Divinum Illud Munus
Divinum Illud Munus
Divinum Illud Munus
SOBRE A PRESENÇA E
VIRTUDE ADMIRÁVEL DO ESPÍRITO SANTO
INTRODUÇÃO
Por isso, o Redentor mesmo não cessa de convidar com suma doçura a todos
os homens de toda nação e língua para que venham ao seio de sua
Igreja: Venham todos a mim; Eu sou a vida; Eu sou o bom pastor. Mas,
segundo seus altíssimos decretos, não quis Ele completar por si só
incessantemente na terra tal missão, mas que, como Ele mesmo a tinha
recebido do Pai, assim a entregou ao Espírito Santo para que a levasse a
perfeito término. Apraz, com efeito, recordar as consoladoras frases que
Cristo, pouco antes de abandonar o mundo, pronunciou diante dos Apóstolos:
“Convém a vós que eu vá! Porque, se eu não for, o Paráclito não virá a vós;
mas se eu for, vo-lo enviarei”. (1)
E ao dizer assim, deu como razão principal de sua separação e de sua volta ao
Pai o proveito que seus discípulos haveriam de receber com a vinda do
Espírito Santo; ao mesmo tempo que mostrava com este era igualmente
enviado por Ele e, portanto, que dEle procedia como do Pai; e que com
advogado, como consolador e como mestre concluiria a obra por Ele iniciada
durante sua vida mortal.
O MISTÉRIO DA TRINDADE
Assim pois, quem escreve ou fala sobre a Trindade sempre deverá ter em vista
o que prudentemente admoesta o Angélico: “Quando se fala da Trindade,
convêm fazê-lo com prudência e humildade, pois – como diz Agostinho – em
nenhuma outra matéria intelectual é maior o trabalho ou o perigo de
equivocar-se ou o fruto uma vez alcançado” (7). Perigo que procede de
confundir entre si, na fé ou na piedade, as pessoas divinas ou de multiplicar
sua única natureza; pois a fé católica nos ensina a venerar um só Deus na
Trindade e a Trindade em um só Deus.
4. Por isso, nosso predecessor Inocêncio XII não atendeu a petição daqueles
que solicitavam uma festa especial em honra do Pai. Se existem certos dias
festivos para celebrar um dos mistérios do Verbo Encarnado, não existe uma
festa própria para celebrar o Verbo tão somente segundo sua natureza; e ainda
a mesma solenidade de Pentecostes, já tão antiga, não se refere simplesmente
ao Espírito Santo por si, mas que recorda sua vinda ou missão externa. Tudo
isso foi prudentemente estabelecido para evitar que ninguém multiplicasse a
divina essência, ao distinguir as Pessoas. Mais ainda: a Igreja, a fim de manter
em seus filhos a pureza da fé, quis instituir a festa da Santíssima Trindade, que
logo João XXII mandou celebrar em todas as partes; permitiu que se
dedicassem a este mistério templos e altares e, depois de celestial visão,
aprovou uma Ordem religiosa para a redenção dos cativos, em honra da
Santíssima Trindade, cujo nome a distinguia.
Convém assinalar que o culto tributado aos Santos e Anjos, à Virgem Mãe de
Deus e a Cristo, redunda todo e se termina na Trindade. Nas preces
consagradas a uma das três pessoas divinas, também se faz menção das outras;
nas litanias, assim que se invoca a cada uma das Pessoas separadamente, se
termina por sua invocação comum; todos os salmos e hino tem a mesma
doxologia ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo; as bênçãos, os ritos, os
sacramentos, ou se fazem em nome da Santa Trindade, ou lhes acompanha sua
intercessão. Tudo o que já havia anunciado o Apóstolo com aquela frase:
“Dele, por ele e para ele são todas as coisas. A ele a glória por toda a
eternidade! Amém” (8); significando assim a trindade das Pessoas e a unidade
de natureza, pois por ser esta uma e idêntica em cada uma das Pessoas,
procede que a cada uma se tribute, como a um e mesmo Deus, igual glória e
coeterna majestade. Comentando aquelas palavras, diz Santo Agostinho: “Não
se interprete confusamente o que o Apóstolo distingue, quando diz “Dele, por
ele e para ele”; pois diz “dele” pelo Pai, “por ele” por causa do Filho; “para
ele”, em relação ao Espírito Santo” (9).
