1 4997123770914177822
1 4997123770914177822
1 4997123770914177822
A Ilha Elementar
Uma história dos Soldados Elementares
CRÔNICAS DE ONYX
Livro 2.5
Elton Moraes
1ª Edição
2014
Diagramação e capa
Elton Moraes
Imagem da capa
Dmytro Vietrov – sob licença do site Shutterstock
Nota do Autor
O autor
Prólogo
Nascimento
Um
Coração de Fogo
Você sabe o que fazer. Sheldon sabia muito bem. Não precisa ser lembrado.
Mas era impossível evitá-lo. Se pudesse, já o teria feito.
Voltou a correr, suspirando. Estava atrasado. O treino já devia ter
começado e ele perdera totalmente a noção do tempo enquanto trabalhava no
condado que seria seu. Sua maior conquista até então. Revirou os olhos.
Sabia que podia conseguir muito mais do que aquilo se seu pai, Elyanor,
permitisse sua partida para descobrir o mundo. Mas não, não podia, devia
permanecer ali, na Ilha Elementar, onde aprenderia a manipular seus poderes
com “sabedoria”. O que já estava se tornando um fardo para ele.
Cansado, entrou no Templo dos Mundos, sua casa, seguindo para o
primeiro salão à direita. Lá, encontrou seu pai e seus irmãos, todos sentados
sobre as pernas e meditando. Respirou fundo e se sentou um pouco afastado,
não gostava de ter de participar de seções com eles.
– Está atrasado. – Meu pai sempre tão carinhoso, pensou com ironia.
– Desculpe, eu...
– Não se desculpe, apenas seja mais responsável.
Sheldon franziu o cenho. Cerrou os punhos, porém manteve-se calado.
Às vezes – sempre, na verdade – aquele tipo de atitude por seu pai o
incomodava e o deixava extremamente furioso. Não porque era o Primeiro
Homem que deveria tratar a ele e seus irmãos como objetos que poderia
manipular a seu bel-prazer.
Fitou Sheron, Dylan e Poliana a sua frente. Estavam todos
compenetrados. Uma poderosa aura emanava de cada um deles. Estavam
sintonizados a seus elementos primordiais. Fechou os olhos e fez o mesmo.
Procurou por seu corpo a fonte de seu poder: o coração. Ao tocá-lo
mentalmente, as batidas aceleraram, bombeando calor para suas veias. Podia
sentir a energia crescendo dentro e envolta dele. Era uma sensação única e
maravilhosa. Nada poderia impedi-lo naquele estado, pensou subitamente.
Sua habilidade estava tão intrínseca e desenvolvida, após anos de treino, que
– Pedirei para sua mãe nos conceder uma estimativa de quanto tempo
ainda falta para os novos habitantes chegarem.
Sheldon apenas assentiu.
– Você está dispensado, filho – disse Elyanor, dando algumas
palmadinhas em seus ombros. Mas antes que partisse, ouviu-o falar: – Não
esqueça que a vida é uma incógnita não resolvida.
O rapaz deu um sorriso amarelo e saiu do Templo. Poderia ficar ali e ir
para seu quarto, no entanto, tinha algo em mente. Não poderia perder tempo.
E tempo era a coisa que ele menos tinha naquele momento.
Dois
Sentimentos de Água
mãe.
– Vou falar com ele. Preciso saber o que está acontecendo.
A mulher assentiu.
– Está certo. Você é a única que poderá fazer alguma coisa, caso Sheldon
esteja perdendo aquilo que nos mais é sagrado.
Sheron consentiu e saiu de seu quarto. Procurou por Sheldon no Templo
dos Mundos, mas não o encontrou. Talvez estivesse no Condado do Fogo,
concluindo suas metas. Suspirou. Até lá seria uma grande caminhada.
Assim que pôs os pés fora do templo, encontrou-se com Dylan. Ele a
fitou por um momento e baixou a cabeça, seguindo para o hall de entrada.
– Dylan? – chamou.
Seu irmão se virou. Parecia com medo.
– Aconteceu alguma coisa?
– Nada demais. Só acho que encontrei um problema no Condado da
Terra. Falarei com mamãe.
– Ah, sim. Tudo bem então. Qualquer coisa, por favor, me avise.
Ele assentiu e saiu apressado. Isso não me está parecendo boa coisa.
Suspirou resignada e também partiu. Precisava encontrar Sheldon.
Ah, Sheldon...
Impediu que o pensamento prosseguisse. Não podia pensar nele de
qualquer outra forma senão como irmão. Mas era tão difícil!
Seguindo seus instintos, adentrou na mata e seguiu para o Condado do
Fogo, no lado norte da ilha. Ao chegar lá, viu o quanto ele trabalhara para
deixá-lo impecável. Quase tudo estava pronto.
Olhou em volta e o encontrou. Porém, no mesmo instante, apavorou-se
com o que viu. Sheldon estava sentado, no meio de um círculo de pedras, que
se consumia em chamas. Seus olhos estavam abertos, mas não pareciam
enxergar alguma coisa. Um fogo dançava em suas íris. O cabelo avermelhado
parecia lançar faíscas no ar. O que ele está fazendo?
Com o pensamento em mente, aproximou-se. Chamou-o, mas não obteve
resposta. Estava com medo do que poderia estar acontecendo. Então uma voz
rouca ecoou dos lábios dele:
– Não se aproxime.
Sheron parou instantaneamente. Estava há cerca de dez passos. O calor a
cercava com intensidade. Podia ver a aura dele expandida de uma forma que
não achou ser capaz. Desde quando ele se tornou tão forte?
