Ojsadmin,+9 Orquidia
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Orquídea Massarongo-Jona1
ABSTRACT: This article analyzes the issue of access and availability of health services
and essential medicines as components of the right to health, focusing on the obligations
of the Mozambican State resulting from international human rights instruments, in
particular in economic, social rights Taking into account the vulnerability of the
Mozambican population to endemic diseases, particularly malaria. The approach
considers the recent assessment of Mozambique's human rights performance about the
right to health through the Universal Periodic Review Mechanism. The article focuses on
the four criteria for approaching human rights established by the UN and which form the
basis for assessing the situation of the right to health in Mozambique: Availability,
Accessibility, Acceptability and Quality (DAQA) and how the current Mozambican legal
framework responds to obligations Protection of the right to health.
Keywords: Right to Health. Human Rights. Discrimination. Accessibility
1
Docente na Faculdade de Direito da Universidade Eduardo Mondlane (UEM). Estudante em nível de
Doutoramento em Direitos Humanos na Universidade de Ghent – Bélgica na área de Saúde Sexual e
Reprodutiva. Possui Mestrado em Direito do Comércio Internacional, Universidade de Stellenbosch, África do
Sul (2003). É Coordenadora do Projecto de Direitos Humanos e do Mestrado em Direitos Humanos no âmbito
do Programa Desafio (Cooperação interuniversitária entre a UEM e Universidades Flamengas). Pesquisadora
com interesse na área Direito da Saúde, Direitos humanos das mulheres e Direitos Humanos e Negócios.
Membro da Comissão Nacional de Bioética para Saúde e Vice-Presidente do Conselho Nacional da Ordem
dos Advogados de Moçambique. Membro da Rede de Universidades do Programa de Direitos Humanos e
Democratização em África em parceria com a Universidade de Pretória (África do Sul). É Coordenadora
(Organizadora) da Revista de Direitos Humanos editada pelo Centro de Direitos Humanos da UEM.Email:
[email protected]
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http://dx.doi.org/10.17566/ciads.v5i0.348
RESUMEN: En este artículo se examina la cuestión del acceso y disponibilidad de
servicios de salud y medicamentos esencias como componentes del derecho a la salud,
centrándose en las obligaciones del Estado de Mozambique resultante de los derechos
humanos internacionales, en particular en el aspecto de los derechos económicos, sociais
y cultural, teniendo en cuenta la vulnerabilidad de la población de Mozambique a las
enfermedades endémicas, especialmente la malaria. El enfoque tiene en cuenta la
reciente evaluación del desempeño de Mozambique en materia de derechos humanos en
relación con el derecho a la salud a través del Mecanismo de Examen Periódico
Universal. El artículo se centra en 4 criterios de aproximación de los derechos humanos
establecidos por la ONU y que forman la base de la evaluación de la situación de los
derechos de salud en Mozambique: disponibilidad, accesibilidad, aceptabilidad y calidad
(DAAQ) y cómo el marco legal vigente en Mozambique responde obligaciones la
protección internacional del derecho a la salud.
Palabras-llave: Derecho a la Salud. Derechos Humanos. La discriminación. Accesibilidad
Introdução
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) determina que “toda a pessoa
tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar [a si] e à sua família a saúde e
o bem estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, à assistência médica e
ainda quanto aos serviços sociais necessários (...)”2 portanto é indiscutível que a saúde é
um direito de todos (1), qualquer pessoa tem o direito de obter atendimento e acesso aos
serviços básicos de saúde e medicamentos considerados essenciais tal como definidos
pela OMS (Organização Mundial da Saúde) (2), (3).
O Direito da Saúde corresponde a um conjunto de normas de direito, privado e
público, com objectivo principal de promoção da saúde humana, quer considerada na
perspectiva da prestação de cuidados individuais, quer enquanto bem de uma
comunidade.
A Constituição da República de Moçambique (CRM 2004), no capítulo V referente aos
direitos sociais garante, no artigo 89, a todo cidadão o direito a saúde. Estes fazem parte
do chamado grupo de direitos fundamentais de segunda geração 3, “os direitos sociais,
culturais e económicos”, que estão ligados intimamente a direitos de prestações sociais do
2
Vide Art. 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948).
