo coiteiros
afri canos. Tanto nos sales do Conselho de Estado quanto nas
sedes das sociedades abolicionistas, comparti lhava-se a mesma
ordem de questes: como lidar com a presena africana no Brasil?
Qual o papel da populao de cor no processo emancipacionista?
Afi nal , quais os desdobramentos da questo servil?
COMERCIANTES AFRICANOS, NEGCIOS IN GLESES :
., . "
os SUDI TOS DE COR PRETA
No dia 6 de agosto de 1877, o patacho Paraguas5 chegou de
Lagos e apartou em Salvador trazendo entre os passageiros dezes-
seis afri canos. A chegada do grupo no passou despercebida ao fi s-
cal da alfndega, que tratou de informar ao chefe de polcia,
Amphil ophio Botel ho Freire de Car valho - esse personagem ser
mais bem conhecido por ns nas prximas pginas por ter se tor-
nado um juiz que favoreceria vrias aes de liberdade movidas
pelo abolicionista Eduardo Carig. Informado sobre a chegada do
grupo, o futuro juiz cuidou de proibir a livre desembarque dos via-
jantes e de interrog-los.
Diantt: dele, os dczesseis africanos apresentaram passaportes
ingleses; viajavam em condies legais. Um dcles possua passa-
porte expedido dali mesmo, da Bahia. Com ares de abolicionista, o
chefe de po\(cia desconfiou do que viue julgou serem eles reescra-
vizados. Cogitou que estava diante de indivduos que, j livres da
escravido, estavam na iminnci a de a ela sereln reconduzidos.
Depois de verificar os livros da repartio e concluir o interrogat -
r io, Amphilophio se convenceu de que os africanos eram libertos
retornados, ou seja, j haviam cruzado O Atln tico, deportados da
Bahi a para a costa da ti:ica, e agora voltavam dispostos a se insta-
47
I
I
lar como cOlnerciantes na mesma cidade onde haviam sido escra-
vos. RegistTos, interrogatrios e o passaporte brasileiro no deixa-
vam dvidas. Ocorrncia inlprevista a romper com a rotina.
A chegada desse grupo no porto da Ilahia, com aval ingls,
perturbou os afazeres do chefe de polcia c do presidente da pro-
vncia. A convergncia entre os propsitos dos ingleses e as aes
dos ati' icanos ainda inquietavam os brasileiros. Amphilophio jul-
gou ser prudente mant-los no Paraguasssob pena de punio ao
responsvel pelo navio caso eles desobedecessem, "em vista do dis-
posto no artigo 7"da lei de 7 de novembro de J83 1 e na doutrina do
aviso de 9 de maio de 1835':' Na verdade, o chefe de polcia estava
confuso. Ele queria mesmo era se referir lei de J83 1 e ao artigo 7"
da lei n ' 9, de 13 de maio de 1835.
A lei de 1831, como j sabemos, visava extinguir a trfico e esta-
belecia punies para quem importasse escravos para o Brasil, mas
tendo sido aprovada em meio crise poltica gerada peja abdicao de
d. Pedro I, ascenso do ministrio liberal e ao recrudescimento da
persegui o inglesa aos navios negreiros, no passou de legislao
inofensiva para os tTaficantes. Existia ainda o decreto de \832, que
delegava polcia o poder de inspecionar todo navio apartado e re-
embarcar qualquer negro, mesmo livre, que porventura fosse trazido
para o Brasil. ' Os pesquisadores do tema tm demonstrado como os
tumbeiros continuavam a transitar no Atl nti co 11a mercancia de
escravos, de cachaa e de fumo, driblando as restries legais ao longo
da pri meira metade do sculo XIX. "O trfi co continuava motivado
por ' uma maldi ta sede de torpes ganhos"; cita Jaime Rodrigues.'
Tendo sido de pouca valia para coibir o comrcio de escravos, a lei de
183 \ serviu para balizar aes deliberdade na dcada de 1870. '"
J no dia 13 de maio de 1835,foi regulamentada a deportao
de africanos libertos pela lei n" 9 em seu artigo 7' , determinando
que os africanos forros que chegassem provncia e os suspeitos
que depois de expul sos regressassem deveriam ser presos e proces-
sadOSC01110 incursos no crime de insurreio e, caso fossem absol-
vidos, seriam novanlente expulsos, permanecendo enl custdia
ilt que se concretizasse a sua sada. li Na ocasio, se previa o esta-
beleci mento de wna "colnia em qualquer porto da Afriea",com o
fim de repatriar-se "todo africano que se liberte, ou mesmo todo
o afTicano que ameacenossa segurana'\ uma conveno com o go-
verno do Uruguai e das provncias do Rio do Prata" proibindo a
"importao de africanos a ttulo de colonos"; e, principalmente,
a "completa interrupo de qualquer comrcio entre nossoS por-
tos e os da Afri ca ocidental e oriental, exceo da colni a do Cabo,
recusando qualquer passaporte, por tempo que julgar necessrio, a
qualquer embarcao comercial".ll
Doutrina e leis fizeram parte do conjunto de medidas repres-
sivas populao afri cana depois que os planos para a revolta mal
foram descobertos. Os africanos foram identificados como os arlI-
Cl" adores da rebelio e, portanto, alvo certeiro da represso. Como
be,m disse Joo Reis, "uma atmosfera de histeri a) racismo, persegui-
o e violncia contra os africanos envolveu a I3ahia", fazendo c.om
que "os vencedores se lanassem vingana"."Em l 836, 150 afrIca-
nos foram deportados e 120 banidos como suspeitos." Asegurana
justifi cava uma legislao to dura, mas passado o tempo das revol -
tas escravas, a lei n
l1
9 se fazia desnecessria e foi revogada em 1872.
15
O chefe de polcia ignorava ou preferia ignorar a revogao.
Mas tambm no estava bem certo se a lei podi a ser aplicada
quela sit uao. Ao passo que ponderava sobre as bases legais
para evitar o desembarque daquel es afri canos, ele encaminhou
uma correspondncia reservada e urgente ao presidente da pro-
vncia, Henrique Pereira de Lucena. Amphilophio tinha dvidas
sobre a deliberao tomada. Preocupou-se com as consequncias
da sua ordem de deteno no navio dos africanos tutelados por
ingleses. Ele prpr io desconfiava da propriedade dos seus argu-
mentos, pois j
49
Sem razo de ser a dita lei, por no dar- se mil is O trfi co de es<.:ravos
que ela procurava prevenir, devem ser observadas as disposies do
referido artigo sete, e neste caso se so suficientes os referidos certi-
ficados para o fi m de poderem os africanos em questo desembar-
carem Li vremente, bem como o modo de se proceder com aquele
que no apresentou o ttulo de ser sdito ingls,I6
Realmente, no fazia nlais sentido uma lei que prevenia o que
jno existi a, o perigo mal.Mas sendo to explicitamente contr-
rias aos africanos, as leis de 183 1 e de 1835 vinham a calhar. Bem
valiam para constranger empreitadas como a. dos viajantes em
questo, mesmo porque o trnsito ue africanos libertos no era
incomum na poca, As idas e vindas de ex-escravos afri canos
foram fa rtamente registradas pelos funcionrios dos portos de
Salvador e do Rio de Janeiro. Na Bahia, a reexportao deafri canos
sem nenhum transtorno adnl inistrativo era expediente corri-
queiro, Tem razo Walter Fraga ao afi rmar que no sculo XJX, a
deportao foi o principal instrumento das autoridades baianas
para livrat'-se de estrangeiros, especialmente afri canos, que vaga-
vam ou mendigavam pelas ruas da cidade", 17
Em geral, a deportao era resolvida com rapidez e sem qual-
quer debate jurdico. Em abril de 1871, por exemplo, o chefe de
polcia Cerqueira Pinto informou ao presidente da provncia o
banimento de Lcio Jos Maria, africano liberto que chegara da
costa da Africa com duas crianas - Maria e Vtor - tambm
africanas, no patacho portugus Eugnia. Lcio vinha de uma
longa viagem. Ele sa ra do Rio de Janeiro havia um ano, passara
cerca de um ms em Salvador e, em maio de 1870, seguira para a
costa da Africa. Portando passaporte concedido pelo governo de
Lagos, retornava para o Rio de Janeiro fazendo de novo uma breve
escala na capital baiana. " A parada foi necessria para que pudesse
fazer a entrega das crianas que trazia a outro afri cano, pai de Vtor
50
- - - - - - -
e responsvel por Maria, que iria servi-lo como criada. Ao tomar
conhecimento da presena deles no navio, o chefe de polcia, sem
hesitao, permitiu o desembarque das crianas e providenciou a
deportao de Lcio,com base nas leis de 1831 e de 1835, "que esta-
vam en1 vigor", 1\1
O mesmo destino o chefe de polcia Amlio Ferreira Espi-
nheira pretendi a impor ao africano Anto Teixeira em 1873. Anto
foi acusado de "ser o mais responsvel agente de candombl na
quinta da:; beatas"; U111exenlplo da "irnoraLidadce cnica coragem))
para afrontar a polcia. Feitiaria, roubo de joiasede dinheiro, ven-
turas) lascvia e acoit amento de escravos faziam parte da lista de
infraes que lhe atriburam. Dentre as mais graves estava a de pro-
ceder na flahia tal qual "o preto crioulo Juca Rosa" no Rio de
Janeiro, um bom motivo para enquadr-lo na lei de 1835. Juca
Rosa, o Pai Quibombo, foi um clebre lder religioso que, na
dcada de 1860, reunia muitos e variados adeptos em sua casa na rua
Senhor dos Passos, no centro da Corte. Ele foi julgado cm 1872 e
condenado a seis anos de priso por cstelionato, 20 Juca Rosa viajava
com frequncia para a Bahia, e bem possvel que no s conhe-
cesse Ant o COlllO compartilhasse com ele prticas reli giosas.
Ainda havia em comum entre eles) allTI da fama de serelll "liberti-
nos" que ofendiam a "moral de moas honestas", a de terem figu -
res da politica entre os seus seguidores.
Para se livrar de Anto, o chefe de polcia solicitou aO presi -
dente da provncia autorizao para embarc-lo para a costa da
fri ca, "como j con1 outros se ten1 feito em idnticas circunstn-
cias"." Para tanto, o caso foi analisado pelo Gabinete do Minist-
rio da Justia, que autorizou O pres idente da provncia a deportar
Ant o, embora "a deportao para a frica no parea ser o
melhor, por que [sic] no castiga o criminoso em presena de suas
vtimas e da principal delas, a sociedade"." De fat o, Anto no
escapou do compromisso do chefe de polcia e do Mi nistrio da
51
Justia com a moralidade e com a ordem, e fo i deportado em
1875." Ao providenciar, na dcada de 1870, essas deportaes, o
governo imperial demonstrava empenho em desmobili zar redes
comerciais e reli giosas protagonizadas por afri canos. Ora, se a
deportao par a a frica se apresen tava como medida policial
contra feiticeiros bem relacionados, pode-se supor o que repre-
sentava para as autoridades o regresso de africanos que foram
escravos no Brasil.
Depois que Os africanos do navio Paraguass foram interro-
gados, e enquanto o chefe de polcia ponderava sobre a pertinn-
cia da legislao disponvel, a polcia do porto fi cou incumbida de
assegurar a permanncia dos viajantes indesejados no navio.
Eram duas mulheres, Bemvinda Maria da Conceio e Cipriana
I.eopoldina dos Santos; e catorze homens, Lui z Vitria, Leodoro J.
Pinto, Ventura Ramos, Ivo, Janll rio, Csar Manoel, Francisco
Agostinho, Francisco Jos Leite, Clemente Medeiro, Pitta Ribeiro,
Abraham da Costa, Joaquim Ribeiro de S, Feli ciano Calmon de
S e Fernando. ' Como o interrogatrio no foi anexado corres-
pondncia mantida entre Amphilophi o e Henrique Lucena, fica-
mos sem saber por que e quando aconteceu o retorno frica.
Segundo o chefe de polcia, aqueles viajantes fo ram "exportados"
da provncia da Bahia "como africanos", confonne ele mesmo
registrou nos livros da sua repartio. " Isso sugere duas possibili-
dades. Uma delas que eles embarcaram muito jovens nas primei-
ras levas de retorno frica, depois de 1835, mas que continua-
ram a manter vnculos com parentes) ami gos e parceiros na Bahia.
A outra que a onda de deportaes de afri canos defl agrada na
represso revolta dos mal s alcanou geraes posteri ores,
estendendo a persegui o para quem sequer compartilhou do
proj eto rebelde de 1835.
52
1. Vista da zOlla porturia de Salvador, 1884.
Sem o interrogatrio, tambm ficamos na ignorncia acerca
da explicao dos "acusados" para o retorno Bahia. Resta espe-
cular. E, para tanto, preciso seguir-lhes a rota. fundamental
atenta r para os caminhos e interesses dos viajantes/cOlnerClantes
africanos da poca.
Em 1851, foi instalado o consulado ingl s em Lagos, que dez
anos depois foi anexada Gr-Bretanha. Desde ellto,aqucla
cidade porturia foi o destino preferencial de libertos emIgrados
do Brasil e de Cuba, principalmente os iorubs. Tal predil eo se
explica pela ingerncia do governo britnico na do
trfi co negreiro, o que diminua os riscos de reescravl zaao; e pelo
estabelecimento de relaes comerci ais, em certa medida prote-
cionistas, para os retornados. Ao analisar a trajetria pessoal de
alguns deles, Lisa Lindsay concluiu que a prosperidade. econmica
depend ia, sobremaneira, da competio estabe.leclda com os
uutros comerci antes , dos acordos con1 as autOridades Inglesas e
das relaes de solidariedade constitudas com demais grupos, a
53
exemplo de traficantes brancos, capites de navios negreiros e
repatriados Negociao nada fcil, mesmo para quem
j havia atravessado um oceano, pelo 111enos duas vezes, por conta
da indstria Inercante.
Os autores que investigaran1 o processo de reinsero dos
retornados nas sociedades africanas nos sugerelll algunlas pos-
sibilidades interpretativas para eSsa viagem. Para Manuela Car-
neiro da Cunha, a razo de a maioria dos procedentes do Brasil
ter se estabelecido na costa, em detrimento do interior, foram as
melhores oportunidades de comrcio. Mesmo porque ao volta-
relll para a frica, eles no tinhanl em vista um lugar etnica-
nlente deInarcado - j que Lagos era, fundamentalmente,
porto de embarque de escravos -, e, sim, alguma prosperidade
econmica.
27
COlno assinala Beatriz Gis, o lugar de origem
ganhou, simbolicalllente, outra dimenso para as conlunidades
de retornados. 28 Nesse sentido, a terra dos ancestrais tambm era
estrangeira, com habitantes e costumes que Dluitas vezes lhes
eralll desconhecidos.
. Os retornados constituram, assim, U111 grupo especfico que
tlnha e111 commll a experincia do desterro, do cativeiro e da volta
frica. Ao for111ar uma comunidade que, sinlultaneanlente, bus-
cava abrigo no continente de origem e reiterava seus vnculos com
Ulna sociedade escravocrata, eles vivenciaram no s a transio
geogrfica, mas, principalmente, a cultural. Michael Turner tam-
bm comentou a singularidade dos retornados do Brasil em Lagos.
Conhecidos por "amaros" eles tiveram diante de si o desafio de
reconstruir, na frica, uma identidade carregada do passado
escravo na Amrica lusitana. A lngua portuguesa, a f catlica, a
atividade comercial, o modo como se vesti31n, suas crenas e valo-
res foram sinais dia crticos dentro de urna populao que mes-
clava experincias negras distintas.
29
COlno Turner acentuou
n1esn10 a preferncia dos hOlnens retornados pelos ternos
54
,
ii
',{ .
lOS, chapus-panam, grandes bigodes, bengalas e charutos dis-
I i Ilguia-os da sociedade local".w
Com a franca expanso do poderio ingls, Lagos se tornou
lima encruzilhada cultural e conlercial, na qual afro-cubanos,
;1 fro- brasileiros, os saros de Serra Leoa, africanos das nlais diversas
procedncias e ingleses se encontravam.]. Lorand Matoryinforma
que, em 1889, uma enl cada sete pessoas residentes em Lagos havia
morado no Brasil ou eIn Cuba, e se considerarmos a afluncia de
conlerciantes vindos da Europa e do Brasil em busca de bons neg-
cios, poJenlos imaginar conlO, a partir de Lagos, a frica se espa-
lhava pelo mundo navegvel. Tamanha presena estrangeira
impactava continuamente as leituras acerca do que era a frica e
os vnculos entre as populaes da dispora. Talvez por isso, para
muitos comerciantes afro descendentes que no se afastavam da
costa, frica e Lagos fossem sinnimos nUIDa redefinio territo-
rial e cultural da sua ancestralidade.
O estivador Domingos Jernimo dos Santos, ao solicitar
naturalizao brasileira em 1887, afirmou que tinha sessenta anos
e que era natural da "estao inglesa" em Lagos.-l
2
Cypriano Jos
Martins, em maro de 1888, prestou juramento e obedincia
Constituio brasileira, reconhecendo o Brasil conlO sua ptria, e
a Igreja catlica como sua nica f.
