Caderno 38 - Deus Existe
Caderno 38 - Deus Existe
Caderno 38 - Deus Existe
VOZES EM DEFESA DA FÉ
C a d e r n o 38
DEUS EXISTE?
O Problema Visto à Luz da
Ciência Moderna e da Filosofia
ir EDIÇÃO
1'5
1961
EDITORA VOZES LIMITADA
PETRÓPOLIS, RJ
Esta obra intitula-se no original inglês:
GOD: CAN WE F1ND HIM?
Liglit from modcrn sciencc and pliilosopliy
Versão de
P. ARTUR ALVES PEREIRA, O. F. M.
I M P R I M A T U R
POR COMISSÃO ESPECIAL DO EXMO.
E REVMO. SR. DOM MANUEL PEDRO
DA CUNHA CINTRA, BISPO DE PE-
TRÔPOLIS. FREI DESIDÊRIO KALVER-
KAMP O. F. M. PETRÔPOLIS, 23-1-1961.
I •
Ir
É -
II
ji
ii'
II. 0 RELÓGIO DO MUNDO
Vejamos, agora, o maravilhoso universo onde a nossa terra
é como que um minúsculo átomo. O conjunto revela admirável
ordem e desenho. A nossa terra gira no seu eixo, uma vez em
vinte e quatro horas, dando-nos a noite e o dia. A terra move-
se em volta do Sol, uma vez no período dum ano, dando-nos
com infalível regularidade as quatro estações.
Êste nosso planeta, com suas grandes cidades transbordan-
tes dc milhões de homens, com seus altivos arranha-céus, com
seus vastos empórios de indústria e de comércio, com suas mon
tanhas, rios e vales, projeta-se através do espaço à velocidade
fantástica de 110 mil quilómetros à hora. E, contudo, rola tão
serenamente, que não perturba sequer uma criança no seu
berço, nem faz estremecer as asas da abelha pousada nas frá
geis pétalas duma rosa outonal. Tal fato acudiu ao autor, quar
do viajava em avião de Roma para Budapeste. Tratava-se duir
esplêndida aeronave de passageiros, tal como o gênio inventh
do homem pôde construir. Correndo à velocidade de 241 quih
metros, por hora, com música de Viena transmitida suavementv
pela rádio, parecia representar a última palavra da técnica.
Todavia, como era vagaroso, desajeitado e saltitante, com
parado com o aeroplano da terra que voa, através do espaço,
456 vêzes mais depressa e com tal suavidade que passa des
percebida aos mesmos passageiros!
As estrêlas movem-se em suas órbitas com uma regularidade
e precisão que envergonham o cronómetro mais preciso, feito
por mãos humanas.
O mais apurado relógio de sol ou de algibeira, fabricado
pelos relojoeiros, atrasará alguns segundos, cada semana, e terá
de ser acertado pelo relógio das estrêlas, como se faz no Ob
servatório Naval de Anápolis, nos Estados Unidos.
Há, portanto, aqui, ordem, plano, finalidade e desenho que
reclamam, não menos imperiosaraente que o relógio encontrado
na praia, uma causa inteligente e proporcionada. Inevitável é,
portanto, a conclusão: como o relógio exige causa adequada
na pessoa dum relojoeiro inteligente, assim o universo, mui
9
to maior em medida, complexidade de organização e ajustamento
de partes, exige causa adequada na pessoa dum Ser incomparà-
velmente maior em poder e inteligência. A êsse Ser damos o venerá
vel nome de Deus.
S. Tomás de Aquino apresenta o argumento clássico que
acabamos de citar e ilustrar, nas seguintes palavras: “Obser
vamos que alguns seres desprovidos de inteligência, como os cor
pos naturais, agem para um fim (como ressalta do fato de
sempre na maioria dos casos êles operarem do mesmo modo para
chegar ao mais perfeito), donde se deduz que atingem êsse fim,
não por acaso, mas intencionalmente. Ora tais sêres desprovi
dos de inteligência operam para determinado fim enquanto são
dirigidos por um ser dotado de inteligência: como uma seta que
é dirigida pelo besteiro. Portanto, existe um Ser inteligente por
quem tôdas as coisas da natureza são dirigidas ao seu fim. E
a êsse Ser damos o nome de Deus” (Summa Th., I, q. 2, a. 2).
«Disse o louco»,..
