17-Texto Do Artigo-103-1-10-20201026

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A ABRANGÊNCIA DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO NO FORNECIMENTO DE

MEDICAMENTOS E ALIMENTOS ESSENCIAIS À MANUTENÇÃO E EFETIVAÇÃO


DO DIREITO À SAÚDE
ARENHARDT, Renato1
HOFFMANN, Eduardo 2

RESUMO:

O presente artigo pretende analisar a abrangência do direito à saúde e a responsabilidade civil do Estado no que diz
respeito ao fornecimento de medicamentos e alimentos essenciais. Primeiramente, traça r-se-á um paralelo acerca dos
direitos fundamentais e sociais e a importância do direito à saúde na concretização ao direito à vida. Em seguida,
analisaremos a obrigação do constitucional do Estado em efetivar e implementar esse direito. Ademais exploraremos a
consequente inefetividade dessa prestação estatal, qual seja, no campo jurídico, a judicialização do direito à saúde,
especificamente para o fornecimento de medicamentos e alimentos essenciais. também será apresentado um levantamento
que realizamos sobre o posicionamento jurisprudencial e doutrinário acerca do tema. E, por fim, Abordar-se-ão algumas
medidas adotadas pelo Estado a fim de cumprir sua obrigação e minimizar os efeitos da concretização extraordinária
desse direito.

PALAVRAS-CHAVE: Direito à Saúde. Políticas Públicas. Responsabilidade do Estado. Judicialização.

THE SCOPE OF THE RESPONSIBILITY OF THE STATE ON PROVIDING MEDICINES AND


ESSENCIAL FOOD TO THE MAINTENANCE AND EFFECTIVENESS OF THE RIGHT TO HEALTH.

ABSTRACT:

The present article intends to analise the scope o fright to healt hand the responsibility of the State concerning the supply
of medicines and essencial food. Firstly, wedraw a parallel on fundamental and social rights and the importance of the
right to health in the realization of the right to life. After that, we will analise the constitutional obligation of the State in
accomplish to implement this right; as well as explore the consequentin effec tiveness of this state provision and its
consequence in the legal field, in other words, the judicialization of the right to health, specifically for the supply of
medicines and essencial food. In this aspect, the doctrinal under standing sand the positions of the Courts on the subject
will be high lighted. And, lastly, some measures adopted by the State with the scope of fulfilling its obligation and
minimizing the effects of the extraordinary realization of this right will be addressed.

KEYWORDS: Health. public policies. State responsibility.

1 INTRODUÇÃO

É sabido que o direito fundamental à saúde é consagrado na Carta Magna da República, em


seu artigo 196, notoriamente, como direito de toda a coletividade – dever do Estado – que, além da
prestação à saúde, tem por meio do dispositivo constitucional o vínculo obrigacional em desenvolver
políticas públicas que visem à redução de doenças, à proteção e à recuperação da saúde.

1
Renato Arenhardt, Farmacêutico, Acadêmico de Direito do Centro Universitário da Fundação Assis Gurgacz. [email protected]
2
Eduardo Hoffman, Mestre em Direito, Docente do Centro Universitário da Fundação Assis Gurgacz. [email protected] .
Em análise macro, a prestação do direito à saúde por parte do Estado se efetivará mediante
ações específicas em uma dimensão individualizada e também mediante a promoção de amplas
políticas públicas, que visem a diminuição do risco de doença e agravos.
Em consequência disso, a Lei Federal 8.080/90 criou o Sistema Único de Saúde, que
estabelece e regula as ações para promoção e manutenção da saúde em todo o território nacional. O
artigo 6º da referida lei dispõe acerca do campo de atuação do Sistema Único de Saúde, trazendo
especificamente na alínea "d" do inciso I e inciso IV, a obrigação de todos os entes federativos de
fornecerem medicamentos e alimentos essenciais à manutenção da saúde:

Art. 6º Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS):
I - a execução de ações:
d) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica;
IV - a vigilância nutricional e a orientação alimentar;