ACHERON - NACIONAIS - APOLLYMI
PERIGOSAS
Três
Mente de Terra
Seus passos rápidos o levaram ao único lugar em que poderia depositar sua
total confiança – e seu temor. Dylan se sentia como se o peso do céu
houvesse caído – ou melhor, desabado – sobre sua cabeça. Por que estava
assim? Era algo que gostaria de descobrir.
Ao adentrar no recinto em que sua mãe estava, imediatamente, ela o fitou
nos olhos, já prevendo que algo de ruim estava lhe atormentando.
– O que houve meu filho? – inquiriu, aproximando-se.
Ele a abraçou apertado, como se sua vida dependesse daquilo.
– Eu não sei. Alguma coisa de ruim está acontecendo.
– Como pode? Há tempos nos preparamos para o que virá.
– Não é por causa dos estrangeiros. Algo desconhecido… está tomando a
ilha.
Jeíne o olhou, preocupada. Puxou o filho e se sentaram à mesa esculpida
rusticamente em carvalho.
– De quê exatamente você está falando?
– Posso sentir na terra, mãe. Árvores, flores, tudo está demorando a se
desenvolver. O solo está se tornando infértil. Como se o poder da Espada já
não fizesse mais efeito. Como se cada partícula desintegrasse-se lenta e
gradativamente, consumida por um efeito invisível. E eu posso sentir em
mim!
Ela levou a mão ao queixo.
– O que sua mente diz?
Dylan parou por um momento, raciocinando. Sabia que seu elemento, a
terra, originara a capacidade de raciocínio e desenvolvera a sabedoria nos
humanos e animais, porém, naquele momento, via-se um tanto perdido. Um
ignorante.
– Talvez a gente deva fugir? – opinou.
– E por que faríamos isso?
– Para nos preservarmos!
maior do que já é.
Sem falar mais nada, Dylan assentiu e se retirou. Passou pelo hall de
entrada do templo e foi para a clareira que o envolvia. Recostado a uma
árvore, com a calda enrolando-a, estava Shait, uma enorme cobra de duas
cabeças. Aproximou-se sem medo. Assim que o avistou, o animal se
contorceu e o alcançou. Ele tocou suas cabeças, acariciando a pele escamosa
de tom azul-esverdeado, fitando as fendas negras cortando o amarelo dos
olhos que o perscrutavam. Deixou as pálpebras caírem, abrindo sua mente, e
absorveu os pensamentos do réptil.
– Como você sabe de tudo isso? – indagou, mas não recebeu uma
resposta verbal.
Boquiaberto, piscou, tentando entender tudo o que a cobra lhe concedera
em conhecimento. Não fora muita coisa, entretanto sabia que aquilo seria
mais do que suficiente quando o momento certo chegasse.
Quatro
Espírito de Ar
abaixo.
Assim que chegou ao lado leste da ilha, na praia do Condado da Água,
encontrou-se com Dylan, Sheron e Sheldon. Estavam todos curiosos com o
que se aproximava rapidamente.
– O que é aquilo? – indagou, pondo-se ao lado do elementar da terra.
– É um barco – respondeu ele.
– Um o quê? – Sheldon arqueou uma sobrancelha.
– Um barco. É a forma como os humanos do além-mar encontraram para
navegarem pelas águas sem sofrerem grandes consequências.
Sheron o cutucou.
– E como você sabe disso?
O rapaz corou. Poliana revirou os olhos. Ainda assim, estava tão curiosa
quanto a elementar da água.
– Shait me contou – respondeu Dylan.
Todos assentiram. Sabiam dos poderes ocultos que a cobra de pescoço
bifurcado escondia. Ela era um animal sagrado, que surgiu logo após o
nascimento do Primeiro Homem e da Primeira Mulher, concedendo-lhes
sabedoria a respeito do mundo juntamente dos pecados que os acometeriam.
– Devemos nos preocupar? – inquiriu Poliana.
– Espero que não – retrucou o elementar do fogo.
– Eles são os estrangeiros, os novos moradores da ilha, querem apenas
abrigo – concluiu Sheron. – Não deverão nos fazer mal.
Os outros três concordaram. Mas se tocarem um dedo em um fio de
cabelo meu, faço questão de extrair o sopro que lhes concede vida – pensou a
elementar do ar, nada animada.
E então ficaram ali, aguardando por seus novos companheiros de ilha.
Estavam tensos, principalmente Poliana, mas aquele era um dos dias mais
esperados por eles. Só não imaginavam que era a partir daquele momento que
o mundo no qual viviam começaria seu lento processo de intensa
modificação. Era naquele dia que os verdadeiros pecados estariam se
libertando de suas amarras.
Cinco
Estrada em Chamas
5 anos depois
Assim que ouviram os gritos de Jeíne, correram para dentro do Templo dos
Mundos. Não sabiam quanto tempo mais aquilo duraria, mas esperavam que
fosse breve, já não suportavam mais ouvi-la em desespero. Principalmente
Sheldon. A raiva apenas crescia em seu âmago. Não queria ficar ali, mas fora
forçado por Elyanor.
Revirou os olhos ao ouvir o grito que indicara o final daquela tortura.
Finalmente! – não resistiu ao pensamento.
Volveu para Sheron, que corria para o quarto da mãe. Ergueu-se
vagarosamente do banco em que estava e se aproximou da porta, espiando o
que estava acontecendo. A elementar da água beijou a testa da mãe,
proferindo que ficaria tudo bem. A mulher, em seu leito, tinha nos braços um
bebê, uma pequena criança que parecia mais pálida do que ele considerava
normal.