Se desejais obter uma pintura superior à que nos dão os
livros das numerosas galáxias que iluminam, à noite, os nossos
céus com tênues manchas de luz, visitai o Planetário de Chicago
ou de Nova York. Ali admirareis a habilidade técnica de nossos
arquitetos e engenheiros armados da perícia dos astrónomos em
reproduzir, para nós, os corpos celestes que se movem com or
dem e precisão em suas órbitas respectivas através da inde
finida imensidade do espaço astral. Apagam-se as luzes do edi
fício. Depois, no teto, moldado de maneira a representar a
abóbada celeste, milhares de pontinhos de luz aparecem para nos
mostrar o número, o lugar e a distância das estrêlas que en
chem o nosso firmamento nordeste. Estes pontinhos estão se
parados, apenas, por algumas polegadas ou frações de polegadas
que representam milhões de milhas. As luzes, na verdade, pa
recem leves pontinhos, mas representam corpos celestes, diante
dos quais a nossa terra é um anão. O Planetário é um tra
balho estupendo de argúcia técnica e de gênio empreendedor,
que provoca a admiração de todos os visitantes.
Que pensaríeis da pessoa que, depois de contemplar o quadro
das maravilhas do firmamento, dissesse: este Planetário não
pressupõe um arquiteto inteligente ou um artífice. E* o produto
do acaso, um amontoado de tijolos, cal, cimento, aço, fios elé
tricos, fusíveis, madeira, tinta, lançados simultâneamente a êsmo.
Não sentiríeis dificuldade em dominar a vossa indignação pe
rante tão manifesta falta de bom-senso? Decerto diríeis: a dis
10
posição das cadeiras, a forma do teto, a combinação das luzes para
apresentar as galáxias no firmamento revelam evidência clara
de plano e desenho de primeira ordem. Somente um doido diria
que 6 obra do acaso.
Se vós tínheis razão para assim falar, não teríeis muito
mais para condenar rigorosamente á loucura do homem que afir
masse ser o vasto universo, do qual o Planetário não passa duma
pintura fragmentária, apenas obra do acaso? Decerto, sentiríeis
mais claramente do que nunca a verdade das palavras do
Salmista: “Disse o louco no seu coração: não há Deus” (SI 13, 1).
O grande astrónomo Kirchner tinha um amigo que duvidava
sèriamente da existência de Deus. Sabendo que um simples exem
plo produziria mais efeitos que um longo discurso, Kirchner fêz
uma esfera e colocou-a no seu gabinete. Quando chegou o amigo
para vê-lo, deu pela nova esfera, e logo lhe perguntou:
— Quem fêz esta esfera?
— Quem?! retorquiu Kirchner, fêz-se a si mesma!
O amigo riu-se a bandeiras despregadas com a gracinha.
— Sim, disse Kirchner: tu ris de tal absurdo e tens razão
Mas seria mil vêzes mais fácil acreditar que esta pequena esfer
se fizesse a si mesma do que essa enorme em que nós vivemo
Imensidade do Cosmos
A noção da imensidade do universo, tal como é revelado
nas descobertas dos astrónomos nas últimas décadas, servirá para
aumentar o nosso espanto e intensificar a nossa reverência diante do
poder infinito e da fôrça do Ser Supremo que atirou com mi
lhões de mundos para meio do espaço.
Servirá igualmente para dar um conteúdo mais rico às pa
lavras onipotente e onisciente, que se iam tornando anémicas
no século XIX. Mostrará que os antigos Profetas e Salmistas
falaram sàbiamente quando disseram que Deus é todo-poderoso
e sapientíssimo.
Habituamo-nos, dantes, a imaginar o nosso sistema solar
como contendo grandes distâncias e grandes corpos. Assim, o
Sol dista 150 milhões de quilómetros da terra. O Planêta Jú
piter tem um diâmetro de 143 mil e quinhentos quilómetros
e poderia acomodar dentro de si 1.400 corpos do tamanho da terra.
Mas hoje sabemos que Júpiter e até o nosso Sol não são
mais que átomos em comparação com outros corpos celestes.
A estrêla mais próxima é a “Próxima Centauri”, a 40
trilhões de quilómetros de distância. Na verdade as distâncias
11
são tão gr&ndes que mal podem ser compreendidas em termos
do sistema métrico. Por isso, os astrónomos inventaram uma
nova medida chamada ano-luz, para tornar compreensível a
distância. A luz anda à razão de 300 mil quilómetros, por se
gundo. Um ano-luz é a distância percorrida pela luz durante
êsse período — 9 trilhões, 460 bilhões e 800 milhões de km.