33
Cypriano, comerciante, disse
ter nascido em Onin (Lagos), na costa da frica, ser solteiro, ter
dois filhos e trs casas, unl sobrado, muitos n1veis e algumas dvi-
das. Com a naturalizao e o test3111ento, ele assegurava que os seus
bens no seriam arrecadados pelo Poder Judicirio." Formas de
Uln pertencin1ento sin1ultneo Bahia e a Lagos pareciam estar
sendo cruzadas no cotidiano deles. Por certo, essa duplicidade de
referncias foi relevante na constituio de identidades dessa
cOlllunidade na Bahia e na "estao inglesa".
Enlbora no se possa saber com preciso o que os dezesseis
viajantes trazianl para os consumidores baianos em 1877, poss-
55
vel que pauos, dend e obis adquiridos em Lagos estivessem entre
seus pertences. Tratava-se de D1ercadores que viveram nas fricas
baianas e sabiam bem das demandas locais. Tambm bem pro-
vvel que os visitantes tivessem alguma fluncia em ingls, alm
do portugus, o que os punha em situao privilegiada na realiza-
o de negociaes transatlnticas, quando era preciso acertar
valores e condies da viagem com navegadores ingleses, com-
prar mercadorias de africanos e revend-las a brasileiros ou a
outros africanos.
Afinal, esse comrcio tambm foi muito favorecido pela pre-
sena expressiva de brasileiros cm Lagos. Numa carta publicada
pelo Dirio da Bahia de dezembro de 1863, h a denncia de um
c0111crciante brasileiro que teve a sua propriedade, distante 35
milhas de Lagos, ocupada por tropas inglesas que viajavam para
combater um chefe africano em Eppe. Porter sido obrigado a hos-
pedar os soldados, o comerciante ficou impedido de desembarcar
um carregamento de azeite de dend, e ainda teve que assistir
substituio da bandeira brasileira erguida diante da proprie-
dade, pela inglesa. Ofendido, o proprietrio sugeria ao governo
brasileiro que pela "quantidade de brasileiros residentes em
Lagos, e o nenso capital que anualmente transige entre a Bahia e
a costa africana, fosse instalado ali un1 consulado brasileiro para
defend-Ios",35 Os nossos viajantes estariam, desse modo, dentro
de un1 antigo e pequeno circuito de cOlnrcio internacional do
qual se sustentavam alguns africanos e brasileiros, a exemplo de
um certo Panja que, em 1873, acu111u10u n1uitos credores no Bra-
sil por "ter negcios com a costa",:\(' As relaes entre cOlnerciantes
das possesses inglesas na frica e da Bahia pennanecerarn num
bom ritmo at o fim do sculo XIX. Eram negcios que incluam o
fumo, a aguardente baiana, o dend"7 e, principalInente, produtos
religiosos africanos .. 18
Em 1890, o patacho Aliana, que teria sido comprado por um
grupo de descendentes de africanos no Brasil com a finalidade de
fazer negcios na costa da frica, teve problemas na viagem: estava
infectado pela febre ama reJa. Havia sessenta passageiros no navio,
quc enfrentaram os dissabores da travessia, levando mercadorias a
serem entregues aos comerciantes brasileiros estabelecidos na
Costa. Com anoticiada contalninao do navio no porto de Lagos,
s6 desembarcarmD os passageiros; mercadorias, bagagcln) dinhei-
ro e joias tiveram que ser trazidos de volta ao Brasil." Aps o malo-
gro dessa viagen1 de negcios, vrias pessoas na Bahia reclamarmn
a posse de seus bens. Muita gente esperou para ter notcias dos pas-
sageiros ou reaver as nlercadorias embarcadas para Lagos. Entre
eles estava a africana Julia Maria da Conceio) comerciante esta-
belecida na freguesia do Pao. A ela pertenciam os 125 barris de
fumo que voltaram no navio, 10
Mas o volume da n1ercadoria de Julia ivIaria da Conceio no
parece ter sido a regra. Nos avisos expedidos pela polcia do porto
eram noticiadas as tempestades e epidemias que itnpediarn o
retorno dos navios costa da Africa) prejudicando comerciantes
dos dois lados do Atlntico. Como o que se pde ler em 1881, na
qual o inspetor da alfndega dava a conhecer que seria leiloada
toda a mercadoria salva do patacho Boa-f, inclusive 137 panos da
costa, argolas, colares e pulseiras) que pertenciam a vrias pes-
soas.'11 O que interessa salientar que a regularidade desses acertos
cOlTIerciais certmTIente motivava gente COlno Juca Rosa a vir para a
Bahia em busca de objetos e especiarias importadas diretamente
da frica. A fluidez desse trnsito provavelmente institua parce-
rias e vinculos cntre cOlnerciantes e cOlnunidades religiosas do Rio
de Janeiro, de Salvador e de Lagos.
Nina Rodrigues avaliou que ainda nos ltimos anos do
sculo XIX, embora CID menor nmero e frequncia, navios a vela
COln comerciantes nags) fluentes elTI ingls e iorub) viajavan1
para a Bahia trazendo objetos para o culto aos orixs.
l
! Impor-
57
tantes fi guras reIjgiosas tiveram lucros com o comrcio de pro-
dutos afri canos e com o intercmbi o de experincias culturai s
p,roporcionado poresse trnsito, A famli a de Ado da Conceio
Costa, por exemplo, importante empreiteiro da es ti va nos fins do
scul o XIX, teria vindo de "uma possesso inglesa na fri ca" para
se mstalar na nahia. Atravs dos depoimentos de seu sobrinho
Mi guel Santa na, sabe-se da importncia do comrcio com a
fri ca para aquelas que serian1 as mais famosas casas de candom-
bl Bahia. Miguel Santana tambm contou que aprendia
mgles com um professor africano contratado por seu ti o e iorub
nos terreiros de candombl que frequentava, dentre eles o ll Ax
Op Afonj, que passou a ser referido como smbolo da autenti-
cidade das t radi es africanas no Brasil. ' ' Tambm Martiniano
Eliseu Bonfim, conhecido pelo prestgio religioso e por ter sido
Illformant e de Nina Rodrigues, tinha "uma quit anda de produ-
tos da Costa" na ladeira de Santana e "de quando em quando"
dava aul as de ingls . .j4
Nessas tradi cionais casas de candombl, a ideia de pertenci-
mento e continuidade entre a Bahia e O pOVO iorubano foi um
mecanismo importante para garantir-lhes di stino dentro da
comunidade afro-brasileira. Para). LorandMatory, a importncia
atribuda preservao de tradies ancestrais garantiu um senso
de genuin idade cultura local ento aliment ado por retornos
fnca." Nesse sentido, o que se lia como nag na Bahia poderia ser
o resultado de uma construo transatlntica, na qual osviajanles-
-comerciantes, como aqueles do Paraguass, foram fiJndamentais.
Talvez por isso, nas ltimas dcadas oitocentistas, di zer-se nag
fosse o modo mais explcito de dizer-se africano, como vou argu-
mentar daqui a alguns captulos.
Mas a persistncia nos negcios no implicava o trJ11ino das
restries aesse trnsito, mesmo nos fins do scul o XIX. Se analisar-
mos t esta mentos de africanos que viviam na Bahi a, poss vel
notar que alguns deles circularam tranquilamente, sem ser inco-
modados pela polcia, naturali zando-se brasil eiros. Vejamos
com hrevidade a hi stria de Vitorino dos Santos Lima. Ele fale-
ceu em janeiro de 1891, poucos dias antes da chegada do vapor
Biafra com uma carga de seis ponches de azeite, que lhe foi reme-
tida por M. Balthazar, comerciante em Lagos. O investimento na
rota do azeite garantiu-lhe o acmul o de alguns bens: um
sobrado na freguesia da S, Ulna casa na rua dos Adobes, alguns
mveis e mercadorias. Vitorino devi a es tar bem informado
acerca da vida em Lagos, dos conflitos na fri ca e das possibili-
dades de negci o de azeite bastante incentivado pelo governo
ingls. Ele decl arou ser casado com uma cri o ula e ter 56 anos
quando se naturali zou brasileiro em 1887.
Empenhado cm parecer al gum de "boas relaes e co::;tumes",
cumpriu a exigncia da1ci)que pennitja a nat uralizao apenas aos
que atestassem ser catlicos e tcr boa conduta e respeito pelas leis
brasileiras. " No mesmo ano em que Vitorino dos Santos l.ima con-
seguiu se nat uralizar, outros 28 estrangeiros tambm o fi zeram na
provncia da n ahia. Desses, 23 eram portugueses, um era alemo,
outro italiano, e trs eram africanos." O pequeno nmero de pedi-
dos e consequente concesso de naturalizao a africanos pode ser
explicado por motivos bem bvios. O primeiro deles a diminui -
o dessa popul ao, outra razo a utilidade do recurso. A natura-
s6 podi a ser til para quem precisava garantir a posse de
alguns bens e a permanncia definitiva no Brasil.
Quem lanava mo desse recurso eram, em geraL co.mercian-
tes com algum patrimnio, o que os diferenciavam dos demais
afri canos, em sua maiori a Foi o que deve ter
movido Benvindo da Fonseca Gaivo a solicitar ser nat urali zado
bras ilciro. Ele estava preocupado cm provar ser proprietrio de
duas casas registradas em nome dos seus mhos "em razo da proi-
bio das leis provinciais [1835], que se opunham aos africanos
59
adquirirem b d . "<0'
ens e raIZ. Contudo, a naturalizao no signifi-
cava que o africano pudesse, de fato, usufruir plenamente da COl1-
diaod 'd I' I '1' .
e Cl ae ao J[aSl elro.A sItuao de estrangeiro e ex-escravo
demarcava o seu lugar social. Mesmo porque, em meio ao processo
emancipacionista, o debate sobre os direitos civis dos en1ancipa-
dos brasileiros ou naturalizados pouco avanou, alm do que foi
estabeleCldo pelas leis de 1850 e de 187!.
Como se v, entre a experincia dos dezesseis viajantes do
Paraguass e a dos c0111erciantes africanos aqui estabelecidos no
fim do sculo, existiam algumas continuidades. Sob a tica das
autorid'ldes adm' . t t' l' ..
( , l111S ra lVas e po lelaIS, eles foraIn submetidos
lue.sma poltica de constrangimento. As restries circulao dos
afncano d .
S emonstIam o quanto eles eram suspeitos, ainda que a
sua rebeldia no estivesse mais sendo traduzida eUl rebelies.
, ?vIas se as nlinhas suposies fazem sentido e os dezesseis via-
Jantes faziam parte de uma importante rede comercial e cultural
qual o interesse ingls eill lna11t-los na Bahia? Voltemos ento;
1877, porque enquanto as negociaes comerciais dos africanos
estavam pendentes, a poltica dos brasileiros seguia.
Ao ser informado pelo chefe de polcia da presena desses
comerCIantes recm-chegados de Lagos, o presidente da provin-
Cla H . I '
, ennque .ucena, nao tardou nas orientaes requeridas,
embora no tivesse certeza sobre o melhor procedinlento a ser
adotado. Inicialmente, pennitiu o desenlbarque dos africanos
sob fiana do capl't' d ." b' d
ao o navIO, o ngan o-se este pela despesa
caso o governo inlperial considere CIn vigor as
dISposI,es citadas [leis de 183 I e de 18351". Contudo, logo vol-
tou at,ras e referendou a deciso do chefe de polcia: os africanos
devenan1 ser mantidos sob custdia no navio.'iO Devia-se ainda
comunicar os acontecimentos ao cnsul ingls, tarefa que coube
ao chefe d I" A h'l
c po lCla. mp 1 ophio manteve-se cauteloso, n1as foi
bem claro. Considerou que, apesar de os certificados emitidos
60
pelo governo de Lagos atestarem serem os africanos naturais da
costa da frica e libertos, eles foram deportados do Brasil, por-
tanto com "npedil11entos legais para o regresso". Caso desobe-
decessem ordem de permanncia no navio) o cnsul ingls
seria responsabilizado."
O cnsul enl questo chanlava-se John Morgan e no era
ll1uito amigvel quando estavam e111 pauta "us interesses da Coroa
inglesa") conlO costumava afirnlar.Ainda e1n 1859) ele enviou un1a
carta ao ento presidente da provncia, Herculano Ferreira Pena)
e1n nome de 21 comerciantes britnicos instalados na Bahia) que
se queixavam de serem vtimas dos ((Inaiares tributos aplicados
aos estrangeiros aqui estabelecidos", a despeito "das relaes de
amizade que uniatn as duas naes". John Morgan enfatizava o
quo era indevida a taxa prevista contra uma "nacionalidade que
[era J o maior fregus dos produtos do pas, r J e que pela impor-
tncia de suas transaes comerciais, tnuito contribui para os
cofres A queixa encobria os privilgios comerciais
reservados aos ingleses no Brasil ao longo do sculo XIX. Gilberto
[<reyre COll1enta que as ll1ercadorias de fabricao inglesa eraln
tributadas em 150/b) enquanto os demais produtos estrangeiros
eram taxados e1n 24%. Em contrapartida, os britnicos abriam
"crditos fceis aos clientes brasileiros e aventuraram seus capitais
nu nosso pas.""
Morando na Bahia desde 1852, John Morgan tinha, de fato,
motivos para alardear a importncia dos '(negcios de sua nao
para a econonlia local. Se prestarmos ateno aos nmeros das ati-
vidades comerciais no perodo, sonl0S levados a reconhecer) con10
queria Morgan) que os ingleses tinham negcios nada desprezveis
naquela praa. Dentre as onze c0111panhias de seguro c01nercial)
por exemplo, que operavam na Bahia nas dcadas de 1860 e 1870,
sete eram inglesas;" e o New London and Brazilian Bank Limited
foi) talvez) o "lnais itnportante banco estrangeiro na Bahia na
61
segunda metade do sculo".'5 Ao sucesso dos negcios ingleses cor-
respondia cm igual monta a arrognci a do cnsul. Em 1860, por
no ter sido recebido em audi ncia pelo presidente da provncia,
Antnio de Costa Pinto, o dipl omata encaminhou-l he uma carta
en1 tom nada cordial, como se v no trecho a seguir:
Hoje foi a terceira vez que se me denegou a honra de uma audincia
com V. EX
3
.Acredi tando pela prtica de oito anos [ ... ] que cm horas
de servio podia eu, como c6nsul da Gr-Bretanha, pedir uma
audi ncia em benefci o dos interesses que me so confI ados nesta
provncia, e no sendo eu requerenlc de favores pessoai s ou)
gado em qualquer servio que no seja do meu pas) venho agora
soli citar o obsquio de V. Ex 11 me dizer [ ... ] os dias da semana e as
horas quando se dignar receber-me em servio pblico; a fim de
evitar a reproduo de uma recusa que reputo desautorizar a mi nha
posio
No descobri qua ndo ele fi nalmente foi recebido por Costa
Pinto, mas a postura, digamos enrgica, lhe rendeu alguns Ir utos.
Tendo feito em 1865 minucioso levantamento das potenciali dades
econmicas da Ha hi a, John Morgan encaminhou aos investidores
ingleses um relatrio comentando a concesso do governo bras i-
leiro para a const r uo da estrada de fer ro Paraguass (curi osa-
mente o mesmo nome do navio que trouxe os comerciantes afr i-
canos de Lagos )." Segundo ele, o empreendimento garantiri a o
monoplio no transporte de mercadori as e pessoas por longas d is-
tncias e ai nda permitiria a explorao de ln inas de ouro, prata e
ou tros minrios em toda a extenso da estrada de fe rro. O cnsul
talnbm planejava cultivar, na rota da ferrovial algodo "de qual i-
dade igual ao de New Orleans':-';8
/
:::-.
('
'1
'1.
;::.
2. Casa' Comercinllnglesa na wna porturia de Salvador.
I
,
I
I
I
Morgan foi especialmente esforado em fazer prevalecer os
interesses da Coroa inglesa. E para tanto contava com a colabora-
o de polti cos baianos. O prprio presidente da provncia em
1877, Henrique Pereira Lucena, organi zo u uma sociedade an-
nima (em que a provncia subscreveu lnetade das aes com o fim
de fazer aquisies na Inglaterra da estrada de fe rro de
Como se nota, os planos dos ingleses na 13ahia no eram nada
modestos, o que nos leva a supor que a defesa de Morgan pela per-
manncia dos africanos tivesse razes comerciais relevantes.
Em 1877, a reao do cnsul John Morgan 8 proibio de
desembarque dos comerciantes foi intempestiva. J no dia seguinte
ordem de reembarque, pediu explicaes ao presidente da provnci a
enfatizando que os implicados eram "sditos de cor preta" de S.M.
Britnica, autorizados a viajar pelo governo de Lagos. John Morgan
tambm exigia a devoluo imediata dos passaportes apreendidos
pelo chefe de policia durante o interrogatrio. Dizendo-se conhece-
do r da lei que proibia o desembarque de africanos no Brasil, ele argu-
lnentou que aquela situao era distinta por ser referente a pessoas
vindas de uma "nao amiga, ainda que nascidos na Costa da
Tal ressalva s retoravaa tutela inglesa queMorgan representava. Ou
seja, ((apesar de africanos" eram sditos ingleses e como tais deverian1
ser tratados. Assim, eraIU os interesses ingleses que deveriam preva-
lecer e no qualquer reivindicao de cidadania.