– Cuide-os para mim, minha filha – disse Jeíne.
– Você ficará bem, mãe. Apenas se acalme, vou dar um jeito nisso.
A mulher segurou seu braço quando estava prestes a abrir um cantil de
água. Como já a vira fazer tantas vezes, aquela era a forma de ela curar algum
enfermo ou uma pessoa que se machucara. De todas as quatro gestações
anteriores, fora Sheron quem ajudara a mãe se recuperar após o parto,
utilizando de seu poder curativo. Mas por que agora ela não quer ser
ajudada?
– Mãe, você precisa deixar eu… – começou Sheron.
Jeíne balançou a cabeça, interrompendo-a.
Sheldon desviou de duas parteiras que saíram do quarto, levando panos
empapados em sangue e uma vasilha de água morna. Voltou-se para o que
estava acontecendo lá dentro e perdeu a cor do rosto.
– Esse é meu destino, querida – dizia a Primeira Mulher. – Entenda que
todos nós desempenhamos ou desempenharemos algum papel no mundo. Eu
já fiz minha parte, agora está na hora de eu partir.
Seis
Amor Líquido
Sete
Mar de Areia
Dylan assistia àquele episódio com angústia. Sheron parecia lutar com algum
ser que a estivesse impedindo de sobreviver, mas era totalmente o contrário.
– Mantenha-se concentrada – instruía Elyanor, fitando a batalha de
elementos que surgia em alto-mar.
Volveu para Poliana, que mantinha os braços esticados à frente, os olhos
tornando-se brancos à medida que seu poder a tomava por completo.
Sussurrava palavras que não compreendia, porém, sabia se tratar de um
idioma mais antigo do que a própria terra pela qual caminhavam. Era o
idioma dos deuses. Onde ela aprendeu a falar dessa maneira? Decidiu deixar
a ideia de lado e se voltou para o mar, onde um funil de ar tentava retirar
Sheron daquele lugar.
Quando sentira falta da irmã, decidiu procurá-la. Precisava de sua
companhia, mesmo que em silêncio, no entanto, não a encontrara em lugar
algum. Foi quando decidiu utilizar sua habilidade terrestre. Ela não estava
próxima dele, no entanto, o caminho que usara estava marcado e brilhava em
sua mente. Ao encontrá-la mergulhando no mar, percebeu que não poderia
tirá-la de lá sozinho. Correu de encontro a Elyanor, contando-lhe o que havia
acontecido e, este, por sua vez, pediu ajuda a Poliana, que não pareceu muito
feliz. No fim aceitou ajudar.
E agora ali estavam, mais batalhando do que se ajudando. Sheron
resistia, usando o funil de água formado pelo vento como forma de se
defender. Ele não conseguia ver, mas era provável que os olhos dela
estivessem tão absortos quanto os da elementar do ar.
– Eu não sei quanto tempo mais resistirei – sussurrou Poliana. Gotas de
suor pipocavam seu rosto.
– Concentre-se – falou seu pai, pondo a mão em suas costas.
Dylan percebeu que a aura do homem estava se expandindo, como forma
de aumentar a de sua irmã. Sabia que ele possuía algo bem maior que
sabedoria, tinha a capacidade de compreender e analisar o que seria bom e
ruim. Além de possuir o poder de controlar a intensidade com que suas auras
se manifestavam. Então por que ele não conseguiu controlar a de Sheldon,
quando quase nos carbonizou?
– Sheron está se unindo à água como nunca fez antes – continuou
Elyanor. – Acha que alguém está tentando matá-la, quando na verdade
estamos tentando salvá-la.
– Então por que simplesmente não a deixamos livre? – indagou Poliana.
– O poder dela é muito instável, assim como o fogo de Sheldon. Se não a
pararmos, as consequências serão grandes.
– Que tipo de consequências? – quis saber Dylan.
– A nossa morte – concluiu seu pai.
O elementar da terra engoliu em seco. Queria fazer alguma coisa, porém
seu elemento não poderia ajudar muito naquele momento. Exceto se...
– Pai, eu preciso de um apoio – pediu.
Elyanor o fitou curioso.
– O que pretende fazer?
– Tenho uma ideia, mas acho que não sou capaz de realizá-la sozinho.
O homem o olhou por um momento, voltando-se em seguida para
Poliana, que mantinha o ar em constante movimento.
– Não posso apoiar os dois ao mesmo tempo.
Mordeu o lábio inferior. Não poderia deixar que Sheron se
descontrolasse daquela maneira. Sem mais delongas, puxou o capuz de sua
manta escura para trás, abaixou-se e tocou o chão de areia. Instantaneamente
sentiu várias pessoas se aproximando da praia, curiosos com que estava
acontecendo no mar e no céu. Sentiu os animais terrestres que corriam pelas
matas e os pequeninos que se escondiam sob a terra. Conseguia tocar cada
planta, cada árvore, cada grão de areia com sua mente. Pela primeira vez ele
estava tão ligado à ilha que se sentia parte integral dela.
Fechou os olhos, respirando profundamente. O poder correndo em suas
veias como o sangue. Seus dedos se enterraram e seus olhos se abriram,
vidrados, a cor castanha tomando sua pupila lentamente, como raízes
crescendo na direção do centro do mundo. No momento seguinte a areia sob
suas mãos se retorceu, cercando por inteiro seu antebraço como uma luva.
Ergueu-se lentamente.
Vislumbrou a força do mar, que ia e vinha com intensidade, controlados
pela vontade de Sheron.
