Apostila Do Curso de Fisiologia 2012
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SENTIDO SOMÁTICO
MECARRECEPTORES DA PELE
A pele, protege o nosso corpo do ambiente externo funcionando como uma “capa” à prova
de água. A queratina é uma das principais proteínas impermeabilizantes da pele, contida na
camada de células mortas mais superficiais e evita a perda de líquido do nosso organismo. Além
disso, a pele funciona como se fosse um refrigerador dissipando o calor excessivo através das
glândulas sudoríparas, por meio da sudorese. As glândulas sebáceas produzem uma secreção
oleosa lubrificante o que diminui a taxa de evaporação e, ainda, evita o crescimento de bactérias e
fungos. A pele possui um tipo especial de células fagocitárias (macrófagos e neutrófilos) que
constituem a primeira fronteira de defesa contra invasores. Os melanócitos produzem pigmentos
que absorvem os raios UVs.
Finalmente, outra grande função da pele é a de funcionar como órgão sensorial
detectando os estímulos oriundos do meio ambiente externo (pressão, calor/frio e estímulos que
ameaçam ou causam lesões) e as interações físicas intermedeiam relações afetivas entre as
pessoas.
Possui 50 receptores por cm2 totalizando em torno de 5 milhões de células sensoriais
cutâneas! Há pele com pelos e sem (glaba, como na palma da mão, planta do pé e lábios). Na
pele há quatro principais tipos de receptores encapsulados que estão adaptados para receber
informações mecânicas (Corpúsculo de Meissner, Corpúsculos de Pacini, Discos de Merkel e
Corpúsculos de Ruffini) e são coletivamente referidos de receptores de baixo limiar (muito
sensíveis) aos estímulos mecânicos que incidem sobre a pele. Uma vez que a informação foi
decodificada nos receptores periféricos, a transmissão da informação para o sistema nervoso
central se dá rapidamente através de fibras mielinizadas.
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2) Corpúsculo de Meissner:
terminações encapsuladas.
Presentes apenas na pele
glabra, principalmente, nas
pontas dos dedos, lábios e
regiões de muita
sensibilidade. Adaptam-se rapidamente e são especializados na detecção de movimentos
de objetos sobre a pele.
4) Órgão terminal do pelo: que inerva a base do folículo piloso. Entra em atividade quando o
pelo é inclinado e assim, detecta o contato inicial com o objeto, bem como o seu
movimento sobre a pele.
5) Órgãos terminais de Ruffini: situados na parte mais profunda da pele, também estão
presentes nas regiões mais profundas do corpo (cápsulas articulares). Detectam forças de
pressão sustentadas sobre a pele.
6) Corpúsculos de Pacini: estão imediatamente abaixo da pele (e também nas fáscias). São
receptores de adaptação rápida às deformações teciduais, portanto, ótimos detectores de
vibração mecânica. Os corpúsculos de Pacini detectam vibração na faixa de 30 a 800 Hz,
enquanto os de Meissner (adaptam mais lentamente), na faixa de 2 a 8 Hz.
Transdução sensorial
respondem apenas quando o estimulo está sendo aplicado e removido e durante a sustentação do
estimulo, param de responder. Isto significa que a principal propriedade destes receptores é a de
detectar a presença/ausência de estímulos ignorando os que se tornam constantes (receptores de
adaptação rápida). Essa propriedade os qualifica como detectores precisos da freqüência com
que um estimulo mecânico é aplicado na pele.
Já os de Merkel
respondem melhor à taxa de
variação com que o estimulo
está sendo aplicado. Quando
a intensidade do estimulo
pára de variar, a freqüência
dos PA diminui, ou seja,
adaptam-se aos estímulos
constantes porém mais
lentamente. Os de Ruffini,
respondem tanto à aplicação
como à manutenção do
estimulo, quase sem
nenhuma alteração na freqüência dos PA. Estes receptores de adaptação mais lenta têm como
propriedade, a detecção da duração e intensidade dos estímulos mecânicos sobre a pele.
A faixa de freqüência que melhor estimula os corpúsculos de Pacini está entre 200 a
300Hz; os de Meissner, em trono de 50Hz. Quando a freqüência cai menos de 50 Hz, as
terminações de Ruffini e Meissner evocam sensações de adejo.
A pelagem de outros mamíferos forma uma camada de ar que serve como isolante térmico
e lhes garante a identificação dos estímulos mecânicos que nela incide como a força e o sentido do
vento. Nos seres humanos, os terminais nervosos dos folículos pilosos, apenas nos ajudam
detectar delicados estímulos mecânicos que defletem a sua inclinação. Se bem que a sensação de
um cafuné é bastante agradável...
