Da Teoria À Terapia Junguiana
Da Teoria À Terapia Junguiana
Da Teoria À Terapia Junguiana
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da pesquisa em educação matemática e história da matemática, aos quais tinha me
dedicado durante vinte anos de trabalho docente universitário na Universidade
Estadual de Feira de Santana, para iniciar um novo projeto docente universitário de
ensino e pesquisa sobre espiritualidade na Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Essa mudança iniciou-se, principalmente, quando tomei conhecimento da
existência do Núcleo de Pesquisa em Saúde e Espiritualidade da Universidade Federal
de Juiz de Fora (NUPES-UFJF), coordenado por Alexander Moreira de Almeida, que
trabalhava a espiritualidade como um objeto legítimo de ensino e pesquisa nos
programas de pós-graduação em medicina e em psicologia daquela universidade. Além
disso, em um curto espaço de tempo, recebemos no Programa de Ensino, Filosofia e
História das Ciências da UFBA a visita de Ronald Numbers e Peter Harrison, dois dos
mais proeminentes historiadores da comunidade internacional que se dedica à
pesquisa histórica sobre as relações entre ciências e religião; visitei o NUPES-UFJF e,
em seguida, em 2013, o Centro Ian Ramsey de Ciência e Religião da Universidade de
Oxford, onde entrei em contato com uma comunidade internacional que faz da
espiritualidade seu objeto de pesquisa de um modo desconhecido para mim até então.
Em 2014, realizei um período sabático durante o qual me dediquei intensamente
a estudar a literatura que reuni sobre esse tema. Comecei a compreender melhor o
motivo pelo qual os meus interesses privados pela espiritualidade estiveram até então
separados dos meus interesses profissionais. Ao longo da minha formação e trajetória
pessoal e profissional, minhas escolhas foram condicionadas por um certo tipo de
secularismo vigente nas instituições onde fui educado, que estabeleciam muito mais do
que uma separação cognitiva, intelectual e institucional entre racionalidade e
espiritualidade, Estado e religião, mais do que a ausência da religiosidade e da
espiritualidade da vida pública, mas também delimitavam de certo modo quais os tipos
de práticas, de conhecimentos e de sensibilidades que poderiam ser identificadas com
os modos de ser no mundo moderno (ASAD, 2003, p. 2, 5, 21,25). Mas, não é mais
obrigatório continuar sendo assim, como testemunham para mim exemplos espalhados
pelo mundo acadêmico, inclusive aqui mesmo no Brasil, assim como uma vasta
literatura internacional sobre secularização nas sociedades contemporâneas.
Os conceitos de secular, de secularismo e de secularização não envolvem apenas
as religiões institucionalizadas nas suas relações com o Estado e com a sociedade e a
religiosidade das pessoas na vida privada e pública, mas envolvem também toda e
qualquer visão de mundo que pressuponha a existência de seres, objetos ou entidades
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imateriais, metafísicas ou sobrenaturais, com capacidade para intervir no mundo
natural ou social. Isto é, nenhuma explicação ou discurso sobre o mundo social ou
natural terá, poderá ou deverá ter vigência nas sociedades modernas secularizadas,
em particular, as ciências da natureza, da sociedade e da cultura, as filosofias e as
artes, tomadas completamente pelo secularismo, excluem quaisquer explicações ou
narrativas mágicas ou sobrenaturais acerca do mundo natural ou humano,
admitindo-as apenas enquanto criações imaginárias e irreais dos próprios seres
humanos, como irracionalidade primitiva ou arquetípica humana, a ser explicada pelas
próprias ciências como sinais ou sintomas de subdesenvolvimento cognitivo, carências
afetivas ou projeções psíquicas.
A partir da década de 1960, muitos autores publicaram trabalhos sobre o
processo de secularização das sociedades modernas ocidentais, resultando em muitas
e diversas abordagens sobre o tema. Desde então, muitas revisões e exames críticos
foram feitos e muitas discussões e polêmicas ocorreram, não apenas acerca do
processo de secularização, mas também sobre a própria teorização acerca desse
processo, inclusive, considerando evidências e argumentos obtidos e desenvolvidos
recentemente (TSCHANNEN, 1991; DOBBELAERE, 1981).