A luz da Lua chega à Terra em 1 segundo e meio, e a do
Sol em oito minutos. A luz da estrêla Betelgeuse leva mais de
100 anos a alcançar a terra. Tem um diâmetro de 439 milhões
de quilómetros, ou três vêzes mais, a distância do Sol à Terra.
Betelgeuse, contudo, é pequena comparada com algumas das es-
trêlas gigantes da Nubécula Menor que têm diâmetros para cima
de mais de 1609 bilhões de quilómetros. Há muitas estrêlas,
como as Cefeidas, que são 60 mil vêzes mais luminosas que o
nosso Sol.1
Além disso, o número de estrêlas e sistemas solares que
flutuam em volta das regiões do espaço interstelar, parece ser
quase ilimitado. Os milhões e biliões de estrêlas da Via-Láctea
são apenas um tênue fragmento das miríades de mundos que
giram através do espaço. As máquinas fotográficas mais po
tentes estão contlnuamente captando clarões de novas galáxias
para além da margem mais exterior do universo estelar, prè-
viamente catalogado. O professor Shapley, do Observatório de
Harvard, registou recentemente ilhas universos de estrêlas, lá
para muito longe do principal sistema sideral. Êstes grupos glo
bulares ficam distantes para cima de um milhão de anos-luz.
Por outras palavras, ficam tão distantes que, a luz andando
à razão de 300 mil quilómetros, por segundo, levaria mais de
um milhão de anos a alcançar a nossa terra.
E tudo aquilo que os astrónomos já puderam descobrir,
talvez não seja senão a orla mais próxima, o vestíbulo dum
universo que se estende com seus planêtas, sóis e estrêlas num
espaço imensurável e sem limites.
Na verdade, o problema da finidade ou infinidade do uni
verso físico confunde a inteligência dos astrónomos e constitui
problema discutível.
1 Ou Pequena Nuvem de Magalhfles. Quem, pela primeira vez, escolheu
o nome do nosso grande navegador para a Nubécula Menor, foi o célebre
astrónomo, de nacionalidade polaca, Johan Hevellus (1611-1687). Veja-se
a- ésse propósito o Interessante fascículo “Quatrc Mémoires cTActualité
avec dlx gravures: Les Nuages de Magellan” , publicado pelo antigo pro
fessor do Observatório da Universidade de Coimbra, Dr. F. M. da Costa
Lobo. Coimbra Edltôra, 1943. (Nota do tradutor).
12
Positivamente, a inteligência vacila e sente vertigens sob
o pêso de tão estupendas distâncias, de tais grandezas inima
gináveis e duma tão espantosa complexidade de miríades d«
mundos que parecem não ter conta.
O sistema solar — Um grão de areia
“Tal é, diz Flammarion, o aspecto grande, esplêndido e su
blime do universo que gira através do espaço, ante o olhar es
tupefato e extasiado do astrónomo, nascido hoje para morrer
amanhã, átomo perdido na noite infinita”. “O espírito do ho
mem, exclama Richter, sente vertigens ante tal infinidade”. Sen
timento semelhante exprimiu Pascal: “O silêncio dos espaços
infinitos aterroriza-me”.
O lugar da nossa terra no sistema solar é, pois, o dum
planêta anão revoluteando cm tôrno duma estrêla anã. Simples
mente um átomo de pó flutuando na extensão do espaço ilimitado.
0 eminente astrónomo inglês Sir James H. Jeans ajuda-nos
a fazer alguma idéia da imensidade assombrosa do universo e
da pequenez da nossa terra, com a seguinte comparação: “Pa
ra fixar nossas idéias, imaginemos, diz êle, embora isto seji
pouco ma is que uma sugestão, que os corpos mais remotos d
nosso universo distam de nós 4 milhões anos-luz. I
Podemos, ainda, dar mais realce à nossa sugestão, com
truindo um modêlo de todo o universo na escala de 1609 bilhõei
de quilómetros para 30 cm.
Semelhante redução, compreendida numa tal escala, avalia-
se talvez ainda melhor, recorrendo antes a têrmos de movimento
do que de distâncias.
A luz, que dá a volta à terra, sete vêzes por segundo, ca
minharia nesta nossa escala, com velocidade inferior à de uma
erva crescendo na Primavera.