Apropriações
Por obra do Espírito Divino teve lugar não somente a concepção de Cristo,
mas também a santificação de sua alma, chamada unção nos Sagrados Livros
(18), e assim é como toda ação sua se realizava sob o influxo do mesmo
Espírito (19), que também cooperou de modo especial a seu sacrifício,
segundo a frase de São Paulo: “Cristo, que pelo Espírito eterno se ofereceu
como vítima sem mácula a Deus” (20). Depois de tudo isto, já não se
estranhará que todos os carismas do Espírito Santo inundassem a alma de
Cristo. Posto que nEle houve uma abundância de graça singularmente plena,
de maneira maior e com maior eficácia que se pudesse ter; nele, todos os
tesouros da sabedoria e da ciência, as graças gratias datas, as virtudes, e
plenamente todos os dons, já anunciados nas profecias de Isaías (21), já
simbolizados naquela misteriosa pomba aparecida no Jordão, quando Cristo
com seu batismo consagrava suas águas para o novo Testamento.
Com razão nota Santo Agostinho que Cristo não recebeu o Espírito Santo
tendo já trinta anos, mas que quando foi batizado estava sem pecado e já tinha
o Espírito Santo; então, ou seja, no batismos, não fez senão prefigurar o seu
corpo místico, ou seja, a Igreja na qual os batizados recebem de modo peculiar
o Espírito Santo (22). E assim a aparição sensível do Espírito sobre Cristo e
sua ação invisível em sua alma representavam a dupla missão do Espírito
Santo, visível na Igreja e invisível na alma dos justos.
Nas almas
Não menos admirável, ainda que em verdade seja mais difícil de entender, é a
ação do Espírito Santo nas almas, que se oculta a todo olhar sensível.
Nos Sacramentos
Na habitação
12. E o homem justo, que já vive a vida da divina graça e opera por
congruentes virtudes, como a alma por suas potências, tem necessidade
daqueles sete dons que se chamam próprios do Espírito Santo. Graças a estes a
alma se dispõe e se fortalece para seguir mais fácil e prontamente as divinas
inspirações: é tanta a eficácia destes dons, que a conduzem ao topo da
santidade; e tanta sua excelência, que preservam intactos, ainda que mais
perfeitos, no reino celestial. Graças a esses dons, o Espírito Santo nos move e
realça a desejar e conseguir as bem-aventuranças evangélicas, que são como
flores abertas na primavera, como indício e presságio da eterna bem-
aventurança. E muito prazerosos são, finalmente, os frutos enumerados pelo
Apóstolo (48) que o Espírito Santo produz e comunica aos homens justos,
ainda durante a vida mortal, cheios de toda doçura e gozo, pois são do Espírito
Santo que na Trindade é o amor do Pai e do Filho que enche de infinita doçura
as criaturas todas (49).
EXORTAÇÕES
Acaso não faltem em nossos dias alguns que, ao serem interrogados como em
outro tempo foram alguns por São Paulo “se haviam recebido o Espírito
Santo”, responderiam por sua vez: “Não, nem sequer ouvimos dizer que há
um Espírito Santo!” (50). Que se a tanto não chega a ignorância, em uma
grande parte deles é muito escasso seu conhecimento sobre Ele; talvez até
com freqüência tem seu nome nos lábios, enquanto sua fé está cheia de crassas
trevas. Recordem, pois, os pregadores e párocos que lhes pertencem ensinar
com diligência e claramente ao povo a doutrina católica sobre o Espírito
Santo, mas evitando as questões árduas e sutis e fugindo da néscia curiosidade
que presume indagar os segredos todos de Deus. Cuidem recordar e explicar
claramente os muitos e grandes benefícios que do Divino Doador nos vêm
constantemente, de forma que sobre coisas tão altas desapareça o erro e a
ignorância, impróprios dos filhos da luz. Insistimos nisto não só por tratar-se
de um mistério, que diretamente nos prepara para a vida eterna e que, por isso,
é necessário crer firme e expressamente, mas também porque, quanto mais
clara e plenamente se conhece o bem, mais intensamente se quer e se ama.
