Ler Freud Guia de Leitura Da Obra (65-73)

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^ TRE$ ENSAIOS SOBRE A TEORIA DA SEXUALIDADE

S. FREUD (1905d)

A desc oberta da sexualidade infantil: revolução e escândalo

P u b l i c a d a e m 1 9 0 5 , a o b r a Três ensaios sobre aos educadores e aos escritores q u e o t e m p o


a teoria da sexualidade é c o n s i d e r a d a p o r m u i t o s t o d o o b s e r v a m e d e s c r e v e m a s manifestações
como a mais importante de Freud depois de A d a s e x u a l i d a d e i n f a n t i l . D e r e s t o , a s descrições
interpretação dos sonhos ( 1 9 0 0 a ) e a m a i s da sexualidade que F r e u d apresenta nessa obra
marcante sobre a sexualidade. N e l a Freud de- estão m u i t o aquém d a s i m a g e n s o b s c e n a s
s a f i a a b e r t a m e n t e a opinião p o p u l a r e o s p r e - p u b l i c a d a s a l g u n s a n o s a n t e s p o r sexólogos c i t a -
conceitos vigentes sobre a sexualidade: por u m dos por Freud, como Krafft-Ebingo u Havelock
l a d o , e l e e s t e n d e u a noção d e s e x u a l i d a d e p a r a E l l i s , m a s e s s a s publicações n ã o d e s e n c a d e a r a m
além d o s l i m i t e s e s t r e i t o s e m q u e e r a m a n t i d a o m e s m o a l a r i d o . D e f a t o , o público r e a g i u e s -
p o r s u a definição c o n v e n c i o n a l ; p o r o u t r o l a d o , c a n d a l i z a d o à l e i t u r a d o s Três ensaios, q u e t o r -
r e p o r t o u o início d a s e x u a l i d a d e à p r i m e i r a i n - n a r a m F r e u d "universalmente impopular", s e g u n -
fância, i s t o é, a u m p e r í o d o m u i t o m a i s p r e c o c e d o J o n e s . A o b r a comprometerá p o r l o n g o t e m -
q u e s e i m a g i n a r a até e n t ã o . E l e d e m o n s t r a a s - p o a s relações d e F r e u d c o m o público. A p a r t i r
s i m q u e a s e x u a l i d a d e não começa n a p u b e r d a - dela, F r e u d p a s s a a ser v i s t o c o m o u m a m e n t e
d e , m a s d e s d e a infância p r e c o c e , e q u e e l a s e - obscena eperigosa, emais ainda depois de cho-
g u e u m d e s e n v o l v i m e n t o e m fases sucessivas c a r o m u n d o médico v i e n e n s e a o p u b l i c a r n o
até c u l m i n a r n a s e x u a l i d a d e a d u l t a . A l é m d i s - m e s m o a n o o c a s o Dora s e m a autorização d a
s o , e l e lança p o n t e s e n t r e a s f o r m a s a n o r m a i s p a c i e n t e . P o r q u e se d e s e n c a d e o u t a m a n h a h o s -
de sexualidade e a sexualidade dita normal. t i l i d a d e ? S e m dúvida, F r e u d , q u e é u m médico
Utilizando u m a linguagem simples eu m vo- b u r g u ê s e p a i d e família, a s s u m e g r a n d e s r i s -
cabulário d o d i a - a - d i a , F r e u d lança a l g u m a s cos a b a l a n d o a m o r a l q u a n d o s e recusa a fazer
proposições s o b r e a s e x u a l i d a d e q u e ninguém u m juízo d e v a l o r s o b r e a s perversões. P o r é m ,
e s t a v a d i s p o s t o a o u v i r . Porém, não há n a d a q u e a l h e i o às críticas, F r e u d p a r e c e m a i s d e t e r m i -
e l e r e v e l e n e s s a o b r a q u e já não s e j a c o n h e c i d o , n a d o d o que n u n c a a fazer c o m que o conheci-
e m p a r t i c u l a r , não e n s i n a n a d a d e n o v o a o s p a i s , m e n t o científico t r i u n f e s o b r e o o b s c u r a n t i s m o .

B I O G R A F I A S E Hlí i T O R I A

O m o m e n t o d a descoberta da sexualidade infantil


E m s e u s t r a b a l h o s a o l o n g o d o s a n o s d e 1890, Freud j á suspeitava q u e fatores d e natureza sexual q u e
r e m o n t a v a m à infância p o d i a m estar na o r i g e m d o s s i n t o m a s histéricos. Entretanto, ele i m a g i n a v a q u e era
u n i c a m e n t e e m c o n s e q u ê n c i a d e u m ato d e s e d u ç ã o p o r u m adulto q u e a s e x u a l i d a d e d e s p e r t a v a p r e m a -
t u r a m e n t e e m u m a criança. M a s , a p ó s a d e s c o b e r t a d o c o m p l e x o d e É d i p o d u r a n t e s u a auto-análise e m

Continua Q
72 Jean-Michel Q u i n o d o z

£ BIOGRAFIAS E HISTÓRIA • Continuação

1897, ele c h e g o u à c o n c l u s ã o q u e o s i m p u l s o s sexuais estavam presentes d e s d e m u i t o c e d o e m t o d a s as


crianças e q u e s e m a n i f e s t a v a m i n d e p e n d e n t e m e n t e d e q u a l q u e r e s t i m u l a ç ã o e x e r c i d a p o r u m terceiro.
Em 1899, a n u n c i o u a Fliess q u e s u a p r ó x i m a o b r a trataria d e u m a teoria d a s e x u a l i d a d e e q u e pretendia
apenas q u e "uma faísca venha pôr fogo no material reunido" (Freud e Fliess, carta d e 11 d e n o v e m b r o d e
1899). S e m d ú v i d a , Freud p r e c i s o u superar fortes resistências internas antes d e admitir a universalidade d a
sexualidade infantil e d e realizar seu projeto, q u e d e s e n v o l v e u paralelamente à r e d a ç ã o d e O s chistes e sua
relação com o inconsciente, o b r a q u e t a m b é m foi l a n ç a d a e m 1905.
Esse foi u m p e r í o d o d e g r a n d e p r o d u t i v i d a d e p a r a ele, m a r c a d o pela r u p t u r a definitiva c o m Fliess. A
clientela p r i v a d a p r e e n c h i a t o d o s e u t e m p o , e a maior parte d e s e u s p a c i e n t e s v i n h a d a E u r o p a Oriental.
Ele p r o s s e g u i u d u r a n t e três a n o s s u a s c o n f e r ê n c i a s n a U n i v e r s i d a d e e o círculo d a S o c i e d a d e d a s Quar-
tas-Feiras s e a m p l i o u . O a n o d e 1905 c o r r e s p o n d e i g u a l m e n t e a o início d e s u a f a m a i n t e r n a c i o n a l . Ele
p a s s o u a viajar t o d o a n o e m c o m p a n h i a d e s u a c u n h a d a M i n n a B a r n a y s e d e s e u i r m ã o A l e x a n d r e , o u
para a Itália o u p a r a a G r é c i a .