Nesta escala representando o universo inteiro por uma es
fera do tamanho da nossa Terra, a nebulosa da qual o nosso
Sol é membro será uma ilha do tamanho de Yorkshire, enquanto
a grande nebulosa de Andrômeda será um pouco superior à ilha
de Wight, tendo, no entanto, limites mal definidos.
Todo o sistema solar neste modêlo pode representar-se num
grão de areia, se imaginarmos a terra com pouco mais que uma
décima milionésima de polegada de diâmetro, dificilmente maior
que uma só molécula dêsse grão de areia. Tal o universo que
o astrónomo moderno oferece ao cosmólogo para interpretação”. 1
1 Slr H. Jeans, The New Outlook In Cosmogony, ln Annual Report
o! Smlthsonlan Instltutlon, 1926. p. 155 t.
13
«0 firmamento manifesta » . . .
As descobertas dos astrónomos modernos referentes à imen
sidade e grandeza do universo concorrem, pois, para realçar a
verdade anunciada pelo Salmista, alguns séculos antes da era
cristã: “Os céus publicam a glória de Deus e o firmamento ma
nifesta as obras de suas mãos” (SI 18, 2).
Igualmente, o autor do livro da Sabedoria, convidando-nos
a contemplar o universo para ver a obra de Deus, declara:
“São vãos todos os homens nos quais se não acha a ciência de
Deus e que pelas coisas boas que se veem, não puderam conhe
cer aquele que é, nem considerando as suas obras reconhe
ceram quem era o Artífice” (Sab 13, 1). Idêntica verdade pro-
clamou-a S. Paulo ao dizer: “Na verdade as Suas perfeições in
visíveis são compreensíveis (Rom 1, 20) depois da criação do
mundo, perante as obras que foram feitas”.
Não menos emocionante é o eco desta poderosa verdade
nas memoráveis palavras de Job: “Pergunta, pois, aos animais,
e êles te ensinarão; às aves do céu, e elas to indicarão. Fala
à terra, e ela te responderá; e os peixes do mar te instruirão!
Quem ignora que a mão de Deus fêz tôdas estas coisas?” (Job
11, 7-9).
Tão sublime verdade que êstes grandes sábios e viventes
desvendaram no firmamento, através dos séculos, encontra eco
nas palavras do cientista Sir Isaac Newton, o primeiro a for
mular a lei da gravitação- dos corpos celestes: “A origem do
mundo material deve atribuir-se à inteligência e sabedoria dum
poderosíssimo Ser, sempre existente e presente em toda a parte,
que domina, consoante a Sua vontade, tôdas as parcelas do uni
verso muito mais eficazmente do que a nossa alma domina pela
sua vontade os movimentos do corpo unido a ela”. 2
Do mesmo modo escreve, também, um dos mais eminentes
cientistas contemporâneos, Sir James H. Jeans: “Verificamos
que o universo revela a existência dum poder planeador e do
minador que tem algo de comum com a nossa inteligência...
e a tendência para pensar dum modo que, à falta de melhor
palavra, podemos dizer matemático”. 3
E' assim que êste astrónomo fala de Deus como do Mate
mático Divino, cujos pensamentos estão concretizados nas sé
ries de fórmulas matemáticas e algébricas encontradas num
grão de areia e no pó das estrêlas.*
* Optics, B. m .
* Citado por Arnold Lunn no seu livro "Now I See” , p. 149.
14
■HTO?
23
Conclusão inevitável
i
lii
“A flor mais humilde que desabrocha, pode despertar
cm mim pensamentos demasiado profundos para se
traduzirem em lágrimas”.
Joyce Kilmer realça a conclusão que todo o homem inteli
gente é forçado a tirar quando penetra profundamente nas ma
ravilhas da natureza nestas memoráveis linhas:
Poems are made by fools like me,
But only God can make a tree.
“Qualquer doido pode criar poemas como os meus,
Mas uma árvore — só Deus”.
Tennyson, de igual modo, compreendeu que o universo as
senta sôbre a complexidade das leis de Deus, que tudo abraçam.
Se pudéssemos penetrar inteiramente na rêde misteriosa e
insondável de leis dum só ser, veríamos, então, Deus e compre
enderíamos o homem, a natureza e Deus. O poeta deu reiêvo
admirável a esta sublime verdade, quando ao passar através
da floresta, contemplou uma flor que desabrochava na fenda
dum muro, e que êle assim interpelou:
Flower in the crannied wall,
I pluck you out of the crannies,
I hold you here, root and all, in my hand,
Little flower — but if I could understand
What you are, root and all, and all in all,
I should know what God and man is.