Nesse sentido, para cumprir a sua obrigação em garantir aos seus cidadãos o direito fundamental
à saúde, cabe objetivamente ao Estado o fornecimento de medicamentos, alimentos para fins
especiais, além de outras preparações e tratamentos, considerados pela ciência médica
imprescindíveis para a manutenção, recuperação e reabilitação da saúde e da vida humana.
A partir do momento em que o Estado deixa de fornecer tais subsídios para manutenção da
saúde humana, restam violadas regras e princípios constitucionais. Surge daí, a responsabilidade civil
do Estado em reparar o dano causado, pautada no dever legal de prestar saúde à população e fornecer
o necessário para a manutenção da saúde.
Desta forma, o presente estudo busca evidenciar a responsabilidade do Estado em promover
e assegurar a saúde de seus cidadãos, seja pela assistência por meio das práticas convencionais, o que
engloba o fornecimento de medicamentos, seja por meio do provimento de alimentos especiais e
outras práticas que visem à redução de doenças, à proteção e à recuperação da saúde.

2 DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

No sistema jurídico vigente os direitos fundamentais são considerados um arcabouço de


institutos, normas, princípios e deveres, intrínsecos à soberania popular, que sustentam a vida em

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sociedade dos indivíduos, independentemente de sua religião, etnia, cor ou condição social. Quando
ausentes os direitos fundamentais, o homem não é capaz sequer de sobreviver (BULOS, 2015).
Desta forma, os direitos fundamentais assumem posição concreta no seio da sociedade a partir
do momento em que transforma a relação do Estado com o indivíduo, pois reconhece que
primeiramente o indivíduo possui direitos, para só então se transformar em um sujeito de obrigações
perante o Estado. Portanto, os direitos dos indivíduos frente ao Estado partem do pressuposto de que
existem em função do dever do próprio Estado de melhor cuidar das necessidades de seus cidadãos
(MENDES, 2013).
O fundamento básico desta obrigação estatal e dos direitos fundamentais do cidadão é a
dignidade da pessoa humana, que se traduz, segundo o doutrinador Uadi Lammêgo Bulos (2015),
como valor máximo social que consubstancia a integridade moral do ser humano, com um conteúdo
amplo que envolve os valores espirituais, materiais, saúde, educação, convertendo-se em um conjunto
de valores civilizatórios incorporados ao patrimônio do homem com força jurídica, que nasce desde
a concepção e se perdura além da morte, tornando-se inata ao ser humano.
Nesta esteira, os direitos fundamentais são o mínimo existencial para que a vida possa se
desenvolver e se realizar. Com isso, a dignidade da pessoa humana impõe o respeito ao ser humano
e, não admite relativizações aos direitos fundamentais (MARTINS FILHO, 2012).

2.1 DO DIREITO À VIDA

O direito à vida é o mais elementar de todos os direitos fundamentais e firma-se como requisito
essencial para o efetivo exercício de todos os demais direitos (MORAIS, 2017). Por este motivo, a
Constituição Federal assegura a todos, a inviolabilidade do direito à vida.
Nesse sentido, tem-se que a existência humana é a condição primária de todos os demais
direitos dispostos na Carta Magna da República. Não faria sentido declarar qualquer outro direito se
primariamente o próprio direito de estar vivo para desfrutá-lo não fosse assegurado. Portanto, a sua
capital relevância é superior a qualquer outro interesse (MENDES, 2013).
Rememorando a existência do princípio da dignidade da pessoa humana, que resulta da
abrangência do direito fundamental ao direito a uma existência digna, tanto no aspecto espiritual,
quanto no material, o direito à vida não se reduz ao direito à sobrevivência física (ALEXANDRINO,
2017).

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Neste sentido, vale transcrever o ensinamento do doutrinador Marcelo Alexandrino:

O direito fundamental à vida possui duplo aspecto: sob o prisma biológico traduz o direito à
integridade física e psíquica (desdobrando-se no direito à saúde, na vedação à pena de morte,
na proibição do aborto etc); em sentido mais amplo, significa o direito a condições materiais
e espirituais mínimas necessárias a uma existência condigna à natureza humana
(ALEXANDRINO, 2017, p.115).

Ainda, para o professor Alexandre Morais (2017), "A Constituição Federal proclama,
portanto, o direito à vida, cabendo ao Estado assegurá-lo em dupla acepção, senda a primeira
relacionada ao direito de continuar vivo e a segunda de ter uma vida digna quanto à subsistência".

