Darcio Rundval
Darcio Rundval
Darcio Rundval
DARCIO RUNDVALT
PONTA GROSSA
2016
DARCIO RUNDVALT
PONTA GROSSA
2016
Ficha Catalográfica
Elaborada pelo Setor de Tratamento da Informação BICEN/UEPG
Rundvalt, Darcio
R941 Para além do cenário, do palco ou do
pitoresco: a paisagem dos Campos Gerais no
Paraná nos relatos de viagem do século XIX
— Auguste de Saint-Hilaire, Thomas P.
Bigg-Wither e Visconde de Taunay/ Darcio
Rundvalt. Ponta Grossa, 2016.
130f.
CDD: 918.162
AGRADECIMENTOS
Franz Kafka certa vez escreveu em seu diário: ―sou incapaz de suportar sozinho os
assaltos de minha própria vida, as exigências de minha própria pessoa, a ofensiva
do tempo e da idade, o vago afluxo do meu desejo de escrever, a insônia, a vizi-
nhança da loucura — sozinho sou incapaz de suportar tudo isso.‖ As palavras do
escritor tcheco poderiam ser minhas, mas infelizmente não são, por não consegui
escrevê-las, agradeço-o por tê-las escrito.
Agradeço, antes de tudo, a Bruna: o porto seguro que me desvizinha da loucura e
das ofensivas do tempo.
A minha mãe e meu pai.
A professora Alessandra Izabel de Carvalho e ao professor (espécie de ídolo laico-
anárquico e amigo) Antonio Paulo Benatte pela orientação, por acreditarem e por me
suportarem.
Ao DEHIS pela prontidão e auxílio.
Aos professores José Augusto Pádua e Dora Shellard pela leitura e críticas que aju-
daram a construir a pesquisa.
Agradeço aos meus amigos, são tantos, eu os poderia chamar Legião, e, por medo
de pecar pela falta, não os nomearei.
Aos amigos Trovadores: Felipe, Will, Augusto e Bortoli.
Obrigado, sem todos vocês eu seria incapaz de suportar a mim mesmo.
RESUMO
O período do fim do século XVIII e XIX é marcado pela realização das chamadas
―expedições científicas‖, nas quais instituições e/ou capitalistas mobilizavam grupos
de cientistas e capital com o objetivo de conhecer as potencialidades e produzir
imagens sobre o que consideravam ser o ―resto do mundo‖. A partir da vinda da cor-
te portuguesa e da abertura dos portos brasileiros ao comércio internacional, em
1808, Sérgio Buarque de Holanda propõe a ideia de um ―novo descobrimento do
Brasil‖: excetuando os primeiros momentos da colonização portuguesa em terras
brasílicas, o país nunca parecera tão atraente aos geógrafos, aos naturalistas, aos
economistas, aos simples viajantes, como naqueles anos. Multiplicaram-se as via-
gens pelo interior do Brasil e a produção e circulação de relatos de viagem sobre o
território seguiram o mesmo ritmo. Desde esse período até o fim século XIX, os
Campos Gerais, no segundo planalto paranaense, foram visitados por viajantes eu-
ropeus e brasileiros. Os relatos deixados por eles constituem um importante conjun-
to documental para a historiografia paranaense. Dessa série, selecionei três para
compor a pesquisa que se segue. São eles: Viagem pela comarca de Curitiba, de
Auguste de Saint-Hilaire, sobre a viagem que o naturalista fez em 1820; Novo cami-
nho no Brasil Meridional, de Thomas Plantagenet Bigg-Wither, relata a permanência
do engenheiro em terras paranaenses de 1872-1874; e Viagem filosófica aos Cam-
pos Gerais e sertão de Guarapuava, de Visconde de Taunay, que narra a viagem do
então presidente da província em 1886. Nesses três relatos cada um dos viajantes
destacou os Campos Gerais, dedicaram várias páginas a descrever a paisagem,
buscando expor os elementos que a compunham e insistindo em sua grande beleza
e possível utilidade.
The period from the end of the XVIII century throughout the XIX is marked by the re-
alization of the so called ―scientific expeditions‖, in which institutions and/or capitalists
mobilized groups of scientists and capital with the objective of learning the potentiali-
ties and produce images about what they considered to be the ―rest of the world‖.
Since the arrival of the portuguese crown and the opening of the brazilian harbors to
international commerce, in 1808, Sérgio Buarque de Holanda proposes the idea of a
―new discovery of Brazil‖: excepting the first moments of portuguese colonization in
brazilian lands, the country never seemed that appealing to the geographers, to the
naturalists, to the economists, to the simple travelers, as in those years. The trips
through the brazilian interior multiplied and the production and circulation of travel
reports about the interior followed the same rhythm. From this period to the end of
the XIX Century, the Campos Gerais, on the second Paraná plateau, were visited by
european and brazilian travelers alike. The reports left by them constitute an im-
portant documental joint for Paraná‘s history and geography. From this joint, I have
selected three to compose the research that follows. They are: Viagem pela comarca
de Curitiba, by Auguste de Saint-Hilaire, about the trip the naturalist made in 1820;
Novo caminho no Brasil Meridional, by Thomas Plantagenet Bigg-Wither, describes
the permanence of the engineer in Paraná‘s lands through 1872-1874; and Viagem
filosófica aos Campos Gerais e sertão de Guarapuava, by Visconde de Taunay,
which narrates the trip of the then president of the province in 1886. In these three
stories each one of the travelers highlights the Campos Gerais, devoting many pages
describing the landscape, looking to expose the elements which composed it and
insisting in it‘s great beauty and possible utility.
IMAGEM 7 - The valleys of the Tibagy & Ivahy. Province of the Pa-
rana, south Brazil, by T. P. Bigg-Wither.......................... P. 115
LISTA DE QUADROS
APRESENTAÇÃO...................................................................................................... 9
Capítulo 2 — PAISAGEM......................................................................................... 51
APRESENTAÇÃO
É fim do mês de Agosto. Estou sentado em frente ao notebook, mas olho pe-
la janela: lá fora o dia está nublado, desde o amanhecer até agora, ao entardecer,
não houve sol; um frio úmido, de fim de inverno, traz consigo uma ansiedade, na
verdade, talvez, apenas revele a ansiedade dos prazos, dos trabalhos, das leituras,
das contas a pagar, das responsabilidades: a ansiedade das obrigações da vida
adulta.
Dessa mesma janela de onde se podia ver há um ano atrás um majestoso
pinheiro de uns quarenta anos, um pinheiro que me viu crescer (se os pinheiros ve-
em… quem sabe?), não há mais muito o que se observar: o pinheiro foi cortado, um
estabelecimento comercial vermelho foi construído em seu lugar. Mas o mercado foi
mal planejado, ou seus donos tiveram azar (minhas maldições pela morte que cau-
saram talvez tenham pegado), e agora está abandonado, trancando a vista. Essa
vista que eu tinha antes da construção é fácil de descrever: estamos no fim do in-
verno, ao fundo as plantações de aveia amarelas que logo estarão secas e darão
lugar a outras plantações, soja dessa vez; não há muito colorido, pois os dias são,
em geral, cinzentos, e todas as terras cultivadas são do mesmo proprietário. Em um
primeiro plano vê-se várias casas, nenhuma regularidade nas construções, algumas
são de dois andares, outras são pequenas casinhas de alvenaria e há ainda algu-
mas de madeira; todo tipo de cor se mistura entre as casas: há verdes, roxas, ama-
relas, vermelhas, rosas, marrons, brancas… enfim, um arco-íris. Quase não existem
árvores, ou jardins; assim que chegou o asfalto — uma legislação municipal obrigou
os moradores a construírem calçadas, passeios, isso foi um pretexto para que todo
tipo de terra e barro fosse concretado — o vermelho e o preto da terra, o verde das
gramas, ou o multicolorido das flores desapareceram: só resta o cinza do concreto,
que começa a ficar empretecido pelas chuvas e o tempo.
Mas, se voltarmos à minha janela, e olharmos para baixo, para o solo, há um
pequeno jardim, um espaço intimista e irregular que insisto em cultivar. Há ali bromé-
lias, arvorezinhas, várias rosas e flores variadas, um xaxim, uma jabuticabeira poda-
da para que não cresça muito, há grama (ainda que quase toda morta pelo inverno e
pela sombra das construções ao lado); esse jardim não é muito rico, nem variado,
mas é fresco, frequentado por alguns míseros pardais e algumas gordas pombas
cinza. Pode-se até respirar com algum prazer.
10
Imagem 1: Preparativos de Reinhard Maack antes da expedição ao rio Tibagi, 1930. Acervo particu-
lar de Alessandro Casagrande.
operativo, para o que ouvimos; o paladar também tem seus adjetivos; mas as sen-
sações táteis e olfativas são difíceis de descrever. E, se nos perguntarmos, nossas
memórias mais afetivas, e que mais confiamos, não são despertas pelo olfato e/ou
pelo tato? Enfim, nossa cultura primou por uma operatividade dos sentidos e da lin-
guagem, e a nossa tradição de paisagem está totalmente ligada a isso.
Mas é necessário nos voltarmos mais uma vez à fotografia de Maack, para
agora nos perguntarmos sobre os artifícios da foto. Não foi o geógrafo que fotogra-
fou a si mesmo — os tão banais selfies de nosso tempo —, as câmeras da época
não permitiam esse recurso. Alguém distante acionou o dispositivo. Reinhard Maack
posa para a foto, ainda que sua atitude seja aparentemente despretensiosa, como
se fora fotografado distraído, e o fotógrafo (oculto atrás da máquina) se empenhasse
em destacar o seu retorno de uma saída rápida. Essas duas atitudes, tanto do fotó-
grafo quanto do geógrafo, nos fazem sentir como se acessássemos diretamente,
sem qualquer filtro, sem qualquer artifício, uma realidade, uma natureza. E a paisa-
gem, tão natural quanto os artifícios nos fazem querem crer, nos parece dada a vis-
ta, a apreciação.
Ainda que pareça uma atitude de má-fé ―desmascarar‖ o geógrafo e o fotó-
grafo produtores da bela imagem, concordo com Roland Barthes que afirma que fo-
ram ―os pintores que inventaram a fotografia (não tecnicamente, claro, mas fenome-
nologicamente)‖1. Esses artifícios utilizados para nos fazer sentirmos em contato
direto com uma realidade, sem o uso de filtros, sem que vejamos a partir do ponto
de vista de um observador; essas astúcias que nos fazem crer que a paisagem é um
dado, uma natureza, são antigas, milenares.
As duas imagens a seguir expressam a mesma astúcia artística da fotografia
anterior. Ainda que de períodos e locais completamente distantes os artifícios sãos
os mesmos. Os propósitos das três imagens são semelhantes, induzem o leitor a
perceber o entorno como natural, uma espécie de fundo — impressionantes com
certeza, sobretudo nas pinturas que, sob o nevoeiro, nos afastam do detalhe extre-
mado —, para que suponhamos o que se passa na consciência dos observadores
que, também observados (pelo fotógrafo ou pintor), nós observamos.
1
BARTHES, Roland. A preparação do romance I: da vida à obra. Tradução de Leyla Perrone-Moisés.
São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 146.
13
Imagem 2: Shen Zhou (沈周, 1427-1509). O Poeta no topo Imagem 3: Caspar David Friedrich.
da montanha (杖藜遠眺). O caminhante sobre o mar de né-
voa. c. 1818.
A fotografia, mais do que a pintura, nos ―é obrigada a dizer tudo‖, ela ―é ple-
na, saturada de detalhes inevitáveis‖2. Assim, pela segunda barraca disposta ao fun-
do, posso supor que alguém fotografou Maack; posso também supor também que o
geógrafo posara para a foto (despretensiosamente fotografado), pois ao deixar uma
fogueira acessa em campo aparentemente seco as chamas facilmente se espalhari-
am, e algum companheiro que estivesse ainda dormindo seria queimado vivo. Todas
as suposições sobre a foto são possíveis (e contestáveis) pelos detalhes; detalhes
esses que as pinturas não conseguem transmitir, pois, por mais meticuloso que seja
o olhar do pintor, escapam a narrativa e, como propõem as teorias da leitura e da
recepção, o que parece (ou é) uma falta na obra é então preenchida pela imagina-
ção e os conteúdos culturais do leitor, tornando toda obra artística uma atitude dialó-
gica.
Voltemos mais uma vez às imagens — não quero chatear um possível leitor
já no início do texto, haverão momentos cansativos mais adiante: se se pergunta a
qualquer pessoa o que é esse entorno, esse fundo das três imagens, é muito prová-
vel que a resposta seja ―é uma paisagem‖. A palavra paisagem nos soa como a pró-
pria natureza, não como resultante de uma arte, de um artifício; a paisagem não é
um artefato. Ora, é justamente isso que se pretende discutir nesse trabalho. As três
imagens são metáforas da consciência paisagística: um espaço que é observado por
alguém e que, pelo artifício narrativo, nos faz ver o ponto de vista do observador, e
2
BARTHES, op. cit., p. 151.
14
3
Sobre o conceito chinês de paisagem, Augustin Berque nos fala que: ―a palavra que, no século IV
no sul da China, e pela primeira vez no mundo, tomou o sentido de ‗paisagem‘, era shanshui, ‗os
montes e as águas‘. Ela fora utilizada durante séculos sem conotação estética, como o sentido de ‗as
águas da montanha‘, essencialmente pelos engenheiros hidráulicos que se preocupavam em corrigir
os estragos das torrentes. Essas águas da montanha eram também o refúgio de gênios da natureza
selvagem, hostis aos humanos‖. Em francês no original, tradução minha: ―Le mot qui, au IVe siècle en
Chine du Sud, et pour la première fois au monde, prit le sens de ‗paysage‘, était shanshui, ‗les monts
et les eaux‘. Il avait été utilisé pendant des siècles sans connotation esthétique, avec le sens de "les
eaux de la montagne", essentiellement par des ingénieurs hydrauliciens qui se préoccupaient de cor-
riger les ravages des torrents. Ces eaux de la montagne étaient aussi le repaire de génies de la na-
ture sauvage, hostiles aux humains‖. BERQUE, Augustin. Des eaux de la montagne au paysage (La
naissance du concept de paysage en Chine). s.d., p. 1. Disponível em : fundazione.univ-
corse.fr/attachment/407753/. Acesso em 22/06/2015.
4
Cf. GASSNER, Hubertus. O Caminhante sobre o Mar de Névoa, s/d, s/p. Disponível em:
https://www.deutschland.de/pt/topic/cultura/artes-arquitetura/o-caminhante-sobre-o-mar-de-nevoa.
Acesso em 25/06/2015.
5
Em francês no original, tradução minha : ―Aucun paysage n‘étant naturellement donné, cette notion
implique l‘existence de modèles perceptifs et un travail d‘idéalisation de la chose perçue de façon à ce
qu‘elle se conforme à un stéréotype‖. DESCOLA, Philippe. Écologie symbolique. Annuaire de
l‟EHESS, Paris, 2006, p. 380.
6
Essas noções serão explanadas no capítulo 2.
15
Imagem 4: Localização dos Campos Gerais do Paraná. In: MELO, Mário Sérgio de; MORO, Roseme-
ri Segecin; GUIMARÃES, Gilson Burigo. Os Campos Gerais do Paraná, p. 17.
7
MELO, Mário Sérgio de; MORO, Rosemeri Segecin; GUIMARÃES, Gilson Burigo. Os Campos Ge-
rais do Paraná. In: ______. (ed.). Patrimônio natural dos Campos Gerais do Paraná. Ponta Grossa:
Uepg, 2007, p. 17.
16
8
ZULIAN, Rosângela Wosiack. ―A semente de uma grande cidade‖: uma leitura dos discursos cons-
truídos sobre a fundação da cidade de Ponta Grossa, Revista de História Regional, Ponta Grossa,
vol. 14, no. 2, 2009, p. 108-109.
9
MELO, Mário Sérgio de; MORO, Rosemeri Segecin; GUIMARÃES, Gilson Burigo. Os Campos Ge-
rais do Paraná, op. cit., p. 18-19.
