Douglass North Revista Veja

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Revista Veja (Edio 1830 .

26 de novembro de 2003) Entrevista: Douglass North Para um pas enriquecer Prmio Nobel de Economia afirma que s vo progredir os pases que desenvolverem instituies slidas Monica Weinberg O Brasil largou em desvantagem na corrida porque herdou de Portugal um modelo ineficiente de pas Vrias correntes de pensamento j explicaram por que alguns pases enriqueceram e outros permanecem no atraso. Para o professor americano Douglass North, 83 anos, vencedor do Nobel de Economia em 1993, as naes prosperam quando seus governantes se guiam por duas preocupaes fundamentais. Uma delas garantir a competio entre as empresas. A outra fortalecer as instituies. Para North, a competio e as instituies so fatores de desenvolvimento mais importantes que as riquezas naturais, o clima favorvel ou a agricultura. Nesta entrevista, North conta que nos tempos do faroeste os Estados Unidos j tinham leis claras para assegurar o direito de propriedade e o cumprimento dos contratos. Em pases como o Brasil at hoje h falhas nesse sistema. Para ele, a nica chance que os pases tm de dar um salto transformando suas instituies. Douglass North estar no Brasil no ms que vem. Veja A renda per capita dos Estados Unidos e a do Brasil eram idnticas em 1800. Um sculo mais tarde, os americanos haviam deixado os brasileiros l atrs. Hoje, essa diferena de renda da ordem de quinze vezes. O que aconteceu? North H vrias explicaes para o fenmeno do distanciamento de renda entre Estados Unidos e Brasil, mas gosto de me concentrar numa delas: as chamadas instituies. Nenhum pas consegue crescer de forma consistente por um longo perodo de tempo sem que antes desenvolva de forma slida suas instituies. Quando uso a palavra instituio, refiro-me a uma legislao clara que garanta os direitos de propriedade e impea que contratos virem p da noite para o dia. Refiro-me ainda a um sistema judicirio eficaz, a agncias regulatrias firmes e atuantes. S assim, com instituies firmes, um pas pode estar preparado para dar o salto qualitativo, mudar de patamar. Olhe para os Estados Unidos do sculo XIX. Embora estivessem nos tempos do faroeste, os americanos j possuam leis sofisticadas que asseguravam a liberdade religiosa, o direito ao habeas-corpus, o direito propriedade privada e a certeza coletiva de que, se assinassem um contrato, ele seria cumprido. Com isso, os proprietrios de terra e os donos das firmas se sentiam estimulados a investir em novas tecnologias e em mo-de-obra. Da o aumento estratosfrico de produtividade americana. No Brasil e no resto da Amrica Latina, a histria foi outra. Veja Por que as instituies na Amrica Latina registram esse atraso histrico? North Nesses pases, as instituies eram frgeis demais para criar uma engrenagem positiva que empurrasse a economia. Mxico, Brasil e Argentina sempre tiveram

recursos naturais suficientes para se tornar naes ricas. O atraso institucional deixou esses pases para trs. H uma relao direta entre as instituies existentes nas metrpoles e o tipo de desenvolvimento que as colnias tiveram nesse campo. Quando chegaram ao Novo Mundo, os europeus carregavam sua variada cultura institucional. Os pases da Amrica Latina importaram seu modelo de Portugal e da Espanha e por isso largaram em desvantagem. A Pennsula Ibrica colecionava instituies ineficientes, que no tinham calibre nem maturidade para estimular o crescimento econmico. J os americanos foram fartamente influenciados pela Inglaterra e, sob a carga gentica das instituies inglesas, tiveram como fonte um sistema bem mais moderno. Veja O senhor poderia dar um exemplo? North Tome-se o caso da gesto das contas pblicas hoje um assunto to em voga para comparar os pases da Europa de quatro sculos atrs. Em Portugal e na Espanha, os reis tinham poder absoluto e sustentavam a nobreza perdulria mesmo quando a renda vinda das colnias murchava. Depois disparavam nos impostos sobre o povo, que vivia num clima de incertezas, sem saber o que esperar para o futuro prximo. Parece familiar com o que vemos atualmente em muitos dos pases da Amrica Latina, no ? Veja como o quadro era diferente na Inglaterra do sculo XVII. O poder de autorizar as despesas do rei e de lanar tributos era atribuio do Parlamento, e, alm disso, havia o banco ingls, que fazia auditoria nas finanas pblicas. Um modelo sofisticado que resultou em avanos na Inglaterra e, mais tarde, nos Estados Unidos. Veja Como o senhor explica ento o fato de a ndia, outra ex-colnia da Inglaterra, at hoje no ter conseguido chegar nem perto dos Estados Unidos? North A histria mostra que o grau de assimilao das instituies europias por parte das colnias variou muito de um pas para o outro. Os melhores estudos na rea enfatizam uma associao direta entre o nvel de absoro das instituies vindas da Europa e a maneira como a populao nativa recebeu os colonizadores. Quanto mais refratria a populao local, menor era o raio de influncia europia. Na ndia, por exemplo, a gigantesca massa de indianos aceitou apenas moderadamente a slida herana institucional britnica. Eles desenvolveram bem suas leis em relao propriedade privada, mas at hoje tm instituies capengas, porque ficaram impermeveis queles pilares ingleses. Uma maior integrao entre europeus e indianos teria facilitado a implantao das novas regras. Mas isso ainda no explica tudo. No caso dos Estados Unidos, como se sabe, a relao de ndios e ingleses era belicosa, e mesmo assim os colonizadores conseguiram plantar o modelo britnico de instituies. Veja Como? North A explicao cruel e ningum se orgulha dela, mas o fato que, no caso americano, os ingleses foram bem-sucedidos na implantao de suas regras porque conseguiram controlar a imensa populao indgena local. Fizeram isso colocando os ndios em reservas com o objetivo de mant-los isolados e tambm dizimaram uma parte deles. feio? Claro. No entanto um captulo da histria dos Estados Unidos que ajuda a entender por que o ponto de partida dos americanos foi to melhor que o de outros pases.

