E-Book (Unidade II)
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Mas, como afirma Nelson de Araújo (1991), seria dentro do próprio corpo litúrgico da
nova religião, uma vez consolidada, que o teatro iria “renascer”, depois de partidos os
elos exteriores com as formas do passado.
Glossário
3.2 O Tropo
O reaparecimento do teatro na Idade Média pelos canais da religião cristã-católica teria
reproduzido, de certa forma, o processo já visto nos ritos gregos em louvor a Dionísio.
O drama cristão primitivo surgiu a partir do desenvolvimento adquirido pela liturgia
católica na celebração da páscoa, momento simbolicamente ligado à paixão, morte
e ressureição de Jesus Cristo. A transposição visual dos evangelhos, que começara nas
artes plásticas, adentrava agora no campo das artes cênicas.
Em meados do século IX, um diálogo salmodiado ou tropo foi inserido nas sequências
mudas da missa de Páscoa, em torno do tema da ressurreição, gerando uma variação
da liturgia original. O primeiro desses tropos apareceu no mosteiro suíço de São Galo,
concebido para ser cantado durante os ofícios pascoais. A versão de São Galo, um grande
O coro era dividido em dois grupos antifonais. De um lado ficavam os monges que
representavam os anjos guardiões do santo sepulcro; do outro, um grupo de mulheres (as
três Marias) que chegavam em busca do corpo de Cristo. Os anjos entoavam: “A quem
procurais no sepulcro, ó seguidoras de Cristo?” E as mulheres: “Viemos em busca de Jesus
de Nazaré, que foi crucificado.” Os anjos replicavam: “Ide e anunciai que ele ascendeu de
seu sepulcro.” As novas eram, então, saudadas com grande alegria. Posteriormente, esse
tropo deixaria o introito da missa para anteceder o Te Deum, adquirindo, cada vez mais,
forma teatral.
Semelhante transformação foi lenta, de modo que o teatro como tal só apareceria alguns
séculos mais tarde. A universalização da liturgia católica e o largo alcance das decisões
de Roma explicam a difusão do tropo, nódulo primitivo do teatro religioso medieval.
Seu desenvolvimento na conformação de um drama cristão se completaria em torno do
século XIII, no sentido de se tornar uma peça litúrgica autônoma. Após o advento dos
tropos da paixão, outros se seguiram, ligados a temas como, por exemplo, a natividade.
Aos poucos, toda a bíblia seria dramatizada e teatralizada.
Um outro passo foi a utilização da hagiografia católica como fonte de matéria adicional
na construção dos enredos. Ele marca um progresso na livre manipulação do material
dramatúrgico e na introdução de personagens secundárias, pois a vida do santo não
precisava ser seguida com a fidelidade exigida pela bíblia. Do ponto de vista linguístico,
o advento dos milagres revelaria o limite das potencialidades do latim, idioma oficial da
Igreja.
Glossário
Se, por um lado, apenas três textos dessa época sobreviveram, há inúmeras referências
a espetáculos, sacros ou profanos, apresentados em território espanhol. Como informa
Nelson de Araújo (1991), em História do Teatro, “estão identificados tropos do mosteiro
beneditino de Siles e outros de Santiago de Compostela e Huesca, assim como existem
alusões a representações religiosas nas igrejas de Toledo, no séc. XIII” (p. 117).
Com a introdução dos momos, no final da Idade Média, responsáveis por animar os
temas de cavalaria nas festividades da corte, o teatro português teria ganhado um novo
impulso, ao qual se somariam algumas experiências dramatúrgicas, como, por exemplo,
as de Anrique da Mota. Dessa junção, Gil Vicente, talvez o maior dramaturgo da história
de Portugal, construiria sua obra, embora ela já contenha elementos renascentistas,
ficando, de certo modo, a “meio caminho” entre a Idade Média e a Moderna. Gil Vicente
escreveu 43 peças, a maioria reunida e publicada pelos seus filhos em 1562.
Cada evento cotidiano é ao mesmo tempo elo de um contexto histórico universal e todos os
elos estão em relação mútua e devem ser compreendidos, simultaneamente, como de todos
os tempos e acima dos tempos. Assim, a Idade Média concebia o sacrifício de Isaac como
prefiguração do sacrifício de Cristo; no primeiro, o último é “anunciado” e “prometido”;
e o último remata o primeiro. [...] A conexão entre estes acontecimentos – sem relação
temporal ou causal, sem associação no decurso horizontal e linear da história – só se verifica
pela ligação vertical com a providência divina. O aqui e agora espaço-temporal já não é só
elo de um decurso terreno; é, simultaneamente, algo que sempre foi e algo que se cumprirá
no futuro; é, em última análise, eterno. [...] A imagem sensível desta concepção é o palco
simultâneo (ROSENFELD, 2008, p.49).