17
narrativas foram selecionadas devido ao destaque que cada um dos viajantes deu
aos Campos Gerais. Todos os três dedicaram várias páginas a descrever a paisa-
gem, buscando expor para o leitor os elementos que a compunham e insistindo em
sua grande beleza e possível utilidade.
Para que o leitor possa ter uma ideia de quem eram as três personalidades
(que serão mais bem estudadas no capítulo seguinte) segue um breve quadro des-
critivo:
Quadro 1: caracterização dos viajantes. Elaborado a partir dos dados colhidos na pesquisa.
10
BARTHES, Roland. Fragmentos de um discurso amoroso. Tradução de Márcia Valéria Martinez de
Aguiar. São Paulo: Martins Fontes, 2003. (Coleção Roland Barthes), p. XVI.
11
BARTHES, Roland. O neutro: anotações de aulas e seminários ministrados no Collège de France,
1977 -1978; texto estabelecido, anotado e apresentado por Thomas Clerc. Tradução de Ivone Casti-
lho Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2003. (Coleção Roland Barthes), p. 24.
19
do, que nas palavras do semiólogo francês ―fetichiza o objetivo como lugar e, assim,
afastando os outros lugares, o método se põe a serviço de uma generalidade, de
uma ‗moralidade‘‖12. Essa apresentação do texto é mais livre, as citações são usa-
das não enquanto elemento de autoridade, mas sim como a expressão mais clara
possível de uma ideia, de um problema; assim sendo, as referências são colocadas
no canto esquerdo do texto, com o nome do autor e a página citada, visando desta
forma maior fluência do texto principal à direita, composto dos fragmentos reunidos.
Assim, uma figura pode estar dispersa em partes distantes do próprio texto, e o sim-
ples ato de descolocar esses fragmentos e reuni-los a partir de uma figura ressignifi-
ca os elementos textuais, retirando-os de sua aparente ingenuidade narrativa; dis-
persos no enredo, esses elementos operam pela aparente neutralidade do ato de
narrar. Como são utilizados apenas os textos dos três viajantes, as referências à
esquerda indicam somente o autor e a página.
A partir desse procedimento irei elencar algumas figuras que podem ser
consideradas importantes da paisagem dos Campos Gerais e da percepção dos via-
jantes: água; pinheiro (Araucaria angustifolia); rochas; entrada; vastidão; solo; co-
res/contrastes; jardins, pomares e hortas; limites. Em função desse procedimento é
possível perceber que alguns temas e preocupações são constantes, que algumas
imagens se repetem, certos estereótipos se fixaram no imaginário, sobretudo quan-
do se fala na prodigalidade na natureza, na indolência dos habitantes locais e na
semelhança com as paisagens europeias (uma aproximação que visava à imigração
de trabalhadores europeus).
12
BARTHES, Roland. Como viver junto: simulações romanescas de alguns espaços cotidianos: cur-
sos no Collège de France, 1976-1977; texto estabelecido, anotado e apresentado por Claude Coste.
Tradução Leyla Perrone-Moisés. São Paulo: Martins Fontes, 2003. (Coleção Roland Barthes), p. 6.
20
Dites, qu‟avez-vous vu ?
(Baudelaire, Le voyage)13
13
Na tradução literal para o português os versos de Baudelaire perdem seu efeito musical, obtido
através da métrica e das rimas, por isso a preferência em mantê-los no original em francês. Tradução
literal: ―Surpreendentes viajantes! que nobres histórias / Lemos em vossos olhos profundos como os
mares! / Mostrai-nos os escritos de vossas ricas memórias, / essas joias maravilhosas, feitas de as-
tros e éteres. / Queremos viajar sem vapor e sem vela! / Fazei, para alegrar o tédio de nossas pri-
sões, / passar sobre nossos espíritos, estendidos como uma tela, / vossas lembranças com seus
quadros de horizontes. / Dizei, que vistes?‖
14
HOLANDA, Sergio Buarque de. A herança colonial — sua desagregação. In: ______. (Dir.). História
Geral da Civilização Brasileira (Tomo II, Volume I). São Paulo: DIFEL, 1970, p. 12.
15
RAMINELLI, Ronald. Viagens ultramarinas: monarcas, vassalos e governo a distância. São Paulo:
Alameda, 2008, pp. 97-133.
21
Brasil abriu-se, finalmente, para os estrangeiros. Essa terra, nova ainda, prometia
aos naturalistas as mais ricas messes‖16.
A curiosidade estrangeira, sobrepujada por tanto tempo, podia ser enfim sa-
ciada; ou como diz Sérgio Buarque: ―Nesses poucos anos foi como se o Brasil tives-
se amanhecido de novo aos olhos dos forasteiros, cheio da graça milagrosa e das
soberbas promessas com que se exibira aos seus mais antigos visitantes.‖ Daí a sua
tese de um ―novo descobrimento do Brasil‖; descobrimento este divulgado por meio
de textos e imagens dos ―muitos sábios estrangeiros que, pela mesma época, virão
conhecer para depois divulgá-las, as belezas e riquezas da terra‖17.
Para o sociólogo Gilberto Freyre, a presença de D. João VI (príncipe com
poderes de rei; figura singular, geralmente retratado como molenga e porcalhão), de
sua corte e seus ministros; ―a simples presença de um monarca em terra tão anti-
monárquica nas suas tendências para autonomias regionais e até feudais, veio mo-
dificar a fisionomia da sociedade colonial; alterá-la nos seus traços mais característi-
cos‖18. Com isso, um conjunto de medidas sociais e, principalmente econômicas,
―começaram a alterar a estrutura da colônia no sentido de maior prestígio do poder
real. Mas não só do poder real […]; também das cidades e das indústrias ou ativida-
des urbanas‖19. A partir desse momento, ―o patriarcado rural que se consolidara nas
casas-grandes de engenho e de fazenda […] começou a perder a majestade dos
tempos coloniais‖20.
Ainda, conforme Holanda, entre a classe letrada brasileira, formada nas uni-
versidades europeias do período, forjava-se ―a noção cada vez mais nítida das
imensas potencialidades de uma terra que o obscurantismo cobiçoso da mãe-pátria
queria para sempre jungida ao seu atraso e impotência‖21.
Tais mudanças tiveram efeitos significativos nas terras além-mar; a Inde-
pendência, em 1822, certamente foi aquela com maior potencial de reordenação dos
rumos nacionais — tal como havia observado de maneira perspicaz o inglês Robert
16
SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem pelas províncias de Rio de Janeiro e Minas Gerais (tomo I).
Tradução de Clado Ribeiro de Lessa. São Paulo/Rio de Janeiro/Recife/Porto Alegre: Companhia Edi-
tora Nacional, 1938, p. 21.
17
HOLANDA, op. cit., p. 12.
18
FREYRE, Gilberto. Sobrados e Mucambos: decadência do patriarcado rural e desenvolvimento do
urbano. Introdução à história da sociedade patriarcal no Brasil — 2. Rio de Janeiro: Record, 2000, p.
33.
19
Ibidem.
20
Ibidem.
21
HOLANDA, op. cit., p. 10.
22
Southey no início do século XIX: ―galho tão pesado não pode continuar unido, por
muito tempo, a tronco tão gasto‖22.
Para os viajantes, geógrafos, engenheiros, simples curiosos, esse momento
foi, sem dúvida, de intensa descoberta: ―o Brasil do início do século XIX estava sen-
do devassado por muitos viajantes, de várias origens, que vieram ao país motivados
por diferentes razões‖23.
Multiplicavam-se as viagens pelo interior do Brasil e a produção e circulação
de relatos de viagem sobre o território seguiram o mesmo ritmo — de fato a palavra
interior, como marca do desconhecido e do exótico, frequenta o vocabulário de qua-
se todos os viajantes até meados do século XX.
As permissões concedidas pela coroa portuguesa definiam uma complexa
hierarquia àqueles que desejavam visitar e estudar esse novo mundo: nem todos
poderiam ir a todos os lugares, e, em razão da conjuntura política, havia grande in-
disposição à presença de franceses em território brasileiro até 1816. Além disso,
nem todos os viajantes vinham ao Brasil pelo mesmo motivo. Certamente, havia a
atração pelo exótico; mas, para além da aventura, uma viagem além-mar no período
era uma tarefa difícil, que exigia preparação e recursos.
22
SOUTHEY apud HOLANDA, op. cit., p. 11.
23
LISBOA, Karen Macknow. A Nova Atlântida de Spix e Martius: natureza e civilização na Viagem
pelo Brasil. São Paulo: HUCITEC, 1997, p. 24.
24
PÁDUA, José Augusto. Natureza e sociedade no Brasil monárquico. In: GRINBERG, Keila;
SALLES, Ricardo (orgs.). O Brasil Império, Vol. III. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. João
Pacheco de Oliveira Filho propõe que é necessário refletir sobre ―a validade analítica da utilização da
categoria genérica de ‗viajantes‘ para um universo bem diferenciado de produtores intelectuais, onde
existem diferentes tipos de bens simbólicos envolvidos, cada um deles ligado a mecanismos bem
distintos de produção e de circulação, bem como a instâncias variadas de legitimação e consagra-
23
ção‖. Portanto, para que essa categoria seja utilizada é necessário ater-se ―ao conjunto de autores
nomeados, recortados e valorizados por esses classificadores, isto é, a um domínio cristalizado de
ideias, fatos, juízos e avaliações, o qual se subordina a regras de produção próprias ao universo inte-
lectual‖. OLIVEIRA FILHO, João Pacheco. Elementos para uma Sociologia dos Viajantes In:
______(org.). Sociedades indígenas e indigenismo no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. Marco Zero, 1986,
p. 92-93.
25
HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles; FRANCO, Francisco Manoel de Mello. Mini dicioná-
rio Houaiss da língua portuguesa (verbete Viagem). Rio de Janeiro: Objetiva, 2004, p. 759.
26
Em francês no original, tradução minha: ―Qu‘elles soient laïques ou religieuses, collectives ou indi-
viduelles, fictives ou historiques, elles constituent des images fortes de la destinée.‖ OUELLET, Réal.
La relation de voyage en Amérique (XVI e-XVIIIe siècles). Au carrefour de genres. Québec: Les
Presses de l‘Université Laval, 2010, p. 1.
27
PAZ, Francisco Moraes. Na poética da história: a realização da utopia nacional oitocentista. Curiti-
ba: UFPR. 1996, p. 204.
24
28
PAZ, op. cit., p. 206.
29
Segundo Karen Macknow Lisboa, ―Humboldt anuncia um novo estilo de descrição de viagens cien-
tíficas. O autor formula uma ‗maneira estética de tratar temas de história natural‘, afim de complemen-
tar e intensificar as revelações da ciência sobre as ‗forças ocultas‘ que regem a natureza.‖ De forma
que ―praticamente todos os naturalistas e viajantes de expedições científicas […] que vieram ao Bra-
sil, desimpedidos com a abertura dos portos, inspiraram-se no estilo de viagem e de narrativa da obra
de Humboldt.‖ LISBOA, op. cit., pp. 40-44.
30
O sociólogo João Pacheco de Oliveira Filho insiste que as viagens científicas precisam ser vistas
enquanto ―um fenômeno regido por um conjunto de normas sociais específicas, um campo onde exis-
tem papéis e posições bem estatuídas e para o qual convergem expectativas e recursos definidos
socialmente‖. OLIVEIRA FILHO, op. cit., p. 102.
31
HARTOG, François. O espelho de Heródoto: ensaio sobre a representação do outro. Tradução de
Jacyntho Lins Brandão. Belo Horizonte: UFMG, 1999, 276.
32
SÜSSEKIND, Flora. O Brasil não é longe daqui: o narrador, a viagem. São Paulo: Companhia das
Letras, 2008, p. 45.
25
33
LISBOA, op. cit., p. 38.
34
PRATT, Mary Louise. Os olhos do Império: relatos de viagem e transculturação. Tradução Jézio
Hernani Bonfim Gutierre. Bauru, SP: EDUSC, 1999, p. 69.
35
SÜSSEKIND, op. cit., p. 45.
26
nota de que viajou à Holanda e Alemanha antes de embarcar para o Brasil em 1816,
como componente da expedição do Duque de Luxemburgo; expedição essa que ob-
jetivava resolver o conflito entre Portugal e França quanto à posse da Guiana. Sua
estada no Brasil durou seis anos (1816-1822), fato marcante para a carreira acadê-
mica à qual se dedicou posteriormente.
Diz o próprio cientista:
36
SAINT-HILAIRE, op. cit., p. 13.
37
Cf. KURY, Lorelai. Auguste de Saint-Hilaire, viajante exemplar. Revista Intellèctus, São Paulo, ano
2, n. 1. ROSSATO, Luciana. A lupa e o diário: história natural, viagens científicas e relatos sobre a
Capitania de Santa Catarina (1763-1822). Itajaí: UNIVALI, 2007.
38
SAINT-HILAIRE, op. cit., p. 13.
27
39
SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem pela comarca de Curitiba. Tradução de Cassiana Lacerda
Carolo. Curitiba: Fundação Cultural, 1995. (Farol do Saber), p. 16.
40
Ibidem, p. 38.
28
Por trás de todos os paratextos se revela uma preocupação premente de todo via-
jante: a impossibilidade de confiar na própria memória e, inclusive, nas anotações
recolhidas durante a viagem — além, é claro, da afirmação da cientificidade preten-
dida no contexto já exposto. Pois, afinal, nada menos que trinta anos separam a via-
gem da escrita do relato.
41
Em francês no original, tradução minha: ―Membre de l‘académie des sciences de l‘institut de
France, professeur à la faculté des sciences de paris, chevalier de la légion d‘honneur, des ordres du
christ et de la croix du sud, des académies de Berlin, s. Petersburg, Lisbonne, c. l. c. des curieux de la
nature, de la société linnéenne de Londres , de l‘LNSTITUT historique et géographique brésilien, de la
société d'HISTOIRE naturelle de boston , de celle de Genève, botanique d‘Edimbourg, médicale de
Rio de Janeiro, philomathique de paris, des sciences n‘Orléans , etc.‖ SAINT-HILAIRE, Auguste de.
Voyage dans les provinces de Saint-Paul et Saint Catherine, tome second. Paris: Arthus Betrand,
Libraire Éditeur, 1851, p. III.
42
GENETTE, Gérard. Paratextos editoriais. Tradução de Álvaro Faleiro. Cotia: Ateliê Editorial, 2009,
p. 9.
43
Em francês no original, tradução minha: ―On y trouvera décrits, avec la même exactitude, non-
seulement les lieux qu'il a visités, mais encore les changements que les écrivains ont indiqués depuis
son voyage. Il s'est livré aux mêmes observations critiques, et a tâché de rectifier les nombreuses
erreurs qui se sont répandues dans les livres sur la géographie et l'etnographie du Brésil ; il a cité,
avec le même soin, tous les écrivains auxquels il a emprunté quelque chose, et dans ce but il a fait
tous ses efforts pour réunir les ouvrages publiés sur le Brésil.‖ SAINT-HILAIRE, Voyage…, op. cit., p.
V-VI.
29
48
LISBOA, op. cit., p. 26.
49
ABREU, Capistrano de. Capítulos de história colonial, 1500-1800. Belo Horizonte/Itatiaia/São Pau-
lo: Publifolha, 2000, p. 242.
50
PAZ, op. cit.
51
Ibidem, p. 236.
31
que, embora não houvesse cumprido todas as etapas, reunia inúmeras potencialida-
des para realizar sua missão civilizacional. A natureza ocupava nessa proposta o
elemento principal na composição da nação, sua singularidade definia a feição brasi-
leira.
Como diz Pádua, no contexto do Brasil monárquico, ―a fartura de espaços
naturais ainda densos de vida selvagem assumiu diferentes significados simbólicos
e políticos‖52. Ambiguamente ―foi saudada como um sinal de grandeza e poder‖, mas
também ―era uma realidade problemática para autores locais mais preocupados com
um projeto político de construção nacional.‖ Nesse contexto dois movimentos igual-
mente intensos conviviam: ―uma cultura de elogio laudatório da natureza e uma prá-
tica de contínua agressão contra algumas das suas principais manifestações‖53.