3
Os direitos Fundamentais são classificados em gerações, sendo os da primeira geração correspondentes
aos direitos clássicos civis e políticos; os direitos sociais, económicos e culturais correspondem a segunda
geração; os de fraternidade e solidariedade em que se inclui à paz, meio ambiente, património, etc
correspondem a terceira geração e por último os da quarta geração que se referem a institucionalização do
Estado Social e compreende o direito à democracia, à informação e ao pluralismo.
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Estado perante o indivíduo, bem como a assistência social, educação, saúde, cultura e
trabalho.
Para a nossa a reflexão, julgamos ser relevante fazer referencia a classificação
tripartida do direito da saúde, posto que a nossa abordagem irá incidir numa delas, o
acesso aos serviços de saúde. Com base nesta classificação direito da saúde divide-se em
três partes, nomeadamente: (i) Direito da Saúde Pública que regula a intervenção do
Estado na protecção e promoção da saúde pública; (ii) Direito da Medicina que regula a
relação médico paciente e por último (iii) Direito das Prestações de Saúde que regula o
acesso do cidadão às prestações de saúde.
O presente artigo irá debruçar-se resumidamente sobre o acesso aos serviços de
saúde e medicamentos essências como componentes do direito à saúde, concentrando-se
nas obrigações do Estado moçambicano resultantes dos instrumentos internacionais de
direitos humanos em particular na vertente dos direitos económicos, socais e culturais,
tendo em conta a vulnerabilidade da população moçambicana para doenças endémicas,
em particular a malária. A abordagem tomará em conta a recente avaliação de
Moçambique no que concerne ao direito à saúde através do Mecanismo de Revisão
Periódica Universal (MRPU).(4)
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O direito à saúde, nos termos do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais (PIDESC), consiste no direito ao tratamento médico e serviços
preventivos de saúde para que os cidadãos possam alcançar o mais alto nível de saúde
física e mental.
Ė ponto assente, que o direito à saúde deve ser entendido como o direito de
beneficiar ou gozar de um conjunto de facilidades, bens, serviços e condições necessárias
para a realização ao mais alto nível possível de atingir, estando aqui realçado a questão da
disponibilidade e acesso aos serviços de saúde. O mesmo acontece com o acesso a
medicamentos essenciais que constitui um elemento fundamental do direito à saúde.
O direito à saúde, inclui também o acesso ao tratamento médico em caso de doença,
bem como a prevenção, tratamento e controle de enfermidades são atributos centrais do
direito a desfrutar do mais elevado nível possível de saúde, atributos que dependem do
acesso a medicamentos e da cobertura universal dos serviços de saúde (8) Falar de direito
à saúde é também referir-se ao acesso e cobertura universal (5)dos serviços de saúde, em
qualidade e quantidade para toda a população.
Do acima exposto pode-se depreender que definir o conteúdo do direito à saúde é um
desafio, mas que não impediu que este direito fosse reconhecido (9), não obstante as
dificuldades de implementação na práctica. O Comité dos Direitos Económicos, Sociais e
Culturais (CDESC), órgão responsável pela implementação e monitoria do PIDESC
instituiu o Comentário Geral número 14 que define o conteúdo e alcance do direito a saúde
e as medidas que os Estados devem adoptar para a realização deste direito (9).
4
Segundo dados divulgados em 2010, no período de 2008/2009, de 21,5 milhões de pessoas em
Moçambique, 55% da população vivem abaixo da linha de pobreza com cerca de meio dólar americano por
dia. Vide Ministério de Planificação e Desenvolvimento (MPD), Direcção Nacional de Estudos e Análises de
Politicas, (2010) Terceira
Avaliação Nacional sobre Pobreza e Bem-Estar em Moçambique, p. xiii; MISAU (2013) Plano Estratégico da
Sector da Saúde 2014-2019, Ministério da Saúde (PDC), p. 12.