Usamos a sensibilidade cutânea para examinar formas e texturas dos objetos, movendo a
pele sobre eles. Se um objeto for colocado na palma da sua mão sem que possa manipulá-lo, terá
dificuldade em dizer o que é, mas facilmente descobrirá as características tridimensionais, rigidez,
textura, etc. Além disso o sentido cinestésico (sentido de movimento ou proprioceptivo) também
participa da investigação sensorial, ao apertar o objeto com os dedos ou ao examinar o seu peso.
Em outras palavras, o sistema motor também gera estímulos próprios ajudando a examinar o
objeto.
RECEPTORES TÉRMICOS
Coloque uma mão num recipiente de água gelada e depois de certo tempo, ocorrerá
adaptação. Em seguida, coloque as duas mãos em um recipiente de água cuja temperatura seja
ambiente (25oc). Curiosamente, você sentirá calor na mão que estava na água gelada e frio na que
foi molhada pela primeira vez! Por quê?
Transdução sensorial
quadradas em vermelho) os
receptores de calor aumentam a
freqüência dos PA, até chegar aos
45oC. A partir daí, os receptores
térmicos não decodificam mais os
aumentos de intensidade, ao
contrario dos receptores de dor, que
ao contrário começam a disparar
significativamente, anunciando, uma
queimadura iminente (ou em curso).
Pare para pensar: que outras vantagens haveria em podermos detectar as variações térmicas
ambientais, levando-se em consideração o fato de sermos animais homeotérmicos?
Dor lenta (difusa e em queimação) mediada fibras aferentes primárias amielinicos do tipo
C de difícil localização e caracterização quanto a sua natureza e geralmente decorrente de
lesões teciduais (queimaduras, inflamações)
2) Tecidos profundos. Mediada por fibras do tipo C, igualmente difusas e lentas (câimbras
musculares)
Os nociceptores da dor rápida respondem com limiares elevados aos estímulos de pressão e
calor intenso. A sensação desaparece com a remoção do estímulo, sem efeitos residuais. A dor
lenta está sempre acompanhada lesão tecidual e persiste após a remoção do estímulo que o
causou. Geralmente é acompanhada de reações autonômicas e emocionais. Veremos que as
duas qualidades de dor possuem substratos neuroanatômicos distintos.
Hiperalgesia
Mas como a sensibilidade dos nociceptores pode ser modificada? Uma reação inflamatória
é um evento bastante complexo que tenta restaurar os danos da lesão e a hiperalgesia é apenas
um de seus mecanismos.
Como
resultado da lesão
tecidual a
membrana
citoplasmática é
rompida e
enzimas
proteolíticas
iniciam uma série
de reações, entre
elas, uma
fospolipase
degrada os
fosfolipídios de membrana produzindo ácido aracdônico. Este por sua vez, sofre ação de outras
enzimas e culmina com a produção de prostaglandinas (PG) e prostaciclinas. Estas substâncias
têm como função principal causar vasodilatação capilar em torno da região afetada, causando
rubor (eritema), calor e edema. Em se tratando de uma infecção, além de pirogênios exógenos,
as PG iniciam o mecanismo de produção de calor (ou seja, a febre que é mais um sinal do
processo inflamatório).
Estas substâncias também atuam nos terminais nociceptivos reduzindo o limiar de respostas
dos nociceptores, ou seja, tornando-os mais sensíveis aos estímulos sensoriais antes inócuos. Já a
bradicinina e a histamina também envolvidas no processo inflamatório estimulam diretamente os
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Substância P
+
Redução do pH (ou o aumento de [H ]
Aumento de temperatura
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Analgesia Periférica
Esse mecanismo atua logo na entrada das fibras nociceptivas: neurônios inibitórios locais seriam
ativados por fibras aferentes de outra submodalidade (mecanorreceptores táteis, tipo A). Assim,
quando pressionamos uma região dolorida, sentimos um certo alivio porque essas fibras
mecanoceptivas estimulam também os interneurônios inibitórios medulares dificultando a
neurotransmissão entre os neurônios aferentes primários e secundários.
Analgesia central
Mecanismo de ação das encefalinas nos neurônios nociceptivos e no neurônio de projeção da via.
