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Leitura e produção

de textos acadêmicos
Leitura e produção
de textos acadêmicos
Copyright © UVA 2021

Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio sem a prévia
autorização desta instituição.

Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

AUTORIA DO CONTEÚDO
Camila do Nascimento Carmo

REVISÃO
Janaina Vieira
Lydianna Lima

PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO


UVA
A P RE SE NTAÇ ÃO

Quais são as características de um texto acadêmico? Qual a sua estrutura e organiza-


ção? Como construir um pensamento crítico reflexivo nesse processo? Quais as estra-
tégias de leitura e análise dos textos produzidos na universidade? Como a vida acadê-
mica e o discurso científico são constituídos?

Esses questionamentos mobilizam práticas discursivas que fazem parte do cotidiano


universitário, que está fundamentado em produções científicas somadas a processos
de leitura e produção de textos acadêmicos, os quais nos fazem compreender o discur-
so da ciência e o domínio discursivo de forma crítica e reflexiva.

Os textos que circulam na esfera acadêmica possuem diversos aspectos constitutivos,


os quais favorecem o entendimento do discurso científico historicamente construído.
Desse modo, é importante a compreensão das especificidades do texto acadêmico
entendendo sua estrutura, funções e tipologias para interpretação, leitura e escrita
de forma crítica e reflexiva, com clareza, objetividade e pertinência, considerando os
processos de construção textual e as diferentes manifestações da linguagem.

A leitura e a produção de textos acadêmicos contribuem não apenas para a produção


de pesquisa científica de qualidade, mas também possibilitam o desenvolvimento pes-
soal e profissional dos sujeitos em diferentes áreas do conhecimento por estimular o
senso crítico, ampliar o vocabulário, expandir o repertório cultural e melhorar a quali-
dade da relação social entre os sujeitos.

4
AU TO R

CAMILA DO NASCIMENTO CARMO

Mestra em Literatura e Cultura pelo Programa de Pós-graduação em Literatura e Cul-


tura da Universidade Federal da Bahia – UFBA compondo a linha Documentos da Me-
mória Cultural. Licenciada em Letras com habilitação em Língua Portuguesa e Língua
Brasileira de Sinais, pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia – UFRB, no Cen-
tro de Formação de Professores – CFP. Integrante do NuCus (Núcleo de Pesquisa e
Extensão em Culturas, Gêneros e Sexualidades, na Linha Lesbianidades, Interseccio-
nalidades e Feminismos. Professora, pesquisadora e escritora no exercício prático e
político de fazer circular rupturas no saber hegemônico.

5
Estratégias de leitura, análise e interpretação de textos
CAPÍTULOS

1 na universidade: extrapolando a decodificação em


busca de uma leitura crítica

2
Coesão e coerência: a estruturação do parágrafo e
estratégias argumentativas

3
A vida acadêmica, o discurso científico e as formas de
leitura e produção de textos: resumo e resenha

4 Construção de autoria na produção acadêmica: o ensaio


1
Estratégias de leitura, análise e interpretação de
textos na universidade: extrapolando a decodifi-
cação em busca de uma leitura crítica

As concepções sobre o texto e as estratégias de produção e leitura são múltiplas. Dian-


te disso, este capítulo apresenta caminhos para a compreensão do processo de cons-
trução, percepção e análise crítica das produções textuais, colocando em destaque as
intencionalidades discursivas e os efeitos de sentido, elementos importantes para a
interpretação de textos dentro e fora do espaço acadêmico.

Noção de texto
A noção de texto é ampla e, diferentemente do que poderíamos supor a princípio, não
consiste apenas em um elemento linguístico formado por uma combinação de letras
e/ou sons que formam palavras, mas antes é um lugar de interação entre os sujeitos e
suas múltiplas propostas de sentido. Sendo assim, podemos dizer que o texto se cons-
titui histórica e socialmente de forma complexa e variada. Portanto, para a produção
textual não é necessário dominar unicamente o código.

No entanto, a pergunta persiste: como produzir e ler textos? Segundo Mônica Caval-
cante (2012), no livro Os sentidos do texto, a textualidade é o elemento responsável
por nos permitir conceber algo como texto, sendo a coerência sua principal caracterís-
tica. Entendemos que um texto é coerente quando há possibilidade de reconstrução
de sua unidade de sentido, bem como de sua intenção comunicativa.

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Para compreender e produzir qualquer texto, é necessário
mobilizar conhecimentos, não apenas linguísticos, mas
também todos os outros conhecimentos adquiridos com a
convivência social, que nos informam e nos tornam aptos
a agir nas diversas situações e eventos da vida cotidiana.
(CAVALCANTE, 2012, p.18)

Para melhor compreensão do processo de leitura e produção de textos, é importan-


te destacar a existência da linguística textual, que consiste em um campo de estudo
que possui como objeto o texto. No processo de desenvolvimento e aprofundamento
dessa área do conhecimento, tivemos modificações relacionadas às suas concepções
e, assim, em um primeiro momento, o texto foi concebido como artefato para a cons-
trução do pensamento lógico do autor, cabendo aos leitores captar suas intenções.
Em seguida, passamos para a compreensão de que o texto consistia em um elemento
para decodificação de ideias, ou seja, um transmissor de informações, e para isso era
necessário apenas conhecer a estrutura da língua.

Ao passar por essas duas concepções de estudo do texto, em que sua organização
estava associada à estrutura e ao material linguístico, chegamos ao entendimento de
que o texto consiste em uma interação. Desse modo, os contextos sociocomunicati-
vos, históricos e culturais são fundamentais para a construção de sentidos nas produ-
ções textuais.

Ao tomar o texto como elemento de interação, entendemos que a atividade textual é


realizada não somente a partir do uso de elementos linguísticos visuais e sonoros pre-
sentes na superfície, como título, pontuação, frases e outros, mas também por esta-
rem neles incluídos conhecimento de mundo, práticas comunicativas, culturas e histó-
rias dos sujeitos. Assim, é possível a construção de sentidos no processo comunicativo.

Desse modo, quais estratégias são utilizadas quando lemos ou produzimos um


texto? Nesse processo de leitura e escrita recorremos às estratégias sociocogni-
tivas, que são acionadas no processamento textual e dependem de crenças, objeti-
vos, opiniões, conhecimentos, entre outros elementos daquele que escreve, os quais
acontecem desde a construção de ideias até a finalização do texto. Por isso, são ar-
ticulados três sistemas de conhecimento na atividade textual, para que tenhamos
prática de interação sociocultural, sendo eles: enciclopédico, linguístico e intera-
cional (KOCH, 2003).

8
Sistemas de conhecimento na atividade textual

Compreende os aspectos gramaticais e lexicais, permitindo bom uso


Conhecimento
dos elementos conectivos e uma seleção de palavras apropriadas. Refe-
linguístico
re-se a todo o conhecimento que possuímos das regras da nossa língua.

Também conhecido como conhecimento de mundo, consiste naquele


Conhecimento conhecimento presente na memória podendo, apresentar-se a respeito
enciclopédico dos acontecimentos globais ou daqueles adquiridos pela experiência
cotidiana, sendo indispensáveis para a compreensão de um texto.

Relacionado às formas de interação por meio da linguagem e em que


Conhecimento há o reconhecimento dos objetos em uma dada situação comunicativa.
sociointeracional Esse é o conhecimento que nos permite a interação, nos possibilitando
medir o que, como e quando dizer algo.

Os tipos de conhecimento expostos, acionados no processo de produção, leitura e


interpretação de um texto, fazem parte da relação texto, autor e leitor. Diante disso,
podemos perceber que a construção de textos mobiliza processos complexos, que nos
levam a acionar os mais diversos sistemas de conhecimentos.

Tais sistemas nos permitem entender o que devemos fazer para ler determinado tex-
to, bem como nos proporciona efetiva compreensão das leituras realizadas no decor-
rer do nosso processo de ensino-aprendizagem. Sendo assim, temos em uso e em fun-
cionamento elementos linguísticos, fatores cognitivos e sociais responsáveis por esse
evento comunicativo, que é o texto.

Nesse sentido, a exposição feita nesta seção proporciona melhor entendimento do


que é o texto, de modo a nos permitir mais acertado acesso quando nos referirmos à
produção e leitura de textos acadêmicos, os quais possuem como propósito a circula-
ção de conhecimento dos mais diversos campos científicos e áreas do saber.

O texto acadêmico
A compreensão do que é o texto e seu funcionamento nos permite desenvolver es-
tratégias de leitura, análise e interpretação, de modo que os conhecimentos teóricos
adquiridos durante os cursos ofertados pelas universidades possam ser elaborados,
não apenas a partir do domínio do código de linguagem, mas também na construção
de uma leitura crítica.