ACHERON - NACIONAIS - APOLLYMI
PERIGOSAS
Sheron. Não podia esquecer que o que estava fazendo era por ela. Não se
deixaria descontrolar, mesmo com o emocional destruído pela recente morte
de sua mãe. Era o elementar da razão, e devia usá-la para se manter nos eixos,
sensato.
Tendo em mente tudo isso, ergueu as mãos sobre a cabeça em um gesto
abrupto. O solo arenoso sob a água salgada se moveu e jorrou para o alto. Um
mar de areia se uniu a água, transformando-se em lama – a junção inicial que
compôs os corpos. Ainda concentrado, fez a terra se espalhar pela água,
tornando-a pesada. Com um movimento de mão, à sua vontade, a areia
envolveu as pernas de Sheron e a lançaram para frente. O turbilhão de água
tentou impedi-lo, mas nutriu seu poder com o da ilha, tornando-o mais forte
naquele momento. A elementar da água foi arrastada e, por fim, lançada no
ar.
– Poliana! – ouviu Elyanor exclamar.
O ar em volta de Sheron parou de se movimentar por um momento, e
então desmaiou. Em seguida o vento assoviou, envolvendo-a em uma manta
invisível, levando-a até a praia.
Dylan baixou as mãos, fazendo a areia se dissolver junto da água do mar,
que se acalmava gradativamente. A terra em seus braços se desprendeu,
escorrendo de volta ao chão. Levou uma das mãos à cabeça e cambaleou,
quase perdendo os sentidos. Nunca usara tanto de seu poder. Entretanto, fora
uma das sensações mais sublimes que poderia experimentar.
Volveu para Poliana, que estava sentada, respirando profundamente.
Parecia cansada, mas estava bem. Ela usara uma quantia quase absurda de sua
habilidade, algo que também não estava acostumada.
Elyanor, mais a frente, tocava a testa de Sheron, tentando compreender o
que a levara àquele ponto extremo.
– Como ela está? – inquiriu o elementar da terra.
– Ficará bem – respondeu o pai. – Agora ela precisa de repouso.
– E nós também – replicou Poliana.
O homem assentiu. Tomou Sheron no colo e abriu caminho entre os
curiosos que se faziam presentes, embasbacados.
– Poliana?
Dylan ergueu os olhos, avistando Sheldon se aproximar da moça. Por
onde ele esteve?
– Podemos conversar?
ACHERON - NACIONAIS - APOLLYMI
PERIGOSAS
Oito
Vento Sombrio
Exausta após ter batalhado com Sheron – o que não a deixava triste, porém
ainda mais animada –, seguia com Sheldon pela praia do lado norte da ilha,
no Condado do Fogo.
Seus pensamentos corriam em tantas direções que nem mesmo ela sabia
quais seguir. Apesar do êxtase que seus poderes lhe proporcionaram naquela
tarde, o espirito dançando em seu corpo, ela estava deprimida pela morte de
Jeíne. Ao mesmo tempo em que estava com raiva da elementar da água por
não salvá-la. Se ela tem o dom de curar, por que não usá-lo?
– No que está pensando, Poliana? – Sheldon perguntou.
Suspirou.
– São tantas coisas! Mamãe, Sheron, meus poderes... Minha cabeça está
confusa.
Ele concordou.
– Mas pense, você é a elementar do ar, deveria saber como manter a
mente em estado são.
– Meu elemento purifica a alma, não minha cabeça.
– Hm, verdade.
– Às vezes penso que posso ser tão inconstante quanto Sheron, o que me
irrita.
– E por que você acha isso?
– Veja bem, em qualquer momento o ar pode mudar de direção, tornar-se
fraco ou forte. É ele que nos mantém vivos, mas sua falta pode nos matar. Ele
é inconstante, como a água, e até como o fogo, e isso acaba me afetando.
Sheldon parou, sentando-se na areia fofa, olhando o mar.
– Sabe, o fogo só se torna perigoso quando eu quero, pelo menos para
mim.
– Não foi o que vimos certa vez.
Ele sorriu, o que o deixou mais bonito. Droga!
– Ah, sim, verdade. Mas eu, assim como você e os outros, estava
treinando, não sabia lidar com minhas habilidades. Mas agora é diferente.
Você mesmo pôde sentir hoje.
Ela assentiu. Aquilo era verdade.
– Somos adultos, Poliana, temos controle sobre aquilo que nos forma.
Somos os próprios elementos da Natureza. Independente do que Elyanor
possa dizer, já somos Soldados. E a cada dia, quanto mais usarmos nossas
habilidades, mais fortes ficaremos. Imagine as possibilidades que teríamos se
saíssemos desta ilha!
Desta prisão – completou mentalmente.
– Aonde quer chegar?
– Quero conhecer outras terras, desbravar os mares. E quero que você vá
comigo.
Ela arqueou uma sobrancelha.
– Por que eu? Que eu saiba você e Sheron são mais unidos do que nós
dois.
– Isso é verdade, eu concordo. Mas nossos ideais são totalmente
contrários. Ela não quer poder, sente-se confortável onde está. Ela não almeja
governar, prefere ser governada.
– Mas também não sinto a necessidade de liderar qualquer lugar, apenas
quero voar como um pássaro, sentir a mesma liberdade.
– E isso já é mais que suficiente para tê-la como minha companheira.
Deixou a ideia atravessar todos os outros pensamentos, tomando toda sua
mente. Não seria uma má ideia, no fim das contas.
– E então, o que você me diz? – pressionou o elementar.
– Eu não sei ainda. Acho que é muito cedo para uma resposta concreta.
