Caderno 38 - Deus Existe

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I

VOZES EM DEFESA DA FÉ
C a d e r n o 38

J ohn A. 0 ’brien , P h . D., LL. D.


Professor de Filosofia de Rellgi&o na Universidade de Notre-Darae
(Estados Unidos)

DEUS EXISTE?
O Problema Visto à Luz da
Ciência Moderna e da Filosofia

ir EDIÇÃO

1'5

1961
EDITORA VOZES LIMITADA
PETRÓPOLIS, RJ
Esta obra intitula-se no original inglês:
GOD: CAN WE F1ND HIM?
Liglit from modcrn sciencc and pliilosopliy
Versão de
P. ARTUR ALVES PEREIRA, O. F. M.

"Hoje há só um dogma em de­


bate: Que entendemos por Deus?
E, sob êste aspecto, hoje como
sempre” .
Professor Alfred Whltehead
da Universidade de Harvard

I M P R I M A T U R
POR COMISSÃO ESPECIAL DO EXMO.
E REVMO. SR. DOM MANUEL PEDRO
DA CUNHA CINTRA, BISPO DE PE-
TRÔPOLIS. FREI DESIDÊRIO KALVER-
KAMP O. F. M. PETRÔPOLIS, 23-1-1961.

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS


I. OS CÉUS PROCLAMAM
Os céus proclamam a glória de Deus
e o firmamento anuncia as obras de
suas mãos (Salmo 18, 2).
Deus existe? Como sabê-lo ao certo? Onde encontrá-lo? E*
preciso fazer um ato de fé para crer em Deus? E' possível de­
monstrar, pelo raciocínio, a existência dum Supremo Senhor do
Universo? Eis as perguntas que acodem vivamente à inteligência
de muitos homens de hoje. Perguntas de interêsse perene. Têm-
nos acompanhado desde o princípio da raça humana e andarão
sempre conosco até ao fim dos tempos. Interrogações de su­
prema importância e que se apresentam, sempre de novo, a cada
geração. Do êxito com que o homem consiga dar-lhes resposta
adequada, dependem consequências que ultrapassam esta vida,
projetando-se na etemidade.
“Hoje, observa o professor Whitehead, da Universidade de
Harvard, há só um dogma em debate: “Que entendemos por
Deus? E, sob êste aspecto, acrescenta, hoje como sempre”.
Manoel Kant exprimiu também a convicção de que em tôda
a Filosofia só existem três grandes problemas, a saber: a exis­
tência de Deus, a liberdade da vontade e a imortalidade da alma.
Não é difícil reconhecer que, dêstes três, a existência de Deus
constitui o problema central e que os outros dois são apenas coro­
lários. De fato, não podem êstes resolver-se adequadamente se­
não à luz da resposta obtida acêrca da existência duma Supre­
ma Inteligência.
O conhecimento mais importante é, pois, o conhecimento de
Deus. A incerteza sôbre Deus torna os povos miseráveis e infe­
lizes. Fá-los menos seguros de si mesmos, da finalidade da vida
e do destino humano. De olhos ansiosos e de mãos às apal­
padelas, milhões de homens procuram, hoje, alguma coisa que os
sustente, qual firme apoio, em Deus.
No livro, As aventuras da môça preta à procura de Deus,
George Bernard Shaw descreve a figura principal, no seu país
de origem em África, abordando um rapaz branco que traja uma
túnica grega.
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— Desculpa-me, diz-lhe a môça preta. Tu tens olhos de
quem sabe. Ando à procura de Deus. Podes tu guiar-me?
— Não te preocupes com isso, respondeu-lhe o jovem. En­
cara o mundo como êle é, pois, para além dele, nada existe.
Todos os caminhos vão parar à sepultura, porta do nada, e,
à sombra do nada, tudo é vaidade. Segue o meu conselho e não
procures nada que ultrapasse a ponta do teu nariz. Sempre te
direi que alguma coisa existe para além dêle, e saberes isto,
bastará para teres esperança e seres feliz.
— *A minha inteligência remonta-se mais alto, observou-lhe
a môça preta. Não é justo que nos queiram fechar os olhos. Mais
que a felicidade ou a esperança, desejo o conhecimento de Deus.
“Deus é o meu conhecimento e a minha esperança” (SI 142, 6).
Essa môça bem pode considerar-se como símbolo da huma­
nidade letrada ou analfabeta, em busca de Deus, o Único que
dá sentido à vida.
Ela simboliza também a recusa da humanidade em fechar
os olhos e não ver nada mais para além do nariz. O pulsar
da ânsia humana na investigação do sentido e finalidade da
vida por entre as confusões do nosso tempo, ecoa nesse memorá­
vel grito da môça preta — tão simples e, todavia, tão acorde
com a inspiração da humanidade em tôdas as idades: “Mais
que a felicidade ou a esperança, desejo o conhecimento de Deus.
Deus é o meu conhecimento e a minha esperança”.
Deus — Sentido do Universo
Que entendemos nós por Deus? Deus não é mero sonho
ou hipótese, nem a projeção de nossas esperanças e aspirações
sôbre a frágil tela da ilusão. Êle é o sentido do universo e a
esperança da humanidade.
Só Êle dá valor cósmico aos ideais de verdade, de justiça e
direito, que apontam como setas de luz voltadas para a Fonte
donde dimanam.
“Conhecer Deus, dizia Dante, é aprender a tornar nossas
vidas eternas”.
Muito antes de Dante, proclamou S. João tão importante
verdade, quase perdida no nevoeiro contemporâneo: “A vida eter­
na consiste em que eles Te conheçam por único e verdadeiro,
e a Jesus Cristo Teu enviado” (Jo 17, 3).
Antes do alvorecer da era cristã, o Profeta Oséias clamara:
“Saberás que eu sou o Senhor” (Os 2, 20). Qual nuvem para
o dia ou coluna de fogo para a noite, esta poderosa verdade
passa através das páginas do Velho e do Novo Testamento.
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E* nossa por direito de primogenitura e nossa herança
inapreciável.
So o direito de primogenitura fôr vendido por um prato
de lentilhas e a herança se perder na confusão dos nossos dias,
não há poder na terra que possa salvar o homem do seu cati­
veiro babilónico ou suavizar a nostalgia e solidão de seu exílio.
Deus é o supremo Legislador do Universo; a Inteligên­
cia onisciente que formulou as imutáveis leis da natureza, o
Poder onipotente que lançou planetas inúmeros, estrêlas e vias
lácteas na vastidão do espaço imensurável. E* o Arquiteto do
maravilhoso universo e do coração, da inteligência e da alma
do homem. “Nêle, diz S. Paulo, vivemos, nos movemos e exis­
timos” (At 18, 28) Criou o Universo e conserva-o pelo seu
infinito poder. Criou o homem à sua imagem e semelhança
e dotou-o de entendimento e vontade livre. Deus é infinitamente
poderoso e infinitamente sábio.
De Sua vista, que tudo abrange, nem uma só ave escapa.
Êle é o Ser cujo centro está em tôda parte e cuja circunfe­
rência se não encontra em parte alguma. “Sua medida, lem­
bra Sofar a Job, c mais comprida que a da terra e mais
larga que a do mar” (Job 11, 9).
“O corpo de Deus, disse Platão, é a Verdade e a luz, sus
sombra”. Êle ó o Alfa e ômega, o princípio e o fim de todas
as coisas; o nosso Pai celeste, em Quem a verdade, a justiça,
a misericórdia e o amor abundam plenamente.
A pêlo à razão
Será então evidente a existência dêste Ser Supremo? Ao
apresentar tal evidência, que é múltipla, apelaremos não para a au­
toridade da Bíblia ou da Igreja, mas para o tribunal da razão hu­
mana. Se, ocasionalmente, citarmos um autor das Escrituras ou um
Padre da Igreja, apresentá-lo-emos não como escritor inspirado
ou infalível, mas como testemunha cujo depoimento colocamos
no tribunal da razão.
Em nossa exposição assentaremos na validade apenas de
dois princípios fundamentais: a capacidade da inteligência hu­
mana para conhecer e a lei ou princípio de causalidade. Êstes
não necessitam de ser demonstrados e, de fato, não o podem ser,
pois são evidentes e brilham em sua mesma luz.
Assim, a investigação de Kant acêrca da capacidade da
razão para conhecer, explanada na Crítica da Razão Pura,
estava destinada a falir — fôsse qual fôsse a conclusão a que
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chegasse. Se ele concluísse pela negativa, como conclui, tal re­
sultado seria improducente, visto que o meio usado fôra a razão.
Se concluísse pela afirmativa, tal resultado seria também im­
producente, pois o meio usado fôra ainda a mesma razão
que num e noutro caso era, apenas, clarlssimamente, o objeto
a investigar. Isto seria dar validade à razão e constituiria, por­
tanto, um comêço de postulado.
E* fato assente que devemos começar pela validade dêstes
dois princípios basilares que condicionam toda a investigação
filosófica e científica. Negá-los, é cerrar a porta a tôda a
discussão, e mergulhar no mar sem esperança do cepticismo
universal.
Não perguntaremos ao leitor se é protestante, judeu, ca­
tólico ou descrente. Pedimos somente que êle examine a evidência
sem preconceitos e observe as leis da lógica. Deste modo poderá
evidentemente gravar o veredito no seu espírito e coração.
Com êste espírito de visão rasgada e de boa vontade o in­
vestigador que procure honesta e ardentemente chegar à evidên­
cia e sentir o pêso de sua fôrça esmagadora sôbre a razão,
alcançará os resultados mais lisonjeiros. Esperamos, por isso, que
a nossa exposição aproveitará a todos os investigadores ávidos
da verdade, seja qual fôr a sua fé religiosa ou sistema filosófico.
Há mais dum quarto de século que andamos empenhados na
exposição dêste assunto aos estudantes do curso superior nas
Universidades, onde a linguagem técnica filosófica é corrente.
Aqui esforçar-nos-emos por manter a fôrça do raciocínio, dis­
pensando os têrmos técnicos. O nosso fim será tornar cada fato,
cada processo de raciocínio claros a tôdas as pessoas inteli­
gentes, quer tenham ou nãoformação universitária.
A evidência da existência dum Ser Supremo deduz-se de
muitos princípios: do mundo da matéria inorgânica, dos mun­
dos vegetal e animal e do mundo da vida humana. Conquanto
todos sejam válidos e convincentes, a experiência mostra-nos que
diferentes modos de evidência impressionam diferentemente vá­
rios indivíduos.
Mostraremos, portanto, a evidência de muitos princípios para
convencer todos os leitores e patentear, além disso, como tudo
na natureza, desde o átomo de pó e da rasteira erva até à
estrêla mais distante, proclama a Origem donde promana e
donde traz o inconfundível cunho divino.
Como o búzio reproduz em eco a sonoridade do abismo
donde veio, assim tôda a partícula de matéria no universo, desde
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o grão de areia e da águia voando altaneira nos espaços, até
ao coração palpitante do homem, quando escutada atentamente,
repercute o eco dêsse infinito Poder dc cujo seio criador saiu.
Evidência do Plano
Começaremos com a exposição da evidência que pode dar-
nos maior convicção — a evidência da ordem e da lei na na­
tureza — o que se chama comumente a prova do plano. Em
Filosofia é conhecida como argumento teleológico, isto é, o ar­
gumento arquitetado em volta da evidência dos fins ou planos
na organização da natureza e funcionamento de suas leis.
Assim, quando Robinson Crusoe viu uma pegada na ilha
de Juan Fernandes, concluiu justamente que ela fora deixada
por um homem. O vestígio claro da planta do pé bastou para
convencê-lo de que não fôra deixada por um pássaro ou por
elefante, ou pelo vento e chuva brincando com a areia, mas so­
mente pelo homem.
Se uma pessoa, caminhando ao longo duma praia, encontra
um relógio, concluirá que deve haver um relojoeiro. Por quê?
Porque enquanto olha para o mecanismo do relógio, com suas
molas, rodas, o ponteiro das horas e o dos minutos tão coorde­
nado que êste anda precisamente doze vêzes mais depressa do
que aquêle, sabe que isto não poderia acontecer por acidente
ou mero acaso. A adaptação das partes e a coordenação de
movimentos refletem infalivelmente o trabalho de um agente
pensador, que dispôs tudo para realizar um fim definido e
previsto. Há aqui evidência palpável, fim, ordem e plano de ma­
neira a não dar lugar a incerteza.
Imaginai que íeis dizer a essa pessoa: não vejo bem como
por detrás dêsse pedaço de mecanismo exista um agente in­
teligente. Essas partes são simplesmente um agregado de pe­
daços de metal e de vidro, que foram soldados uns aos outros
pelos ventos do acaso.
A terra, o mar, o vento, o sol, o firmamento, o ar e as
forças cegas da natureza explicam a construção daquele relógio.
Não concluiria êle que vós estáveis a troçar ou éreis lu­
nático? Ou não pensaria antes: certamente não podes esperar
que uma pessoa inteligente acredite num conto tão extravagante.
Até uma criança de seis anos escarneceria de tal explicação
como um insulto à sua inteligência. Há entrelaçado nesse relógio
uma perícia de poder e inteligência tal, que me convence que
ninguém no mundo poderia fabricá-lo, exceto um ser inteligente
conhecedor dos segredos da relojoaria.
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II. 0 RELÓGIO DO MUNDO
Vejamos, agora, o maravilhoso universo onde a nossa terra
é como que um minúsculo átomo. O conjunto revela admirável
ordem e desenho. A nossa terra gira no seu eixo, uma vez em
vinte e quatro horas, dando-nos a noite e o dia. A terra move-
se em volta do Sol, uma vez no período dum ano, dando-nos
com infalível regularidade as quatro estações.
Êste nosso planeta, com suas grandes cidades transbordan-
tes dc milhões de homens, com seus altivos arranha-céus, com
seus vastos empórios de indústria e de comércio, com suas mon­
tanhas, rios e vales, projeta-se através do espaço à velocidade
fantástica de 110 mil quilómetros à hora. E, contudo, rola tão
serenamente, que não perturba sequer uma criança no seu
berço, nem faz estremecer as asas da abelha pousada nas frá­
geis pétalas duma rosa outonal. Tal fato acudiu ao autor, quar
do viajava em avião de Roma para Budapeste. Tratava-se duir