Como os debates sobre fenômenos considerados “ocultos” ou “sobrenaturais”
foram retomados recentemente ou nunca deixaram de existir, inclusive envolvendo
cientistas respeitáveis, embora permaneçam minoritários e na obscuridade,
contemporaneamente, vem crescendo uma comunidade de pesquisa cujo objetivo não
é corroborar ou contestar a realidade ou veracidade desses fenômenos, mas investigar
e compreender as razões que vêm motivando cientistas e filósofos a (des)crer nesses
fenômenos extraordinários que influenciam poderosamente a vida das pessoas e das
coletividades, apesar desses cientistas e filósofos não serem acostumados, nem sequer
incentivados a refletir criticamente sobre os mesmos (SOMMER, 2018).
Um bom exemplo histórico - mas não muito distante - sobre isso é o caso de
William James (1842-1910) e suas “pesquisas psíquicas” acerca dos fenômenos
“sobrenaturais” ou “ocultos”, como mediunidade e telepatia. Desde a minha
graduação, eu já sabia que William James foi um dos fundadores da psicologia
moderna e da filosofia pragmatista nos Estados Unidos, porque essa parte da sua
produção intelectual sempre foi muito divulgada em cursos universitários, assim como
também os seus estudos sobre religião. Contudo, porque isso ainda hoje não é
divulgado além de um círculo pequeno de especialistas, eu não sabia que William
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James se dedicou intensamente à “psychical research” ao longo de sua carreira
acadêmica, assim como também não sabia sobre a importante contribuição que essa
"psychical research” cumpriu na moderna configuração da psiquiatria e da psicologia
no início do século XX (SECH JUNIOR; ARAUJO; MOREIRA-ALMEIDA, 2013; SOMMER,
2013).
De volta do período sabático, retomei as minhas atividades ordinárias de ensino,
orientação e pesquisa, agora voltadas para a temática da espiritualidade, mas sem
conseguir atingir o mesmo ritmo que imprimira quando focado na temática anterior.
Algumas orientações de mestrado sobre o tema que conduzi não serviram para
arregimentar um novo grupo de pesquisa, assim como não me deixaram intimamente
satisfeito; as leituras e reflexões que continuava realizando sobre o tema, embora
intelectualmente estimulantes e muito esclarecedoras, pareciam-me cada vez mais
complexas e intermináveis. Enfim, a procrastinação me tomou de assalto, fazendo-me
adiar perigosamente a publicação dos resultados da minha pesquisa.
Procrastinação acadêmica é algo muito mais comum do que podemos imaginar!
Trata-se de um problema psicológico complexo e multifatorial, que não deve ser
confundido como um problema de administração do tempo ou como um desvio moral.
Envolve fatores emocionais e tem raízes no relacionamento da pessoa consigo própria!
Em particular, contemporaneamente, a internet e os dispositivos computacionais
eletrônicos digitais são poderosos fatores de procrastinação (BURKA; YUEN, 2008).
Ora, desafiar os automatismos que o secularismo das instituições modernas
produziram em mim revelou-se muito mais do que um empreendimento meramente
cognitivo ou intelectual, mas também um desafio emocional de grande monta, pois eu
estava desafiando a minha própria psique secularizada! (ASAD, 2008; HIRSCHKIND,
2011) Mais ou menos, essa era a minha situação em 2019, quando tive a oportunidade
de iniciar o curso de especialização em teoria analítica de C. G. Jung, oferecido pelo
Instituto de Humanidades, Artes e Ciências (IHAC) da UFBA.