Todo o alarde em torno do caso era exagerado, reclamava o
cnsul. Tratava-se de um falso problema, porque a "questo j havia
sido resolvida pelo desembargador Costa Pinto", quando presi-
dente da prov ncia. Parece que depo is da abordagem nada branda,
no s6 Costa Pinlo o recebeu canlO ouviu as suas ponderaes, das
quais o comrcio COm a costa da fri ca talvez fhesse parte. John
Morgan foi incisivo e desdobrou argumentos a tavor dos co mer-
ciantes africanos. Assinalou, principalmente, que o trnsito de afri-
canos ent re Lagos e Salvador no era excepcional; era autorizado ou
pelo menos no era proibido."' Nesse ponto, como j d iscuti, ele
tinha razo. Mas, dessa vez, a persistncia do diplomata de nada
adiantou: no impediu que o caso fosse submetido ainda naquela
semana seo de Justia do Conselho de Estado.
o CONSELHO DE ESTADO E A " PREPONDERNCIA DA
RAA AFRlCANA NO BRASlL"
Instituio admirvel, e quando quase tudo (exceto a dinastia) se
tinha vulgarizado, o Conselho de Estado [ ... ] guardou por muito
tempo o sabor, o prestgio de um velho (,onselho ulico conser-
vado no meio da nova estrut'ura democrtica, depositario dos
antigos segredos do Estado, da velha arte de govemar, preciosa
herana do regime colonial, que se devia gastar pouco a pOUCO.
61
Assim Joaqu im Nabuco delinia uma das instituies mais
cont roversas do Imprio. Por reunir "experimentados estadistas e
juristas eminentes" escolhidos pessoalmente pelo imperador, a
pertin@ncia desse rgo consultivo dividia opinies. Para uns era
um artifcio para reforar o Poder Moderador, para outros "era a
conscincia do rei)). Questes itnportantcs como a guerra contra o
Paraguai e a emancipao do elemento servil tiveram no Conselho
um frum decisivo. Teri a sido no vero de 1866 que o processo
emancipacionista foi tratado pela primeira vez, com a discusso
dos projetas apresentados pelo conselheiro Pimenta Bueno, o
marqus de So Vicente.
As l ongas sesses na Quinta da Boa Vista resultariam, anos
depois, na lei de J 871 e na concepo de gradualidade do ftm da
escravido."2 Assim sendo, embora formassem Uln rgo sem fun-
es deliberativas, os conselheiros tinham um papel poltico
muito importante na arquitetura do governo imperial e exerciam
plenamente o papel de analisar diferentes assuntos e indicar ao
im perador o que lhes parecesse mais adequado poltica e j uridica-
mente. O desfecho da empreitada dos comerciantes retornados
estava merc das consideraes desses estadistas do Imprio.
Dito isso, pode-se deduzir que o parecer do Conselho em relao
presena dos dezesseis africanos seria, como de fato foi , decisivo.
Logo que o ofcio do presidente da provncia chegou Corte,
foi encaminhado aos membros da comisso de justia do Conse-
lho de Estado. Lo episdio foi analisado a partir do julg,tmento de
o lltrasocorrncias consideradas de "igual teor': Ulna delas era a de
um hOmelTI branco norte-ameri cano que, elTI 1866, tenlOu en1i -
grar para o .Brasil trazendo consigo uma negra nascida livre, tam-
bm norte-americana, com duas crianas. A outra, o pedido de
empresrios paulistas para quefosse permitida, em 1877, a "impor-
tad' de negros livres norte-americanos, a fim de empreg-los na
construo de uma estrada de ferro. Cada um dos casos foi anali -
sado en1 per odos distintos, mas sob o D1eSlTIO princpio: "pessoas
de cor no podiam imigrar para o Brasil", fossem livres ou libertas,
todas deveri am ser deportadas. As trs histrias contam trajetrias
particulares que remetialTI ao mesmo "problema: como evitar
que pessoas de cor imigrassenl para o Brasil sem se lanar mo de
uma legislao racista?
Para melhor acom panhar os meandros desse dilema preciso
conhecer um pouco majs dos casos ((de igual teor" que fundamen-
taram o parecer sobre os dezesseis africanos. Vanl0s a eles.
O autor do pedido de 1866 era). A. Cole, fazendeiro branco
que pretendia se estabelecer numa propriedade recm-adquirida
em Campinas, interior da provncia de So Paulo. Foi o prprio
Cole que relatou ao chefe de polcia a sua histria. Tudo teve incio
com a compra das terras em So Paulo e a resoluo de viver no
Brasil. Concretizado o negcio, ele voltou para os Estados Unidos
66
apenas para (( di spor dos seus bens e entender-se com amigos",
quando tomou conhecimento da circular do cnsul brasileiro ~
Nova York, na qual se lia acerca da proibio de importao de catl-
vos." A partir da "concluiu que s havia proibio de importao
de escravos, e que era permitida a introduo de pessoas de cor, que
no fossem escravas". Ainda que o texto do cnsul parecesse bem
claro e existindo (( o desejo de trazer e1Tl sua companhia uma
mulher de cor preta, COm suas duas filhas menores, que h muitos
anos [estava] a seu servio", o fazendeiro consultou um advogado
que apenas "corroborou a interpretao que ele havia dado". Para
Cole e seu advogado, nada impedi aa imigrao; para o cnsul bra-
sileiro, contudo) no era belTI assim.
Solicitaran1-se passapo rtes para os nortc-anleri canos, o
branco e as negras. Mas logo que o pedido chegou ao conheci-
mento do diplomata bras ileiro, es te se recusOU a conced-los. A
alegao era de haver impedimento entrada de pessoas de cor no
Brasi l. O impa"e estava estabelecido. j. A. Cole contestou com a
prpria circular do consulado; o cnsul insistiu na recusa. A diver-
gncia de interpretao estava longe de ser um mero equvoco.
Sinalizava como os subterfgios diplomti cos podiam eVitar a
imi grao e mesmo o trnsito de pessoas de cor no pas. Ao mesmo
tempo, revelava a inexistncia de dispositivos legais que a barras-
sem. Para O advogado c o fazendeiro norte-americanos, negro e
escravo no eram termos que se confundiam. Nessa lgica, a proi-
bio do governo brasil eiro no tinha mesmo nenhum respaldo
legal. Noutra perspectiva, a raci al, a resistncia governamental
remetia a um projeto social excludente, que estava em gestao na
contexto de desarticulao da escravido no Brasil.
Mas o fazendeiro estava convencido de que o cnsul brasi -
leiro no conhecia bem as lcis do prprio pais. Por isso resolveu
viajar para o Rio de laneiro acompanhado da mulher e das cr<m-
cas, sem os passaportes, recurso possvel depois de ter se compro-
,I
1' 1
I
Inetido junto c01l1panhia de paquetes que arcaria con1 quaisquer
nus, se porventura fosse descoberto. Na Corte, assin1 que desem-
barcaram foram-lhes solicitados documentos que provassem a
condio de livres ede norte-americanas das negras. Os docun1en-
tos inexistiam. Chamado para resolver a situao, o chefe de pol-
ciase julgou incapaz de decidir sobre o assunto, ainda mais porque
eles pretendiam seguir do Rio de Janeiro para Santos. Eis ento o
caso Cole nas mos da seo de justia do Conselho.
M
Eln 1866, a discusso sobre o iInigrante branco e suas acompa-
nhantes negras no demandou Inuito esforo da comisso de justia,
sen1pre empenhada cm legitimar a ordem de deportao. L estavam
Thomas Nabuco de Arajo, o visconde de Jequitinhonha e Eusbio
de Queiroz- trs das Inaiores figuras do In1prio. Em comum, a for-
mao em direito, os cargos de senador e lnen1bro do Conselho e
prestgio suficiente para interferir nos rumos polticos do pas.
Nabuco de Arajo assumira o cargo de conselheiro naquele
ano de 1866, depois de uma trajetria poltica que excluir amagis-
tratura, a presidncia da provncia de So Paulo, assentos na CInara
e no Senado, alm do Ministrio da Justia, onde coibiu duramente
as derradeiras tentativas de trfico ilegal de escravos para o Brasil.
Ele foi personagen1 central na "boa sociedade)) npcria1.
63
O conse-
lheiro Nabuco tambm foi o relator do projeto de reformulao da
lei de IOde junho de 1835, por julg-la ineficaz para coibir os cri-
n1es praticados por escravos.
M
Devo lembr-los de que era exata-
mente essa lei uma das justificativas legais que o chefe de polcia da
!lahia utilizou para impedir o desembarque do grupo de africanos
retornados. Uma vez extinta a lei, ponderava o conselheiro, seria
possvel estabelecer penas diferenciadas, sem a austeridade que os
anos das revoltas escravas exigian1.Ainda coube aele a discusso do
projeto do Cdigo Civil, a relatoria do projeto dalei de 1871, envia-
do pelo governo imperial Cmara dos Deputados, e a elaborao
dalei de locao de servios de 1879."
68
Tendo sido do Partido Conservador, Nabuco passou a fazer
parte das fileiras liberais quando a emancipao dos escravos estava
na ordem do dia, tornando-se nn1 ardoroso eInancipacionista.
Estava entre os autores do manifesto do Partido Liberal de 1869, no
qual o principal compromisso era com a emancipao gradual da
escravatura.t;gO baiano s continha a sua disposio antiescravista
quando a ocasio no era favorvel. :t, o que nos sugere Eduardo
Spiller Pena ao COlnentar a oposio de Nabuco, en1 "nome da tran-
q llilidade e segurana pblica" ao uso da lei de 1831 nas aes de
liberdade.
9
Ironicamente, foi a partir dessa lneS111a lei que a comis-
so de justia, presidida por ele, fundamentou o parecer proibitivo
permanncia das negras americanas em terras brasileiras.
O segundo integrante da cOlnisso era o no 111enos famoso e,
certamente) mais polInico, viscondc de Jequitinhonha. Baiano e
nativista de prin1eira hora) ele adotou o nome de Francisco G de
Acaiaba MontezUlna para honlenagear as razes indgenas do pas,
cntretanto foi chamado pela inlprensa de "antibrasileiro)) por
conta da sua defesa dos tratados cOlnerciais COil1 a Inglaterra.
/n
Filho de un1 traficante de escravos e de Ulna negra, o mulato fez-se
jornalista, filsofo e magistrado depois de ter estudado na Univer-
sidade de Coimbra) onde conseguiu "brilhante reputao nos
estudos e pssima nos costulnes)), conlO assinalou Ktia Matoso.
71
Foi tambm um dos fundadores do Instituto dos Advogados Bra-
sileiros, tendo sido o seu prin1eiro presidente.
72
Frente questo
servil, a sua posio, CIn vrios monlentos, primou pela dubie-
dade; avaliava que "a lei da abolio deve ser silnples e breve", ape-
sar de apoiar a ideia da emancipao gradual, a partir da liberdade
do ventre, "inlportante passo no cmninho dessa reforn1a social').'-'
Sobre Eusbio de Queiroz, j se disse ter sido ele o "papa" dos
saquarelnas, como ficou conhecida a clebre trindade que assegu-
rou por longos anos a hegemonia poltica dos conservadores no
Imprio." Mas o conselheiro tambm ficon bastante famoso por
ter sido, cm 1830, o primeiro chefe de policia da Corte, cargo que
ocupou por onze anos. Sob as suas ordens inaugurou-se uma coa-
o ostensiva aos africanos) nutrida por exaustivas investi gaes e
int olernci a. Os historiadores Carlos Eugni o Soares e Flvio
Gomes creditam-lhe a dura investida repress iva movida pelos
temores de que os ventos da Bahi" de 1835 tambm soprassem
sobre o Rio de Janeiro." Em larga medida foi a suspeio de Eus-
bio de Queiroz em relao aos negros em geral, e aos africanos em
especial, que fez dele um incansvel defensor do fim do trfico
atlntico em 1850.
Anos mais tarde, ele argumentou no Conselho de Estado que
eram "bvios os 111otivos" que o levavam a insistir na contratao
de soldados estrangeiros brancos para lutar contra O Paraguai em
detrimento aos libertos brasileiros. " Aobviedadevislumbrada por
Queiroz estava na sua certeza de que o negro, ainda que brasileiro,
era menos confivel que qualquer branco, mesmo estrangeiro. O
empenho de Queiroz pelo fim do trfico no signifi cava que ele
nutrisse alguma simpatia pela ao inglesa naquela questo; ao
contrrio, foi um crtico feroz ingerncia britnica em assuntos
nacionais.
77
V-se logo que a emigrao de africanos avali zados
pelo governo ingls em nada o agradaria.
Assim apresentados os jurisconsultos encarregados de aval iar
a questo, voltemos a 1866, Rio de Janeiro, quando Cole e o chefe
de policia aguardavam a deciso sobre o caso. Crente na possibili-
dade de ver os seus arglllnentos prevalecerem, o fazendeiro insis-
tia. O chefe de polcia, por sua vez, tornou-se seu aliado e tentava
atenuar qualquer procedimento irregular, alegando que Cole era
"homem de bem" que apenas incorreu numa 'Cinterpretao err-
nea" da circular oficial. Para defend-lo chegou mesmo a conside-
rar que a viagem por terra at Campinas seria relativamente fdl,
o isentaria dos olhos da polcia e de sanes da justi a brasileira,
mas a opo de Cole era pelos trajetos da lei. " A intermediao do
70
chefe de polcia foi to ineficiente quanto o argumento de Cole de
que negro e escravo no eram sinnitnos.
A comi sso de justia estava disposta a provar a coerncia
legal da proibio. Malabarismo retrico e art imanha jurdica
orientaram o cncannhanlento. Persisti a-se na exigncia de que as
mulheres em questo apresentassem atestados comprobatrios de
suas condies, documentos inexistentes porque eram nascidas
livres. Sem a C0111provao da condio estavam, portanto, susce-
tveis lei de 1831.A cobrana dos documentos no passou de ardil
jurdico para expul s-Ias. Dissimulao e sabotagem continuavam
a compor a poltica brasileira. Por fim, ao impera-
dor a deportao imediata e a proibio explcita da imigrao de
negros norte-americanos, ainda que nascidos li vres, pois:
deve ponderar Vossa Majestade Imperial o perigo ordem pblica,
que haveria, admitida a imigrao de homens de cor procedentes
dos Estados Unidos: cxisndo ainda entre ns ri escravi do, o con-
tato desta gente recenternente emancipada) e que vem da guerra
com o entusiasmo da vitria, no pode deixar de ser uma grande
preciso lembrar que essa histria se passa em 1866, numa
conjuntllrl deli cada. H pouco se encerrava a guerra nos Estados
Unidos e incrementava-se o debate sobre a emancipao dos
escravos no Brasil . importante lembrar que de Queiroz
temia pelos riscos que a nao corria por afinar libertos na guerra
do Paraguai, e que o visconde de Jequitinhonha suspeitava que
toda sorte de perigos pudesse abater uma sociedade s voltas com
o fim da escravatura,50 Nesse sentido) a imigrao de negros ame-
ricanos era particularmente indesejada e mesmo peri gosa, na opi-
nio dos conselheiros.
Foi naquele mesmo ano que Pedro II, cm resposta J unta Fran-
7
'
' I
.;
,
'I
r
I
I
l:
cesa de Elnancipao, disse que o fi111 da escravido "era un1<1 ques-
to de forma e oportunidade", a ser encaminhada assim que tenni-
nassc a guerra contra os paraguaios.
H'
Diante da atitude do impera-
dor numa questo to espinhosa, escravocratas e reformistas
mostraram-se reti centes. De acordo com Jos Murilo de Carvalho,
"quase todos temiam agitaes, rebelies escravas, e at mesmo,
guerra civil e racial" .Hl A tentativa de trazer para o Brasil as negras
norte-atnericanas no poderi a ter sido em hora mais inoportuna.
Quanto a eventuais problemas diplomticos, noo se deveria
alimentar temores, previam os juristas do Conselho de Estado,
pois "os homens de cor, livres ou libertos, noo gozavam de cidada-
nia nos Estados Unidos)), no podendo incorrer em sano alguma
sobre o BrasipJ Enfim, examinadas todas as consequncias poss-
veis e expostos os argumentos legais, coube s autoridades provin-
ciais fazer cumprir a deciso do imper.dor, fundada no parecer
dos conselheiros, e deportar as norte-americanas.
interessante observar que a existncia da legislao discri-
minatria nos Estados Unidos era criticada pelas elites polti cas
brasileiras da poca. medida que se estruturava o movimento
emancipacionista, do qual Nabuco de Arajo e O visconde de
Jequitinhonha eram partidrios, ganhava fl ego a ideia de que a
legitimao jurdica de segregao dos negros era abusiva e arris-
cada. Os juristas Tavares Bastos e Nabuco de Araj o criaram, na
dcada de 1860, o jornal A Reforma, instrumento da propaganda
pelo fim gradual da escravido, sem o comprometimen to da
ordem e da economia nacionais.