esplêndida aeronave de passageiros, tal como o gênio inventh
do homem pôde construir. Correndo à velocidade de 241 quih
metros, por hora, com música de Viena transmitida suavementv
pela rádio, parecia representar a última palavra da técnica.
Todavia, como era vagaroso, desajeitado e saltitante, com­
parado com o aeroplano da terra que voa, através do espaço,
456 vêzes mais depressa e com tal suavidade que passa des­
percebida aos mesmos passageiros!
As estrêlas movem-se em suas órbitas com uma regularidade
e precisão que envergonham o cronómetro mais preciso, feito
por mãos humanas.
O mais apurado relógio de sol ou de algibeira, fabricado
pelos relojoeiros, atrasará alguns segundos, cada semana, e terá
de ser acertado pelo relógio das estrêlas, como se faz no Ob­
servatório Naval de Anápolis, nos Estados Unidos.
Há, portanto, aqui, ordem, plano, finalidade e desenho que
reclamam, não menos imperiosaraente que o relógio encontrado
na praia, uma causa inteligente e proporcionada. Inevitável é,
portanto, a conclusão: como o relógio exige causa adequada
na pessoa dum relojoeiro inteligente, assim o universo, mui­
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to maior em medida, complexidade de organização e ajustamento
de partes, exige causa adequada na pessoa dum Ser incomparà-
velmente maior em poder e inteligência. A êsse Ser damos o venerá­
vel nome de Deus.
S. Tomás de Aquino apresenta o argumento clássico que
acabamos de citar e ilustrar, nas seguintes palavras: “Obser­
vamos que alguns seres desprovidos de inteligência, como os cor­
pos naturais, agem para um fim (como ressalta do fato de
sempre na maioria dos casos êles operarem do mesmo modo para
chegar ao mais perfeito), donde se deduz que atingem êsse fim,
não por acaso, mas intencionalmente. Ora tais sêres desprovi­
dos de inteligência operam para determinado fim enquanto são
dirigidos por um ser dotado de inteligência: como uma seta que
é dirigida pelo besteiro. Portanto, existe um Ser inteligente por
quem tôdas as coisas da natureza são dirigidas ao seu fim. E
a êsse Ser damos o nome de Deus” (Summa Th., I, q. 2, a. 2).
«Disse o louco»,..
Se desejais obter uma pintura superior à que nos dão os
livros das numerosas galáxias que iluminam, à noite, os nossos
céus com tênues manchas de luz, visitai o Planetário de Chicago
ou de Nova York. Ali admirareis a habilidade técnica de nossos
arquitetos e engenheiros armados da perícia dos astrónomos em
reproduzir, para nós, os corpos celestes que se movem com or­
dem e precisão em suas órbitas respectivas através da inde­
finida imensidade do espaço astral. Apagam-se as luzes do edi­
fício. Depois, no teto, moldado de maneira a representar a
abóbada celeste, milhares de pontinhos de luz aparecem para nos
mostrar o número, o lugar e a distância das estrêlas que en­
chem o nosso firmamento nordeste. Estes pontinhos estão se­
parados, apenas, por algumas polegadas ou frações de polegadas
que representam milhões de milhas. As luzes, na verdade, pa­
recem leves pontinhos, mas representam corpos celestes, diante
dos quais a nossa terra é um anão. O Planetário é um tra­
balho estupendo de argúcia técnica e de gênio empreendedor,
que provoca a admiração de todos os visitantes.
Que pensaríeis da pessoa que, depois de contemplar o quadro
das maravilhas do firmamento, dissesse: este Planetário não
pressupõe um arquiteto inteligente ou um artífice. E* o produto
do acaso, um amontoado de tijolos, cal, cimento, aço, fios elé­
tricos, fusíveis, madeira, tinta, lançados simultâneamente a êsmo.
Não sentiríeis dificuldade em dominar a vossa indignação pe­
rante tão manifesta falta de bom-senso? Decerto diríeis: a dis­
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posição das cadeiras, a forma do teto, a combinação das luzes para
apresentar as galáxias no firmamento revelam evidência clara
de plano e desenho de primeira ordem. Somente um doido diria
que 6 obra do acaso.
Se vós tínheis razão para assim falar, não teríeis muito
mais para condenar rigorosamente á loucura do homem que afir­
masse ser o vasto universo, do qual o Planetário não passa duma
pintura fragmentária, apenas obra do acaso? Decerto, sentiríeis
mais claramente do que nunca a verdade das palavras do
Salmista: “Disse o louco no seu coração: não há Deus” (SI 13, 1).
O grande astrónomo Kirchner tinha um amigo que duvidava
sèriamente da existência de Deus. Sabendo que um simples exem­
plo produziria mais efeitos que um longo discurso, Kirchner fêz
uma esfera e colocou-a no seu gabinete. Quando chegou o amigo
para vê-lo, deu pela nova esfera, e logo lhe perguntou:
— Quem fêz esta esfera?
— Quem?! retorquiu Kirchner, fêz-se a si mesma!
O amigo riu-se a bandeiras despregadas com a gracinha.
— Sim, disse Kirchner: tu ris de tal absurdo e tens razão
Mas seria mil vêzes mais fácil acreditar que esta pequena esfer
se fizesse a si mesma do que essa enorme em que nós vivemo
Imensidade do Cosmos
A noção da imensidade do universo, tal como é revelado
nas descobertas dos astrónomos nas últimas décadas, servirá para
aumentar o nosso espanto e intensificar a nossa reverência diante do
poder infinito e da fôrça do Ser Supremo que atirou com mi­
lhões de mundos para meio do espaço.
Servirá igualmente para dar um conteúdo mais rico às pa­
lavras onipotente e onisciente, que se iam tornando anémicas
no século XIX. Mostrará que os antigos Profetas e Salmistas
falaram sàbiamente quando disseram que Deus é todo-poderoso
e sapientíssimo.
Habituamo-nos, dantes, a imaginar o nosso sistema solar
como contendo grandes distâncias e grandes corpos. Assim, o
Sol dista 150 milhões de quilómetros da terra. O Planêta Jú­
piter tem um diâmetro de 143 mil e quinhentos quilómetros
e poderia acomodar dentro de si 1.400 corpos do tamanho da terra.
Mas hoje sabemos que Júpiter e até o nosso Sol não são
mais que átomos em comparação com outros corpos celestes.
A estrêla mais próxima é a “Próxima Centauri”, a 40
trilhões de quilómetros de distância. Na verdade as distâncias
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são tão gr&ndes que mal podem ser compreendidas em termos
do sistema métrico. Por isso, os astrónomos inventaram uma
nova medida chamada ano-luz, para tornar compreensível a
distância. A luz anda à razão de 300 mil quilómetros, por se­
gundo. Um ano-luz é a distância percorrida pela luz durante
êsse período — 9 trilhões, 460 bilhões e 800 milhões de km.
A luz da Lua chega à Terra em 1 segundo e meio, e a do
Sol em oito minutos. A luz da estrêla Betelgeuse leva mais de
100 anos a alcançar a terra. Tem um diâmetro de 439 milhões
de quilómetros, ou três vêzes mais, a distância do Sol à Terra.
Betelgeuse, contudo, é pequena comparada com algumas das es-
trêlas gigantes da Nubécula Menor que têm diâmetros para cima
de mais de 1609 bilhões de quilómetros. Há muitas estrêlas,
como as Cefeidas, que são 60 mil vêzes mais luminosas que o
nosso Sol.1
Além disso, o número de estrêlas e sistemas solares que
flutuam em volta das regiões do espaço interstelar, parece ser
quase ilimitado. Os milhões e biliões de estrêlas da Via-Láctea
são apenas um tênue fragmento das miríades de mundos que
giram através do espaço. As máquinas fotográficas mais po­
tentes estão contlnuamente captando clarões de novas galáxias
para além da margem mais exterior do universo estelar, prè-
viamente catalogado. O professor Shapley, do Observatório de
Harvard, registou recentemente ilhas universos de estrêlas, lá
para muito longe do principal sistema sideral. Êstes grupos glo­
bulares ficam distantes para cima de um milhão de anos-luz.
Por outras palavras, ficam tão distantes que, a luz andando
à razão de 300 mil quilómetros, por segundo, levaria mais de
um milhão de anos a alcançar a nossa terra.
E tudo aquilo que os astrónomos já puderam descobrir,
talvez não seja senão a orla mais próxima, o vestíbulo dum
universo que se estende com seus planêtas, sóis e estrêlas num
espaço imensurável e sem limites.
Na verdade, o problema da finidade ou infinidade do uni­
verso físico confunde a inteligência dos astrónomos e constitui
problema discutível.
1 Ou Pequena Nuvem de Magalhfles. Quem, pela primeira vez, escolheu
o nome do nosso grande navegador para a Nubécula Menor, foi o célebre
astrónomo, de nacionalidade polaca, Johan Hevellus (1611-1687). Veja-se
a- ésse propósito o Interessante fascículo “Quatrc Mémoires cTActualité
avec dlx gravures: Les Nuages de Magellan” , publicado pelo antigo pro­
fessor do Observatório da Universidade de Coimbra, Dr. F. M. da Costa
Lobo. Coimbra Edltôra, 1943. (Nota do tradutor).
12
Positivamente, a inteligência vacila e sente vertigens sob
o pêso de tão estupendas distâncias, de tais grandezas inima­
gináveis e duma tão espantosa complexidade de miríades d«
mundos que parecem não ter conta.
O sistema solar — Um grão de areia
“Tal é, diz Flammarion, o aspecto grande, esplêndido e su­
blime do universo que gira através do espaço, ante o olhar es­
tupefato e extasiado do astrónomo, nascido hoje para morrer
amanhã, átomo perdido na noite infinita”. “O espírito do ho­
mem, exclama Richter, sente vertigens ante tal infinidade”. Sen­
timento semelhante exprimiu Pascal: “O silêncio dos espaços
infinitos aterroriza-me”.
O lugar da nossa terra no sistema solar é, pois, o dum
planêta anão revoluteando cm tôrno duma estrêla anã. Simples­
mente um átomo de pó flutuando na extensão do espaço ilimitado.
0 eminente astrónomo inglês Sir James H. Jeans ajuda-nos
a fazer alguma idéia da imensidade assombrosa do universo e
da pequenez da nossa terra, com a seguinte comparação: “Pa­
ra fixar nossas idéias, imaginemos, diz êle, embora isto seji
pouco ma is que uma sugestão, que os corpos mais remotos d
nosso universo distam de nós 4 milhões anos-luz. I
Podemos, ainda, dar mais realce à nossa sugestão, com
truindo um modêlo de todo o universo na escala de 1609 bilhõei
de quilómetros para 30 cm.
Semelhante redução, compreendida numa tal escala, avalia-
se talvez ainda melhor, recorrendo antes a têrmos de movimento
do que de distâncias.
A luz, que dá a volta à terra, sete vêzes por segundo, ca­
minharia nesta nossa escala, com velocidade inferior à de uma
erva crescendo na Primavera.
Nesta escala representando o universo inteiro por uma es­
fera do tamanho da nossa Terra, a nebulosa da qual o nosso
Sol é membro será uma ilha do tamanho de Yorkshire, enquanto
a grande nebulosa de Andrômeda será um pouco superior à ilha
de Wight, tendo, no entanto, limites mal definidos.
Todo o sistema solar neste modêlo pode representar-se num
grão de areia, se imaginarmos a terra com pouco mais que uma
décima milionésima de polegada de diâmetro, dificilmente maior
que uma só molécula dêsse grão de areia. Tal o universo que
o astrónomo moderno oferece ao cosmólogo para interpretação”. 1
1 Slr H. Jeans, The New Outlook In Cosmogony, ln Annual Report
o! Smlthsonlan Instltutlon, 1926. p. 155 t.
13
«0 firmamento manifesta » . . .
As descobertas dos astrónomos modernos referentes à imen­
sidade e grandeza do universo concorrem, pois, para realçar a
verdade anunciada pelo Salmista, alguns séculos antes da era
cristã: “Os céus publicam a glória de Deus e o firmamento ma­
nifesta as obras de suas mãos” (SI 18, 2).
Igualmente, o autor do livro da Sabedoria, convidando-nos
a contemplar o universo para ver a obra de Deus, declara:
“São vãos todos os homens nos quais se não acha a ciência de
Deus e que pelas coisas boas que se veem, não puderam conhe­
cer aquele que é, nem considerando as suas obras reconhe­
ceram quem era o Artífice” (Sab 13, 1). Idêntica verdade pro-
clamou-a S. Paulo ao dizer: “Na verdade as Suas perfeições in­
visíveis são compreensíveis (Rom 1, 20) depois da criação do
mundo, perante as obras que foram feitas”.
Não menos emocionante é o eco desta poderosa verdade
nas memoráveis palavras de Job: “Pergunta, pois, aos animais,
e êles te ensinarão; às aves do céu, e elas to indicarão. Fala
à terra, e ela te responderá; e os peixes do mar te instruirão!
Quem ignora que a mão de Deus fêz tôdas estas coisas?” (Job
11, 7-9).
Tão sublime verdade que êstes grandes sábios e viventes
desvendaram no firmamento, através dos séculos, encontra eco
nas palavras do cientista Sir Isaac Newton, o primeiro a for­
mular a lei da gravitação- dos corpos celestes: “A origem do
mundo material deve atribuir-se à inteligência e sabedoria dum
poderosíssimo Ser, sempre existente e presente em toda a parte,
que domina, consoante a Sua vontade, tôdas as parcelas do uni­
verso muito mais eficazmente do que a nossa alma domina pela
sua vontade os movimentos do corpo unido a ela”. 2
Do mesmo modo escreve, também, um dos mais eminentes
cientistas contemporâneos, Sir James H. Jeans: “Verificamos
que o universo revela a existência dum poder planeador e do­
minador que tem algo de comum com a nossa inteligência...
e a tendência para pensar dum modo que, à falta de melhor
palavra, podemos dizer matemático”. 3
E' assim que êste astrónomo fala de Deus como do Mate­
mático Divino, cujos pensamentos estão concretizados nas sé­
ries de fórmulas matemáticas e algébricas encontradas num
grão de areia e no pó das estrêlas.*
* Optics, B. m .
* Citado por Arnold Lunn no seu livro "Now I See” , p. 149.
14
■HTO?