No campo cultural, especialmente literário, as imagens produzidas pelos ci-
entistas-viajantes do início do século XIX serviram de protótipo para a construção da
literatura romântica nacional. Flora Süssekind observa que ―o viajante ensina a ver,
organizar para os olhos nativos a própria paisagem e definir maneiras de descrevê-
las‖54. No projeto nacionalista, que de modo algum exclui a produção literária, ―per-
correr o país, registrar a paisagem, colher tradições‖, faz parte do esforço em definir
a nação. Esse projeto está presente em autores como José de Alencar e Visconde
de Taunay: a tentativa de firmar tipos regionais, inventariar a fauna e flora, percorrer
caminhos e desenhar paisagens.
Em 1853, dois meses após da morte de Saint-Hilaire, foi criada a província
do Paraná. Depois da findada as revoluções Farroupilha, no Rio Grande do Sul, e de
Sorocaba, em São Paulo, a nova província, ―fiel‖ ao imperador, teria surgido como
um ―obstáculo‖ que impedia a comunicação dos liberais paulistas e gaúchos e, con-
sequentemente, uma fragmentação do território brasileiro 55. De fato, após a emanci-
pação da província a administração pública se mostrava instável e ineficiente. O de-
creto que assinalou sua criação indicava que Curitiba seria a capital provisória, e as
discussões em torno da sede do governo (e até mesmo do nome 56) incluíam no rol
52
PÁDUA, op. cit., p. 236.
53
Ibidem, 238.
54
SÜSSEKIND, op. cit., p. 39.
55
Cf. OLIVEIRA, Ricardo Costa de. O silêncio dos vencedores: genealogia, classe dominante e Esta-
do do Paraná. Curitiba: Moinho do verbo, 2001.
56
O viajante lapeano Salvador José Correia Coelho reclama em 1860 do nome dado à província.
Dizia ele que: ―Se cumpria dar um nome de rio à nova província, porque não província do — ‗Iguaçu‘
— ? Mas antes porque não província de — ‗Curitiba‘ — ? Que necessidade de confundir essa deno-
32
Confesso, entretanto, que se fosse chamado a opinar sobre esse grave as-
sunto, eu hesitaria […] De uns certos tempos para cá cada arraial, cada lu-
garejo brasileiro deseja tornar-se sede de um distrito, cada cidade a cabeça
de uma comarca. Se essas reivindicações se estendessem também às pro-
víncias, se fosse concedida a Curitiba a sua separação de São Paulo, uma
centena de comarcas iriam querer o mesmo privilégio, e os laços, já frágeis,
que ligam as diferentes regiões do Brasil não tardariam a se tornar mais frá-
geis ainda. Ainda que a reivindicação dos curitibanos seja inteiramente justi-
ficada, talvez eles deem uma prova de seu patriotismo adiando-a mais uma
58
vez .
minação com a de Paraná, cidade capital da Confederação argentina? CORREIA COELHO, Salvador
José. Passeio à minha terra. Curitiba: Fundação Cultural, 1995. (Coleção Farol do Saber), p. 71.
57
Relatório do presidente da província do Paraná, o conselheiro Zacarias de Góes e Vasconcellos, na
abertura da Assembleia Legislativa Provincial em 15 de julho de 1854. Curitiba: Typ. Paranaense de
Candido Martins Lopes, 1854, p. 143.
58
SAINT-HILAIRE, Viagem pela comarca…, op. cit., p. 182.
59
DORATIOTO, Francisco Fernando Monteoliva. Maldita guerra: nova história da Guerra do Para-
guai. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 17-18.
33
Em 1871, foi dada uma concessão pelo governo brasileiro ao barão (atual-
mente visconde) de Mauá e a outros para executar um levantamento envol-
vendo uma linha férrea e serviço de barco a vapor que ligaria Curitiba, a ca-
pital da província do Paraná, e a cidade de Miranda, perto da fronteira oci-
dental do Brasil, na província de Mato Grosso. […]
Esse levantamento começou no mês de agosto do ano seguinte, e o autor
foi contratado, junto com outros três engenheiros e uma equipe de índios e
operários brasileiros61.
60
CARNEIRO, Newton. Nota biográfica de Thomas Plantagenet Bigg-Wither. In: BIGG-WITHER,
Thomas P.. Novo caminho no Brasil meridional: a província do Paraná, três anos de vida em suas
florestas e campos — 1872/1875. Tradução de Temístocles Linhares. Rio de Janeiro: José Olympio;
Curitiba: Ufpr, 1974, p. 23.
61
BIGG-WITHER, Thomas P.. O vale do Tibagi, Brasil. Tradução de Thomas Bonnici. In: ARRUDA,
Gilmar (org.). A natureza dos rios: história, memória e territórios. Curitiba: UFPR, 2008, p. 179.
34
É da essência de um bom livro de viagem que o autor deve levar seus leito-
res junto com ele, fazendo com que compartilhem suas aventuras e permi-
tindo-lhes participar em seus trabalhos; especialmente, é necessário que
eles compreendam seus objetivos e objetos, de forma que sejam capazes
de simpatizar com ele em seus esforços para alcançá-los. No entanto, exis-
tem alguns escritores que não entendem isso, que dissertam sobre cenários
e história natural, cuidadosamente descrevem lugares e seus habitantes, e
até mesmo dão muitos registros de suas aventuras, sem nada que nos dei-
xe saber o que os levou ao país estrangeiro, ou em que consistia especial-
mente sua ocupação e conexão com esse país; assim, falham em despertar
qualquer interesse pessoal, o livro muito provavelmente é lido de forma
descuidada, e é logo esquecido. Mas não o Sr. Bigg Wither64.
62
BIGG-WITHER, Novo caminho…, op. cit., p. 27.
63
Cf. BRIDGES, Roy. Exploration and travel outside Europe (1720–1914). In: HULME, Peter;
YOUNGS, Tim (eds.). The Cambridge companion to travel writing. Cambridge: Cambridge University
Press, 2002. O autor comenta que John Murray era líder nesse tipo de publicação. Ainda reforça que
o editor tinha estreitas ligações com a Real Sociedade de Geografia de Londres, à qual Bigg-Wither
se associou desde a palestra que ministrara na instituição em 1876, sobre o vale do rio Tibagi e seu
potencial diamantífero.
64
Em inglês no original, tradução minha: ―It is of the essence of a good book of travel that the author
should take his readers along with him, making them share in his adventures and allowing them to
participate in his toils; especially is it necessary that they should understand his aims and objects, so
35
as to be able to sympathize with him in his endeavours [sic] to attain them. Now there are some writ-
ers who do not understand this, who descant upon scenery and natural history, carefully describe
places and their inhabitants, and even give many records of adventure, without at all letting us know
what brought them to this foreign country, or what was their special occupation in connection with it;
and thus failing to arouse any personal interest, the book very likely meets with a careless perusal,
and is soon forgotten. Not so Mr. Bigg-Wither.‖ Pioneering in south Brazil [first notice.]. The Spectator.
Londres, p. 20, 11 mai. 1878.
65
BIGG-WITHER, Novo caminho…, op. cit., p. 27.
66
Nesse sentido Temístocles Linhares cumpre com grande sabedoria e erudição a máxima italiana
que diz ―traduttore, traditore‖ (tradutor, traidor) ao conceber outra imagem de destinatário, alterando
inclusive paratextos e referências textuais com o claro objetivo de trazer o texto ao leitor brasileiro.
Não fossem as interferências do tradutor o relato de Bigg-Wither certamente enfrentaria sérios pro-
blemas de recepção por parte do público brasileiro. Essas interferências e os efeitos interpretativos
por elas suscitados serão exploradas no decorrer desse trabalho.
36
67
Como explica Ana Lúcia Cruz: ―Modelo paradigmático de expedição cientifica do Iluminismo, a via-
gem filosófica caracterizava-se pela pretensão enciclopedista de produzir um conhecimento extensivo
e detalhado sobre o território visitado. O levantamento minucioso e exaustivo a que devia proceder o
viajante naturalista não se restringia às produções do mundo natural; mas abarcava também a inves-
tigação sobre a ‗natureza humana‘ dos habitantes autóctones.‖ CRUZ, Ana Lúcia Rocha Barbalho da.
Verdades por mim vistas e observadas oxalá foram fábulas sonhadas: cientistas brasileiros do sete-
centos, uma leitura auto-etnográfica. Curitiba: UFPR, 2004. Tese (Doutorado em História), p. 123.
68
TAUNAY, Alfredo de Escragnolle, Visconde de. Viagem Philosophica aos Campos Geraes e ao
sertão de Guarapuava. In: ______. Visões do Sertão. São Paulo: Cia. Melhoramentos de São Paulo,
1928, p. 69.
37
69
MARETTI, Maria Lídia Lichtscheidl. Um polígrafo contumaz (O Visconde de Taunay e os fios da
memória). Campinas Tese (doutorado) — Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos
da Linguagem. Departamento de Teoria Literária, 1996, p. 17.
70
Ibidem, p. 22.
71
Ibidem, p. 19. Essa definição de reformista é também utilizada por Pádua para definir ―um conjunto
de intelectuais e homens públicos, quase todos membros da elite imperial, que se preocupou com a
degradação do território a partir de um reformismo tecnológico e administrativo. A destruição ambien-
tal, que eles viam como um dos principais obstáculos ao projeto civilizatório do Império, poderia ser
superada sem a necessidade de reformas sociais mais profundas‖. PÁDUA, José Augusto. Um sopro
de destruição: pensamento político e crítica ambiental no Brasil escravista, 1786-1888. Rio de Janei-
ro: Jorge Zahar, 2002, p. 22.
72
TAUNAY, Alfredo de Escragnolle, Visconde de. Inocência. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 127.
73
TAUNAY, Alfredo de Escragnolle, Visconde de. Memórias. São Paulo: Iluminura, 2004, p. 207-208.
38
74
TAUNAY, Memórias, op. cit., p. 557.
75
TAUNAY, Viagem…, op. cit., p. 4.
76
Ibidem, p. 3.
39
77
TAUNAY, Viagem…, op. cit., p. 70.
78
Ibidem, pgs. 84, 141, 145, 119, 132, respectivamente.
79
Ibidem, pgs. 70, 89 e 87, respectivamente.
80
Ibidem, p. 71.
81
Cf BLANC, Claudio. Diários de um Clássico. In: TAUNAY, Inocência, op. cit.; CARNEIRO, op. cit.
40
O período entre o final do século XVIII e início do XIX é marcado por uma
nova etapa de expansão territorial do capitalismo. Ligados há muito à Europa pelo
sistema colonial e o tráfico negreiro, tanto a América do Sul quanto o continente afri-
cano tornaram-se focos de novas iniciativas expansionistas europeias (em especial
da Inglaterra e da França), determinadas pelo impulso à exploração do interior des-
ses territórios. Essa nova fase, nas palavras de Mary Louise Pratt, foi ―marcada pela
busca de matérias-primas, a tentativa de expandir o comércio costeiro para o interi-
or, os imperativos nacionais de se apoderar de territórios ultramarinos, assim evitan-
do que outras potências europeias os ocupem‖82.
Para Edward W. Said, esse período é de um novo imperialismo, o qual se
pode encontrar em um sistema de ideias coerentes e mobilizadas a partir do final do
século XVIII, a saber: a ascensão do nacionalismo e da nação-Estado europeia, o
advento da industrialização em grande escala e a consolidação do poder da burgue-
sia; ―ao mesmo tempo em que a forma do romance e a nova narrativa histórica ad-
quirem predomínio, e destaca-se a importância da subjetividade para o tempo histó-
rico‖83.
O objeto de disputa nessa nova etapa do capitalismo é, assim como em to-
das as anteriores, sem dúvida, a terra. Mas a legitimidade desse processo, os pro-
blemas que são levantados a partir da ocupação civil e militar europeia de terras dis-
tantes — quem possuía a terra, quem tinha o direito de nela se estabelecer e traba-
lhar, quem a explorava, quem a reconquistou e quem planeja seu futuro —; esses
problemas foram pensados, discutidos e, por vezes, resolvidos na narrativa.
Os relatos de viagem no século XIX, enquanto narrativas de descoberta e
exploração, inventários das diferenças e das potencialidades, ―engajaram o público
leitor metropolitano nos (ou para os) empreendimentos expansionistas cujos benefí-
cios materiais se destinavam, basicamente, a muito poucos‖84. Com efeito, essas
narrativas produziram ―o resto do mundo‖ para leitores europeus ao longo da trajetó-
ria expansionista da Europa.
82
PRATT, op. cit., 1999, p. 35.
83
SAID, Edward W. Cultura e Imperialismo. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Companhia
das Letras, 2011, p. 112.
84
PRATT, op. cit., p. 28.
41
[…] vivendo no meio da riqueza, eles são felizes de passar a vida numa si-
tuação apenas um pouco menos animalesca que a dos índios selvagens.
Esse quadro é apenas uma reprodução do que se pode ver nos povoados
espalhados no interior do Brasil. Não se pode refutar o pensamento, que
ocorre na cabeça do viajante, que tudo isso vê, de que a população não me-
rece esse país85.
Entre todas as partes desse império que percorri até agora, não há nenhu-
ma outra onde uma colônia de agricultores europeus tenha possibilidade de
se estabelecer com mais sucesso do que ali. Eles encontrarão um clima
temperado, um ar puro, as frutas do seu país e um solo no qual poderão
desenvolver qualquer tipo de cultura a que estejam acostumados, sem
85
BIGG-WITHER, O vale do Tibagi…, op. cit., p. 186.
86
Ibidem, p. 190.
87
Ibidem, p. 185.
88
Ibidem, p. 196-198.
42
Até quanto alcance a vista, campos acidentadas cobertos das mais viçosas
plantações de trigo; aveia, centeio, linho, cânhamo e no meio delas trechos
de milho, feijão, arroz, batatas de Demerara e cana-de-açúcar, enfim o tape-
te mais garrido e curioso com todos possíveis ancenúbios da cor verde.
E aqui, e ali, majestosos pinheiros, uns isolados, outros em grupos de três
ou quatro, a se erguerem do seio das culturas rasteiras e dando a tudo um
cunho da mais poética perspectiva europeia91.
91
TAUNAY, Viagem…, op. cit., p. 77.
92
PRATT, op. cit., 30.
93
BENJAMIN, Walter. O Narrador. In: BENJAMIN, Walter, et all. Textos Escolhidos: Walter Benjamin,
Max Horkheimer, Thedor W. Adorno e Jürgen Habermas. Tradução de Erwin Theodor Rosental. São
Paulo: Abril Cultural, 1983. (Coleção Os pensadores), p. 258.
94
REUTER, Yves. A análise da narrativa: o texto, a ficção e a narração. Tradução de Mário Pontes.
Rio de Janeiro: Difel, 2002, pp. 128-131.
44
tante para a cultura e o imperialismo, e constitui uma das principais conexões entre
ambos‖95.
É possível, portanto, avançar em uma perspectiva narratológica, uma análise
da narrativa que, conforme Reuter, tem duas grandes características: 1) consiste em
interessar-se pelas narrativas como objetos linguísticos, fechados em si, indepen-
dente de sua produção e recepção; 2) as narrativas apresentam formas de base e
princípios de composição comuns. Ainda assim, a análise narratológica ―só é inte-
ressante quando se articula, nesse ou naquele momento, com outras teorias que
permitam avançar na interpretação, prendendo-se pois, a enunciação‖96. Seu maior
mérito é, sem dúvida, limitar os desvios ―selvagens‖ de interpretações prematuras,
forçando a levar-se em conta, de maneira precisa, a organização do texto e a produ-
ção de efeitos, principalmente o efeito de real.
Ainda, se retomarmos a preocupação inicial de que uma viagem além-mar
no século XIX, e até mesmo dentro do Brasil — ainda hoje —, é custosa, nos depa-
ramos com o problema de quem financiava e dava suporte aos viajantes.
Réal Ouellet, ao estudar os relatos de viagem sobre a América dos séculos
XVI a XVIII, propõe que todo relato de viagem parte de um ―pacto viático‖ [pacte via-
tique], estabelecido entre um ―poder mandatário‖ e um viajante que se transmuta em
autor, narrador e protagonista de um relato [relation]. Assim, a produção de uma nar-
rativa sobre a viagem cauciona uma ação, na mesma medida em que legitima uma
escritura97.