Isto é o que agora queremos lhes recomendar: Devemos amar o Espírito
Santo, porque é Deus: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de
toda a tua alma e de todas as tuas forças” (51). E há de ser amado, porque é o
Amor substancial eterno e primeiro, e não há coisa mais amável que o amor; e
depois tanto mais lhe devemos amar quanto que nos tenha enchido de imensos
benefícios que, se atestam a benevolência do doador, exigem a gratidão da
alma que os recebe. Amor este que tem uma dupla utilidade, certamente não
pequena. Primeiramente nos obriga a ter nesta vida um conhecimento cada dia
mais claro do Espírito Santo: O que ama, diz Santo Tomás, não se contenta
com um conhecimento superficial do amado, mas se esforça por conhecer uma
das coisas que lhe pertencem intrinsecamente, e assim entra em seu interior,
como do Espírito Santo, que é amor de Deus, se diz que examina até o
profundo de Deus (52). Em segundo lugar, que será maior ainda a abundância
de seus dons celestiais, pois como a frieza faz fechar a mão do doador, o
agradecimento a faz alargar-se. E cuide-se bem de que dito amor não se limite
a áridas disquisições ou a externos atos religiosos; porque deve ser operante,
fugindo do pecado, que é especial ofensa contra o Espírito Santo. Quanto
somos e temos, tudo é dom da divina bondade que corresponde como própria
ao Espírito Santo; sem dúvida o pecador o ofende ao mesmo tempo que
recebe seus benefícios, e abusa de seus dons para ofender-lhe, ao mesmo
tempo que, porque é bom, se levanta contra Ele multiplicando
incessantemente suas culpas.
Não o entristeçamos
15. Por último, convêm rogar e pedir ao Espírito Santo, cujo auxílio e
proteção todos necessitamos em extremo. Somos pobres, débeis, atribulados,
inclinados ao mal: então recorramos a Ele, fonte inesgotável de luz, de
consolo e de graça. Sobretudo, devemos lhe pedir perdão dos pecados, que tão
necessário nos é, posto que é o Espírito Santo dom do Pai e do Filho, e os
pecadores são perdoados por meio do Espírito Santo como por dom de Deus
(57), o qual se proclama expressamente na liturgia quando ao Espírito Santo
lhe chama remissão de todos os pecados (58).
Nem cabe pensar que essas preces não sejam escutadas por aquele de quem
lemos que roga por nós com gemidos inefáveis (59). Em resumo, devemos
suplicar-lhe com confiança e constância para que diariamente nos ilustre mais
e mais com sua luz e nos inflame com sua caridade, dispondo-nos assim pela
fé e pelo amor a que trabalhemos com denodo para adquirir os prêmios
eternos, posto que Ele é a garantia de nossa herança (60).
Notas
1. Jn 16,7.
2. Job 26,13.
3. Sab 1,7.
4. S. León M., Sermo 2 in anniv. ass. suae.
5. De Spiritu Sancto 16,39.
6. Jn 1,18.
7. I q.31 a.2; De Trin. 1,3.
8. Rom 11,36.
9. De Trin. 6 10; 1,6.
10.S. Agustín, De Trin., 1,4 y 5.
11. S. Agustín, ibíd.
12. S. Th., I q.39 a.7.
13. S. Agustín, De Trin. 4,20.
14. Mt 1,18.20.
15. 1 Tim 3,16.
16. Jn 3,16.
17. Enchir. 30. S. Thom., II q.32 a.l.
18. Hech 10,38.
19. S. Basil., De Sp. S. 16.
20. Heb 9,14.
21. 4,1; 11,2.3.
35 Ef 4,8.
36, Agustín, De Trin. 1,4, c.20.
37. S. Cir. Alex., Thesam. 1,5, c.5.
38. Ef 2,3.
39. Rom 8,15.16.
40. III q.32, a.l
41. Jn 3,7.
42. Rom 5,5.
43. S. Th., I q.8, a.3.
44. Jn 14,23.
45. 1 Cor 6,19.
46. I q.38, a.2. S. Agustín, De Trin. 15,19.
47. II q.8, a.l.