“Florinha que arranquei da fenda de muro arruinado e
me cabes inteirinha na mão — raiz e tudo. Pudesse eu
compreender o que és — raiz e tudo — e saberia o
que é Deus e o homem”.
O cientista, o poeta, o filósofo e o teólogo podem fazer
suas estas palavras do poeta. O grande cientista Robert Andrews
Millikan exprimiu o mesmo pensamento quando descreveu as suas
pesquisas acerca dos raios cósmicos da estratosfera como “o dedo
de Deus”. 1
1 The Literary Dlgcst, 24 dc janeiro, 1931, p. 27.
í
i
\
\\
•‘i
V. A ABELHA MARAVILHA 0 ESPECTADOR
The pedigree of honey
Does not concern the bee;
A clover, any time, to hlm
Is arlstocracy.
“A genealogia do mel não Interessa à
abelha; em qualquer momento lhe basta
a aristocracia da humilde flor do trevo” .
, Emily Dlcklnson.
For so work the honeybees,
Creatures that by a rule in nature teach
The act of order to a peopled kingdom.
They have a king and officers of sorts,
Where some, like magistrates, correct at home.
Others, like merchants, venture, trade abroad,
Others like soldiers, armed in their stings,
Make boot upon the summei^s velvet buds,
Which pillage they with merry march bring home.
‘‘Assim labutam as abelhas do mel,
Seres que por uma lei da natureza
Ensinam ordem ao mais populoso reino:
Têm um soberano, funcionários vários,
Dos quais uns são magistrados que em casa mandam;
Outros tais mercadores aventureiros, lá vão para longe traficar;
Outros ainda, armados de ferrão, partem como soldados
A saquear as aveludadas flores de verão,
E regressam depois com a prêsa, em marcha alegre”.
Shakespeare, Henry V, Act I Scene 2.
Podíamos ficar por aqui, certos de que a evidência, apre
sentada até agora, revela clara e insofismàvelmente um Ser Su
premo, em cuja inteligência e poder encontramos a única expli
cação racional da maravilhosa ordem e plano patenteados atra
vés do universo desde a erva à estrêla mais longínqua.
Desejaríamos, todavia, arraigar o fato da existência de
Deus tão profundamente nas inteligências dos nossos leitores,
que a sua presença fosse tão palpável como as cadeiras onde nos
sentamos e tão luminosa como o sol no firmamento ao meio-
27
dia. Exporemos ainda a evidência de plano no reino do instinto
animal.
Quem tiver contemplado um pássaro construindo seu ninho,
de certo presenciou interessante manifestação de plano, fim e
ordem que existe nas ações instintivas dos animais. Vêde, por
exemplo, um pintarroxo que, pela primeira vez, faz o ninho
para nele aquecer seus filhinhos.
Como sabe êle que é preciso um ninho? Quem lhe ensinou
a arte de o construir? E que maravilhosa obra: construir com
material tão inconsistente, como a erva e a palha, um ninho que
resiste às trovoadas e ventos que possam ameaçá-lo?!
Quem obriga a galinha a ficar como prisioneira sôbre seus
ovos durante vinte e um dias, apenas os deixando para co
mer ou beber? O instinto, respondemos nós prontamente. Mas
quem o criou e inoculou no sistema nervoso da galinha de mol
de a assim proceder tão natural e espontaneamente como engo
le um grão? Eis uma pergunta feita, raras vêzes ou nenhuma, pelo
cientista. Ela é, todavia, inevitável para quem procure passar
do modo de agir até ao princípio direto dessa atividade e levar
o inquérito para além da rêde das causas físicas até à pri-
neira Causa.
Tomemos o caso da abelha. Insetos, que têm uma vida de
Dmunidade altamente organizada, como as abelhas, vespas e
ormigas, necessitam da mais complexa maquinaria do instinto
>ara a sua organização conseguir sobreviver. Cada membro deve
prestar os mais variados modos de serviço trabalhando pelo bem
da sociedade de preferência ao bem individual. Ainda todas as
partes da abelha recém-nascida não enxugaram e já suas asas
iniciam uma série de atos que durarão tôda a vida. Deixa a
colmeia, vai em busca de flores, no complicado trabalho de lhes
(í: sabe comoo néctar,
extrair e depois de haver percorrido muitas milhas,
regressar à colmeia.