Veja H diversas teorias para explicar o enriquecimento de um pas: a religio, o tipo de clima e os recursos naturais so a base de algumas delas. O que o senhor acha dessas teses? North No d para dizer que um clima propcio agricultura ou a abundncia de petrleo no tm peso nenhum. O fato que a natureza por si s no leva um pas para a frente. Nesse ponto, os estudos que desenvolvo h mais de cinco dcadas no deixam dvida: sem instituies fortes uma nao no abandona o atraso nem a pobreza. Veja o caso da Venezuela. Nos ltimos dez anos, passei longos perodos l e cheguei triste concluso de que a presena do petrleo no apenas no foi suficiente para mudar a situao socioeconmica dos venezuelanos como inclusive inibiu o desenvolvimento de outros setores. Isso porque eles concentraram foras nessa nica atividade e, para piorar o quadro, no detinham o respaldo de boas instituies para turbin-la. No outro extremo, gosto de colocar Israel, um pas de terra pobre, pouqussimos recursos naturais, mas que conseguiu dar um salto graas a um conjunto de instituies eficientes, especialmente na rea econmica. A questo palestina atrapalha e evidencia certo atraso no campo da poltica, mas, no todo, Israel ultrapassou e muito pases de natureza bastante mais promissora tendo partido do mesmo patamar. Veja E qual o peso que o senhor atribui religio na histria da riqueza das naes? North O tipo de crena de um povo fundamental para determinar o ritmo de crescimento de um pas. Sabe-se, por exemplo, que da tica protestante e suas idias positivas sobre o trabalho pesado se originou o esprito do capitalismo na Europa. Ento a religio vem antes das instituies? Definitivamente, no. Elas so a mesma coisa. As instituies de um pas so a sntese das crenas de seu povo. Repare que aqui no estamos falando s de religio, mas de crenas construdas no passado remoto das naes, produto da experincia dos homens em diferentes climas e ambientes. As instituies so a expresso concreta da mentalidade das pessoas. Essa constatao ajuda a compreender por que h instituies to distintas umas das outras nos variados cantos do planeta as pessoas pensam diferente. Veja Qual a marca mais forte das instituies polticas e econmicas da Amrica Latina? North Se um pas quer ser produtivo e moderno, ele precisa cada vez mais afastar-se das negociaes pessoais e criar mecanismos para que indivduos que nunca se viram estabeleam uma relao comercial objetiva. a que as instituies se tornam necessrias. Quanto mais transparentes elas forem, maior ser a confiana das pessoas em investir e manter relaes comerciais de grande escala. E, como se sabe, sem isso no existe crescimento econmico para valer. Pois nos pases da Amrica Latina prevalece desde os tempos coloniais forte tendncia personalizao das relaes comerciais entre os indivduos. Persiste a informalidade nos negcios. Trata-se de uma questo cultural que dificulta at hoje a construo de um conjunto institucional baseado na objetividade capitalista. No sculo XXI, os pases da Amrica Latina ainda encorajam um modelo de trocas pessoais enterrado h muito tempo nos Estados Unidos e na Europa. Veja Na comparao com outros pases em desenvolvimento, em que patamar o senhor colocaria as instituies brasileiras?