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A construção do texto acadêmico envolve a busca por temas relevantes para
a área de conhecimento escolhida, o que demanda levantamento e formula-
ção de dados, questões, objetivos, entre outros elementos, para a produção
de argumentos adequados.

O texto acadêmico consiste no registro dos caminhos percorridos junto ao objeto


de pesquisa. Ele é o responsável por veicular a investigação científica, filosófica ou
artística de modo a refletir percepções, perspectivas e leituras críticas. Na produção
e leitura de textos acadêmicos, ideias, estrutura e argumentos são postos em diálogo
com a linguagem e a disposição dos elementos no texto. Com isso, temos forma e con-
teúdo trabalhando em conjunto para a construção do texto científico de qualidade.

Nesta seção concebemos a noção de texto não como um produto, mas sim como uni-
dade que consiste no resultado de nossas atividades comunicativas, as quais estão im-
plicadas por processos de planejamento, operações, códigos e estratégias a partir das
condições sob as quais a produção textual é realizada em interações estabelecidas
entre autor, texto e leitor.

A produção de sentidos no texto


O trabalho exigido pela atividade de leitura e escrita consiste em um exercício realiza-
do, entre outros aspectos no retângulo de uma folha de papel em que a língua está em
funcionamento, em um processo de elaboração do pensamento para que os conheci-
mentos adquiridos estejam em movimento por meio da linguagem.

Desse modo, é importante dizer que o trabalho que a escrita exerce sobre a lingua-
gem possibilita a expressão de nossos pensamentos, ideias, opiniões, sentimentos,
saberes, entre outros, que atuam não apenas em palavras, mas também em sonori-
dades e imagens.

Podemos dizer que o texto estabelece variadas conexões para a produção de sentidos,
seja a partir de valores e crenças ou de conceitos elaborados no campo científico. A
compreensão de como chegamos aos efeitos de sentido no texto parte do entendi-
mento do quanto é importante traçar planos e elaborar problemas para produzir/ler
conceitos e/ou ideias, sendo esses elementos fundamentais para o exercício de leitura
e escrita, os quais consistem na construção de sentidos.

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Para que tenhamos sentido na produção e leitura de textos, precisamos da interação
entre texto, leitor e autor. Sendo assim, é importante evidenciar que na prática de
leitura desenvolvemos a percepção de interpretação enquanto gesto de atribuição de
sentido, que não consiste apenas em uma simples decodificação e/ou identificação,
mas refere-se também aos conhecimentos linguísticos, textuais, sociais e políticos que
nos possibilitam elaborar de forma crítica textos de diferentes naturezas.

Ler e escrever, portanto, consistem em construir sentidos, o que implica assumir


determinada concepção de texto, de língua, de leitor e autor. Para isso, é importante
a compreensão de que o autor não é aquele que produz um código para que o leitor
possa decodificar as mensagens, mas sim um sujeito que interage com outras vozes,
a partir do texto, para provocar leitura e produção significativa, que estejam além da
superfície textual.

A construção de sentidos no texto é de caráter social, cultural e histórico,


produzida por sujeitos que dialogam com múltiplas concepções de mundo,
de modo a apresentar avaliações a partir de diferentes pontos de vista, para
além daqueles tidos como “naturais” ou “necessários”, mas que venham a
proporcionar leitura crítica.

A relação autor-leitor é responsável pela produção de sentidos, expressos de modos e


formas distintas a depender das subjetividades daquele que realiza a leitura e daquele
que escreve. No processo de escrita o texto é atravessado por valores, conhecimentos,
experiências e por isso se constrói a cada leitura sem que seja estabelecido previamen-
te um sentido, mas evidenciando todos os que forem possíveis.

[...] o ser humano tem o ímpeto de atribuir sentidos às coisas do mun-


do e a ausência de relações de significado entre estas coisas o pertur-
ba. A mente humana necessita organizar as vivências e experiências de
modo significativo e articulado, buscando relações até mesmo entre
acontecimentos que não revelam ligações ou correspondências evi-
dentes entre si [...]. (FERREIRA; DIAS, 2004, p. 440)

Conforme apontam as autoras Ferreira e Dias (2004), é a capacidade que os indivíduos


possuem de atribuir sentidos às coisas que os leva a se colocarem além do que está
sendo apontado explicitamente. Desse modo, embora o texto carregue um sentido
que parte da pretensão do autor, ele se desdobra em múltiplas possibilidades ao ser
(re)construído pelos leitores.

11
Sendo assim, quais estratégias de leitura são necessárias para que o leitor exerça
seu papel de construtor de sentidos? Enquanto leitores, utilizamos seleção, hipóte-
ses, verificação, inferência, experiências, valores, crenças, entre outros elementos para
que seja possível avaliar, criticar e/ou contradizer as informações expostas no decorrer
dos textos. Ao realizar tais ações, fica evidente a interação estabelecida e a interação
entre os conhecimentos produzidos por leitores e autores.

Estudos apontam que, enquanto leitores, acabamos por estabelecer relações entre
nossos conhecimentos prévios e aqueles que são adquiridos no acesso ao texto. Nes-
se processo, produzimos comparações e questionamentos relacionados ao conteúdo,
que são submetidos a críticas, avaliações e contrastes, ou seja, produzimos sentidos
para o que estamos lendo.

Diante do exposto, é importante evidenciar que a interação estabelecida para a pro-


dução de sentidos no texto é regulada pela intencionalidade de leitura, ou seja, pelos
objetivos traçados para que seja possível ler determinada produção textual (KOCH;
ELIAS, 2010).

Seguindo essa perspectiva, podemos perceber que lemos alguns textos com o obje-
tivo de nos manter informados, como revistas ou jornais, bem como há outros que
lemos por prazer ou deleite, como os textos literários. Há ainda aqueles que são lidos
para entretenimento, como os muitos textos publicados em redes sociais, bem como
há aqueles relacionados para obter conhecimento científico, como teses, monogra-
fias, artigos e outros. Existe uma lista de gêneros e tipos textuais, sendo que cada um
deles apresenta-se de um modo frente ao leitor, sendo responsáveis por construir os
caminhos de leitura com maior ou menor interação.

Portanto, a interação entre leitor e autor é o processo que permite a construção e a


organização dos sentidos no texto. Desse modo, é possível entendermos que na ativi-
dade de leitura acionamos lugares, vivências, relações, crenças, valores, conhecimen-
tos, entre outros elementos.

O exercício de leitura e escrita consiste em atividades significativas. Nelas estão inse-


ridas a participação dos sujeitos, leitor e escritor, como aqueles que possuem singula-
ridades em suas histórias — histórias estas que fazem diferença na produção e leitura
de textos, de modo a favorecer as influências daquilo que chamamos de contexto.

O contexto é elemento importante para a produção textual. É o responsável pela re-


lação entre o texto e o que ocorre dentro dele, ou seja, consiste em um conjunto de
elementos, como tempo e lugar, por exemplo, em que a mensagem é elaborada. Des-
se modo, portanto, podemos dizer que a compreensão do texto não parte somente

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das marcas gráficas, mas antes está relacionada ao que elas têm a dizer ao leitor. Logo,
possui interações com as pretensões do autor.

Segundo Ingedore Koch (2011, p.12-13) toda atividade humana consiste em três fun-
damentais aspectos, a saber:

• Existência de uma necessidade/interesse.


• Estabelecimento de uma finalidade.
• Estabelecimento de um plano de atividades, formado por ações individuais.
• Realização de operações específicas para cada ação, em conformidade com o
plano prefixado.
• Dependência constante da situação a que se leva a cabo a atividade, tanto para
planificação geral como para realização de ações e possível modificação do proces-
so no decurso da atividade (troca das ações previstas por outras, de acordo com
mudanças produzidas na situação).

Ao partir de tal compreensão, relacionada aos aspectos que envolvem as atividades


humanas, podemos compreender que o exercício/prática de leitura e escrita acompa-
nha a mesma sequência, já que toda atividade pressupõe uma estrutura, organização
e determinação.

O que é o texto, afinal?


O texto é entendido como uma unidade sociocomunicativa, sendo apre-
sentado por diferentes naturezas. A produção textual faz parte de um pro-
cesso de interação, em que autor–texto–leitor são os responsáveis pela
função comunicativa.

Na universidade, a produção textual se constitui como espaço para estudo e produção


de conhecimento científico, sem perder de vista as variações dos textos quanto à sua
funcionalidade, finalidade, contexto, tipos e gêneros.

