PC e Direitos Humanos

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Por: Alzira Jofrice

1. TEORIA GERAL DO POLICIAMENTO COMUNITÁRIO

1.1. POLICIAMENTO COMUNITÁRIO E DIREITOS HUMANOS

1.1.1. Introdução

A Constituição é a Lei base para o funcionamento de qualquer Estado, sendo nesta onde
estão plasmados os princípios basilares para a construção de um estado de direito
democrático, como é o caso de Moçambique.

É na Constituição onde estão definidas a s regras básicas para o funcionamento regular do


Estado, num clima de paz e de justiça social. Pois nesta, estabelecem-se os parâmetros do
que é fundamental, quer para o indivíduo, quer par a sociedade, assim como para a
garantia da coesão do póprio Estado como tal, remetendo-as para regulamentação própria,
através de outras formas de legislação, de acordo com o campo de actuação de cada área
específica, tendo em conta o bem jurídico em causa, sem descurar daquilo que é a
realidade do país em termos políticos, económicos e sociais.

Nesta óptica, a polícia, no decurso do exercício da sua actividade de manutenção da ordem


e segurança públicas, deve ter em conta os direitos fundamentais que o próprio Estado os
definiu e ractificou as normas internacionais que os estatuem e defendem (arts. 17º e 18º-
CRM), quer para regular as relaçóes particulares, assim como para regular a relação entre
o estado e o particular, em defesa deste último. Pois, apesar de o individuo prevaricador ter
infringido as normas legalmente estabelecidas, não deixa de ser um ser humano, uma
pessoa com direitos, liberdades e garantias, os quais devem ser considerados e
respeitados em todos os momentos da sua interação com o Estado (Polícia), na aplicação
das medidas de polícia.
Por: Alzira Jofrice

1.1.2. Direitos fundamentais e o servilo policial (artigo 56º da Constituição da República de


Moçambique)

a) Evolução histórica dos direitos fundamentais

Como forma de perceber a evolução histórica sobre os direitos fundamentais, Vieira de


Andrade1, apresenta três perspetiva sobre a sua origem e conceptualização, mostrando
que antes do seu enquadramento no ordenamento positivo, já era base de discussão na
perspetiva naturalista/filosófica, segundo a qual, “ os direitos fundamentais são na sua
dimensão mais natural, direitos absolutos, imutáveis e intemporais, inerentes à qualidade
de homem dos seus titulares e constituem um núcleo restritivo que se impõe a qualquer
ordem jurídica”, querendo com isto dizer que esses direitos funcionam como limite à acção
do Estado, neste caso, a Polícia.

Por sua vez, a perspetiva estadual/constitucionalista, coloca os direitos fundamentais como


“verdadeiros direitos e liberdades, reconhecidos em geral aos homens ou a certas
categorias de entre eles, por razão da sua humanidade, sendo nessa medida direitos de
igualdade e universais ”. Acrescenta que o caracter constitucional dos direitos
fundamentais, acabou gerando uma necessidade de garantia jurídica efetiva perante todos
os poderes públicos, incluindo o poder legislativo. Isto é, através da valoração destes na
Constituição, obterem a proteção por parte do Estado, quer na sua relação com o particular
assim como com o próprio Estado, como se pode ver nos artigos 56º da CRM 2.

Por fim, a perspetiva universalista/internacionalista, que surgiu pela necessidade de


criação, ao nível da comunidade internacional, de mecanismos jurídicos capazes de
proteger os direitos fundamentais dos cidadãos dos diversos Estados, impondo que se
aproveitassem os laços internacionais criados, para estabelecer e declarar um certo núcleo
fundamental dos direitos internacionais do homem. Sendo que, com base nesse núcleo e
1
Vieira de Andrade, José Carlos. 2010. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 4ª ed.,
Coimbra: Almedina, pgs.21-37.
2
Constituição da República de Moçambique, Constituição da República Portuguesa e Constituição da República
Federativa do Brasil
Por: Alzira Jofrice

nas relações internacionais, os Estados ratificassem esses direitos para proteção dos seus
cidadãos (cf. art. 43º da CRM).

Apesar das perspetivas apresentadas divergirem em alguns pontos da sua abordagem,


nota-se alguma convergência, ao demostrarem que os direitos fundamentais podem ser
entendidos num âmbito mais vasto, “ o círculo dos direitos constitucionais ”, aqueles com a
função da proteção social e do Estado em si e num âmbito mais restrito, o dos “ direitos
naturais” que só podem ser “reivindicados por um núcleo limitado de direitos, mas
diretamente ligados à dignidade da pessoa humana ”3. Sendo estes os quais o Estado deve
procurar garantir e proteger, quer na interação entre os particulares, quer na interação com
o próprio Estado, principalmente, durante a actuação policial.