Freud: u m pansexualista?
Em Três ensaios, Freud atribui u m papel central à sexualidade infantil, afirmando principalmente q u e as pulsões
reprimidas n o s neuróticos s ã o d e natureza sexual e q u e a sexualidade d o adolescente e d o adulto f u n d a m e n -
ta-se n a sexualidade infantil. M a s ele foi m a l c o m p r e e n d i d o , e o acusaram d e " p a n s e x u a l i s m o " , isto é, d e
pregar u m a teoria simplificadora s e g u n d o a qual t o d a s as c o n d u t a s h u m a n a s se explicam pelo sexo, o u seja,
pela sexualidade n o sentido mais estrito d o termo. E m b o r a tenha m o s t r a d o a importância d a sexualidade na
natureza h u m a n a , Freud s e m p r e s e d e f e n d e u d a a c u s a ç ã o d e p a n s e x u a l i s m o . E m u m a carta a o Pr. E.
Claparède, d e G e n e b r a (Freud, 1921 e), ele protestou contra as críticas d e pansexualismo q u e lhe eram dirigidas
a propósito n ã o a p e n a s d a teoria sexual, m a s igualmente d e s u a teoria d o s s o n h o s : 'Jamais afirmei que todo
sonho tem o significado da realização sexual, e muitas vezes refutei isso. Mas não adiantou nada, e não
cansam de repetir isso" (Carta d e Freud a Edouard Claparède, 25 d e d e z e m b r o d e 1920).

D E S C O B E R T A DA OBRA

As p á g i n a s i n d i c a d a s r e m e t e m a o texto p u b l i c a d o e m S. Freud (1905d), Trois essais surla théorie sexuelle,


trad. P. K o e p p e l , Paris, G a l l i m a r d , 1987.

A o b r a é d i v i d i d a e m três p a r t e s : a p r i m e i r a são u m a t a r a c o n s t i t u t i v a . E l e propõe b u s c a r


é d e d i c a d a às perversões, d e s i g n a d a s p e l o n o m e a v e r d a d e i r a o r i g e m n a infância, i s t o é, n o ní-
d e aberrações s e x u a i s , a s e g u n d a à s e x u a l i d a d e vel d od e s e n v o l v i m e n t o psicossocial. Come-
i n f a n t i l e a t e r c e i r a às metáforas d a p u b e r d a d e . ça p a s s a n d o e mrevista o s desvios sexuais
listados pelos sexólogos d a época, e n t r e o s
quais K r a f f t - E b i n ge H a v e l o c k Ellis, e consi-
• PRIMEIRO E N S A I O : A S A B E R R A Ç Õ E S S E X U A I S d e r a e s s e s d e s v i o s d e u m ângulo inédito, o d a s
r e l a ç õ e s d e s t e s c o m a n o r m a a c e i t a , i s t o é, c o m
A origem infantil das perversões
a sexualidade dita "normal".
N o p r i m e i r o ensaio, F r e u d critica o s pre- Partindo d a s n o ç õ e s d e "pulsão" e d e
c o n c e i t o s p o p u l a r e s e c o n t e s t a a opinião p r e - "objeto" - c o n c e i t o s q u e t e r ã o u m a i m p o r t â n -
d o m i n a n t e e n t r e o s c i e n t i s t a s d a época s e g u n - c i a d e c i s i v a n a psicanálise - , F r e u d introduz
d o a q u a l a sperversões, c o m o a h o m o s s e x u a - u m a distinção d e n t r o d a s perversões: e l e d i -
l i d a d e , r e s u l t a m d e u m a degenerescência o u f e r e n c i a n a v e r d a d e "os desvios sexuais em rela-
Ler Freud 73

ção ao objeto sexual", i s t o é, e m r e l a ç ã o à pessoa ç ã o s e x u a l u m a "zona erógena", d e m o d o q u e