As estratégias de leitura e de produção de textos são fundamentais para o domínio e


prática no processo de ensino-aprendizagem no espaço acadêmico. Desse modo, ao
entender a noção de texto como unidade que produz sentidos, podemos dizer que
adotamos a leitura e a escrita enquanto práticas sociais que possibilitam reflexões,
ações e desenvolvimentos, os quais funcionam de modo interativo, ou seja, em diálo-
go com diversas vozes e elementos do mundo.

13
RE SUMO

Este capítulo apresentou noção ampla do que é o texto, tomando-o como fato do dis-
curso, seja ele falado ou escrito, entendendo-o como uma unidade sociocomunicativa.
Desse modo, entendemos que o texto possui inúmeras características, sendo elas ela-
boradas por palavras organizadas, sons ou por imagens em traços, cores e movimen-
tos. Entender a noção mais ampla de texto possibilita o exercício da leitura, escrita e
melhor elaboração do processo interpretativo para a formação de leitores e autores
críticos dentro e fora do espaço acadêmico.

A compreensão mais ampla da noção de texto, exposta neste capítulo, nos leva a to-
mar o elemento linguístico — formado por uma combinação de letras e/ou sons que
formam palavras — como não exclusivo na produção textual. Assim, podemos tomar a
interação entre os sujeitos e as múltiplas propostas de sentido como elementos cons-
titutivo do texto. Portanto, podemos dizer que leitura e escrita consistem em aspectos
históricos e sociais complexos e variados.

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RE FE RÊ NCIA S

CAVALCANTE, M. M. Os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2012.

DIAS, L. C. F. No jogo entre a linguística textual e a análise do discurso: (em)bates e (de)


bates de visões. Revista Eletrônica de Divulgação Científica em Língua Portugue-
sa, Linguística e Literatura Letra Magna, ano 4, n. 7, 2007.

FERREIRA, S. P. A.; DIAS, M. G. B. B. A leitura, a produção de sentidos e o processo infe-


rencial. Psicol. estud., Maringá , v. 9, n. 3, 2004, p. 439-448.

KOCH, I. G. V. Desvendando os segredos do texto. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2003.

KOCH, I. G. V. O texto e a construção dos sentidos. 10. ed. São Paulo: Contexto, 2011.

KOCH, I. G. V.; ELIAS, V. M. Ler e compreender: os sentidos do texto. 3 ed. São Paulo:
Editora Contexto, 2010.

SCHOPKE, R. Por uma filosofia da diferença: Gilles Deleuze, o pensamento nômade.


São Paulo: Edusp, 2004.

15
2
Coesão e coerência: a estruturação do parágrafo e
estratégias argumentativas

Neste capítulo trabalharemos aspectos relacionados ao exercício da escrita, com o


objetivo de tornarmo-nos aptos a construir textos de qualidade, com clareza e argu-
mentos sólidos. Para isso, compreender a textualidade dos gêneros no que se refere
a coesão e coerência é muito importante. Escrever exige planejamento e, para que te-
nhamos um bom texto, é necessário acompanhar sua estrutura de produção. Portanto,
entenderemos melhor a construção dos parágrafos e como funcionam as estratégias
argumentativas no decorrer do texto, sendo estas utilizadas nos mais diversos tipos
e gêneros textuais. A compreensão de tais elementos proporciona melhor escrita e
leitura de textos acadêmicos, de modo a contribuir não apenas para a produção e a
pesquisa científica de qualidade, mas também para possibilitar nosso desenvolvimen-
to pessoal e profissional nas mais diversas áreas do conhecimento.

Elementos da textualidade: coesão e coerência


Como aprender a escrever? Em que consiste o ato de escrever? O que nos permite uma
escrita produtiva? Escrever não é tarefa fácil, mas pode ser um exercício realizado com
prazer, tal e qual aponta Roland Barthes em seu livro O prazer do texto (1996).

Segundo Roland Barthes — teórico, crítico e analítico do texto literário —, quando um


texto é lido com prazer significa que foi escrito com prazer. No entanto, ele aponta
que o prazer com que a escrita foi realizada não assegura o mesmo para aquele que
realiza a leitura, evidenciando dessa forma que é necessário o estabelecimento de diá-
logos entre escritor e leitor e que nesse processo é essencial uma abertura do autor
para o leitor.

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Não é fácil escrever. É duro como quebrar rochas. Mas voam faíscas e las-
cas como aços espalhados. Ah, que medo de começar e ainda nem sequer
sei o nome da moça. Sem falar que a história me desespera por ser simples
demais. O que me proponho contar parece fácil à mão de todos. Mas a sua
elaboração é muito difícil. Pois tenho que tornar nítido o que está quase apa-
gado e que mal vejo. Com mãos de dedos duros enlameados apalpar o invisí-
vel na própria lama.

Clarice Lispector
(A Hora da Estrela, p. 25)

O trecho do livro A hora da estrela, escrito por Clarice Lispector, evidencia, dentre
tantas outras interpretações possíveis, as limitações da escrita e a dificuldade de se
iniciar um texto, ainda que aquilo que precisa ser dito, a partir do código de linguagem,
esteja posto no pensamento.

Diante desse contexto podemos dizer que a escrita exige organização e planejamento
e, para que tenhamos um bom texto, é necessário acompanhar a estrutura de produ-
ção textual, que está dividida em três etapas...

... planejar, escrever e revisar.

O planejamento textual implica uma boa pesquisa para definição do tema a ser abor-
dado e do público que se deseja atingir. Além disso, é nesta etapa que realizamos o le-
vantamento de dados sobre a temática escolhida, definimos o gênero textual que será
utilizado, elaboramos nossas estratégias argumentativas e iniciamos nosso rascunho.

A segunda etapa, pertencente à estrutura de produção do texto, está relacionada à


produção em si, ou seja, à escrita. Nessa parte do processo colocamos no papel nosso
planejamento.

A terceira etapa, na qual realizamos a revisão textual, envolve o ato de reler tudo o
que foi escrito para detectar possíveis falhas. Desse modo, garantimos a qualidade do
texto e o efetivo processo comunicativo.

Neste capítulo iremos nos debruçar sobre os elementos que constituem a etapa dois
da estrutura de produção textual, que consiste na escrita do texto. Para isso, devemos

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garantir que nossa produção seja formada por um conjunto estruturado e fluido, bem
como devemos assegurar que nosso conteúdo acompanhe uma estrutura lógica e ade-
quada. Por fim, devemos entregar um texto construído com base em conhecimentos
sólidos. Tais elementos são constitutivos do texto e eles designam coesão, coerência
e consistência na produção textual.

Diferenças entre coesão e coerência


Segundo apontam as autoras do livro Coesão e coerência textuais, organizado por
Valquíria Paladino (2011), o princípio dos dois elementos da textualidade, coesão e
coerência, são entendidos respectivamente como unidade de sentido do texto e li-
gação das ideias do texto. Eles são mecanismos indispensáveis para compreensão,
análise e construção textual e estão presentes em diversas situações comunicativas
para que tenhamos uma produção efetiva e de qualidade.

Segundo Ingedore Koch (2011), os fenômenos textuais coesão e coerência possuem


distinção, embora a autora reconheça que haja pequenas distâncias entre eles, dificul-
tando a separação entre um e outro.

Coesão

Koch define coesão como “o fenômeno que diz respeito ao modo como os elemen-
tos linguísticos presentes na superfície textual se encontram interligados entre si, por
meio de recursos também linguísticos, formando sequências veiculadoras de senti-
dos” (KOCH, 2011, p.45). Assim, a coesão pode ser classificada em duas modalidades:
remissão e sequenciação.

1. Remissão

A remissão pode ser efetuada a partir de recursos gramaticais, como:

• Pronomes pessoais de terceira pessoa — sejam eles retos ou oblíquos.


• Pronomes possessivos, demonstrativos, indefinidos, interrogativos e relativos.
• Numerais.
• Advérbios pronominais, como “aqui”, “ali”, “aí”, “lá”.
• Artigos definidos.
• Sinônimos e outros.

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Exemplo de remissão:

Clarice acordou sobressaltada. Ela havia sonhado com um amor antigo no


parque.

2. Sequenciação

A outra modalidade é a sequenciação, responsável por fazer o texto avançar e, portan-


to, garantir a continuidade dos sentidos, podendo ocorrer de forma direta ou progres-
siva a partir do uso de recursos como seleção de palavras a serem usadas no texto e das
relações estabelecidas entre os campos, com o objetivo de obter efeitos de sentido.

Exemplo de sequenciação:

Clarice procurou amadurecer seus sentimentos, a fim de desplatonizar amores.