Dor referida
Os órgãos viscerais recebem terminações nervosas
nociceptivas mediando a dor lenta que é mais difícil de se
localizar e o paciente se queixa, simultaneamente, de dores
cutâneas. Por exemplo, pessoas que sofrem de infarto do
miocárdio, referem-se a dores no peito e no braço esquerdo. A
dor cutânea é a dor referida já que a origem nociceptiva real
é do coração, causada pela hipóxia. Tal fato pode ser
explicado pela regra do dermátomo, ou seja, a área da pele na
qual a dor é sentida é também inervada pelo mesmo
segmento medular do órgão afetado.
Há duas explicações para o fenômeno: 1) a fibra
sensorial originada da víscera também estimularia a fibra de
origem cutânea; 2) a fibra aferente visceral facilitaria a
emissão de impulsos dos neurônios secundários que recebem
os impulsos cutâneos.
Seja qual for a explicação, todas as vezes que uma
dor cutânea não tem explicação, deve-se suspeitar de uma
patologia dos órgãos internos, correspondentes ao segmento. A figura mostra um mapa de dores
referidas que são evocadas simultaneamente pelas dores emanadas de órgãos viscerais.
Enquanto às dores viscerais são freqüentemente acompanhadas de sintomas de náusea e outras
manifestações autonômicas e afetivas, as estimulações cutâneas primárias não o são.
Dores musculares
movimentos. Entretanto, tão logo, o suprimento sanguíneo se torna deficiente (hipóxia) iniciam-se
as dores, causadas pelo acúmulo de uma substância denominada, fator P (possivelmente, K+).
PROPRIOCEPTORES
A propriocepção é uma modalidade sensorial
resultante da estimulação de mecanorreceptores
situados nos músculos esqueléticos (fusos
musculares), tendões (órgãos tendinosos de Golgi),
articulações, aponeuroses e tecido conjuntivo mais
profundo. Segundo Sherrington o sentido
proprioceptivo é o “nosso sentido secreto, nosso sexto
sentido”. De fato, o principal contingente de
informações proprioceptivas é projetado no cerebelo
que opera em nível inconsciente. O neurologista
contemporâneo Sacks, conceitua a propriocepção
como “o continuo, mas inconsciente fluxo sensorial
das partes moveis do corpo (músculos, tendões e
articulações) por meio do qual a posição e tônus destas são continuamente monitorados e
ajustados, porem de um modo que se mantém oculto de nós por ser automático e inconsciente”.
VIAS SOMESTÉSICAS
Vias aferentes
Os impulsos aferentes somestésicos originados
nos receptores do corpo (pescoço para baixo) são
conduzidos pelas fibras aferentes primárias da via
sensorial, cujos neurônios estão localizados nos gânglios
da raiz dorsal e penetram a medula pelas raízes dorsais.
Os que são originados na cabeça são conduzidos
principalmente pelo V par (trigêmeo) de nervo craniano.
Como as fibras sensoriais primárias (ou
periféricas) possuem diferentes diâmetros e variam se
são ou não mielinizadas, a velocidade com que
conduzem os impulsos nervosos também varia,
conforme a submodalidade sensorial. A sensibilidade
nociceptiva é veiculada lentamente pelas fibras finas e
1
Leia “Com uma perna só” de Oliver Sacks (2003)
“ O homem que confundiu a sua mulher com um chapéu” , cap. Do mesmo autor (2002).
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sem mielina do tipo C (grupo IV). Já a sensibilidade proprioceptiva é veiculada rapidamente por
meio de fibras calibrosas e mielinizadas do tipo A (grupo I).
A organização segmentada do nosso corpo possui correspondentes nos segmentos da
medula que são divididos em 4 grupos: cervical (1-8); torácica (1-12); lombar (1-5) e sacral (1-5).
Denominamos dermátomo a região da pele que é inervada pelas raízes dorsais de um
determinado segmento da medula; assim como acontece com o miótomo e esclerótomo.
A reativação do vírus da varicela (catapora) causa o herpes zoster que fica hospedado nos
gânglios sensitivos. Quando se torna ativo, causa um aumento de sensibilidade e o paciente
apresenta uma dor agonizante no dermátomo correspondente. Por vezes manifesta sensação de
apunhalada e torna-se sensível a qualquer estimulo, não suportando o próprio vestuário. A pele
torna-se inflamada e escamosa.
São duas as principais vias sensoriais somestésicas: sistema da coluna dorsal e coluna
ântero-lateral. Ambas têm a sua principal projeção no lado oposto do córtex sensorial primário,
portanto, a percepção consciente sobre a metade do corpo é interpretada pelo lado oposto do
cérebro. As duas vias diferem quanto ao nível em que cruzam o plano mediano e o trajeto de suas
fibras. Dada a importância clinica destas informações, vamos analisá-las com detalhe.