III. 0 ÁTOMO DÁ TESTEMUNHO


EarttTs crammcd wlth heaven,
And every common bush aflre with God,
But only lie who sees takes off hls shocs:
The rest slt, round it and pluck blackbarries.
A terra está Impregnada de Céu,
E na própria silva rasteira Deus é chama viva,
Mas só quem vê, tira as sandálias;
Os outros sentam-se à volta e apanham amoras.
Passemos, agora, da consideração do universo que nos as­
sombra com a sua imensidade, à do minúsculo átomo. Porque
do homem se pode dizer que é um istmo entre o mundo dc|
infinitamente grande e o mundo do infinitésimamente pequeno
Grandes são as maravilhas dos céus estrelados, mas os assombros
do mundo submicroscópio não são menos notáveis. O gênio des­
lumbrante de Agostinho percebeu isto, já no século V, quando
escreveu: Deus est maximus in minimis — o poder de Deus
fulge, claramente, nas coisas mais pequenas. Mundos inteiros
pletóricos de vida tumultuam nos vírus não filtráveis — orga­
nismos tão pequenos que não podem ser vistos, fotografados ou
filtrados. Contudo a ciência médica acredita que algumas das
mais importantes sugestões para a solução de muitos proble­
mas da vida e da morte estão fechados dentro de suas dimen­
sões, aguardando instrumentos capazes de penetrar nas suas
profundezas.
Tendo eu tido a dita de entrar em contacto com êste novo
mundo por meio de alguns dos líderes da Física subatômica,
na Europa e na América, incluindo os dois americanos que
obtiveram o Prémio Nobel de física, os professores Robert
Andrews Millikan e Cari Compton, pensei que seria interessante
conhecer a impressão dos leigos e de outros não familiarizados
neste campo com suas maravilhosas descobertas.
— Pensas tu que as partículas do cachimbo, que estás a fu­
mar, se encontram estacionárias ou em movimento? — Pergun­
tei eu a um culto estudante de Literatura inglêsa, Joseph
Whitney, assentado no meu quarto do Salão de Campion, na
Universidade de Oxford.
15
Joseph olhou atentamente para o silicato de magnésia do
seu cachimbo e, depois de esfregar os dedos com cuidado sôbre
a haste e a concavidade, respondeu: — Creio que as partículas
do cachimbo estão inteiramente imóveis, mas as partículas de
fumo que dela saem, estão em movimento.
— Bem, respondi, prepara-te para uma surprêsa. As par­
tículas, que formam o cachimbo, são “eléctrons” e “prótons”;
os “eléctrons” estão continuamente em movimento à volta dos
“prótons”. Já te disse bastante. Mas, agora, vê lá se és capaz
de saber quantas voltas dão, por segundo, os “eléctrons” em
. roda dos “prótons”.
— Se por acaso se movem, respondeu Joseph, dão, talvez,
umas doze voltas.
— Ah! sim ... pois então prepara-te para a grande sur­
prêsa da tua vida. Os “eléctrons” do teu cachimbo giram em
tomo de suas órbitas atómicas para cima de milhares de mi­
lhões e milhões de vêzes por segundo.
— Nessa é que eu não acredito, respondeu êle abrupta­
mente. Isso é asneira por certo. Nem Gertrude Stein a falar
de física. Ou talvez, acrescentou ironicamente, algum dos seus
■ ísicos tivesse lido Finnegan*s Wake de James Joyce ou Alice
Vonderland de Lewis Caroll, esforçando-se por excedê-los.
— Pois bem, Joseph Whitney, olhando para o teu cachim-
X) de silicato de magnésia, apalpando-o e encontrando-o sem­
pre imóvel, podes não acreditar nisto. Mas os físicos pedem-
nos que acreditemos como num fato positivo da Ciência. Ci­
entistas notabilíssimos, como Millikan, Pupin, Eddington, Jeans
e Compton, dizem-nos que foi descoberto um novo e completo
mundo subatômico de maravilhosos mistérios.
O átomo foi dividido em “prótons” e “eléctrons”. Todo o con­
ceito de matéria se revolucionou. Em vez da matéria feita de
partículas duras e inertes, como o homem da rua ainda pensa,
a Ciência mostra-nos tais constituintes infinitesimais num es­
tado de vertiginosa atividade. Considera-se o átomo como um
pequeno sistema solar. Em volta do núcleo central de eletrici­
dade positiva, chamado “próton”, giram os “eléctrons” como pla-
nêtas em volta do Sol. Os movimentos, contudo, não seguem
aparentemente determinado caminho ou órbita.
Se bem que o átomo é tão pequeno que resulta invisível a
olho nu, a Ciência mediu a velocidade dêstes “eléctrons” e diz-
nos que êles se movem numa órbita de menos de um milioné­
simo de uma polegada de diâmetro, mais velozes que um aero­
plano ou uma bala saída dum revólver. Assim o “eléctron” co­
16
mum gira em volta do núcleo central alguns milhares de milhões
o milhões de vezes, cada segundo, com uma velocidade de cen­
tenas dc milhas por segundo. Esta espantosa velocidade, maior
que a dos planêtas ou mesmo a das estrêlas, realiza-se apesar
da câmara infinitèsimamente pequena em que êle está encar­
cerado — precisamente menos do que uma milionésima de po­
legada de diâmetro.
O homem — como a Ciência o vê
Efetivamente todo o conceito da matéria sofreu tremenda
mudança com as descobertas da física nuclear. Em vez dum
muro formado, por exemplo, duma massa sólida sem buracos ou
fendas entre as pedras, falam-nos, agora, os físicos de inúmeros
orifícios mais semelhantes a arame farpado.
Assim, tôda a matéria, até os metais mais duros, é atraves­
sada por fendas que ocupam maior quantidade de espaço do
que as partículas de matéria que estão em constante veloci­
dade semelhante à do relâmpago.
— Quanto pesas? perguntei a Milt Piepul, um dos mais altos
estudantes de Notre Dame, e fortíssimo back da equipe d<
futebol.
— Duzentas e vinte libras, respondeu.
— E quanto tens de altura?
— Seis pés e duas polegadas.
— Bem, se fosses compactamente unido de maneira a eh
minar todos os espaços vazios do teu corpo e cabeça — não
digo tolice, acrescentei imediatamente ao ver o riso sarcástico
do estudante — quanto terias de comprimento?
— Não creio que haja lugar algum de importância vazio
no meu corpo, retorquiu Milt, e sei que não há nenhum na minha ca­
beça. .. Mas, se me apertassem completamente, talvez pudesse
ser reduzido, mais ou menos, a 1,77 m.
— Então, prepara-te para nova sensação, adverti eu. Nesse
caso, ficarias reduzido a cerca de um átomo de pó tão minúsculo
que seria invisível a olho nu.
O estudante riu-se abertamente perante tão incrível afir­
mação e tão ridículo depoimento. A reação de Milt fôra idên­
tica à do meu amigo de Oxford.
— Não acredito, disse Milt, sou de Missouri, acrescentou,
e primeiro há de provar-me isso. '1
1 Leve Ironia; os habitantes do Estado dc Missouri têm-se conta de
prudentes c pouco atreitos a crendice. (Nota do Tradutor).
Deus Existe? — 2 17
— Não faças caso das minhas palavras, observci-lhe. Mas
lê a exposição dum dos físicos mais eminentes da Inglaterra,
Arthur S. Eddington, da Universidade de Cambridge. Lê a pri­
meira página do livro que fêz sensação The Nature of the
Physical Universe. E passei-lhe o livro aberto.
Tem a palavra a Ciência
Milt leu: “Ao comparar o universo, tal como hoje o supo­
mos, com o universo que antigamente imaginávamos, a mudança
mais impressionante não está na rcdisposição do espaço e do
tempo por Einstein, mas na dissolução de tudo o que julgáva­
mos de mais sólido num minúsculo grão de pó que flutua no
vácuo. Isto causa enorme surprêsa àqueles que pensam que as
coisas são mais ou menos como se apresentam. A revelação do
espaço atómico, tal como no-la apresentam os físicos modernos,
é mais desconcertante que a revelação do imenso espaço interstelar
de que nos fala a Astronomia. O átomo é tão poroso como
o sistema solar. Se eliminássemos todos os espaços por preencher
no corpo humano e reuníssemos seus “prótons” e “eléctrons”
numa só massa, o homem ficaria reduzido a uma particulazinha
'òmente visível com uma lupa”.
A ciência exige que tomemos como fatos reais estas afir-
íações que os antigos por nenhum raciocínio aceitariam.
Que mundo de quase infinitas possibilidades se encerra numa
pequena partícula de matéria, à espera duma mão hábil que as
liberte da escravidão! Considerai a energia contida num pedaço
de carvão mais pequeno que uma ervilha. Jeans afirma, como
fato científico, que se tôda a energia atómica existente num
pedacito de carvão pudesse ser desintegrada, seria suficiente para
manter numa viagem de ida e volta através do Atlântico o
grande paquête Mauretânia!
“Se a energia latente só numa libra de carvão, diz êle, pu­
desse ser utilizada totalmente, bastaria para abastecer em tôda
a Inglaterra e durante quinze dias, as cozinhas, fábricas, com­
boios, centrais elétricas, navios e tudo o mais”. 1
À luz destas descobertas da Física moderna, uma partícula
de pó e um grão de areia tornam-se mundos pletóricos de ma­
ravilha e mistério.
Num grão de pó tão pequeno, que nem possa ver-se à vista
desarmada, há mais partículas do que habitantes em todo o
planêta. E movem-se em suas órbitas atómicas tão silenciosamente1
1 Jeans, The Universe Around Us, p. 181.
18
que nem se podem ouvir, e com uma velocidade tal que causa
vertigens à imaginação!
A Ciência, com seus tremendos “Ciclotrons” ou esmagadores
do átomo, poderá ocasionalmente desintegrá-lo. * A Ciência não
pode, ainda, penetrar profundamente nos segredos do átomo
para assim esquadrinhar o labirinto de leis que vão desde o
seu núcleo até às mais longínquas miríades de estrêlas. Estas
leis mantêm todo o vasto universo unido e firmam as estrêlas
em suas órbitas, tal como num fio, a dona de casa estende ao
vento e segura a roupa da família.
Tanto quanto a Ciência conseguiu entrar na profundeza do
átomo, topou com uma rede incrível de leis.
Na verdade, o arranjo molecular dum grão de areia exige
conhecimento das mais altas matemáticas, que poucos homens
possuem.
As investigações de Jeans sobre os últimos constituintes dos
elementos levaram-no a conceber uma partícula de pó como uma
longa série dc símbolos algébricos. Aprenderá jamais algum
homem matemática suficiente para desvendar perfeitamente a
fórmulas algébricas escritas no âmago duma partícula de *
ou num grão de areia? Só o tempo o pode dizer.
Mas, se o consegui mios, é quase certo que estas descoberl
abrirão a porta a um mundo ainda mais amplo de maravilhas
mistérios que tôdas as descobertas levadas a efeito no passadv
«Descalça as sandálias» . . .
Certa ocasião, o Dr. George L. Clark, professor de Química
dos Raios-X, na Universidade de Illinois, e grande autoridade
mundial nesse ramo, projetou sôbre o “écran”, por meio dos
3 O autor fala sòmente, da desintegração ocasional do átomo, em
virtude do seu grande livro, DEUS EXISTE? ter sido publicado em 1942
e, portanto, antes da descoberta da bomba atómica, que velo abonar as
afirmações dos cientistas sôbre a estrutura do núcleo atómico e a fonte
do tremendo poder nêle encerrado. O Govêrno dos Estados Unidos gastou
dois biliões de dólares em desvendar os segredos da energia atómica,
cinco milhões de vôzes mais poderosa que o TNT. A Universidade católica
de Notrc Damc, das mais célebres da América do Norte, sobretudo pelas
suas cadeiras de Ciência e Matemática, que Inventou,há muitos anos, a
borracha sintética e conta professôrcs insignes, como o Dr. Bernard Waldeman
e Waldemar Gurian, concorreu bastante para a Invenção da bomba atómica;
a descoberta mais sensacional depois do fogo, como lhe chamou certo
sábio Inglês.
Nestes trabalhos sallentou-se Llse Meltner, extraordinária figura de ci­
entista. Oriunda de Viena, católica fervorosa, Llse Meltner foi recentemente
proclamada, em Washington, a mulher número um de 1946 pela Sociedade
da Imprensa das Mulheres. Por seu turno, a Noruega elegeu-a membro
da Academia das Ciências de Oslo. Recebeu esta distinção por ter sido
a primeira, com os seus valiosos trabalhos sôbre a estrutura do núcleo
físico, a prever a hora da Era Atómica. (Nota do Tradutor).
2* 19
I
Raios-X, uma partícula de fuligem. Lembro-me ainda da atitude
- de pasmo e admiração que espontâneamente tomaram os meus
estudantes ao contemplarem a beleza e simetria dos agrupamentos
moleculares exibidos. Como blocos de neve que desenhassem na
janela figuras geométricas de notável simetria e maravilhosa
diversidade, assim aquelas figuras pareciam hirtas peças de
gloriosa arquitetura.
Na verdade, dentro da partícula de fuligem que o homem
sacode desdenhosamente de sua luva branca, há tal perfeição de
simetria na disposição das moléculas e tal concretização de ri­
gor matemático, que o Taj Mahal da índia ou a Basílica de São
Pedro em Roma, comparadas com êle, parecem brinquedos de
criança. Precisamente porque o cientista penetra ainda tão pouco
nas profundezas insondáveis e misteriosas duma partícula de
matéria, permanece de olhos reverentes e de cabeça descoberta
diante dela ou dum grão de areia. Como Moisés diante da sarça
ardente, também êle ouve a voz dizer-lhe: “Tira as sandálias,
porque o lugar onde estás é santo” (Êx 3, 5).
Para êle, não há barro vulgar. Porque toda a partícula de
matéria é resplandecente de milagre e de mistério e canta um
hino de homenagem ao Poder infinito de cujas mãos criadoras
saiu.
Antigamente, apelava-se para' o firmamento recamado de
estrêlas como evidência dum Ser Supremo. Tal apêlo aumentava
em cada novo avanço da astronomia, que hoje intensifica nosso
respeito e nos enche de assombro ao olharmos para as mara­
vilhas do firmamento. Não menos inspiradora é a evidência da
Suprema Inteligência nas galáxias, sistemas solares e ilhas uni­
versos que flutuam em volta das profundezas misteriosas duma
partícula de pó. No recesso dum grão de areia em rotação ver­
tiginosa parece haver mais partículas do que há de cometas,
planêtas e estrêlas em todos os céus. No firmamento algébrico,
multicolorido de uma partícula de pó pode haver mais sím­
bolos geométricos e fórmulas matemáticas do que jamais se es­
creveram em todos os nossos livros.
Na verdade, o mundo dos infinitesimalmente pequenos não
é menos admirável que o mundo dos infinitamente grandes.
Nem nos fala de modo menos persuasivo nem menos eloquente
dum Supremo Senhor do Universo.
“Em tudo o que é grande e minúsculo, como diz o poeta
Cowper, descobrimos passos evidentes do Deus que dá brilho
às asas do inseto e assenta Seu trono sôbre os mundos rolantes”.
20
IV. 0 TESTEMUNHO DA VIDA
"Se contribuí para a Biologia com alguma
coisa que ]u!go de valor permanente, foi
com ter dito que tudo na Natureza obe- *
dece a um fim”. Henry Fairfield Osborn
Até aqui apresentamos a evidência da existência de Deus
pela ordem e plano do mundo. Os exemplos foram, por isso, ti­
rados exclusivamente do mundo inorgânico. Mais impressionan­
te e maravilhosa, todavia, é a evidência de plano no mundo da
vida. Entramos, assim, numa categoria mais alta do ser, onde
a matéria revela não só o império da lei física mas também
o da lei biológica. Por outras palavras, a matéria viva dilata
se através dum reino mais alto, pois cresce não só por aumenb
mas também por inluscepção, isto é, toma a matéria exten
sem vida e transforma-a no seu protoplasma vivo. Assim se i
solve o enigma que, desde tempos imemoráveis, iludia a int
ligência humana. Assim se levanta a ponte misteriosa que trani
põe o abismo que tinha impedido os esforços do homem de pas­
sar da matéria sem vida para o domínio da vida. Como encon­
trou a matéria essa ponte? Como continua ela a encontrá-la,
quando ilude os mais potentes microscópios nas mãos dos nossos
mais sagazes cientistas?
“Que inacreditável entretecido de circunstâncias, pergunta
Bruce Bliven, trazia a primeira célula para os átomos de tais
substâncias, como hidrogénio e oxigénio?” 1
Não admira que alguns sábios a quem êle entrevistou, ou­
vissem a tal pergunta como uma das mais complicadas de
todos os mistérios da ciência.
No mundo vegetal o processo pelo qual a clorofila da
fôlha utiliza a luz solar para lançar na atmosfera o bióxido de
carbono, retendo o carbono para o seu mesmo plasma e resti­
tuindo o oxigénio à atmosfera, chama-se Fotossíntese. Depois
de aprenderem o modo rigoroso de tal processo, receamos que
muitos estudantes se precipitem, sem jamais considerar o signi­
ficado teleológico desta ação.
1 The New Republic, 17 de novembro, 1941, citado pelo Reader's
Digest. Dezembro, 1941.
21
0 têrmo fotossíntese formado por duas palavras gregas,
photos, que significa luz, e synthesis, que significa união, indica
simplesmente que Sol tem alguma coisa a fazer no processo de
reunião. Contudo, não lança sequer um raio de luz sôbre o pro­
blema essencial: como é, então, que a clorofila utiliza os raios
solares para efetuar a complexa operação química, pela qual um
elemento inorgânico se converte em matéria viva?
Qual a técnica que as moléculas da clorofila levaram a
cabo — a técnica que os maiores cientistas do mundo são in­
capazes de descobrir ou reproduzir? Qual o princípio que rege
as moléculas na sutil técnica de transpor o gôlfo entre o mundo
da matéria inanimada e o da vida, que até hoje tem confundido
com todos os seus conhecimentos acumulados em milhares de
laboratórios os maiores químicos do mundo? Se tal ação é mera­
mente uma atração química, por que se não realiza quando a
luz cai sôbre a clorofila duma erva separada das raízes?
Demos mais um passo na nossa investigação, pois ilações
de profundo significado estão ainda para ser deduzidas. Mos­
trei uma erva a um eminente bioquímico duma grande univer­
sidade e disse-lhe: “Analise-a e diga-me todos os elementos de
que se compõe”. Levou-a êle a decompor no seu laboratório,
e, depois de ter analisado todos os componentes, respondeu-me:
“carvão, nitrogénio, hidrogénio, oxigénio, ferro, clorino, fósforo,
sódio, potássio e Silicon”.
— Muito bem, prossegui, reúna agora êstes elementos inor­
gânicos, outra vez, de tal modo que êles realizem o processo
fotossíntese, a ação rudimentar de tôda a vida vegetal.
— Oh! isso é impossível! Nem eu, nem todos os químicos
do mundo (reunidos com todos os nossos maravilhosos instru­
mentos) podemos fazer tal coisa.
— Não é você tão inteligente como os seus colegas?
— Sim. Pelo menos tenho-me nessa conta, acrescentou com
um sorriso.
— Mas, não são desprovidos de inteligência os elementos,
carvão, hidrogénio, nitrogénio e todos os demais que compõem
uma erva?
— De acordo.
— Por que não pode, então, Você, com tôda a sua inte­
ligência e experiência recebida de todos os químicos do passado,
fazer o que êstes elementos químicos desinteligentes executam
com prontidão, regularidade infalível e precisão matemática?
22
— Oh! respondeu-me, decerto algum princípio os guia na
realização dessa complicada ação bioquímica.
— Algum princípio? Que entende por isso?
— Algum Podér, alguma Inteligência, ou como V. quiser
chamar êsse princípio.
— O nome exato dêsse poder é, penso eu, o Autor da Na­
tureza, o Senhor do Universo, a Suprema Inteligência que in­
fundiu em tôdas as partículas da matéria existentes no uni­
verso, quer elas sejam orgânicas ou inorgânicas, as leis que as
regem nas suas operações desde o redemoinho velocíssimo dos
"eléctrons” e “prótons” numa partícula de pó e numa erva até
aos movimentos das estrelas e das galáxias que flutuam na
extremidade do universo.
«Um passo adiante»
— Mestre, prossegui eu, gostaria de dar mais um passo
adiante na nossa investigação. Você admite que há um princípio,
um poder, uma inteligência que rege os elementos desinteli-
gentes duma erva, como solução do mistério que transforma a
matéria sem vida em matéria viva. Do seu estudo da natureza
é V. forçado a crer que êsse princípio trabalha arbitràriamente
ou segue o caminho duma lei definida?
— Consoante as investigações feitas pelos cientistas em
todos os campos da natureza, é nossa convicção que tôdas essas
operações seguem leis definidas. Nada acontece por mero acaso.
— Mas, não reclamam as leis a necessidade dum legislador?
Pôde haver uma lei sem um legislador? Se V. estiver numa en­
cruzilhada a ver os carros deslizando velozmente ao longo da
avenida e parando todos, quando a luz de sinalização brilha
vermelha e prosseguindo logo, quando a luz é verde, não con­
clui que há uma lei que assim lhes manda agir?
— Sim, retorquiu o cientista. Uma lei supõe um legislador.
Mas, aqui, começa V. a sair do campo da ciência para entrar
no da filosofia. Um cientista limita-se à matéria, à energia e
às leis do seu funcionamento.
— Com efeito, assim é, disse-lhe eu. Mas quantos cientistas
há que não observam os limites que V. tão corretamente indica
e que investem a pontificar nos campos da Filosofia e Teologia
para os quais de modo algum estão preparados?