d a q u a l e m a n a u m a a t r a ç ã o s e x u a l , e "os des- a s perversões s e b a s e i a m n a dominação d e
vios em relação a meta sexual", i s t o é, e m r e l a ç ã o u m a pulsão p a r c i a l d e o r i g e m i n f a n t i l . E n t r e
ao ato a q u e l e v a a p u l s ã o . D e v e m o s e s c l a r e c e r a s f o r m a s d e p e r v e r s ã o l i g a d a s às p u l s õ e s s e -
q u e a psicanálise u t i l i z a o t e r m o " o b j e t o " n o xuais, u m a s utilizam partes d ocorpo o u
s e n t i d o d o francês clássico p a r a d e s i g n a r " u m a o b j e t o s f e t i c h e s p a r a f i n s d e satisfação s e x u a l ,
p e s s o a " , e não " u m a c o i s a " , c o m o R a c i n e , c u j o c o m o substituto d ezonas corporais n o r m a l -
h e r ó i d i z : "Eis o objeto de minha chama" o u "o m e n t e d e s t i n a d a s à união s e x u a l . O u t r a s f o r -
único objeto de meu ressentimento". m a s d e perversão c o n s t i t u e m fixações e m
m e t a s s e x u a i s p r e l i m i n a r e s , c o m o a s práticas
e r ó t i c a s l i g a d a s à z o n a o r a l (felação, c u n i l í n -
O papel da bissexualidade gua), o tocar o u olhar, o u ainda o sadismo e o
m a s o q u i s m o . N e s s e c a s o , F r e u d e s c l a r e c e : "A
N o q u e s e r e f e r e a o s "desvios sexuais em re-
tendência se atém aos atos preparatórios e a criar
lação ao objeto sexual", F r e u d r e l a c i o n a e n t r e e s -
novas metas sexuais que podem substituir as me-
s a s perversões a s d i v e r s a s f o r m a s d e h o m o s -
tas normais" ( p . 6 6 ) . R e s u m i n d o s e u p o n t o d e
sexualidade, assim como a pedofilia e a
v i s t a , p o d e m o s d i z e r q u e n a s perversões a
z o o f i l i a . E l e c o n s i d e r a q u e e s s a s perversões
pulsão s e x u a l s e d e s i n t e g r a e m vários c o m -
decorrem d eu m componente adquiridod a
s e x u a l i d a d e h u m a n a , e não i n a t a o u c o n s t i t u - p o n e n t e s c h a m a d o s d e "pulsões p a r c i a i s " ,
t i v a , c o m o s e p e n s a v a até e n t ã o . M a s , s e a h o - e n q u a n t o n a s e x u a l i d a d e n o r m a l a s pulsões
m o s s e x u a l i d a d e r e s u l t a d e u m a evolução q u e p a r c i a i s s e reúnem e s e c o l o c a m a serviço d a
se p r o d u z a o l o n g o d o d e s e n v o l v i m e n t o maturidade genital.
p s i c o s s e x u a l d o i n d i v í d u o , é lícito p e r g u n t a r
q u a i s são o s f a t o r e s q u e l e v a m c e r t a s p e s s o a s
Perversão, neurose e normalidade
a fazer u m a escolha d eobjeto homossexual e
outras a fazer u m a escolha d eobjeto heteros- F r e u d c h e g o u a d u a s conclusões q u e c h o -
s e x u a l . F r e u d r e s o l v e a questão r e c o r r e n d o à c a r ã o p a r t i c u l a r m e n t e o público. E m p r i m e i r o
bissexualidade, predisposição u n i v e r s a l q u e l u g a r , e l e a f i r m a q u e o s s i n t o m a s neuróticos n ã o
fora p o s t u l a d a p o r Fliess, f u n d a m e n t a d a n o s e c r i a m u n i c a m e n t e e m d e t r i m e n t o d a pulsão
d e s e n v o l v i m e n t o embrionário d o s e r h u m a - s e x u a l n o r m a l , m a s e m p a r t e também e m d e -
no. C o n t u d o , se Fliess r e v e l o u a bissexuali- trimento de u m a sexualidade anormal. Ele sin-
d a d e biológica, F r e u d f o i o p r i m e i r o a a p l i c a r t e t i z a i s s o e m u m a f r a s e célebre a o d e c l a r a r : "A
e s s a n o ç ã o a o nível psicológico, p o s t u l a n d o neurose é por assim dizer o negativo da perversão"
q u e tendências m a s c u l i n a s e tendências f e m i - ( p . 8 0 ) , metáfora t i r a d a d a f o t o g r a f i a q u e s i g n i -
n i n a s c o e x i s t e m d e s d e a infância e m t o d o i n - f i c a q u e o q u e é agido p e l o s p e r v e r s o s a t r a v é s
divíduo, d e f o r m a q u e a e s c o l h a d e o b j e t o d e - de seus c o m p o r t a m e n t o s sexuais aberrantes, os
f i n i t i v o d e p e n d e d a predominância d e u m a
n e u r ó t i c o s imaginam e m s u a s f a n t a s i a s e e m
tendência e m relação à o u t r a .
seus sonhos. E m segundo lugar, F r e u d conclui
q u e a p r e d i s p o s i ç ã o às p e r v e r s õ e s n ã o é u m
traço e x c e p c i o n a l , m a s q u e p e r t e n c e i n t e g r a l -
As pulsões parciais m e n t e à constituição d i t a n o r m a l , c u j o e s b o ç o
F r e u d a b o r d a e m s e g u i d a a questão d o s p o d e m o s o b s e r v a r n a criança: "Essa constitui-
"desvios em relação à meta sexual", n o s q u a i s a ção presumida, que contém os germes de toda per-
pulsão s e x u a l s e d e s i n t e g r a e m d i f e r e n t e c o m - versão, só pode ser evidenciada na criança, ainda
p o n e n t e s q u e e l e c h a m a d e "pulsões parciais": que as pulsões não possam se manifestar nela com
a s pulsões p a r c i a i s têm c o m o f o n t e d e e x c i t a - toda intensidade" ( p . 8 9 ) .
74 J e a n - M i c h e l Q u i n o d o z

• S E G U N D O E N S A I O : A S E X U A L I D A D E INFANTIL seio materno (ou em seus substitutos)" (p. 105).


