Desiree Almeida Pires
Desiree Almeida Pires
Desiree Almeida Pires
Caxambu-MG
26 de outubro de 2017
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Este artigo é parte da Dissertação de Mestrado defendida no Programa de Pós-Graduação em Relações
Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina, intitulada “O papel do FMI na (des)ordem
monetária e financeira internacional contemporânea”, desenvolvida sob orientação da Profª Drª Patrícia
Fonseca Ferreira Arienti, e com financiamento da FAPESC.
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Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas – UNESP,
UNICAMP, PUC-SP. Bolsista pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para estudos sobre os
Estados Unidos (INCT-INEU). Pesquisadora do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais do Instituto
de Políticas Públicas e Relações Internacionais (NEAI - IPPRI/UNESP).
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Abstract: The economic crisis of 2008 stressed the need to reform the international
institutions, in order to deal with the effects of the crisis and answer the requests of
development countries that have experienced a period of great economic growth. This
paper aims to analyze the position of the United States of America (USA) in relation to
the proposal made in 2010 of reform on the governance and distribution of quotes of the
International Monetary Fund (IMF or Fund), which was effectively approved only in
2016, due to the continuous veto given by the USA. It is emphasized that the proposal
does not significantly alter the privileged position of the country in the IMF, questioning
what the main elements that first led the US Congress to position themselves contrary,
vetoing and postponing the reform; and why, subsequently, it agreed to such reform. It is
considered that the change in the US position was due mainly to the perception of the
country that non-implementation of the reform would enhance the IMF's legitimacy crisis
and would signal a lack of commitment to its largest shareholder, making room for
strengthening of alternative and parallel institutions to the Fund.
1 Introdução
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O termo missão é utilizado pelo próprio FMI para distinguir seus períodos de atuação. Assim, cada
missão corresponde às políticas implantadas pelo Fundo nos seus países membros para lidar com alterações
profundas no sistema internacional, sobretudo em seus aspectos econômicos.
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A moeda chinesa foi incluída na cesta em 2016.
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com que os tomadores de empréstimos não pudessem pagar suas obrigações (WOODS,
2007).
Assim, com a crise da dívida da América Latina no início da década de 1980, e
especialmente após a crise do México, o FMI passou a intervir por meio das reformas
dolorosas, pois, para o Fundo, as políticas expansionistas dos países em desenvolvimento
e a sobrevalorização de suas taxas de câmbio seriam sustentadas por mais empréstimos
futuros, o que agravaria a crise e geraria problemas a todos os países, não apenas aos
endividados (INTERNATIONAL MONETARY FUND, 2015e). As ações para
estabilização e liberalização foram consequência do esforço conjunto dos governos, do
FMI, do Banco Mundial e de bancos comerciais. “[E]m grande parte da África e da
América Latina, a reestruturação foi quase completamente forçada por eventos e agências
externas” (CORREA, 2014, s/p, tradução nossa). Dessa forma, por meio do chamado
Consenso de Washington, influenciado pelo Tesouro estadunidense, o FMI adotou e
impôs aos países do terceiro mundo políticas de liberalização de seus mercados
financeiros, aspecto que não estava previsto no acordo original em Bretton Woods
(COFFEY, 2006b).
muitas lições que poderiam alterar suas respostas a eventos futuros. Primeiro, percebeu-
se que seria preciso prestar muito mais atenção às fragilidades nos setores bancários dos
países e aos efeitos dessas fragilidades sobre a estabilidade macroeconômica”
(INTERNATIONAL MONETARY FUND, 2015f, tradução nossa).
Ressalta-se que, à época, os países envolvidos na crise asiática não apresentavam
indisciplina fiscal, seus níveis de inflação geralmente eram baixos e os balanços de
pagamentos tendiam a ser compostos por grandes fluxos de capital de curto prazo,
acumulando dívidas externas de curto prazo. O FMI, porém, lidou com uma crise de
conta de capitais exigindo que fossem implementadas reformas estruturais e políticas de
ajustes fiscais, que eram os elementos de seu receituário para lidar com as típicas crises
de contas correntes (CARDIM DE CARVALHO, 2000).
Ademais, o FMI notou que a liberalização do capital internacional demandava dos
países requisitos institucionais maiores e mais complexos do que se imaginava, e que a
contração da atividade econômica advinda da crise asiática precisava ser reavaliada no
que dizia respeito ao ajuste das políticas fiscais quando as crises fossem produto do fim
dos fluxos financeiros (INTERNATIONAL MONETARY FUND, 2015f). A seção
seguinte discute a atual relação entre o Fundo e os Estados Unidos, exemplificada por
meio da questão da recente reforma da instituição.