23
Conclusão inevitável
i

Não vos esqueçais de notar que todos os pontos das nossas


conclusões são tirados da ciência, designadamente que os ele­
l mentos desprovidos da inteligência, como o carbono, o nitrogé­
nio e o hidrogénio duma erva resolvem infalível e ràpidamente
a complicada operação bioquímica de converter a matéria inor­
gânica em protoplasma vivo. Eis uma operação que transcende a
capacidade dos nossos mais insignes químicos de reproduzir. Por­
tanto, compelidos pelas leis da lógica temos de dizer que se
revela aqui o trabalho dum Poder, duma Inteligência, dum Le­
gislador que muito ultrapassa o gênio do homem. Quer seja­
mos simples leigos, quer cientistas ou filósofos, somos levados
a tal inevitável conclusão pela fôrça esmagadora da lógica.
$ Equivale isto a dizer que qualquer cientista, filósofo, como qual­
'■ 'i quer pessoa inteligente, admite que todo o efeito deve ter uma
causa adequada e proporcionada. Evidentemente, tal causa não
pode ser nem carbono, nem hidrogénio, nem outros elementos
químicos que por si mesmos são essencialmente desinteligentes.
Portanto, as complicadas operações que êles realizam ao resolver
um problema que transcende o gênio do homem, revelam a exis­
tência de uma causa adequada dum Poder mais alto, duma In­
teligência, dum onipotente Legislador que sustém todo o vasto
universo, desde a erva até à mais remota nebulosa sujeita ao
poder de Sua lei que tudo rege. Êsse Supremo Legislador do
universo é essencialmente o que nós entendemos por Deus.
Por agora, observemos que a existência dum Ser poderoso e
inteligente se evidencia no emaranhado de leis que dominam os
movimentos dos “eléctrons” e “prótons”, numa partícula de pó,
como nas que regem as partículas da matéria numa erva quan­
do da reação química da Fotossíntese.
Quem, por conseguinte, sabe ver um grão de areia ou uma
erva, descobre ali sinais evidentes do poder e da sabedoria do
Altíssimo.
As sutis e misteriosas leis a que os “eléctrons” obedecem na
resolução de problemas que transcende a nossa inteligência, dir-
se-ia serem pensamento concretizado do Grande Naturalista e as
formas algébricas do Divino Matemático a Quem a humanidade
chama pelo venerando nome de Deus. Como muito bem disse
Wordsworth:
To me the meanest flower that blows can give
Thoughts that do often lie too deep for tears.
24

lii
“A flor mais humilde que desabrocha, pode despertar
cm mim pensamentos demasiado profundos para se
traduzirem em lágrimas”.
Joyce Kilmer realça a conclusão que todo o homem inteli­
gente é forçado a tirar quando penetra profundamente nas ma­
ravilhas da natureza nestas memoráveis linhas:
Poems are made by fools like me,
But only God can make a tree.
“Qualquer doido pode criar poemas como os meus,
Mas uma árvore — só Deus”.
Tennyson, de igual modo, compreendeu que o universo as­
senta sôbre a complexidade das leis de Deus, que tudo abraçam.
Se pudéssemos penetrar inteiramente na rêde misteriosa e
insondável de leis dum só ser, veríamos, então, Deus e compre­
enderíamos o homem, a natureza e Deus. O poeta deu reiêvo
admirável a esta sublime verdade, quando ao passar através
da floresta, contemplou uma flor que desabrochava na fenda
dum muro, e que êle assim interpelou:
Flower in the crannied wall,
I pluck you out of the crannies,
I hold you here, root and all, in my hand,
Little flower — but if I could understand
What you are, root and all, and all in all,
I should know what God and man is.
“Florinha que arranquei da fenda de muro arruinado e
me cabes inteirinha na mão — raiz e tudo. Pudesse eu
compreender o que és — raiz e tudo — e saberia o
que é Deus e o homem”.
O cientista, o poeta, o filósofo e o teólogo podem fazer
suas estas palavras do poeta. O grande cientista Robert Andrews
Millikan exprimiu o mesmo pensamento quando descreveu as suas
pesquisas acerca dos raios cósmicos da estratosfera como “o dedo
de Deus”. 1
1 The Literary Dlgcst, 24 dc janeiro, 1931, p. 27.
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V. A ABELHA MARAVILHA 0 ESPECTADOR
The pedigree of honey
Does not concern the bee;
A clover, any time, to hlm
Is arlstocracy.
“A genealogia do mel não Interessa à
abelha; em qualquer momento lhe basta
a aristocracia da humilde flor do trevo” .
, Emily Dlcklnson.
For so work the honeybees,
Creatures that by a rule in nature teach
The act of order to a peopled kingdom.
They have a king and officers of sorts,
Where some, like magistrates, correct at home.
Others, like merchants, venture, trade abroad,
Others like soldiers, armed in their stings,
Make boot upon the summei^s velvet buds,
Which pillage they with merry march bring home.
‘‘Assim labutam as abelhas do mel,
Seres que por uma lei da natureza
Ensinam ordem ao mais populoso reino:
Têm um soberano, funcionários vários,
Dos quais uns são magistrados que em casa mandam;
Outros tais mercadores aventureiros, lá vão para longe traficar;
Outros ainda, armados de ferrão, partem como soldados
A saquear as aveludadas flores de verão,
E regressam depois com a prêsa, em marcha alegre”.
Shakespeare, Henry V, Act I Scene 2.
Podíamos ficar por aqui, certos de que a evidência, apre­
sentada até agora, revela clara e insofismàvelmente um Ser Su­
premo, em cuja inteligência e poder encontramos a única expli­
cação racional da maravilhosa ordem e plano patenteados atra­
vés do universo desde a erva à estrêla mais longínqua.
Desejaríamos, todavia, arraigar o fato da existência de
Deus tão profundamente nas inteligências dos nossos leitores,
que a sua presença fosse tão palpável como as cadeiras onde nos
sentamos e tão luminosa como o sol no firmamento ao meio-
27
dia. Exporemos ainda a evidência de plano no reino do instinto
animal.
Quem tiver contemplado um pássaro construindo seu ninho,
de certo presenciou interessante manifestação de plano, fim e
ordem que existe nas ações instintivas dos animais. Vêde, por
exemplo, um pintarroxo que, pela primeira vez, faz o ninho
para nele aquecer seus filhinhos.
Como sabe êle que é preciso um ninho? Quem lhe ensinou
a arte de o construir? E que maravilhosa obra: construir com
material tão inconsistente, como a erva e a palha, um ninho que
resiste às trovoadas e ventos que possam ameaçá-lo?!
Quem obriga a galinha a ficar como prisioneira sôbre seus
ovos durante vinte e um dias, apenas os deixando para co­
mer ou beber? O instinto, respondemos nós prontamente. Mas
quem o criou e inoculou no sistema nervoso da galinha de mol­
de a assim proceder tão natural e espontaneamente como engo­
le um grão? Eis uma pergunta feita, raras vêzes ou nenhuma, pelo
cientista. Ela é, todavia, inevitável para quem procure passar
do modo de agir até ao princípio direto dessa atividade e levar
o inquérito para além da rêde das causas físicas até à pri-
neira Causa.
Tomemos o caso da abelha. Insetos, que têm uma vida de
Dmunidade altamente organizada, como as abelhas, vespas e
ormigas, necessitam da mais complexa maquinaria do instinto
>ara a sua organização conseguir sobreviver. Cada membro deve
prestar os mais variados modos de serviço trabalhando pelo bem
da sociedade de preferência ao bem individual. Ainda todas as
partes da abelha recém-nascida não enxugaram e já suas asas
iniciam uma série de atos que durarão tôda a vida. Deixa a
colmeia, vai em busca de flores, no complicado trabalho de lhes
(í: sabe comoo néctar,
extrair e depois de haver percorrido muitas milhas,
regressar à colmeia.
Maraldi afirma ter visto abelhas, que no mesmo dia em que
nasceram, trouxeram para a colmeia grandes bolas de cêra.
Foi o instinto que lhes ensinou que o primeiro trabalho
era construir os alvéolos.
Problema Matemático
Consideremos, agora, o problema que a abelha obreira tem de
resolver para que o seu alvéolo possua o máximo de resis­
tência e de alojamento com o mínimo de material. Para calcular
esta fórmula, os matemáticos devem encarar o seguinte proble­
28
ma: encontrar a construção dum prisma hexagonal terminado
por uma pirâmide composta de três rombos iguais e semelhan­
tes, de tal modo que a parte sólida se faça da mínima quan­
tidade de materiais.
Foi assim que o naturalista francês Réaumur o apresen­
tou ao distinto matemático Kõnig. Tal problema reduz-se a
êste outro: os ângulos dos rombos devem cortar o prisma he­
xagonal de maneira a formarem com êle a menor figura de
superfície. Depois de prolongado estudo, Kõnig calculou os ân­
gulos em 109Q 26’ e 70° 34’. As abelhas alcançaram diferente
solução e formaram os ângulos 109° 28’ e 70° 32\
Quem tinha razão, as abelhas ou o matemático? Cálculo
posterior mostrou que erro ligeiro estava no matemático, ou
melhor, na tábua dos logaritmos por êle usada. As abelhas le­
varam a palma ao distinto matemático resolvendo o problema
com perfeita precisão.
O exemplo é importantíssimo. Mostra com grande relêvo
a maneira imediata e espontânea como o instinto das abelhas
resolve com admirável rigor um problema que a razão impo­
tente, muitas vêzes, hesita em resolver.
A habilidade matemática da abelha obreira não termina
com a solução dêste intricado problema. Penetra ainda mais. A
abelha tem rigorosamente o poder de formar círculos perfeito'
a partir dos centros e cuja distância é perfeitamente igu:
com o centro do círculo desenhado num dos lados do fa’
também equidistante dos centros dos três círculos adjacent
no outro lado. Tal problema nem o homem munido de con
passo e de régua resolve fàcilmente. Contudo, as abelhas lá vã*
para o seu trabalho e resolvem-no com incrível perícia. Como
é isso possível? Mediante o instinto, dizemos nós. Não resol­
vemos, porém, o problema, cobrindo-o com a palavra instinto,
como também não resolvemos a maneira de explicar como a
erva converte a matéria inorgânica em matéria viva, ocultando
o misterioso processo com a palavra fotossíntese. Em ambos os
casos o rótulo encobre não só o processo oculto, mas tam­
bém a nossa ignorância do que realmente ocorre dentro dês-
tes processos. Muitos param aqui e deixam de pôr as rele­
vantes questões: que é o instinto? Que Poder ou Inteligên­
cia criou o instinto e o colocou no sistema nervoso da abe­
lha? Pôsto que a abelha não é dotada de raciocínio, é óbvio que
não podia raciocinar por si mesma e dar a resposta aos pro­
blemas matemáticos e geométricos mencionados. Portanto, os
29
problemas devem solucionar-se com uma Inteligência igual às
dificuldades, e qual a solução que está latente no sistema ner­
voso da abelha para a guiar no seu trabalho. Mais uma vez,
chegamos à conclusão de que o maravilhoso funcionamento d<?
instinto dentro do reino animal, resolvendo problemas difíceis
e complexos com facilidade e prontidão, revela a obra duma
Suprema Inteligência, cujas leis são tão eficazes no mundo da—
vida como no reino da matéria inorgânica.

Um óvulo habilita-se ao « record»


O chlldl O new-born denizcn
Of life's grcat City! on thy head
The glory of the morn ls shed,
Like a celestial benisonl
Here at the portal dost tliou stand,
And with thy llttle hand
Thou openest the mystcrious gate
Into the future undiscovered landi
"Criança! Recém-nascido habitante da cida­
de imensa da vida! Esplende na tua fronte
a glória da manhã qual bOnção celestial.
Els-te junto ao pórtico, e com tua pe-
3uenina mão, abres a entrada misteriosa
o mundo desconhecido do futuro” .
Longfellow.