D u r a n t e a a m a m e n t a ç ã o , o s l á b i o s d a criança
A amnésia infantil: esquecimento t ê m o p a p e l d e zona erógena q u e está n a f o n t e
dos primeiros anos da infância d a s e n s a ç ã o d e p r a z e r . A s s i m , "a atividade se-
N o segundo ensaio, F r e u d abala ainda xual se apoia inicialmente em uma das funções que
m a i s a crença p o p u l a r , s e g u n d o a q u a l a serve à conservação da vida" ( p . 1 0 5 ) , e s ó m a i s
pulsão s e x u a l está a u s e n t e d u r a n t e a infância t a r d e a satisfação s e x u a l s e s e p a r a d a n e c e s s i -
e aparece a p e n a s n ap u b e r d a d e , c o m o t a m - d a d e d e alimentação e s e t o r n a i n d e p e n d e n -
b é m o s e s t u d o s científicos q u e i g n o r a v a m a te. M a s , s e g u n d o F r e u d , essa p r o p r i e d a d e
existência d e u m a s e x u a l i d a d e n a c r i a n ç a . E l e erógena não s e l i m i t a à z o n a o r a l e p o d e e s t a r
a t r i b u i e s s a ignorância a o q u e c h a m a d e " a m - ligada a qualquer outra parte d ocorpo, que
n é s i a i n f a n t i l " , i s t o é, a o f a t o d e q u e o s a d u l - às v e z e s é d o t a d a d a e x c i t a b i l i d a d e d o s ó r g ã o s
t o s têm p o u c a o u n e n h u m a lembrança d e s e u s sexuais.
p r i m e i r o s a n o s d e infância. P a r a F r e u d , t a n t o P o r t a n t o , o caráter d a s pulsões s e x u a i s é
o e s q u e c i m e n t o d a amnésia i n f a n t i l q u a n t o o e s s e n c i a l m e n t e masturbatório d u r a n t e a infân-
e s q u e c i m e n t o d a amnésia histérica t ê m c o m o c i a . E n t r e a s manifestações s e x u a i s i n f a n t i s ,
c a u s a a repressão: d o m e s m o m o d o q u e o h i s - F r e u d s i t u a não a p e n a s a s a t i v i d a d e s m a s -
térico r e p r i m e a s p u l s õ e s s e x u a i s l i g a d a s à s e - turbatórias o r a i s , m a s t a m b é m a s a t i v i d a d e s
dução, o a d u l t o m a n t é m à m a r g e m d e s u a masturbatórias l i g a d a s à z o n a a n a l ( p r a z e r d a
c o n s c i ê n c i a o s inícios d e s u a v i d a s e x u a l q u a n - retenção o u d a expulsão l i g a d a à função i n -
d o a i n d a e r a criança. testinal, etc), assim c o m o as atividades
S e g u n d o F r e u d , a v i d a s e x u a l d a s crianças u r e t r a i s l i g a d a s a o p r a z e r d a micção ( t a n t o n o
m a n i f e s t a - s e d e u m a f o r m a observável p o r m e n i n o c o m o n am e n i n a ) e a q u e l a s ligadas
v o l t a d o s 3 o u 4 a n o s , m a s a s manifestações às z o n a s g e n i t a i s . E s s a s o b s e r v a ç õ e s l e v a m -
d a pulsão s e x u a l s e c h o c a m c o m obstáculos n o a d i s t i n g u i r três f a s e s n a m a s t u r b a ç ã o i n -
e x t e r n o s , c o m o a educação, q u e é u m f a t o r d e f a n t i l : a p r i m e i r a f a s e é a d o o n a n i s m o d o bebé
civilização, e c o m o b j e t o s i n t e r n o s , c o m o a r e - n a época d o a l e i t a m e n t o , a s e g u n d a a p a r e c e
p u l s a , o p u d o r e a m o r a l , s e n d o q u e e s t e s últi- e m t o r n o dos 3 o u 4 anos e a terceira corres-
m o s c o n s t i t u e m a expressão d a repressão. p o n d e a o o n a n i s m o d a p u b e r d a d e , a única a
D u r a n t e a f a s e d e latência, n o t a - s e q u e a s f o r - ser l e v a d a e m c o n t a d u r a n t e m u i t o t e m p o .
ças p u l s i o n a i s s e x u a i s s e d e s v i a m d a m e t a s
sexuais para sed i r i g i r e m a outras metas, sob
A predisposição perversa polimorfa
a f o r m a d e produções c u l t u r a i s , graças a o p r o -
c e s s o q u e F r e u d c h a m a d e sublimação. M a s e l e A descoberta d op a p e l precoce desempe-
r e c o n h e c e q u e , às v e z e s , a pulsão s e x u a l v o l t a n h a d o p e l a s z o n a s erógenas l e v o u F r e u d a
à t o n a d u r a n t e o período d e latência, s e j a d e c o n s i d e r a r q u e e x i s t e n a criança o q u e e l e c h a -
m a n e i r a episódica, s e j a d e m a n e i r a d u r a d o u - m a d e u m a "predisposição perversa polimorfa".
r a , até a p u b e r d a d e . O q u e q u e r d i z e r i s s o ? A e x p r e s s ã o "predispo-
sição perversa" s i g n i f i c a q u e a s d i f e r e n t e s p a r -
t e s d o c o r p o d a criança p e q u e n a a p r e s e n t a m
A s m a n i f e s t a ç õ e s d a s e x u a l i d a d e infantil d e s d e o início d a v i d a u m a s e n s i b i l i d a d e p a r -
t i c u l a r m e n t e f o r t e à erotização, a g u a r d a n d o
Freud t o m a c o m o m o d e l o das manifesta-
q u e a s z o n a s erógenas s e j a m s u b m e t i d a s à o r -
ç õ e s d a s e x u a l i d a d e i n f a n t i l a sucção q u e a p a -
ganização g e n i t a l d e s t i n a d a a u n i f i c a r a s e x u a -
r e c e n o bebé e p o d e p e r s i s t i r i n c l u s i v e p o r t o d a
l i d a d e . Q u a n d o a o t e r m o "polimorfa", e l e d e s -
a v i d a . S e g u n d o e l e , a criança q u e s u g a b u s c a
t a c a a g r a n d e d i v e r s i d a d e d e z o n a s erógenas
u m p r a z e r j á v i v i d o q u e s e b a s e i a n a "primeira
suscetíveis d e s e r e m d e s p e r t a d a s p r e c o c e m e n -
e mais vital atividade da criança, o aleitamento no
Ler Freud 75

t e à excitação s e x u a l . A existência d e u m a p r e - u m pênis e a s m e n i n a s são d e s p r o v i d a s d e l e .