Coerência

Além da coesão temos a coerência, definida por Koch como aquela que diz respeito
ao modo como “os elementos subjacentes à superfície textual vêm a constituir, na
mente dos interlocutores, uma configuração veiculadora de sentidos” (KOCH, 2011,
p. 52), ou seja, consiste no resultado da construção realizada por aqueles que par-
ticipam do processo comunicativo a partir de uma série de fatores de ordem social,
cultural e de interação.

Desse modo, podemos compreender que a coerência se estabelece no texto a par-


tir dos níveis sintáticos, semânticos, temáticos e estilísticos, sendo eles os respon-
sáveis por nos inserir no caminho para a construção de um texto com clareza e
argumentos sólidos.

A coesão e a coerência são indispensáveis na construção de um texto e por isso é im-


portante o entendimento dos aspectos apresentados até aqui. Eles nos entregam ca-
minhos para uma produção textual inteligível, estruturada de forma adequada e orga-
nizada formalmente.

19
Estratégias argumentativas
Sabemos que o texto é uma unidade sociocomunicativa que usa os códigos de lingua-
gem para a produção e efeitos de sentido. Para que possamos atingir tal finalidade,
existem os fatores coesão e coerência como mecanismos indispensáveis.

Afinal, como construímos os sentidos no texto?

Coesão e coerência estão em constante relação e assim constroem unidades de senti-


dos obtendo como resultado o texto, sendo a coesão aquela que age na superfície e a
coerência o resultado da interação autor-leitor. Neste sentido, temos procedimentos
necessários para uma sequência adequada entre os parágrafos e as partes do texto,
ou seja, mecanismos responsáveis pela organização textual, os quais introduzem os
argumentos no texto.

Argumentos
Os argumentos constroem, de forma ordenada, os sentidos no texto, sendo eles um
conjunto de afirmações. No entanto, é importante compreender que nem todas as
afirmações constituem argumentos.

“[...] para termos um argumento, temos de querer ligar as premissas à con-


clusão: temos de querer que as premissas “conduzam” ou “estabeleçam” ou
“sustentem” a conclusão” (EPSTEIN; CARNIELLI, 2019, p.35).

Diante disso, como construímos bons argumentos?

Diferentemente do que poderíamos supor a princípio, bons argumentos não são aque-
les que remetem exclusivamente a persuasão, ou seja, não consistem em apenas indu-
zir alguém a aceitar algo ou alguma coisa. Antes disso construímos bons argumentos
quando temos boas razões para que as proposições sejam verdadeiras e com isso pos-
sam conduzir, sustentar e estabelecer as conclusões.

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A busca por argumentos corretos, e em particular por bons argumentos, por
aqueles que hoje poderíamos chamar de argumentos sólidos, começou há
mais de 20 séculos na polêmica iniciada por Sócrates contra os sofistas, con-
tinuada por Platão e levada adiante por Aristóteles. Praticamente, todas as
questões que podemos levantar sobre a natureza dos argumentos foram já
levantadas no tratado que dá origem à lógica, os “Tópicos” de Aristóteles,
devotados ao treino intelectual, aos contatos com outras pessoas e ao co-
nhecimento científico e filosófico. Devemos ter claro, contudo, que a lingua-
gem, os métodos e certos pressupostos de Aristóteles irão forçosamente se
diferenciar da visão contemporânea. (EPSTEIN; CARNIELLI, 2019, p.35)

A ideia de que bons argumentos não são construídos com a finalidade única de per-
suadir ou influenciar é reiterada por Emediato (2001), quando ele problematiza as
atividades de comunicação, tal e qual é o texto. Segundo o autor, não são todas as
informações que possuem o objetivo de convencer todo um grupo. Para ele, “o ato de
responder a uma pessoa que nos pergunta as horas dificilmente (salvo má-fé) inclui um
fim de influência sobre sua crença no tempo”.

Ainda segundo Emediato, as ações comunicativas são finalizadas, o que significa dizer
que são dirigidas a um fim, sendo este:

[...] o de influenciar um auditório ou um interlocutor a fazer algo ou a


aderir a uma crença. Por outro lado, uma intenção pode estar simples-
mente relacionada com uma finalidade informativa sem que esteja ne-
cessariamente a serviço de uma influência. (EMEDIATO, 2001, p.157)

Estratégias
No processo de construção de argumentos no texto adotamos algumas estratégias,
ou seja, artifícios que consistem nos modos como tais argumentos devem ser apresen-
tados e organizados. Ao explorá-los a partir dos diferentes tipos e gêneros textuais, te-
mos melhor compreensão sobre estrutura, produção e leitura textual de forma crítica.

21
A escolha de como devemos apresentar e organizar nossos argumentos
no texto é muito importante para que possamos desenvolver as estraté-
gias argumentativas.

Desse modo, podemos ter construções pautadas, entre outros, por:

• Nossas opiniões, crenças, valores e conhecimentos.


• Dados estatísticos.
• Pesquisas científicas.
• Analogias.
• Exemplos.

Os argumentos são ordenados por algumas articulações, como aquelas que situam o
leitor no contexto de tempo e espaço dentro da produção textual, elementos também
responsáveis por construir um texto coeso.

Assim, quando utilizamos argumentos a partir do uso de exemplos podemos tomar


eventos históricos ou notícias para justificar as ideias no texto. Além disso, podemos
nos apoiar em afirmações advindas de pesquisas científicas ou em dados estatísticos,
os quais possuem certo domínio de conhecimento para que seja possível encadear os
saberes no texto e estabelecer comprovações concretas com bases em argumenta-
ções lógicas que fazem operar o raciocínio, que por sua vez trazem como implicações
analogias, causas, consequências, hipóteses, problematizações e outros.

Os gêneros e tipos textuais


Os sentidos construídos no texto podem estar dispostos por diversas expressões, se-
jam elas em palavras ou imagens, tendo em vista que o texto consiste em um produto
sociocomunicativo com interações múltiplas que transmitem sentidos. Assim, pode-
mos dizer que os discursos organizados no texto são estabelecidos por funções, as
quais possuem como ações discursivas: narrar, descrever, argumentar e expor.

22
Os textos são criações humanas, logo, são produtos culturais elaborados
por um sujeito (um escritor, um jornalista, um publicitário, um legislador,
um cineasta, um dramaturgo, um pintor, um músico, um professor, um gra-
fiteiro, um blogueiro, você etc.) e destinados a outros sujeitos; portanto,
além de serem um todo de sentido, são objetos de comunicação entre su-
jeitos. A definição de texto leva em conta duas características que se com-
plementam: um todo de sentido; um objeto de comunicação entre sujeitos.
(TERRA, 2019, p. 4)

Ao entender o texto como um todo de sentido podemos afirmar que ele apresenta
dois planos:

• Um plano de expressão, que se refere àquilo que é perceptível aos sentidos,


os quais são atribuídos pela língua.
• Um plano de conteúdo, que corresponde à estrutura do texto, que é de ordem
cognitiva.

O plano de expressão consiste em uma manifestação linguística, na qual


está incluída a coesão, e o plano de conteúdo refere-se diretamente ao
sentido, o qual se refere à coerência.

Todo texto está materializado em um gênero e cada um deles possui seus tipos e ca-
racterísticas, sendo assim classificados a fim de atender a uma organização da textua-
lidade. Alguns autores se debruçaram e produziram teorias sobre os gêneros desde a
Antiguidade, como o filósofo grego Aristóteles.

23
O filósofo grego faz menção a três gêneros: o lírico, o épico e o trágico. No
primeiro, temos a manifestação da individualidade. O lírico está centrado na
subjetividade, mesmo quando trata da realidade objetiva […] O épico é um
gênero narrativo, isto é, há um narrador que conta um fato. A palavra “épico”
provém do grego épos, cujo significado é “palavra”. Épico é aquilo que é nar-
rado por meio de palavras. Como se trata de gênero narrativo, o épico apre-
senta personagens, ação, tempo, espaço e narrador […] O gênero dramático
está ligado à representação. Enquanto no épico há um narrador que conta
os fatos, no dramático as ações são representadas. Consiste não na narrativa
das ações por um narrador (como no gênero épico), mas na representação
das ações por personagens que as vivem, como é o caso das representações
teatrais.(TERRA, 2019, p. 96)

No entanto, as teorias de Aristóteles são restritas ao discurso literário e com isso dei-
xam um espaço em relação às outras realizações sociocomunicativas. Por outro lado,
há a perspectiva do filósofo Bakhtin (2018), que toma os gêneros como elementos
pertencentes às atividades humanas e acredita que por meio deles a nossa comunica-
ção é possível.