Se na verdade é impressionante a evidência da ordem, pla­


no e lei no reino da matéria inorgânica e nos domínios da
vida vegetal, muito mais o é ainda no mundo da vida humana.
Aqui, o argumento tirado do plano, surge muito mais forte e
eloquente. “O estudo mais oportuno da humanidade, observou
criteriosamente Pope, deve ser o homem”. Como os montes
Jungfrau e Matterhom pairam majestosamente sôbre as pla­
nícies e as colinas, assim o corpo e a inteligência do homem
estão acima de todos os sêres do universo.
Consideraremos as duas fases do homem — sua origem
num simples óvulo fecundado, quase invisível a ôlho nu, e
sua pessoa completamente formada.
A ação que, desde há muito, me parece ser a mais eston­
teante e maravilhosa, excetuado o domínio do pensamento cons­
ciente, é a ação pela qual uma simples célula se desenvolve
num ser humano perfeitamente completo.
30
Em sua comparação, o trabalho dos nossos engenheiros ao
construir a barragem de Boulder ‘, ao levantarem o arranha-
céus do Empire State de 102 andares, as conclusões dos astró­
nomos ao sondarem o mistério do átomo e ao descobrirem cons­
telações distantes milhões de anos-luz, as maravilhas da Quí­
mica ao inventar a borracha sintética e as meias fabricadas
de milho, — não passam de brinquedos de criança.
Contemplemos, por um momento, esta particulazinha mi­
croscópica do protoplasma e admiremos as maravilhas por cie
realizadas. Uma célula feminina, chamada óvulo, desprende-se
e começa a descer as trompas de Fallópio. E' incapaz de dar
um só passo na sua jornada para a maturidade, se não se unir
a uma célula masculina, o espermatozóide.
Todavia, uma vez fecundada, inicia a marcha majestosa e
ascendente.
Existem, agora, duas células distintas, cada uma proveni­
ente de diversa origem. Nenhuma tem conhecimento prévio da
existência da outra. De per si nenhuma é capaz de se desen­
volver enquanto se não fundir com a outra.
Encerradas dentro dos cromossomos de cada célula estão as ca
racterísticas físicas e psicológicas do progenitor e também <?
seus ascendentes. Quando estas duas células se unem para f;
zer uma só, dá-se a fusão destas duas cargas físicas e ps
quicas. Guardadas, lá muito dentro na profundeza mistérios!
dos cromossomos estão as características psíquicas, como as que
constituem o talento do músico, do artista, do poeta ou do ci­
entista. Como se encontram elas no receptáculo da cromatina
— eis a pergunta que fazemos estupefatos.
Mas passemos ao exame dos efeitos. Essa única célula fe­
cundada começa logo a desempenhar os papéis de físico, quí­
mico, de escultor e arquiteto e a usá-los como um ator que
há muito ensaiou o seu trabalho.
Mediante o sangue do ventre materno ela começa a de­
linear estruturas diversas dos vários elementos físicos e quí-1
1 A barragem de Boulder representa uma das epopélas mais gloriosas
da engenharia norte-americana. Eleva-se a 221 metros acima do leito do
rio Colorado, tem 378 metros de largura, ao cimo, e 200 na base; é
a mais alta barragem do mundo e tem mais volume cúbico do que a
maior das pirâmides do Egito. A fase inicial do projeto foi a abertura
de 4 enormes túneis para desviar o curso do rio. Os operários viram-se
a braços com uma luta titânica contra a natureza, sofrendo, por exemplo,
temperaturas desde 7 graus centígrados abaixo de zero até 50 positivos.
A construção da colossal barragem começou em 1930 e foi acabada em
1935, dois anos antes da data planejada, tendo custado 165 milnoes de
dólares. (Nota do Tradutor).
31
micos, como ossos, músculos, tendões, cartilagens, pele, sangue,
cabelos e dentes. *
E \ na verdade, uma obra prodigiosa — uma dessas obras
que torna, em sua comparação, insignificante o cuidado dos an­
tigos alquimistas em mudar os metais inferiores em metais
preciosos.
Diferentes Antenas — Por quê?
Concentremo-nos, todavia, num dos seus trabalhos — o
do fabrico das células nervosas. Ali na treva do ventre ma­
terno, onde nem luz nem côr jamais penetram, o óvulo fecun­
dado, desenvolvendo-se em embrião, serve-se do material co­
mum e transforma-o em células nervosas, que mais tarde se
adaptarão à luz e à côr. Como realiza isto? Como sabe que
existe a luz e a côr, sem experiência delas? Depois, dêsse mes­
mo material fabrica êle, ali no silêncio do seio materno, ou­
tras células nervosas que se adaptarão mais tarde e, parti-
ularmente, ao estímulo do som. Constrói ainda outras células
ervosas que se adaptam exclusivamente às mudanças da
emperatura.
Êstes diferentes tipos de células nervosas coloca-as em seus
lugares apropriados, à medida que o embrião se vai desenvol­
vendo, terminando pelos órgãos com centros correspondentes no
cérebro. Como é que êsse óvulo fecundado, sem mãos ou ins­
trumentos de qualquer espécie, constrói últimamente células ner­
vosas que se entrelaçam em diferentes espécies de antenas, cujos
pormenores de arquitetura nem os olhos experientes do neuro­
logista munido de microscópio potentíssimo podem reproduzir?
Como explicar que essa partícula de protoplasma forme o
coração e o guarneça duma aperfeiçoadíssima musculatura que
o conservará a impelir o sangue através do corpo em todos
os dias duma vida por vêzes centenária? Como forma os olhos,
em comparação dos quais nos parece rudimentar e tôsca a
mais aperfeiçoada lente fotográfica? Como rasga os ouvidos
que tornam os nossos ditofones uma invenção bárbara e ru­
dimentar? Como realiza êle o milagre, o mistério dos mistérios,
a pedra do remate do mundo biológico — o cérebro do ho­
mem? São perguntas a que nunca demos resposta e, com tôda
a probabilidade, nunca lha daremos a não ser na eternidade.
No entanto, estas perguntas devem enumerar-se para mos­
trar as obras maravilhosas, empolgantes e surpreendentes duma
partícula de protoplasma.
32
Se todos os químicos, físicos, médicos, escultores e cientistas
do mundo fossem capazes de fazer algumas das numerosas
obras que o organismo unicelular realiza, poderiam profetizar
o advento duma nova era na ciência.
A verdade é que o grosseiro dedo polegar da ciência não
pode penetrar nos arcanos do funcionamento duma simples cé­
lula viva, e, muito menos, reproduzir seus milagres.
Desde que essa partícula de protoplasma, um óvulo fecun­
dado, não tem mãos nem pés, ou outros instrumentos a uti­
lizar, nem cérebro a guiá-lo em suas complexas e misteriosas
operações, somos necessàriamente forçados a dizer que os seus
efeitos proclamam a obra duma Suprema Inteligência, cuja
rêde de leis dirige os movimentos de suas moléculas desde a mi­
núscula célula até ao fim da maturidade — um ser humano
plenamente desenvolvido.
•J

fe/'
!- :
fc . .
VI. 0 CORPO I-IUMANO PROCLAMA!
"Wliat a piece of work is man!
How noble ln reason! how infinite in facultyl
in formlng and moving how cxpress and admirable!
in action how likc a God! the beauty of the world!
the paragon of animales!’'
‘'Que obra-prima é o homem! Quão nobre pela
razão! Quão infinito em faculdades! Na forma
e movimentos, quão perfeito e admirável! Na
ação quão semelhante ao anjo! Na inteligência
quão semelhante a Deus! Maravilha do mundo!
Padrão supremo das criaturas!”
Shakcspeare, Hamlet, Act II, Scene 2.
Nenhum tratado do problema da finalidade na natureza
seria completo se não se referisse à maravilhosa organização
do corpo humano, que atinge expressão máxima no córtex ce­
rebral. Se a estrutura e funcionamento dum organismo uni­
celular, tal como a amiba, revela complexidade que ilude o en­
genho dos cientistas, quanto mais espantosa é a complexidad
do organismo humano com seus bilhões de partículas, funcii
nando como um todo unificado? A máquina mais delicada
complexa, alguma vez desenhada por mãos humanas, não pass
de jogo de criança comparada com o corpo humano que poi
si mesmo se repara e reproduz.
E’ consolador ver cientistas tão eminentes, como o pro­
fessor Thompson, declarar categoricamente a conclusão que pa­
rece dimanar do maravilhoso desenho que é o organismo hu­
mano. “O homem, diz êle, é perfeita e maravilhosamente cons­
tituído. Impressiona-nos sempre um invento complexo, tal como
a máquina de compor linotipo, o tear, a máquina de cálculo,
e louvamos o construtor.
Por que não admirar antes a criatura viva que é mais
do que uma máquina? Por que não tributar de preferência
homenagem ao Primeiro Móvel, que deu aos sêres o poder de
se reproduzirem? Eis-nos, pois, ante o emaranhado da vida.
Temos vinte e cinco trilhões de glóbulos vermelhos e quatro
bilhões de glóbulos brancos. Os capilares microscópicos dedu­
zidos por Harvey e comprovados por Malpighi, que ligam o
35
extremo das artérias com as veias, são tão numerosos que, se
os do nosso corpo fossem colocados uns após outros, atraves­
sariam todo o Atlântico, e se nos pudéssemos imaginar uma
gôta do sangue como independente, poderíamos dizer que anda
cerca duma milha por dia.
As células nervosas do córtex cerebral, sede das maiores
operações mentais, pesam apenas 14 gramas e, no entanto, há
nove mil e duzentos milhões delas, entre cinco e seis vezes os
habitantes da terra.
E cada célula é uma complexa e intricada unidade viva
semelhante a uma central telefónica, pois atende chamadas e
põe em comunicação as diversas partes do corpo.
Quão facilmente falamos duma célula e, contudo, ela é
um pequeno mundo! A matéria viva permanece em estado co-
loidal; quer dizer: apresenta uma multidão de partículas amon­
toadas e de pequenas gotas imiscíveis flutuando no líquido e
separadas de algum modo em redemoinhos, de maneira que
várias ações químicas podem dar-se simultaneamente.
Na célula-substância há, em muitos casos, estrias e bas-
tonetes e outros corpos definitivamente formados, que são pelo
menos diversos pelo que diz respeito a coisas minúsculas, como
nitocondria, cromídia e aparelho de Golgi. Em muitas células
mimais existem dois corpúsculos ou centrossomos que desem­
penham importante papel, como os tecelões no tear, quando a
célula se vai dividir em duas. No centro da célula-substância ou
citoplasma, — torvelinhos de refluxos com seus corpúsculos
flutuantes — circula o núcleo — um pequeno mundo!
No interior de sua membrana, através da qual entram e
saem matérias contlnuamente, existem os cromossomos colori­
dos, em geral de número definido para cada espécie. Assim o
número para o homem é, provavelmente, de 48. Mas cada um
destes bastonetes ou cromossomos é composto de microssomos
como contas dum rosário. Começamos a sentir vertigens —
corpo, órgãos, tecidos, células, núcleos, cromossomos, e além
disso, ainda que invisíveis, unidades pequenas. 1
Haverá escapatória possível à conclusão de que a comple­
xidade inaudita do corpo humano com 9 bilhões de células ner­
vosas delicadamente entrelaçadas no córtex cerebral e pesando
somente uns 14 gramas, revela plano e finalidade, e exige, por­
tanto, o atributo da inteligência como sua Causa?
Tal a conclusão ditada não só pelo senso comum da hu­
manidade, mas também pela fôrça organizada duma razão de
1 J. A. Thompson, obra citada, pp. 120-122.
36
ordem superior. Qualquer tentativa para fugir a esta consequên­
cia levaria à negação das leis mais básicas do raciocínio e ao
caos irremediável de todo o universo. O estudo da maravilhosa
organização do universo e do funcionamento de suas leis, como
fizemos nos exemplos citados, revela a natureza como vasto
espelho, que reflete o poder e inteligência duma Suprema Razão.
Vislumbres das obras dessa Razão e do plano divino podem
ser obtidos por todos aquêles que procurem conscienciosamente
decifrar a história escrita nos misteriosos hieróglifos da face
da natureza. Se tal história fôr lida devidamente, a natureza
responderá a algumas das mais profundas questões da inte­
ligência humana.
Tal a verdade atingida por Carlyle quando escreveu: “Nós
falamos do livro da Natureza e, na verdade, ela é um livro,
que tem a Deus por autor eescritor. Para lê-lo, conhece o
homem, ao menos, o alfabeto? Com suas palavras, sentenças
e grandes páginas descritivas, poéticas e filosóficas abertas
através dos nossos sistemas solares, a natureza é um livro es­
crito com celestes hieróglifos, verdadeira sagrada escritura ond<
até os profetas se sentem felizes ao lerem uma que outra linha"!
As linhas que podemos decifrar, narram, contudo, uma his
tória uniforme de plano, ordem e desenho. Tal finalidade es­
culpida no mosaico da natureza — é o Espelho universal pelo
qual a razão descobre uma obra de inteligência e perde o sen­
tido de sua solidão cósmica ao verificar a onipresença perma­
nente da Inteligência no Universo.
Reflete o Divino Legislador
A incessante investigação levada a cabo pela ciência mé­
dica sôbre a estrutura e funcionamento do corpo humano, ten­
do como resultado as novas e contínuas descobertas de segre­
dos anteriormente ocultos, muito longe de diminuir a admira­
ção dos cientistas, antes a aumenta com cada nova descoberta.
Somente quando se trata de obra como a do charlatão, é que
o nosso entusiasmo se dissipa, sabendo do engodo, embustes
e ligeireza pelos quais o fim se alcançou. Mas nenhum estu­
dante, familiarizado com os métodos profundamente realistas
da natureza, jamais a acusou de charlatã.
Deve, no entanto, reconhecer-se isto: apesar de técnica
usada pela matéria inorgânica para se tornar viva nos ter,
até agora, excedido a compreensão, o nosso assombro ante o
poder e inteligência que primeiro deu à matéria forças e fe­
37
cundidade tão notáveis, como se depreende dos hieróglifos a*
história evolutiva, tende a diminuir. Mesmo que o espírito hu­
mano conseguisse, por fim, desvendar o atual mistério da vida
e neste ponto o nosso espanto diminuísse, não cresceria ainda
mais a admiração pelas maravilhas da coordenação de forças
e sincronização dos movimentos de bilhões de “prótons” e
"eléctrons” infinitesimalmente pequenos girando em volta duma
célula de protoplasma, como as estrelas nos espaços infinitos?
Além disso êste triunfo adicional da inteligência humana re­
fletiria visivelmente e dum modo mais eloquente do que nunca,
a inteligência dessa última causa que moldou a natureza com
sua complexa organização e formulou as leis para os proces­
sos do pensamento.
Depois de haver explicado prèviamente as consequências
das deduções de tal descoberta, apressamo-nos em concordar, com
todos os estudiosos, que a vida, hoje, permanece um mistério
tão indecifrável como foi outrora.
Todos os esforços para aclará-los em têrmos de mecânica
e de forças físico-químicas malogram-se profundamente ao pre­
tender explicar o princípio diretriz de suas atividades. Mecâ­
nicas e forças físico-químicas existem sem dúvida. Mas, “êsse al­
guma coisa mais”, essa enteléquia que escapa aos pratos da
balança, que foge à prova dos tubos e se oculta ao micros­
cópio, que permanece tão misteriosa como nos dias em que
Aristóteles, o Estagirita, a procurou, em vão, entre as plantas
e as flores das colinas gregas.
No entanto, podemos, pelo menos, dizer isto com certeza:
os processos misteriosos da vida refletem a obra duma Mente
Suprema, dum Divino Legislador, cujo pensamento se espelha
nas leis que regem os movimentos de cada “próton” e “eléctron”
de toda a partícula de matéria viva ou não viva no universo.
VII. A INTELIGÊNCIA DA TESTEMUNHO
“The proper study of mankind is man” .
“O estudo mals apropriado da humanidade
é o homem” . Pope.