Para Tavares Bastos, por no existirem no Brasil "distines
sociais ou polticas por causa de cores ou raas", depois da emanci-
pao dos escravos "[ dar-se-ia] o contrrio dos Estados Unidos",
sem maiores transtornos. Pois, ((aqui no h, como l, desigualdade
real das raas; no h profundas antipatias entre elas; o preto e o
mulato gozam aqui de todos os direitos polticos, ns os temos tido
72
no Ministrio, no Conselho de Estado".S1 Joaquim Nabuco exps a
mesma certeza ao comparar o fim da escravido no sul dos Estados
Unidos e no Brasil. Nas pal avras do autor do O abolicionismo:
o contrapeso que mantinha u equilbrio soci al [no Brasil] era a
amplitude lateral e a elasticidade social da escravido brasilei ra em
contraposiO rgida segregao raci al e social que havia caracteri-
zado o Velho Sul. 1 .. 1 No llrasil deu-se exalamente ao contrrio. A
escravido ai nda que fundada sobre a diferena das raas, nunca
desenvolveu a preveno da COf, e ni sso foi infinitamente mais b i s ~
Ao contrastar os discursos abolicionistas correntes nos Esta-
dos Unidos e no Brasil, Clia Mari nho concluiu que a ausncia de
uma legislao di scriminatri a teria fomentado a ideia da har mo-
ni a racial brasileira. Nac.lucle contexto de crise do cscravi smo,
acentuava-se a imagem de brandura das relaes entre senhores e
escravos no Brasil, na qual no se admi tian1 restries construdas
sob critri os raciais.
1l6
Como escrevia Tavares Bastos, os projetos
emancipacionistas dizi am prezar pela cidadania irrestrita e pela
convivnci a sem conflitos entre negros e brancos. V-se logo que
os juristas do Conselho de Estado no pretendiam explicitar ne-
nhum critrio racial para justificar suas decises. No caso Cole, a
lei de 1831 os resguardou dessa exposi o, e o medo de que a pre-
sena de recm-emancipados pudesse di sseminar a ideia da liber-
dade parecia sufi ciente para fundamentar o parecer.
S7
J em 1877, quando alguns empresrios solici taram permis-
so para contratar norte-americanos "de cor", a resposta de UlTI
relator foi mais direta e sucinta. Sequer o pedido foi analisado por
uma comisso, a deciso estava respaldada em "papi s sobre ques-
t o idnti ca", ou seja, no caso do fazendeiro de 1866, e reafir mava
que continuava "proibido expressamente o desembarque no Imp-
rio de homens e mulheres de cor procedentes dos Estados Unidos".
73
"
"
Entretanto, foram explicitados alguns pr incpios que escapavam ,)
noo do perigo da contaminao de ideais de liberdade. Por ter
liberado de "chofre tantos escravos'; os Estados Unidos tinham difi-
em cont-los no sul e o norte no os desejava, porque " de
notoriedade o antigo antagonismo do norte-americano de origem
europeia com a gente da raa de cor': Logo, a importao desses
trabalhadores era "um meio de favrecer aos Estados Unidos e no
de utilidade ao Brasil ': Vale sal ientar que a solicitao dos empres-
nos era pela permanncia temporria, e no de iInigrao, c que os
trabalhadores eram homens nascidos livres. Mas o governo brasi-
leiro no estava propenso a fazer concesses.8R
A interdio estava respaldada pela lei de 1831 e na resoluo
de 1866, que dizia ser proibido a "qualquer homem liberto, que no
for brasileiro, desembarcar no porto do Brasil debaixo de qualquer
motivo. O que desembarcar ser imedi atanl ente reexportado". 89
Como os que seriam contratados no eram libertos, o parecerista
deu-se ao cuidado de di rimir qualquer dvida ou persistncia,
usando um argumento tortuoso. Dizia que " vista da inteno e
objeto da citada lei ela no se referia apenas a libertos no sentido da
livres, n1as como anttese de escravo", E ainda: pre-
sumia-se lIbertos os homens de COr no-escravos . Ora, as razes
polticas que o legislador teve em vistas com a di sposio do artigo
7' do-se seja livre o homem de cor ou liberto': Nesse sentido, O
veto ent rada de negros de qualquer condio jurdica era delibe-
rao irrevogvel.
Negaudo mai s um pedido, o Conselho demonst rava q ue pa u-
tava as suas decises sobre trabalhadores negros estrangei ros,
ainda que com lIm duvidoso respaldo legal, por planos polticos. A
de to seleto grupo de jurisconsultos evidenciava que
as deliberaes tomadas correspondiam compreenses prprias
das elites pol ticas do Imprio acerca da arqui tetura social. Deci-
dia-se a partir de ponderaes sobre os infortnios ali benefcios
74
;, dvi ndos ao pas e, nessa contabilidade, a imi grao de negros
(" tava fora de cogitao. Qua ndo esquadrinhamos o argumento
do parecerista, fi ca evidente que a sua definio de liberto escapa
dos preceitos jur dicos da poca porque, obviamente, sob tal cate-
goria no estavam todos os homens de cor que no fossem escra-
vos. Sob a luz de argumento to obscuro, uma pessoa de cor, mes-
1110 nascendo li vre, s podia ser reconhecida a partir da experincia
escrava. Recurso habilidoso, ma ntinha a proibi o da imigrao
negra, n135 no mencionava nenhum critrio racial.
Em 1877, Nabuco de Arajo, entre os membros da comisso de
1866, era o nico que ainda estava na cena polti ca, elnbora estivesse
bastante doente e no exercesse mais o cargo no Ministrio da Jus-
tia.'" Naquele ano, ele estava s voltas com dois proj etas: o Cdigo
Civil e a lei de locao de servios, que normatizava a contratao de
trabal hadores nacionai s, de libertos e de estrangeiros para a lavoura.
O Cdigo Civil havia al gum tempo o ocupava, sem que lhe fossepos-
svel conceber qualquer verso preliminar a ser apreciada pel o
Senado." J alei de locao de servios foi tratada com mais presteza.
Na ocasio, cl amando pela urgnci a de aprov-Ia, o autor da pro-
posta alertaria: "haver quem duvide que uma lei sobre locao de
servios tende a animar, a auxiliar a emigrao do estrangeiro para
o nosso pas?':" Nenhuma clusula, dentre as 86 do extenso docu-
mento, trazia qualquer restrio aos negros. Contudo, como indi -
cam os estudos de Maria Lcia Lamounier, "era patente a posio
desfavorvel que a lei colocava aos nacionais':" Era a velha estratgia
do di sfarce vigorando na poltica de Nabuco de Arajo.
Em 1877, a habilidade do Ministri o da Justia para atrair
imigrantes europeus e afastar afri canos e asiti cos explicita que
por dent ro do projeto emancipacioni sta corria de modo velado,
subterrneo, uma forma de se pensar as rel aes sociais a par tir de
uma noo racial. ' ' Devo lembr-los que Nabuco de Arajo foi
relator do projeto da lei de J 87 J enviado pelo governo imperial
75
Cmara dos Deputados. Durante longos dois meses os deputados,
entre eles o visconde de Jequitinhonha, estiveram ocupados com
os pormenores legais e lllorais que envolviam a determinao de
que "os filhos de mulher escrava nascidos livres" deveriam ficarem
poder e sob a autoridade dos senhores de suas mes at os oito anos
de idade. A partir de ento os senhores poderiam optar entre
entreg-los ao Estado, 11lcdiante indenizao de 600 ll1il-ris, ou
continuar a desfrutar dos servios deles at que completassem 21
anos. Nesse debate, Jequitinhonha e Nabuco de Arajo se posicio-
naram eil1 canlpos distintos, quando se debruaram sobre a
seguinte questo: como deveria ser denominado o filho da escrava
depois da lei: ingnuo ou liberto?
Para o Conselho de Estado, autor do projeto, a denominao
eraingnuo. SidneyChalhoub, ao esmiuara debate, esclarece que
os conselheiros pretendiam assiIn evidenciar que os filhos a serem
gerados por escravas no eram propriedades dos senhores delas.
Esse artifcio evitava que o Estado devesse indeniz -los por expro-
priao da propriedade escrava. Mas o arranjo, capaz de isentar o
Estado da sanha indenizatria dos senhores, trazia tona outra
controvrsia que muito nos interessa: a condio de cidadania des-
ses ingnuos. 95 Da nasce a divergncia entre os nossos dois parece-
ristas e deputados na poca. Jequitinhonha achava que se os tllhos
de escravas fossenl definidos COI110 pessoas nascidas livres, eles
poderiam usufruir das prerrogativas de cidados brasileiros. O
que seria unl agravo, ele argumentava, Constituio Imperial por
estender os direitos de cidadania a quem no era capaz de usufru-
-los plenamente. Assim sendo, cabia melhor ao Estado cham-los
e trat-los como libertos. Nabuco de Arajo contestava Jequiti-
nhonha considerando que "o alvitre de criar incapacidade poltica
dessa forma justificava-se nos Estados Unidos, onde havia 'antago-
nisn10 de raa'; no Brasil; o perigo era estabelecer tal antagonismo,
supostau1ente inexistente':96
A dissiInulao e o engenho de no evidenciar os significados
raciais que encobrian1 decises polticas era o grande mrito da
boa sociedade que compunha o Conselho de Estado, principal-
mente diante do acirramento da rivalidade entre negros e brancos
nos Estados Unidos e da quebra de legitimidade do escravismo no
Brasil. Sidney Chalhoub analisa dois pareceres elaborados pelo
Conselho de Estado tambm na dcada de 1870, que julgavam ser
inconveniente a criao da Sociedade de Beneficncia da Nao
CongaAmigada Conscincia e da Associao Beneficente Socorro
Mtuo dos Homens de Cor. O parecer do conselheiro Pimenta
Bueno sugere que o iInperador proba as associaes de "pretos,
mulatos, caboclos e etc. [ ... ] a poltica ensina antes a regra de no
falar-se nisso". Diante da lio de estratgia do conselheiro cabe
bem o comentrio de Chalhoub ao considerar "a produo do
silncio sobre a questo racial" pressuposto essencial para "forjar o
ideal de nao homognea".'"
Nessa atmosfera de embates entre consideraes diplomti-
cas, convices ideolgicas, silncios ditados pela poltica e inte-
resses comerciais, espero j t-los convencido de que o destino dos
africanos do navio Paraguass estava traado antes mesmo de o
caso ser analisado pelo parecerista da COll1isso. Entretanto, ainda
vale a pena acompanhar o encaminhamento dessa histria.
Talvez al o cnsul John Morgan j suspeitasse do resultado
do litgio, no qual se envolvera antes da deciso final. Muito prova-
velmente ele e os conselheiros tinham conheclnento mtuo de
propsitos e ideias. Ao opinar sobre a relevncia de uma lei qne
libertasse os filhos de escravos, o visconde de Jequitinhonha che-
gou a citar a avaliao do cnsul sobre o decrscimo da populao
escrava no Brasil depois de 1850. Tal estatstica fundamentava a
elncubrao do visconde de que, assegurando a liberdade ao ven-
tre das escravas e COln o crescimento do nmero de alforrias, em
pouco tempo o Brasil se "livraria do cancro da escravido".9R
77
Mas o representante dos interesses da Coroa britnica no se
rendia s convices dos conselhei ros quanto imigrao negra. O
debate entre o cnsul ingls, o presidente da provncia e o Minis-
trio da Justia se estendeu por dois meses, sempre girando em
torno de duas questes: a legalidade e a convenincia da presena
dos dezesseis africanos no pas. Decerto o caso ia alm da querel a
jurdica. Di scutianl- se razes polticas que foram enumeradas
pelos jurisconsultos do seguinte modo: "obstar ao crescimento e
preponderncia da raa africana; aplainar a colonizao europeia
e prevenir a fraude de introduo de escravos sobre o pretexto de
libertos". Sem subterfgios caam por terra os tais princpios legais,
sobressaam os critri os raciais.
Ao analisar os trs casos como questes de <' igual teor)),se atri -
buiu unidade a trajetrias pessoais distintas. Ati nai, o que havia em
comum entre o grupo de comerciantes, a mulher disposta a enli-
grar com o fazendeiro norte-americano e trabalhadores a serem
empregados na construo de estradas de ferro? Em se tratando de
histrias to particulares, o que levou o Conselho de Estado a
estender a todos o mesmo veredicto? A partir de quais princpios
foi inferida uma afinidade inevitvel e perigosa entre africanos
retornados e trabalhadores negros norte-americanos? Naquelas
reunies da comisso de justia il11aginou-se uma comunidade a
partir da condio de africano ou afrodescendente e do passado
escravo dos estrangeiros em questo. Expli cados os objetivos da
resoluo, a deportao imediata dos africanos do Paraguass foi
recomendada pelo Ministrio da Justia. A ao e os argumentos
do Conselho diziam respeito a um proj eto nacional que, rara-
mente explicitado (c mesmo negado pelo discurso abolicionista) ,
revelava um Estado que agia a partir da noo da existncia de
raas distintas e hierarquicamente desiguai s.
Mas as convices ideolgicas dos conselheiros do Imprio
no coincidi am com os interesses comerciais dos polticos na
;
Bahia,que buscaram,sem sucesso, reverter a deciso. O presidente
da provncia, Henrique Pereira de Lucena, mostrou-se convencido
da importncia de se permitir os negcios com os africanos e pediu
moderao ao Conselho. Sugeriu que a deciso fosse reconside-
rada com base na insistncia de John Morgan de contestar o res-
paldo legal do veredicto. Recorreu tambm a razes econ6micas,
pois ((a Bahia era a nica provncia que ainda mantinha relaes
comerciais C0111 Lagos') e a deportao iria levantar "clamor no
cOlnrcio" e conlpr0111eter as rendas Nenhum praglna-
tismo econlnico parecia ter ressonncia no seleto grupo de juris-
tas do Conselho, para desalento de Lucena e de Morgan.
Diante de tamanha insistncia, foi elaborado um aditalnento
ao parecer. Nesse documento, a art iInanha jurdica dava lugar ao
imperativo das deliberaes polt icas. Enfatizou-se que a reiterao
do pedido seria interpretada como uma tentativa de "introdu-
o clandestina de verdadeiros escravos sub a aparncia de ing-
nuas estrangeiros". Qnanto inexatido da lei que proibia a
importao de escravOS e no gente de cor, o texto foi enftico:
no podia haver dvida sobre a "absoluta proibio de pessoas de
COf, sejam livres ou libertas irnigrarenl para o Brasil", O que deveria
ser cumprido em todas as provncias. Sobre as tais "atenes devi -
das s naes amigas", sem diplomacia se mandou inforn1ar ao
cnsul ingls que "acima delas estavam as leis do pas". Nenhum
apreo fui reservado para as ponderaes do presidente da provn-
c.ia, na medida en1 que "no se compreende como, sem mais expli -
caes, a reexportao de dezesseis africanos sem importncia
alguma, possa influir to perniciosamente no comrcio e na renda
pblica".'''' Desdenhando das pretensoes inglesas e das preocnpa-
6es baianas, muito mais ateno cabia s consequncias da inde-
sejada imi grao de africanos.
O pouco-caso do conselho certamente no foi bem recebido
pelo presidente da provn cia, que se dizi a pressionado pela
79
classe comerciar'. Por certo no agradaria aos ingleses estabele-
cidos na capital baiana a impossibilidade de recorrer ao trnsito
dos africanos para incrcnlentar os seus negcios, e nisso residia a
presso sobre Lucena. Numa economia em crise, desagradar os
investidores britnicos no devia fazer parte dos planos dos
govcrnantes locais. Pela mesma razo) as relaes comerciais COlll
a costa da frica, ainda que ern pequena escala) tambnl no
podiam ser descartadas. Apesar das presses e dos argumentos, a
deciso do Conselho foi definitiva: nada 1nais a fazer exccto
deportar os comerciantes.
A deciso do Conselho subsidiou o aviso do Ministrio da
Justia, que, ainda no ano de 1877, determinou a reexportao de
todo o grupo. Mas essa determinao foi cU111prida com muita
morosidade. Pelo ll1enos um deles) o africano Fernando) s obteve
passaporte para regressar a Lagos enl 1878.
101
ben1 provvel que
durante os dois anos que pernlancceu na Bahia tenha rcalizado os
seus negcios como havia planejado, contando C0111 a conivncia
do governo provi ncial e con1 a proteo do cnsul ingls.
Contudo) a consequncia da "preponderncia da raa africana
no Brasil" de modo algum era preocupao exclusiva dos estadistas
do Imprio. A certeza de que a escravido extinguia-se a passos lar-
gos d0111inava o debate poltico da poca, e no apenas as reunies
do Conselho de Estado. Nas dcadas de 1870 e 1880, a evidente faln-
cia do escravismo trouxe para o debate conselheiros de Estado, estu-
dantes) juristas, fazendeiros) escravos) libertos, presidentes de pro-
vncia e chefes de polcia e tantos outros interessados na questo
servil. Mesmo porque as discusses sobre o fim de urna instituio
amda to fundamental na sociedade oitocentista pressupunham
questes corno o carter da nao e da cidadania dos emancipados.
Nos ambientes abolicionistas, projetos sociais diferentes e
meSlTIO antagnicos para o ps-escravido eram concebidos e
difundidos. Na Bahia no foi diferente. Sob a bandeira abolicio-
80
nista se reuniram o nosso j conhecido chefe de polcia Amphilo-
phio, o mulato Manoel Querino c o advogado Rui Barbosa, todos
convencidos de que j era hora de a escravido ser extinta no Bra-
sil. quele tenlpO esses protagonistas eram to unninles quanto
aos benefcios que o finl da escravido traria ao pas) quanto disso-
nantes acerca dos desdobramentos da advindos. COlllO veremos a
seguir, estratgias abolicionistas e empreendimentos polticos no
s os diferenciavam quanto revelavam significados distintos para
o finl da escravido, a cidadania dos hOlllens de cor e a ('preponde-
rncia da raa africana".