Os gêneros, portanto, são classes apresentadas na materialidade dos textos, decor-


rentes do uso da língua, de modo a tornar efetiva e concreta a nossa comunicação em
diferentes espaços, sobretudo no campo acadêmico, em que as produções textuais
são de grande relevância para a difusão do conhecimento científico. Com isso, é im-
portante ressaltar que, ao produzirmos um texto, escolhemos um gênero, que varia
de acordo com nosso propósito comunicativo e apresenta padronização na estrutura
e na organização.

Estrutura e organização textual


Por meio de algumas ações discursivas, a estrutura e organização textual consistem
em identificações padronizadas tais como narrar, descrever, argumentar e expor mar-
cações em cada um dos tipos textuais, os quais são descritos a seguir:

• O texto narrativo consiste em contar algo que aconteceu em uma sequência


situada no tempo dos fatos; ainda que a situação narrada não seja verdadeira, a
narrativa deverá ser semelhante à verdade, ou seja, precisa ser verossímil e não
contrariar a verdade.

24
• O texto descritivo constitui-se em um retrato de alguém ou algo e não está
marcado pelo tempo como no texto narrativo, pois a descrição é fixa.
• O texto expositivo consiste em expor e, assim, transmitir saberes — neste tipo
de texto elementos desconhecidos podem ser evidenciados.
• O texto argumentativo está presente em todos os textos e é constituído pela
construção de premissas verdadeiras.

A compreensão da existência dos gêneros e tipos textuais implica o de-


senvolvimento da leitura e escrita dos sujeitos, fornecendo um vocabulá-
rio amplo, maior criticidade e busca pelo saber.

O ato de ler e escrever são fundamentais para o desempenho acadêmico e, nesse sen-
tido, os indivíduos que praticam tais atividades conseguem melhor apreender e com-
preender as informações, de modo a impulsionar maiores possibilidades de conheci-
mento, seja no meio científico e tecnológico ou no espaço profissional cotidiano.

“Não se escreve por se querer dizer alguma coisa, escreve-se porque se tem
alguma coisa para dizer.”

Scott Fitzgerald

25
RE SUMO

Este capítulo apresenta aspectos relacionados ao exercício da escrita de modo a ga-


rantir produções textuais formadas por um conjunto estruturado e fluido de acordo
com um conteúdo que acompanhe uma estrutura lógica e adequada. Para tanto, estão
evidenciados os elementos constitutivos para a construção com base em conhecimen-
tos sólidos, que se referem a coerência, coesão e consistência elaboradas a partir de
estratégias argumentativas.

Neste sentido, são apresentados os artifícios para que os argumentos possam ser or-
ganizados no texto e explorados a partir da evidência dos diferentes tipos e gêneros
textuais. Tais elementos nos levam a uma melhor compreensão sobre estrutura, pro-
dução e leitura textual de forma crítica no campo científico e profissional.

26
RE FE RÊ NCIA S

BARTHES, R. O prazer do texto. Tradução J. Guinsburg. 4. ed. São Paulo: Perspectiva,


1996.

BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2018.

CARNIELLI, W. A.; EPSTEIN, R. L. Pensamento crítico: o poder da lógica e da argumen-


tação. 4. ed. São Paulo: Rideel, 2019.

EMEDIATO, W. Retórica, argumentação e discurso. Belo Horizonte: UFMG, 2001.

LISPECTOR, C. A hora da estrela. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.

KOCH, I. G. V. O texto e a construção de sentidos. 10. ed. São Paulo: Contexto, 2011.

PALADINO, V. C. et al. Coesão e coerência textuais: teoria e prática. 2. ed. Rio de Ja-
neiro: Freitas Bastos, 2011.

TERRA, E. Tipos textuais. In: TERRA, E. Práticas de leitura e escrita. São Paulo: Saraiva
Educação, 2019.

27
3
A vida acadêmica, o discurso científico e as formas
de leitura e produção de textos: resumo e resenha

A construção de textos científicos é parte fundamental do processo de ensino-apren-


dizagem nos espaços acadêmicos e, para a construção de uma produção de qualidade,
é necessário respeitar as particularidades da comunicação estabelecidas nesse am-
biente. A vida acadêmica proporciona diversas experiências para a construção profis-
sional e do pensamento crítico e, com isso, seu modo de organização oferece amplia-
ção da visão de mundo. Portanto, ao compreender os diferentes tipos de textos que
circulam na universidade — como o resumo e a resenha destacados neste capítulo
— entendemos suas estruturas e especificidades para o compartilhamento de ideias,
informações e investigações científicas, filosóficas e artísticas de forma sistematizada.
Diante disso, podemos afirmar que identificar as especificidades do universo acadêmi-
co é compreender a linguagem nele produzida. Assim, teremos a construção do pensa-
mento e do fazer crítico em produções científicas, as quais nos entregam sentidos nas
enunciações e modos de se posicionar frente aos textos.

A vida acadêmica
Os movimentos da vida acadêmica também são atravessados pelos processos de glo-
balização e internacionalização. Com isso, temos apontamentos para as necessidades
de transformações na matriz curricular dos cursos disponibilizados pelas universida-
des, de maneira que possam atender às demandas das sociedades e, assim, ofertar
formação profissional de qualidade.

As universidades são espaços de construção do conhecimento, o qual tem sido con-


siderado em nossa sociedade fator de produção vinculado ao mundo do trabalho.

28
Diante disso, a educação recebe papel de destaque.

No entanto, é importante compreender o conhecimento enquanto uma rede de signi-


ficações em que está incluído não somente o acúmulo de riquezas, o desenvolvimento
e o progresso social, mas a valorização de culturas de modo a contemplar uma dimen-
são ética.

Conhecimento científico
Nesse contexto, entendemos que as universidades constituem grandes centros pro-
dutores de conhecimento, responsáveis por qualificação e capacitação de sujeitos,
tanto para a vida como para o mercado de trabalho, tendo em vista a abertura para
múltiplos sentidos do mundo, sem deixar de ver que todo nosso conhecimento come-
ça com a experiência.

Não resta dúvida de que todo o nosso conhecimento começa pela experiên-
cia. Efetivamente, que outra coisa poderia despertar e pôr em ação a nossa
capacidade de conhecer senão os objetos que afetam os sentidos e que, por
um lado, originam por si mesmos as representações e, por outro, põem em
movimento a nossa faculdade intelectual e levam-na a compará-las, ligá-las
ou separá-las, transformando a matéria bruta das impressões sensíveis em
um conhecimento que se denomina experiência? Assim, na ordem do tempo,
nenhum conhecimento precede em nós a experiência e é com esta que todo
conhecimento tem seu início (KANT,2001,p.41).

O conhecimento, a partir do desenvolvimento da linguagem, avançou ao longo da his-


tória da humanidade, tendo como objetivo compreender a realidade que nos cerca
de modo a estabelecer relações entre o mundo e nossas experiências, as quais estão
fundamentadas em nossas vivências, valores, culturas e crenças, que passaram por
modificações de perspectiva no decorrer dos anos.

A busca pela compreensão da realidade pretende estabelecer relação entre seres hu-
manos e o mundo desde os tempos primitivos, tendo passado por diferentes refle-
xões, ideias e teorias ao longo do tempo. Assim, podemos dizer que o conhecimento
científico teve um percurso histórico em sua construção até chegar ao que entende-

29
mos hoje, ou seja, à produção de pesquisas científicas, que consistem na aplicação de
métodos investigativos para o desenvolvimento de determinado estudo.

Desse modo, este capítulo aborda os caminhos para a produção científica tendo como
foco a apresentação da estrutura e organização dos tipos textuais resumo e resenha,
importantes para o domínio do discurso acadêmico-científico, da construção do co-
nhecimento, da produção e da divulgação de saberes.

O discurso científico
Antes de compreendermos melhor o gênero resumo e resenha, passaremos pela re-
flexão da construção do conhecimento no espaço acadêmico, que consiste em proces-
so de investigação fundamentado em aspectos culturais, filosóficos e científicos das
sociedades, apresentados de forma sistematizada. Portanto, é importante acompa-
nhar como o trabalho é operacionalizado — neste caso, a partir da produção de textos,
os quais carregam suas especificidades e funcionalidades de modo a contribuir para a
construção do pensamento crítico.

Diante disso, como funcionam os discursos científicos?

A produção discursiva acadêmica é constituída por uma linguagem técnico-científica,


diferente daquela usada na construção literária, jornalística e publicitária, pois é pau-
tada em formalidade, objetividade, clareza e precisão.

Não podemos perder de vista que as construções da linguagem acadêmica


podem sofrer variações de acordo as demandas discursivas do objeto a ser
investigado, seja pelo uso de termos técnicos ou pelo estilo daquele que es-
creve, levando o discurso científico a ser constituído como espaço para múl-
tiplas escritas.