2.1.1 Dos Direitos Sociais

Os Direitos Sociais, espécie do gênero Direitos Fundamentais, são proclamados na


Constituição Federal, em seu artigo 6º como: educação, saúde, alimentação, transporte, trabalho,
lazer, segurança, infância, moradia e assistência aos desamparados (BRASIL, 1988).
Assim, como necessidade fundamental de concretização, os direitos sociais exigem uma
prestação positiva dos entes Estatais, seja factualmente ou juridicamente. Isso se dá em decorrência
de os direitos sociais culminarem na conclusão lógica de que o homem vai muito além da sua
individualidade, sendo verdadeiro consumidor de condições mínimas necessárias para que possa
livremente desenvolver suas potencialidades (AGRA, 2012).
Tais prestações se qualificam como positivas, pois evidenciam uma obrigação de fazer por
parte do Estado, amparadas na Constituição Federal, cuja observância é obrigatória pelos Poderes
Públicos (BULOS 2015).
Nesse sentido, a prestação devida pelo Estado deve variar de acordo com a necessidade
específica de cada cidadão, ou seja, deve o agente garantidor dispor de quantia determinada capaz de
garantir a segurança da universalidade de cidadãos e também, por outro lado, de valores variáveis
necessários à manutenção da saúde em função das necessidades individuais de cada cidadão
(MENDES, 2012).

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2.2 DIREITO À SAÚDE

Partindo da premissa de que os direitos sociais são, intrinsecamente, direitos fundamentais,


ou seja, são considerados essenciais para a existência humana e, ainda, de que o Estado deve garantir
não apenas e tão somente a sobrevivência de seus cidadãos, mas também, o “viver com dignidade”,
o direito à saúde se reveste de especial importância no contexto jurídico vigente, afinal de contas,
para viver e, para viver bem, uma das condições imprescindíveis é a de que o cidadão brasileiro goze
de saúde plena.
Segundo a Constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS, 1946), a saúde é um estado
de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de
enfermidade e, ainda, os governos têm responsabilidade pela saúde dos seus povos, a qual só pode
ser assumida pelo estabelecimento de medidas sanitárias e sociais adequadas.
Os objetivos consagrados no Preâmbulo do documento da Constituição da Organização
Mundial de Saúde preconiza que "gozar do melhor estado de saúde que é possível atingir constitui
um dos direitos fundamentais de todo o ser humano. E para isso cumpre ao Estado assegurar e permitir
o acesso a saúde plena, digna a todos os seres humanos, sem distinção de raça, de religião, de credo
político, de condição econômica ou social (OLIVEIRA, 2011).
Em decorrência disso, a Constituição brasileira de 1988, em seu artigo 196, dispôs que a
promoção e manutenção da saúde é dever do Estado – direito de todos –, garantido mediante políticas
sociais e econômicas que tenham por objetivo reduzir o risco da doença e outros agravos, bem como
o acesso amplo e equânime às ações e serviços que visem a sua proteção, promoção e recuperação
(BRASIL, 1988).
Nas palavras de Sarlet (2011), as diretrizes do texto constitucional presentes no artigo 196 da
CF/1988 norteiam para recuperação como uma concepção de saúde curativa - quer dizer, acesso ao
indivíduo a meios de que possam trazer a cura para a doença, ou melhora na qualidade de vida,
hipótese em que se destacam os tratamentos contínuos.
As expressões "redução do risco de doença" e "proteção" coadunam-se com uma noção de
saúde preventiva, razão pela qual cumpre ao Estado a realização de políticas de saúde que tenham o
escopo de evitar o surgimento da doença ou evitem o dano à saúde (individual ou pública), ensejando
em deveres específicos de prevenção. Por "promoção" é possível destacar a busca pela qualidade de
vida, por meio de ações que priorizem melhorar as condições de vida e saúde das pessoas.

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Na visão de Mendes (2012), é de fácil percepção que o texto expresso pelo artigo
constitucional apresenta tanto um direito individual, quanto um direito coletivo de salvaguarda à
saúde, conduzindo o indivíduo e o Estado a uma relação jurídica obrigacional. O dispositivo
constitucional, portanto, deixa cristalino que, para além do direito fundamental à saúde, existe a
obrigação de prestação e promoção da saúde por parte do Estado.
Nas palavras do doutrinador Dirley da Cunha Junior:

O direito social à saúde é tão fundamental, por estar mais diretamente ligado ao direito à
vida, que nem precisava de reconhecimento explícito. Nada obstante, a Constituição
brasileira dispôs que a saúde é um direito de todos e dever do Estado, garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e
ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e
recuperação. Assim, constitui exigência inseparável de qualquer Estado que se preocupa
com o valor vida humana, o reconhecimento de um direito subjetivo público à saúde
(CUNHA JUNIOR, 2012, p. 768).