Inicialmente, pareceu-me uma oportunidade para estudar um dos principais
psicólogos/psiquiatras do século XX, que valorizou a dimensão espiritual da psique
humana. Com o desenrolar do curso, fui compreendendo que a trajetória de Jung, mais
até do que sua própria teoria, poderia ser muito instrutiva para mim. Em diversos
momentos, como relatam alguns seguidores e estudiosos da sua obra, Carl Gustav
Jung (1875-1961) reconheceu explicitamente que sua teoria foi elaborada a partir das
suas próprias experiências inconscientes em confronto com as observações empíricas
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que realizou em seus pacientes e com as leituras científicas e filosóficas que fez. Há
evidências de que tudo começou ainda na sua juventude, à medida que testemunhava
a crescente dominância das ciências e das abordagens científicas na vida cultural e
social europeia, Jung incomodava-se com as consequências morais do materialismo
científico para a vida das pessoas e da sociedade:
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com as quais ele manteve contato ora mais frequente, ora mais eventual, como foram
os casos de Hermann Keyserling, William James e de Edith Rockefeller McCormick,
dentre outras personalidades. Assim, o interesse de Jung pelo inconsciente foi
fortemente influenciado pelo seu ambiente familiar, assim como pelo ambiente
intelectual, filosófico e religioso da cidade de Basel, onde passou a maior parte da sua
infância e juventude até a conclusão do curso médico.
Jung foi descendente de duas famílias proeminentes de Basel. Karl Gustav Jung
(1794-1864), avô paterno de Jung, nasceu em Mannheim, Alemanha, onde seu pai era
médico. Sua família era católica, mas foi convertido ao protestantismo em 1815 por
Friedrich Schleiermacher (1768-1864). Em 1816, obteve grau de doutor em medicina
em Heidelberg e, em 1822, por indicação de Alexander von Humboldt, tornou-se
professor da escola médica da Universidade de Basel, onde conquistou grande
prestígio, tendo alcançado o cargo de reitor da universidade. Foi o fundador do Museu
de Anatomia e da Clínica de Psiquiatria. Tornou-se membro e grande mestre da
Grande Loja Alpina da maçonaria suíça. Embora não o tivesse conhecido, a imagem
lendária do seu avô em Basel exerceu uma influência importante sobre a autoimagem
de Jung.
O outro avô de Jung, Samuel Preiswerk (1799-1871), foi um pastor e teólogo
protestante, reconhecido líder religioso da Igreja de Basel, que costumava ter visões e
conversar com espíritos dos mortos. A família Preiswerk possuía outros integrantes
com faculdades mediúnicas especiais, como foram os casos da avó, da prima e da
própria mãe de Jung, Emilie Preiswerk, que possuía uma personalidade dupla,
conforme reconheceu o seu filho. O pai de Jung, Paul Achilles Jung (1842-1896), foi
pastor de pequenas igrejas protestantes, inicialmente na vila de Kesswil, à beira do
lago Constance, onde Jung nasceu. Posteriormente, foi transferido para
Kleinhüningen, vilarejo de Basel, onde permaneceu até sua morte e onde Jung viveu a
maior parte da sua infância e juventude. Além disso, foi também capelão de um
hospital de saúde mental em Basel. Ao contrário de Freud, Jung jamais admitiu que
todo menino se apaixona por sua mãe e tem ciúmes do seu pai, mas valorizou a
identificação inconsciente do filho com o seu pai e com seus ancestrais paternos
(JUNG, 1976), embora ele próprio tenha manifestado um certo ressentimento em
relação ao seu pai e parecesse muito mais identificado com o seu avô, ao menos, nas
suas simpatias por Goethe e pelo romantismo alemão.