Miranda4, discute os direitos fundamentais em dois sentidos, material e formal. No sentido


material, os apresenta como sendo aqueles “ inerentes a noção de pessoa (…), constituem
base jurídica da vida humana no seu nível atual de dignidade ” e no sentido formal, como
“toda posição jurídica subjetiva das pessoas enquanto consagradas na Lei Fundamental ”.

Após a determinação do que são os direitos fundamentais, Vieira de Andrade mostra ainda
que estes não são de todo absolutos nem ilimitados, quer na dimensão subjetiva, na
medida em que os preceitos constitucionais não os remetem ao titular destes, o arbítrio
sobre a determinação do âmbito e grau de satisfação do respetivo interesse e pela
inevitável e sistemática conflitualidade dos direitos de um com os dos outros, quer a nível
dos valores constitucionais, visto que a Constituição não se limita a reconhecer os valores
mas liga-os a uma ideia de responsabilidade 5. Querendo com isto dizer que apesar dos
direitos serem inerentes ao indivíduo, este durante o exercício desses não determina o seu
campo de ação, sendo que a própria Constituição estabelece certos limites para tal, com

3
Vieira de Andrade, José Carlos. 2010. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 4ª ed.,
Coimbra: Almedina
4
Miranda, Jorge. 2000. Manual de Direito Constitucional, Tomo IV- Direitos Fundamentais. 3ª edição. Coimbra.
5
Cf. art. 38 CRM
Por: Alzira Jofrice

vista a proteger a esfera de outro indivíduo e da sociedade em geral, por exemplo ao


determinar as circunstâncias em que deve ocorrer a restrição da liberdade.

Ideia esta comungada por Gouveia 6, que defende que “não basta positivar o direito, tem
que se ir mais além na consagração dos respetivos contornos ”. Entende-se que o
legislador ao colocar no ordenamento positivo uma determinada norma com a categoria de
um direito, deve também esclarecer até que ponto este deve ser exercido, com vista a não
criar danos a outrem ou mesmo para não dar largas ao intérprete no momento da aplicação
de algum limite a esse direito, trazendo ele no seu texto o seguinte exemplo: “ direito a
liberdade de reunião” dizendo que a reunião se entende como sendo “ pacífica e sem
armas”, sendo que primeiro estabeleceu o direito e de seguida determinou a forma como
este deveria ser aplicado, procurando deste modo deste modo, explicar o que ocorre no nº
3 do art. 56º da CRM, que postural que “A lei só pode limitar os direitos, liberdades e
garantias nos casos
expressamente previstos na Constituição”, sendo por isso que, no exercício das suas
acções, o Estado (polícia) deve ter sempre em conta este preceito, limitar com
proporcionalidade e com causa legalmente justificada.

b) Atuação do Estado face aos direitos fundamentais do indivíduo

Sarlet7 mostra que o Estado durante a sua atuação, nos seus deveres de proteção dos
direitos, através dos órgãos e agentes competentes, acaba por afetar de modo
desproporcional os direitos fundamentais. Sendo nesta perspectiva que o legislador, ao
definir o campo de actuação do Estado, maxime polícia, na esfera dos direitos humanos,
vinca o princípio da proporcionalidade como base para sua actuação.

6
Gouveia, Jorge Bacelar. Regulação e Limites dos Direitos Fundamentais. Consultado em 03.04.2013, em
http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/BGRL.pdf
7
Sarlet, Ingo Wolfgang. Direitos Fundamentais E Direito Penal: Breves Notas A Respeito Dos Limites E
Possibilidades Da Aplicação- Das Categorias Da Proibição De Excesso E De Insuficiência Em Matéria Criminal.
Consultado em 04.04.2013, em http://www.esmesc.com.br/upload/arquivos/4-1246972606.PDF
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c) Princípio da Proporcionalidade como regulador da ação policial, no respeito aos


direitos fundamentais

Koncikoski8, define a proporcionalidade como sendo um “ parâmetro valorativo que permite


aferir a idoneidade de uma dada medida legislativa, administrativa ou judicial” . Acrescenta
ainda que:

“Pelos critérios da proporcionalidade pode-se avaliar a adequação e a


necessidade de certa medida, bem como, se outras menos gravosas
aos interesses sociais não poderiam ser praticadas em substituição
àquela empreendida pelo Poder Público.”