ENTRE O '(BANQUETE DA CIVILIZAO" E A "REDENO
DA RAA": o JOGO ABOLICIONISTA
Enquanto o governo in1perial evitava aimigrao de honlens de
cor, a articulao abolicionista nas provncias estruturava fornlas de
compreender as llludanas sociais em curso. Nas dcadas de 1870 e
1880) com as cores j plidas do ROnlantislTIO, a palx:o emancipacio-
nista produzia cenas drmllticas. Os memorialistas e literatos cole-
cionaranl situaes em que a viso de um escravo a inlplorar a liber-
dade arrancava lgrinlas de coraes j to arrebatados por grandes
causas. Eram cenas como as protagonizadas por uma "pobre escrava
andrajante") que "irrompeu desesperadamente" numa sesso da
Libertadora Baiana para implorar pela sua liberdade. A aflio da
escrava, como no poderia deixar de ser, causou consternao geral e
a doao da quantia necessria para garantir-lhe alforria.
lII
:!
Foi Teodoro Sampaio quenl registrou um evento COlnenl0ra-
tivo ocorrido em 1884 pelo fim da escravido no Cear, promovido
pela sociedade abolicionista Libertadora Baiana. A solenidade, bati-
zada de "banquete da civilizao': teve como ponto alto a entrega de
cartas de alforria a alguns escravos - expediente recorrente nessas
81
ocasies. Aps as saudaes e discursos de praxe sobre a "justia da
causa dos oprimidos'; deu-se incio passeata em prol da abolio
porm o pice da festa foi resen'ado para a programao noturna. '
Desde o fun da tarde, a rua do Palcio e a praa do Teatro So
Joo, no da cidade, "enchera-se de povo" dispos to a seguir
em corteJo at o Teatro Politeama. L chegando, depois de diversas
pausas para discursos e poemas, os organizadores da festa ocupa-
ram o palco. Quando o pano do cenrio foi descerrado verificou-
" '
torno de vultosa mesa", pronta para o ('banquete da
cIvIli zao', sentaram-se os principais nomes da Libertadora e do
outro lado, em p, um grupo de escravizados aguardava a entrega
das cartas de alforri a. Aps "uns instautes decorridos de silncio"
O lder abolicionista Eduardo Carig levantou-se "risonho e lesto':
saIu do palco para retornar trazendo pela mo o poeta Lus lva-
res dos Santos a recitar: "neste banquete de livres/ Neste clice de
bravos/ no tem que beber tiranos/ no tem que sentarem-se escra-
vos': Depois da rpida distribuio das cartas, a comoo tomou
conta do ambiente e no meio dos recm-libertos, cC
Ull1a
velhamu-
lhe r exclama: meu Deus, viva o Senhor do Bonfi m!". '"
Por certo o uso da emoo foi um trao importante na constrn-
o de di scursos e aes em prol do fim da escravido; a comoo
provocada pela conquista da alforria impregnava as relaes entre
escravos e abolicionistas e transbordava para as interpretaes sobre
possveis diferenas entre a "raa emancipada" e a "raa e .
manclpa-
dora". Toda a cena descrita por Teodoro Sampaio evocava a ddiva
da liberdade. A at mosfera de redeno abolicionista do evento reite-
rava as regras e distines construdas no mundo escravista.
. Em 1884, a Gazeta da Tarde avaliava que "no [era] pela ao
dlreta sobre o esp rito do escravo que lhe podemos faze r algum
bem, os livres que nos devemos entender, com esses que
vamos pleI tear a ca usa daqueles ( ... ] porque a eles lhes proi bimos
de levanta r o br ao em defesa prpr ia". '''' O texto indica c1ara-
82
mente a quem caberia o encaminhamento da questo servil,
decerto ao ser lido em alguma assembleia da rua do Palcio expu-
nha como no se pretendia mudar a autoria das decises polticas
no pas. Como indica o articulista, cabia ao movimento abolicio-
nista insti tuir-se como salvao possvel para o d rama dos escra-
vos, reforando a ideia da tutela indispensvel que lhes deveria ser
assegurada sobre os libertos. Como j disse Lili a Schwarcz, a liber-
dade era assim entendida como "um presente que merecia atos
recprocos de obedincia e subnsso
n
1I1
;
Entretanto, se analisarmos mais de perto as fil eiras abolicio-
nistas c) especifi camente, a Sociedade Libertadora Baiana) ser
inevitvel assinalar que no havia tanta uniformidade de propsi-
tos entre 0$ seus associados.
As agremiaes abolicionistas, como se observou em outras
provncias, se tornaram atuantes na Bahia nas dcadas de 1870 e
1880, mas, em 1852, os mdicos Jernimo Sodr e Jos Lus de
Almeida Couto j tinham fundado a Sociedade Abol icionista Dois
de Julho, que funcionava na vizinhana da Faculdade de Medicina
da Bahi a.
lO
" O histo riador jailton Brito considera que fo i justa-
ment e nessa t radicional instituio que se formou a "vanguarda
aboli cioni sta" local. As mais importantes associaes foram fun-
dadas em suas salas, ptios e adjacncias da facul dade, ento logra-
douro do centro administrativo e cultural da cidade. Ent re a praa
do Terreiro e a rua do Palcio - atual rua Chil e - circulavam a
mocidade acadmica, os caixeiros, artistas e demais interessados
nas notclS sobre a crise escravista e as conquistas do abolicio-
nismo, sempre publi cadas na Gazeta da Tarde, no Dirio de Not-
ciase no Dirio do Povo, entre outros peridicos liberais da poca.
Rui Barbosa, ao criticar a lentido com que se desagregava o
escravismo no Brasil, se referiu s sociedades cmanci pacionistas
como meros "frutos da espontnea benevolncia de almas bem for-
madas", que se fazianl "protetoras de irracionais teis", Seriam raros
3. Discurso de Rui Barbosa da sacada do hotel de Frana, em So Palllo,
1869. Acervo FeRB.
atas de generos idade, que no sanavam O problema, concluiu o
juri.sta. W7 De fato, na Bahia, a maioria delas foi efmera e s6 conse-
guia arregimentar scios c verba para libertar alguns poucos escra-
vos. As dificuldades das sociedades eram, via de regra, explicadas
pela exiguidade de recursos para o pagamento dos peclilios. Poucas
tiveram flego e prestgio. Um das mais importantes foi a Sociedade
Libertadora Sete de Setembro, a mais atuante na primeira metade
dos anos 1870. Em 1871, a Sete de Setembro contabili zou 512
scios, a edio regular de um peridico chamado O Abolicionista e
a compra da alfonia de cerca de quinhentos escravos. '" J no ano de
1880, foi a Sociedade Libertadora Baiana que agremiou Um maior
nmero de entusiasmados militantes da causa abolicionista, eno
s mdicos, advogados e chefes polticos, mas ta mbm arteses,
caixeiros e pequenos comerciantes.
4. Gravura Oradores do povo, de Carib. O ambiente a tenda de um S{1-
pclteiro, espao para debates polticos.
I
I
!
, I
I
I
, I
I'
I,
i'
I
Teodoro Sampaio, ele prpri o um homem de cor, registrou as
costumeiras "assembleias" para os encaminhamentos da "questo
servil': organi zadas por scios da Libertadora Baiana nas pastela-
rias da praa do Pal c';o, principais pontos de encontros de intelec-
tuais, jornalistas e ((oradores do povo': expresso utili zada para se
referir a abolicionistas negros como Manoel Roquee Manoel Que-
rino. '''' Manoel Roque era um sapateiro "de cor preta" alfabetizado,
que teve a seu encargo a tesouraria da Sociedade Libertadora
Baiana. Na opinio de Lus Anselmo, tambm associado, Manoel
Roque era uma espcie de tradutor das ideias dos abolicionistas
para os "menos inteligentes e numa aluso ao seu trn-
sito por territrios sociais diferenciados.
"O
Mas preciso capturar a
atuao desses personagens para alm da mera traduo de planos
e argumentos para quem no dominava os jarges dos doutores,
Eles estavam entre os que "no se encaixavam na itnagem de um
abol icionismo dentro dos preceitos legais, exercidos por homens de
estudo, bacharis e acadmicos", como j disse E1ciene Azevedo.
ll
!
Do mesnlO modo, o preto Salustiano Pedra, "comensal de
Roque sapateiro", contrariava o delegado de polcia porque, insis-
tentemente, em qualquer lugar que chegasse ocupava-se com "o
magno assunto da justia para com sua raa". Tambm fazia parte
da sua ao abolicionista confessar, sempre publicamente, sua
"idolatria" por Jos do Patrocnio e por Lus Gama, que emprcslou
o seu nome a um clube abolicioni sta fundado por ele. '" A prega-
o de Salustiano devia mesmo aborrecer a polcia, que no via
com bons olhos os abolicionistas "de cor". Entre a concesso de
sentar-se no banquete da civili zao num teatro e a pregao
pblica pel a "redeno da raa" havia um hi ato. E justamente
nesse nterim, nessa descontinuidade de atitudes que se revelavam
leituras distintas sobre os desdobramentos do fim da escravido.
principalmente a traj etria poltica de Manoel Querino que
me faz considerar essa perspectiva. Foram muitos os seus espaos
86
de insero social. Querino era arti sta, funcion.ri o da Secretaria da
Agricultura, diretor do clube carnavalescos Pndegos d' frica,'"
professor,associado da Sociedade Libertadora na
Gazeta da 1rde, alm de ter fundado dois outros pendIcos: A Pro-
vnci a, em 1887,e O Trabalho, em 1892.Asuaatuao na Gazeta da
Tarde foi fundamental. Escrevia arti gos, organizava conferncias e
meetings. Em 1882, como scio do Liceu deArtes e Oficias, Manoel
Querino promoveu uma srie de conferncias abolicionistas. Jos
do Patrocnio foi um dos primeiros palestrantes.
A fi gura pbli ca de Manoel Querino foi construda pelo empe-
nho com que ele se envolveu na campanha abolicionista, em aSSO-
ciaes operrias e, sobretudo, nas pesquisas sobre negra na
Bahia.'" Bem articulado no meio poltico, ele se beneficlOu da pro-
teo poltica do conselheiro Dantas, Uder dos liberais na Bahia, que
o teria livrado de servi r nao no Paraguai. Mas no se manteve fi el
s filiaes polticas do seu benfeitor. Em 1870,a despeito do monar-
quismo de Dantas, aderiu causa republicana, tendo sido um dos
autores do manifesto republicano, o que o credenciou a ser candI-
dato a deputado pelo partido republicano em 1878.''' ..
A atuao de Manoel Querino sem d vi da contradlZla a
image m de que era apenas atravs da ao dos abolici onistas
brancos que os recm-emancipados se tornavam aptos a com-
part ilhar do " banquete da civili zao". Mesmoporque, para
Querino, a ideia de civilizao no excetuava os afncanos nem a
irracionalidade fazia parte das caractersti cas da "raa negra". Ao
contrrio, para ele, "foi o trabalho do negro que aqui sustentou,
por sculos e sem desfa lecimento, a nobreza e a prosperidade do
Brasil ; foi com O produto do seu trabalho que ltvemos as InstI-
tuies cientficas, letras, artes, comrci o, indstria etc. [ ... ]
competindo-lhe, portanto, um lugar de destaque como fator da
b il
] Iti
civilizao ras ena.
j,
"
5. Manoel Querino.
A diversidade de atores sociais da Libertadora Baiana permi-
tia que ela exercitasse estratgias distintas nn movimento abolicio-
ni sta, a exemplo da organ izao de fugas e acoitamento de escra-
vos, nas quais a participao de libertos africanos era decisiva.
Eram aes arqui te tadas no quar tel da guarda velha, como ficou
conhecida a sua sedc, lI7 A estratgia era a meSlna de outras associa-
es abolicionistas da poca. Quando se decidia sobre a vi abili-
dade de uma ao de liberdade providenciava-se acoitar o escravo
na casa de "pessoa de reputao", at que as providncias jurdicas
fossem tomadas. Entretanto, nem sempre os coiteiros eram idea-
li stas brancos caridosos e de boa reputao. Tinha-se uma rede que
envolvia personagens bem distintos. A associao entre abolicio-
nistas e coiteiros africanos, eIn vrios momentos, despertou as des-
confianas da polcia e foi eficientemente investigada, em 1887,
pelo delegado Fortunato Freitas.
Com o timbre de reservado, prprio aos assuntos mais inquie-
tantes dos gabinetes policiais, Fortunato Freitas envi ou ao chefe de
polcia, Domingos Rodrigues, o auto de perguntas ao qual fora
submetido Silvestre, um africano liberto. Parece ter sido o prprio
interrogado quem procurou a polcia para quei xar-se contra
Eduardo Carig, peia apropriao de42 mil-r is destinados Jiber-
dade de ln, sua enteada. A hi stria contada por Silvestre tem suti-
lezas que nos esclarecem sobre as relaes entre libertos africanos,
escravos e abolicionistas. Aos sessenta anos, o liberto Si lvestre disse
ter "ouvido dizer que os africanos vindos para o Brasil depois da lei
de 1831 eram livres'; e como pretendia certificar-se desse "neg-
cio" resolveu procurar o famoso Eduardo Carig. Tambm lhe
interessava saber se a sua enteada ln estava matriculada como
escrava. A inteno de Silvestre era garantir-lhe a liberdade com-
provando ser ela filha de uma africana importada ilegalmente. u,
De fato, Silvestre estava bem infor mado sobre as suas chances
de vitria, a ponto de procurar Carig, um dos mais obstinados en-
I
, I
tre os que apostavam nas aes de liberdade. Era facil saber, ainda
que nas zonas rurais, sobre as suas investidas judiciais, porque elas
eram fartamente divulgadas. Ao analisar a situao dos engenhos
do Recncavo baiano na dcada de 1880, WanderIey Pinho co-
mentou que a cada barco que apartava no engenho Freguesia che-
gava "notcia dos expedientes revolucionrios de Carig, o Ant-
nio Bento da Bahia: fuga de cativos, acoitamento, ousadias e
rebeldia de escravos",l19 A fama de Carig como patrono de escra-
vos cm busca da alfonia era tamanha que na festa do Senhor do
Bonfim, em janeiro de 1889, se cantava a seguinte quadrinha: "O
laia Carig ciec Iueu pape': 120
Entretanto, as desconfianas de Silvestre foram acionadas
quando o abolicionista lhe tomou 24 mil-ris, a ttulo de despesas.
Do ll1esmo modo e eOIl1 o meS1110 finl, queixava-se Silvestre, ainda
andava Carig "perseguindo-o por mais dezoito mil-ris", neces-
srios para uma carta de depsito. Esse documento asseguraria a
In sair do seu esconderijo SClTI riscos. Salvo todo o encaminha-
mento parecer de acordo com trmites previstos pela lei de 1871,
Silvestre dizia ter certeza de que nenhum passo havia sido dado
eln favor de sua enteada e, por isso, procurara a polcia para rea-
ver o dinheiro empregado. E, no obstante o delegado insistir
sobre o paradeiro de 1n, o desconfiado Silvestre esquivou-se
dizendo que o esconderijo foi sugerido por Carig, c que apenas
sabia estar ela em casa de uma crioulinha a quen1 ele no conhe-
cia neln sabia sua morada. 12l
Embora outros autores j tenham abordado as relaes entre
abolicionistas, libertos e escravos, tan1bm no pude me esquivar,
assim como o delegado Furtado, de prestar ateno histria de
Silvestre.
122
Os vnculos entre as sociedades abolicionistas, coitci-
ros africanos e escravos fugitivos desvendam uma teia de interes-
ses compartilhados, mas tambm de interpretaes peculiares
sobre os papis polticos reservados a cada um naquele contexto.
90
evidente que para o xito de investidas abolicionistas mais ousa-
das, a colaborao de homens de cor como Roque Sapateiro e de
libertos africanos se fazia relevante, pelo trnsito que tinham den-
tro da comunidade negra e pobre. Nessa rede de colaborao, as
fugas e aes de liberdade arquitetadas no quartel da guarda velha
esclareciam sobre alianas e acordos estabelecidos entre os
homens esclarecidos" das sociedades abolicionistas e segmentos
da populao de cor. .
Ao meSlno tempo, a denncia de Silvestre revela como a Clf-
culao de informaes patrocinada pelos abolicionistas era
importante para a conquista ou garantia da liberdade. Walter
Fraga Filho comenta o quanto, a partir da dcada de J 870, intensi-
ficaralTI -se as fugas de escravos dos engenhos para Salvador com o
propsito de tratar de alfonia.'" Ao se deslocarem das regies de
n1ando de seus senhores para a capital, eles esperavan1 uma ao
mais isenta das autoridades judicirias e o apoio do moviInento
abolicionista, lnais bem articulado no mundo urbano. Ao ouvir
dizer, em 1887, sobre os direitos assegurados s vtimas do trfico
ilegal, ele nos informa sobre a aposta na via judicial e o peso da pro-
paganda abolicionista na desestruturao do sistema escravista.
Era a pregao abolicionista, especialmente dos "oradores do
povo", como Roque Sapateiro, que informavan1 aos escravos que
uma ao de liberdade com boas chances de sucesso naqueles dias
procurava articular os dispositivos previstos na lei de 183 I: a
ausncia de n1atrcula e o desconhecin1ento da filiao.