Nesse contexto, para que tenhamos uma produção acadêmica de qualidade precisa-
mos construir textos dentro dos padrões da língua a partir do uso das normas gramati-
cais, ou seja, textos elaborados em linguagem culta, sem a utilização de gírias e outras
expressões coloquiais, exceto quando necessário para atender a especificidades do
objeto de pesquisa e da metodologia adotada.

30
Além disso, devemos apresentar ideias que busquem uma unidade a partir da organi-
zação lógica, tendo como objetivo o foco e o desenvolvimento do texto.

A construção textual deve ser clara, coerente e objetiva.

A objetividade é característica básica de todo texto acadêmico-científico — sendo


elementar para que o discurso não apresente ambiguidades —, verificada pela escolha
de palavras e expressões que impedem uma apresentação concisa de ideias.

Diante do exposto, fica evidente que a linguagem é de grande importância para o


discurso científico, sendo essa uma forma de ação e processo social. A partir da lin-
guagem construímos caminhos para reflexões, problematizações e senso crítico no
espaço acadêmico, compartilhadas por meio de palestras, conferências, seminários e,
sobretudo, de textos em que investigações são compartilhadas.

Portanto, a leitura e a escrita acadêmica são imprescindíveis para o desenvolvimen-


to do pensamento científico na universidade, sendo as responsáveis pela propaga-
ção de observações e conclusões do pesquisador sobre determinado tema, projeto
ou estudo, acompanhados de análises críticas de forma harmônica entre as seções
e os parágrafos.

Para escrever textos científicos é necessário respeitar as particularidades da comu-


nicação acadêmica. Assim, é importante identificar os diferentes tipos de textos que
circulam na universidade, bem como suas estruturas e especificidades, que variam de
acordo com os objetivos.

Os textos acadêmicos possuem convenções específicas para sua formalização. Vere-


mos dois deles: resumo e resenha inseridos em um contexto de produção, estrutura
e função específica.

O gênero acadêmico resumo


O resumo consiste na parte fundamental da publicação científica, sendo o primeiro
contato com o conteúdo do texto após o título. Nele, é apresentado um texto sucinto
sobre os elementos abordados no texto principal, de modo a relatar fatos essenciais
de maneira autônoma e concisa.

31
O resumo possui classificações que variam conforme seu
conteúdo, estilo e extensão.

Segundo Salvador (1978), o resumo acadêmico está dividido em três categorias: indi-
cativo, informativo e crítico. Observe a definição de cada uma delas.

CATEGORIA DEFINIÇÃO

Apresenta a descrição da forma e todo o propósito do texto principal e,


Resumo indicativo
por isso, a leitura da produção textual completa é indispensável.

Resumo informativo Apresenta apenas as principais informações do texto.

Apresenta a síntese do texto principal e a formulação de julgamentos


Resumo crítico
sobre os aspectos apresentados na produção.

Apesar de a definição do gênero textual resumo ter relações com uma apresentação
concisa dos pontos mais relevantes de um texto, é importante ressaltar que o resumo
consiste em questões mais amplas, que se refere à compreensão de modo global do
texto principal.

Desse modo, o resumo circunscreve aspectos gerais relacionados à estrutura e ao con-


teúdo do texto para identificação da produção discursiva elaborada pela escrita, facili-
tando o processo de leitura.

Além do reconhecimento de que o resumo oferece melhor desenvolvimento da com-


preensão na leitura, podemos observar como a elaboração desse gênero textual ofe-
rece conhecimento das estruturas formais da língua, bem como organização e plane-
jamento de um texto.

O que é necessário, afinal, para a elaboração do resumo?

Para elaborar um resumo é necessário condensar e reformular informações, acionan-


do os conhecimentos tanto linguísticos como de conteúdo abordados no texto prin-
cipal. Nesse contexto, segundo Borba (2004), devemos seguir alguns critérios para
produzir nossos resumos acadêmicos:

• Leitura cuidadosa do texto principal.


• Identificação da ideia central e as relações estabelecidas com as formula-
ções secundárias.

32
• Escolha de exemplos para que haja clareza e compreensão do texto.
• Evitar acréscimo de informações ao texto.

Ao acompanhar os critérios, colocamos em ação a linguagem e a estrutura acadêmi-


ca exigidas pelo gênero resumo. Além disso, materializamos a compreensão dos con-
teúdos e procedimentos abordados nos textos para o desenvolvimento de produções
textuais de qualidade.

O gênero acadêmico resenha


A característica fundamental de uma resenha consiste na apresentação de uma avalia-
ção crítica de determinada produção. Com isso, é importante dizer que, assim como o
resumo, a resenha também se constitui gênero textual do campo acadêmico.

Para a construção de resenhas devemos ter conhecimento sobre o assunto abordado


na obra escolhida, de modo que seja possível estabelecer comparações com outras
produções da mesma área ou não.

As resenhas são relatos minuciosos das diferentes produções intelectuais e artísticas.


Seu papel principal é descrever e avaliar os conteúdos dessas obras, culminando em
sua recomendação (ou não) a um leitor.

O gênero resenha desempenha papel importante na atividade acadêmica, pois:

• Colabora para o desenvolvimento da nossa capacidade de síntese, interpreta-


ção e crítica.
• Contribui para o avanço de nossa produção discursiva científica.

A prática de leitura constitui-se exercício indispensável


para a produção de resenhas.

Diante desse processo, devemos realizar algumas análises, sendo elas:

I. Análise textual
Compreende um estudo do vocabulário, verificação do referencial teórico, inves-
tigação dos fatos apresentados e esquema dos sentidos.

33
II. Análise temática
Apreende o assunto do texto, as perspectivas pelas quais o autor tratou tal as-
sunto, o foco do problema apresentado e a posição assumida pelo autor no de-
correr do texto.

III. Análise interpretativa ou crítica


Apresenta uma posição a respeito das ideias do texto de modo a estabelecer um
diálogo entre autor e leitor, buscando responder se os argumentos apresentados
são ou não consistentes, o alcance do sentido produzido no texto, a relevância da
produção analisada e em quais elementos a conclusão está apoiada.

Além das análises necessárias durante a atividade de leitura para a produção de re-
senhas, temos a problematização como etapa relevante para esse processo, a qual
engloba as questões explícitas e implícitas suscitadas no texto. Ao passar por essas
etapas, chegamos à fase de síntese, ou seja, à elaboração do texto resenha de forma
amadurecida intelectualmente.

Afinal, o que devemos apresentar em uma resenha?

A seleção do que apresentar em uma resenha depende de algumas questões, dentre


elas a finalidade do texto (por exemplo, o tipo de leitor que se pretende atingir) sem
deixar de abarcar todas as propriedades do objeto a ser resenhado, podendo ser uma
pintura, um filme ou um texto — foco principal do nosso estudo.

Para a produção de uma resenha no campo acadêmico, temos diferentes modos de


iniciar. Entre esses modos podemos destacar:

• Informação ao leitor sobre a quem pertence a produção a ser resenhada.


• Breve apresentação do tema abordado, evidenciando a área do conhecimento,
sua importância e qual o desenvolvimento científico.
• Elaboração de elementos sobre as possíveis expectativas da publicação, estabe-
lecendo relações com posicionamentos anteriores tanto do autor do texto princi-
pal como com os de outros autores.
• Reformulação de apontamentos e sugestão de progressos.

De modo geral, podemos apontar que as características apresentadas no que se refere


à composição estrutural de uma resenha consiste em:

• Informação das referências bibliográficas, em que estão incluídos nome do au-


tor, título da obra, local de edição, editora, data, entre outros.

34
• Informações sobre quem é o autor, sua formação acadêmica, livros e artigos
publicados, período em que foi realizado o estudo.
• Síntese da obra destacando o assunto do texto, suas principais ideias, quais co-
nhecimentos prévios são exigidos para a compreensão do texto, caso haja, e a des-
crição do conteúdo.
• Conclusão da obra em que evidenciamos as teses defendidas pelo autor e os
resultados alcançados.

Conclusão
As ideias aqui apresentadas evidenciam como os modelos de textos são utilizados na
universidade para a produção científica. Com isso, foi possível abordar como os gêne-
ros resumo e resenha constituem-se enquanto atividade social de grande importância
para a vida acadêmica, deixando em destaque que não são apenas responsáveis pelo
desenvolvimento dos aspectos formais da língua, mas que também contribuem para
a construção crítica e a capacidade de síntese em diferentes situações comunicativas.
Dessa forma, é possível dizer que ofertam ao processo de ensino/aprendizagem uma
prática diversificada para a produção do conhecimento.