– Você precisa me dizer, Poliana, o quanto antes! A ínsula já não é mais
a mesma. Algo de errado está nos cercando e precisamos sobreviver.
– Você quis dizer fugir, certo?
Balança a cabeça, negando.
– Como poderemos viver e governar se estivermos mortos?
– Como assim mortos? – espantou-se.
– Tive uma visão do que acontecerá.
Ela semicerrou os olhos, analisando-o.
– E desde quando você tem premonições?
Será possível ele ter herdado o poder de nossa mãe?
– Não foi uma premonição. Um espírito veio até mim.
ACHERON - NACIONAIS - APOLLYMI
PERIGOSAS
– Que espírito?
– Não sei seu nome, mas me prometeu coisas que aqui eu não alcançaria.
Além do mais, avisou-me que precisava de uma coisa emprestada. Algo que
nos deu a vida.
– Que coisa, Sheldon?
– A Espada Elemental.
Poliana ergueu-se em um salto. Se sua mente já estava bagunçada antes,
agora girava igual o tornado que criara para salvar Sheron. Será que ele está
ficando louco?
– Sheldon, você sabe o que acontecerá se tirar a Espada de seu pedestal.
– Escute-me – disse, levantando –, o espírito não a quer para sempre, é
apenas para salvar alguém… ou algo.
– Você sequer sabe do que se trata, não é mesmo? Como poderia ajudar
alguém assim?
– O mundo não morrerá em questão de horas, tempo mais que suficiente
para os planos dele. Sofreremos com algumas mudanças no clima, mas nada
que nos mate. Entretanto não posso dizer o mesmo da ilha.
Ela o fitou cética.
– Você está sacrificando seu lar para alcançar aquilo que deseja?
– É o preço a se pagar.
– Só pode estar louco!
Ele riu, o que lhe pareceu um tanto mau.
– Ora, Poliana, não era você que estava até pouco querendo escapar
daqui?
– Sim, mas...
– Então não ouse me chamar de louco.
– Posso até sair da ilha, mas não destruirei meu lar para fazer o que
quero.
Sheldon balançou a cabeça, cabisbaixo, mas sorridente.
– Quem sabe você ainda mude de ideia, não é mesmo? – Começou a se
afastar. – Bem, nos vemos por aí – e seguiu para o Condado.
Poliana caminhou lentamente, seguindo para o Templo dos Mundos. A
ideia de se ver livre não a deixara. Estava muito curiosa para o que poderia
existir lá fora. Todavia, não pensava que isso valeria o sacrifício da ínsula.
Suspirando, ponderou sobre o vento sombrio que ouvira no dia em que a
primeira embarcação chegara. Nunca contara a ninguém, mas a mensagem
ACHERON - NACIONAIS - APOLLYMI
PERIGOSAS
Nove
Faísca da Destruição
A última coisa que ele queria era conversar com alguém, no entanto, ao
encontrar os irmãos Cahin e Nahin, donos da primeira embarcação a chegar
em Elementar, não resistiu ao impulso.
– Cahim, Nahim? – chamou-os.
Os irmãos, que estavam enrolando cordas para levá-las até o navio,
voltaram-se para ele, sorrindo.
– Olá, Sheldon, como está? – cumprimentou Cahim.
– Muito bem, obrigado.
– Há um bom tempo não nos víamos – comentou Nahim –, aconteceu
alguma coisa?
O elementar negou.
– Gostaria apenas de saber algumas coisas sobre as viagens de vocês.
Os irmãos se entreolharam, interessados.
– Ah, fique a vontade para perguntar – falou Cahim, seus olhos verdes
brilhando.
Sheldon sorriu e sentou-se em um banco deixado de lado, perto dos dois
viajantes.
– Gostaria que me contassem como é lá fora, em outras terras, já que
vieram de lá. Como chegaram até nós?
– Nós crescemos em uma família de pescadores. Desde cedo começamos
a criar formas de chegar mais perto de peixes, sabe – começou Nahim. –
Construímos pequenas embarcações no começo, e quando adultos, nosso
primeiro barco de verdade, o Luar.
– Depois disso fomos desbravar os mares – continuou Cahim, animado. –
Conhecemos muitas famílias por onde passávamos. Fizemos trocas e mais
trocas, não juntamos riquezas materiais, mas riquezas de vida, experiências
que jamais nos poderão ser tiradas.
– Em uma dessas nossas viagens, acabamos encontrando a ilha. Não nos
ACHERON - NACIONAIS - APOLLYMI
PERIGOSAS
aproximamos, mas algo dizia que aqui poderíamos ter uma vida muito
melhor, como se a aura deste lugar nos chamasse.
– Então retornamos para casa, pegamos nossa família, amigos, e
partimos para Elementar. Quando chegamos aqui e fomos bem recebidos por
você e seus irmãos, percebemos que realmente aqui era o lugar certo a se
viver. Aqui é um paraíso!
Sheldon sorriu com a menção paradisíaca de Cahim. Um paraíso que
está sendo corroído.
– Sei que vocês viajam constantemente, tanto para trazer novos
mantimentos e criações humanas, quanto para regar nossa ilha de pessoas que
buscam uma vida melhor. E gostaria de saber quando pretendem fazer uma
nova viagem.
– Pretendemos sair em dois dias – respondeu Nahim. – Vamos às terras
do outro lado, como chamamos – sorriu. – Ficamos sabendo que o comércio
de lá é intenso.
Assentiu.
– Ótimo! Então abram mais um espaço, pois irei com vocês.
Os irmãos arquearam as sobrancelhas ao mesmo tempo, surpresos.