Em relação à dramaturgia, o mais antigo texto do teatro francês data de 1100, levando
o título de Sponsus (Esposo). Trata-se de uma parábola sobre as virgens sábias e as
virgens tolas, com quase metade dos versos escritos em língua vernácula. Um gênero
dramatúrgico tipicamente francês que nessa época prosperou foram os miracles de Notre
Dame (milagres de Nossa Senhora), dedicados à figura de Maria. Seriam peças em cujo
desfecho sucedia a intervenção providencial da Virgem, normalmente com a função de
interceder em favor de alguma alma condenada ao inferno. Sua concepção lembra, de
certo modo, o artifício grego do deus ex machina.
Uma vez fora da igreja, a atividade teatral na França transferiu-se para as mãos de
irmandades leigas, mas de natureza religiosa. Na montagem das grandes paixões, algumas
irmandades tinham privilégios reais. A Confraria da Paixão, por exemplo, manteve o
monopólio para as representações teatrais em Paris de 1402 até 1548.
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Quando o teatro saiu da igreja e, depois, das mãos do clero, ele passou, na Inglaterra, para
as mãos das corporações de ofício e das guildas. Cada pequena peça era apresentada
por uma corporação diferente, havendo grande rivalidade entre elas para saber qual iria
se destacar mais.
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3.8 As Moralidades
Além dos mistérios e dos milagres, outro gênero dramatúrgico característico do teatro
medieval, mais distintamente do teatro inglês, são as moralidades, peças de cunho
alegórico e forte teor moralizador, conforme o próprio nome indica. Segundo Bárbara
Heliodora (2013), as moralidades teriam se originado de uma forma desaparecida, as
paternoster plays, que se distinguia por apresentar conflitos simbólicos entre os pecados
capitais e as virtudes teologais pela posse da alma do ser humano.
As moralidades representariam mais um avanço na arte de escrever peças, pois vão além
do material estritamente religioso retirado ou das escrituras ou das hagiografias. Não
havia uma história anterior a ser dramatizada: era preciso inventar enredos para ilustrar
os conflitos em pauta.
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Das peças legadas pela autora, a mais conhecida é Sabedoria (Sapientia), que conta a
lendária história de Santa Sofia e do martírio de suas três filhas, chamadas Fé (Pístis),
Esperança (Elpís) e Caridade (Ágape). Denunciadas por Antíoco, subalterno de Adriano,
imperador romano, as virgens são submetidas a uma série de provações aberrantes,
sempre na intenção de fazê-las abjurar da fé cristã. Irredutíveis em sua crença, elas
acabam decapitadas.
Não se sabe se as comédias de Rosvita chegaram a ser encenadas na época em que foram
escritas. Se sim, não passaram de um fenômeno intramuro, portanto incapaz de gerar
qualquer repercussão no desenvolvimento do teatro medieval. De todo modo, é lícito
reconhecer nessa religiosa a primeira dramaturga da história do teatro ocidental, visto
não existir nenhum registro mais antigo dando conta de alguma mulher que tenha se
dedicado à arte de escrever peças. Até que alguma grande descoberta venha refutar sua
precedência, o papel de pioneira que lhe cabe é incontestável.
Tais associações promoviam reuniões anuais nas quais seus membros se entretinham
com a montagem de pantomimas e pequenos diálogos farsescos. Entre 1440 e 1560,
foram produzidas na França mais de 150 farsas. A mais antiga de que se tem notícia
chama-se O menino e o Cego. Nesse panorama, destaque-se A Farsa do Mestre Pathelin,
obra-prima composta entre 1460 e 1470 e de autoria desconhecida, embora se saiba que
seu autor anônimo veio da Basoche.
Em língua portuguesa, o dramaturgo que imortalizou o gênero foi Gil Vicente. Das
muitas peças que escreveu, doze são farsas. Tanto em português como em espanhol, o
vocábulo farsa não encerra um sentido determinado, tendendo a se comutar com os
termos comédia e auto. Na Inglaterra, a farsa desenvolveu-se sob a denominação de
Interlúdio, e teve em John Heywood (1497-1580) seu mais significativo cultivador.
O entremez seria a versão ibérica mais próxima da farsa francesa, consolidando-se a partir
do século XVI pelas mãos de escritores como Lope de Rueda e Miguel de Cervantes. Era
geralmente apresentado entre o 2º e o 3º atos de uma peça mais longa e séria.
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