35
RE SUMO

A partir do entendimento de que os textos acadêmicos servem para partilhar ideias,


informações e investigações científicas, filosóficas e artísticas de forma sistemati-
zada, este capítulo apresenta contribuições para a compreensão dos processos que
constituem a vida acadêmica e a produção do discurso científico, tendo como foco
os gêneros acadêmico-científico resumo e resenha. Neste capítulo acompanhamos
os caminhos para prática, construção e desenvolvimento dos gêneros destacados
de modo a evidenciar a importância do exercício da leitura e da escrita no desen-
volvimento do pensamento científico para produções de qualidade, seja no campo
acadêmico ou profissional.

36
RE FE RÊ NCIA S

BORBA, V. M. R. Gêneros textuais e produção de universitários: o resumo acadê-


mico. 2004. 219f. Tese (Doutorado em Linguística) – Programa de Pós-graduação em
Letras e Linguística, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2004.

BRASILEIRO, A. M. M. Como produzir textos acadêmicos e científicos. São Paulo:


Contexto, 2021.

BRASILEIRO, A. M. M. Leitura e Produção Textual. Porto Alegre: Penso, 2016.

CASTRO, N. S. E. et.al. Leitura e escrita acadêmicas. Porto Alegre: SAGAH, 2019.

CORDEIRO, G. R. et. al. Orientações e dicas práticas para trabalhos acadêmicos.


Curitiba: Intersaberes, 2012.

DE SORDI, J. O. Elaboração de pesquisa científica: seleção, leitura e redação. São


Paulo: Saraiva, 2013.

KANT, I. Crítica da Razão Pura. 5. ed. Trad.: Manuela Pinto e Alexandre Morujão. Lis-
boa, Portugal: Calouste Gulbenkian, 2001.

MEDEIROS, J. B. Redação científica prática de fichamentos, resumos, resenhas.


13. ed. São Paulo: Atlas, 2019.

SALVADOR, Â. D. Métodos e técnicas de pesquisa bibliográfica. Porto Alegre: Suli-


na, 1978.

37
4
Construção de autoria na produção acadêmica:
o ensaio

Nesta disciplina voltamo-nos para a compreensão das características, organização e


estrutura do texto, sobretudo aqueles produzidos no espaço acadêmico. Ao pensar
sobre as produções textuais na universidade, nos debruçamos sobre as estratégias
de leitura e escrita para a construção de um pensamento crítico-reflexivo no decor-
rer da vida acadêmica. Neste capítulo vamos privilegiar como expor, no texto, ideias
e pontos de vista sobre determinado tema de forma original, a partir da construção
de argumentos e evidências sólidas e em conversa com outros autores. Desse modo,
será possível compreender os procedimentos indispensáveis para a manutenção de
padrões e construção de autoria.

O texto científico
No decorrer desta disciplina compreendemos que o texto acadêmico é escrito para
compartilhar determinada investigação científica, filosófica e artística. Portanto,
no processo de escrita deve-se manter o rigor, a crítica e uma estrutura textual
clara e objetiva.

Neste capítulo temos a perspectiva de acompanhar como o texto científico estabele-


ce ligações e diálogos com assuntos abordados por outros autores, entendendo que
para isso é necessário manter uma conversa alinhada e bem fundamentada, seguindo
algumas regras e conhecimentos.

No decorrer dos anos, a produção acadêmica no Brasil — que possuía desenvolvimen-


to inferior e criação de conhecimento acadêmico, se comparada a países como França
e Estados Unidos — alcançou significativos avanços no contexto mundial diante do au-
mento do número de pesquisas e artigos publicados, ainda que algumas críticas sejam

38
apontadas no que diz respeito à qualidade dessas produções. Tais críticas caminham
no sentido de afirmar que o discurso científico produzido no Brasil não possui origina-
lidade, apresentando-se como cópia de algumas áreas de produção de conhecimento
do território internacional, como Estados Unidos e Europa.

Desse modo, como coordenar o processo de produção do texto científico


de maneira que tenhamos verdadeira autoria?

A linguagem acadêmica exige precisão, clareza, coesão e coerência, elementos neces-


sários para a qualidade da escrita. No entanto, além desses aspectos, é indispensável,
para melhor compreensão das investigações científicas, a produção de conhecimento
que preencha lacunas e apresente reflexões e problematizações nos contextos dispo-
níveis nas áreas do saber.

O texto científico deve oferecer resultados originais que possibilitem avan-


ços para o campo acadêmico e a realidade que nos cerca, o que é possível por
meio do trabalho de leitura e produção de textos na universidade.

A função de divulgar essas produções textuais é destinada ao autor, que assume po-
sição de enunciação e elabora efeitos de sentido no texto. Diante disso, é possível
afirmar que a autoria é construída a partir de um conjunto de critérios, dentre os quais
está incluída a responsabilidade sobre o que é compartilhado e, portanto, são eles os
autores que fundam o discurso científico.

Para produzir um texto autoral de qualidade não devemos seguir apenas as regras
e normas linguísticas, mas precisamos também apresentar densidade ao estabelecer
relações com os elementos do mundo, como cultura, artes, crenças, valores, aspectos
históricos, reflexões de diversos autores, entre outros.

O gênero acadêmico ensaio


A construção do discurso autoral perpassa a exposição de ideias e pontos de vista so-
bre determinado tema, de forma original, com argumentos e evidências sólidos — ele-
mentos fundamentais para a prática científica.

39
Diante disso, podemos tomar como modo de construção autoral na produção de tex-
tos científicos a escrita performativa presente no gênero ensaio, o qual é híbrido por
natureza ao transitar por diversas áreas do conhecimento. Assim, podemos caracteri-
zar o ensaio como um texto em que a liberdade do pensamento é possível, de modo a
expor objetividade intelectual a partir de uma abordagem crítica.

O ensaio como gênero textual surgiu no século XVI, com Montaigne e Ba-
con, mas isso não significa que ninguém tenha elaborado, antes deles, tex-
tos com características de ensaio. Assim, para mostrar um exemplo notável,
podemos mencionar os escritos de Aristóteles, alguns deles com evidente
estrutura de ensaio. Um outro exemplo são os escritos de Plutarco, embora
as características dos dois sejam diferentes e, às vezes, opostas. Por isso, a
história do gênero depende do conceito de ensaio, que pode ser definido
de diversos modos.
(PAVIANI, 2010, p. 25)

Características do gênero ensaio


A definição do gênero ensaio é complexa, pois perpassa a historicidade e, por este
motivo, é difícil a elaboração de um conceito que possa objetivá-lo de forma completa.
No entanto, é possível apresentar algumas características.

O gênero ensaio é considerado híbrido por ser amplamente cultivado em diversas


áreas do conhecimento, como filosofia, ciência, críticas literárias e artísticas. Além
disso, apresenta estudos, investigações e reflexões que possuem caráter provisó-
rio, ou seja, o ensaio está debruçado na compreensão do processo investigativo do
objeto de estudo.

Outra característica relevante para o entendimento do que é ensaio consiste na com-


preensão de que esse gênero tem como proposta uma elaboração mais livre. No
entanto, é importante destacar que, ainda assim segue padrões formais, como a expo-
sição lógica do conteúdo abordado e o rigor na argumentação, sem perder de vista a
exposição de subjetividades.

No ensaio, são possíveis o julgamento e a interpretação sem necessaria-


mente a apresentação de recursos empíricos, mas é indispensável a expo-
sição das informações com maturidade intelectual.

40
Diante disso, é importante dizer que ainda que o ensaio nos ofereça liberdade de esti-
lo, ritmo e expressões, há exigências quanto ao equilíbrio e sutilezas desse uso liberal,
sendo essas as características que o distinguem dos outros textos acadêmicos, como
resenha e resumo.

O gênero ensaio, portanto, fortalece a autoria dos textos acadêmicos, uma vez que
parte da significação das coisas para levá-las adiante reflexivamente. Assim, os con-
ceitos são trabalhados ensaisticamente, ou seja, em movimentos de experimentação,
questionamentos, reflexões e críticas ao objeto de estudo, que não são apenas descri-
tos e explicados, mas sim postos em exercício de análise crítica argumentativa, em que
um conjunto de proposições elabora diálogos e reflexões.

Construção da argumentação no texto


A argumentação consiste em um recurso da linguagem utilizado na produção de tex-
tos que apresenta um conjunto de proposições cujo objetivo é elaborar diálogos e
reflexões, elementos importantes para a construção do gênero acadêmico ensaio.

Em um texto, os argumentos apresentados possuem como propósito de-


fender nossas ideias com clareza.