– Você está aqui há centenas de anos. Tem certeza que quer isso? –
inquiriu Cahim.
– Tenho mais do que certeza. Será bom para mim, e para vocês também.
– Subjetivamente, seu tom de voz demonstrava aviso.
Eles anuíram.
– Bem, então no dia que partirmos lhe avisaremos – concluiu Nahim.
– Obrigado!
Com isso, Sheldon se pôs de pé e seguiu para sua casa no Condado do
Fogo. Assim que entrou começou a rir. Seu plano estava indo perfeitamente.
Só precisaria fazer mais uma coisa: fazer com que Poliana o seguisse.
Dez
Parede de Gelo
Sua mente estava mergulhada em escuridão. Mas a sensação não era ruim,
pelo contrário, era reconfortante. Não havia pensamentos, não havia
emoções. Nada. O vazio transbordava como um copo cheio de água.
– Sheron...
Uma voz a chamou, tentando trazê-la de volta. Porém, não queria sair
daquela tranquilidade.
– Sheron, acorde...
Não – foi o único pensamento a surgir.
Gradativamente, sentiu-se como se estivesse boiando em águas calmas,
sendo levada pela fraca correnteza. Não queria sair dali, contudo, em seu
âmago, sabia que deveria. Antes de enfrentar a realidade, no entanto, usou a
água que lhe cercava, cobrindo-se de gelo. Não seria seu próprio eu a sair,
mas alguém mais sensata e pronta para enfrentar o que fosse. Sua mente
gritava, mas a parede de gelo a calou.
Assim que abriu os olhos, acostumando-se aos poucos com a luz do
entardecer, sentiu seu coração se contrair no peito. A mente trabalhava
afinco, mantendo-a lúcida e sensata.
– Tudo bem? – Era Dylan quem perguntava.
Olhou em seus olhos, assentindo.
– Querida, o que houve?
Voltou-se para o dono da segunda voz, encontrando Elyanor do outro
lado da cama em que fora depositada.
– Eu achei que alguém estava tentando me matar.
– Por quê?
Ela deu de ombros.
– Estou sentindo a dor de perder Jeíne, quando eu poderia tê-la ajudado.
Esconder-me no mar fora a primeira coisa que me tomou, como uma forma
de escapar da dor.
O pai consentiu, preocupado.
Consentiu.
– É verdade. Não tinha utilizado tanto da terra como fiz hoje. Foi
exaustivo, confesso, mas foi gratificante.
– Quem sabe já estejamos prontos para nos tornarmos os Soldados
Elementares.
– Quem sabe não, papai me disse que já somos a partir de hoje. A forma
como nossos poderes foram despertos o impressionou, e ele notou uma marca
em cada uma de nossas auras. Estamos prontos, irmã.
Sheron sorriu com a revelação. Afinal, era para aquilo que reinavam há
tantos anos. Os quatro deveriam ser os protetores dos elementos, batalhar
para manter a Natureza purificada e em constante evolução. Finalmente
estavam munidos de toda sua força.
– E as crianças, como estão? – indagou ao se lembrar de seus
irmãozinhos.
– Estão no quarto. Também sentem a falta de Jeíne, mas ficarão bem.
– E o corpo dela?
– Eu o enterrei na floresta, como Elyanor pediu – deixou o ar escapar. –
Foi difícil, sabe, mas pelo menos sua aura estará unida a da ilha.
Sheron manteve-se centrada, não permitindo que sua dor a abalasse. Era
triste saber que não pôde dar um último adeus a ela. Um dia, quem sabe, nos
reencontremos?
Assim que Dylan a deixou sozinha, um bom tempo depois, ela decidiu ir
ao quarto de seus irmãos. Diemon, sendo o mais velho, era o que mais sentia
falta de Jeíne. Porém, Sheron lhe explicou que sua mãe teve de partir para um
lugar onde poderia descansar em paz enquanto os cuidava de longe.
– Queria ela aqui – protestou o pequeno.
– Eu sei, meu amor, mas ela sempre estará. – Seus olhos marejaram. –
Acredite nela, nunca a esqueça, guarde os bons momentos que tiveram em
sua memória, e nunca se esqueça do amor que ela lhe deu em seu coração, e
assim ela nunca o abandonará. Sempre estará com você.
Ele assentiu, secando as lágrimas que insistiam em cair. Tomada por
aquela emoção, Sheron o abraçou. Em sua mente, a parede de gelo se
alargou, impedindo de ser corroída pelo sofrimento.
– E sempre que precisar, meu pequeno, eu estarei aqui – avisou a
Diemon. – Tanto você, quanto nossos outros irmãozinhos.
O menino assentiu.
ACHERON - NACIONAIS - APOLLYMI
PERIGOSAS
Onze
Nuvem de Poeira
Doze
Atmosfera Mortal
Poliana olhava para o corpo de Sheldon com pesar. Sabia que o estado em
que ele se encontrava naquele momento era por sua culpa. Porém, entendia
que aquilo seria o melhor para todos.
– Você fez certo, irmã – comentou Sheron, tocando seu ombro.
Ela assentiu.
– Já não bastasse eu fora de controle...
– Mas seu caso é diferente. – A elementar do ar fitou a outra um
momento. – Ele me disse que um espírito viera falar com ele. Talvez tenha
sido iludido de uma forma que nem tenha percebido.
Sheron assentiu tristonha.
– Não lamente por isso, tudo bem? Ele ficará bem, está apenas dormindo.
Lembre-se, somos imortais.
Consentiu. Em seguida, sem dizer mais nada, retirou-se para a clareira.