disposição p e r v e r s a p o l i m o r f a n a criança p e - Outras teorias sexuais infantis d i z e m respeito
quena permitiu a Freud explicar o fato de que às i d e i a s q u e a s c r i a n ç a s f a z e m s o b r e o n a s c i -
u m a perversão o r g a n i z a d a , t a l c o m o s e e n c o n - m e n t o ( o b e b é é e v a c u a d o p e l o m e s m o orifí-
t r a n o a d u l t o , r e s u l t a d a persistência d e u m c i o q u e a s f e z e s ? , e t c ) , o u s o b r e a s relações
c o m p o n e n t e parcial d asexualidade infantil s e x u a i s d o s p a i s (fecundação a o b e i j a r , c o n -
q u e p e r m a n e c e u f i x a d o a u m a fase precoce d o cepção sádica d e s u a s relações, e t c ) . M a s ,
d e s e n v o l v i m e n t o psicossocial. quaisquer que sejam asfantasias conscientes
A n o ç ã o f r e u d i a n a d e "predisposição perversa d a s crianças, e l a s são e s s e n c i a l m e n t e o r e f l e -
polimorfa" é a i n d a h o j e u m a f o n t e d e e s c â n d a l o x o d e s u a organização s e x u a l i n c o n s c i e n t e e
p a r a m u i t o s , p o r s e rm a l c o m p r e e n d i d a . N a d a m a n e i r a c o m o elas i m a g i n a m e m suas f a n -
v e r d a d e , o f a t o d e q u e u m a criança o b t e n h a t a s i a s a s relações c o m a s p e s s o a s d e s e u m e i o .
u m p r a z e r s e x u a l d e s u a s z o n a s erógenas não
significa necessariamente q u e ela seja " p e r v e r -
s a " n o s e n t i d o q u e s ee n t e n d e n o a d u l t o . Esse As fases de desenvolvimento
t e r m o significa p a r a F r e u d q u e a fase infantil da organização da sexualidade
d a d i s p o s i ç ã o p e r v e r s a p o l i m o r f a é u m estágio
E m s e i s edições s u c e s s i v a s , F r e u d i n t r o d u -
precoce d eu m desenvolvimento psicossexual
ziu conceitos n o v o s e fundamentais, e a obra
q u e a i n d a não c h e g o u à f a s e d a s e x u a l i d a d e
p a s s o u d e 8 0 páginas e m 1 9 0 5 p a r a 1 2 0 pági-
g e n i t a l , e m q u e a i n d a não s e e s t a b e l e c e u u m a
n a s n a s e x t a e última edição, lançada e m 1 9 2 5 ,
h i e r a r q u i a d e n t r o d a s z o n a s erógenas q u e a s
q u e e n g l o b a v a t o d o s o s acréscimos f e i t o s . N a
c o l o q u e a serviço d a r e p r o d u ç ã o . É b e m d i f e -
revisão d e 1 9 1 5 , i n t r o d u z i u a noção d e u m a
r e n t e d a perversão n o a d u l t o , q u e c o n s i s t e e m
"organização da libido em fases sucessivas", sen-
u m comportamento fortemente organizado no
d o q u e cada fase corresponderia a o p r i m a d o
q u a l a satisfação p a r c i a l é o b t i d a e m d e t r i m e n -
d e z o n a s erógenas. A s s i m , d e s c r e v e a f a s e
to de u m a plenitude da sexualidade genital do
o r a l , a f a s e sádico-anal a f a s e g e n i t a l . E l e s u -
indivíduo, e o p r a z e r s e x u a l é o b t i d o c o m
g e r e também a ideia d e q u e o d e s e n v o l v i m e n -
objetos sexuais d om e s m o sexo, c o m o n a h o -
t o d a l i b i d o p a s s a p o r u m a sucessão d e f a s e s ,
m o s s e x u a l i d a d e , o u e x i g i n d o condições p a r t i -
cada u m a correspondendo a u m a das zonas
culares, c o m o n o fetichismo. Pode ocorrer que
erógenas p r e v a l e n t e s . E m 1 9 2 3 , a c r e s c e n t a às
a criança a p r e s e n t e u m a v e r d a d e i r a fixação
f a s e s d e s c r i t a s a n t e r i o r m e n t e a "fase de orga-
perversa, m a s trata-se d ecasos excepcionais.
nização fálica", q u e s i t u a e n t r e a f a s e a n a l e a
f a s e g e n i t a l , e e x p l i c a q u e n a f a s e fálica u m
único t i p o d e órgão é r e c o n h e c i d o : o pênis n o
As teorias sexuais Infantis
m e n i n o e s e ue q u i v a l e n t e n a m e n i n a , o
E n t r e a s manifestações d a s e x u a l i d a d e i n - clitóris. O d e s e n v o l v i m e n t o d a s e x u a l i d a d e
fantil, F r e u d evoca a curiosidade intensa que s e g u i r i a u m a progressão a p a r t i r d a s f a s e s pré-
m o s t r a m a s crianças e m s u a s incansáveis p e r - g e n i t a l d e organização d a l i b i d o - o r a l , sádi-
g u n t a s s o b r e a s e x u a l i d a d e . D eo n d e vêmo s c o - a n a l e fálica - a t é a o r g a n i z a ç ã o g e n i t a l ,
bebés? C o m o é q u e o p a p a i e a mamãe o s f a - e s t a última i n s t i t u i n d o - s e n a p u b e r d a d e .
zem? Essas perguntas constantes e m todas as E m b o r a descreva o d e s e n v o l v i m e n t o psicos-
suas f o r m a s p e r m i t e m e n t r e v e r a steorias par- sexual infantil e mtermos evolucionistas,
t i c u l a r e s q u e a s crianças p o d e m f o r j a r a p r o - F r e u d e s c l a r e c e q u e e s s a progressão não é
pósito d a s e x u a l i d a d e , c o m o , p o r e x e m p l o , a completamente linear e que o s agrupamen-
convicção d e q u e e x i s t e a p e n a s u m órgão n a t o s são n u m e r o s o s e a i n d a q u e c a d a f a s e d e i -
o r i g e m d a diferença d o s s e x o s : o s m e n i n o s t ê m x a m a r c a s p e r m a n e n t e s atrás d e s i .
76 J e a n - M i c h e l Q u i n o d o z

• TERCEIRO ENSAIO: A S METAMORFOSES DA PUBERDADE

O auto-erotismo infantil oposto à escolha d e relação d e o b j e t o . N a p u b e r d a d e o c o r r e u m a