Nesse sentido, os paratextos limiares são muito esclarecedores. Diz Saint-
Hilaire, em sua dedicatória ao duque de Luxemburgo, que
95
SAID, op. cit., p. 11.
96
REUTER, op. cit., p. 16.
97
OUELLET, op. cit., p. 9.
98
SAINT-HILAIRE, Viagem pelas províncias…, op. cit., p. 11.
45
Será certamente esta mescla de informações exatas e bem firmes com ou-
tra parte, toda de devaneios, hipóteses, conjecturas e meditações, mais ou
menos concatenadas e justificáveis, que pode incutir algum encanto à mi-
nha narrativa. E se essa impulsão não for transmitida a quem me fizer o fa-
vor da sua atenção, então não terei alcançado a meta que colimo. J'en serai
pour ma peine.
Aliás tantos e tão grandes desenganos já tenho sofrido, embora ainda não
chegado de todo ao declínio da vida, pois começo a escrever estas páginas
aos quarenta e sete annos de idade, tanta esperança baldada, que mais
uma decepção, e esta de ordem literária, não será a espada de Breno na
balança das desilusões, ao proclamar-se o eterno vae victis tão doloroso
sempre ás almas fracas.
Mas não basta apenas firmar um pacto entre o poder mandatário e o autor,
apresentar-se como viajante é necessário e tão importante quanto, fazer o leitor crer
nas realidades ―redescobertas‖ pela autópsia: não basta apenas o recurso enfático
na experiência, é necessário torna-la literariamente interessante.
Nas palavras de Le Huenen, os relatos de viagem são um gênero antiquís-
simo, cujas Histórias de Heródoto e a Anábase de Xenofonte constituem, talvez, as
primeiras manifestações100. A diversidade de formas discursivas que compõe esse
gênero (livre) variam desde ―o diário (Montaigne, Journal de voyage), a autobiografia
(Chateaubriand, Mémories d‟Outre-Tombe), cartas (Sand, Lettres d‟un voyageur), o
ensaio etnográfico (Lévi-Strauss, Tristes Tropiques), etc‖101. Mas é certo que ―o rela-
to de viagem se torna possível a partir da realização da própria viagem‖, real ou
imaginária, circulando ―entre a memória, a história, a descrição de aventuras, as in-
99
BIGG-WITHER, Novo caminho…, op. cit., p. 29. Os destaques pertencem ao autor.
100
LE HUENEN, Roland. Le récit de voyage: l'Entrée en littérature. Études littéraires, vol. 20, n. 1,
1987, p. 45.
101
Ibidem, p. 46.
46
[…] uma longa tradição literária nos habituou a ver o texto como um modo
natural de representação do mundo. Ora, o viajante em território estrangeiro
toma rápida consciência de que o essencial de sua experiência não se co-
munica facilmente pela linguagem. Antes de dizer ou escrever, é necessário
organizar no imaginário a descontinuidade do percebido cotidiano108.
102
ROSSATO, op. cit., p. 76.
103
OUELLET, op. cit., p. 2.
104
LE HUENEN, op. cit., p. 45.
105
TAUNAY, Viagem…, op. cit., p. 69.
106
BIGG-WITHER, Novo caminho…, op. cit., p. 27.
107
SAINT-HILAIRE, Viagem pelas províncias…, op. cit., p. 13.
108
Em francês no original, tradução minha: ―[…] une longue tradition littéraire nous a habitué à voir le
texte comme un mode naturel de représentation du monde. Or, le voyageur en territoire étranger
prend vite conscience que l‘essentiel de son expérience ne se communique pas facilement par le
langage. Avant de dire ou d‘écrire, il faut organiser dans l‘imaginaire la discontinuité du perçu quoti-
dien.‖ OUELLET, op. cit., 18.
47
109
TAUNAY, Viagem…, op. cit., 69.
110
SAINT-HILAIRE, Viagem pelas províncias…, pp. 14-17.
111
BIGG-WITHER, Novo caminho…, op. cit., 284.
48
império em distantes terras brasileiras no século XIX. A fama e a riqueza por eles
conseguidas a partir dos empreendimentos, e as benesses de outros empreendedo-
res envolvidos sequer são mencionadas. Quanto mais fechada em si a narrativa,
melhor são resolvidos os problemas em que nela se propõe, maior o efeito de real
sobre seus leitores. Para que isso seja realizado, uma imagem de narratário — com
o qual o autor dialoga textualmente — e de destinatário são essenciais.
Mary Louise Pratt aponta que nos relatos de viagem as passagens pelo inte-
rior do continente americano geram uma ―ladainha de lamúrias‖, seja pelas más
conduções, dificuldade em alugar cavalos, atrasos, etc. Ora, na narrativa todos es-
ses empecilhos funcionam como um dos papéis actanciais (ou atuacionais) proposto
por Greimas112 — o do oponente. O viajante (sujeito), enviado por uma instituição ou
empreendedor (destinador), na busca por um conhecimento ou na tentativa de reali-
zar uma tarefa (objeto) vê sua missão ameaçada por fazendeiros, empregados ou
políticos; é necessário, então, que ele aja de forma mais enérgica ou astuciosa para
resolver o problema sozinho (adjuvante) e possa assim aportar um novo saber para
a humanidade (destinatário). Todas as frequentes lamúrias e micronarrativas contri-
buem fortemente no processo de heroicização actancial do viajante na narrativa.
Nesse sentido, Taunay acredita que o incentivo à vinda em massa de imi-
grantes europeus pode resolver ―a ociosidade inata e fortificada pelas suavíssimas
condições de vida brasileira‖, ―o torpor e a apatia tão arraigados‖, bem como ―a ma-
landrice e a indolência‖ e ―a preguiça‖ que geram um ―círculo apertadíssimo e desa-
nimador da comodidade e gozos em que se mantém o nosso caipira‖, herdeiro das
―mais antigas práticas dos aborígenes do Brasil‖; para Taunay o Brasil é ―uma terra
de promissão, para os laboriosos‖113. Bigg-Wither se vê obrigado a tomar algumas
―precauções‖ contra os brasileiros — que ―não é um trabalhador perseverante‖. Es-
sas medidas foram ―a introdução de um contrato escrito‖, entre analfabetos, ―não
112
Esse modelo atuacional proposto pelo linguista lituano Algirdas Julius Greimas pretende recobrir
toda manifestação mística, ou corpus de comportamentos moralizados, fundado sobre a relação do
desejo, a partir de um número restrito de termos atuacionais, na tentativa de dar conta de um micro-
universo. Diz ele que ―sua simplicidade está no fato de que ele é um todo inteiramente fundado sobre
o objeto do desejo do sujeito e situado, como objeto de comunicação, entre o destinador e o destina-
tário, sendo o desejo do sujeito, por seu lado, modulado em projeções, do adjuvante e do oponente:
Destinador → objeto ← Destinatário
↑
Adjuvante → sujeito ← Oponente
Cf. GREIMAS, Algirdas Julius. Semântica estrutural. Tradução de Haquira Osakbe e Izidoro Blinks-
tein. São Paulo: Cultrix, 1973.
113
TAUNAY, Viagem…, op. cit., pp. 99-103.
49
lhes ser possível abandonar o trabalho sem aviso prévio de um mês, sob pena da
perda do direito a qualquer soma de dinheiro que tivessem‖ e, por último, ―o obstácu-
lo físico de separá-los em dois ou mais grupos distintos‖ 114, em mata fechada e sem
qualquer contato com a vila mais próxima. Saint-Hilaire, não poupa críticas aos habi-
tantes dos Campos Gerais, diz que ―todo mundo trabalha o menos possível‖ e que ―a
vida dos homens muito pobres difere pouco da dos índios selvagens. Eles só plan-
tam o estritamente necessário para o sustento da família‖.115 Segundo o naturalista
francês,
114
BIGG-WITHER, Novo caminho…, op. cit., p. 280.
115
SAINT-HILAIRE, Viagem pela comarca…, op. cit.
116
Ibidem, p. 18-19.
117
REUTER, op. cit., p. 73.
50
118
Ibidem, p. 73.
119
REUTER, op. cit., p. 81-82.
51
Capítulo 2 — PAISAGEM
120
ANDREOTTI, Giuliana. Paisagens culturais. Tradução de Ana Paula Bellenzier [et all]. Curitiba :
UFPR, 2013, p. 52.
121
Em francês no original, transcrição e tradução minhas: ―Pas de paysage sans observateur, pas
d‘observateur sans perception, et donc le paysage c‘est un lieu, mais qui est découpé par un regard,
qui est découpé par un point de vue, qui est découpé par une perspective informé par un schème de
perception visuelle.‖ DESCOLA, Philippe. Les formes du paysage : cours au Collège de France, 2010-
2011, 29 février 2012, 30‘ 37". Disponível em: http://www.college-de-france.fr/site/philippe-
descola/course-2012-02-29-14h00.htm. Acesso 18/02/2015.
52
outra coisa que si mesmo revelando aquilo que continha potencialmente‖, um pro-
cesso que ―pode se realizar in situ, na medida em que se trata de um arranjo do lu-
gar, ou in visu, a partir da elaboração de um esquema visual que organiza a figura-
ção concreta e serve de filtro ao olhar‖122.
Paisagem é um conceito complexo, ambivalente, e frequenta de maneira
prolixa o vocabulário de historiadores da arte, geógrafos, biólogos, arquitetos, entre
tantos outros — fala-se tanto em paisagens naturais quanto em paisagens sociais,
paisagens urbanas e históricas, etc. —; Augustin Berque chama isso de inflação [in-
flation] do termo, tal inflação leva-nos a falar de paisagem a propósito de tudo e de
nada123: uma palavra esvaziada de conteúdo conceitual e que não remete a nenhum
objeto.
Ora, se um conceito é antes de tudo uma palavra, uma definição de paisa-
gem pode começar em sua etimologia.
Sanderville Jr. informa que a palavra é oriunda do francês, paysage, e tem
sua primeira aparição em dicionário desta língua atestada no século XVI; seu uso
em língua portuguesa é referido como paizagem, em 1656: a ―palavra portuguesa
paisagem deriva de país, que se refere não apenas ao espaço físico, mas a uma
apropriação peculiar do espaço, à construção de um território e de um povo, para
então se tornar, talvez, a imagem desse território‖124. Argumenta ainda o autor que o
sufixo agem, do latim imago, ―remete à ideia de forma, semelhança, aspecto, apa-
rência‖, havendo tanto a ideia tanto de imitação (correspondência, similitude) quanto
de representação (criação, imaginação)‖125.
Jean-Marc Besse chama a atenção para o fato de que no século XVI os vo-
cabulários da emergente pintura de paisagem e da geografia eram idênticos. Diz o
geógrafo que antes de adquirir uma significação principalmente estética, ligada a um
gênero específico de pintura, palavras como landschaft, landschap, paesse, possuí-
122
Em francês no original, tradução minha: ―La transfiguration est un changement d‘apparence délibé-
ré au terme duquel un site devient un signe d‘autre chose que lui et révèle par là ce qu‘il contenait en
puissance […] ce processus peut se réaliser in situ, lorsqu‘il s‘agit de l‘aménagement d‘un lieu, ou in
visu, par l‘élaboration d‘un schème visuel organisant la figuration concrète et servant de filtre au re-
gard.‖ DESCOLA, Philippe. Anthropologie de la nature. Cours : les formes du paysage. I (suite)., An-
nuaire du Collège de France 2012-2013, Résumé des cours et travaux 113 e année, Paris, 2014, p.
680.
123
BERQUE, Augustin. Paysage, milieu, histoire. In : ______ (Dir.) Cinq propositions pour une théorie
du paysage. Seyssel: Editions Champ Vallon, 1994, p. 27.
124
SANDEVILLE JR., Euler. Paisagem. Paisagem Ambiente: ensaios, São Paulo, no. 20, 2005, p. 51.
125
Ibidem, p. 51.
53
Como bem observou March Bloch, ―para grande desespero dos historiado-
res, os homens não têm o hábito, a cada vez que mudam de costumes, de mudar de
vocabulário‖129. Em que se tratando de paisagem, a noção de paisagem permitiu que
fosse visto, separado, isolado e identificado?
Não existindo percepções puras, imaculadas, as paisagens são, portanto,
aquisições culturais. Nossa concepção de paisagem, assim como as noções de útil e
de belo — termos que frequentemente associados ao conceito —, está sustentada
por todo um repertório, um imaginário herdado, sedimentado ao longo do tempo.
Pois ―se existe um sentimento de satisfação conferido pela paisagem, é que existe
uma forma que espera uma satisfação, um preenchimento.‖ Para Anne Cauquelin,
―trata-se aqui da adequação de um modelo cultural ao conteúdo singular que é apre-
126
Leo Name, ao tratar da etimologia dessas palavras, traz a seguinte referência: ―[...] landschaft é de
origem alemã, medieval, e se refere a uma associação entre o sítio e seus habitantes, ou seja, morfo-
lógica e cultural. Provavelmente tem origem em land schaffen, que é ‗criar a terra, produzir a terra‘.
Landschaft originou o landschap holandês, que, por sua vez, originou o landscape em inglês. O termo
holandês, apesar de seu significado ser igual ao correlato alemão, se associou às pinturas de paisa-
gens realistas do início do século XVII, relacionando-se então às novas técnicas de representação
renascentistas. Já o termo em inglês, originado do holandês, comumente é definido como view of the
land ou representation.‖ NAME, Leo. O conceito de paisagem na Geografia e sua relação com o con-
ceito de cultura. GeoTextos, vol. 6, n. 2, 2010, p. 164.
127
BESSE, Jean-Marc. Ver a terra: seis ensaios sobre a paisagem e a geografia. Tradução de Vladi-
mir Bartalini. São Paulo: Perspectiva, 2006, p. 20.
128
CAMPORESI apud BESSE, op. cit., p. 20.
129
BLOCH, Marc. Apologia da História, ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
2001, p. 59.
54
[...] a paisagem não reside somente no objeto, nem somente no sujeito, mas
na interação complexa desses dois termos. Essa relação, que põe em jogo
130
CAUQUELIN, Anne. A invenção da paisagem. Tradução de Marcos Marcionilo. São Paulo Martins,
2007, p. 119-120.
131
BESSE, op. cit., p. 61-62.
132
Em francês no original, tradução minha: ―un paysage n'est jamais réductible à sa réalité physique
— les géosystèmes des géographes, les écosystèmes des écologues, etc. —, que la transformation
d'un pays en paysage suppose toujours une métamorphose, une métaphysique, entendue au sens
dynamique. En d'autres termes, le paysage n'est jamais naturel, mais toujours ‗surnaturel'‘‖. ROGER,
Alain. Court traité du paysage. Paris: Gallimard, 1997, p. 9-10.
133
SCHAMA, Simon. Paisagem e Memória. Tradução de Hildegard Feist. São Paulo: Companhia das
Letras. 2009, p. 17.
134
Ibidem, p. 24.
55
Para este geógrafo, a paisagem não se reduz aos domínios visuais do mundo, nem
à subjetividade de um observador, é mais do que um simples ponto de vista óptico,
assim como se remete a objetos concretos que estão a nossa volta, também é es-
pecificada por um sujeito que observa. É possível afirmar, então, que o estudo da
paisagem considera a complexa interação entre o sujeito que observa (sujeito este
vinculado a propósitos, sensibilidades e projetos individuais e/ou coletivos) e os ob-
jetos reais que se lhe apresentam.
Essa é a abordagem antropológica de Descola, que afirma que a noção de
paisagem
135
Em francês no original, tradução minha: ―[...] le paysage ne réside ni seulement dans l‘objet, ni
seulement dans le sujet, mais dans l‘interaction complexe de ces deux termes. Ce rapport, qui met en
jeu diverses échelles de temps et d‘espace, n‘implique pas moins l‘institution mentale de la réalité que
la constitution matérielle des choses.‖ BERQUE, Augustin. Introduction. In : ______ (Dir.) Cinq propo-
sitions…, op. cit., p. 5.