Sentou-se na grama baixa, fitando o céu. Ah, o céu. Um lugar que poderia lhe
dar tantas possibilidades. No entanto, naquele momento, ela estava com medo
do que mais o ar que o formava poderia lhe trazer.
– O que você está dizendo? – lembrou-se Elyanor lhe perguntar.
– Que Sheldon está tramando alguma coisa muito, muito ruim.
– Tipo?
– Pegar a Espada Elemental e entregar a um espírito.
– Você tem certeza? – espantara-se.
Poliana assentira.
– Sinto a atmosfera pesada, pai, como eu nunca senti antes. O vento já
me trouxe presságios sombrios antes, mas agora… A atmosfera é mortal.
– Sim, sim, eu lhe entendo. Se ele fizer mesmo o que você está dizendo,
todos nós poderemos morrer.
Ela baixara a cabeça, pensativa. Sei que falar com ele é a coisa mais
sensata a se fazer.
– E o que você pretende fazer?
Treze
Calor
20 anos depois
– Quando você acordar deste sonho, muita coisa terá acontecido em sua
terra. Por exemplo, agora te chamam de Sheldon Brand.
– Sheldon Brand?
– Ideia de um tal Cahim, que não retornou de sua última expedição,
juntamente com seu irmão Nahim. – Deu de ombros. – Mas enfim, o que
importa é que seu objetivo será o mesmo: roube a Espada para nosso senhor.
– Mas e se Elyanor me por para dormir novamente?
– Não se preocupe com isso, meu rapaz.
– Mas Trevys...
O serafim caído levou um dedo aos lábios, pedindo para que ficasse em
silêncio.
– Apenas faça o que eu estou lhe falando e tudo sairá como o planejado.
Anuiu, empolgado.
– Quando você acordar, o que acontecerá com minha ajuda – o serafim
continuou –, haverá uma espada ao lado de sua cama. Pegue-a e a use em
quem ousar ficar na sua frente.
Sheldon concordou. O calor tomava todo seu corpo, a sensação era
libertadora, poderosa.
– E Poliana?
– Ela ainda está em nossos planos. Entretanto, para isso, você terá que
fazer algo. Só poderei trazê-la para nosso lado se você matá-la.
Arregalou os olhos, surpreso. Contudo, inspirou profundamente. Estava
na hora de dar um fim àquela história. Sabia que naquele jogo tudo era
válido e que o poder era sua maior conquista – e recompensa.
Quatorze
Vaporização
Enquanto seguia com seus irmãos para o Templo dos Mundos, Sheron sentia
as lágrimas escorrerem. Aquele era o momento que tanto esperavam e,
sabiam, que mudaria suas vidas e daria um destino a futura Onyx.
– Estão nervosos? – indagou.
– Talvez um pouco – respondeu Diemon, esfregando as mãos.
– Eu estou ansiosa – comentou Jadyon, empolgada.
– Vocês serão ótimos, sei disso.
Seus irmãos assentiram sorridentes.
Assim que passaram pelo hall de entrada e seguiram o corredor que os
levariam até o salão que era cruzado pelo rio Styx – uma massa de água
mística que interligava os mundos a partir do Criador, uma estrela pulsante
que irradiava poder, segundo Jeíne –, Elyanor os recebeu com cumprimentos.
– Hoje, meus filhos, vocês se tornarão gigantes nas terras exteriores. Já
faz vinte e cinco anos desde que o primeiro de vocês nasceu – e olhou para
Diemon. – Hoje receberão a minha benção e serão consagrados com um
presente dos anjos, cada um de vocês.
Os cinco lhe fitaram admirados.
– Por favor, aproximem-se – pediu o homem.
Sheron foi para o lado de Dylan e Poliana, que estavam em um canto
afastado do salão.
Diemon, Crinton, Esméliun, Runni e Jadyon se enfileiraram enquanto
Elyanor fitava um por um nos olhos, tocando suas testas e proferindo
palavras no idioma dos deuses. Um círculo luminescente prateado envolvia
suas cabeças rapidamente e logo se apagava. Enquanto isso, Sheron percebeu,
a água do Styx se contorcia lentamente, como se aprovasse o que estava
acontecendo.
Assim que concluiu, o Primeiro Homem os analisou por um momento e
então fechou os olhos. Sobre o rio, uma intensa luz se fez presente. Um portal
se abriu em meio ao ar e cinco anjos se materializaram.
Quinze
Terremoto
Sabendo que não poderia fazer nada por ela naquele momento, voltou-se
para Sheron e Sheldon, que se olhavam com fervor. Sentia a aura de calor e
umidade no ar, um atacando o outro indiretamente. Sabia o quanto aquilo era
perigoso. Mas o que poderia fazer para apaziguar a guerra que estava se
formando?
– Não achem que poderão me deter – avisou o Soldado do Fogo, um
sorriso malicioso transbordando seus lábios. – Nada poderá me deter.
– A espada em suas mãos não poderá lhe salvar de tudo – retrucou a
mulher.
– Quem disse que não? Ela foi forjada no Reino dos Mortos por
demônios. Nada sobrevive a ela.
Dylan sentiu o peito doer. Sabia que poderia ser verdade, afinal, nunca
vira o material do qual aquela lâmina fora forjada, da mesma forma que
conseguia sentir a terra sofrer com sua aproximação.
Preciso fazer alguma coisa.