5
http://countrymeters.info/pt/mozambique
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HIV/SIDA, tuberculose, diarreia, infecções respiratórias, sarampo e cólera, com destaque
para a malária, que é endémica em todo o país e constitui um dos principais desafios para
a saúde pública e para o desenvolvimento sustentável do país. 6
Em Moçambique a malária é a principal causa de problemas de saúde e principal
causa de morte. Constatou-se que 45% das admissões em consultas externas e 56% de
internamento em enfermarias de pediatria se devem à Malária. Segundo o último inquérito
demográfico de saúde (IDS 2011) a prevalência da malária em crianças é de 35,1% (10)
O acesso aos cuidados em saúde é muito baixo no país e estima-se que cerca de
50% da população vive a mais de 20 quilômetros da unidade de saúde mais próxima e
62,4% sem acesso a serviços de saúde (o país ocupa a posição 183 entre 191 países
analisados quanto à densidade de médicos). A percentagem da população com acesso a
uma unidade sanitária a menos de 45 minutos a pé aumentou de 55% para 65% entre
2002-2003 e 2008-2009, com maiores índices para as zonas rurais (especialmente no
norte do país) comparado com as zonas urbanas, onde se observa uma redução da
população com acesso a uma unidade sanitária a menos de 45 minutos de distância,
indicando a necessidade de expansão rápida das zonas urbanas.7
Os dados estatísticos e relatórios de organizações não-governamentais revelam que
a população moçambicana em particular da zona rural, que constitui a maioria, para ter
acesso aos serviços de saúde deve percorrer longas distâncias, pois não tem opção de
transporte público e mesmo depois de percorrer a pé, fá-lo sem garantias de atendimento e
tratamento com qualidade e dignidade humana (11), dadas as enchentes e condições de
atendimento no território.
Em Moçambique, a assistência é feita por meio do Sistema Nacional de Saúde (SNS)
que beneficia todo o povo moçambicano tal como disposto na lei 8 e o Estado
6
Dados de cinco anos, referente ao período de 2009 a 2013 do sistema de vigilância epidemiológica (Boletim
Epidemiológico Semanal, BES do Ministério da Saúde -MISAU), a malária conta com uma média de 5,8
milhões de casos diagnosticados clinicamente por ano, sendo a principal razão de consulta externa (45%) e
de internamento no serviço de pediatria (56%) e com alta taxa de mortalidade (variação de 1.8% a 9.9%,
dependendo do nível da unidade sanitária). Dados mais recentes, revelam que só primeiro semestre de
2014, foram registados 3.297.386 casos de malária e 1.937 óbitos em todo o País. Para além do impacto
directo na saúde, existe um peso socioeconómico enorme nas comunidades e no país em geral,
particularmente para os segmentos populacionais mais pobres e vulneráveis.
7
<http://www.aho.afro.who.int/profiles_information/index.php/Mozambique:Introduction_to_Country_Context/pt
8
Art. 116 nº1 da CRM 2004 e art. 1 da Lei2/77, de 19 de Janeiro referente ao Lei do Sistema Nacional de
Saúde (SNS), que estabelece que são gratuitas as acções sanitárias de carácter profiláctico [sem no
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responsabiliza-se pelo acesso aos serviços de saúde para todos os moçambicanos. 9, no
entanto o alcance do Serviço Nacional de Saúde é reduzido nas zonas rurais
comparativamente a zona urbana. (12)
O Sistema Nacional de Saúde funciona na base de gratuidade para um conjunto de
serviços de saúde e uma taxa simbólica para internamento e tratamento ambulatório, que
pelo nível de pobreza, falta de fontes de rendimento estáveis e conjugado com os níveis de
desemprego no país, os valores instituídos pelas taxas nos serviços de saúde, por mais
baixos que sejam afectam o acesso aos serviços de saúde, na medida que que essa taxa
é acrescida a outros custos tais como medicamentos, consulta, transporte e alimentação.
entanto indicar na lei as situações que se enquadram nesse carácter], no art. 2 determina que “todo o
cidadão tem direito à assistência médica e medicamentosa gratuita quando em regime de internamento” e no
art.º 6 fixa que a gratuidade no tratamento ambulatório é estabelecida para os medicamentos considerados
básicos. Vide art.º 1 nº1 & nº2 da Lei 4/87, de 19 de Janeiro, que trouxe algumas alterações a Lei do Sistema
Nacional de Saúde, em particular ao seu art.º 1
9
Art.º 49 da CRM.