Em nossa última consideração vimos o homem na sua ori­


gem como organismo unicelular e, em seguida, com organis­
mo plenamente desenvolvido. Vimos como o plano se paten­
teia em cada lineamento de sua estrutura e finalidade, em
cada movimento de seu organismo e de tôdas as suas partes.
A nossa atenção fixou-se, todavia, apenas em aspectos mera­
mente físicos.
O lado intelectual é muito mais maravilhoso. Quando che
gamos à razão do homem, atingimos o ápice de tôda a criação
E* o vértice da pirâmide dos valores que se encontram nc
universo. E* ela que constitui a dignidade do homem como per­
sonalidade e a torna ser de valor transcendente.
E’ nas operações de pensamento, especialmente do pensa­
mento abstrato, onde a razão atinge o conceito daquilo que
Platão chama “universais”, tais como verdade, justiça, direito,
despidos de todos os dados materiais ou atributos que encon­
tramos a evidência suprema de plano, fim e desenho. Enquan­
to o universo material, tal como o revela a astronomia mo­
derna, é, na verdade, maravilhoso na sua ordem e assombroso
na sua imensidade, mais maravilhosa é, porém, a razão do
homem que nenhuma escala pode medir, porque transcende as
propriedades da matéria e toca no mundo do espírito. Efe­
tivamente, como é admirável a razão do homem que mede a
periferia de Betelgeuse e pesa estrêlas distantes do nosso pla-
nêta um milhão de anos-luz! Eis a suprema evidência de pla­
no e o argumento máximo da existência de Deus.
O homem é um microcosmo, um pequeno universo onde
se encontram as propriedades do mundo material, do reino
vegetal e animal e do mundo espiritual. Êle é um argumento am­
bulante da existência de Deus, um arauto visível de Sua in­
teligência.
39
Por isso que o homem é a obra máxima de Deus, nós afir­
mamos que ele é o supremo argumento e a evidência clarís­
sima da Sua existência.
Podemos inverter o famoso silogismo de Descartes: “Eu
penso, portanto, existo”, para: Eu penso, portanto, Deus exis­
te. Pois somente em Deus encontramos uma Causa adequada ao
poder misterioso da razão humana. Entre todos os objetos do
universo visível, a razão do homem desfere a nota m ais alta
e mais eloquente ao proclamar a existência dum Ser Supremo,
duma Inteligência Onisciente e dum Deus Infinito, que é, nas
palavras de São João, "o Alfa e Omega, o princípio e o fim
de todas as coisas”.
Assim concluímos a nossa exposição da evidência do plano,
ordem e desenho no universo, demonstrando a existência dum
Desenhador Supremo e dum Infinito Legislador.
A terminar, sintetizaremos assim o raciocínio, resumindo
tôda esta discussão: o universo em todas as suas partes está
ordenado com maravilhosa ordem e desenho. Ora, esta ordem
deve resultar ou da matéria ou duma causa fora da matéria.
Ordem, todavia, é o arranjo conveniente das partes num todo
harmonioso e exige inteligência. Mas a matéria por si não é
inteligente.
Portanto, a existência de ordem e plano do mundo postu­
lam *uma Causa Inteligente, estranha ao universo, e, contudo,
dirigindo pelo Seu Poder e Suas Leis, que tudo abraçam , o
movimento de cada partícula da matéria, é o que nós enten­
demos por Deus. Portanto, Deus existe.
A origem da vida
The life, llke a dome of manycolored glass,
Stains the wliite radlancc of E ternity.
“A vida, tal um zimbório de vidro multi­
color tinge, ao coá-la, a branca luz da
eternidade” . Shelley.
A prova da existência de Deus pode ser deduzida d as des­
cobertas universalmente aceitas de duas ciências diferentes.
Primeiro, da biologia que afirma num de seus m ais ele­
mentares dados que a vida procede somente da vida pre-exis-
tente. Desde as históricas experiências de Pasteur, a velha teo­
ria da geração espontânea ficou universalmente desacreditada.
"Quaisquer que sejam as circunstâncias, declara o eminente bo­
40
tânico Reinke, não podem as forças químicas e mecânicas pro­
duzir um ser vivo”. 1
J. W. N. Sullivan, reconhecido pelos cientistas como abali-*
zado vulgarizador de seus trabalhos, afirma: “Tanto quanto a
ciência tem avançado até hoje, não se aproximou ainda duma
explicação mecânica da vida”. 2
Não menos terminantes são as palavras de Tyndall: “Afir­
mo não existir a mínima prova experimental para dizer que
a vida jamais apareceu independentemente de outra vida an­
tecedente”. 3
Por outro lado, a geologia assegura-nos que houve um
tempo em que a terra era uma massa fundida tão incandes­
cente, que nenhuma forma de vida poderia ter existido nela.
Os restos fósseis de vida aparecem primeiramente nas cama­
das que se formam quando surgem melhores condições de tem­
peratura. Nas rochas vulcânicas, o paleontólogo não pode en­
contrar vestígio de organismos vivos. A ciência afirma igual­
mente que a vida não tem sido encontrada em nenhum outro
planêta a não ser na terra. Portanto, a vida deve ter sido pro­
duzida ou criada por uma Causa Viva, externa ao universo. Maj
um tal Ser Vivo, Superterrestre é substancialmente o qi
nós entendemos por Deus. Por conseguinte, Deus existe. Aq*
está pois, uma demonstração que deve seduzir todos aque
que dizem basear as suas conclusões filosóficas sôbre as d<
cobertas da ciência. Tal conclusão dimana forçosamente d;
descobertas universalmente aceites pela biologia e geologiá
Nem pode o seu valor ser debilitado pela asserção que, em
épocas anteriores, a vida brotou espontâneamente da matéria
inorgânica. Não existe a mínima prova científica para susten­
tar tal hipótese, e é inteiramente contrário à ciência forjar hi­
póteses nem sequer sustentadas por alguma sombra de evidência.
E* tendência unânime do pensamento científico afirmar a
constância, a invariabilidade e a universalidade das leis da
natureza. Além disso, admitida a hipótese de que a vida apa­
receu em velhos “éons” da matéria inorgânica, embora de ma­
neira nenhuma possa ser sustentada, seríamos ainda forçados
a perguntar: Quem a fêz aparecer da matéria sem vida? Como
o mero acaso ou acidente é rejeitado por todos os cientistas sé­
rios, mais uma vez somos levados à nossa anterior conclusão:
que a vida só poderia ser originàriamente produzida por uma
Causa Viva, e a essa damos o nome de Deus.
1 Dle Welt ais Tat, p. 135. 3 Science: A new Outline, p. 196.
3 Citado por F. J. Kocli, "A Manual of Apologetlcs” , p. 19.
41
VIII. CRENÇA UNIVERSAL DA HUMANIDADE
“Father of all in every age,
In every cllme adored,
By salnt, by savage, and by sage,
Jehovah, Jove, or Lord”.
'T al de todos nósl Em todos os séculos
e em todos os climas, adora-te o santo,
o selvagem e o sábio, sejas Jeová, Júpiter
ou Senhor”. Pope.
A razão humana é fundamentalmente uma faculdade digna
de crédito. Por ela discriminamos a verdade do êrro. E* o
instrumento pelo qual esquadrinhamos as leis da natureza, des­
cobrimos fontes de energia e as colocamos ao nosso serviço.
E’ o grande meio pelo qual conseguimos dominar a natureza
e atingimos o atual estado de civilização. Combater a creduli­
dade da inteligência humana, equivaleria a repudiar as desco­
bertas da ciência moderna das quais tanto nos vangloriamos
e orgulhamos. E’ como pedir ao homem moderno que negue a
sua mesma existência, ou dizer-lhe que repudie as descobertas
da ciência ou a credulidade da razão pelas quais semelhantes
descobertas são afirmadas.
E* hoje fato comprovado pelos historiadores e antropologistas
que a humanidade, em todas as idades, em todos os países e em todos
os estágios de civilização, tem acreditado na existência dum Ser
Supremo. Quer a raça ou tribo fôsse civilizada ou selvagem, quer
estivesse em contacto com outras raças ou isolada na treva duma
floresta africana, encontramos sempre a evidência clara e in­
sofismável da crença num Senhor do Universo.
Certamente, podem encontrar-se aqui e ali indivíduos que
duvidem ou neguem a existência dum tal Poder Infinito. São
exceções a confirmar a regra. Esses homens são tão poucos em
comparação da maioria esmagadora da humanidade que não in­
validam a unanimidade moral do juízo da razão humana. A hu­
manidade, em todos os tempos, tem afirmado com unanimidade
moral a existência dum Ser Supremo. Será uma tal convicção
da Humanidade, tão 'profunda e universal, uma ilusão? Se
43
“cinquenta mil franceses não podem errar”, poderá errar tôda
a humanidade? Se fomos dotados de razão para indagar a ver­
dade, poderá o funcionamento dessa razão ter servido apenas
para nos conduzir a uma conspiração gigantesca contra a ver­
dade? Poderia ela ter servido sòmente para iludir a resposta
à mais importante pergunta que a razão humana deve dar?
Responder afirmativamente é combater a credulidade da in­
teligência para conhecer a verdade e mergulhar a raça no
cepticismo universal. Mas, os fatos descobertos pela ciência, as
verdades filosóficas debatidas na bigorna da discussão e na
experiência geral da humanidade de que a nossa inteligência é
luz e não treva, excluem tal conclusão.
Portanto, devemos considerar como válido o argumento da
existência de Deus que dimana do consentimento universal da
humanidade.
Sem exceções
Vejamos, agora, o objetivo e alcance dessa crença. À luz
das investigações sôbre a crença religiosa dos povos primiti­
vos desde meados do século passado, podemos hoje afoitamente
sustentar que nenhuma raça existiu que não tenha acreditado
num Ser Supremo. Têm alguns viajantes, de quando em quan­
do, aludido a certas tribos destituídas de tal crença. Investiga­
ções mais cuidadosas4 levadas a têrmo pelos peritos mais fami­
liarizados com a sua língua e capazes de penetrar o véu que
oculta, por vêzes, tais crenças aos olhos dos estranhos, têm in­
variavelmente revelado a crença num Poder Supremo ou Di­
vindade.
Esta questão, dantes assunto de calorosa disputa, foi já
lançada como escreveu a competente autoridade de F. B. Je-
vons, “para o limbo das controvérsias mortas”. 1 As descobertas
dos investigadores focando o problema sob aspectos diferentes,
como os pi-ofessôres Tylor, Max Miiller, Ratzel, de Quatrefages,
Tiele, Waitz, Gerland, Peschel e o maior de todos êles, o padre
Wilhelm Schmidt, de Viena, concordam em que nenhuma raça,
por muito primitiva que seja, foi encontrada jamais sem cos­
tumes e crenças religiosas.
Se bem que muitos elementos supersticiosos, tais como ani­
mismo, feiticismo, totemismo e magia nêles se encontrem, no
âmago da sua religião subsiste sempre a crença num Senhor
Supremo do universo.
1 Introduction to the Hístory of Rcllgion, p. 7.
44
Quanto ao modo como os diferentes grupos da Huma­
nidade adquiriram a ideia de Deus, nada diremos. A longa
noite que precedeu a história somente iluminada ainda por
débeis clarões, leva-nos a não nos pronunciarmos sôbre as vá­
rias teorias dadas em resposta a tal questão.3
Idêia de Deus
Deve notar-se que podemos ter uma ideia de Deus, digna
deste nome, embora inadequada e deficiente. Assim, a huma­
nidade sempre acreditou na existência do Sol. Contudo, que
bizarras concepções de sua natureza existiram entre os povos
do passado? Que extravagantes noções sôbre ele se encontram
ainda hoje, não só entre as tribos selvagens, mas também en­
tre as nações altamente civilizadas! Abordai, por exemplo,
dez pessoas que passam por vós na rua duma cidade ameri­
cana e perguntai-lhes como é que o Sol aquece e ilumina um
planêta a 96 milhões de milhas de distância. Com tôda a pro­
babilidade não saberão falar-vos de tal distância e dar-vos
uma explicação científica da ação molecular que habilita o
Sol a enviar-nos os seus benéficos raios. Como a opinião po­
pular diverge do modo de ver dos astrónomos! E como êstes,
mesmo entre si, divergem profundamente!
Contudo, seria alguém exato se dissesse que os povos do
mundo não têm, por isso, uma idéia real do Sol? De modo al­
gum. Uma idéia real dêsse corpo luminoso existe na mente de
todos os povos, mesmo quando êles não compreendam tudo
acêrca da sua natureza e operações.
Assim também pelo que diz respeito ao conceito de Deus.
Não é necessário que Deus seja concebido como onipotente,
onisciente ou como Criador. Basta que seja considerado como
o Ser Supremo, a Quem o homem deve homenagem e reve­
rência. Pode haver muita confusão e êrro a respeito dos atri­
butos da Divindade e ainda da maneira de Lhe prestar honra
e homenagem, sem invalidar o conceito que contém a idéia ver­
dadeira da existência dum Ser Supremo.
Platão e Sócrates acreditaram na eternidade da matéria
e sustentaram noções erróneas sôbre alguns dos atributos da
Divindade. Todavia, nenhuma pessoa culta negaria que êles
alcançaram alto conceito de Deus.
De igual modo os povos primitivos podem possuir uma
verdadeira idéia da Divindade, mesmo que não tenham noção da
a Veja-se W. Schmidt, “Orlgln and Growth of Religlon” e G. H. Joyce,
S. J., ^Principies of Natural Theology” , p. 181.
45
universalidade da Sua Providência ou da infinidade da Sua
sabedoria e poder. Nem esta conclusão é de modo algum afe­
tada pelas muitas superstições, crenças e até práticas revol­
tantes que possam coexistir no conceito da Divindade e nos
árduos esforços para conhecer o Seu domínio soberano sôbre
a vida e a morte.
Houve, e há ainda, tribos selvagens que têm estacionado
no seu desenvolvimento e que têm estado sujeitas a longos pe­
ríodos de degeneração. Não admira que as suas práticas re­
ligiosas fossem afetadas e desvirtuadas pelas condições defor-
mantes do ambiente em que viviam, e que os mitos e a magia
se espalhassem entre êles como cogumelos.
11Há duas correntes, observa A. Lang, a religiosa e a mí­
tica que seguem a par da religião. A primeira, mesmo entre
as tribos mais selvagens, é isenta de magia. A segunda, está
cheia de magia, de escandalosas e numerosas lendas. Por ve­
zes esta última encobre completamente a primeira; outras ve­
zes seguem lado a lado, perfeitamente distintas, como na Ética
dos Astecas, comparada com o seu ritualismo sangrento”. 5
A atenção dos viajantes e dos antropologistas tem-se às vê-
zes deixado atrair de tal modo pelas superstições grosseiras e
ritos insólitos que frequentemente obscurecem a religião dos pri­
mitivos, que nem sempre conseguiu desvendar a doutrina central
— crença num Ser Supremo que deve ser reverenciado e aplacado.
Investigações mais apuradas e mais científicas invariàvel-
mente têm revelado essa crença fundamental. Os resultados das
recentes investigações encontram-se perfeitamente sintetizados na
Encyclopedia of Religion and Ethic*s de Hasting, a saber: “A
investigação crescente dos hábitos mentais das raças menos avan­
çadas, hoje existentes, tende a demonstrar que, par a par com
os mitos mais estúpidos, fastidiosos e por vêzes repelentes, existe
quase sempre um alto conceito, embora indefinido, dum Ser bom,
Criador de todas as coisas, Guardião imortal da vida moral do
homem”. *4
«Testemunho das raças civilizadas»
Ao aproximarmo-nos, agora, das raças civilizadas do mundo
antigo, encontramos tão impressionante evidência da sua crença
num Ser Supremo que não há lugar para dúvidas. Entrelaça-se
na sua arte e civilização e encontra-se esculpida nos seus mo­
numentos e túmulos. Efetivamente, ao visitar o Museu do Cairo,
* "Maklng of Religion” , 2* edição, p. 183.
4 Artigo sôbre a Creation.
no Egito, onde se expõem numerosos objetos tirados do túmulo
de Tutankamon, remontando-nos ao alvorecer da civilização do
Nilo, o que mais me impressionou foram os numerosos objetos
que assinalam a crença num Ser Supremo.
Entre os babilónios, a divindade suprema era Marduk; en­
tre os romanos, Júpiter; entre os gregos, Zeus. Nos primitivos
escritos da China, Shang Ti é representado como um ser supre­
mo. Na religião Iraniana, o Ser Supremo chama-se Ahuramazda,
e na dos Vedas, Varuna. No Egito, a divindade principal diverge
conforme a região, tendo cada localidade seu Deus.
A universalidade da crença num Ser Supremo entre as an­
tigas civilizações reflete-se perfeitamente nas obras dos histo­
riadores Heródoto e Plutarco, dos filósofos Aristóteles, Platão,
Cícero e Sêneca e dos poetas como Homero, Hesíodo, Virgílio
e Ovídio.
“Se percorrerdes a terra, observa Plutarco, encontrareis ci­
dades sem muralhas, sem literatura, sem leis, habitações segu­
ras, ou sem moeda. Mas uma cidade destituída de templos —
uma cidade em que não haja orações e oráculos, que não ofe­
reça sacrifícios, para obter bênçãos e esconjurar o mal, jamais
alguém viu”. s
Idêntico o testemunho de Platão: "A terra, o sol e as estrê
las, o universo e a variedade encantadora das estações demons
tram a existência duma Divindade. Até as nações bárbaras fo|
mam um só côro com os gregos ao proclamar esta verdade”. Nol
tra passagem afirma: “Nenhum homem tem persistido, da ji.
ventude à velhice, na opinião de que não há deuses”. *
Aristóteles, “o mestre dos que sabem”, resume assim o as­
serto: “Segundo o parecer de tôda a raça humana, Deus é a
Causa e o Princípio das coisas”. T
Quanto êste argumento da crença universal vale para o antigo
mundo, assim o declara Sêneca: “Habituamo-nos a dar grande
importância à crença universal da humanidade. E’ aceite por
nós como um argumento convincente. Que há deuses, depreende­
mo-lo do sentimento gravado no espírito humano; nem jamais
se encontrou nação alguma, mesmo na noite da lei e da civi­
lização, que negasse a sua existência”. 8 A seguinte inscrição
num dos mais antigos monumentos egípcios prova eloqiientemente
a crença em Deus: “Senhor da vida, da saúde, da fôrça, Chefe
dos Deuses. Nós adoramos teu espírito, o Único que nos criou;
• Contra Coloten., Cap. XXXI.
• Dc Leglbus, Llb. XI.
7 Metaphyslc., II, 11, 820.
• Eplst., CXVII.
47
Nós a quem Tu criaste, Te rendemos graças por nos teres dado
a vida; Nós Te rendemos louvores pela tua misericórdia para
conosco”. *
Testemunho dos modernos
Encerramos a nossa lista de testemunhos com o depoimento
de um dos cientistas mais eminentes da atualidade, Robert An­
drews Millikan. Em virtude de suas vastas relações com cien­
tistas e mestres de outras ciências, está habilitado para falar
com autoridade sôbre outras opiniões atuais acerca do assunto:
"Nunca conheci, declara êle, um pensador que não acreditasse
em Deus.. Afigura-se-me inconcebível que possa existir um ver­
dadeiro ateu.. Parece-me tão natural como a respiração que todo
o homem dotado de sentidos para reconhecer a própria incapa­
cidade de compreender o problema da vida, de saber donde veio e
para onde vai, deve, pela mesma exigência de sua ignorância
e pequenez, admitir a existência dum Poder, dum Ser no Qual
e pelo Qual êle vive, se move e existe. A êsse poder, a êsse
alguém, a essa existência, chamamos nós Deus”. *10
Resumindo: vimos que a crença num Ser Supremo sempre
existiu em tôdas as raças, em todos os países e em tôdas idades,
e existe da mesma maneira universal entre todos os povos atuais. Mas
uma crença tão universal que não pode atribuir-se a uma nação
ou a um conjunto de circunstâncias, deve alicerçar nas rea­
lidades do mundo objetivo. Aliás a faculdade da razão, pela qual
discernimos a verdade do êrro, enganar-nos-ia e constituiria um
tremendo lôgro para tôda a humanidade. Semelhante conclusão
afetaria a validade de todo o nosso conhecimento e mergulhar-
nos-ia num cepticismo universal do qual não haveria possível
saída. Portanto, somos forçados a concluir que a crença de tôda
a humanidade num Ser Supremo, reflete a validade fundamental
da inteligência humana para conhecer a verdade e traduz autên­
ticamente a existência e a realidade objetiva de Deus.
O estudo aturado dêste raciocínio mostrará que não é mera
tentativa superficial alcançar a verdade pelo número de cabe­