Por sua vez, Feldens9 mostra que o princípio da proporcionalidade, pode ser usado como
um critério para o controlo da constitucionalidade das medidas restritivas dos direitos
fundamentais, que atuam como direitos de defesa, apresentando três critérios para a
avaliação da proporcionalidade, tais sendo a idoneidade da medida, em termos de sua
eficácia para o resultado que se pretende alcançar, a necessidade de aplicação de certa
medida e não de outra que se possa considerar menos gravosa em relação ao bem que se
pretende proteger e a proporcionalidade propriamente dita, em que haja uma relação de
conveniência entre a importância da medida e o significado do direito fundamental que se
pretende restringir, face ao dano causado.

Neste contexto, o princípio da proporcionalidade atuaria no plano da proibição de excesso,


como um dos “principais limites à limitação dos direitos fundamentais” 10. Para o caso
vertente funcionaria como o limite às arbitrariedades cometidas na abordagem de suspeitos
de cometimento de certos delitos ou até mesmo na detenção de pessoas que apresentem
características consideradas como critérios de periculosidade (caso das rusgas seletivas-
8
Koncikoski, Marcos Antonio, no seu artigo sobre Principio de Proporcionalidade. Consultado em 04.04.2013, em
www.ambito.juridico.com.br/site/index.php?n_link
9
Feldens, Luciano. 2012. Direitos Fundamentais e Direito Penal- A Constituicao Penal. 2ª edição (Revista e
Ampliada). Porto Alegre: Livraria do Advogado. (Pags 150 e ss )
10
Feldens, Luciano. 2012. Direitos Fundamentais e Direito Penal- A Constituicao Penal. 2ª edição (Revista e
Ampliada). Porto Alegre: Livraria do Advogado. (Pags 150 e ss )
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em que indivíduos com certas características [físicas], sem abrigos ou pessoas


encontradas em certos locais considerados suscetíveis a ações criminosas, são detidas até
que provem o seu não envolvimento em atos delituosos, pondo em causa o principio da
presunção da inocência, patente na Constituição 11).

Como forma de evitar que a atuação policial não incorra em ilegalidade, há que ter –se
sempre em conta o grau da necessidade da ação praticada e em que condições esta será
aplicada.

Uma vez que o direito, que caracteriza o Estado Moçambicana, tem como fundamento a
defesa dos direitos fundamentais, é de extremo interesse que se avalie se o bem jurídico
ou direito fundamental violado/ferido é de valor superior, em termos de repulsa social, em
relação ao direito que se pretende restringir, com o risco de, ao submeter o individuo a
situações degradantes, ao invés de reeduca-lo para devolve-lo a sociedade minimamente
ressocializado e integrado nas normas legalmente aceites, corre-se o risco de introduzir
definitivamente o indivíduo a um caminho sem volta no mundo de crime, celebrando desse
modo, o vaticínio do fracasso do sistema de controlo social.

A fragilidade da instituição policial, devido a sua conjuntura política, de certa forma


possibilita que haja uma grave violação aos direitos fundamentais no acto da execução da
acção policial, verificando-se isso a título de exemplo, na questão da identificação e
condução a Esquadra, em que muitas vezes os visados que se encontram nessa situação,
chegam a conduzido as celas ou a ser submetido a situações degradantes para a
dignidade do indivíduo, contrapondo o postulado no art. 40º, nº 1, da CRM “Todo o cidadão
tem direito à vida e à integridade física e moral e não pode ser sujeito à tortura ou
tratamentos cruéis ou desumanos”.

Neste sentido, seria de extrema importância que tanto na elaboração como na execução do
poder de polícia, o Estado (legislador ou poder policial) tivessem em conta a questão dos
11
Cf. nr 2 art. 32 da CRP, nr 2 art. 59 da CRM e art. 5 LVII da CRB
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direitos fundamentais violados e o direito fundamental a ser executado, em termos de


proporcionalidade, no que tange a medida aplicada e o resultado a alcançar, com vista a
não ferir a legitimidade dessa atuação, pondo em causa a credibilidade e legitimação da
ação imposta. Visto que de acordo com a Constituição (cf. art. 58º- CRM, o Estado é
responsável pelos actos ilegais perpetrados pelos seus agentes, no exercício das suas
funções.