136
Cette notion renvoie à deux niveaux de réalité distincts, mais difficiles à dissocier. une réalité «ob-
jective», une étendue d‘espace offerte à la vue, qui préexiste donc au regard susceptible de
l‘embrasser et dont les composantes peuvent être décrites de façon plus ou moins précise dans
toutes les langues, et une réalité «phénoménale», puisqu‘un site ne devient paysage qu‘en vertu de
l‘œil qui le capte dans son champ de vision et pour lequel il se charge d‘une signification particulière.
DESCOLA, Philippe. Anthropologie de la nature. Cours : les formes du paysage. I., Annuaire du Col-
lège de France 2011-2012, Résumé des cours et travaux 112e année, Paris, 2013, p. 650.
137
HOLANDA, op. cit., p. 12.
138
Ibidem, p. 13.
56
139
WILLIAMS, Raymond. O campo e a cidade: na história e na literatura. Tradução de Paulo Henri-
que Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 201.
140
Em francês no original, tradução minha: ―Le paysage est manière de lire et d'analyser l'espace, de
se le représenter […], le paysage est une lecture, indissociable de la personne qui contemple l'espace
considéré.‖ CORBIN, Alain. L‟homme dans le paysage. Entretien avec Jean Lebrun. Paris : Textuel,
2001, p. 11.
141
Em francês no original, tradução minha: ―Nous lisons les paysages d'une manière distanciée, selon
une attitude que l'on peut qualifier de spectatoriale, parce que nous nous soumettons au primat de la
vue, et cela depuis la Renaissance.‖ Ibidem, p. 19.
142
Em francês no original, tradução minha: ―Quand l'on considère ce que nous appelons un paysage,
nous nous sentons, tout à la fois, face à un espace et en dehors de lui.‖ Ibidem, p. 19.
143
TUAN, Yi-Fu. Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente. Tradução
de Lívia de Oliveira. Londrina: Eduel, 2012, p. 96.
57
mas a sensibilidade paisagística pode se abrir por outras vias, se exprimir por outros
signos, visuais ou não, que requerem, do intérprete, uma atenção escrupulosa‖144.
Ora, se como aponta Michel Collot, ―a paisagem é sempre vista por alguém,
é por isso que ela tem um horizonte, cujos contornos são definidos por esse ponto
de vista‖145, devemos nos perguntar que paisagem é representada por esses obser-
vadores nos relatos de viagem? Como, e em função de quê, os lugares são recorta-
dos? A partir de quais pontos de vista são operados esses recortes?
144
Em francês no original, tradução minha : ―Sans doute la dénomination est-elle essentielle ; mais la
sensibilité, paysagère en l'occurence, peut se frayer d'autres voies, s'exprimer par d'autres signes,
visuels ou non, qui requièrent, de l'interprète, une attention scrupuleuse‖. ROGER, op. cit., p. 57. O
filósofo disserta ainda sobre forte ligação que as palavras francesas pays, paysans e paysage (lite-
ralmente em português país, camponês — mas também paisano em sua origem — e paisagem) pos-
suem: ―a percepção de uma paisagem [...] exige tanto um afastamento quanto uma cultura, uma es-
pécie de recultura. Isso não significa que o camponês é desprovido de qualquer relação com o seu
país e que ele não sente apego à sua terra, ao contrário; mas esse apego é mais poderoso por ser
simbiótico. Falta-lhe, por conseguinte, essa dimensão estética, que é medida, ao que parece, pela
distância do olhar, indispensável à percepção e ao deleite paisagístico. O camponês é o homem do
país, não o da paisagem.‖ Em francês no original, tadução minha: ―La perception d'un paysage […]
suppose à la fois du recul et de la culture, une sorte de reculture en somme. Cela ne signifie pas que
le paysan est dépourvu de tout rapport à son pays et qu'il n'éprouve aucun attachement pour sa terre,
bien au contraire; mais cet attachement est d'autant plus puissant qu'il est plus symbiotique. Il lui
manque, dès lors, cette dimension esthétique, qui se mesure, semble-t-il, à la distance du regard,
indispensable à la perception et à la délectation paysagères. Le paysan est l'homme du pays, non
celui du paysage‖. Ibidem, p. 27.
145
COLLOT, Michel. Do horizonte da paisagem ao horizonte dos poetas. Tradução de Eva Nunes
Chatel. In: ALVES, Ida Ferreira; FEITOSA, Márcia Maria Miguel (org.). Literatura e paisagem: pers-
pectivas e diálogos. Niterói: Editora da Universidade Federal Fluminense, 2013, p. 206.
58
com que frequentemente nos deparávamos, sentíamos que em geral faltava um re-
levo à identidade‖146, as ―mais soberbas e magníficas vistas‖147, grandes campos
―com seus horizontes sem fim e de seus soberbos espetáculos‖ 148, ―a vastidão do
campo dourado, estendendo-se para o sul e para o oeste, até se perder de vista‖149,
―grandes campos ondulantes‖150; ―verdejantes vastidões de campos iluminados pelo
sol, com fundas e elegantes ondulações‖151, ―sua formosura como paisagem‖ 152, ―há
nesta terra do Brasil momentos, há perspectivas, há paisagens tão grandiosas, tão
inesperadas, tão solenes, há quadros tão extraordinários em sua repentina aparição,
[…] que nem mesmo o pincel as pode fielmente reproduzir‖ 153, etc.
Já no texto de Saint-Hilaire o emprego do conceito visa tanto uma mirada es-
tética, quanto o utilitarismo. Como na descrição a seguir: ―até onde a vista alcança,
descortinam-se extensas pastagens; pequenos capões, onde sobressai a valiosa e
imponente [utile et majestueux] Araucária, surgem aqui e ali nas baixadas, o matiz
carregado de sua folhagem contrastando com o verde-claro e viçoso do capinzal‖154.
Suspensa temporalmente na narrativa — de fato isso é parte essencial de
toda narrativa; nas palavras de Gérard Genette, ―a descrição é mais indispensável
do que a narração, uma vez que é mais fácil descrever sem narrar do que narrar
sem descrever‖155 —, a descrição da paisagem visa simultaneamente um saber en-
ciclopédico e utilitário, na mesma medida em que produz uma imagem estetizada.
Diz Saint-Hilaire em sua ―Descrição Geral dos Campos Gerais‖:
Esses campos são certamente uma das mais belas regiões que já percorri
desde que cheguei à América; suas terras são menos planas, não tendo
pois a monotonia das nossas planícies de Beauce, mas as ondulações do
terreno não chegam a ser tão acentuadas que limitem o horizonte. […] De
vez em quando apontam rochas à flor da terra nas encostas dos morros, de
onde se despeja uma cortina de água que se precipita nos vales; inúmeras
éguas e bois pastam pelos campos e dão vida à paisagem; veem-se poucas
casas, mas todas bem cuidadas, com pequenos pomares de macieiras e
pessegueiros. O céu ali não é tão luminoso quanto na zona dos trópicos,
mas talvez convenha mais à fragilidade da nossa vista156.
146
BIGG-WITHER, Novo caminho…, op. cit., p. 127.
147
Ibidem, p. 97.
148
Ibidem, p. 101.
149
Ibidem, p. 134-135.
150
Ibidem, p. 350.
151
TAUNAY, Visões…, op. cit., p. 118.
152
Ibidem, p. 133.
153
Ibidem, p. 143.
154
SAINT-HILAIRE, Viagem pela Comarca…, p. 12.
155
GENETTE, Gérard. Fronteiras da Narrativa. In: BARTHES, Roland; et all. Análise estrutural da
narrativa: pesquisas semiológicas. Petrópolis: Vozes, 1973, p. 263.
156
SAINT-HILAIRE, Viagem pela Comarca…, p. 12.
59
Para o lado sul e sudoeste, estendia-se o vasto mar de relva dourada que
se perdia de vista, ondulando em vagas gigantescas até o profundo vale do
Iguaçu, bem distante e muito abaixo; depois, elevando-se novamente do ou-
tro lado, continuava seu movimento ondulatório, diminuindo gradativamente
as vagas, até o céu e a terra se confundirem e se perderem na distância, no
que parecia ser o infinito. Não havia detalhes que chamassem a atenção, a
vista parecendo perder-se na imensidão do panorama. Surgiam apenas al-
gumas árvores raquíticas, vendo-se aqui e ali pinheiros, a refletirem a ra-
magem verde escura nas profundezas dos cursos d‘água que cruzavam as
campinas. Era só. Além disso, a grande planície, quase sem limite em ex-
tensão, não apresentava um só marco onde os olhos pudessem repousar.
[...] Nem na Inglaterra, nem talvez em toda a Europa seria possível encon-
trar qualquer coisa que se aproximasse disto. O que mais me impressionou
foi a sua vastidão — a sua imensidão nos dava a ideia do ilimitado157.
157
BIGG-WITHER, Novo caminho…, op. cit., p. 94-95.
158
TAUNAY, Visões…, op. cit., p. 134.
159
BIGG-WITHER, Thomas P. Pioneering in South Brazil. Three years of forest and prairie life in the
Province of Paraná, vol.I. London: John Murray, 1878, p. 112.
60
terceira pessoa do plural no final da descrição (―nossa‖): ora, quem é esse ―nós‖ que
possui a vista frágil? Sem dúvida devemos retomar a proposição de Descola de que
―não há paisagem sem observador‖160; e de fato não existe; mas, é parte essencial
de toda narrativa que busca o realismo (uma cópia estrita do referente), apagar as
marcas do enunciador para aproximar leitor do que é descrito. Essa é a marca da
literatura científica: dar a ver um objeto (ou um conjunto de objetos), uma realidade,
sem os sinais da subjetividade de um possível observador: é aquilo que está dado.
Ou, como denomina Barthes, uma linguagem considerada ―espontânea‖, ―instrumen-
tal‖; linguagem esta que deve ser apenas ferramenta de um conteúdo mental ou
dramático, que não possui consistência em si mesma: ―as escritas científicas, não se
oferecem como escrituras, mas somente como transparências a serviço de um rela-
tório, de uma relação, de uma recensão do pensamento‖161. Parte da operação retó-
rica primordial para a concepção de paisagem, pertencendo àquilo que Cauquelin
denominada ―grande arte da ilusão sedutora‖: ―a presença de um autor por trás da
obra ou da paisagem é apagada: pensamos ter acesso direto a uma realidade total.
A perfeição é atingida quando se crê que não há mediação alguma entre a natureza
— exterioridade total — e a forma segundo a qual ela é percebida‖162.
Esse tipo de descrição só é possível porque o viajante está (de passagem)
na paisagem, mas não faz parte dela — não é o camponês, o paisano. Essa ―abs-
tração do homem‖, essa postura de observador, como descreve Raymond Williams,
possibilitou o aparecimento de ―ideias mais seculares e mais racionais sobre a natu-
reza‖163, trata-se de ―uma mente separada observando uma matéria separada‖164. O
aprimoramento da agricultura, a Revolução Industrial, etc. foram desencadeadas a
partir dessa ênfase; muitos ―desses efeitos práticos‖ dependeram de um olhar sobre
a natureza enquanto um conjunto de objetos, passíveis de serem manipulados e
operados pela mente humana165. Esse olhar sobre o mundo natural, sobre o espaço;
160
Cf. supra p. 51.
161
BARTHES, Roland. A preparação do romance II: a obra como vontade: notas de curso no Collège
de France 1979-1980. Tradução de Leyla Perrone-Moisés. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 338.
162
CAUQUELIN, op. cit., p. 124.
163
WILLIAMS, Raymond. Ideias sobre a natureza. In:_____. Cultura e materialismo. Tradução de
André Glaser. São Paulo: Editora Unesp, 2011, p. 101.
164
Ibidem, p. 102-103.
165
A diferença entre ver e o olhar é discutida por Sérgio Cardoso: ―o ver e o olhar, na sua oposição,
configuram campos de significação distintos; assinalam em cada extremidade do nosso fio justamen-
te ‗sentidos‘ diversos. O ver, em geral, conota no vidente uma certa discrição ou passividade ou, ao
menos, alguma reserva. Nele um olho dócil, quase desatento, parece deslizar sobre as coisas; e as
espelha e registra, reflete e grava. […] Com o olhar é diferente. Ele remete, de imediato, à atividade e
61
essa distância que permite ao viajante ver a paisagem, era condicionada por diver-
sos fatores, como visto anteriormente. Mas, sobretudo, uma questão se fez determi-
nante: a oposição entre rural e urbano e a convicção de que os ambientes urbanos
sofriam uma profunda deterioração, tidos cada vez mais como sujos e pestilentos; o
campo, ao contrário, era representado enquanto saudável e terapêutico166. Como
lembra Corbain ―a terapêutica determinou significativamente a apreciação. A partir
dos últimos decênios do século XVII, viu-se desenhar uma admiração das paisagens
‗saudáveis‘, consideradas como terapêuticas‖167. Essa preocupação é mais evidente
ainda no relato de Taunay em função de sua atividade enquanto presidente da pro-
víncia.
Bigg-Wither define as florestas do Ivaí como um ―Inferno terrestre‖, repletas
da ―praga dos insetos e pequenas misérias‖, um ambiente em que ―há alguma coisa
em seu silêncio perpétuo, nas suas sombras escuras e nos seus horizontes limita-
dos que age compassivamente sobre a mente e o corpo, reduzindo ambos a um pe-
rímetro mais estreito‖168. Já nos Campos Gerais, próximo a Tibagi, sua mirada tera-
pêutica fica clara:
às virtudes do sujeito, e atesta a cada passo nesta ação a espessura de sua interioridade […] Por
isso é sempre direcionado e atento, tenso e alerta no seu impulso inquiridor… Como se irrompesse
sempre da profundidade aquosa e misteriosa do olho para interrogar e iluminar as dobras da paisa-
gem.‖ CARDOSO, Sérgio. O olhar do viajante (do etnólogo). In: NOVAES, Adauto (org.). O olhar. São
Paulo: Companhia das letras, 1988, p. 348.
166
Cf. THOMAS, Keith. O homem e o mundo natural: mudanças de atitude em relação às plantas e
aos animais (1500-1800). Tradução de João Roberto Martins Filho. São Paulo: Companhia das Le-
tras, 2010, pp. 345-359.
167
Em francês no original, tradução minha: ―La visée thérapeutique a, elle aussi, largement déterminé
l'appréciation. À partir des dernières décennies du XVII e siècle, on voit se dessiner une admiration des
paysages « sains », considérés comme thérapeutiques.‖ CORBAIN, op. cit., p. 71.
168
BIGG-WITHER, Novo caminho…, op. cit., pp. 350-352.
169
Ibidem, p. 408.
62
Embora o inverno seja rigoroso [nos Campos Gerais], pode-se afirmar que o
clima é temperado; há ventos frequentes e o ar circula livremente por toda a
região; suas águas, embora inferiores às da parte oriental de Minas Gerais,
são mesmo assim bastante boas; não existem brejos em nenhum lugar, pra-
ticamente, e os rios correm celeremente […] por leitos de rochas.
Do dia 26 de janeiro a 4 de março de 1820 não houve, talvez, dois dias se-
guidos sem chuva, e de fato essa é a época em que as chuvas são mais
abundantes; porém não se conhecem ali as prolongadas secas de seis me-
170
COLLOT, op. cit., p. 210.
171
BIGG-WITHER, Novo caminho…, op. cit., p. 439.
63
ses que em Minas e em Goiás afetam de forma tão penosa o sistema ner-
voso172.
Os dois viajantes europeus insistem (para além das duas citações apenas,
mas em todo o relato) na relação salubre, saudável, do ambiente e do corpo. O ima-
ginário terapêutico atua significativamente na apreciação da paisagem, na apreen-
são de um espaço enquanto paisagem.
Taunay, influenciado por um imaginário eurocêntrico e, sobretudo, por Saint-
Hilaire, não deixa de insistir sobre a circulação do ar e dos frequentes ventos:
172
SAINT-HILAIRE, Viagem pela Comarca…, op. cit., p. 16.
173
TAUNAY, Visões…, op. cit., p. 149-150.