O ponto de partida para desenvolver a argumentação, ao entender a escrita como par-


te do processo social, é a compreensão de que escrever consiste em um saber sistemá-
tico que parte de premissas e conclusões, quando os pontos de vista são defendidos e
levados à concordância.

Desse modo, para que possamos construir uma argumentação voltada ao convenci-
mento do interlocutor, é necessário que sigamos alguns dos componentes a seguir:

1. Elaboração de uma proposta em que sua legitimidade seja questionada.


2. Desenvolvimento de um raciocínio que demonstre aceitação e legitimidade.
3. Apresentação de um sujeito alvo da argumentação, para refutar ou ser favorável
ao argumento.

41
Argumentação, portanto, é o resultado textual de uma combinação entre
diferentes componentes, que exige do sujeito que argumenta construir, de
um ponto de vista racional, uma explicação, recorrendo a experiências in-
dividuais e sociais em um quadro espacial e temporal de uma situação com
finalidade persuasiva.
(KOCH, 2016, p. 24).

A construção argumentativa nos textos torna possível a aproximação de teorias e con-


ceitos de modo a assumir posicionamento multidisciplinar frente ao discurso científi-
co. Portanto, é possível dizer que a construção de textos no campo acadêmico consiste
em uma forma de visualizar a produção do conhecimento na universidade. Essa pro-
dução deve estar alinhada a investigações que resultam na leitura e escrita de textos
elaborados em conversas com outros autores.

Diálogo entre autores


Ética na pesquisa acadêmica envolve alguns questionamentos por parte daquele que
pesquisa, seja professor ou aluno. Desse modo, interrogações caminham no sentido
de se compreender quais os motivos que nos levam à investigação científica:

1. Para que realizamos tal investigação?


2. Como devemos investigar?

As possíveis respostas a tais questionamentos consistem no entendimento de que a


pesquisa acadêmica contribui para uma atuação profissional qualificada nas mais di-
versas áreas do conhecimento para, assim, sermos conduzidos a leituras críticas do
mundo em que vivemos.

No entanto, esse é um processo que requer planejamento, conhecimento da lingua-


gem e estrutura adequada, bem como posicionamento ético por parte daquele que
pesquisa, que deve fazer parte de todo processo investigativo.

No processo de escrita, o texto científico estabelece ligações e diálogos com assuntos


abordados por outros autores, para a consistência das argumentações propostas.

Nesse contexto, como reconhecer quem nos ajudou a construir nosso dis-
curso acadêmico?

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Ao trazer ideias, teorias e conceitos de outros autores para o nosso texto, construí-
mos sustentação e credibilidade aos nossos argumentos. Desse modo, é importante
saber como conversar com outros autores no texto, organizar as ideias e manter
padrões de linguagem no contexto de produção sem que haja distanciamento entre
autor e objeto.

Assim, é importante ressaltar que a presença de outros autores no texto não consiste
em cópias, mas sim em um diálogo por meio do qual são explanadas reflexões próprias
a partir dos posicionamentos de outras autorias.

A redação não é uma transcrição mecânica de ideias prontas, mas uma fase
da construção do trabalho, totalmente imbricada com o próprio desenvol-
vimento do raciocínio.
(CASTRO, 2010, p. 4)

Desse modo, desenvolvemos um texto em que há ligações entre as contribuições do


autor e os conhecimentos desenvolvidos por outros pensadores, intelectuais e/ou pro-
dutores de saber. Isso porque parte dos argumentos construídos nas produções aca-
dêmicas depende dos estudos de outros autores.

Nesse contexto, é indispensável o uso de algumas regras e conhecimentos nas estraté-


gias de leitura e escrita para a construção de um pensamento crítico-reflexivo. Em um
texto, essas regras consistem em formas de apresentação de títulos, citações, rodapés
e, sobretudo, referências nas produções textuais acadêmicas. Ao tomar conhecimento
desses elementos, entendemos o sistema de padronização dos textos científicos.

A padronização oferece melhor acesso às ideias e informações utilizadas ao longo do


texto, de maneira a compartilhar de que modo encontramos o pensamento dos auto-
res citados.

Como acontece o emprego dessas normas?

A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) oferece formas de padronizar


os trabalhos elaborados nas mais diversas áreas do conhecimento, assim contribuin-
do para o avanço e a circulação das produções científicas no território brasileiro, bem
como favorece a troca de saberes.

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Nesse contexto, ao seguir as normas-padrão para um trabalho acadêmico construímos
caminhos mais acessíveis para a apreciação do conteúdo registrado, de modo a evi-
denciar a organização das produções científicas, simplificando métodos e técnicas e
ofertando celeridade à busca de fontes.

Seguir as normas, portanto, consiste em viabilizar a informação dos autores que servi-
ram de embasamento para a produção textual, nos ajudando a desenvolver o assunto
em estudo. Assim, justifica-se a importância das citações no texto, realizadas com base
no levantamento de referências.

As regras oferecem clareza nas informações compartilhadas, bem como identificação


e compreensão dos conteúdos e conhecimentos de naturezas diversas expostos no
decorrer do texto. Além desses elementos, temos ainda o estabelecimento de normas
no que se refere à estrutura do texto científico, divididas em:

1. Elementos pré-textuais: antecedem o texto com informações importantes


para a identificação e uso do trabalho.
2. Elementos textuais: consistem na parte do trabalho científico em que os con-
teúdos são elaborados; reúnem o desenvolvimento do texto e estão divididos em
três partes fundamentais: introdução, desenvolvimento e conclusão.
3. Elementos pós-textuais: complementam a pesquisa com informações adicio-
nais e referências completas de todo o material pesquisado ao longo do texto.

ESTRUTURA BÁSICA PARA OS TRABALHOS ACADÊMICOS

(Elementos obrigatórios)
Capa
Folha de rosto
Resumo
Sumário
Elementos
pré-textuais
(Elementos opcionais)
Dedicatória
Agradecimentos
Epígrafe
Lista (ilustrações, tabelas etc.)

Introdução
Elementos
Desenvolvimento
textuais
Conclusão

Referências
Elementos
Anexos
pós-textuais
Apêndices

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Desse modo, o emprego de regras e normas na produção textual acadêmica é impres-
cindível para a construção do discurso autoral no campo científico, que só é possível
ao retomar referências e conhecimento de naturezas diversas, sejam elas artísticas,
históricas, políticas ou sociais.

Consideramos assim as marcas de uma escrita que acontece de forma fluída tal e qual
a proposta do gênero acadêmico ensaio para a construção do conhecimento qualifica-
do, observando a estrutura, a organização de ideias e os padrões de linguagem desse
gênero durante o processo de planejamento, produção e autoavaliação.

Portanto, o entendimento de que as etapas de produção textual, que incluem plane-


jamento, escrita, autoavaliação crítica e reescrita, são indispensáveis na construção
de produções no campo acadêmico, contribuindo para a manutenção do rigor e crí-
tica científica.

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RE SUMO

Neste capítulo compreendemos como o texto científico estabelece ligações e diálo-


gos com assuntos abordados por outros autores, entendendo que para isso é neces-
sário manter uma conversa alinhada e bem fundamentada, seguindo algumas regras
e conhecimentos. Desse modo, as ideias e pontos de vista sobre determinado tema
são abordados a partir da estrutura e organização do gênero acadêmico ensaio, o
qual permite originalidade do texto a partir da construção de argumentos e evidên-
cias sólidas, sendo estes procedimentos indispensáveis para a manutenção de pa-
drões e a construção de autoria em textos acadêmicos de forma qualificada.

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RE FE RÊ NCIA S

BARROS, K. S. M. Réplica 1- O que é um ensaio? Revista de Administração Contem-


porânea, v. 15, n. 2, p. 333-337, 2011.

CASTRO, C. M. Como redigir e apresentar um trabalho científico. São Paulo: Pear-


son Prentice Hall, 2011.

FIGUEIREDO, A. C. A arte de ensaiar com uma perspectiva científica. Palimpsesto, v.


11, n. 15, 2012.

FOUCAULT, M. O que é um autor? In: FOUCAULT, M. Ditos e escritos III: Estética – Litera-
tura e pintura, música e cinema. Tradução de Inês Barbosa. Rio de Janeiro: Forense, 2011.

KOCH, I. G. V.; ELIAS, V. M. Escrever e argumentar. São Paulo: Contexto, 2016.

PAVIANI, J. O ensaio como gênero textual. In: AZEVEDO, T. M.; PAVIANI, N. M. S. (orgs.).
Universo acadêmico em gêneros discursivos. Caxias do Sul: Educs, 2010. p. 23-32.

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