Para o doutrinador Professor José Afonso da Silva (2014) o direito à saúde abarca duas
vertentes, a primeira de natureza negativa, que se traduz no direito a exigir do Estado que se abstenha
de qualquer atentado contra saúde, e a segunda de natureza positiva, que expressa o direito do
indivíduo a medidas e prestações do Estado que visem a prevenção das doenças e o tratamento delas.
Ainda, o direito à saúde transparece outras duas noções: uma relacionada ao direito de defesa,
que nada mais é que a salvaguarda da saúde individual e coletiva contra quaisquer ingerências
indevidas, seja do Estado, seja do particular, e outra que se relaciona com o direito à prestação,
especificamente na imposição de deveres de proteção por parte do Estado à saúde pessoal e pública
(SARLET, 2011).
Nesse sentido, seguindo o declarado pelo Ministro Gilmar Mendes, é possível concluir que a
promoção, manutenção e o desenvolvimento da saúde é dever do Estado, que mediante políticas
sociais e econômicas deve garantir a concretização desse direito. Além disso, deve o Estado assegurar
o acesso universal e igualitário aos serviços públicos de Saúde (MENDES, 2012).
É seguindo a premissa de garantir o direito ao acesso à saúde mediante o desenvolvimento de
políticas sociais, que a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 198 criou o Sistema Único de
Saúde - SUS:
Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e
hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes
diretrizes: I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos
serviços assistenciais; III - participação da comunidade.
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A efetivação infraconstitucional do Sistema Único de Saúde (SUS) veio com a Lei 8080/1990,
que por sua vez no artigo 2º referenda os dizeres constitucionais apontando a saúde como direito
fundamental do ser humano (MENDES, 2012).
A intenção da Constituição Federal ao criar o SUS é, além de além de efetivar o direito à
saúde, estabelecer um modelo básico organizacional, em que, solidariamente, todos os entes
federativos estão integrados e hierarquizados de forma descentralizada.
Nesse sentido, pelo caráter regionalizado do SUS, a competência de cuidar da saúde da
população é comum a todos os entes da federação. Ainda, o artigo 23, inciso II, da Constituição
Federal fixa ao reverberar que a responsabilidade pela saúde junto ao indivíduo e a coletividade é
solidária à União, Estados, Municípios e Distrito Federal (MENDES, 2012).
O SUS é regido pela baliza de alguns princípios norteadores, quais sejam: Universalidade,
equidade e integralidade.
Merece especial destaque para compreensão da responsabilidade dos entes federativos pela
saúde do indivíduo e da coletividade os dizeres do doutrinador André Ramos Tavares acerca do
princípio da integralidade:

Subsumem-se ao princípio do atendimento integral (art. 198, II), que é diverso do já


mencionado acesso universal. Este se refere ao direito que, no caso, é atribuído a qualquer
pessoa. Já o atendimento integral refere-se ao próprio serviço, que no caso, deve abranger
todas as necessidades do ser humano relacionadas à saúde. Portanto, não só todos têm direito
à saúde como esta deve ser prestada de maneira completa, sem exclusões de doenças ou
patologias, por dificuldades técnicas ou financeiras do Poder Público. Não é permitido a este
esquivar-se da prestação de saúde em todos os setores (TAVARES, 2014, p. 720).

Resta evidente diante do exposto, que como o Estado colocou-se na posição de agente
garantidor do direito à saúde, por meio de políticas públicas, caso não venha a cumprir seu papel
central em garantir a saúde e, principalmente, o acesso a ela, a norma do artigo 196 da Constituição
Federal, poderá servir como fundamento necessário para exigir que o agente garantidor, o Estado,
adote as medidas cabíveis para efetivar o direito previsto no texto constitucional (SILVA, 1998).
Ainda, no caso de ausência ou insuficiência da integralidade dessas prestações, cabe de maneira
indubitável a efetivação judicial desse direito constitucionalmente garantido. Assim, cabe ao titular
do direito exigir judicialmente do Estado a providência necessária para concretização da prestação
que lhe é necessária, a fim de resguardar a sua saúde (CUNHA JUNIOR, 2012).