174
Em francês no original, tradução minha : ―les maladies se transmettent non par la contagion mais
par l'infection de l'air, de l'eau et de la terre. […] Tout ce qui stagne est alors considéré comme mal-
sain. Tout ce qui est mobile, tout ce qui est ventilé, est perçu comme sain. […] Un tel système de con-
victions scientifiques a conduit à goûter les espaces ventilés et à déprécier très fortement les pay-
sages au sein desquels semblait régner une totale immobilité.‖ CORBAIN, op. cit., pp. 66-68.
64
175
Raymond Williams lembra ―as origens rurais‖ do capitalismo europeu, sobretudo na Inglaterra do
século XVII e o cercamento de terras, com suas mansões senhoriais e as grandes propriedades.
Thomas Bigg-Wither era herdeiro de toda a tradição descrita por Williams, o engenheiro nasceu na
mansão de Tangier Park em Hampshire, na Inglaterra, um dos primeiros condados ingleses a perpe-
trar os cercamentos. WILLIAMS, O campo e a cidade…, op. cit.
176
TAUNAY, Visões…, op. cit., p. 104.
65
gundo planalto paranaense, sua impressão foi a de que ―nem na Inglaterra, nem tal-
vez em toda a Europa seria possível encontrar qualquer coisa que se aproximasse
disto‖. Para o viajante inglês não haviam detalhes que chamassem a atenção, a vis-
ta parecia perder-se na imensidão em que ―surgiam apenas algumas árvores raquíti-
cas, vendo-se aqui e ali pinheiros, a refletirem a ramagem verde escura nas profun-
dezas dos cursos d‘água que cruzavam as campinas.‖ 177
Segundo Mary Louise Pratt, ―os vitorianos optaram por uma marca pictórica
verbal, cuja função maior era a de reproduzir para a audiência de seu país de origem
os momentos culminantes em que ‗descobertas‘ geográficas eram ‗vitórias‘ para a
Inglaterra‖178, e que dessa forma inserem-se ―referentes materiais na paisagem, refe-
rentes que invariavelmente, do aço a neve, ligam explicitamente a paisagem à cultu-
ra nativa do explorador, temperando-a com alguns pequeninos pedaços da Inglater-
ra‖179. Bigg-Wither utiliza diversas vezes a expressão ―at home‖180, sobretudo quan-
do estabelece comparação entre os serviços prestados no Brasil (correios, transpor-
te, hotel) e as paisagens dos Campos Gerais e do primeiro planalto (Curitiba). O via-
jante inglês se remete às estações, criação de carneiros e a aos pastos da Inglaterra
quando utiliza a expressão.
Também, ao encontrar um colono inglês próximo a cidade de Ponta Grossa,
o viajante narra a seguinte passagem
Mr. Edenborough, corpulento rapaz, feito naturalmente de boa cepa, nos re-
cebeu no tradicional estilo inglês e, em pouco tempo, já nos conhecíamos
perfeitamente. Contou-nos estar aqui já havia uns sete anos e que estivera
na Inglaterra uma vez nesse período de tempo, trazendo de volta muitos
implementos agrícolas, além de grama e outras sementes. Logo se pôs a
trabalhar para ver o que conseguia obter da campina. […] Aquele pedaço de
terra era bem pobre e toda a região de Ponta Grossa era sujeita a secas de
vários meses de duração. […] Mr. Edenborough também nos informou já ter
empregado bastante capital na propriedade, em construção de casas, na
abertura de fossos e na campina, e não podia recuar agora181.
177
BIGG-WITHER, Novo caminho…, op. cit., p. 93-94.
178
PRATT, op. cit., p. 339-340.
179
Ibidem, p. 344.
180
No primeiro volume do relato em inglês o termo aparece 10 vezes, já no segundo 9 vezes. O tra-
dutor brasileiro, Temístocles Linhares, em geral faz uso do termo ―Inglaterra‖ quando a expressão em
língua inglesa aparece.
181
BIGG-WITHER, Novo caminho…, op. cit., p. 121.
66
O engenheiro inglês escreve que a ―região de Ponta Grossa era sujeita a se-
cas de vários meses de duração‖, contrariando (ainda que sem qualquer intenção)
tanto Saint-Hilaire, quanto sua própria narrativa, na qual registra chuvas frequentes
durante todo o período em que esteve nos Campos Gerais. Trata-se de uma estra-
tégia em que desqualifica a paisagem para legitimar a atividade de colonizadora e
modernizante de Edenborough (por ele definido como ―homem de boa cepa‖ — ali-
ás, esta é uma praxe no texto de Bigg-Wither, que define Miles, cozinheiro da expe-
dição, como ―um rapaz do Condado de Warwick, de cerca de vinte anos, de peque-
na estatura, franzino, mas fiel como um cão a seu amo‖; para depois se perguntar
retoricamente: ―com um empregado desse naipe para nos servir, quem não ficaria
contente?‖182).
Saint-Hilaire reflete sobre a relação entre a paisagem e o trabalho humano
em alguns trechos exemplares. Contrariando a si mesmo em sua ―descrição geral‖,
quando anteriormente em seu texto afirmava que as terras dos Campos Gerais, por
serem menos planas, não tinham a monotonia das planícies de Beauce, ele então
afirma que:
Toda a região […] oferecia ainda imensas pastagens, no meio das quais al-
guns bosques se elevavam nas baixadas. De tempos em tempos aproveitá-
vamos uma vista expandida, mas o aspecto das terras era sempre o mes-
mo; nada é mais monótono do que essas regiões desérticas, são os traba-
lhos do homem que dão variedade à natureza183.
Segundo o que afirma autor, o pessoal que o servia era ―cheio de vícios‖, pois, em
geral ―os brasileiros das classes baixas não dispõem de qualquer instrução moral e
religiosa, e em vista disso raramente mostram possuir alguma virtude, […] não têm
família, tendo sido criados por mulheres de má fama, que lhes ensinaram todos os
vícios.‖ Gente de hábitos caracterizados pelo viajante francês ―por um permanente
marasmo moral‖ e que ―se saem dele é durante alguma crise, que resulta sempre
em crime‖184.
Um elemento importante para a percepção da paisagem, ou melhor, para a
construção da paisagem, é a maneira como apreciamo-la. A tradição da pintura de
paisagem nos ensina a vê-la a partir de um ponto fixo, essa não é de forma alguma
a condição do viajante, que está de passagem e, em movimento, a observa. Ainda
182
BIGG-WITHER, Novo caminho…, op. cit., p.113-114.
183
SAINT-HILAIRE, Viagem pela Comarca…, op. cit., p. 57.
184
Ibidem, pp. 82-86.
67
assim, para que seja inteligível na narrativa, os três autores compõem quadros, qua-
dros esses feitos a partir de um ponto fixo, para, daí então (e isso para contribuir
narrativamente à valorização actancial do autor/narrador) voltar a narração e especi-
ficar, nomear os elementos da paisagem. Esse é o caso de Saint-Hilaire que inicia
seu relato a partir de uma ―Descrição geral dos Campos Gerais‖, dedicando nada
menos que 22 páginas a essa tarefa. Também Bigg-Wither e Taunay usam esse re-
curso em seus relatos: uma descrição geral, de conteúdo estetizante e forte impres-
são, como visto acima.
O ato de denominar é por si só, como descreve Alain Corbain, ―um revelador
das formas de apreciar o espaço e, portanto, de construir paisagens‖, ―a denomina-
ção dos elementos da paisagem contribui para a heroicização do indivíduo que a
efetua‖185.
O Visconde de Taunay ressalta sua mirada científica e reformista em alguns
momentos que descreve a composição florística, por exemplo:
não favorece mais enérgica vegetação, por isso que a exígua camada de
terra ou solo arável assenta sobre espesso e prolongado lajeado.
Não fosse esta circunstância, em alguns e largos trechos insanável, o Para-
ná, sobretudo os Campos Gerais, teriam diante de si o mais prospero e bri-
lhante futuro pastoril, se se tratasse do replantio dos pastos, como fazem
com tamanho êxito a Austrália, a Nova Zelândia e muitos Estados da Con-
federação Norte Americana187.
185
Em francês no original, tradução minha: ―un révélateur des manières d'apprécier l'espace et donc
de construire des paysages. […] La dénomination des éléments du paysage contribue à l'héroïsation
de l'individu qui l'effectue.‖ CORBAIN, op. cit., p. 70-71.
186
TAUNAY, Visões…, op. cit., p. 125.
187
Ibidem, p. 154-155.
188
SAINT-HILAIRE, Viagem pela comarca…, op. cit., p. 32-33.
68
189
SAINT-HILAIRE, Viagem pela comarca…, op. cit., p. 22.
190
Ibidem, p. 31.
191
TAUNAY, Visões…, op. cit., p. 98.
69
parte da paisagem (a noção de paisano) seria necessário que seus modos de vida
fossem radicalmente transformados. Ainda que bela e cheia de potenciais, a paisa-
gem dos Campos Gerais é erma ou desértica: isso significa pouco marcada pelos
traços da civilização.
Outra convicção científica, essa emergente a partir do final do século XVIII,
que influenciou bastante a apreciação do espaço foi o nascimento da geologia. Para
Corbain ―geólogos e geógrafos impuseram, pouco a pouco, uma leitura do espaço,
socialmente restrita, e ordenada pela morfologia‖ 192. Essa apreciação não prezava
apenas um valor estético, mas, como dito anteriormente, permitia uma leitura bas-
tante utilitarista em busca de recursos minerais.
A partir da emergência da geologia como conhecimento explicativo para a
formação da terra e, consequentemente, a expansão cronológica decorrente disso
instruiu os viajantes a se aterem ao relevo e a buscar descrevê-lo em termos menos
estéticos. No seu relato Saint-Hilaire dedica pouca atenção às rochas e pedras;
atem-se ele a esse elemento, principalmente, quando descreve a possível existência
de diamantes ou outras pedras preciosas. Diz o viajante francês sobre uma forma-
ção próxima à cidade de Tibagi:
192
Em francês no original, tradução minha: ―Géologues et géographes ont, peu à peu, imposé une
lecture de l'espace, certes socialement cantonnée, ordonnée par la morphologie‖. CORBIN, op. cit., p.
69.
193
SAINT-HILAIRE, Viagem pela comarca…, op. cit., p. 69.
70
Serra do Mar, era de cerca de quarenta milhas. Nossa estrada seguia zi-
guezagueando por largo desfiladeiro, cheia de pinheiros gigantes e de uma
vegetação de bambu e outras árvores menores. Com exceção deste lugar,
a Serrinha apresentava um flanco quase vertical em direção do oriente, com
um horizonte grosseiramente definido, embora recortado. Dava ideia de gi-
gantesco penhasco, que formara outrora o limite com o oceano, não obstan-
te tivesse, agora, uma elevação de 3.000 a 4.000 pés acima do nível do
mar. O fato é que quem está habituado a fazer comparações entre coisas
grandes e pequenas via a semelhança, em suas características físicas ge-
rais, da vasta região em que viajávamos com a costa sudoeste da Ilha de
Wight. Era um fato que não podia deixar de chamar a atenção de quem co-
nhecesse esta última. Estavam ali os dois penhascos, um sobre o outro, di-
ferindo apenas em proporções — testemunha silenciosa do passado e do
presente. O mesmo planalto sobreposto, separando os dois, diferia, apenas,
em extensão. Por último, as mesmas gargantas profundas ou ravinas estrei-
tas, mais marcantes, nos dois exemplos, no penhasco inferior do que no
superior. Certamente essa semelhança geral não é coincidência casual da
natureza, mas deve ser o resultado de causas naturais e análogas. Saber-
se em que época remota do mundo abandonou o mar este planalto mais al-
to, só cuidadoso estudo geológico da região poderia dizer. Deixo a discus-
são desta parte para aqueles que têm mais autoridade de assim o fazer.
Posso, no entanto, adiantar um fato importante que auxiliará na solução do
problema.
Dois anos mais tarde, estava viajando pela Serrinha quando me perdi den-
tro de intenso nevoeiro, que sobreveio logo depois do pôr-do-sol. Quando a
cerração se desfez, descobri que me achava à beira de um precipício, des-
viado cerca de três milhas do caminho que levava à planície aonde deseja-
va ir. A fim de admirar a soberba vista [grand view], que o planalto embaixo
oferecia, continuei a cavalgar na beirada do barranco e observei que o pe-
nhasco tinha uma capa toda de granito. Uso a palavra capa, porque não pa-
recia ser granito toda a fachada do penhasco, mas apenas o cume ou co-
roa. Até aonde a coroa de granito se estendia para oeste, não sei respondei
Contudo, outras observações me levaram a deduzir que esta era apenas
uma das extensas séries de erupções de granito que se estendiam pelo
Vale do Tibagi, do lado sul e oeste. De qualquer forma, era agora evidente
que a formação peculiar da própria Serrinha, senão a própria existência do
planalto que ficava por detrás, tem sido devido à influência protetora desta
couraça de granito194.
194
BIGG-WITHER, Novo caminho…, op. cit., p. 92.
71
195
TAUNAY, Visões…, op. cit., p. 93-94.
196
Sobre a noção de ―curiosidades naturais‖, Corbain comenta que ―no fim do século XVIII, período
do nascimento da geologia, eruditos, movidos por um vivo desejo de saber, examinam as costas lito-
râneas, consideram as colunas de basalto, analisam as falésias reveladoras (a seus olhos) da história
geológica. A atração das ‗curiosidades naturais‘ dessas regiões foi reforçada pela onda da poesia
ossiânicas e sua exaltação das tempestades.‖ Em francês no original, tradução minha: ―À la fin du
XVIIIe siècle, période de la naissance de la géologie, des savants, animés d'un vif désir de savoir,
arpentent les rivages, considèrent les orgues basaltiques, scrutent les falaises révélatrices, à leurs
yeux, de l'histoire géologique. […] L‘attrait des « curiosités naturelles » de ces régions se trouvait
renforcé par la vogue de la poésie ossianique et son exaltation des tempêtes.‖ CORBAIN, op. cit., p.
68-19. O Visconde de Taunay possui um texto chamado ―Curiosidades Naturais do Paraná‖, em que
descreve (a partir do que lhe narrou seu amigo e colega político parnanguara Manuel Eufrázio Correia
e pelos textos publicados pelo jornalista e professor Nivaldo Braga no jornal Gazeta Paranaense, em
1889) as formações geológicas mais ―notáveis‖, como a Vila Velha, as Furnas e as grutas, hoje gran-
des atrativos turísticos. Cf. TAUNAY, Alfredo de Escragnolle, Visconde de. Curiosidades Naturais do
Paraná. In: ______. Paisagens brasileiras. Brasília: Senado Federal, 2007. Em Saint-Hilaire esse
interesse está expresso em seu resumo lido na Academia de Ciência de Paris. Cf. SAINT-HILAIRE,
Auguste. Viagem à província de São Paulo e resumo das viagens ao Brasil, Cisplatina e Missões do
Paraguay. Tradução de Rubens Borba de Morais. São Paulo: Martins Fontes/Edusp, 1972.
72
197
Em francês no original, tradução minha: ―On ne dira jamais assez l‘influence exercée par Humboldt
sur l‘imaginaire de l‘espace. […] [Ses œuvres] ont fortement contribué à ancrer le désir de découverte
de la planète. Ils ont élargi la gamme des paysages rêvés. Ils ont révélé la diversité du monde.‖
CORBAIN, op. cit., p. 76.
198
BIGG-WITHER, Novo caminho…, op. cit., p. 247.
199
SAINT-HILAIRE, Viagem pela Comarca…, op. cit., p. 74.
200
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento e coloni-
zação do Brasil. São Paulo: Brasiliense/Publifolha, 2000.
201
SAINT-HILAIRE, Viagem pela Comarca…, op. cit., pgs. 31, 42, 43, 45.
202
BIGG-WITHER, Novo caminho…, op. cit., p. 328-329.
73
203
Cf. KRAUSS, Henrich. O Paraíso: de Adão e Eva às utopias contemporâneas. Tradução de Mário
Eduardo Viaro. São Paulo: Globo, 2006.
204
BIGG-WITHER, Novo caminho…, op. cit., p. 116.