Ao se aproximarem da medula, as fibras sensoriais separam-se em vários grupos de
acordo com suas funções especificas, ocupando posições ordenadas dentro da raiz dorsal. A
porção mais interna é ocupada por fibras mais
calibrosas (proprioceptivas); a porção média por
fibras que medeiam o tato fino e a dor rápida
enquanto as mais externas, relacionadas à
sensibilidade térmica e à dor lenta.
Na zona em que as raízes penetram a
medula, as diversas fibras emitem colaterais que
realizam sinapses com neurônios próprios da
medula. Conforme a modalidade, algumas fibras
filiam-se a feixes ascendentes, cada uma
posicionada de maneira ordenada.
Identificamos dois grupos de feixes de
fibras ascendentes na medula: o grupo da coluna
dorsal e o da coluna ântero-lateral. Em ambos
os casos, a projeção final para o córtex sensorial
somestésico é no lado oposto. Portanto, apesar do
trajeto de ambos os grupos diferirem a
sensibilidade geral da metade do corpo é
representada no córtex somestésico oposto.
membros e do tronco do lado oposto, sendo que esta via medeia a sensação de dor rápida e
bem localizada (somatotopia).
Com a exceção do território inervado pelos primeiros pares de nervos espinhais cervicais,
a sensibilidade somática geral da cabeça é mediada pelos nervos craniais V, VII, IX e X, sendo o
mais importante o V par (trigêmeo) que penetra pela ponte. Seu território de inervação
corresponde à face, à boca, aos 2/3 da língua e à dura-máter que recobre o cérebro. As demais
sensações como as da pele em torno da orelha, superfície nasal e faringe são supridas pelos
nervos cranianos mencionados.
As fibras aferentes do trigêmeo que medeiam o tato epicrítico e propriocepção possuem os
corpos neuronais nos gânglios sensitivos dos nervos e tem projeção no núcleo principal do
trigêmeo no tronco encefálico e projetam-se para o tálamo contralateral nos núcleos VPL. Já as
fibras que medeiam o tato grosseiro, dor e temperatura projetam-se para o núcleo espinhal do
trigêmeo e também projetam-se para o talamo contralateral.
O CÓRTEX SOMESTÉSICO
Assim, perceber não é o mesmo que sentir ou ter uma sensação. A percepção depende
dos sentidos, mas é mais do que isso: é um processo onde ocorre uma experiência mental que
envolve memória, cognição e comportamento. A percepção somestésica se refere ao
conhecimento (gnosis) que temos sobre o objeto tocado. Assim uma pessoa é capaz de sentir dor
ou pressão do objeto, mas pode ser incapaz de não reconhecê-lo devido a déficits neurológicos
nas áreas associativas somestésicas. A via sensorial até o córtex primário constitui a primeira
etapa da percepção, ou seja, a fase de análise. Para criarmos um conceito global é necessária
uma área sintética que seja capaz de reunir as partes e unificá-la e é identificada como córtex
associativo.
As informações originadas na pele, nos proprioceptores e tecidos profundos e que são
processadas em detalhes são transferidas para uma outra área do córtex onde as submodalidades
somestésicas são integradas (somadas e ampliadas). Quando sentimos o movimento dos objetos
sobre a pele, reconhecemos suas a textura, peso e a forma. Tal nível de percepção ocorre nas
subáreas 1 e 2 e nos proporciona a estereognosia. Há, portanto etapas progressivas no
processamento das informações somestésicas: primeiro as submodalidades somestésicas são
analisadas pontualmente de cada região do corpo (3a e 3b); posteriormente os diferentes aspectos
sobre o objeto são finalmente combinadas proporcionando uma percepção mais completa sobre o
objeto (1 e 2). Neste processo, os campos receptivos vão se tornando cada vez maiores: dos
dedos individuais para um conjunto de dedos e finalmente a mão inteira. As áreas 1 e 2 também
estão ativas durante a execução dos movimentos da mão que examina ativamente o objeto.
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inervada, inclusive daquela perdida, atividades sensoriais espontâneas nestas vias evocam as
sensações dos membros ausentes. A esta percepção sensorial consciente do membro ausente é
denominado “fantasma”. Após um certo tempo, as vias que normalmente ocupavam a área que
representam am mãos passam a ser ocupadas pelas áreas vizinhas como as que representam a
face (veja novamente o homúnculo). Quando estimulamos tactilmente a face desses pacientes
amputados eles relatam sensações fantasmas como se fossem evocados das mãos.