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Algumas influências familiares foram decisivas na trajetória de Jung. A sua
escolha pela carreira médica certamente foi influenciada pela profissão médica do seu
avô e pelo prestígio social que alcançou em Basel, enquanto a sua convivência
cotidiana com a mediunidade da sua mãe e da sua prima adolescente, Helene
Preiswerk, assumidamente, influenciaram nos seus interesses pela psiquiatria e pelo
estudo do inconsciente. É importante notar também que o curso de medicina foi feito
por Jung graças a uma bolsa obtida por seu pai, uma vez que sua família levava uma
vida muito modesta e seu pai estava muito doente, tendo morrido logo no início do seu
curso. Assim, a profissão médica também foi um meio de ascensão econômica e social
para Jung, pois lhe permitiu desposar Emma Rauschenbach em 1903, a filha mais velha
de Johannes Rauschenbach-Schenck, riquíssimo industrial suíço, que deixou grande
fortuna e negócios após sua morte em 1905, garantindo suporte financeiro para a
família Jung. Emma, por sua vez, desenvolveu os seus estudos psicológicos, tornou-se
uma reconhecida analista e escreveu algumas obras, além de trabalhar com Jung em
algumas das suas pesquisas. (ELLENBERGER, Henri F., 1994)
Em 1895, quando iniciou o curso de medicina na Universidade de Basel, Jung
tornou-se integrante da Sociedade Zofingia de estudantes, que reunia representantes
das mais proeminentes famílias locais (SHERRY, 2010, p. 11). Durante o curso, Jung
participou ativamente das sessões de debates da Zofingia, discutindo os temas mais
candentes da época nos campos da filosofia, teologia, psicologia, espiritismo e
ocultismo. Os arquivos dessa sociedade possuem evidências de que alguns dos
conceitos básicos da psicologia analítica remontam a esse período (ELLENBERGER,
Henri F., 1994, p. 665). (SHAMDASANI, 2003, p. 197)
Na sua primeira apresentação na Zofingia, intitulada “Os limites das ciências
exatas”, Jung atacou a ciência materialista da época e defendeu a investigação
objetiva do hipnotismo e do espiritismo. Em outra fala, sobre psicologia, Jung
lamentou o descrédito da metafísica e argumentou que a morte é um evento metafísico
inevitável, motivo de expectativas transcendentais. O sonambulismo foi destacado
contra os preconceitos do materialismo e como evidência da existência da alma,
independente do tempo e do espaço, cuja demonstração foi definida como a principal
tarefa da psicologia racional. Jung também fez uma conferência sobre teologia
intitulada “Pensamentos sobre a interpretação do Cristianismo”, na qual criticou uma
abordagem luterana racionalista para a religião, que negava a sua dimensão mística
com base em argumentos epistemológicos kantianos. Ao contrário, na defesa da
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experiência mística religiosa, alinhou-se aos teólogos protestantes liberais Wilhelm de
Wette (1780-1849), professor e reitor da Universidade de Basel, e Friedrich
Schleiermacher (1768-1864), fundador e professor da Universidade de Berlin, ambos
contemporâneos e amigos do seu avô C. G Jung: “The vast, esoteric, and individual
spirit of Schleiermacher was a part of the intellectual atmosphere of my father’s
family. I never studied him, but unconsciously he was for me a spiritus rector”. (apud
SHERRY, 2010, p. 12)
Schleiermacher é considerado um dos pioneiros do cristianismo e da teologia
liberais, assim como da moderna hermenêutica e do criticismo histórico dos
evangelhos. No início do XIX, ao propor uma nova definição afetiva de religião
baseada em novos conceitos como inconsciente e misticismo, ele estava tentando
evitar as restrições racionalistas impostas por Kant, que dizia não ser possível
conhecer nada de Deus, porque Deus não pode ser um objeto da experiência.
Schleiermacher contestou Kant argumentando que religião não é um assunto da
mente, mas do coração, que a essência da religião não está no pensamento, nem na
ação, mas na intuição e no sentimento. No final do XIX, essa definição afetiva de
Schleiermacher foi retomada no contexto dos embates com o evolucionismo de Darwin
e do positivismo materialista de Emil du Bois-Reymond (IAGHER, 2018). A propósito,
Du Bois-Reymond foi o principal alvo científico das críticas de Jung nos debates da
Zofingia.