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2.3. DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

No sentido etimológico, responsabilidade leva diretamente à ideia de encargo, dever,


contraprestação, obrigação. No sentido jurídico, por sua vez, o termo possui exatamente a mesma
conotação. Isso porque, a essência da responsabilidade é diretamente ligada à noção de desvio de
conduta, quer dizer, ela foi projetada para alcançar condutas praticadas de forma avessa ao direito e
danosa a outrem.
Desta forma, representa o dever que alguém tem em reparar o dano decorrente da violação de
um dever jurídico originário (preexistente). Ou seja, responsabilidade civil é um dever jurídico
sucessivo que aparece para recuperar o dano decorrente da violação de um dever jurídico preexistente
(CAVALIERI FILHO, 2012).
Nas palavras de José de Aguiar Dias:

Digamos, então, que responsável, responsabilidade, assim como, enfim, todos os vocábulos
cognatos, exprimem ideia de equivalência de contraprestação, de correspondência. É
possível, diante disso, fixa uma noção, sem dúvida ainda imperfeita, de responsabilidade, no
sentido de repercussão obrigacional da atividade do homem. Como esta varia até o infinito,
é lógico concluir que são também inúmeras as espécies de responsabilidade, conforme o
campo em que se apresenta o problema: na moral, nas relações jurídicas, de direito público
ou privado (DIAS, 2012, p. 2).

De maneira simples e objetiva, Yussef Said Cahali (2007) define Responsabilidade Civil do
Estado como sendo a obrigação legal, que lhe é imposta, de ressarcir os danos causados a terceiros
por suas atividades.
Ainda de acordo com o ilustre doutrinador, essa responsabilidade apenas compreende a
reparação dos danos causados por atos ilícitos, não abarcando portanto, qualquer indenização ou
reparação em decorrência de atividade legítima do Poder Público.
Desta forma, no que tange à responsabilidade civil do Estado, a Constituição Federal de 1988,
a consagrou no artigo 37 § 6º com os seguintes dizeres: “As pessoas jurídicas de direito público e as
de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa
qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de
dolo ou culpa" (BRASIL, 1988).
Consagrada no artigo 37 § 6º da CRFB/1988 a responsabilidade objetiva propende a
satisfazer-se apenas com a simplicidade do nexo de causalidade material, sem qualquer necessidade

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de prova de culpa, sendo suficiente, apenas, a identificação do vínculo etiológico – qual seja, a
atividade do Estado, como a causa para o dano sofrido pelo particular (CAHALI, 2007).
De acordo com Cavalieri Filho (2012), o dispositivo constitucional determina em um primeiro
momento que o Estado responde objetivamente pelo dano causado pelos seus agentes a terceiros.
Condicionando à responsabilidade objetiva do Poder Público ao dano decorrente de sua atuação. Isto
é, se faz necessária uma relação de causalidade, sem a qual não é possível responsabilizá-lo
objetivamente.
No dizeres de Nader (2016), uma vez apurado o dano a um cidadão e evidenciado o nexo de
causalidade entre o prejuízo e a conduta do representante Estatal, resta clara a responsabilidade do
Estado, sem qualquer necessidade de se demonstrar a culpa.
Em suma, nas palavras de Cavalieri Filho (2012, p 262) “Haverá a responsabilidade do Estado
sempre que se possa identificar um laço de implicação recíproca entre a atuação administrativa, ainda
que fora do estrito da função, e o dano causado a terceiro”.

2.3.1 – Responsabilidade do Estado no fornecimento de medicamentos.

Partindo do pressuposto de que o Estado é responsável objetivamente em garantir aos seus


cidadãos o direito fundamental à saúde previsto na Constituição Federal, cabe a ele o fornecimento
de medicamentos imprescindíveis para a manutenção, recuperação e reabilitação da saúde e da vida
humana.
Como já dito, para tanto, seguindo a orientação e visando a efetivação da norma contida no
texto constitucional, o legislador dá corpo e forma à Lei Nº 8080/1990 que cria o Sistema Único de
Saúde – SUS, legislação que estrutura a prestação de saúde no país (BRASIL, 2018).
O artigo 6º da referida lei dispõe acerca do campo de atuação do Sistema Único de Saúde,
trazendo especificamente na alínea "d" do inciso I e inciso IV, a obrigação de todos os entes
federativos fornecer medicamentos e alimentos essenciais à manutenção da saúde:

Art. 6º Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS):
I - a execução de ações:
d) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica;
IV - a vigilância nutricional e a orientação alimentar;

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Ressalte-se que a responsabilidade pelos compromissos de bem-estar social e erradicação de
desigualdades se estende solidariamente aos Estados, Municípios, Distrito Federal e à União,
corolário da sistemática do federalismo cooperativo adotado pela Constituição Federal, em seu artigo
23. O SUS é modelo desse federalismo por cooperação, pois é estruturado com caráter interestatal, o
que torna a gestão da saúde pública e a gestão de distribuição de medicamentos e alimentos essenciais,
por força de lei, uma obrigação solidária aos entes federativos (MENDES, 2012).
A clara efetivação da mencionada cooperação solidária dos entes federativos, no que tange à
gestão da saúde pública, pode ser concretamente observada no atual entendimento proferido pelo
Egrégio Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Agravo em Recurso Especial n.
1147998/MG, abaixo ementado:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM


RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. NÃO
OCORRÊNCIA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. SOLIDARIEDADE DOS
ENTES FEDRADOS. 1. Conforme o disposto na Súmula 568/STJ, o relator está
autorizado, monocraticamente e no âmbito deste Superior Tribunal de Justiça, a dar ou a
negar provimento ao recurso quando houver jurisprudência dominante acerca do tema
(Corte Especial, Dje 17/3/2016). 2. É remansoso o posicionamento deste Tribunal
Superior no sentido de que o funcionamento do Sistema Único de Saúde - SUS é de
responsabilidade solidária dos entes federados, de forma que qualquer deles têm
legitimidade para figurar no polo passivo de demanda que objetive o acesso a meios
e medicamentos para tratamento de saúde. 3. Agravo interno a que se nega provimento.
(STJ -AgInt no AREsp: 1147998MG 2017/0143135-3, Relator: Ministro SÉRGIO
KUKINA, data do julgamento: 10/10/2017 - PRIMEIRA TURMA (grifo meu).

Uma das consequências diretas e imediatas à mencionada obrigação contida no artigo 6 da


Lei 8.080/90, é a criação, a nível federal, da Política Nacional de Medicamentos (PNM)
operacionalizada na “Portaria Nº 3.916, de 30 de Outubro de 1998”. O seu propósito precípuo é o de
garantir a necessária segurança, eficácia e qualidade dos medicamentos, a promoção do uso racional
e o acesso da população àqueles considerados essenciais.
Consta na justificativa que cria a PNM a seguinte redação:

A Política Nacional de Medicamentos, como parte essencial da Política Nacional de Saúde,


constitui um dos elementos fundamentais para a efetiva implementação de ações capazes de
promover a melhoria das condições da assistência à saúde da população. O envelhecimento
populacional gera novas demandas, cujo atendimento requer a constante adequação do
sistema de saúde e, certamente, a transformação do modelo de atenção prestada, de modo a
conferir prioridade ao caráter preventivo das ações de promoção, proteção e recuperação da
saúde. Sob esse enfoque, a política de medicamentos é, indubitavelmente, fundamental nessa
transformação.

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(...) Deve-se considerar, ainda, que modificações qualitativas e quantitativas no consumo de
medicamentos são influenciadas pelos indicadores demográficos, os quais têm demonstrado
clara tendência de aumento na expectativa de vida ao nascer.
(...) Acarretando um maior consumo e gerando um maior custo social, tem-se novamente o
processo de envelhecimento populacional interferindo sobretudo na demanda de
medicamentos destinados ao tratamento das doenças crônico-degenerativas, além de novos
procedimentos terapêuticos com utilização de medicamentos de alto custo. Igualmente,
adquire especial relevância o aumento da demanda daqueles de uso contínuo, como é o caso
dos utilizados no tratamento das doenças cardiovasculares, reumáticas e da diabetes. Frise-
se o fato de que é bastante comum, ainda, pacientes sofrerem de todas essas doenças
simultaneamente (Portaria Nº 3.916, de 30 De Outubro De 1998).