de objeto pós-puberdade integração p r o g r e s s i v a d a s p u l s õ e s p a r c i a i s q u e
c u l m i n a n a e s c o l h a d e o b j e t o - t o t a l , diríamos
N a edição d e 1 9 0 5 , F r e u d opõe c a t e g o r i c a - n ó s - , característica d a f a s e g e n i t a l : " O conjun-
mente ofuncionamentoda sexualidade infan- to de aspirações sexuais se dirige a uma única pes-
t i l , q u e e l e c o n s i d e r a c o m o auto-erótica, e o soa, na qual buscam atingir suas metas" ( p . 1 6 6 ) .
d a s e x u a l i d a d e pós-pubertária, q u e c e n t r a n a N a sequência, F r e u d dará u m a importân-
"escolha d eobjeto", isto é n aescolha d a pes- cia c a d a v e z m a i o r a o p a p e l q u e d e s e m p e n h a m
soa eleita c o m o objeto de a m o r . D e acordo c o m o s a f e t o s d e a m o r e d e ódio n a s relações d e
a p r i m e i r a versão d a o b r a , a e t a p a p r e c o c e d a objeto ao longo d o desenvolvimento. A s s i m , e m
s e x u a l i d a d e não t e r i a o u t r o o b j e t o a não s e r o 1912, q u a n d o i n t r o d u z o conceito d e a m b i v a -
próprio c o r p o , e n q u a n t o a s e x u a l i d a d e pós- lência e m " A dinâmica d a transferência"
pubertária s e f u n d a m e n t a r i a n a e s c o l h a d e ( 1 9 1 2 b ) , passará a c o n s i d e r a r q u e a a m b i v a -
o b j e t o , i s t o é, a p e s s o a a m a d a e d e s e j a d a d e - lência a m o r - ó d i o c a r a c t e r i z a a r e l a ç ã o d e o b j e t o
p o i s q u e o indivíduo a t i n g i u s u a m a t u r i d a d e n o nível pré-genital. E l e i n t r o d u z i g u a l m e n t e
física e p s í q u i c a . u m a o p o s i ç ã o e n t r e , p o r u m l a d o , u m a corrente
C o n t u d o , F r e u d já d e s c r e v e n a p r i m e i r a e d i - terna, característica d a s p u l s õ e s p a r c i a i s i n f a n t i s ,
ção d e Três ensaios u m a relação d e o b j e t o p a r c i a l e , p o r o u t r o , u m a corrente sensual, característica
e u m a relação d e o b j e t o t o t a l . A s s i m , q u a n d o da escolha d eobjeto d apuberdade. Para que
a f i r m a e m 1 9 0 5 q u e "a figura da criança que suga o s e estabeleça a c o r r e n t e s e n s u a l d a e s c o l h a d e
seio de sua mãe tornou-se o modelo de toda relação o b j e t o , é p r e c i s o q u e a criança t e n h a r e n u n c i a d o
amorosa" ( p . 1 6 5 ) e s e r e f e r e a e s t a c o m o s e n d o aos seus p r i m e i r o s objetos incestuosos repre-
"essa relação sexual que é a primeira e a mais impor- s e n t a d o s p o r s e u p a i e s u a mãe,d e v i d o à p r o i -
tante de todas" ( p . 1 6 5 ) , e l e e v o c a u m a relação d e bição d o i n c e s t o , e a s s i m e l a d i r i g e s u a e s c o l h a
objeto parcial, e m q u e o seio m a t e r n o é t o m a d o d e objeto p a r a o u t r a s pessoas. C o n t u d o , essas
p e l o b e b e c o m o o s u b s t i t u t o d e s u a mãe. F r e u d n o v a s e s c o l h a s d e o b j e t o a i n d a são i n f l u e n c i a -
d e s c r e v e i g u a l m e n t e a m a n e i r a c o m o o bebé, das pelas escolhas precoces, de m o d o que per-
d e p o i s d e r e n u n c i a r a o s e i o - relação d e o b j e t o s i s t e u m a semelhança e n t r e o s o b j e t o s d o d e s e -
p a r c i a l , diríamos h o j e - , d e s c o b r e a p e s s o a d a j o e s c o l h i d o s n o período pós-pubertário e a s
mãe e m s u a t o t a l i d a d e : s e g u n d o F r e u d , e s s a p r i m e i r a s e s c o l h a s d e o b j e t o , i s t o é, o s p a i s . E m
p a s s a g e m s e e f e t u a "na época em que se torna pos- o u t r o s t e r m o s , s e g u n d o F r e u d , ninguém e s c a -
sível a criança formar a representação global da pes- p a à influência d a s p r i m e i r a s e s c o l h a s d e o b j e t o
soa a qual pertencia o órgão que lhe dava satisfação" i n c e s t u o s a s d a infância, q u e persistirá d u r a n t e
(p. 165). F r e u d d e s c r e v e a s s i m a p a s s a g e m d e t o d a a existência: "Mesmo quem conseguiu evitar
u m a relação d e o b j e t o p a r c i a l a u m a relação d e a fixação incestuosa da libido não escapa totalmente
o b j e t o t o t a l , n o ç ã o q u e complementará e m s e g u i - à sua influência" ( 1 9 0 5 d , p . 1 7 2 ) . P o s t e r i o r m e n -
d a a o i n t r o d u z i r o c o n c e i t o d e "pulsão p a r c i a l " t e , F r e u d mostrará q u e a reunião d a c o r r e n t e
e m Artigos sobre metapsicologia, e m 1 9 1 5 . terna e d acorrente sensual seinstala quando
do estabelecimento da sexualidade genital, en-
q u a n t o n o s distúrbios n e u r ó t i c o s a s d u a s c o r -
O papel dos afetos na relação de objeto r e n t e s n ã o c h e g a m a s e r e u n i r : "(...) [correntes]
cuja reunião é a única a garantir um comportamen-
S e g u i n d o o s acréscimos s u c e s s i v o s f e i t o s a
to amoroso perfeitamente normal" ( 1 9 1 2 d , p . 5 7 ) .
Três ensaios, c o n t a t a - s e q u e F r e u d a t e n u a a o p o -
sição e n t r e a u t o - e r o t i s m o i n f a n t i l e e s c o l h a d e F i n a l m e n t e , n o q u e d i z respeito a oa m o r d e
o b j e t o pós-pubertária. A s s i m , q u a n d o i n t r o d u z objeto, F r e u d o considera i g u a l m e n t e e m u m a
e m 1 9 1 5 a noção d e f a s e s d a l i b i d o , d e s c r e v e p e r s p e c t i v a d e d e s e n v o l v i m e n t o e, s e g u n d o ele,
para cada u m a delas u m tipo correspondente a criança a p r e n d e a a m a r o u t r a s p e s s o a s c o m
Ler Freud 77

base e m u ma m o r sexual q u esentiu pelas pes- trapõe o a m o r a o ódio, c o m o mostrará e m 1 9 1 5


s o a s q u e c u i d a r a m d e l a a p a r t i r d o período d e e m " P u l s õ e s e d e s t i n o s d a s p u l s õ e s " : "(...) os ter-
latência. P a r a r e s u m i r o c o n j u n t o d o d e s e n v o l - mos amor e ódio não devem ser utilizados para as
v i m e n t o p s i c o s s e x u a l d a criança, a p u l s ã o s e x u a l relações de pulsões com seus objetos, mas reservadas
se i n s t a l a c o mobjetos parciais d e n a t u r e z a e s - para as relações do ego total com os objetos" ( 1 9 1 5 c ,
s e n c i a l m e n t e pré-genital e , d e p o i s d e u m a l e n t a p. 61). M a s F r e u d reconhece q u ea m a t u r i d a d e
e v o l u ç ã o , c h e g a a u m a síntese d e c o r r e n t e s l i b i - sexual descrita nesses termos r a r a m e n t e é atin-
d i n o s a s e a f e t i v a s e m u m a e s c o l h a d eo b j e t o d e gida e,r e a f i r m a n d o o papel decisivo desempe-
a m o r . Q u a n t o à n o ç ã o d e "escolha de objeto", n h a d o pela sexualidade infantil n o futuro nor-
F r e u d r e s e r v a e s s e t e r m o p a r a a relação d e o b j e t o m a l e p a t o l ó g i c o d o i n d i v í d u o , a f i r m a q u e "to-
de a m o r q u e se dirige au m a pessoa sentida c o m o dos os distúrbios patológicos da vida sexual podem
u m a p e s s o a t o t a l , m o d o d e relação e m q u e i n - ser considerados com razão como inibições do desen-
tervém u m o u t r o p a r d e o p o s t o s , a q u e l e q u e c o n - volvimento" (1905d, p . 144).