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Composto por África do Sul, Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China,
Estados Unidos, França, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Reino Unido, República da Coreia, Rússia,
Turquia e União Europeia, o G20 financeiro pretende ser um fórum para cooperação econômica, colocando
em pauta questões como o desenvolvimento econômico, os rumos das políticas monetárias e financeiras, e
a reforma de instituições internacionais (G20, 2016).
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Tabela 1: Ranking dez maiores cotas (SDR bilhões e %) e votos (%) do FMI, 2015
Tabela 2: Ranking dez maiores cotas (SDR bilhões e %) e votos (%) do FMI, 2016
zona do Euro, dado que consideravam que a Zona era composta por países ricos que não
necessitavam de tal auxílio, o que acabou pesando sobre os recursos do FMI. Apontou-
se, inclusive, que a instituição não seguiu suas regras ao conceder empréstimos à Grécia,
em 2010, de modo que os Estados Unidos apenas concordariam com a reforma quando
tais regras fossem cumpridas (TRUMAN, 2014). A ajuda do FMI à Europa, entretanto,
foi crucial para retomar a estabilidade financeira do continente após a crise de 2008 e,
consequentemente, minimizar impactos negativos da crise sobre os Estados Unidos. Isso
porque 20% das exportações dos EUA têm como destino a Europa e 60% dos
investimentos externos diretos feitos no país advêm de empresas europeias (U.S.
DEPARTMENT OF THE TREASURY, 2013; 2015a; 2015b).
Broz e Hawes (2006) indicam que dois grupos interferem diretamente na votação
do Congresso em relação à reforma: os bancos comerciais, atuando por meio de lobby, e
os trabalhadores altamente qualificados, os quais não fazem lobby diretamente, mas
entram no cálculo dos votos recebidos pelos congressistas. O peso desses grupos,
segundo os autores, é fundamental porque, ao incluir aumento das cotas na reforma do
FMI, os EUA estariam apoiando uma disponibilização maior de recursos para
empréstimos. Dessa forma,
Com o crescimento das economias emergentes, elas têm ganhado maior voz na
política econômica global. É importante que nós reconheçamos esse papel de
destaque nas instituições multilaterais como o FMI, e encorajemos seu
compromisso bem como mantenhamos nossa liderança e posição de veto. A
implementação das reformas de 2010 é crítica para reforçar a posição central
do FMI, sobretudo porque outros estão estabelecendo instituições financeiras
novas e paralelas. As reformas do FMI ajudarão a convencer as economias
emergentes a permanecerem ancoradas no sistema multilateral que os Estados
Unidos ajudaram a projetar e continuam liderando (U.S. DEPARTMENT OF
THE TREASURY, 2015a, p. 2, tradução nossa).
É crucial, ademais, que o Fundo mantenha-se legítimo perante aos seus membros,
pois a instituição pode impor políticas, reformas, intervenções e ajustes impopulares,
função que, caso coubesse aos EUA diretamente, traria maiores questionamentos sobre as
ações intervencionistas e unilaterais do país (KENEN, 2007). Em síntese, portanto, barrar
a reforma significaria custos tanto para a imagem dos EUA quanto para a consolidação
dos interesses nacionais que são alcançados por meio da atuação do Fundo.
4 Considerações Finais
A mesma forma de atuação pode ser vista no veto à proposta de reforma de 2010.
Os Estados Unidos, na figura de seu Congresso, vetaram a reforma, ancorados na ideia de
que esta minaria seu poder de influência no FMI. A princípio, o país considerava que a
redistribuição de cotas poderia minar seu privilégio de voto ao mesmo tempo em que
aumentaria seu comprometimento financeiro, favorecendo os países em
desenvolvimento. Porém, como a reforma ainda manteria sua porcentagem de cotas e
votos muito acima dos demais membros, garantindo a continuidade do poder de veto, e
ciente de que não aceitar a reforma diminuiria a legitimidade do Fundo em impor
políticas econômicas e reformas estruturais aos seus membros, abrindo espaço, inclusive,
para o fortalecimento de instituições alternativas nas quais não poderiam exercer sua
influência e garantir seus interesses, os Estados Unidos, finalmente concordaram em
aceitar a reforma, tornando-a efetiva ao começo de 2016.
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