Já a nível estadual, podemos encontrar em vários Estados da Federação políticas públicas


relacionadas ao fornecimento de medicamentos. O Estado do Paraná conta atualmente com algumas
políticas de fornecimento, a principal delas, o programa "Paraná Sem Dor", que vigora desde o ano
2000. O programa é específico para tratamento da dor e disponibiliza aos usuários um elenco de
medicamentos, estabelecido com base na escada analgésica da Organização Mundial de Saúde,
permitindo a adequação da terapia farmacológica de acordo com o nível de dor experimentado pelo
paciente (SESA/PR 2018).
Não obstante a existência de políticas públicas para fornecimento de medicamentos, tanto a
nível federal, quanto em alguns Estados, observa-se que, ainda assim, os medicamentos essenciais
acabam não chegando à população, problema já reconhecido pelo Poder Judiciário, como se vê do
raciocínio exarado pelo Ministro Gilmar Mendes:

Pode ocorrer de medicamentos requeridos constarem das listas do Ministério da Saúde, ou


de políticas públicas Estaduais ou Municipais, mas não estarem sendo fornecidos à população
por problemas de gestão: há política pública determinando o fornecimento do medicamento
requerido, mas, por problemas administrativos do órgão competente, o acesso está
interrompido (MENDES, 2012, p. 630).

E, na ausência ou insuficiência dessas prestações, cabe de maneira indubitável a efetivação


judicial desse direito constitucionalmente garantido. Assim, é imperioso ao titular do direito exigir
judicialmente do Estado a providência necessária para concretização da prestação que lhe é
necessária, a fim de resguardar a sua saúde (CUNHA JUNIOR, 2012).
É sabido que não cabe ao Poder Judiciário formular políticas públicas destinadas à
manutenção da saúde, no entanto, é sua obrigação constatar se as políticas eleitas pelos órgãos
competentes são de fato compatíveis com as regras constitucionais do acesso universal e igualitário

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e, efetivamente, garantem o acesso da população à saúde, qualidade de vida e bem estar social
(MENDES, 2012).
Nos casos em que o acesso universal e igualitário à saúde é comprometido, o cidadão,
individualmente considerado, não pode ser punido pela administração ineficaz ou até pela omissão
do sistema de saúde em não considerar determinado fármaco essencial, ou não ter em quantidades
suficientes para atender a demanda (MENDES, 2012).
Neste sentido, não há dúvida que resta configurado um direito subjetivo à prestação de saúde,
passível de efetivação por meio do Poder Judiciário (MENDES, 2012).
A efetivação do direito à saúde, especificamente o fornecimento de medicamentos, pelo poder
Judiciário vem sendo fruto de inúmeras demandas e relacionam-se a diversas espécies de fármacos.
No recente Acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no Agravo de
Instrumento nº 2029825-28.2018.8.26.0000, foi reconhecida a indisponibilidade do direito à saúde
no caso concreto, sendo determinada a prestação do medicamento pelo E. Tribunal, em detrimento
de suposta padronização no fornecimento de apenas determinados medicamentos pelo ente
federativo, conforme se vê da ementa abaixo:

AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. Tutela


antecipada. Autora com artrite reumatóide soronegativa. Pretensão de receber medicamento.
Ausência de padronização que não justifica a negativa de fornecimento do medicamento.
Indisponibilidade do direito à saúde. Atestado médico que comprova a necessidade e
urgência. Invasão de atribuição entre os Poderes Judiciário e Executivo ou violação à reserva
do possível não verificadas. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. FIXAÇÃO DE
MULTA E PRAZO. Possibilidade. Ante o prazo exíguo fixado para cumprimento da
obrigação, necessária dilação do prazo. Multa diária. Medida que objetiva o cumprimento da
determinação judicial. Valor da multa que se mostra elevado, considerando o contexto dos
autos. Necessidade de redução da multa e fixação de teto. Reforma parcial da decisão.
Recurso parcialmente provido. (TJ-SP 20298252820188260000 SP 2029825-
28.2018.8.26.0000, Relator: Claudio Augusto Pedrassi, Data de Julgamento: 09/04/2018, 2ª
Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 09/04/2018).

Da decisão em análise, é possível inferir um caso clássico de judicialização da saúde no que


tange a necessidade de provimento de medicamento especial por parte do Estado. No caso
mencionado, para manutenção da saúde da requerente, em sua individualidade, era necessário
fornecimento de medicamento não previsto no rol daqueles fornecidos pelo ente federativo em
questão. Ainda assim, o Poder Judiciário, ante a essencialidade do medicamento para manutenção da
vida e da saúde da requerente, não hesitou em condenar o Estado, em tutela liminar, ao fornecimento
do medicamento pleiteado, de forma especial e individualizada.