74
Capítulo 3 — FIGURAS
Devemos concordar com Anne Cauquelin que afirma que a paisagem é ―um
conjunto de valores ordenados em uma visão‖ 205. Textualmente, não apenas pelo
pacto de leitura206 que os autores firmam com os destinatários — sobretudo, porque
se propõem a descreverem da forma mais fiel possível uma realidade —, os relatos
de viagem apresentam elementos biofísicos, referentes concretos e, por isso, tentam
não fabular sobre esses termos. Ainda assim essa ―visão‖ só é possível a partir de
um ponto de vista, físico, social e narrativo. Portanto, a construção de uma paisagem
em um relato só é possível nesse cruzamento entre os objetos e o sujeito que ob-
serva.
O ato de narrar nos parece tão natural, tão comum, que por isso mesmo es-
conde toda contingência entre ―nossa experiência do mundo e nossos esforços para
descrever linguisticamente essa experiência‖ 207. Sob a superfície aparentemente
clara da narrativa, sob o transcurso muitas vezes tranquilo de uma história que nos é
contada, está contida toda uma rede de interesses, disputas e projetos, como já
descritos.
Ora, como observou de modo perspicaz Raymond Williams, a partir do final
século XVIII ―a natureza cada vez mais estava ‗lá fora‘, e era natural remodelá-la
para uma necessidade dominante, sem a obrigação de ponderar muito profunda-
mente o que essa remodelação poderia trazer para os homens‖, uma vez que ―a
ação sobre a natureza produzia riqueza, e objeções às suas outras consequências
poderiam ser descartadas como sentimentais‖208.
Os discursos construídos sobre a natureza do atual estado do Paraná são
complexos, disformes e dispersos temporalmente. Os relatos aqui estudados discor-
rem sobre a prodigalidade da natureza paranaense enquanto recursos naturais. O
205
CAUQUELIN, op. cit., p. 16.
206
Vicent Jouve diz que ―é propondo a seu leitor um certo número de convenções que o texto pro-
grama sua recepção. É o famoso ‗pacto de leitura‘. Num nível muito geral, a obra define seu modo de
leitura pela sua inscrição num gênero e seu lugar na instituição literária. O gênero remete para con-
venções tácitas que orientam a expectativa do público‖. JOUVE, Vincent. A leitura. Tradução de Bri-
gitte Hervot. São Paulo: Unesp, 2002, p. 67.
207
WHITE, Hayden. El valor de la narrativa en la representación de la realidad. In:______. El conteni-
do de la forma: narrativa, discurso y representación histórica. Barcelona/Buenos Aires: Ediciones
Paidós Ibérica, S.A, 1992, p. 17.
208
WILLIAMS, Ideias… op. cit., p. 107.
75
209
Para a definição de tópica ver VEYNE, Paul. Como se escreve a História. Tradução de Antonio
José da Silva Moreira. Lisboa: Edições 70, 1987, pp. 239-261; BARTHES, O neutro…, op. cit., pp. 21-
24.
Carlos Manuel explica que: ―Em 1948, com a publicação da sua obra Literatura Europea y Edad Me-
dia Latina, Ernst Robert Curtius fundou a topologia literária, imprimindo-lhe uma orientação histórico-
filológica que iria marcar os estudos posteriores dos topoi literários. O ponto de partida é a observa-
ção de constantes semânticas (extensionais e intensionais) e da sua presença e difusão nos textos
ao longo da história da literatura. O topos começa a surgir com a detecção de um conjunto de ele-
mentos comuns dotados de unidade estrutural, que se organizam de acordo com determinados prin-
cípios, e que se vão fixando em certos textos, géneros e épocas literárias. Curtius baseia-se na se-
lecção, redução e esquematização dos elementos dos topoi, que cataloga em inventário. Concebe-
os, pois, como formas ideais, convencionais e recorrentes. Este método implica, assim, uma leitura
global, simultânea e de tipo sincrónico da literatura, à semelhança da que praticou o estruturalismo,
[…], no entanto, observa-se nos estudos topológicos uma grande diversidade de terminologias, méto-
dos e objectos de análise: uns autores insistem nas formas, outros nos conteúdos, uns concentram-
se nas constantes e outros nas variações, incidindo ora na fixação semântica, ora na polissemia, na
generalidade arquetípica ou na cópia de modelos prévios, no seu valor simbólico ou nas convenções
linguísticas e sociais de uma época histórica. Tal diversidade vem mostrar que a tópica literária não
existe a se, dependendo em grande parte do objecto formal e do método analítico adoptados‖.
CUNHA, Carlos Manuel F. da. Da impossível atopia… Braga: Centro de Estudos Humanísticos, 1994,
p. 1-2.
76
210
Cf OUELLET, op. cit.
77
3.1 — ENTRADA
211
Michel Conan define o jardim como um ―espaço organizado, que permite uma escolha de vegetais,
cuja disposição, a cultura e o tratamento obedecem a intenções de refinamento. Este último podendo
concernir ao tratamento dos limites do jardim, dos cuidados e técnicas de horticultura, dos usos aos
quais está destinado e a escolha de plantas que aí se encontram.‖ Em francês no original, tradução
minha: ―Jardin: espace aménagé comportant un choix de végétaux dont la disposition, la culture et
l'entretien obéissent à des intentions de raffinement. Ce dernier peut concerner le traitement de la
limite du jardin, les soins et techniques horticoles, les usages auxquels il est destiné et le choix des
plantes qui s'y trouvent.‖ Apud DONADIEU, Pierre. Des sciences écologiques à l'art du paysage ou
l'invention du sauvage dans les marais paysagistes. Courrier de l'environnement de l'INRA n°35, nov.,
Paris, 1998, p. 16. Disponível em: http://www7.inra.fr/dpenv/sommrc35.htm. Acesso em 27/09/2015. A
definição de Alain Roger é a de ―um espaço fechado, separado, interior, cultivado pelo homem para
seu próprio prazer, longe de todo propósito utilitário imediato‖. Em francês no original, tradução mi-
nha: ―un espace fermé, séparé, intérieur, cultivé par l‘homme pour son propre plaisir, loin de tout pro-
pos utilitaire immédiat‖. ROGER, op. cit., p. 31.
78
212
Michel Collot afirma que o horizonte é ―a fronteira que me permite apropriar-me da paisagem, que
a define como meu território, como espaço ao alcance do olhar e a disposição do corpo‖, pois a pai-
sagem ―se revela em uma experiência em que sujeito e objeto são inseparáveis.‖ COLLOT, op. cit., p.
206.
80
213
Cf Supra, p. 71.
81
3.2 — ÁGUA
Em uma sentença simples, mas não simplória, a água é a base de toda forma de
vida existente na Terra, um dos recursos materiais que Camporesi afirma ser parte
essencial do prefixo, do país. Nos relatos de viagem esse item recebe diversos signi-
ficados e funções: enquanto elemento estético, para Saint-Hilaire e Taunay, é ela
que dá aos Campos Gerais um frescor característico; Bigg-Wither se detém à possí-
vel utilização enquanto força motriz para mover indústrias; e, por último, e mais im-
portante, recurso para manutenção da vida humana, de outros animais e plantas.
Bigg-Wither, não lhe saindo ―da cabeça a ideia de que a força hidráulica poderia
pgs. 75, 138,
140, 108. ter sido aproveitada com a mesma eficiência e por muito menos‖.
Essa também é sua opinião ao ver um Monjolo, ―uma das mais curi-
osas e primitivas máquinas que se tenha podido inventar para subs-
tituir o trabalho manual, movida pela força hidráulica‖, que tinha por
simples função triturar milho para o fabrico de farinha. Diz o enge-
nheiro inglês que ―o elemento de absurdidade reside no enorme
desperdício de energia requerido para a consecução de uma quanti-
dade tão microscópica de trabalho‖.
Quanto às reservas de água para consumo humano e de outros
animais seu texto é bastante genérico, menciona apenas as ―fontes
e os cursos d‟água‖, ―deliciosa água fresca‖, rios e riachos.
Já o Visconde de Taunay é extremamente detalhista quando se
Taunay, atém a descrever ―a qualidade da linfa indispensável à vida” e a lo-
pp.149-152.
calização de seus reservatórios 214. Diz ele em relação à salubridade
os Campos Gerais que “é ela geralmente reconhecida incontestá-
vel‖, pois ―os pântanos são raros, quase não existentes e no geral os
rios e ribeirões correm por sobre grandes lajeados. Entretanto as
águas se não são de todo ruins, deixam bastante a desejar. Pode-se
afirmar que, com raras exceções, em todo o Paraná não há água
que satisfaça bem o paladar senão nas serras. Assim disso se des-
vanece Paranaguá em comparação com a de Curitiba e ainda mais
Antonina, ou então Ponta Grossa e mais que todas Castro‖.
O inventário de Taunay é bastante detalhista quanto à qualidade da
água nas principais cidades da província e sua potabilidade e gosto.
Seu texto é sistemático e, em certas partes, evidencia sua atuação
enquanto administrador e a marca da viagem e da experiência para
sua administração. Comenta o ex-presidente da província que:
214
José Augusto Pádua nos lembra sobre o caso exemplar do reflorestamento da Tijuca e o empenho
dos intelectuais reformistas naquela ―que provavelmente constituiu a realização mais impressionante
e bem-sucedida‖ desse grupo. Tratava-se da ―questão muito concreta de garantir o abastecimento de
água para a capital‖ que ―representou um fator fundamental na decisão de reflorestar aquela área‖.
PÁDUA, Um sopro…, op. cit., p. 220. O Visconde de Taunay menciona em seu relato o empenho de
seu tio, o Barão D‘Escragnolle (Gastão d'Escragnolle), no embelezamento do parque. Isso nos mostra
que Taunay conhecia, e estava profundamente imerso, nos debates sobre o abastecimento de água
na capital do Império e sobre o reflorestamento da Tijuca. Tamanho conhecimento de causa se revela
na atenção dedicada ao assunto em sua Viagem filosófica. Cf TAUNAY, Visões…, op. cit., p. 95.
84
Taunay, ―Pode-se afirmar que, com raras exceções, em todo o Paraná não
pp.149-152.
há agua que satisfaça bem o paladar senão nas serras. Assim men-
cionarei com particular encômio a que se bebe na Estrada de Ferro,
de Paranaguá a Curitiba, depois do Pico do Diabo na Serra do Ma-
rumby: a de uma cascatinha na Serrinha, entre o Itaqui, uma légua
além de Campo Largo, e o alto, antes de São Luiz, as da Serra da
Esperança, no sertão de Guarapuava. Estas, então, abundantíssi-
mas e deliciosas.
Esta questão de boa água torna-se motivo de rivalidade entre as po-
voações paranaenses. É das primeiras e mais apreciadas causas de
elogio gabar-se a qualidade da água. Em Ponta Grossa teimam os
habitantes que o abastecimento que lhe dão as suas nascentes é
muito superior a das melhores fontes da cidade de Castro, o que é
aliás contestável.
O que não há duas opiniões, é que a água de Curitiba é de qualida-
de muito inferior a de qualquer outro povoado, em certas ocasiões
bastante ruim, e às vezes quase intragável. Situada a capital no
meio de um vale largo e longo, e todo cercado de colinas, é o terre-
no em que assenta muito encharcado e fofo, o que dá a cada mora-
dor a facilidade de abrir uma cacimba em seu quintal e, portanto, ter
meio cômodo de se abastecer mais ou menos abundantemente de
água. Como, porém, ali mesmo se escavam fossos e buracos para
toda a sorte de despejos, acontece que pelas infiltrações naturais e
facílimas em chão tão poroso e empapado, os poços que servem pa-
ra o uso comum, vão se impregnando de matérias animais em de-
composição, que não só tornam a água pesada ao estômago, e de
gosto desagradável, como também concorrem para produzir graves
enfermidades de caráter típico que já tem aparecido naquela cidade
com feição epidêmica um tanto séria. Os médicos de contínuo cla-
mam por providências urgentes e por mais tempo não pode Curitiba,
com o desenvolvimento de população que vai tendo, procrastinar
essa grande questão do abastecimento d'água potável, que o rio
Bareguy a uma légua de distancia pode fornecer-lhe por enquanto
copiosamente.
85
Paranaguá ufana-se de ter muito boa água. Não é com efeito de to-
do má, entretanto um tanto pesada e inferior à de Antonina na costa
e mais para dentro, à de Morretes e Porto de Cima. As da serra da
Graciosa e Marumby são puríssimas, leves, deliciosas. No planalto
de Curitiba, a da Capital é, como já fizemos ver, pouco apreciável e
deve sempre ser filtrada. A de São José dos Pinhais não é desagra-
dável, mas em Campo Largo, pode ser considerada boa; melhor
ainda a de Castro. Os rios, ribeirões e nascentes dos Campos Ge-
rais não oferecem boa água senão por exceção. Enfim, no geral e
até em Guarapuava, o abastecimento é feito por meio de poços e
cacimbas‖.
Os três viajantes insistem que nos Campos Gerais existem poucos
pântanos ou brejos (marais, para o texto original de Saint-Hilaire e
swamps, para o de Bigg-Wither)215, apenas Taunay ressalva que
São Luís do Purunã, primeiro vilarejo que se avista para quem entra
nos Campos Gerais vindo de Curitiba, ―é lugar de pântanos, saindo
de um deles, atravessado por ponte em estado regular de conserva-
ção, um riacho que mais longe é o rio Assunguy, confluente do Ri-
beira. Entretanto a altitude geral e os ventos quase constantes im-
pedem o desenvolvimento de moléstias endêmicas e febres intermi-
tentes. A agua não é boa e tem gosto bem pronunciado de lodo‖.
Ora, a menção, tanto por Saint-Hilaire quanto por Taunay, na parca
quantidade de pântanos e brejos reflete uma preocupação recorren-
te do período (como já visto) que concebia esse tipo de formação
ambiental enquanto um lugar de proliferação de febres e sezões,
como. A salubridade dos Campos Gerais, aliada a imagem de dis-
ponibilidade e prodigalidade de recursos, e ainda da beleza da pai-
sagem, reforça o discurso favorável à imigração europeia para o lo-
cal.
215
Sobre a história dos pântanos Cf. DONADIEU, op. cit.; CORBAIN, op. cit., p. 66-67.
86
3.3 — PINHEIRO
Araucaria angustifolia: árvore de porte majestoso que, com o tempo, toma a forma
de taça; é também conhecida como Pinheiro-do-paraná. Essa árvore é retratada nos
relatos de viagem como uma figura arquetípica dos Campos Gerais, e suas cores
lhes dão uma feição particular. Simultaneamente à exaltação de sua beleza, em to-
dos os relatos insiste-se em seu valor comercial e na exploração de sua madeira e
os viajantes europeus mencionam a qualidade de seu fruto: o pinhão.
Bigg-Wither,
pgs. 137, 73-
74.
Saint-Hilare, ―essa árvore muda de porte em suas diferentes fases e que, quando
pgs. 12-13,
40. nova, seus ramos parecem partidos e lhe dão uma aparência bizar-
ra; que mais tarde ela se arredonda, à semelhança de nossas maci-
eiras; e que, mais tarde, ela se projeta, perfeitamente ereta, a uma
grande altura e termina por um corimbo de galhos, uma espécie de
platô imenso perfeitamente regular, de um tom verde-escuro; acres-
centei, finalmente, que suas sementes — comestíveis — e as esca-
mas que formam seus enormes cones se soltam quando maduras e
se espalham pelo solo. É a Araucaria brasiliensis que, por sua altura,
pela majestosa elegância de suas formas, por sua imobilidade e pelo
verde-escuro de suas folhas contribui, particularmente, para dar uma
fisionomia característica aos Campos Gerais.
Em alguns trechos essa pitoresca árvore, elevando-se isolada no
meio das pastagens, deixa-se admirar em toda a beleza do seu talhe
e faz ressaltar, pelos matizes sombrios de suas folhas, o verde tenro
da relva que cresce a sua sombra.
Em outros lugares ela forma densos bosques; mas, enquanto os
nossos pinheiros mal permitem que algumas plantas raquíticas cres-
çam em seu meio, nascem sob a conífera brasileira numerosas er-
vas e subarbustos, cuja folhagem variada e delicada ramagem con-
trastam com a rigidez de suas formas.