De Wette interessou-se sobre o papel dos sentimentos na experiência humana ao
buscar um lugar para a natureza e o irracional na teologia cristã, com base no
conceito epistemológico kantiano de pressentimento, que se tornou um tema de
interesse de poetas, artistas e filósofos românticos (SHERRY, 2010, p. 10), e se
ampliou quando o espiritualismo atraiu a atenção da classe média europeia, na
segunda metade do século XIX (CUCHET, 2012), inclusive da família de Jung. Esse
conceito de pressentimento foi mais tarde incorporado por Jung na sua obra, por meio
da função psíquica intuição, parte do seu estudo sobre os tipos psicológicos.
Também o interesse e a valorização do mito e do símbolo por Jung está enraizado
nas discussões dessa época travadas em torno do caráter humano ou divino de Jesus
Cristo. Seguindo a inovação proposta pelo criticismo histórico, De Wette reinterpretou
os evangelhos como textos mitológicos e não como histórias factuais, mas
simultaneamente reabilitou o mito e os símbolos como fontes legítimas de
compreensão histórica. Esse foi o quadro de referência para a conferência que Jung
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pronunciou na Zofingia, na qual ele apresentou Cristo como uma figura metafísica à
qual os cristãos se ligam de modo místico e se afastam do mundo sensório. Essa é uma
elaboração inicial do conceito de símbolo que Jung vai adotar e reelaborar em sua
obra.
Outro tema religioso de grande importância na obra de Jung é o conceito de
numinoso, tomado emprestado do teólogo Rudolf Otto (1869-1937), seguidor de
Schleiermacher:
The main interest of my work is not concerned with the treatment of neuroses
but rather with the approach to the numinous. But the fact is that the approach
to the numinous is the real therapy and as much as you attain to the numinous
experiences you are released from the curse of pathology. (apud SHERRY,
2010, p. 12)
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de aço ocorridas na sala de jantar da residência da sua família; assim como as sessões
espíritas da família Preiswerk nos sábados à tarde, quando uma médium sonâmbula de
quinze anos produzia fenômenos mediúnicos. “This was the one great experience
which wiped out all my earlier philosophy and made it possible for me to achieve a
psychological point of view.” (JAFFÉ; JUNG, 1989, p. 106–107)
Essa citação reitera outras feitas anteriormente pelo próprio Jung, por exemplo,
nas conferências de 1925:
Freud said to me, “My dear Jung, promise me never to abandon the sexual
theory. That is the most essential thing of all. You see, we must make a dogma
of it, an unshakable bulwark.”... In some astonishment I asked him, “A bulwark
against what?” To which he replied, “Against the black tide of mud”— and here
he hesitated for a moment, then added— “of occultism.” (JAFFÉ; JUNG, 1989)
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por suas leituras de Schopenhauer e von Hartmann, seu envolvimento com o
espiritualismo, numa trajetória intelectual e experiencial muito diferente daquela de
Freud. Assim, nesses seminários, ele apresentou a psicologia analítica na primeira
pessoa, buscando soluções para os problemas empíricos trazidos pelos seus pacientes
na observação dos seus próprios processos inconscientes.
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"self-knowledge" is therefore a very limited knowledge, most of it dependent on
social factors, of what goes on in the human psyche. (JUNG, 2011, p. 4–5)
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Ser negro, aqui, significa não apenas uma auto-percepção, mas também um modo de ser no e de ver o
mundo.
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antecedentes não europeus e passei a prestar atenção melhor nos meus traços
fenotípicos, quando me olhava no espelho.
Ouvindo memórias familiares esquecidas, soube que minha bisavó Antônia, mãe
da minha avó Miúda, por parte de pai, foi uma índia, provavelmente, com algum grau
de mestiçagem cafuza. Meu pai, minha avó e minha bisa nasceram em Ituberá, situada
na foz do rio Santarém, onde os padres jesuítas fundaram um aldeamento indígena no
final do século XVIII. Não há fontes precisas e confiáveis sobre a população indígena
da região, há referências à etnia Aimoré (Tapuias ou Botocudos), do tronco linguístico
Jê, mas também há referências às etnias Tupinambá e Tupiniquim, do tronco
linguístico Tupi. Esse silêncio, essa ausência, essa imprecisão, essa desconfiança
sempre foi proposital, sempre fez parte do processo de colonização e de
embranquecimento da população baiana e brasileira! Na família do meu pai, minha tia
e meu tio possuem traços fenotípicos indígenas evidentes: pele naturalmente
bronzeada e cabelos lisos e finos. Embora eu sempre tenha identificado meu pai como
branco, ele próprio me contou que sua avó, de ascendência branca portuguesa,
costumava chamá-lo de mulatinho, quando era criança.