O ano de 1887 foi especial para aqueles que, como Silvestre,
buscavan1 bases legais para contestar a escravido. Havia sido
nomeado para juiz de direito da vara cvel o magistrado dr. Am-
philophio Botelho Freire de Carvalho, o mesmo que dez anos antes
tomara as prin1eiras providncias para inviabilizar o desembarque
dos dezesseis africanos apadrinhados pelo cnsul ingls. 124 A essa
altura, a sua lnilitncia abolicionista nada ficava a dever obstina-
9
1
o com que havia defendido a deportao dos africanos. Eduardo
Carig, ciente da predisposio do juiz para fazer valer a lei de
1831, encaminhou uma srie de aes a serem julgadas por
Amphilophio.'" Foram cerca de duzentas as aes julgadas em
benefcio dos escravos num espao de nove meses.
126
E medida
que corria a notcia do empenho de Carig e da disposio aboli-
cionista de Amphilophio, o delegado Fortunato Freitas se empe-
nhava ainda lnais elll desfazer a rede de colaborao entre coitei-
TOS e abolicionistas.
O depoimento de Silvestre foi enviado ao chefe de polcia
C01110 uma pequena joia, um achado, pea-chave para incrinlinar
Eduardo Carig por incentivar e acoitar fugitivos, e assim justificar
a represso aos coiteiros.Anexado ao inqurito seguia outro docu-
lTIento. Era o interrogatrio feito ao escravo Braz, alguns meses
antes) naquela meS111a delegacia. Braz, africano, disse ser filho da
africana Lubadou, ter mais de sessenta anos, sef solteiro e estar
fugido da casa do seu senhor) no distrito de Pojuca) C0111 "o pensa-
mento de procurar a sua alforria, Braz talllbm "ouviu dizee)
sobre a possibilidade de aquisio da alforria por meio de ao de
lIberdade) c assin1 viajou at a capitaL onde, apesar de "no conhe-
cer ningum") soube atravs de um crioulo que UD1 "IllOO cha-
mado Eduardo Carig" poderia ajud-lo. Contou Braz que, ao
aceitar a causa, Carig recebeu "logo vista para esle fin1 a quantia
de sessen ta n1il- r is". 117
Acertado o "negcio", coube ao abolicionista escond-lo na
r o ~ de outro africano nos arredores da cidade, de onde fugiu por-
que foi "n1altratado com muito trabalho", Assim conlO Silvestre
Braz no delatou o coiteiro, dizendo no saber o lugar onde estava:
por no conhecer a cidade) e nenl mesmo saber o nome de quem o
acolheu, Diante do delegado, Brazinsinuou o seu nico propsito:
ser restitudo Inonetariamente selll que isso implicasse punio a
quem o acoitara. Nesse sentido, a fidelidade a Eduardo Carig foi
92
ri
abandonada, mas no ao africano con10 ele, seu coiteiro, De posse
das duas denncias, o chefe de polcia tinha meios para barrar a
ao de Carig, o mais conhecido entre os abolicionistas baianos,
pela ousadia de suas aes tanto nos tribunais quanto nos
empreendimentos ilegais. Sobre as decises do chefe de polcia
nada posso concluir porque no encontrei outros documentos a
respeito do assunto, mas desconfio que o resultado da exaustiva
investigao do delegado no o surpreendeu. quela altura, a pres-
so abolicionista fazia avolumar as denncias contra coiteiros,
principalnlente africanos, estabelecidos nos arredores da cidade. 128
Como se pode notar, havia modos de interlocuo e coopera-
o que subvertiam a concepo de que a causa abolicionista seria
mais ben1 equacionada se a ela se dedicassenl apenas os hOlnens
livres e brancos, Nesse sentido, a tenso em torno dos encaminha-
nlentos da questo servil expressava a expectativa sobre os papis
que seriam destinados a diferentes atares numa sociedade egressa
da escravido. Tal expectativa suscitou atitudes con10 a do Conse-
lho de Estado para q llem era preciso criar obstculos "preponde-
rncia da raa africana", sem instituir UIll discurso racializado, nlas
tambn1 deixou mostra posturas conlO a de l\1anocl Sapateiro, a
recl31nar pela redeno da sua raa". Sintetizando esses extren10S,
prevalecia a dubiedade da Sociedade Libertadora Baiana que, por
ullllado julgava que os africanos padeciam de um (nlal de origem",
e por outro os tinha como parceiros na cruzada abolicionista,I29
Nesse jogo, a dissin1ulao da questo racial ganhou cada vez nlais
espao e pern1itiu a Joaquin1 Nabuco, ainda na dcada de 1880,
avaJiarcom certo orgulho que,no Brasil, ao contrrio do que acon-
teceu nos Estados Unidos, a escravido, ainda que fundada sobre
a diferena das duas raas, nunca desenvolveu a preveno de cor,
e nisso foi infinitamente mais hbil",1l0
93
8. Hebe Maria Mattos, t:scravido e cidadunia no Brasil monrquico, Rio de
Janeiro: Editora Jorge Zahar, 2000, p. 59.
9. Keila Grinherg tambm aposta nesta perspectiva em Grinberg, O fiador dos
brasileiros - cidadania, escravido e direito civil no tempo de Antnio Pereira
Rebouas, Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2002.
10. Olvia Maria Gomes da Cunha e Flvio dos Santos Gomes, Quase-cidado
- histrias e antropologias da ps-emancipao no Brasil, Rio de Janeiro: Editora
da FGV, p. 13
11. Barbara J. Fields, "ldeology and race in American history", p. 155.
12. Por retomados ficaram conhecidos os africanos que foram repatriados ou
migraram para a Africa ao conseguirem a alforria na segunda metade do sculo
XIX. Para saber mais: Manoela Carneiro da Cunha, Negros estrangeiros - os 'lfri-
canos libertos e sua volta ji-ica, So Paulo: Brasiliense, 1985.
13. Clia Maria Marinho de Azevedo, Onda negra, medo branco - o negro no
imaginrio das elites do sculo XiX, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987; "Irmo ou
inimigo: o escravo no imaginrio abolicionista dos Estados Unidos e do Brasil",
in Revista da USP- dossi povo negro, 28, 1995-96, pp. 97 -1 09; "Abolicionismo e
memria das relaes raciais", EstudosAf;o-Asiticos, 26, 1994, pp. 5-19; Abolicio-
nismo: Estados Unidos e Brasil, uma histria comparada (sculo XiX), So Paulo:
Annablume, 2003.
14. Clia Maria Marinho de Azevedo, "Irmo ou inimigo: o escravo no ima-
ginrio abolicionista dos Estados Unidos e do Brasil", p. 100. Ao traar paralelos
entre o discurso abolicionista norte-americano e o bra!;ileiro, a autora considera
que num predominou uma fundamentao religiosa; no outro, a cientifica.
15. Sobre os conflitos decorrentes da abolio na Bahia, ver Walter .Fraga
Filho, Encruzilhadas de! liberdade: histrias de escravos e libertos na Bahia ( 1870-
- 1910), So Paulo: Editora da Unicamp, 2006.
16. Estes dado!; sero apresentados no captulo 1.
17. Sobre a construo poltica e simblica da ideia da abolio como ddiva,
ver Lilia Moritz Schwarcz, "Dos males da ddiva - sobre as ambiguidades no
processo da Abolio brasileira", in Olvia Maria Gomes da Cunha e Flvio dos
Santos Gomes (org.), Quase-cidado, pp. 23-54.
18. Hebe Maria Mattas, Das cores do silncio - os significados da liberdade no
Sudeste escravista, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.
19.13. J. llarickman, "At a vspera: o trabalho escravo e a produao de acar
nos engenhos do Recncavo baiano", in Afro-sia, n'" 21-22, 1998/99, pp. 177 -237.
20. Lilia Moritz Schwarcz, O espetculo das raas - cientistas, instituies e
questo racial no Brasil, So Paulo: Companhia das Letras, 1993, p. 17.
21. Thomas E. Skidmore tambm analisou as teorias raciais, enfatizando,
porm, o carter europeizante dessas doutrinas: Preto 110 branco - raa e nacio-
nalidade no pensamento brasileiro, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.
22. Nina Rodrigues, Os africanos no Brasil, So Paulo/Braslia: Editora Nacio-
nal/Editora Ul\H, 1988,p. 9.
23. Clifford Geertz, A interpretao das culturas, Rio de Janeiro: Zahar, 1978,
p.20.
1. CNSULES, DOUTORES E OS "SDITOS DE COR PRETA": RAZES E
AES POLTICAS NUM PROCESSO DE RACIALIZAO [pP. 45-93]
1. H vrios ttulos sobre o tema, dentre eles: Leslie Bethell, The abolition of
the Rrazilian Slave 'Frade - Britnin, Brazil ur/(/ slave trade qllestion, Cambridge:
Cambridge University Press, 1970; Pierre Verger, Fluxo e refluxo do trfico de
escravos entre o Golf) de 13enin e a Bahia de Todos 05 Sal1tos dos sculos XVII ao XIX,
So Paulo: Corrupio, 19R7, pp. 293-321; Robert Conrad, Tumheiros - o trfico
cscravista para o Brasil, Sao Paulo: Brasiliense, 1978; Manolo Florentino, Em cos-
tas negras: uma histriu do trIico de escravos entre a frica e o Rio de Janeiro (sculo
XV111 cXiX), So Paulo: Companhia das Letras, 1997; Jaime Rodrigues, O infame
comrcio - propostas e experincias /lO final do trfICO de africanos para o Brasil
( 180()-18SO), Campinas/So Paulo: Unicamp/Cecult, 2000.
2. Ubiratan Castro de Arajo," 1846: um ano na rota Bahia-Lagos. Negcios,
negociantes e outros parceiros", AFo-sia, n'" 21-22, J 998-9, p. R9.
3. Vergcr, Pluxo e refluxo, p. 385.
4. Jaime Rodrigues comenta que a presso inglesa estava relacionada a inves-
tidas comerciais na frica e na Amrica no sculoXJx. Rodrigues, O infame comr-
cio, especialmente captulo 3. J os historiadores David Eltis, Stephcn D. Behrendt
e David Richardson articulam o empenho dos ingleses em extinguir o trfico
atlnlico ao papel secundrio que eles passaram a ocupar nesse comrcio, a par-
tir do sculo XVIII. "A participao dos pases da Furopa e das Amricas no trfico
transatlntico de escravos: novas evidncias': AFo-sia, ~ 24, 2000, pp. 9-50.
5. APEB, Fala presidente da provncia Herculano Ferreiru Pena em IOde abril de
1860, Bahia: Tipografia Antnio Olavo, 1860.
6. Al'EB, seo colonial, Mapas de entrada e sada de embarcaes, mao 3177.
7. APEB, seo colonial, mao 3139-55, Ofcio do chefe de polcia Amphilophio
Botelho Freire de Carvalho ao presidente da prol/llcia Henrique Pereira de Luccna,
8de agosLo de 1877.
8. Verger, r:luxo e refluxo, p. 323.
9. Rodrigues, () infame comrcio, p. 109. Sobre os produtos desse comrcio:
249
Pier re Vcrgcr, Fluxo c refluxo; Manuela Carneiro da ClUlha. Negros estrangeiros: os
e$cravos libertos e sua 'Volta fricn, So Paulo: Brasiliense, 1985. Os interesses e
confl itos envolvidos no t rfico tambm foram abordados por Jaime Rodr igues
em De Costa a costa - escravos, marirlheiros e intermedirios dI' trfico Atlntico
de Angola ao Rio de )al/eiro ( 1780-/860), So Paul o: Comp;mhia das Letras, 2005.
10. A lei de 183 1 fo i o princi pal mote das acs de liberdade quando se ques-
tionava o direi to de propriedade sobre escravos. Sobre esse assunto, ver Elci ene
Azevedo, "O di reito dos escravos -lutas e abolicionismo na provncia
de So P<lulo na segunda metade do sculo XIX" . Tese de doutorado, Unicamp,
2003, especialmente capitulo 2; Tadeu Cares Silva, "Os escravos vo justia: a
resis tncia escrava at ravs das aes de liberdade (Bahia, s6.: ulo XJx)': Dissertao
de mestrado, Ufl3!\, 2000.
11 . r undao Cu.ll.ur al uo Estado da 13ahia, Legislao da provinda da Ballia
sohre o negro ( 1835 1888), lei 9 de 13 de maio de 1835) p, 19.
12. Vergel', Flllxo e grifos meus, p. 360. Sobre as consequncias da lei
nO 9) Joo Jos Reis, Rehe1iao escral'(J 1/0 Brasil - a hist6ria do lcvanlc mal em
1835, So Paulo: Companhia das Letras, 2003, pp. 49k-53.
13. Reis, Rebelii'1o escrava 110 Bra:.;I, p. 237. Para saber Ill<l is sobre (I revolta dos
mals, i.ndispensveJ ver Joo Jos Reis (org.),f:scrU\,loe ill veflo da liberdade,
S50 Paulo: 13l'asil iense, 1988, pp. 87-140. J Paul Lovcjoy aborda o sentido reli-
gioso da revol ta de 1835 cm: "Ji dah e escravido: as origens dos escravos
manos na Rahi a", Revista TOPOi , n"- 1,2000, pp. 1l. -44.
14. Verger, Flll xo c repuxo, p. 362.
15. Fu ndao ClllLural do Estado da Bahia, Legislao da provfnc:ia da Bahia
sobre o negro, Resoluo 11 " 1250, de 28 de junho de 1872, p. 108.
16. APEB, seo colonial, mao 5834, Ofcio do delegado 13. F. de Carvalho (10
chefe de polci(j) 9 de agosto de J 877.
17. Walter Fraga Pi lho, Mendigos, moleques e vadios na Bahi(j do sCl/lo XiX,
So Paul o/Salvador: HucitcchDuFBa, 1995, p. 91.
IR. O trnsit o de afr icanos entre os portos de Salvador c da Cor te se inl.ensi
fi cou em mcados do sculo XIX, tanto pelo trfi co interprovincial,qu<l Il IO pda cir
culao de libertos. Os historiado res Carl os Eugn io l.i b<i ni o Soares e Flvio
Gomes abordam a importllCia desse ci rcuito na construo de identidades afri-
canas no Rio dtO Ja neiro em "Com o p sobre o vulco: afr icanos minas, identida-
des e a represso amiafricana no Rio de Janeiro (I R30-1840)", Estudos Afro-Asin-
ticos, ano 23 , n
9
2, 2001, pp. 335-77. Esse trns ilo tambm foi comiderado
funda mental por Roberto Moura para constituir a chamada "pequena frica" no
Rio de Janeiro, Tia Ciata Cd pequerrafrica no Rio deJ(lneiro, Rio de Janeirtl ; Secre-
mria Munici pal de Cultura, 1995.
25
19, APEB,seo colonial, mao 58 11 , Oficio recebido pela presidncia da provlI
cia, 14 de abr il dc .l 87 1.
20. Para saber sobre a trajetria de Juca Rosa, indispensvel o l rabal ho de
Gabrida dosReisSampaio."A histr iado feiticei ro Juca Rosa - ( ult urae relaes
sociais no Rio de Janeiro Imperial". Tese de doutorado, Unicamp. 2000,
21 . ,'\PEn, seo colonial, mao 3137-46, Ofcio riu secretaria de polcia a presi-
da provncia, 14 de maro de 1873.
22. Arqui vo Nacional, Gabinete do ministro da Justia, Rel. 28-seilo dos
ministrios, 11 1 428, fol has avulsas, 1870-1880. Agradeo a Lgia Santana a cesso
do documento, que tambm analisado na sua dissertao "Territr ios negros e
negros itinerantes ( 1870 - \ 887)". Dissertao de mestrado, UFBA, 2008,
23. A t rajetria de Anto Tcixcirae sua relao como outro lder religioso afri
cano, Domi ngos Pereira Sodr, foram analisadas por Joo Jos Reis, " Domingos
Pereira Sodr: um sacerdote africano na Rahia oitocentista", Revista Afro-Asia, nU
34,2006, pp. 237-313.
24. API::JI, seo colon ial, mao 5831, Ofcio do delegado H. F. de Carvalho ao ofi-
cial du polcia do porto, 8 de agoslo de 1877.
25. APEI3, seo colonial, mao 3139-55, Ofcio do dlefe de polciaAmp11ilophio
BateI/lO Freire de Cm'valho ao presidente da prol'llcia Henrlue Pereira de Lucena,
8 de agosto de 1877.
26. Lisa 1\ . Li ndsay, "To return to the bosom ofthc thei r fatherland: Brazilian
irn rnigrunts in nincteenth century Lagos", Slavery lnd Abolitiol'l (1 5), n!l 1, 1994,
pp. 22-50. A autora avaliou que acomunidade de retornados do Brasi l era de cerca
de J 237, numa de 25 mil pessoas em 1871 , c chegava a con lar (01)15000
pessoas em 1889, quando a populao era de 37454, pp. 27-8.
27. Manuel a Carnei ro da Cunha, Antropologia. do Brasil - mito, histria e
ctllicidade, So Paulo: Rrasiliense, 1986, pp. 90- 1. Segundo a autora, Lagos "era a
n ica sada para o mar do sistema de lagunas que se estendi a desde Cotonu at o
delta do Nger",sendo, portanto, "um ponlo de escoamento estratgico do comr-
cio da costa". Cunha, Negros estrangeiros, p. 108.