10
Art.º 25 (1) da DUDH.
11
Art.º 12 (1) do PIDESC. O PIDESC foi adoptado em 1966 e entrou em vigor em 1976.
12
O PIDESC corresponde a transformação das disposições da Declaração Universal (DUDH), juntamente
com o PIDCP (Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos), em obrigações com forca legal, „which
are the bedrock of the international normative regime for human rights.
13
Moçambique não é signatário do PIDESC, contudo como membro da ONU está obrigado a não tomar
nenhuma medida contra a finalidade e regras plasmadas no Pacto.
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Uma característica ou aspecto a destacar do PIDESC é o princípio da
“implementação progressiva”14 o que implica que a realização do direito não é imediata
uma vez que exige meios e recursos, impondo um conjunto de obrigações essenciais
mínimos aos Estados, sendo uma das obrigações mínimas a de “garantir o acesso as
unidades hospitalares e serviços de forma não discriminatória, em particular para os
grupos vulneráveis.”15 Contudo, este princípio não deve constituir motivo ou justificação
para o Estado, em particular os países menos desenvolvidos e com menos recursos, como
Moçambique, para não realizar o direito humano à saúde, posto que o Estado
impossibilitado por falta de recursos deve justificar e demonstrar que usou de todos os
recursos e meios disponíveis com vista a satisfação do direito.16
Em nível regional africano, o quadro normativo do direito a saúde é definido a partir
do artigo 16 da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (CADHP) da União
Africana, o qual determina que “toda a pessoa tem direito ao gozo do melhor estado de
saúde física e mental que for capaz de atingir” 17 Com este instrumento regional os Estados
Africanos obrigam-se a tomar as “medidas necessárias para proteger a saúde das suas
populações e para lhes assegurar assistência médica em caso de doença.”18
14
Vide art.º 2.1 do PIDESC “Cada um dos Estados (…) compromete-se a agiVr (...) no máximo dos seus
recursos disponíveis, de modo a assegurar progressivamente o pleno exercício dos direitos reconhecidos no
presente Pacto por todos os meios apropriados, incluindo em particular por meio de medidas legislativas.”
15
CDESC Comentário Geral No. 14 Paragrafo 43, alínea a).
16
O CDESC no seu Comentário Geral No. 14 Paragrafo 47 distingue quando se deve considerar que o
Estado está „impossibilitado‟ por falta de recursos ou por „falta de vontade‟ não realizou o direito a saúde, o
que no ultimo caso considera-se que esta em violação das obrigações nos termos do art.º 12 do PIDESC.
17
Art. 16 (1) CADHP.
18
Art. 16 (2) CADHP. Dos 56 países membros da União Africana, apenas 3 países (Botswana, Egipto e a
Tunísia) não são signatários da Carta.
19
CDESC Comentário Geral No. 14 Paragrafo 33.
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assegurar que terceiros não impeçam a realização do direito à saúde 20 e o dever de
cumprir requer que o Estado seja proactivo na garantia do acesso aos cuidados de saúde,
providenciando por exemplo um número suficiente de unidades hospitalares e centros de
saúde, em particular para as zonas rurais que mais necessitam.
No que concerne a obrigação de implementação do direito à saúde, as obrigações do
Estado com relação ao direito à saúde, consistem em: 21
Reconhecimento adequado do direito à saúde na legislação e políticas nacionais;
Acesso em termos de igualdade e sem discriminação, a todos factores
determinantes de saúde, tais como alimentação, água potável, saneamento básico,
habitação adequada;
Providenciar nas Unidades Hospitalares Públicas serviços de saúde sexual e
reprodutiva;
Formar adequadamente do pessoal de saúde (médicos e outros);
Providenciar número suficiente de hospitais, clínicas e centros de saúde e outras
unidades de saúde relacionadas;
Estabelecer instituições de aconselhamento e serviços de saúde mental.