EVOLUÇÃO DOS CONCEITOS FREUDIANOS

O complexo d e Édipo: as etapas sucessivas d e u m a descoberta


E m b o r a a n o ç ã o d e c o m p l e x o d e É d i p o a i n d a n ã o a p a r e ç a c o m o tal n a primeira edição d e Três ensaios
sobre a teoria da sexualidade e m 1905, m a s a p e n a s e m a c r é s c i m o s posteriores, v a m o s descrever s u a s
principais etapas d e s d e esse m o m e n t o . De resto, essa n o ç ã o foi e v o l u i n d o progressivamente a o l o n g o d e
s u a o b r a , e Freud jamais d e d i c o u u m t r a b a l h o c o n j u n t o a o c o m p l e x o d e É d i p o .
O c o m p l e x o d e Édipo é u m a d e s c o b e r t a f r e u d i a n a essencial q u e a p a r e c e durante o d e s e n v o l v i m e n t o d a
c r i a n ç a e constitui o o r g a n i z a d o r central d a v i d a psíquica e m t o r n o d a q u a l s e estrutura a i d e n t i d a d e sexual
d o indivíduo. Para Freud, esse c o m p l e x o é universal, c o m o afirma e m Três ensaios: "Todo ser humano se vê
confrontado com a tarefa de dominar o complexo de Édipo" (1905d, p. 187, nota 2 a c r e s c e n t a d a e m 1920).
A l é m d i s s o , o c o m p l e x o d e É d i p o n ã o diz respeito a p e n a s a o d e s e n v o l v i m e n t o d o indivíduo n o r m a l , m a s
está presente t a m b é m n o cerne d a p s i c o p a t o l o g i a e f o r m a " o complexo nuclear das neuroses".

O c o m p l e x o d e Édipo e m sua f o r m a s i m p l e s (ou p o s i t i v a )


No decorrer d e sua auto-análise, Freud foi levado a reconhecer o amor por sua mãe e a inveja e m relação a s e u
pai q u e sentiu n a infância, e a estabelecer u m a ligação entre esse conflito d e sentimentos e o mito d o Édipo
"Encontrei em mim e em toda parte sentimentos de amor em relação a minha mãe e de inveja em relação a meu
pai, sentimentos que, suponho, são comuns a todas as crianças pequenas (...) sendo assim (...) compreende-se
o efeito incrível de Édipo Rei" (Freud a Fliess, carta d e 15 d e outubro d e 1897). Esse tema foi retomado e m A
interpretação dos sonhos: "O Édipo que mata o pai e casa com a mãe apenas realiza um dos desejos de nossa
infância" (1900a, p. 229 [303]). N o s anos seguintes, Freud referiu-se c o m frequência à noção d e c o m p l e x o d e
Édipo e m seus trabalhos clínicos, c o m o o caso "Dora" e m 1905 o u o d o "pequeno Hans" e m 1909. Mas apenas
e m 1910, e m " U m tipo especial d a escolha d e objeto feita pelos h o m e n s " (191 Oh), é que a noção d e "complexo
de Édipo" aparece pela primeira vez c o m o tal, s e n d o q u e o t e m o "complexo" v e m d e J u n g .
No início, Freud descobre a forma simples d o c o m p l e x o d e Édipo (chamado t a m b é m d e c o m p l e x o d e Édipo
positivo o u direto) e descreve a evolução desse complexo tal c o m o ocorre durante o desenvolvimento psicossexual
d o menino. Este t e m c o m o primeiro objeto d e afeição s u a m ã e q u e ele deseja ter somente para si, m a s entre 3
e 5 a n o s o a m o r q u e o menino sente por pela mãe o leva a rivalizar c o m o pai q u e ele passa a odiar. Teme então
ser castrado pelo pai - ser privado d e seu pênis - por causa d o s desejos incestuosos q u e sente e m relação à
m ã e e d e seu ódio contra ele. S o b o efeito d a angústia desencadeada por essa a m e a ç a d e castração, o m e n i n o
acaba por renunciar à realização d e seus desejos sexuais incestuosos e m relação à m ã e e entra n o período d e
latência.
Freud p e n s a v a o r i g i n a l m e n t e q u e existia u m a simetria c o m p l e t a entre o d e s e n v o l v i m e n t o p s i c o s s e x u a l d o
m e n i n o e o d a m e n i n a e q u e , d o m e s m o m o d o q u e o m e n i n o s e a p a i x o n a v a pela m ã e e o d i a v a o p a i , a

Continua 0
78 J e a n - M i c h e l Quinodoz

EVOLUÇÃO DOS CONCEITOS FREUDIANOS • Continuação

menina se a p a i x o n a v a p e l o pai e o d i a v a a m ã e . Mais tarde, p o r é m , p e r c e b e u q u e o p e r c u r s o s e g u i d o pela


menina n ã o era o m e s m o q u e o d o m e n i n o .
Em 1913, e m Totem e tabu, Freud p r o c u r a explicar o caráter universal d o c o m p l e x o d e É d i p o e, particular-
mente, o p a p e l estruturante q u e ele d e s e m p e n h a na constituição d a p e r s o n a l i d a d e d e c a d a indivíduo. Ele
tenta r e s p o n d e r a isso l a n ç a n d o a hipótese d o assassinato d o pai d a h o r d a originária p e l o s filhos, desejo-
sos d e c o n q u i s t a r as m u l h e r e s q u e ele possuía. S e g u n d o Freud, esse c r i m e originário seria t r a n s m i t i d o e m
s e g u i d a d e g e r a ç ã o e m g e r a ç ã o via filogênese, e a c u l p a ligada a esse assassinato inicial reapareceria e m
c a d a indivíduo s o b a f o r m a d o c o m p l e x o d e É d i p o .