ças, mas que se baseia na capacidade fundamental da inteligência
humana para conhecer, e nos fatos registados pela História. Por
isso é uma prova válida e irrefutável da existência de Deus.
• Veja-se "Religion of the Anclent Egyptians, de Hoare.
10 World’s Work, Abril, 1926, pp. 665, 666.
IX. 0 ARGUMENTO METAFÍSICO
“Não tc importes de a cadeia das causas
segundas ser tão longa: o primeiro elo
está sempre nas mãos de Deus” .
Oeorge Lavington
Chegamos, agora, às considerações de caráter metafísico que
demonstram a existência dum Ser infinitamente perfeito. Se
bem que muitos se aterram ante a perspectiva de raciocinar den­
tro dos moldes metafísicos e se consideram incapazes de seguir
a lógica do argumento, de certo ninguém ousará negar que os
argumentos metafísicos alinham entre os mais válidos e indestru­
tíveis para provar a existência de Deus. Exigem, porém, pen­
samento firme e aturada atenção. Não são tão populares comc
os argumentos já apresentados. Não ousaríamos expor o argu
mento metafísico se discutíssemos o assunto com o homem d
rua. Depois de muito têrmos pensado, decidimo-nos a apresenta
uma das provas metafísicas. Chegamos a esta decisão por trêi
motivos. Primeiramente, porque haverá algum leitor dotado de
conhecimentos filosóficos para quem esta ordem de raciocínio
terá assim valor final e conclusivo, mais categórico e absolujo
do que o de outra ordem de evidências.
Segundo porque pensamos que todo aquêle que seguir cuida­
dosamente o desenrolar do raciocínio, embora sem educação filo­
sófica, pode apreciar a sua fôrça lógica.
Terceiro, porque pensamos que a exposição da evidência da
existência de Deus não seria tão completa como pretendemos e
lamentàvelmentc deficiente, se não déssemos aos nossos leitores,
pelo menos, um vislumbre dessa serena estratosfera do pensa­
mento, onde Platão e Aristótelés, Santo Agostinho e Santo Tomás
de Aquino e os cérebros mais poderosos da humanidade sen­
tiram a evidência indestrutível e inevitável do Absoluto, do Eter­
no, do Ser Infinito chamado Deus.
Há quatro argumentos metafísicos históricos. Ei-los:
lo O argumento cosmológico — Deus como Primeira Causa.
2<? O argumento da contingência — Deus como Ser Necessário.
49
3<? 0 argumento do movimento ~ Deus como Primeiro Motor.
49 O argumento hcnológico — Deus como Uno e Perfeito.
Quando falamos em argumentos metafísicos, queremos di­
zer que promanam diretamente dos princípios primários da ra­
zão, de maneira que 6 impossível rejeitá-los, sem pôr em xeque
a validade da mesma razão.
Mais, esta nova prova não é resultado das leis do universo
nem da natureza do homem como agente moral, mas simples­
mente da natureza do ser finito. Qualquer objeto visível no uni­
verso é um ser finito e apto a fornecer-nos todos os dados do
raciocínio que nos conduz finalmente ao único Ser Necessário —
Deus.
Argumento da contingência
Exporemos o argumento da contingência. Está íntimamente
relacionado com o argumento cosmológico e, algumas vezes, cha-
ma-se argumento eficiente e pode até descrever-se mais exata­
mente como o mesmo argumento visto sob novo aspecto. Pas­
sando através de todos os argumentos metafísicos e de todos
os mais já apresentados, encontramos sempre o princípio da
causalidade.
O princípio, que todo o efeito deve ter uma causa pro­
porcionada, pode dizer-se que constitui a coluna dorsal de todo
o raciocínio científico, como também de todo o pensamento
filosófico. E’ outrossim fundamental de toda a ordem de ra­
ciocínio concernente à existência de Deus.
Andamos a ensinar êste assunto aos estudantes universitá­
rios vai para um quarto de século, e por isso estamos perfei­
tamente familiarizados com a impressão que o torna demasiado
abstrato e monótono. Eis por que apresentamos exemplos que
seriam desnecessários para os filósofos profissionais. No intuito
de tornar a nossa exposição tão interessante como eficaz, fá-
lo-emos na forma de diálogo com um estudante universitário
imbuído de cepticismo.
— E* verdade, Herbert, que tens as tuas dúvidas sôbre a
existência de Deus?
— Sim, é verdade. Têm-me impressionado bastante e dei-
xam-me inquieto sôbre muitos pontos. Porque se não chego à
existência de Deus, como poderei conhecer o sentido da vida e
sua finalidade?
— Tens tôdà a razão, Herbert. Duvidar de Deus é para­
lisar o teu desejo de altruísmo e nobreza de vida; é fazer-te
50
rasteiramente egocêntrico. Para que morrer por um ideal, se não
há poder que sustenha e sublime esse ideal, e no fim recom­
pense o sacrifício da vida?
— Seria, todavia, para ti surpresa, se eu te dissesse que
tudo no universo proclama a existência de Deus, sem excetuar
sequer a tua própria dúvida?
— Quer V. dizer que pode deduzir a existência de Deus
do fato de eu duvidar dela?
— Isso mesmo. Embora se te afigure paradoxal! E* preci­
samente isso que eu quero dizer!
— Adiahte. Tanto mais me surpreenderá, quanto mais fôr
capaz de me provar a existência de Deus, partindo dum pon£ò
tão original.
«Sê lógico»
— Muito bem. Peço-te que sejas em tudo lógico e admitas
tudo o que estiver implícito nas premissas.
— Isso é muito razoável.
— Admitindo que duvidas, deves admitir tudo o que é es­
sencial para duvidar. Por - essência de qualquer coisa entende
se aquilo sem o qual ela não pode existir. Por exemplo:
essência da água é H20. Quem, portanto, admite a existênci.
da água, “ipso facto” ou por êsse mesmo fato, admite o com­
posto químico, H20. Admitir a água e negar H20 é, na ver­
dade, procedimento absurdo. Semelhantemente, o círculo é uma
figura na qual todos os pontos da sua circunferência estão
equidistantes do centro. Ninguém pode admitir um e negar o
outro, sem cometer um enorme absurdo. Ninguém, portanto,
pode admitir a existência duma coisa e negar a sua essência,
sem cair em contradição. Achas isto claro até aqui, Herbert?
— Claríssimo! Certamente, ninguém discordará do que V.
diz. Continue.
— Ótimo! Permite-me agora aludir ao seguinte: Se, como
tu pensas, ninguém pode admitir a existência de qualquer coi­
sa e negar sua essência, então, ninguém pode duvidar da exis­
tência de Deus sem admitir o que é essencial a essa dúvida.
Que é então essencial a essa dúvida? Desde já podemos dizer que
a inteligência é essencial para duvidar ou negar. Sem ela não
se pode duvidar nem negar, como se não pode crer nem afir­
mar. Quem duvida da existência de Deus, afirma, portanto, a
inteligência sem a qual é impossível duvidar ou negar. Con­
cordas, Herbert?
51
«Para onde vamos com todo êste palavriado?»
— Perfeitamente. 0 que V. diz está fora de tôda a ques­
tão. Mas, para onde vamos?
— Eu te digo. O mesmo princípio que tu admitiste a res­
peito da dúvida, aplica-sc com igual rigor à inteligência. Ad­
mitida a inteligência, temos de admitir o que lhe é essencial,
sob pena de negar o que se afirmou à inteligência. Agora, per­
guntamos: que é então essencial à inteligência?
A resposta não é difícil de obter. O inteligível é essencial
à inteligência. Por inteligência entendemos o poder ou facul­
dade pela qual conhecemos. Como é óbvio, conhecer exige al­
guma coisa para ser conhecida. Se alguém quer saber, tem de
aprender alguma coisa.
Não pode saber nada. O conhecimento, portanto, requer duas
coisas: o sujeito inteligente que conhece o objeto inteligível que
é conhecido. Suprime um dêstes, e suprimirás a possibilidade
de conhecer. Portanto, quem duvida da existência de Deus, deve
admitir o inteligível. Não te parece, Herbert?
— Certamente. Mas ainda estou à espera me prove que
realmente Deus existe.
— Cada passo a seu tempo, Herbert, e lá chegaremos, tão
decididos que não poderás deixar de ver o porquê de cada afir­
mação que fizermos. Pois bem, o inteligível deve ser alguma
coisa. Não pode ser nada, porque o nada não é inteligível. Por­
tanto, alguma coisa ou ser se afirma no verdadeiro ato da
dúvida. Ora, êsse alguma coisa ou ser assim afirmado deve ser
contingente ou ser necessário.
Que significa ser contingente?
— Mas, que se entende por ser contingente?
— Por ser contingente, Herbert, entende-se o ser que deve
sua existência a outro. Não pode existir nem ser inteligível
sem êsse do qual depende. Por muito que queiramos estender
uma série de sêres contingentes, mesmo por uma hipótese im­
possível, até ao infinito, nem um só dêles nem uma série dêles
podiam existir ou ser inteligíveis sem o ser de que dependem
e sem o qual não podem existir.
Uma série infinita?
— Mas, interrompeu Herbert, iluminando-se-lhe o rosto como
quem viu modo de escapar da cadeia de ferro que estava sen­
do fechada em volta dêle. Por que não podem as séries de
sêres contingentes prolongar-se até ao infinito?
62
— Sim, Herbert, essa suposição já foi feita por aquêles
que, desse modo, procuram escapar ao sei* do qual as séries
dependem. So bem que eu, de modo algum, acredito nas séries in­
finitas, quero por amor do argumento, aceitar essa suposição.
Não nos desviará por muito tempo da conclusão inevitável. Por
agora, o que dizemos é o -seguinte: mesmo que admitamos
uma série infinita de seres contingentes, não diminuímos, an­
tes realçamos a necessidade dum ser do qual êles dependem
— o ser necessário.
— Pode V. aclarar mais as suas palavras?
— De muito boa vontade, Herbert. Um idiota não é um
ser racional. Se multiplicares o número de idiotas até um
milhão ou até uma série infinita, porventura seria suficiente
para constituírem um ser racional?
— Certamente que não.
— Nesse caso, seria tão lógico supor que uma série in­
finita de idiotas constituiria um ser racional, como supor que
uma série infinita de seres contingentes constitui um ser incon-
tingente ou necessário.
— Importante. Estou a compreender. O exemplo é con­
vincente.
— Pois bem, Herbert, aí vai outro. Cada elo duma cadeii
suspensa não se aguenta só com estar unido a outro. Na hi
pótese de dilatares a cadeia até à distância que quiseres,* evi­
tarás a necessidade de algum suporte que a impeça de cair?
— Evidentemente que não. Cairia logo a menos que o
suporte fôsse muito resistente.
Séries infinitas — sem evasivas
— Dizes bem, Herbert. Seria tão lógico presumir que pelo
mero expediente de multiplicar os elos duma cadeia suspensa
poderia evitar que ela caísse, como presumir que, multiplican­
do as séries de seres contingentes, fugirias à necessidade de
chegar enfim ao ser incontigente do qual dependem todas as
séries, quer sejam infinitas quer não.
■ — Quem foi que disse que a Metafísica era difícil de
compreender?! Os exemplos mencionados tomam-na tão aces­
sível, que até uma criança pode compreender o que V. acaba
de explicar!
— Obrigado, Herbert. Como este ponto é crucial, sirvo-me,
mais uma vez, doutro exemplo. Porque se alguém compreender
53
bem que nenhuma multiplicação do número de sêres contin­
gentes lhe dará um ser de outra natureza absolutamente di­
ferente, um ser incontingente, não terá dificuldade em aprender
o argumento metafísico que demonstra clara e insofismavelmente
a existência dum Ser necessário não causado — argumento que
é a descrição metafísica de Deus.
— Bem! Estou ansioso pelo terceiro argumento. Qual é êle?
— Imagina que tens um relógio de cinco rodas movidas
por uma mola. E* evidente que o movimento das rodas depende
da mola, e não é possível nem compreensível sem essa mola.
Imagina, agora, que multiplicas as rodas por um milhão ou por
qualquer outro número que te agradar. O movimento das rodas
não seria possível nem compreensível, a menos que a sua fôrça
fôsse aumentada proporcionalmente. Se, portanto, fosse pos­
sível elevar o número das rodas ao infinito, seria preciso uma
fôrça infinita para pô-las em movimento.
Não devemos, então, concluir que uma série infinita de
sêres contingentes ou dependentes, a ser possível, pediria um
ser infinito, necessário, sem o qual elas não podiam existir
nem compreender-se?
— Não sei como possa alguém, respondeu Herbert entu­
siasmado, escapar a tal conclusão. Agora vejo que a defesa
que eu lancei na forma de hipótese de séries infinitas de sêres
contingentes caiu completamente por terra diante do seu ra­
ciocínio iluminado por exemplos que não dão lugar a dúvidas.
Ser necessário
— Enches-me de vergonha, Herbert, se não fores mais mo­
desto nos teus elogios! Apresso-me a dizer-te que tal processo
de raciocínio não foi inventado por mim, mas forjado por
alguns dos maiores pensadores da humanidade. 1
E agora, deixa-me continuar. Da existência do ser contin­
gente ou de quaisquer séries de sêres contingentes somos for­
çados, como já vimos, a admitir a existência dum ser necessário
que não dependa de outro, que em si tenha a razão de ser,
— cuja não-existência é, portanto, inconcebível, porque seria
em si mesmo contraditória.
— Bem! De maneira que, interveio Herbert, é esta a
cadeia de raciocínios desenrolada até aqui: Ninguém pode du­
1 Quero agradecer ao meu antigo colega Revmo. Dr. W. J. Bergln,
C. S. V., o seu valioso auxilio na formulação déste argumento. (Nota do autor).
54
vidar da existência de Deus sem afirmar a inteligência. Mas,
a inteligência necessariamente implica o inteligível ou o ser.
Ora, o ser ó contingente ou necessário. O ser contingente, to­
davia, não pode existir nem ser inteligível sem o ser neces­
sário. Portanto, depreende-se com tôda a força inexorável da
lógica que quem duvida da existência de Deus, deve implicita­
mente afirmar o ser necessário. Mas, diga-me cá: como é que
passa do ser necessário para Deus? “Estou ansioso de saber
como chega a Deus”.
— Isso, agora, é o primeiro passo. Chegamos a Deus, de­
duzindo as aplicações lógicas e inevitáveis do ser necessário.
Digo inevitáveis porque nenhum homem pode evitar o que está
logicamente contido nas suas afirmações e negações, sem ab­
dicar da razão. A primeira conclusão que se impõe por si
mesma, é que o ser necessário é eterno. O que não é eterno,
teve um princípio. O que teve um princípio, deve ter tido al­
guma causa que lhe desse existência. Não pode ser a causa da
sua própria existência. O que não existe não pode ser causa.
Portanto, um ser não eterno deve a sua existência a outro ser
anterior a êle. Implica contradição de têrmos dizer que um ser
necessário deve a sua existência a outro ser, porque isso se
ria tomá-lo contingente, não-necessário. Portanto desde que toe
ser que não c eterno, é contingente, somos forçados a co
cluir que o ser necessário é eterno. I
Como provar o infinito?
— Sim, disse Herbert, essa conclusão é bastante lógica. Mas
não é Deus também infinito? Como o prova?
— Por processo semelhante somos forçados a concluir que o
ser necessário é infinito. Não pode ser finito ou limitado.
Tudo o que é limitado, deve ser limitado ou por si ou
por outro. Mas o ser necessário não pode ser limitado por nin­
guém. Portanto não pode ser limitado de forma alguma. Não
pode ser limitado por si próprio. Porque limitar é atuar. Mas
a ação necessàriamente pressupõe a existência. O que não existe
não pode atuar. Portanto, deve admitir-se a existência do Ser
necessário — anterior a qualquer ação possível.
Também não pode o ser necessário ser limitado por ou­
tro. Se, por uma hipótese irrealizável, o ser necessário devesse
estar limitado por outro, então infalivelmente dependeria dêsse
outro e torná-lo-ia limitado.
Mas um ser que depende doutro é um scr contingente, não
um ser necessário. Portanto, o ser necessário não pode ser
limitado por outro.
Mas, para além de tôda a sombra de dúvida, um ser que
não ó limitado nem por si nem por outro, não é 1imitado de
forma alguma, — é infinito. Portanto, o ser necessário é infinito.
À mesma conclusão se pode chegar por outros raciocínios igualmente
válidos. O argumento, porém, já longo, é suficiente para alicerçá-
lo em bases perfeitamente demonstráveis. *
Como provar o infinitamente perfeito?
— Na verdade, retorquiu Herbert, V. demonstrou que o
ser necessário — nome que a Metafísica dá a Deus — é eterno
e infinito. Mas não é Deus todo perfeito? Como é que V. prova isso?
— Se o ser necessário é infinito, também deve ser per­
feito. Não pode ser imperfeito, porque a imperfeição necessària-
mente implica limites no ser.
Mas limite e infinito são incompatíveis, contraditórios e
exclusivos. Consequentemente, pela sua mesma natureza, o in­
finito é e deve ser perfeito. Dado que o ser necessário é in­
finito, como já vimos, segue-se imediatamente que também é
perfeito.
— Os elos da sua cadeia de raciocínio apertam-me cada
vez mais. Provou V. a existência dum Ser necessário, eterno,
infinito e perfeito. Mas, falta ainda forjar mais outro argu-
* mento. Como prova V. que só pode haver um único Ser infi­
nitamente perfeito, um só Deus?
— Se o ser necessário é infinitamente perfeito deve con-
cluir-se que é um só. Porque somente um ser é ou pode ser
infinitamente perfeito.
Imaginando dois sêres infinitamente perfeitos, deveria ha­
ver algo que os distinguisse um do outro. Doutra sorte seriam
idênticos, e portanto, um, e não dois. Ora aquilo pelo que êles
se distinguem deve ser ou perfeição ou imperfeição. Não pode
ser imperfeição porque isso seria contradizer o que se su­
põe — um ser infinitamente perfeito. Pela mesma razão a
característica que os distingue não pode ser uma perfeição. Se
um ser distingue do outro por uma perfeição, então um deve
ter uma perfeição que o outro' não tem. E’ manifestamente im­
possível supor que o infinitamente perfeito carece de alguma
perfeição.
56
Portanto, dois seres infinitamente perfeitos são impos­
síveis, porque um tal conceito é em si mesmo contraditório.
O ser infinitamente perfeito, consequentemente, só pode * ser
um. Chegamos, pois e finalmente, à existência dum Ser ne­
cessário, eterno, infinito e perfeito, que a Metafísica chama
Deus.
— De certo, pela minha vida, observou Herbert, admito que
nem uma só dedução de tôda esta odisseia lógica deixa de de­
rivar das premissas. Sinto novo e mais profundo respeito pela
maravilhosa faculdade da razão capaz de abrir caminho por
entre as coisas finitas ou contingentes, como o homem, a rosa
ou o grão de areia, até ao Ser Infinito de Cujo poder criador
todo o Universo vem. Assim, as maravilhas levadas a efeito
no domínio da matéria pelos cientistas têm sua correspondência
na estrutura prodigiosa do raciocínio estabelecida pelos filóso­
fos no reino do pensamento; elas não são menos dignas da
nossa homenagem e respeito.
Ser inexaurível de Deus
— Muito obrigado, Herbert. Foi, na verdade, um prazer!
Mereces mais estima pelo que conseguimos do que podes ima­
ginar. E’ que inteligência aberta e vontade pronta em reco
nhecer uma afirmação feita, são duas das maiores fontes d
estímulo que se podem dar a qualquer professor.
Lembra-te ainda que êste grande edifício do pensament
erguido sobre o espaço dos séculos, resume o trabalho cumulativa
da falange poderosa dos pensadores mais perspicazes da huma­
nidade. Admitimos, sim, que a descrição feita pelo metafísico,
como a do cientista, do matemático, do poeta ou do naturalista,
é inadequada ao ser inexaurível de Deus. Contudo, é exata, tan­
to quanto o pode ser. Além disso, dá-nos idéia clara e distinta de
Deus, porque nos habilita a distinguir Deus de todo e qualquer
outro ser. Deus e só Deus pode possuir os atributos que enu­
meramos. Mais: quaisquer que sejam as perfeições que possam
existir ou conceber-se, devem atribuir-se a Deus, por quanto Êle
é o ser infinitamente perfeito. Como o poder, a sabedoria, a bon­
dade, a justiça, a misericórdia, a verdade e ã beleza são per­
feições, devem encontrar-se tôdas em Deus — o Ser único, eterno,
infinitamente perfeito.
\