De acordo com os princípios de Limburgo,22 os Estados devem tomar medidas
legislativas, administrativas, judiciais, económicas, sociais e educacionais e se necessário
criar espaço para que medidas judiciais para reparação ou restituição do direito violado.
Com relação ao direito à saúde, o Comité dos Direitos Económicos e Sociais determina
que os Estados têm no mínimo que cumprir as seguintes obrigações essenciais: (i) garantir
o acesso a unidades hospitalares (centros de saúde ou outros), bens e serviços; (ii)
Providenciar medicamentos essenciais tal como definidos pela OMS e (iii) garantir uma
distribuição equitativa das unidades, bens e serviços de saúde.23
20
Esta obrigação pode ser cumprida através de medidas legislativas e monitoria dos serviços de saúde em
caso de terceirização ou privatização dos serviços de saúde.
21
CDESC Comentário Geral No. 14 Parágrafo 37.
22
São princípios elaborados em 1986 pela Comissão Internacional de Juristas (http://www.icj.org ) que
ilustram as obrigações dos Estados relacionados com os direitos económicos, sociais e culturais resultantes
do PIDESC. Disponível em < https://www.escr-net.org/resources/limburg-principles-implementation-
international-covenant-economic-social-and-cultural >
23
CDESC Comentário Geral No. 14 paragrafo 43, alínea a), d) e c).
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Alguns aspectos do Direito à Saúde como direito humano em Moçambique
24
Vide Capitulo V, Direitos e Deveres Económicos, Sociais e Culturais; Vide Relatório de Moçambique
(2016) no âmbito do Mecanismo de Revisão Periódica Universal (MRPU) no período de 2011 a 2016 p.3.
Disponível em <http://www.upr-info.org/sites/default/files/document/mozambique/session_24_-
_january_2016/unct_mozambique_upr24_moz_e_main.pdf>
25
Reafirmada pelo Secretário Geral da ONU em 2008, através da Policy Decision 2008/18 que recomendou
a OMS e a as Agencias da ONU que trabalham na área da saúde para continuarem a reforçar a sua
capacidade para integrar a abordagem baseada nos direitos humanos e advogar para os direitos humanos
relacionados com a saúde.
http://www.ohchr.org/Documents/Issues/ESCR/Health/HRBA_HealthInformationSheet.pdf
26
CDESC Comentário Geral número 14 paragrafo 12, alínea a).
27
Relatório de Moçambique no âmbito do MRPU (2016), p. 9.
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instalações, bens e serviços de saúde devem ser acessíveis para todos no país sem
discriminação, em particular para as populações mais vulneráveis e marginalizadas. Para a
dimensão da acessibilidade física as instalações, bens e serviços de saúde devem estar a
uma distância de acesso seguro para todos os segmentos populacionais e com acesso
para pessoas com deficiência. Com relação a acessibilidade económica, os serviços
devem ser economicamente acessíveis para todos incluindo os grupos mais empobrecidos
(8). O acesso às instalações e serviços de saúde são em princípio gratuitos em
Moçambique.28.
E por último, a dimensão do acesso a informação que implica o direito de procurar,
receber e transmitir informação relacionada com a saúde. O Ministério da Saúde-MISAU
tem feito campanhas visíveis sobre os problemas de saúde, o que é preciso aferir e se
essa informação é devidamente recebida e transmitida tendo em conta as barreiras
culturais e linguísticas e bem como tendo em conta a relação médico paciente e pessoal
de saúde e se estes não constituem a principal barreira na transmissão da informação.29
Para o critério da aceitabilidade, que se refere ao respeito pela ética médica,
requisitos culturalmente apropriados, sensíveis ao género e às condições do ciclo da
vida,30podemos realçar que as condições de atendimento, as enchentes e as longas filas
de espera, associado ao cansaço do pessoal de saúde, muitas vezes tem criado
dificuldades e constrangimento que resultam no mau atendimento, algumas vezes
involuntário e colocando em risco a confidencialidade dos pacientes.31
Pelo critério da qualidade, os serviços e bens de saúde devem ser científicos e
medicamente apropriados e de boa qualidade,32 constituíndo obrigação do Estado o
estabelecimento de um sistema regulatório para verificar a segurança e qualidade dos
serviços e bens, tendo em conta o risco de falsificação.