Maraldi afirma ter visto abelhas, que no mesmo dia em que
nasceram, trouxeram para a colmeia grandes bolas de cêra.
Foi o instinto que lhes ensinou que o primeiro trabalho
era construir os alvéolos.
Problema Matemático
Consideremos, agora, o problema que a abelha obreira tem de
resolver para que o seu alvéolo possua o máximo de resis
tência e de alojamento com o mínimo de material. Para calcular
esta fórmula, os matemáticos devem encarar o seguinte proble
28
ma: encontrar a construção dum prisma hexagonal terminado
por uma pirâmide composta de três rombos iguais e semelhan
tes, de tal modo que a parte sólida se faça da mínima quan
tidade de materiais.
Foi assim que o naturalista francês Réaumur o apresen
tou ao distinto matemático Kõnig. Tal problema reduz-se a
êste outro: os ângulos dos rombos devem cortar o prisma he
xagonal de maneira a formarem com êle a menor figura de
superfície. Depois de prolongado estudo, Kõnig calculou os ân
gulos em 109Q 26’ e 70° 34’. As abelhas alcançaram diferente
solução e formaram os ângulos 109° 28’ e 70° 32\
Quem tinha razão, as abelhas ou o matemático? Cálculo
posterior mostrou que erro ligeiro estava no matemático, ou
melhor, na tábua dos logaritmos por êle usada. As abelhas le
varam a palma ao distinto matemático resolvendo o problema
com perfeita precisão.
O exemplo é importantíssimo. Mostra com grande relêvo
a maneira imediata e espontânea como o instinto das abelhas
resolve com admirável rigor um problema que a razão impo
tente, muitas vêzes, hesita em resolver.
A habilidade matemática da abelha obreira não termina
com a solução dêste intricado problema. Penetra ainda mais. A
abelha tem rigorosamente o poder de formar círculos perfeito'
a partir dos centros e cuja distância é perfeitamente igu:
com o centro do círculo desenhado num dos lados do fa’
também equidistante dos centros dos três círculos adjacent
no outro lado. Tal problema nem o homem munido de con
passo e de régua resolve fàcilmente. Contudo, as abelhas lá vã*
para o seu trabalho e resolvem-no com incrível perícia. Como
é isso possível? Mediante o instinto, dizemos nós. Não resol
vemos, porém, o problema, cobrindo-o com a palavra instinto,
como também não resolvemos a maneira de explicar como a
erva converte a matéria inorgânica em matéria viva, ocultando
o misterioso processo com a palavra fotossíntese. Em ambos os
casos o rótulo encobre não só o processo oculto, mas tam
bém a nossa ignorância do que realmente ocorre dentro dês-
tes processos. Muitos param aqui e deixam de pôr as rele
vantes questões: que é o instinto? Que Poder ou Inteligên
cia criou o instinto e o colocou no sistema nervoso da abe
lha? Pôsto que a abelha não é dotada de raciocínio, é óbvio que
não podia raciocinar por si mesma e dar a resposta aos pro
blemas matemáticos e geométricos mencionados. Portanto, os
29
problemas devem solucionar-se com uma Inteligência igual às
dificuldades, e qual a solução que está latente no sistema ner
voso da abelha para a guiar no seu trabalho. Mais uma vez,
chegamos à conclusão de que o maravilhoso funcionamento d<?
instinto dentro do reino animal, resolvendo problemas difíceis
e complexos com facilidade e prontidão, revela a obra duma
Suprema Inteligência, cujas leis são tão eficazes no mundo da—
vida como no reino da matéria inorgânica.
fe/'
!- :
fc . .
VI. 0 CORPO I-IUMANO PROCLAMA!
"Wliat a piece of work is man!
How noble ln reason! how infinite in facultyl
in formlng and moving how cxpress and admirable!
in action how likc a God! the beauty of the world!
the paragon of animales!’'
‘'Que obra-prima é o homem! Quão nobre pela
razão! Quão infinito em faculdades! Na forma
e movimentos, quão perfeito e admirável! Na
ação quão semelhante ao anjo! Na inteligência
quão semelhante a Deus! Maravilha do mundo!
Padrão supremo das criaturas!”
Shakcspeare, Hamlet, Act II, Scene 2.