Foi então que tudo aconteceu. Uma língua de fogo envolveu Sheldon em
um círculo, como uma proteção. O céu se tornou denso e escuro, nuvens
negras surgiam de uma leve brisa. Volveu para Poliana e viu que a causadora
era ela. Sua cabeça pendia para trás, os cabelos louros se agitando ao sabor
do vento, os olhos cinzas voltados para o céu, os braços abertos e seu corpo
sendo sustentado a alguns centímetros do solo. Porém, havia algo estranho
naquilo tudo que Dylan não conseguia descobrir o que era.
– Afinal, não precisei matá-la! – comentou Sheldon, acima do barulho do
vento que se formava. – Poliana está tão perdida em pensamentos que foi
fácil ser possuída e ter os poderes controlados.
O quê?! Sheldon estava passando dos limites. Mas como controlar algo
incontrolável?
Nada poderão fazer para deter meu retorno. Uma voz gutural ecoava por
toda a ilha, como se o céu trovejasse, anunciando sua superioridade. A
Espada será minha porta de saída e a ilha, minha moradia. Nada como o
berço da humanidade para me fortalecer.
Dylan não sabia por que, mas sentia que aquela era voz do próprio mal,
das trevas que um dia tentara obstruir o poder da luz, no início dos tempos.
Aquele não era apenas um espírito ou um anjo ou um demônio, era a própria
demonstração de poder do caos.
Um arrepio percorreu seu corpo, tirando-o da existência por um segundo,
ACHERON - NACIONAIS - APOLLYMI
PERIGOSAS
mas suficiente para saber o que fazer. Ele não permitiria que as trevas os
dominassem tão facilmente. Podia ser capaz de controlar Sheldon, mas não
ele.
– Sheron! – chamou, lembrando-se o que Shait lhe transmitira há tantos
anos. Quando a irmã se virou, continuou: – Preciso de uma dose das águas
sagradas.
– Ficou maluco?
– Acho que sim.
A elementar da água se juntou a ele, abraçando-o.
– Você pode morrer!
– É bem provável, mas não permitirei que nos controlem!
Ela assentiu.
– Mas o que você pretende fazer?
Ele deu um sorriso amarelo.
– Desculpe, Sheron.
A mulher engoliu em seco, compreendendo a mensagem. No entanto,
respirou fundo, fechando os olhos, e se concentrou. Podia sentir o rio Styx
borbulhando sob o solo, atravessando o Templo dos Mundos, alastrando-se
para lugares desconhecidos, ramificando-se pelo Universo. Em um ímpeto,
sentiu a água jorrar, fluindo da correnteza, escapando pela entrada da
pirâmide escalonada, guiando-se em sua direção.
Suas vidas serão minhas! Uivou a voz entre as nuvens. Estava cada vez
mais forte, ancorando-se à ínsula através de Sheldon.
Dylan coçou rapidamente a barba por fazer e jogou o capuz da manta
sobre a cabeça.
– Não mesmo! – gritou.
Então se lançou na frente de Sheron, recebendo o choque do Styx. Abriu
sua mente, permitindo que a sabedoria que aquelas águas carregavam lhe
invadisse por cada poro. Esbugalhou os olhos. É tudo tão incrível! Sua mente
viajou rapidamente pela correnteza, ultrapassando estrelas, mundos,
desbravando o conhecimento de eras e eras adormecido. Descobriu o que
acontecera, por que e como Onyx nascera; o que viera com a Espada e se
alocara no que seria cada um dos Impérios construídos por seus irmãos;
porque do interesse das Trevas em retornar através daquele mundo. Seus pés
se enterraram no solo, unindo-o à ilha de uma forma completa, o poder total
percorrendo suas veias. Não haveria volta.
ACHERON - NACIONAIS - APOLLYMI
PERIGOSAS
salvar, mas para muitos não havia escapatória. Não estava sacrificando
apenas a si mesmo, mas também todos aqueles que acreditaram que ali era
um lugar paradisíaco. E foi, enquanto viveram ali em constante harmonia.
Pensar nisso o feria, como se um terremoto abalasse seu coração, rachando-o.
Quando abriu os olhos, viu a água do mar partindo árvores ao meio,
chocando-se contra o Templo dos Mundos e se lançando em sua direção.
Poliana foi a primeira a receber o golpe, seguida por Sheldon. Sheron o fitou
uma última vez e agradeceu em silêncio, sendo envolta em seguida por seu
elemento.
Assim que a água o encontrou, sentiu como se uma lâmina atravessasse
não apenas seu corpo, mas sua alma. Arrancando o que um dia fora seu,
capturando sua razão, despedaçando o que já sentira de emoção.
De setecentos em setecentos anos a ilha irá surgir, tomada por seus
Soldados, a mim deverá servir.
Dylan sentiu as palavras vibrarem na terra que ainda se unia a ele,
contaminando-o como uma doença sem cura. Antes de perder a completa
consciência, sabia que impedira o mal de se reerguer, mas por quanto tempo?
Seu sacrifício valeria a pena?
Ele não conseguiu responder antes que sua mente fosse levada a um
mundo de escuridão, envolto pelo nada, criado pelo tudo. Entre a vida e a
morte. Naquele lugar, pelo menos, ele e seus irmãos poderiam descansar em
paz.
Por enquanto.
Epílogo
Renascimento
O Autor
Obras:
Pesadelo Infernal
Conto de terror publicado na antologia Contos Medonhos, lançada pela
Multifoco Editora em dezembro de 2012.
O Último de Nós
O Último de Nós é um conto sobre o começo de um fim. O protagonista e
narrador é Clon Lion, o último sobrevivente do planeta Terra após catástrofes
naturais e criadas pelo próprio Homem. Perguntando-se como tudo
ACHERON - NACIONAIS - APOLLYMI
PERIGOSAS