A recente avaliação de Moçambique no último relatório do Mecanismo de Revisão
Periódica Universal da ONU, o acesso da população aos serviços e profissionais de saúde
é limitado, com apenas 36% da população com esse direito garantido, mesmo assim em
28
Sujeitos a uma taxa mínima, incluindo serviços de internamento hospitalar nos termos da Lei 2/77 de 27 de
setembro de 1977. (Lei que regula a criação de taxas de internamento hospitalar).
29
CDESC Comentário Geral No. 14 paragrafo 12, alínea b).
30
CDESC Comentário Geral No. 14 paragrafo 12, alínea c).
31
Não constitui novidade e existem relatos de pessoas que foram atendidas em condições que não permitem
o respeito pela confidencialidade, em particular doentes de HIV/SIDA.
32
CDESC Comentário Geral Número. 14 Parágrafo 12, alínea d).
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um espaço de 45 minutos a pé de distância e a ratio de profissionais de saúde/população é
de 5.6 médicos para 100.000 habitantes.33 Esses dados dizem muito sobre a situação e do
caminho que se tem que percorrer para a realização do direito á saúde em Moçambique.
Conclusão
O direito à saúde em Moçambique é garantido, pelo menos em termos formais pelo
legislador moçambicano através da Constituição, leis e dos vários instrumentos
internacionais que abordam o direito à saúde e ratificados por Moçambique. Contudo, a
perspectiva de protecção desse direito, no componente de acesso aos serviços de saúde e
medicamentos essenciais não é o mais adequado, o que choca com a característica da
universalidade do direito à saúde como direito humano.
O Estado moçambicano ainda está longe de assegurar a plenitude de acesso e
cobertura universal aos serviços de saúde de forma equitativa em todo o território nacional,
beneficiando as zonas urbanas e as populações residentes das zonas rurais, o que vale
dizer que para essas populações não se pode falar em direito à saúde.
A falta de acesso e cobertura universal dos serviços de saúde constitui um
impedimento na realização do direito à saúde, do qual destaca-se as longas distâncias
percorridas pelos doentes, a baixa disponibilidade de infraestrutura hospitalar e pessoal de
saúde qualificado, a pouca disponibilidade de medicamentos, qualidade dos serviços
prestados e recursos humanos capacitados.
Não obstante este cenário pouco colorido, Moçambique tem tomado medidas e
registado melhorias, embora não na velocidade desejada ou desejável. Porém, por se
tratar de um direito de realização progressiva e dependente de recursos financeiros de que
Estado dispõe não se poderá falar da violação do direito à saúde, pois o Estado só está
obrigado até ao limite dos seus recursos desde que seja respeitado com relação ao direito
à saúde o leque de obrigações mínimas essências relativas aos direitos económicos
sociais e culturais.
33
Relatório de Moçambique (2016) no âmbito do Mecanismo de Revisão Periódica Universal (MRPU), p. 9.
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23 de Março. Disponível em http://www.who.int/selection_medicines/list/en/ [Acesso: 25 set
2016].
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Saúde:(in) congruência entre o arcabouço jurídico e o sistema de saúde. Revista latino-
americana de enfermagem, 24(1):1-7, 2016.
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direitos human. 5(8), 2008.
10 Kinney, E. D. The International Human Right to Health: What Does This Mean for Our
Nation and World?. Indiana Law Review, 34: 1457, 2001.
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14 Alston, P.; Goodman, R., International Human Rights: The Successor to International
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2013.
Jona-Massarongo O. O Direito à Saúde como um direito humano em Moçambique. Revista Cadernos Ibero-
Americanos de Direito Sanitário. 2016 dez., 5 supl. 1:152-164.
Cad. Ibero-Amer. Dir. Sanit., vol. 5 supl. 1:152-164, Brasília. Dez. 2016 164