Nenhum tratado do problema da finalidade na natureza
seria completo se não se referisse à maravilhosa organização
do corpo humano, que atinge expressão máxima no córtex ce
rebral. Se a estrutura e funcionamento dum organismo uni
celular, tal como a amiba, revela complexidade que ilude o en
genho dos cientistas, quanto mais espantosa é a complexidad
do organismo humano com seus bilhões de partículas, funcii
nando como um todo unificado? A máquina mais delicada
complexa, alguma vez desenhada por mãos humanas, não pass
de jogo de criança comparada com o corpo humano que poi
si mesmo se repara e reproduz.
E’ consolador ver cientistas tão eminentes, como o pro
fessor Thompson, declarar categoricamente a conclusão que pa
rece dimanar do maravilhoso desenho que é o organismo hu
mano. “O homem, diz êle, é perfeita e maravilhosamente cons
tituído. Impressiona-nos sempre um invento complexo, tal como
a máquina de compor linotipo, o tear, a máquina de cálculo,
e louvamos o construtor.
Por que não admirar antes a criatura viva que é mais
do que uma máquina? Por que não tributar de preferência
homenagem ao Primeiro Móvel, que deu aos sêres o poder de
se reproduzirem? Eis-nos, pois, ante o emaranhado da vida.
Temos vinte e cinco trilhões de glóbulos vermelhos e quatro
bilhões de glóbulos brancos. Os capilares microscópicos dedu
zidos por Harvey e comprovados por Malpighi, que ligam o
35
extremo das artérias com as veias, são tão numerosos que, se
os do nosso corpo fossem colocados uns após outros, atraves
sariam todo o Atlântico, e se nos pudéssemos imaginar uma
gôta do sangue como independente, poderíamos dizer que anda
cerca duma milha por dia.
As células nervosas do córtex cerebral, sede das maiores
operações mentais, pesam apenas 14 gramas e, no entanto, há
nove mil e duzentos milhões delas, entre cinco e seis vezes os
habitantes da terra.
E cada célula é uma complexa e intricada unidade viva
semelhante a uma central telefónica, pois atende chamadas e
põe em comunicação as diversas partes do corpo.
Quão facilmente falamos duma célula e, contudo, ela é
um pequeno mundo! A matéria viva permanece em estado co-
loidal; quer dizer: apresenta uma multidão de partículas amon
toadas e de pequenas gotas imiscíveis flutuando no líquido e
separadas de algum modo em redemoinhos, de maneira que
várias ações químicas podem dar-se simultaneamente.
Na célula-substância há, em muitos casos, estrias e bas-
tonetes e outros corpos definitivamente formados, que são pelo
menos diversos pelo que diz respeito a coisas minúsculas, como
nitocondria, cromídia e aparelho de Golgi. Em muitas células
mimais existem dois corpúsculos ou centrossomos que desem
penham importante papel, como os tecelões no tear, quando a
célula se vai dividir em duas. No centro da célula-substância ou
citoplasma, — torvelinhos de refluxos com seus corpúsculos
flutuantes — circula o núcleo — um pequeno mundo!
No interior de sua membrana, através da qual entram e
saem matérias contlnuamente, existem os cromossomos colori
dos, em geral de número definido para cada espécie. Assim o
número para o homem é, provavelmente, de 48. Mas cada um
destes bastonetes ou cromossomos é composto de microssomos
como contas dum rosário. Começamos a sentir vertigens —
corpo, órgãos, tecidos, células, núcleos, cromossomos, e além
disso, ainda que invisíveis, unidades pequenas. 1
Haverá escapatória possível à conclusão de que a comple
xidade inaudita do corpo humano com 9 bilhões de células ner
vosas delicadamente entrelaçadas no córtex cerebral e pesando
somente uns 14 gramas, revela plano e finalidade, e exige, por
tanto, o atributo da inteligência como sua Causa?
Tal a conclusão ditada não só pelo senso comum da hu
manidade, mas também pela fôrça organizada duma razão de
1 J. A. Thompson, obra citada, pp. 120-122.
36
ordem superior. Qualquer tentativa para fugir a esta consequên
cia levaria à negação das leis mais básicas do raciocínio e ao
caos irremediável de todo o universo. O estudo da maravilhosa
organização do universo e do funcionamento de suas leis, como
fizemos nos exemplos citados, revela a natureza como vasto
espelho, que reflete o poder e inteligência duma Suprema Razão.