28. Beatrit: Gis Dantas aborda essa (]uesto ..10 discut ir a reconstr uo da
imagem da frica )lo Brasil. Vov rUlg, pnpai branco - usos e abusos da Africa no
. Bmsil. So Paulo: Brasiliense, 1988.
29. M ilton discutindo o processo identitr io dos descendentes de bra-
silei ros no Bcnin (aguds). aborda as negociaes politicas c comerei,ais nem
sempre tranquilas ent re africanos e ingleses no processo de insero dos retorna -
dos na local em Agudas - os brasileiros do Jhmim, Rio de Janeiro: Nova
FronLeira/G<'\Jna Filho, 1999.
251
[I
,I
i
I
i,
30. J. Michael Turner. Afro-brasilei ros c iJcntiJ aJelnica na frica Ociden-
tal': Estudos Afro-Asiticos, n
D
28, 1995, p. 89.
31. J. Lorand Matory, "Jeje: repensa ndo naes e t rasnacionalismo': cm
MANA Estudos Social, voI. 5, I1
n
1, abri1l 1999. pp. 72-97.
32. APEH, seo judiciria, Pedido de nnturalizao de Domingos Jer"imo dos
Santos, 10 janeiro de 1887, mao 1593. Flvio Gomes e Carlos Eugnio Soares
encont rar am um docu mento muito in teressante, no qual um afri cano livre,
ciente de ter sido escravizado no trfico ilegal, di zia estar esperando que os ingle-
ses viessem busc-lo e proteg-lo, em "Com o psobre um Vll1co", p. 30.
33. Arquivo Nacional, IJJ9-355, Ofcio da presidncia. da provncia da Bahia ao
MiJstrio de! Jus/ia, 1 U de maro de 1888.
34. Fm 24 j unho de 1900, o jornal A Coisa publicou um dilogo fictcio no
qual dois homens comentavam que muitos testamentos de africanos eram feitos
"depois dos donos j estarem no outro mundo': fa ;r,endo valer O di to popular de
que "trabalha o feio para o bonito comer ". Na crnica,o :I ut.or insinua que a apro-
priao era orquestrada por autoridades locais, pois quando se v cm cntl:rro de
uns certos " moleques sabidos e chefes polt icos" pode-se deduzi r:
enterro deafric3no,este povo no meio e pol tico acompanhando ... tem m,lranha
[esper teza ) e muiLa maranha".
35. Cid TeLxei ra, "AfTicanistas, esse documento para vocs", em Hahia em
tempo de provll cia, Salvador: Fundao Cultural da Rania, 19X(';, pp. 9 1-3.
36. AI'EB,seo judiciria, lnventtrio de A1arifl da COr/ceio Teixeim, 1874. Ao
morrer em 1873, Maria devia doze mil-ris a Panja "que I negociava] com a costa".
37. Desde o ano de 1840, os barris com dcnd e os escr.wos dividiam o C0111 -
parti rncnl.o de cargas dos navios comerciais brasileiros. O cult ivo do dend che-
gou mesmo a n.: presentar umaatividade cOlnplementar para os traficantes. Pierre
Vergel' localizou diversos documentos citando o azeit.e COlno moeda em Flllxo e
refluxo, p. 6Sl . Manuela Carneiro da Cunha fez os clcu los desse comrcio entre
1 RS ) e 1902. Cunh2., Negros estrangeiros, pp.1 14-27.
38. Tha les de Azevedo, Histria do Bal/co da Bahia (1858-1958). Rio de
Janeiro: Livraricl Jos Olympio, 1969.
39. Nina Rodr igues, Osafrica.nos no Brasil. So Paulo/ Braslia: Editora Naci o-
naUuNA, 1988, p. 98; e Vcrger, Fluxo e refluxo, p. 629.
40. APEB. seo Judici ria, Inventrios e teswmentos, 1908.
41. Dirio da Bahia, 25 dcmaiodc 1881.
42. Rodr igues, Os africanos no p. 105.
43. Donald Piersol1, ao entrevistar mes de santo na Sahia em 1930, ouviu de
algumas delas que vrios artigos usados nos rituais precisavam ou
seja, africanos, em O candombl da Baa. So Paulo: Editora Guaba, 1942. Sobre
25 2
essa ideia de legitim idade ver tambm \Valdir Freitas Olivei ra e Viv"ldo <.1<1 Cost"
J. ima, Cartas de Edisorl Carneiro a Artur Ramos, So Paulo: Cor rupio, 19M7.
44. Jos Guilherme da Cunha Cas t ro (o rg.), Miguel Santalla, S,ll v,ldor:
F..DUFBa, 1996, p. 30.
45. Mator y, "Jeje: repensando naes e. trasnacionalismo".
46. APEn,seo judiciria, InvenIrio de Vitoril1o dosSaTllOs Lima, 07/2927/06,
189 1. APEI3, seo judicir ia, Pedi do de naturalizao de Vitorirlo dos San tos Lili/a,
mao 1593, 188S-1 889.Anais do Senado, Leis e Resolues, lei 3148 de 30 de outu-
bro de 1882.
47. Arquivo Nacional, IJJ 9-355, Ojicio entre o prcsiden te da provillcia dn Bahia
e o ministro dos Negcios do Imprio - Baro de Colegipe, IOde janeiro de 1888.
48. A pobreza dos africanos na Bahia no sculo XI X j foi an.isada por Maria
Jos de Souza Andrade, A mo de ohra escrava em Sa lvador (1811-1860), So
Paulo: Corrupio, 1988; por Maria Ins Corts de Oliveira, O W,erto: o seu mundo
c os outros, So Paulo: Corrupio, 1988; e por Ktia de Matoso. SerescraJlo
f IO Brasil, So Paulo: Brasiliense, 1982.
49. Mar ia J ns Corts de Oliveira comenlo u essa proibio prevista pela lei
nU 9, de maio de 1835. A autora cncontrou apenas trs testadores nesse impedi-
mento,o que a levou a concluir tera lei cado cm des uso, cm " Retl'OlIvcr une iden-
ti r: jeux sociaux dcs afr icai ns de Rahia': Tese de doulorado, Universit de 50r-
bonne - Par is IV, 1992, p. 40. APER, seo judicir ia, lnvelllrio de Bell vrulo da
FOllScca Gaivo, OS/2 134/26U3/14, 1877.
50. Arquivo Nacional, IJ]1 -426, Parecer da Comim10 de Ju stia do COl/seUJO de
E$,,,do,1877.
51. APJ::13, seo culonial, mao 5834, Ofcio do del egado B. F. de Carvalho (10
c6nsul da Inglaterra em Salvador, 9 de agosto dc 1877.
52. APIIR, se<l. o colonial, mao 1195, Ofcio do consulado da Inglaterra, 22 de
outubro de 1859.
53. Cilbert.o Freyre, Os ingleses no Brasil, Rio de Janeiro; Topbooks, 2000, p. 86.
54. Azevedo, O Banco da BClhia, p.1 70.
55. Lus Henri que Dias Tavares, Histria da BalEia, So Paulo/Salvador: Edi -
tora Unesp/ Editora LHl ..... , 200 1, p. 285.
56. API' H, !;eo colonial, Illao l1 95, Correspolldr/Cia do cOl/suftul() da lngln-
' erra ( 1837-1883), 2 de outubro de 1860.
57. f: cu riosa a coincidncia en tre o nome da companhia ferrovir ia c o navio
que trouxe os afr icanos retornados em 1877, mas 115.0 encont.rei nenh um v ncul o
enlre eles.
SR. Jonh Morgan, "Tram-road a vapor do IGHTl, ColctdlJea, nU
16, 1865. A concesso tcria um prazo de noventa anos, e ti linha frrea sairia de
253
Santo Amaro,no Recncavo, at a chapada diamanlina, atravessando uma regio
ento bastante rica em pedras preciosas. Apesar da concesso em 1865, essa
estrada de ferro s possua 45 quilmetros construdos em 1875, quando passou
aser administrada pelaBrazilian Imperial Central Bahia Railway Company Limi-
ted, empresa com sede em Londres. Tavares, Histria da Bahia, p. 272. Ver tam-
bm, Elpdio Mesquita, Vailo frrea na Bahia, Rio de Janeiro: Tipografia do Jor-
nal do Comrcio Rodrigues cOa., 1910. Em 1880, em todo o pas eram onze as
companhias inglesas de estrada de ferro. R. Graham, Escravido, reforma e impe-
rialismo, So Paulo: Editora Perspectiva, 1979.
59.Arnold Wildberg, Os presidentes da provncia da Baha, Salvador: 'l'ipogra-
fia Beneditina I.tda, 1949, pp. 653-62.
60. Arquivo Nacional, IJJ 1-426, Oficio do consulado britnico IUI Bahia ao pre-
sidente da provncia, 10 de agosto de 1877.
61. Joaquim Nabuco, Um estadista no Imprio, vol.l, Rio de Janeiro: Top-
books, 1997, pp. 685-6. Para saber mais sobre o Conselho de Estado, ver Ronaldo
Vainfas (org.), Dicionrio do Brasil Imperial (1822-1889), Rio de Janeiro: Obje-
tiva, 2002, p. 165; M. C. Tavares, () Conselho de Estado, Rio de Janeiro: (jlW, 1965;
Jos Murilo de Carvalho, A con:;lruuo da ordem e teatro de sombras, Rio de
Janeiro: Civilizao Brasileira, 2003, especialmente os captulos 1 e 2; Jos Fran-
cisco Rezek (org.), Conselho de Estado (I 842-1889) - consultas da Seo dos
Negcios Estrangeiros, l3raslia: Cmara de Deputados/Ministrio das Relaes
Exteriores, 1981.
62. Nabuco, Um estadista no Imprio, pp. 695-736. Os projetos apresentados
por Pimenta Bueno, ento redator imperial, foram sistematizados na lei aprovada
em28 de setembro de 1871. Para vrios autores, como Joaquim Nabuco e Jos
Murilo de Carvalho, tais projetos eram, na verdade, uma inspirao do prprio
Pedro li que julgava no ser possvel mais adiar a soluo para a questo servil,
principalmente por se estar sob "a presso moral da guerra do Paraguai" e da
sociedade abolicionista francesa, pp. 657-9. Tal presso podia ser notada nos
peridicos em circulao. Tambm foi a partir de 1866 que o Jornal do Cornrcio
passou a publicar uma srie de artigos de Perdigo Malheiros.As ideias de Malhei-
ros sobre a questo servil esto na sua importante obra Escravido no Bmsil-
ensaio histrico, Jurdico, social. Petrpolis: Vozes/INL, 1976 [18661.
63. Arquivo Nacional, IJJl-426, Parecer da COmiSS{IO de Justia do Conselho de
Estado, 30 de novembro de 1866. A proibio foi citada no original pelo cnsul:
"no slaves can be imported into Brazil from any country \vhatever".
64. Arquivo Nacional, IJJl-426, Parecer da Comisso de Justia do Conselho de
}:;st[ldo, 30 de novembro de 1866.
65. A atuao de Nabuco de Arajo discutida por Carvalho, () leatro de som-
254
bras, p. 302. O Lermo "boa sociedade" foi usado por limar Mattos p,lra definir e
analisar o pequeno grupo que compunha a elite da poca, ver O tempo SOI/1/11-
rema, So Paulo/l3raslia: Hucitec/INJ., 19R7.
66. Os argumentos de Nabuco de Arajo foram muito interessantes por
explicitar a sua compreenso sobre a condio de sujeito social do escravo. No
parecer l-se, por exemplo, que a lei de 1835 era injusta "porque destri todas as
regras da imputao criminal, toda a proporo das penas, porquanto os fatos
graves e menos graves so confundidos, e no se consideram circunstncias
agravantes e atenuantes, como se os escravos no fossem homens, no tivessem
paix6es e o instinto de conservao", Atas do Conselho de Estado, 30 de abril de
1868, apud Joaqui rn Nab ueo, () Ilbolicionismo, Petrpolis/Draslia: Vozes/lN!.,
1977, nota da p. 132.
67. A atuao de Nabuco de Arajo tambm foi discutida por Jos Honrio
Rodrigues, Conselho de }:;stado o quinto poder? Braslia: Senado Federal, 1978;
por Ronaldo Vainfas, Dicionrio do Brasil Imperial, pp. 245-6; e por Joaquim
Nabllco, Um estadista no Imprio.
6R. ngela Alonso, Ideias em movimento - a gerao de ] 870 na crise do Bra-
sil Imprio, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002, p. 73.
fi9. Eduardo Spiller Pena, Pajens da Juriscol1sultos, escravidi:lo
e a lei de 1871, Campinas: Unicamp/Cecult, 2001, p. 53. A lgica poltica de
Nabuco de Arajo tambm foi abordada por Lenine Nequete, Escravos e magis-
trados no segundo reinado, Braslia: Ministrio da Justia/Fundao Petrnio Por-
tela, 1988.
70. J\lurilo de Carvalho comenta esse episdio em Teatro de sornbras, pp. 52-
-3. Llliz Felipe de Alcncastro considera que o Visconde de Jequitinhonha foi um
caso tpico de tllpinizao, de integrao ao movimento nativisla. Alencastro,
"Vida privada e ordem privada no Imprio", em Vainfas (org.), Histria da vida
privada no Brasil, p. 53.
71. Ktia 1.r1. de Queirs Matoso, A Bahia no sculo XIX - uma provncia no
Imprio, Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 1992, p. 273.
72. Pena, PaJens da Casa Imperial, pp. 49-53.
73. Rodrigues (org.), Atas do Conselho de Eslado, p.181.
74. A referncia ao papa e sua trindade est em Srgio Buarque de Holanda.
Histria gemi da civilizar10 brasileira. Rio de Janeiro: Difel, 1978, p. 110.
75. Soares e Gomes, "Com o p sobre o vulco". Segundo Eugnio Libnio
Soares, esse chefe de polcia tambm teria sido implacvel com os capoeiras e suas
prticas, A capoeim escrava c outras tradies rebeldes no Rio de Janeiro, Campi-
nas/So Paulo: Editora Unicamp/Cecult, 2001.
255
76, Jos Ho nrio Rodr igues (org.) , Atas do Conselho de Estado, Braslia:
Senado f ederal, 1978, p. 185.
77. Eusbio de Quei roz j ulgou que a investida dos ingleses em nada contri-
hua para o fim do t rfi cu,at atr apaJhava a ao do governo imperial pordesper-
[ar disu rsos nacionalistas em favor da continuidade do negcio de escravos. Cu -
valho, Teat ro de sombras, p. 300.
78, Segundo Robert Slenes, Campinas foi o dest ino de mui tos migr antes c
imigrantes ao longo do sculo X1X. O atralivn foi, al e meados do sculo
XIX, a grande lavoura aucareira e depois a produo cafeci ra cm "Senhores e
subalternos no oeste paulista", em Vain ls (org.), Histria da vida privada no Bra-
sil., p. 242.
79. Arq uivo Na cional, UI 1-426, Parecer da COInisso de Justia do COll selho de
J!stado, 30 de novembro de 1866.
80. Rod ri gues (o rg.),Atas do Conselho do Estado, pp. JS J -7. Na verdade, desde
a revolu:lo no H.\ iti a possibil idade de a ideia de liberdade alastrar-Soe pela A m-
rica escravista preocupava asautor idades brasileiras. Essa anlise tambm foi rea-
lizada por Mar}' Karash . A vida dos escmvos ri O Rio de Janeiro ( 1808-1 850). So
Paulo: Companhi,l das LeLras, 2000, p. 425.
81. ( :arvalho, Teatro de sombras, p. 305.
82. Idem, p. 307.
83. Sobre as restrics cidadania negra nos Estados Unidos, h uma vasta
bibliografia. Alguns cxemplos so Michael Ranton, A ideia ela raa, So Paulo:
Edies 70, t 977; Barbara Fie1ds, ''Slavery, racc and ideology ill the Unil ed States
of America ", Ni:w Left Rcview, n" 81, 1990, pp. 95- 108; e r ields, " ldt:ologY<l nd race
inAmerican History",emMorgan Kousser andJames M. McPherson (cds. ), R(/ce,
region cmd reconstruciorl, essays in honor of C. Vann Woodwnrd, New York, 1982,
pp. 143- 77.
84. Bibli oteca Nacional, Seo de Manuscritos, Co/er(j o T(/\!ores Bastos, 1.1 -1-
25. A idei a de gradualidadc de Tavares Bastos fo i arquitetada em ter mos do con-
tingente de cativo!:i em cada provncia. Em 1866, ele consid erava q ue da i a dczallos
se deveria emancipar os escravos do Amaw nas, Par, Gois. M<1t o ( ;rosso, Santa
Catari na e Pa rC'l l1 ,CIll quinze anos os do Piau, Cear, lh o Grande do Nor te) Esp-
rito Santo e Ri o Grande do Sul, em vinte os da Paraha. Milranho, L\ laguas e Ser -
g,ipe, e por fim em 25 an os os de Pernambuco, Rah ia, Rio dc Janciro,S50 Paulo e
Minas Gcrais. Biblioteca Naci onal, Seo de MaJl tlSc ritos, Coleio 'Jvares Bastos,
11- 1-24.