Da parte da minha mãe, os pais da minha avó Arlinda, chamados Antônio e
Zulmira, foram-me descritos como um caboclo de cabelos lisos e pele bronzeada, uma
mulata de pele escura e cabelos crespos. Os traços fenotípicos de minha avó, assim
como dos seus irmãos, irmã, primos e primas, não deixam muita dúvida sobre a
miscigenação provável envolvendo negros e índios. A propósito, minha mãe é
claramente uma cabocla. Tudo isso não me deixa dúvidas sobre minha ancestralidade
negra. Em Vitória do Espírito Santo, onde minha mãe nasceu, e nas cidades
circunvizinhas, as políticas de aldeamento da Companhia de Jesus foram
relativamente bem sucedidas desde o início da colonização, assim como o intenso
tráfico de africanos escravizados, que perdurou mesmo depois da sua proibição legal,
de modo que a maioria da população era formada por índios, africanos e mestiços, que
participaram da sociedade colonial e imperial, ora na condição de trabalhadores livres,
ora na condição de escravos.
Esse processo de silenciamento e apagamento da minha ancestralidade negra foi
bastante acentuado por causa da colonização racista ao qual fui submetido desde
criança e do qual nunca tinha me dado conta integralmente, até agora. Mesmo os
movimentos antiracistas negros, com os quais tive algum contato desde a escola
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secundária e, principalmente, na universidade, nunca me identifiquei com eles, sempre
os vi na terceira pessoa do plural, jamais na primeira.
Aimé Césaire (1913-2008) talvez tenha sido um das mais proeminentes
intelectuais representantes dos povos colonizados pelo império francês, no século XX.
Nascido na Martinica, considerava-se descendente da etnia Igbo, originária da
Nigéria. De classe média urbana, sua família era letrada e propiciou-lhe desde cedo
bom desempenho escolar, que possibilitou-lhe uma bolsa para realização de estudos
em Paris, onde cursou a Escola Normal Superior. Na França, sua participação em
movimentos literários estudantis, em parceria com outros jovens negros oriundos das
colônias francesas, contribuiu para que tomasse consciência da opressão cultural
racista sobre os africanos e seus descendentes nas colônias francesas. Nesse período,
inventaram o conceito negritude para combater a opressão colonial e promover a
cultura negra de raízes africanas. Quando retornou à Martinica, em 1939, tornou-se
professor na escola secundária local. Trilhou longa carreira política, como prefeito e
deputado.
Seu livro, “Discour sur le colonialisme”, publicado em 1950, repercutiu
criticamente as atrocidades cometidas pelo regime colonialista francês devido ao
início das guerras de independência nas colônias africanas e asiáticas. Embora seja
explícita e assumida a influência marxista no pensamento de Césaire, há de se chamar
atenção para os argumentos “psicológicos” sociais contidos na obra, que obedeciam à
estratégia de comparar as violências colonialistas àquelas cometidas por Hitler,
inclusive, principalmente, no seu caráter racista.
Segundo o julgamento de Césaire, a “Europa” - a civilização “ocidental” - é
moralmente e espiritualmente indefensável, porque não pode se justificar diante dos
tribunais da razão e da consciência e recorre a uma hipocrisia odiosa, quando
confrontada diante do problema do colonialismo. Alegar propósitos civilizatórios para
justificar o colonialismo e suas violências, segundo Césaire, é um grande cinismo
doentio. Identificar a civilização com o cristianismo e o “paganismo” com a selvageria
é a arrogância que justifica o racismo colonialista e suas vítimas indígenas, asiáticas e
africanas.