Vislumbres das obras dessa Razão e do plano divino podem
ser obtidos por todos aquêles que procurem conscienciosamente
decifrar a história escrita nos misteriosos hieróglifos da face
da natureza. Se tal história fôr lida devidamente, a natureza
responderá a algumas das mais profundas questões da inte
ligência humana.
Tal a verdade atingida por Carlyle quando escreveu: “Nós
falamos do livro da Natureza e, na verdade, ela é um livro,
que tem a Deus por autor eescritor. Para lê-lo, conhece o
homem, ao menos, o alfabeto? Com suas palavras, sentenças
e grandes páginas descritivas, poéticas e filosóficas abertas
através dos nossos sistemas solares, a natureza é um livro es
crito com celestes hieróglifos, verdadeira sagrada escritura ond<
até os profetas se sentem felizes ao lerem uma que outra linha"!
As linhas que podemos decifrar, narram, contudo, uma his
tória uniforme de plano, ordem e desenho. Tal finalidade es
culpida no mosaico da natureza — é o Espelho universal pelo
qual a razão descobre uma obra de inteligência e perde o sen
tido de sua solidão cósmica ao verificar a onipresença perma
nente da Inteligência no Universo.
Reflete o Divino Legislador
A incessante investigação levada a cabo pela ciência mé
dica sôbre a estrutura e funcionamento do corpo humano, ten
do como resultado as novas e contínuas descobertas de segre
dos anteriormente ocultos, muito longe de diminuir a admira
ção dos cientistas, antes a aumenta com cada nova descoberta.
Somente quando se trata de obra como a do charlatão, é que
o nosso entusiasmo se dissipa, sabendo do engodo, embustes
e ligeireza pelos quais o fim se alcançou. Mas nenhum estu
dante, familiarizado com os métodos profundamente realistas
da natureza, jamais a acusou de charlatã.
Deve, no entanto, reconhecer-se isto: apesar de técnica
usada pela matéria inorgânica para se tornar viva nos ter,
até agora, excedido a compreensão, o nosso assombro ante o
poder e inteligência que primeiro deu à matéria forças e fe
37
cundidade tão notáveis, como se depreende dos hieróglifos a*
história evolutiva, tende a diminuir. Mesmo que o espírito hu
mano conseguisse, por fim, desvendar o atual mistério da vida
e neste ponto o nosso espanto diminuísse, não cresceria ainda
mais a admiração pelas maravilhas da coordenação de forças
e sincronização dos movimentos de bilhões de “prótons” e
"eléctrons” infinitesimalmente pequenos girando em volta duma
célula de protoplasma, como as estrelas nos espaços infinitos?
Além disso êste triunfo adicional da inteligência humana re
fletiria visivelmente e dum modo mais eloquente do que nunca,
a inteligência dessa última causa que moldou a natureza com
sua complexa organização e formulou as leis para os proces
sos do pensamento.
Depois de haver explicado prèviamente as consequências
das deduções de tal descoberta, apressamo-nos em concordar, com
todos os estudiosos, que a vida, hoje, permanece um mistério
tão indecifrável como foi outrora.
Todos os esforços para aclará-los em têrmos de mecânica
e de forças físico-químicas malogram-se profundamente ao pre
tender explicar o princípio diretriz de suas atividades. Mecâ
nicas e forças físico-químicas existem sem dúvida. Mas, “êsse al
guma coisa mais”, essa enteléquia que escapa aos pratos da
balança, que foge à prova dos tubos e se oculta ao micros
cópio, que permanece tão misteriosa como nos dias em que
Aristóteles, o Estagirita, a procurou, em vão, entre as plantas
e as flores das colinas gregas.
No entanto, podemos, pelo menos, dizer isto com certeza:
os processos misteriosos da vida refletem a obra duma Mente
Suprema, dum Divino Legislador, cujo pensamento se espelha
nas leis que regem os movimentos de cada “próton” e “eléctron”
de toda a partícula de matéria viva ou não viva no universo.
VII. A INTELIGÊNCIA DA TESTEMUNHO
“The proper study of mankind is man” .
“O estudo mals apropriado da humanidade
é o homem” . Pope.
i, •*
KF. •,
X. CRISTO, REVELAÇÃO DE DEUS
“Tu és Mestre, em verdade, e ensinas o
verdadeiro caminho de Deus". (Mt 22, 16).
t .
j.
t
A
I
I