85. Nabuco, O abolicionismo, p. 155.
86. Clia j'v1J ria lvlarinho deAzevedo, ''Aboli cionismo e memr ii.l das relaes
raciais", Revi3ta Estll dosAji'o-Asiticos, n" 26, 1994, p.158; veja tambm da mesma
<t utora: " Irmo Oll inimigo - o escravo no imaginrio abolicionist a U lll l..' do
Brasil' : Revista USP, n
1l
28, 1995-6, pp. 96- 109. O medo de que I; ntrl'
negros e b ra ncos se aci rrassem, como se observava na SOd Clbdc no rt e
-amer icana, estevc presente nos discursos das el ites ao longo de todo processo
emancipaci o nj sta. Em 1887, o deputado Joo Al fr edo cons ider:l V"l quc ant es
"uma refor ma com c!:i pri to e processo conservadores 1 ... 1 que as desgraas q lll'
pesam sobre o sul I J1.\JA J", pois "so tantas e tamanhas que em meio sculo talvez
no possam ser reparadas", cm Osrio Duque Estrada, A abolil1o- esboo hist-
rico, Rio de Janeiro: Livraria Editora Leite Ribei ro & Maurilo, l SJ 18, p. 255.
87. Cli a Marinho considera que a revoluo haiti ana estava presente nos dis-
cursos de abolicionistas hrasileiros e norte-ameri canos. Entretanto, havia cnfo-
ques di feren tes nas duas sociedades cscravistas: entre os abolicionislas ameriGl-
nos a Revoluo do Haiti foi a "grande esperana de salvao" para os escravos; no
Brasil predominava um temor alarmista de que o processo de fosse
assaltado por uma revol ta escrava nas propo res da oc.:o rrida no Hait i. Clia
Maria Mar inho de Azevedo, "i magens da frica e da revoluo do Haiti nu abo-
licionismo dos Estados Unidos c do Bras il", Anais da Biblioteca Naci()l wl, H,io de
Ja neiro, ,nu 11 6, 1996) pp. 5 1-79.
83. Arqu ivo Nacional, IJJ 1-426) Parecer de Victor de Bnrros, em 20 de dezcm-
bro de 1877.
X9. Arquivo Nacional, lU 1-426, Despacho de S. Ex" ministro da 22 de
agosto de 1877.
90. Eusbio de Queiroz morreu em 1868, e visconde de Jequiti nhonha em
1870.
9 1. Nabuco de Arajo morreu em 1878 e desde 1872 se ocupava com o pro-
jeto de Cdigo C:ivil Brasileiro. Sobre seu envolvimento nesse trabalho, \'er Joa-
quim Nabuco, Um estadista no Imprio, vo1. IT, pp. 368-86.
92. Anais do Senado, SI de outubro de 1877, apudMaria Lcia Larnoun ier, Da
escravido ao rraballlO li vre, So P,tulo: Papirus, 1988, p. 96. O senador J\' abuco
d' Ara jo defendeu uma lei de locao de servios com o fim de regulamentar as
rdaes de t rabalho nas lavouras. Na perspecti va de Mar ia Lcia I.a mounier, "a
ideia do consel heiro era promovera emanci pao subs lil ui ndo as relaes basea-
das na esn avi do por lima modalidade especial de trabalho livre, fundada nos
contratos de locao de servios". O projeto era, como se designou na poca,
"quase um cdigo rural': Lamouner, Da ejcrm'ido no trabalho li vre, p. 106.
93. Lamounicr) Da escmviduo ao trabalho livre, pp. 104- 7,
94. Sobre o debale da poca acerca da imi grao de as iticos, ver Conrad, 03
lti/nos anos da escravcUum 110 Brasil, e LamOllnier, Do escravido ao tralJallw livre.
2\ 7
95. Sid ney ChaUl oub, Machado de Assis -, historiador, So Paulo: Compa-
nhia das Letra.", 2003; ver especialmente o captulo 4.
96. Jos Antnio Pimenta Rueno, Trabalho sobre a extinio d(J escr(j wltum no
Hrasif, Ri o de Ja nei ro: Tipografia Nacional, 1868, p. 109, apud Chalhoub,
Machado de Assis, historiador, p. 179.
97. Chalhollb, Machado deAssis, historiador, p. 254.
98. Rod rigues (org.), Atas do Conselho do Estado, p. 182.
99. Arqui vo Nac.ional, IJJ 1-426, Resollli1o da Comisso de Ju,s tia do Conselho
de lis teldo, em 20 dr.: dezembro de 1877.
100. Arquivo Nacional, ln 1-426, Resoluo dfl Comisso de Justia do Conse-
lho de fls tado, cm 20 de dezembro de 1877.
101. Agradeo a T,isa C<lstilho a indicao desse documento. AI' B, Sefo C:olo-
nial, Sr ie mao 5906.
102. r:onseca, A escravido, o clero e o aboliciorl ismo, p. 306.
103. IGHfI , manuscr itos, Seo Teodoro Samt,aio, caixa I, doe. S.
104. Gazeta da Tarde, 14 de setembro de 1884.
l05. Lil ia Mor itz Schwarcz, "Dos males da ddiva: sobre <IS ambiguidades no
processo da Abolio brasileira': p. 26,em Olvia Mar ia Gomes da Cunha c Flvio
dos San tos (;omes (org.), Quase-cidado - llistrias C antropologias da ps-
-emal1cipao no Erasil, Rio de Janei ro: Editora FGV, 2007.
106. Ja ilt on Bri to localizou uma outra sociedade abolicionista ta mbm cha-
mada Dois de Julho, fu ndada em Santo Amaro, cm 1869, por Srgi o CU'doso c
Ant ni o Lzaro do Sacramento Barana, entre outros. Em A (jholio rUI B{/hia-
l/I/ La, histria pa/t.-j c'l ( 1870-1888), Salvador: EDUFBal Centro de EstL1dos Baianos,
2003. Ver tambm Pedro 'lmaz Pereira, Memria histrica e geogr-cfica de Santo
Amaro, Bras.1ia: s/cd. , 1977.
107. Rui Barbosa, "Parecer emancipaao de escravos (1884)': em Perfi s Parla-
1I'1 eJ1/ares, Brasili a: C.l mara de Deputados, 1985, p. 558.
JU8. Br ito fez um exausti vo levantamento de todas as sociedades fo rmadas
com fins abolicionistas em A. abolio /w B{/ltia, pp. 81-2; APFI-l, sri t: Jud iciria,
l11a o 2gS6, Relao de sociedades emancipacionisMs. Na rehl o da diretor ia da
Sociedade constavam inocncio Marques de Arajo Ges Fi lho; p rotessor Fran-
cisco lva res dos Santos, Francisco Marinho de Arajo, major Antnio de Souza
Viei ra, Altino Rodrigues Pi menta e Antn io Carnei ro da Rocha.
109. ICHU, manuscri tos, Seiio Teodoro Sampaio, caixa I, docu mento 5.
110. Fo nseca, A escravido, o clero e o abolicionismo, pp. 250-1..
111. Elciene Azevedo desenvolve esse argumento ao analisar a atual o pol-
tica de Ant nio Bento em "O direito dos escravos - lLltas jm dicas e abolicio-
nislllo na prov ncia de So Paulo na segunda metade do sculo XIX ': 'Iese de UOll -
f.onl(lo, Unicamp, 2003, p. 10.
11 2. 1(; 1-1 H, manuscri tos, Seo Teodoro Sampaio, caixa I, documento 5.
113. O cl ube carnavalesco Pndegas d' frica ser objeto de anlise no ltimo
captulo.
114. Ainda nos (alta um trabalh o de flego sobre Manoel Quer ino. Entre-
tanto, diversos autun!s o mencionam ao tratar de artes, movimento operrio c
abolicionismo. En tre eles, ver Jaime Sodr, Um heri da raa e classe, $,t lv'ldor:
sled., 200 1; Jli o Braga. Sociedade Prolelora dos Desvnlidos - uma -i ni1{// ldadc de
cor. Salvador: 1al1a111<1, 1. 987; Jorge Calmon, "Manoel Querino, o jornalista eo pol-
tico'; ,[,rIS( !i os e Pesq llims, 11" 3, 1980; Maria das Graas de Andrade Leal, /\ tlrl e de
ter ofcio - T.icell de Artes e Ojfcios nn Bahia ( 1 R72-1996), Salvador: Fun dao
Odebrccht/LiccII de Artes e Oficios, 19%, p. 99; nlnio Vial1l1 <1 , "M,ll1oc! Que-
ri no", Aliais do J Congresso Brasileiro de Folclore, Rio de Janeiro: II:lJ::CC, 1951; Jorge
Calmon, O vereador Manod Querino, Salvador: Grfi ca da <:mlra Municipal,
1995.
I 1 S. Antnio Vi<\I1<l , Conferncias , Uevisla IGHB, n\l 51, 1928, p. 30g. Entre os
au tores do manifesto tambm estavam Vi rgl io Uamsio, Lcll is Piedade e Spin ola
dcAl hayde.
116. Qucrino. (;oslllmes africanos no Brasil, p. 123
117. Teodoro Sampaio conta sobre os procedimentos adot<ldos pa ra acolher
os CSCHIVOS quando ",mtecedia o pleito da alforr ia cm ju/,Q e era o in iludvel extra-
vio do cntivo". lGHIl, manuscritos, Se'o Teodoro Sampaio, caixa I, documento 5.
I 18. APl:: li , mao 2983, Ofcio deAnlnio Lourcuo deArajo (l Domingos Rodri-
gues Guimares,4 de abril de 1887.
119. Wanderley Pinho, Histria de Iml engenho do Rec6ncavo: Matoim, l\lovo
Cnboto, Freguesia ( 1552-1944). Sao Paulo: Nacional , 1982, p. 51 0.
120. Joo Varela, 1)/1 Bahia do Senhor do Bonfim, Salvador: s/ed., 1936, p. 8,
ap'ldJos Ca!asans Brandao da Silva, Jlio Braga e Mar ia Antonjeta Caps Touri-
nho, J-oldoregeo-histrico da Ballia e seu RCCtlc{/VO, Rio de Ja neiro: Minist rio da
Educai'ioeCultura, 1972, p.45.
121. AI' I:::U, mao 2983, OfodeAl1lnio LOllrellodeArajoa DomingosRodri-
gues Guimares, 4 de abril de 1887.
122. Sidney (:halhoub, Vises da liberdade -lima histria liltimas dw-
das (.Ia escrtl\lid(10 mi corte, So Paulo: Companh ia das Let ras, 1990. um dos t tu-
los mais importantes sobre o tema, assim como Mar ia Helena Machado. O plallo
c o p(mico: lIIovimerltos !i odais tia dcada da aboliu. Rio de Janeiro/So Paulo:
UmJ/J::DUSC, .1 994 e Dalc Grnden, "FromSlavery to frccdum in Hah in (179 1-1 9()() )".
Tese de doutorado, COl1nccticut University, 1991.
123. \Valter .Fraga Pilho, Encruzilhadas da liberdade - histrias de escravos e
libertos na Bahia (I R70-191 O), Campinas: Editora da Unicamp, 2006, p. 51.
124. Ele tambm faria parte do Superior Tribunal Federal entre 1891-5.
.Ricardo Tadeu Cares Silva abordou a atuao do juizAmphilophio "Os escravos
vo justia: resistncia escrava atravs das a6es de liberdade". Dissertao de
mestrado, UFBA, 2000, especialmente captulo 3.
125. Fonseca, A escravido, o clero e o aholicionismo, pp. 318-9. Encontrei
outros juzes tambm empenhados a da liberdade. Um deles foi Jos Timo-
to de Oliveira, suplente de juiz municipal do municpio de Camiso, que foi
acusado, atravs de uma carta assinada por 19 negociantes e proprietrios e
endereada ao presidente da provncia, de "alforriar escravos sem formalidade
alguma" e mesmo ameaar mandar prender os que o impedisse de assim legislar.
APrB, mao 2901, Oficio do chefe de polcia ao presidente da provncia, 12 de Feve-
reiro de 1885.
126. Ricardo Tadeu Cares Silva enlllnera uma srie de aes nas quais o juiz
respaldava-se na lei de I R31 para libertar africanos nas diversas comarcas em
que trabalhou. Em Silva, "Os escravos V30 a justia': p. 132, um exemplo da clara
cumplicidade entre o juiz e Eduardo Carig a ao de liberdade movida a favor
das africanas Leocdia e Lucrcia. Carig iniciou o processo em dezembro de
1886 e em maro de 1887 o juizj estava indeferindo um pedido de embargo da
a30 movido pelos senhores. AI'EI:\, Ao de liberdade (20/697/05), 12 de dezem-
bro de 1887. Esse caso tambm foi analisado por Silva, "Os escravos vo <1 jus-
tia", p.l30.
127.APEH, mao 2983, Ofcio rleAntnioLoureno deArajo n Domingos Rodri-
gues (;uimares, 4 de abril de 1887.
128. APEll, mao 2983, Ofcio dcAlltnio Loureno dcArajo rI Domingos Rodri-
gues Guimares, 4 de abril de 1887. Nos registros dos anos de 1887 e I RR8 nota-se
o aumento de denlll1cias de acoitamento e fugas patrocinadas por abolicionistas.
O delegado de Canavieiras, por exemplo, encaminholL em 1887 vrios ofcios ao
chefe de polcia denunciando um certo l'vlaurfcio de Souza Prazeres. Num deles
informou que, ao tentar prend-lo, ele fugiu embarcando para Salvador, o que o
fazia temer pela ordem pblica na capital baiana, pois o acusado era um contu-
maz "perturbador da ordem". APEB, mao 2897, ofcio do delegado de Cnnavieiras
ao de polcia, 23 de agosto de 1887.
129. Gazeta da Tarde, 23 de junho de 1881.
130. Joaquim Nabuco, () aholicionismo, So Paulo: Editora Nacional, 1938,
[fac-smiledaediode 1883],p.126.
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2. "NO H MAIS nSCRAVOS, OS TEMPOS SO OUTROS": AIIOI.!{,:All
E HIERARQUIAS RACIAIS NO BRASIL [PP. 94-139J
I.Arquivo Nacional (doravante AN),Fundo GIGIIIFI, SH-298,Aviso do Minis-
trio da Agricultura e aos presidentes das provincas, 13 de maio de 1888.
2. Ver os discursos de Rui Barbosa publicados no Dirio de Notcias entre
maio/ 1888 e julho/ 1889, nos quais ele condena os acirramen tos de conflitos ca pa-
/'.es de despertar dios raciais at ento, segundo ele, inexistentes no Brasil.
3. Oscar d' Arajo, "Prefcio", em Silva Jardim, Memrias e viagens -- campa-
nha de wn propagandista (188-189U), Lisboa: Companhia Nacional, 1891, p. 3.
4. Xavier Marques, As voltas da estrada, Salvador: Secretaria de Cultura e
Turismo do Estado/Academia de Letras da Bahia, 1998. O autor c abolicionista
conta nesse romance histrico os caminhos, nem sempre tranquilos, que pro-
prietrios e libertos tiveram que percorrer entre os anos 70 e 90 do sculo XIX.
Tudo se passa numa pequena cidade ficcional, Nossa Senhora do Amparo do
Itape, mais conhecida por Amparo dos Cativos. No por acaso, lugarejo vizinho
a Santo Amaro, no Recncavo baiano, o irnportante polo aucareiro nordestino
at meados do Oitoccn Los. Para mais dados biogrficos de Xavier Marques deve-
-se consultar David Salles, Bihliografla de e sobre Xavier .Marques, Salvador: Cen-
tro de Est udos Baianos, 1969; O ficcionista Xavier Marques: um estudo da "/ransi-
iio ornamentar; Rio de Janeiro: Civilizao 1977.
5. Sem dvida, os conflitos ocorridos durante os anos de 1887 e 1888, princi-
palmente nas regies onde a popula2"tO escrava era mais significativa, foram os
maiores indcios da falncia do sistema escravista. A intensificao da represso
aos escravos fugidos e aos abolicionistas gerou insegurana e alirnentou a certeza
de que a abolio era irremedivel. Entre os ttulos sobre o tema, ver Conrad, Os
ltimos mjOS da escrawltura no Brasil ( 1850-1888), Rio de Janeiro: Civilizao Bra-
sileira, 1978. Maria Helena Machado, O plano e o pnico-os movimentos sociais
fUI dmda da nboli(10, Rio de Janeiro: Editora da UI'RJ/Edusp, 1994; Robert Brcnt
Toplin, The obolitio/J of s/aver)' in Brazil, l\ew York: Albeneum, 1972; Hebe Maria
!vIattos, "Os ltimos cativos no processo de abolio", Anais da Biblioteca Nacio-
nal, vol. 116, (1996), pp. 106-21; e \Valter Fraga Filho, Encruzilhadas da liberdade
_ histrias de escmvos e libertos na Bahia ( 1870-1910), Campinas, So Paulo: Edi-
lora da C'nicamp, 2006.
6. O argumento de qLle a escravido representava um atraso no s econ-
mico como moral esteve presente nos discursos abolicionistas. Ver, por exemplo,
Rui Barbosa, "Parecer sobre o projeto n" 48", em Evaristo de Morais Filho (org.),
Peljis parlamentares - Rui Barbosa, 28, Braslia: Cmara dos Deput,ldos,
1985. Para uma anlise deste recurso discursivo dos abolicionistns, vel' (:l'l i,\
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