Identifiquei-me completamente com essas palavras de Césaire, primeiro porque a
minha formação cristã sempre identificou o cristianismo como civilização e
civilizatório, enquanto os não-cristãos sempre foram identificados como primitivos e
selvagens. No meu caso, houve inclusive um agravante, porque não sendo católico e
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estudando em escolas católicas, durante toda a minha infância sempre fui considerado
um pagão herético, esotérico, animista e fetichista. (CÉSAIRE, 1955).
Ora, segundo Césaire, em territórios colonizados predomina a objetificação!
Exploração via relações de dominação e subjugação. Sociedades vazias de si próprias,
milhões de seres humanos sacrificados. Novamente, ele faz uso de conceitos
psicológicos: o colonizador inculca no colonizado um complexo de inferioridade, pelo
trauma, pelo abuso, pela cumplicidade, pelo medo, pelo servilismo, em suma, pelo
racismo. O racismo é aqui um fenômeno político porque é fundamentalmente um
fenômeno psicológico social (CÉSAIRE, 1955).
O juízo sobre o negro como um bárbaro é uma invenção europeia, que nega o
princípio da universalidade racional de um dos fundadores da filosofia moderna, René
Descartes, que dizia, como se sabe, que a razão está em todos e em cada um, que sua
falta seria mero acidente e jamais decorreria da natureza dos indivíduos. Mas, são os
psicólogos, sociólogos, antropólogos e demais “humanistas” que negariam esse
princípio da universalidade da razão com suas investigações enviesadas, suas
generalizações indevidas, suas especulações ideológicas sobre o pensamento
“primitivo” dos negros (CÉSAIRE, 1955).
Como disse Achille Mbembe (MBEMBE, 2013), a violência racial cumpre três
funções: inibir a capacidade de reprodução social; imobilizar e quebrar os corpos;
incapacitar para a criação de um universo simbólico próprio. Viver a vida na repetição
constante e contínua, no cumprimento das tarefas da subsistência, transfere para o
sistema colonizador racista o monopólio do futuro. Ser negro e, portanto, ser escravo,
é não ter futuro próprio, é ter um futuro delegado pelo sistema colonial racista. Ao
contrário, ser um sujeito livre é autoproduzir o próprio futuro, ter condições para ser
responsável por si mesmo e pelo mundo circunvizinho.(MBEMBE, 2013, p. 222–223)
Discípulo de Césaire no ensino secundário, Frantz Fanon, também negro
martinicano, teve uma trajetória semelhante à do mestre, em certa medida, porque
também teve oportunidade de viajar para a França com a finalidade de completar seus
estudos. Brilhante, formou-se médico psiquiatra e obteve uma posição de relevo como
diretor de um hospital psiquiátrico na Argélia, onde se juntou ao movimento de luta
pela independência daquele país. Sua trajetória foi também meteórica: precocemente,
morreu vítima de um câncer, aos 36 anos, em 1961. Por essa razão, sua obra foi curta,
embora tenha sido seminal.
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No seu livro Peau noire, masques blancs (1952), escrito originalmente como tese
de doutorado em psiquiatria, mas que foi recusada e substituída por outra, devido ao
seu conteúdo marcadamente anticolonialista e antirracista, Fanon apresenta um
enunciado forte, que talvez sintetize todo o problema do racismo:
(...) mais toute ontologie est rendue irréalisable dans une société colonisée (...)
Il y a, dans la Weltanschauung d'un peuple colonisé, une impureté, une tare qui
interdit toute explication ontologique. (...) L'ontologie, quand on a admis une
fois pour toutes qu'elle laisse de côté l'existence, ne nous permet pas de
comprendre l'être du Noir. Car le Noir n'a plus à être noir, mais à l'être en face
du Blanc. (...) Le Noir n'a pas de résistance ontologique aux yeux du Blanc. Les
nègres, du jour au lendemain, ont eu deux systèmes de référence par rapport
auxquels il leur a fallu se situer. Leur métaphysique, ou moins
prétentieusement leurs coutumes et les instances auxquelles elles renvoyaient,
étaient abolies parce qu'elles se trouvaient en contradiction avec une
civilisation qu'ils ignoraient et qui leur en imposait. (FANON, 1952, p.