1.1.3. Policiamento comunitário e direitos humanos

Tomando em consideração o conceito de policiamento comunitário, o qual se traduz numa


filosofia, esta que se circunscreve na ideia de que a polícia deve trabalhar não só deve
tralhar na comunidade, mas que também deve trabalhar com ela e para ela,
proporcionando uma nova parceria entre a polícia e a comunidade, baseada na premissa
de que ambos grupos devem trabalhar em conjunto para a identificação, análise, resolução
e avaliação tanto dos problemas, como das soluções dos problemas da criminalidade e das
incivilidades que afetam a comunidade, denota um serviço a ser desenvolvido por uma
polícia mais cidadã, mais humanizada, identificada com os ditames de um Estado de direito
democrático, baseada na protecção dos direitos fundamentais do homem.

Pois, conjugado ao atenriormente exposto e olhando para aqueles que são os princípios de
Robert Peel, os quais definem o modo de actuar de uma polícia que se pretende moderna
e democrática, assim como os princípios orientadores do policiamento comunitário, notar-
se-á que ambos são unânimes ao afirmar que para que a polícia tenha sucesso na sua
actuação, é preciso que esta se identifique com a comunidade onde se encontra, a veja
como seu parceiro a ponto de desenvolverem laços de confiança e isso não acontecerá
num ambiente de hostilidade, humilhação e marginalização do indivíduo, mas sim, com
respeito a dignidade da pessoa, fazendo da polícia um serviço humanizado e
personalizado.
Por: Alzira Jofrice

Pretende-se com isto dizer que, para que a implementação do policiamento comunitário
seja efectivo e produtivo, é necessário que a instituição policial retire da sua ideologia
funcional, política e estratégica a acção belicista contra o infractor ou com as comunidades
que com ele interajam, no âmbito da investigação criminal, passando para políticas
preventivas, na qual a acção primordial é a prevenção, com vista a garantir que não hajam
infractores, vítimas e nem rastos para se seguirem em busca do combate do indivíduo. E,
mesmo que o facto tenha sido consumado, é necessário que na interacção com o infractor,
a polícia o mostre que o problema não é ele como pessoa, mas o comportamento que o
mesmo adoptou que pos em causa a estabilidade da comunidade onde o facto se deu em
termos de segurança e da qualidade de vida.

Agindo deste modo, a polícia não só está a garantir eficácia e legitimidade das suas
acções, como também estará a garantir a efectivção do ensejado pelo Sir Robert Peel ao
pretender que a polícia conquista a aprovação da comunidade nas suas actuações.

2. Considerações finais

Em forma de síntese, nota-se que os direitos fundamentais dividem-se em duas esferas,


uma mais restrita, que são os direitos naturais, aqueles que são inerentes ao indivíduo pelo
simples facto de existir e as constitucionais, as que são instituídas na Constituição, em
defesa do indivíduo como tal na sua interação com o outro e na sua relação com o próprio
Estado, assim como em defesa e garantia de existência do Estado em si. Mas também, é
notório o facto de estes não serem absolutos, na medida em que não cabe ao detentor
desse direito, definir o campo de acção para a satisfação das suas necessidade, ficando a
cargo do Estado, através do legislador determinar como deve ser feito o exercício desses
direitos e liberdades com vista a não lesar o meio com o qual interage, como é o caso do
direito a liberdade, em que na determinação legal, estabelece as situações em que este
direito deve ser exercido e em que circunstâncias pode ser restringido.
Por: Alzira Jofrice

Nesta perspetiva, durante o exercício da actividade policial, a polícia, apesar de ser a


entidade que garante o exercício pleno dos direitos e liberdaddes, também aparece como
um inimigo destes, na medida em que no decurso das suas actividades, limitar o exercício
pleno dos mesmos. Neste sentido, durante a sua atuação, a polícia deve sempre ter em
conta a questão da proporcionalidade da acção policial face aos direitos que se pretendem
restringir, tendo em conta a medida a aplicar e o resultado que se pretende alcançar. Isto é,
levando a exemplo do direito a liberdade, durante o exercício da ação policial, a
proporcionalidade serviria para, tendo em conta a personalidade do individuo, as
circunstâncias que o levaram a violar a norma e a norma violada, avaliar a necessidade da
que se pretende aplicar em relação a esse direito em detrimento de outras medidas menos
gravosas, em relação ao resultado que se pretende alcançar com a medida, que é acima
de tudo, a recuperação do indivíduo em causa e não a sua destruição.

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