A Araucária não apenas enfeita os Campos Gerais, como é também
extremamente útil aos seus habitantes; sua madeira branca, cortada
por uns poucos veios cor de vinho, é empregada em carpintaria e
marcenaria e, embora seja mais dura, mais compacta e mais pesada
do que o pinho da Rússia ou da Noruega, ela poderá ser utilizada
vantajosamente no fabrico de mastros e vergas quando for estabele-
cido um meio de comunicação mais fácil entre os Campos Gerais e
o litoral‖.
Auguste de Saint-Hilaire é bastante esteta ao descrever o pinheiro,
insistindo em sua forma ―estática e imponente‖, em sua coloração
―verde-escura‖ e na majestade de seu porte. Ao tratar de um possí-
vel uso para marcenaria menciona apenas a possibilidade do esta-
90
viaja pelos Campos Gerais, não pode por vezes reprimir um movi-
mento de admiração, ao contemplar aquelas verdejantes vastidões
que se desenrolam, […], vastidões em que os pinheiros, já em gru-
pos, já isolados, já no encontro das quebradas, já no ponto culmi-
nante dos outeiros, já solitários, já casando a sua folhagem áspera e
glauca com a coloração multicor de outros vegetais, dão cunho par-
ticular e imprimem feição toda sua àqueles campos iluminados pelo
sol‖.
É curioso que no texto Taunay a única menção ao fruto do pinheiro,
Taunay, o pinhão, é de que Augusto de Saint-Hilaire ―extasia-se ante a bele-
p. 148, 115.
za das Araucárias, […], de ramúsculos espinhosos, entre os quais
crescem os volumosos frutos, as apetecidas pinhas, que alastram,
quando caem, ou juntas ou soltas, o chão dos saborosos pinhões”.
Para o Visconde essa árvore possui apenas valor utilitário ou ―orna-
mental‖, desconsiderando completamente a possibilidade de um uso
menos predatório da árvore: sua utilidade consiste apenas na extra-
ção da madeira. Enquanto que para os viajantes europeus o fruto
ganha algum destaque em seus textos, seja enquanto alimento ou
para produção de ração animal, o viajante brasileiro faz uma parca
menção do pinhão. Quando se pensa que atualmente a árvore que
Taunay dizia cobrir ―todo o Paraná, com exclusão da estreita orla
marítima e do contraforte da serra do Mar que olha para o Oceano‖
corre sério risco de extinção, restando apenas 0,5% de sua área de
cobertura anterior à chegada dos europeus ao continente americano.
As ressaltadas opiniões de um ―depósito natural quase inesgotável‖
e do ―quase total despovoamento‖ foram decisivas para refiguração
dos Campos Gerais e o quase total desaparecimento da Araucária.
92
3.4 — ROCHAS
3.5 — CORES/CONTRASTES
Taunay,
osas combinações, ou, então, solenes e severos agrupamentos de
pgs. 134, 119, grandes rochas a nu, sem falar nos pinheiros isolados ou juntos em
126, 125.
meio do campo‖.
Os contrastes que se produzem pela variada claridade são para
Taunay motivo de interesse, pois como escreve: ―há paisagens tão
grandiosas, […], que nem mesmo o pincel as pode fielmente repro-
duzir‖. Essa paixão que Taunay cultiva pelas paisagens brasileiras é
exemplificada em seu relato sobre os Campos Gerais em um trecho
bastante estético:
―Quando no céu correm nuvens ou destacadas ou em maciços um
tanto bojudos, é de ver-se a contraposição das manchas de sombra
aos trechos de luz que salpicam o verde de relva do terreno e mais
realce ainda lhe imprimem.
Então não raro é contemplar-se uma verdadeira graciosidade de óti-
ca: a coma sombria do pinheiro cercada como que de resplendente
auréola, ao passo que o tronco liso e perpendicular fica mergulhado
nas sombras. E fantasmagoricamente se apagam aqueles contras-
tes e se transmudam, passando de súbito para o claro aquilo que há
poucos instantes estava no escuro e submergindo-se em tristes tin-
tas largos trechos esclarecidos minutos antes, por vivíssima luz‖.
As descrições que o viajante brasileiro faz do campo são ricas na
tentativa de passar as cores que a compõe: ―nos meses de Outubro,
Novembro e Dezembro aqueles campos ficam todos floridos, arre-
bentando dos muitos vegetais humildes que os revestem flores cujas
cores, às vezes bastante vivas, causam ao viajante a mais agradável
impressão. Assim os hyptis, os neandriuns (espirradeiras), as gom-
phrenas e muitas outras, [sic] especialidades das famílias das com-
positas, em geral de um amarelo que de longe atrai as vistas‖.
Assim como os viajantes europeus, Taunay também dá destaque ao
verde que compõe a paisagem, mas, ao contrário deles, busca
transmitir ao destinatário as ricas variações de verde que compõe a
paisagem: ―em alguns rios e sobretudo em certos trechos do Iguaçu
99
3.6 — VASTIDÃO
Uma das figuras que se repete nos três relatos é na verdade um encadeamento de
ideias para os dois viajantes europeus; Taunay por sua vez deu um sentido diferente
a essa figura. Nas três narrativas a vasta dimensão espacial dos Campos Gerais é
ressaltada; mas, tanto para Saint-Hilaire, quanto para Bigg-Wither, como conse-
quência da imensidão do espaço percorrido vive-se a monotonia da repetição, mo-
notonia essa decorrente da falta de cultura. Os viajantes europeus insistem conse-
quentemente na ideia de deserto, de falta de cultura e civilização que (de)marquem
a paisagem. Para Taunay, entretanto, a vastidão da paisagem não é assinalada pela
repetição, ainda que o viajante brasileiro também insista na noção de deserto221.
221
Sobre a noção e o imaginário de deserto ver CORBIN, op. cit., pgs. 63-64, 86-88; ROGER, op. cit.,
pp. 106-111.
101
222
PRATT, op. cit., p. 339-340.
103
223
Alain Roger, ao discutir os jardins gregos e romanos, e o aparecimento de uma sensibilidade pai-
sagística nessas culturas, afirma que a não existência de uma palavra específica que defina o objeto
não significa a ausência de uma sensibilidade; o filosofo chama isso de ―obsessão do léxico‖ [l'obses-
sion du lexique] (p. 56). Philippe Descola também se atém a questão das palavras e das sensibilida-
des; para este antropólogo a fixação às palavras é, no mínimo, uma atitude de má-fé etnocêntrica,
que a descrição de Bigg-Wither parece aclarar. Cf ROGER, op. cit., p. 56; DESCOLA, Les formes…,
op. cit.
109
224
SAID, op. cit., p. 89.
110
Saint-Hilaire,
rendas‖. Saint-Hilaire se ateve ao cultivo de linho, e Bigg-Wither ao
pgs. 31, 62, de algodão. Cultivar produtos que pudessem estabelecer comércio
117.
entre a Europa e a América e, sobretudo, fornecer matérias-primas
aos países daquele continente é uma referência constante em todos
os relatos, mesmo de brasileiros.
O Visconde de Taunay se lamenta ao descrever ―os desconsolado-
Taunay, p. res ranchos de caboclos‖: ―um telhado pesado, baixo, crivado de go-
101-102.
teiras sobre paredes a meio esboroadas, uma área de cultivo insigni-
ficante, um milharal plantado sem método, nem alinhamento, muitas
crianças, muitos porcos, esfaimados e soltos […]; mato por toda a
parte, nenhuma cadeira; uma ou outra canastra; eis o círculo aperta-
díssimo e desanimador da comodidade e gozos em que se mantêm‖.
Tudo isso cria um ―doloroso contraste‖ se comparado à ―casinha do
alemão, do polaco, do italiano‖ que ―levanta-se airosa, de súbito in-
fundindo no seu aspecto a ideia do bem estar, do conforto e da feli-
cidade; suas vidraças limpas, suas cortinas modestas, mas sempre
alvas, seu jardinzinho cheio de flores em derredor, plantações viço-
sas ocupando toda a área de trabalho, o centeio ondulando a menor
brisa e pondo com o verde claro de sua cor uma gota alegre em lar-
gas perspectivas, o milho plantado com regularidade e todo perfila-
do, em linhas de rigoroso paralelismo, o feijoal separado, a vinha ze-
lada cuidadosamente, ora em pé, ora em latada e cobrindo-se de
adocicados e bastos cachos, frutas saborosas e só colhidas em sa-
zão, enfim, de todos os lados o assinalamento do trabalho, o cunho
da atividade e do amor à ordem, que tantos benefícios trazem ao
homem laborioso‖. O político não perdoa em sua descrição nem a
falta de cadeiras, ícone de conforto e regularidade.
111
225
Nas palavras de Pádua, a crítica reformista insistia na necessidade de ―explorar de forma cuidado-
sa os elementos da natureza, plantar o que for retirado, valer-se do apoio da ciência, aperfeiçoar os
métodos de produção, construir uma vida social estável e gerar um sólido processo civilizador‖.
PÁDUA, Um sopro…, op. cit., p. 208.
112
3.8 — LIMITES
O que são os Campos Gerais na perspectiva dos viajantes? Quais seus limites? O
que os define? Para Taunay os limites da paisagem são incertos, mas podem ser
demarcados a partir de rios e serras; ainda assim, para esse viajante a presença e
repetição de alguns elementos arquetípicos é o que define os Campos Gerais. Saint-
Hilaire também insiste na unidade dos componentes para definir os limites da paisa-
gem, mas, por sua vez, reitera o contraste entre campo e mata, sendo as matas o
refúgio dos ―selvagens‖, e uma espécie de fronteira entre civilização e barbárie. Essa
oposição entre mata e campo, civilização e selvageria, também é retomada por
Bigg-Wither, havendo ainda para o engenheiro inglês uma oposição entre o saudá-
vel e o pestilento, entre campo e matas, sendo o campo terapêutico e saudável; as
matas, por sua vez, são úmidas e repletas de insetos; essa oposição, conforme o
engenheiro deixa marcas no espírito dos seus respectivos habitantes.
Taunay, pgs. A frase de D. Pedro II, ―os Campos Gerais são um tapete verde so-
135, 118, 134.
bre uma grande mesa de pedra‖, define para Taunay o que é essa
paisagem, ou seja: ―verdejantes vastidões que se desenrolam, não
chatas e uniformes como planícies intermináveis, porém, sim, do-
bradas, cheias de pitorescos acidentes, com fundas e elegantes on-
dulações, verdadeiras bacias de colossal parque inglês, vastidões
em que os pinheiros, já em grupos, já isolados, já no encontro das
quebradas, já no ponto culminante dos outeiros, já solitários, já ca-
sando a sua folhagem áspera e glauca com a coloração multicor de
outros vegetais, dão cunho particular e imprimem feição toda sua
aqueles campos iluminados pelo sol com luz sempre mais ou menos
branda‖. O pitoresco (aquilo que é digno de ser pintado), o inusitado,
são qualidades que Taunay atribui como arquetípicas da paisa-
gem226. Essas características, conforme o viajante, ―se estendem por
léguas e léguas, modificadas só as razões de mais ou menos propri-
226
―O pitoresco se impôs no fim do século XVIII: foi precisamente estabelecido nos escritos do pastor
William Gilpin. O pitoresco é resultado de uma verdadeira cassada. Insiste-se nas surpresas escondi-
das nos caminhos‖. Em francês no original, tradução minha : ―Le pittoresque s'impose à la fin du
XVIIIe siècle: il a été très précisément établi par le pasteur William Gilpin, au fil de ses livres. Le pitto-
resque résulte d'une véritable chasse. Il est quête de la surprise au détour du chemin.‖ CROBAIN, op.
cit., p. 104.
113
227
Cf KARPINSKI, Cezar. Gentes e paisagens do rio Iguaçu na viagem expedicionária dos engenhei-
ros Keller. Revista de História Regional, Ponta Grossa, v. 17, n. 1, 2012.
116
228
Thomas Mayne Reid, escritor estadunidense, nasceu em 1818, em Ballyroney, Irlanda. Ficou co-
nhecido por suas novelas de aventuras ambientadas no oeste dos Estados Unidos da América.
117
3.9 — SOLO
Se os valores paisagísticos são também práticos, e seu prefixo remete às suas ca-
racterísticas físicas, as formas de povoamento humano e seus recursos, o solo é um
elemento essencial para definir a paisagem. Todos os três viajantes dedicam aten-
ção especial a esse item. Uma preocupação advinda de uma racionalidade técnica,
que visa conhecer as potencialidades de amanho racional e/ou de cultivo de pasto
para a pecuária. Como visto, Bigg-Wither ao encontrar seu compatriota Edenbo-
rough comenta a má qualidade do solo dos Campos Gerais. Saint-Hilaire inicia o
relato com a descrição geral que deixa a entender que o solo possibilita o cultivo
qualquer tipo de cultura, mas, ao longo do texto, essa generalização é contradita,
não pela qualidade do solo, mas pelo clima. Taunay não vê para os Campos Gerais
nem um futuro pastoril, dada a imprestabilidade do solo para qualquer cultura, inclu-
sive para que se pudessem replantar os pastos.
duzem pasto enfezado e que não pode alimentar o gado por mais
sóbrio e menos exigente que seja.
Aliás a constituição geológica de toda aquela região, […], não favo-
rece mais enérgica vegetação, por isso que a exígua camada de ter-
ra ou solo arável assenta sobre espesso e prolongado lageado.
Não fosse esta circunstância, em alguns e largos trechos insanável,
o Paraná, sobretudo os Campos Gerais, teriam diante de si o mais
próspero e brilhante futuro pastoril, se se tratasse do replantio dos
pastos, como fazem com tamanho êxito a Austrália, a Nova Zelândia
e muitos Estados da Confederação Norte Americana.
A cultura cuidadosa das ervas preconizadas para essa transforma-
ção, a nevada grass e victoria grass, substituindo em grandes exten-
sões os pastos naturais, deu lugar a pasmosos resultados e originou
o extraordinário e admirável movimento comercial, que, por meio dos
vapores frigoríficos da Oceania, abastece os mercados de Londres
de carne de vaca e de carneiro do mais delicado sabor, satisfazendo
as exigências dos mais difíceis e meticulosos gastrônomos‖.
Na descrição geral Saint-Hilaire diz que os Campos Gerais são uma
Saint-Hilaire, dessas regiões que se distinguem por ―seu solo‖, que essa região
p. 12, 27, 28-
31. desfruta ―de uma grande vantagem: suas terras não se esgotam em
poucos anos, como ocorre na província de Minas, e quando isso
acontece é fácil devolver-lhes, com um pequeno período de descan-
so, a primitiva fertilidade‖. O naturalista ainda dá exemplos de várias
plantas que, segundo ele, eram cultivadas com bons resultados: fei-
jão, trigo, milho, arroz, fumo e linho, e aconselha que ―seria extre-
mamente proveitoso que fossem trazidas da Europa novas semen-
tes‖. A conclusão é a de que ―não são só os nossos cereais e o nos-
so linho que se cultivam nessa bela região; ali se plantam também
com bons resultados quase todas as nossas árvores frutíferas. Infe-
lizmente, como já tive ocasião de dizer, a época das chuvas mais
abundantes coincide com a da maturação dos frutos, e estes nunca
ou quase nunca atingem o grau máximo de perfeição. Deve ser, po-
rém, feita uma exceção para os figos, que, como os de Minas, são
excelentes. Saboreei também, em fevereiro, uvas brancas de muito
121
boa qualidade.‖ Tudo isso para afirmar que se que se os colonos su-
íços que foram para Cantagalo no Rio de Janeiro fossem enviados
Saint-Hilaire, aos Campos Gerais teriam encontrado ―um solo no qual poderão de-
p. 32.
senvolver qualquer tipo de cultura a que estejam acostumados‖.
Todos os viajantes compreendem essa dimensão prática, essa di-
mensão cotidiana da vida humana da paisagem em seus relatos e,
sobretudo, pelo incentivo à imigração de trabalhadores europeus,
destacam as qualidades e/ou deficiências do solo.
122
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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