i, •*

KF. •,
X. CRISTO, REVELAÇÃO DE DEUS
“Tu és Mestre, em verdade, e ensinas o
verdadeiro caminho de Deus". (Mt 22, 16).

Vimos as provas da existência de Deus deduzidas pela ra­


zão dos dados da Ciência e da Filosofia. Que sejam convincentes,
cremos que ninguém que tenha seguido esta discussão com in­
teligência aberta, pode duvidar.
Através de todo o debate apelamos, não para a autoridade
externa, como a Bíblia ou a Igreja, mas exclusivamente para a
razão humana.
Sinceramente admitimos, todavia, que o conhecimento de
Deus alcançado pela simples inteligência é pobre e falho daque­
la riqueza que lhe dá a revelação divina. Onde a razão acaba,
começa a revelação. Ela eleva o espírito a tais alturas, que a
razão sente vertigens. Consequentemente, deve ser função do
bom-senso esclarecer o conhecimento de Deus com a penetrante
visão e a riqueza de pormenores fornecidos pela Bíblia.
Na verdade, o melhor retrato que podemos obter de Deus,
é o que nos é dado pela pessoa de Jesus Cristo, espelho sem
mácula do Altíssimo.
“Ninguém jamais viu a Deus”, diz S. João. “O Filho Uni­
génito que está no seio do Pai, êsse é quem O deu a conhecer”
(Jo 1, 18). Unindo em Si a natureza do homem e a natureza de
Deus, Cristo dá-nos a melhor e a mais verdadeira fisionomia
divina, aquela que não se encontra nos escritos dos filósofos, teó­
logos, profetas, místicos de todos os tempos. Deus revela-se na
pessoa d’Aquêle que sara os leprosos, cura os enfermos, restitui
a vista aos cegos, perdoa à mulher adultera, lava os pés dos dis­
cípulos e verte o Seu Sangue pela redenção da humanidade. Olhai
como andou pelos caminhos poeirentos da Judéia e Galiléia a di­
zer a seus discípulos: “Aprendei de mim que sou manso e hu­
milde de coração”. Seu ministério de misericórdia e de amor ins­
pirou o Apóstolo S. João a deixar-nos a mais nobre definição
de Deus que jamais alguém escreveu, quando afirmou: “Deus é
amor”.
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“Se alguém me ama, disse Cristo, guardará a minha palavra,
o meu Pai o amará, e nós viremos a Êlc, e faremos nele morada”.
Deus é, por conseguinte, a Beleza infinita, a Verdade, a Bon­
dade, a Misericórdia, o Amor. Foi esta a visão de Deus que ins­
pirou os feitos mais nobres do Cristianismo, que construiu hos­
pitais, orfanatos, asilos para os desamparados, e tem levado os
homens a fazer do serviço dos pobres e dos humildes um título
de nobreza.
E quando os cristãos se esqueceram desta noção de um Deus
de amor e a substituíram por um Deus de vingança, de crueldade,
de ira, mancharam as páginas da história com alguns dos pio­
res crimes que ela encerra.
Foi esta ideia falsa que impeliu João Calvino a queimar Mi­
guel Servet, seu antagonista; que levou os fanáticos a lançar fei­
xes de lenha sob Joana d*Arc, em Ruão; que incitou Torque-
mada a torturar os hereges em Espanha.
Rufus Jones fala-nos duma criancinha que ia ser deitada no
Eerço por sua mãe. Depois de lhe ter dado o beijo de boas-noites,
pagou a luz e dirigiu-se para a porta. Logo a criança notou
a solidão escura, em que ficava.
— Vou ficar só e às escuras? — perguntou ansiosa.
— Sim, querida. Mas tu sabes que Deus está sempre contigo.
— Bem sei que Deus está aqui, retorquiu a criança, mas eu
preciso de alguém que tenha rosto.
Êste é também o grito ansioso e anelante de tôda a hu­
manidade.
Sabemos em abstrato, observa Rufus Jones, que Deus é Ra­
zão e Espírito e que Êle está junto de nós, mas queremos uma
sensação mais viva da Sua realidade e da Sua presença no mundo
e, particularmente, queremos vê-VO e senti-1’0 como Pessoa real
e atualmente viva. E é isso o que Cristo nos mostrou. E* n*Êle
que podemos ver êsse Rosto e é n’Êle que se revela a desejada
pessoa”. 1
Coração puro
Para conhecer a Deus, não basta apenas a luz da inteligên­
cia. Mais do que de sutilezas intelectuais, precisamos dum co­
ração puro e duma consciência limpa.
Quando Inácio, Bispo de Antioquia, foi conduzido ao mar­
tírio, um soldado romano perguntou-lhe desdenhosamente: —
Que Deus é êsse dos cristãos?
1 Pathways to thc Reality of God, p. 125.
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Olhando para o seu rosto sensual e brutal, Inácio respon­
deu: “Conhecê-Lo-ás, quando fores digno d’£le”.
O homem que sofre perseguição por amor da justiça, que se
sacrifica pela verdade, que tem fome de retidão, que vive uma
vida divina, penetra até à mais profunda compreensão de Deus.
Mais importante do que o conhecimento é a virtude para nos
aumentar a sensação de Deus. Vive uma vida santa, e Deus
habitará em ti e dar-se-Te-á a conhecer.
“Os pensamentos de Deus, observa George Macdonald, a Sua
vontade, o Seu amor, os Seus juízos são a morada de todo o ho­
mem. Pensar os Seus pensamentos, preferir a Sua vontade, amar
os Seus amores, conformar-se colfti os Seus juízos, e verificar
assim que Êle habita em nós, é como estar em nossa casa”.
Quando Deus mora na alma do homem, uma irradiação bri­
lha no seu rosto, uma ressonância espiritual vibra na sua voz,
e a paz enche-lhe o coração.
Nada no universo pode suprir o fulgor perdido quando Deus
foi expulso da vida humana. A experiência da humanidade através
dos tempos confirma o dito de S. Teresa: “Onde está Deus, é o Céu;
onde Deus não está, é o inferno”. Platão teve um vislumbre des­
ta grande verdade ao dizer: “Para evitar o mal, devemos tor­
nar-nos, tanto quanto possível, como Deus; e esta semelhança
consiste cm sermos justos, santos e sábios”.
Deus, portanto, é a resposta ao grito da alma humana em
busca da felicidade. Na posse parcial de Deus nesta vida ex­
perimentamos vislumbres dêsse supremo êxtase, que a alma go­
zará, quando estiver em união íntima com a Beleza infinita, a
Verdade e o Amor, quando a majestade descoberta do Rei eterno
a extasiar e lhe serenar os anelos com um amor sem fim. “Nem
os olhos viram, nem os ouvidos ouviram, nem o coração do ho­
mem sentiu jamais o que Deus tem preparado para aquêles que
O amam, diz o grande Apóstolo das Gentes (1 Cor 2, 9).
Todos os que andam nos caminhos da paz e da retidão ex­
perimentam um antegozo dessa inefável felicidade, conservando
sempre a alegria duma boa consciência e sentindo a de Deus
em seus corações, pela irradiação dum amor que abraça tôda
a humanidade.
Todos êsses podem fazer suas as palavras de Henrique VI
a Humphrey, duque de Gloucester, depois de o haver exone­
rado do cargo de seu protetor:
“Deus será a minha esperança, o meu arrimo, o meu guia
e a luz dos meus passos”. 1*)
*) Sliakespeare, Henry VI. Parte II, ato II, Cena 3.
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Nada de novo
Ao estudar atentamente as coisas para nelas decifrar a as­
sinatura do Altíssimo, verificamos que tudo no universo desde
o átomo de pó, o dente de leão e a formiga rastejante até à ne­
bulosa mais longínqua, que flutua em regiões do espaço ainda
não catalogadas, manifesta a existência dum Ser Supremo. Os
prados são a Sua assinatura e as flores as suas letras maiusculas.
Que diríeis do viajante que, do alto do Inspiration Point so­
bre o Canon do rio Colorado, contemplando tôdas as belezas da
natureza distendidas ante os seus olhos, não as admirasse?!
Nem o colorido fantástico das margens alcantiladas refletindo
os poentes de milhares de séculos, nem a extensão dos prados de
flores selvagens que se desdobram como tapete de verdura atra­
vés dos vales, nem o oceano imponente dos abetos, nem as mí­
seras aves de plumagens coloridas, gorjeando nos ramos, nem
os cimos cobertos de neve alteando-se para beijar as faces virgi­
nais dos céus, lhe levantam as asas da imaginação, ou enchem
os sentidos de assombro, de reverência e mistério. Tal homem não
pode dizer com Browning: “Uma centelha vem perturbar a nu­
vem que me cerca”. Deveria, contudo, balbuciar a oração de Ste-
venson: “Acorda-me o espírito a golpes de punhal”. Todos os ar­
gumentos dos filósofos e teólogos, escritos em todos os livros desde
a invenção da imprensa, parecem vãos e anémicos em compara­
ção da evidência ofuscante que a natureza oferece a quem tem
os olhos bem abertos.
Pessoas como essas que olham, mas não vêem, estão bem
representadas no caráter de Otternschlag, na obra Grand Hotel
de Vicki Baum. Comédia, romance e tragédia enchem as cenas
que se representam em diferentes quartos dêsse hotel. Precisa­
mente a noite anterior, Kringelein, depois de extrair o máximo
de gôzo da pouca vida que lhe restava, suicida-se.
O barão von Gaigern, apanhado a roubar no quarto do
magnata Preysing, é assassinado. No meio de todo êste alarme
que o sobressalta, o gerente do hotel, Senf, é informado de que
sua mulher está prestes a dar à luz. E enquanto levam para
fora o cadáver do barão assassinado, um cortejo nupcial, em
sonoras gargalhadas, aproxima-se da porta. De entrada, Lewis
Stone desempenhando o papel de Otternschlag, blasé, cansado
da vida, cego a todo o movimento e colorido drama que desen­
rola ante seus olhos, lançando um olhar indiferente para o cor­
tejo fúnebre que parte, e o cortejo nupcial que chega, sacode a
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cinza do cigarro e observa num tom de enfado: “Uns vão e ou­
tros ficam. Nada dc novo”.
Assim aquele que olha para tôdas as maravilhas da natureza,
para tôda a evidência deslumbrante de plano, desenho e ordem
gravada pela mão do Altíssimo em cada átomo de pó, em cada
fôlha, em tôdas as flores e tôdas as estrêlas, termina por dizer:
“Não vejo o dedo de Deus, nem a evidência dum Supremo Artista”.
Foi destes cegos estultos que o Salmista falou: “Disse o
louco no seu coração: não há Deus”.
Creio que os séculos ainda não deram melhor definição. Por­
que quem tem olhos para ver, deve exclamar com o Salmista:
“Os Céus proclamam a glória de Deus e o Firmamento canta a
obra de Suas mãos”.
ÍNDICE
iJJ-U» J J W i l H

Capítulo I — Os céus proclamam .................................. 3

Capítulo II — O Relógio do Mundo .................................... 9

Capítulo III — O átomo dá testemunho ................................. 15


Capítulo IV — O testemunho da vida ................................. 21
Capítulo V — A Abelha maravilha 0 espectador .............. 27
Capítulo VI — O Corpo humano proclama ......................... 35
Capítulo VII — A inteligência dá testemunho ....................... 39
Capítulo VIII — Crença universal da Humanidade .............. 43
Capítulo IX — O argumento metafísico .......................... 49
Capítulo X — Cristo, revelação de Deus .......................... 59

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