A forma completa do complexo de Édipo: uma descoberta tardia


Só muitos a n o s mais tarde, e m O ego e o id (1923b), Freud acrescentou à n o ç ã o d e c o m p l e x o d e Édipo
positivo (ou direto) a d e c o m p l e x o d e Édipo negativo (ou invertido), n o ç ã o f u n d a d a na existência d e u m a
constituição bissexual física e psíquica d e t o d o indivíduo d e s d e a infância. E n q u a n t o no c o m p l e x o d e Édipo
positivo o m e n i n o deseja casar c o m a m ã e a matar o pai, no c o m p l e x o d e Édipo negativo o m e n i n o deseja
casar c o m o pai e eliminar a mãe, q u e é vista c o m o rival. A o contrário d a f o r m a positiva d o c o m p l e x o d e
Édipo, e m q u e o m e n i n o se identifica c o m seu rival e q u e ser "como" seu pai, na f o r m a negativa o u invertida
d o c o m p l e x o , o m e n i n o deseja "ser" sua m ã e por via d e u m a regressão à identificação, q u e constitui, s e g u n -
d o Freud, a f o r m a mais p r e c o c e d e a m o r pelo objeto. Os desejos passivos femininos q u e o m e n i n o sente e m
relação a seu pai levam-no a renunciar aos seus desejos heterossexuais e m relação à s u a m ã e , c o m o t a m -
b é m ao desejo d e identificação masculina c o m o rival paterno, c o m o Freud ilustra e m s e u e s t u d o sobre "O
caso Schreber" e m 1 9 1 1 , o u n o c a s o d o " H o m e m d o s l o b o s " e m 1918. Para Freud, as d u a s formas d o
c o m p l e x o d e É d i p o coexistem no p s i q u i s m o d e t o d o indivíduo, d e f o r m a q u e o c o m p l e x o d e É d i p o completo
implica a g o r a q u a t r o pessoas: d e u m lado, o pai e a mãe, d e outro, a disposição a o m e s m o t e m p o masculina
e feminina d a criança (menino o u menina), f u n d a d a na "bissexualidade psíquica" própria a t o d o ser h u m a n o .
A p r o p o r ç ã o entre essas d u a s tendências varia, e a identidade sexual d e u m indivíduo resulta d a prevalência
de u m a s o b r e a outra, s e n d o q u e o desenvolvimento psicossexual dito normal é o resultado d e u m a predomi-
nância d o c o m p l e x o d e É d i p o positivo sobre o c o m p l e x o d e Édipo negativo.
E m 1923, e m "A o r g a n i z a ç ã o genital infantil" (1923e), Freud a c r e s c e n t a u m a q u a r t a fase pré-genital, a "fase
fálica", q u e v e m se s o m a r às fases oral, anal e genital q u e introduzira e m 1915 e m u m a revisão d e Três
ensaios. A partir d e e n t ã o , ele p a s s a a considerar q u e o d e s e n v o l v i m e n t o psicossexual d a c r i a n ç a se centra
e s s e n c i a l m e n t e n o p r i m a d o d o pênis c o m o z o n a e r ó g e n a d e t e r m i n a n t e e n o c o m p l e x o d e É d i p o n o nível
d e relações d e o b j e t o . Ele esclarece t a m b é m q u e essa c o n t r i b u i ç ã o d o c o m p l e x o d e É d i p o atinge seu
ápice entre 3 e 5 a n o s , isto é, na fase fálica, a o m e s m o t e m p o e m q u e os d e s e j o s sexuais p e l o progenitor
d o sexo o p o s t o s ã o m a i s fortes e a angústia d e castração é mais intensa.
Em 1924, e m seu artigo "A dissolução d o c o m p l e x o d e Édipo" (1924d), Freud descreve a maneira c o m o
complexo d e Édipo "se dissolve" o u "desaparece". Mas, ao contrário d o q u e leva a crer o título d e sua contribui-
ção, o q u e se dissolve é o conflito edipiano tal c o m o se observa e m t o d a a sua acuidade na criança entre 3 e 5
anos. Porém, a situação edipiana propriamente dita subsiste no inconsciente tal c o m o se constituiu, c o m o
organizador central d a vida psíquica d o indivíduo, perdendo, poderíamos dizer, o caráter patogênico ligado à
noção de " c o m p l e x o "
E m 1925, F r e u d r e t o m a a d e s c r i ç ã o d o d e s e n v o l v i m e n t o sexual d a m e n i n a e m u m artigo intitulado "Algu-
m a s c o n s e q u ê n c i a s psíquicas d a distinção a n a t ó m i c a entre os s e x o s " (1925j). N e s s e m e i o t e m p o , ele
constatara q u e se o m e n i n o e a m e n i n a t ê m o m e s m o o b j e t o n o início d a vida, isto é, a m ã e , posteriormente
o d e s e n v o l v i m e n t o d a m e n i n a se diferenciará d o d e s e n v o l v i m e n t o d o m e n i n o ; na v e r d a d e , ela é levada a
m u d a r d e o b j e t o e passar d o a m o r pela m ã e ao a m o r pelo pai. C o n t u d o , c o m o v e r e m o s mais adiante a
p r o p ó s i t o d e suas c o n c e p ç õ e s s o b r e a feminilidade, Freud c o n t i n u a r á s u s t e n t a n d o q u e o d e s e n v o l v i m e n t o
psicossexual d a m e n i n a se faz s o b o d o m í n i o d a inveja d o pênis q u e a criança d e s e j o s a d o pai t o m a c o m o
substituto. Freud p e r m a n e c e r á s e m p r e fiel à s u a teoria c o n h e c i d a pelo n o m e d e " m o n i s m o fálico", q u e
p o d e m o s c o n s i d e r a r c o m o u m resto d e ligação a u m a teoria sexual infantil. Finalmente, e m u m artigo
intitulado " S e x u a l i d a d e f e m i n i n a " (1931b), ele c o n f i r m a r á a i m p o r t â n c i a q u e atribui à ligação p r e c o c e d a
m e n i n a à s u a m ã e e à dificuldade q u e d e c o r r e para a m e n i n a d e m u d a r d e o b j e t o , isto é, d e passar d a m ã e
para o pai d u r a n t e seu d e s e n v o l v i m e n t o psicossexual.
Ler Freud 79

CRONOLOGIA DOS CONCEITOS FREUDIANOS

r ^
A m n é s i a infantil - auto-e rot s m o - bissexualidade - escolha de objeto - c o m p l e x o de Édipo - desenvolvimento
psicossexual (do menin >, d a menina) - apoio - objeto - objeto total, objeto parcial - perversões - predisposição
perversa polimorfa - pL Isã o - fase d o desenvolvimento: oral, anal, fálica, genital - teorias sexuais infantis -
z o n a erógena

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