North Os pases mais atrasados so os africanos. Alguns deles no s no conseguiram crescer como tiveram a renda encolhida nas ltimas trs dcadas. Essa situao resultado de um cenrio de caos institucional em que contratos so fico e ningum acredita na Justia. S h esperana para os africanos num prazo longo. O Brasil est bem frente desses pases, claro, mas ainda fica em desvantagem quando a comparao com o vizinho Chile, a Turquia ou a Malsia. O calcanhar-de-aquiles brasileiro a colossal desigualdade de renda que existe no pas e o baixssimo nvel educacional de sua populao. Essa a ponta de um iceberg. Se um pas quer estrelar entre as democracias modernas e eficientes, precisa ter boa distribuio de renda e ser mais bem-educado. O fato de o Brasil ser at hoje to desigual e deseducado sinal de que suas instituies ainda no esto levando o pas adiante como deveriam estar fazendo. Veja Na sua opinio, qual o papel dos governos: induzir o crescimento do pas ou garantir a estabilidade e o cumprimento dos contratos? North O governo deve criar as regras econmicas do jogo para garantir estabilidade. Se um pas no possui regras eficazes porque no tem um bom governo para coloclas no lugar. Cabe ao governo incentivar a competio para tornar a iniciativa privada mais eficiente e s. A histria mostra que governos no so habilidosos quando inventam de intervir nos detalhes da economia de um pas. Eles no tm demonstrado, por exemplo, que so bons gerentes de grandes indstrias. A explicao para isso simples. O poder pblico frente de uma fbrica no est submetido competio, que o que fora uma empresa a ser mais produtiva e a buscar solues criativas. O governo deve apenas deixar as vrias firmas concorrendo com segurana para que a economia ganhe uma dinmica positiva. E isso j muito. O resto por conta do setor privado. Digo que numa democracia todo mundo governo. Veja Como o governo facilita a concorrncia? North essencial que o governo confira segurana aos investidores da iniciativa privada. No d para sair picotando contratos e arremess-los na lata de lixo, como acontece at hoje em pases pobres. O governo deve ser o regente de um sistema judicirio que garanta o direito de propriedade, porque sem isso ningum louco de investir no longo prazo, sob o risco de ficar de mos vazias. Cabe ao governo eliminar qualquer rudo que possa atrapalhar uma negociao, e para isso preciso que mantenha boas instituies. Quando chego a um novo pas, sempre pergunto s pessoas qual o preo de um aparelho de telefone ou de uma televiso. Nas naes mais pobres custam em geral muito mais caro do que nos pases ricos. A explicao para isso no to simples quanto parece primeira vista. Nmero 1: sim, ainda mais oneroso produzir num pas em desenvolvimento porque ele no atingiu o nvel de produtividade dos desenvolvidos. Nmero 2: h custos adicionais embutidos num telefone ou numa televiso que no tm relao direta com o telefone ou a televiso. So os chamados custos de transao. Eles se tornam astronmicos quando h incertezas numa negociao do tipo: O contrato que fiz vai valer at o final? ou Se no respeitarem o acordo, o juiz me dar ganho de causa?. Cada uma dessas dvidas tem um preo, e necessrio que o governo as extermine. Veja Por que os custos de transao se tornaram uma questo to central?

North Existem os custos de transao dos quais no possvel escapar. Entre eles esto os gastos com impostos, seguro e operaes no sistema financeiro. Fazem crescer o preo final do produto, mas no d para pensar em trocas comerciais numa nao moderna sem esse grau de profissionalizao. Ento, quanto mais desenvolvido um pas, maiores so esses custos de transao. Veja o caso dos Estados Unidos. Em 1870, os custos de transao representavam 25% do PIB americano. Um sculo mais tarde, a fatia era de 45%, quase o dobro. Hoje um pas precisa ser bastante mais produtivo para compensar esse tipo de gasto e poder competir, coisa que os EUA conseguiram com sucesso. Agora olhe como difcil a situao dos pases em desenvolvimento. Eles perdem em produtividade e, alm dos custos de transao tpicos do mundo moderno, ainda adicionam outros, resultantes de riscos primrios que tm como origem instituies frgeis. Esses pases esto desarmados para a competio travada num mundo de economia globalizada onde as margens de lucro so cada dia mais minguadas. Veja Como pases como a Rssia ou a China conseguiram crescer tanto mesmo sem possuir as boas instituies a que o senhor se refere? North Em prazos curtos possvel para um pas colher bons resultados na economia sem o respaldo de um conjunto de instituies de boa qualidade, como exemplificam os casos russo e chins mas nunca haver crescimento econmico sustentado sem isso. Vale um mergulho no caso da China. Os chineses tm conseguido crescer com fartura durante um regime no democrtico. No entanto, fato lquido e certo que no tero condies de manter esse ritmo acelerado indefinidamente sem construir instituies polticas slidas e fazer a transio para a democracia. Ditadores, como se sabe, so imprevisveis, mudam de idia, favorecem grupos pelos quais nutrem simpatia sem nenhum tipo de punio e, quando morrem, causam instabilidade. A China precisa implantar instituies menos vulnerveis para comear a pensar em futuro. A lio vale para o Brasil ou para qualquer outro pas que queira dar o grande salto.

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