88–89)
Nesse mundo branco, o homem de cor enfrenta dificuldades para elaborar seu
esquema corporal e espiritual. O conhecimento do seu corpo assume sempre um
caráter negativo. Ele está sempre associado aos seus ancestrais escravizados. O preto
é um animal, é ruim, é feio, é malvado… De um homem exige-se a conduta de homem,
de um negro exige-se a conduta de um negro, de um escravo, um inferior! Então,
desorientado, incapaz de ser diante do outro, o branco que o aprisiona, o negro
constitui-se num objeto longe de si! (FANON, 1952, p. 91) Se a estrutura psíquica se
revela frágil, tem-se um desmoronamento do ego. O negro cessa de se comportar como
indivíduo acional. O sentido da sua ação estará no Outro (sob a forma do branco), pois
só o Outro pode valorizá-lo. (Idem, p. 136)
Ora, para Jung, a saúde psíquica depende do apropriado fluxo energético entre o
inconsciente e o ego consciente, da energia libidinal que flui, da vontade que conforma
minha atitude perante o mundo, como me vejo e vejo o mundo. A base, o fundamento
dessa energia está nos arquétipos, no inconsciente coletivo. Entretanto, na sua
elaboração dos arquétipos e do inconsciente coletivo, Jung compartilhou em relação
aos negros e demais povos “primitivos” as mesmas ideias e juízos racistas
característicos do colonialismo.
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táxi? Para falar com meu avô, ele já morreu. Então o psiquiatra explicou ao
policial: no Haiti, é comum as pessoas verem e falarem com os seus parentes
mortos!
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política colonialista no território brasileiro, desde quando foram invadidos pelos
primeiros portugueses. Aos indígenas sempre foram impostas duas únicas
possibilidades: ou a aculturação, isto é, a conversão ao modo de vida do branco, ou a
morte. O problema é que não há efetivamente duas opções, há apenas uma: morrer.
Porque os indígenas vêm a si próprios e os seus mortos como partes da natureza, de
modo que viver como o branco, que não se vê como parte da natureza, que não admite
uma convivência natural com os seus mortos, significa a morte. De acordo com a
cosmologia ameríndia, a terra, os rios, as plantas e os animais, não são passíveis de
propriedades, são seres que fazem parte do convívio natural e cotidiano dos próprios
humanos, assim como os mortos.
O antropólogo brasileiro Eduardo Viveiros de Castro explica detalhadamente
esse modo de ser e ver o mundo, que ele chama de perspectivismo ameríndio, do
mesmo modo como critica filosofia dualista consagradas por Kant, que estabeleceram
o primado da representação na epistemologia e na ontologia modernas. Segundo ele, o
planeta não resistirá muito mais à crise ecológica que tal dualismo produziu
(VIVEIROS DE CASTRO, 2012).
Estou plenamente convencido que quaisquer acordos sociais de convivência
pacífica e respeitosa entre grupos étnicos, nações e países, precisará considerar
seriamente a pluralidade de espiritualidades corporificadas ou de corpos
espiritualizados, de concepções, experiências e vivências ontológicas e metafísicas.
Conforme defendem autores tão distantes quanto diferentes, como William James
(1842-1910) e Eduardo Viveiros de Castro, vivemos num mundo naturalmente plural
(SLATER, 2011; VIVEIROS DE CASTRO, 2012).
Referências
ASAD, Talal. Formations of the secular: Christianity, Islam, modernity. Stanford, Calif: Stanford
University Press, 2003.
BURKA, Jane B.; YUEN, Lenora M. Procrastination: why you do it, what to do about it now. Cambridge,
MA: Da Capo Life Long, 2008.
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