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Recentemente, visando uniformizar a judicialização e o acesso aos medicamentos não
cobertos pelo SUS, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça fixou a tese de que constitui obrigação do
poder público o fornecimento de medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS, desde
que presentes, cumulativamente, os requisitos presentes na ementa do RECURSO ESPECIAL Nº
1.657.156 - RJ (2017/0025629-7):

ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE


CONTROVÉRSIA. TEMA 106. JULGAMENTO SOB O RITO DO ART. 1.036 DO
CPC/2015. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS NÃO CONSTANTES DOS ATOS
NORMATIVOS DO SUS. POSSIBILIDADE. CARÁTER EXCEPCIONAL. REQUISITOS
CUMULATIVOS PARA O FORNECIMENTO. 1. Caso dos autos: A ora recorrida,
conforme consta do receituário e do laudo médico (fls. 14-15, e-STJ), é portadora de
glaucoma crônico bilateral (CID 440.1), necessitando fazer uso contínuo de medicamentos
(colírios: azorga 5 ml, glaub 5 ml e optive 15 ml), na forma prescrita por médico em
atendimento pelo Sistema Único de Saúde - SUS. A Corte de origem entendeu que foi
devidamente demonstrada a necessidade da ora recorrida em receber a medicação pleiteada,
bem como a ausência de condições financeiras para aquisição dos medicamentos. 2.
Alegações da recorrente: Destacou-se que a assistência farmacêutica estatal apenas pode ser
prestada por intermédio da entrega de medicamentos prescritos em conformidade com os
Protocolos Clínicos incorporados ao SUS ou, na hipótese de inexistência de protocolo, com
o fornecimento de medicamentos constantes em listas editadas pelos entes públicos.
Subsidiariamente, pede que seja reconhecida a possibilidade de substituição do medicamento
pleiteado por outros já padronizados e disponibilizados. 3. Tese afetada: Obrigatoriedade do
poder público de fornecer medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS
(Tema 106). Trata-se, portanto, exclusivamente do fornecimento de medicamento, previsto
no inciso I do art. 19-M da Lei n. 8.080/1990, não se analisando os casos de outras
alternativas terapêuticas. 4. TESE PARA FINS DO ART. 1.036 DO CPC/2015 A
concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a
presença cumulativa dos seguintes requisitos: (i) Comprovação, por meio de laudo
médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da
imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o
tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; (ii) incapacidade financeira
de arcar com o custo do medicamento prescrito; (iii) existência de registro na ANVISA
do medicamento. 5. Recurso especial do Estado do Rio de Janeiro não provido. Acórdão
submetido à sistemática do art. 1.036 do CPC/2015. Documento: 82869018 - EMENTA /
ACORDÃO - Site certificado - DJe: 04/05/2018 Superior Tribunal de Justiça.

É de se inferir, portanto, que a saúde, nela englobado o acesso a medicamentos, constitui bem
vinculado à dignidade do homem. E que, sim, o desenvolvimento dela deve ficar a cargo de políticas
públicas. No entanto, muitas vezes a sua efetivação dado o caráter essencial, fundamentale pleno
desse direito – será através do acionamento da máquina judicial, que por sua vez, deverá criar
mecanismos que visem a tutela e efetivação desse direito fundamental, sem, todavia, extrapolar os
limites do necessário e mínimo para existência da saúde do indivíduo.

110
2.3.2 – Responsabilidade do Estado no fornecimento de alimentos essenciais.

Da mesma forma em que o Estado é compelido a fornecer medicamentos necessários para


manutenção da saúde, devido ao vínculo obrigacional oriundo do artigo 196 e seguintes da CRFB/88,
é de sua responsabilidade por meio de políticas públicas fornecer suplementos alimentares essenciais
à manutenção e promoção à saúde (BRASIL, 1988).
Além de que, o próprio Sistema Único de Saúde, prevê, conforme já demonstrado, a atuação
de suas políticas no campo da vigilância nutricional. Ainda, determina como essencial a elaboração
de políticas e programas especialmente no campo da alimentação e nutrição, conforme podemos
observar no Art. 13, I, da Lei 8080/1990 (SUS, 1990).
Ocorre que com a evolução dos tratamentos médicos cada vez mais a suplementação alimentar
tem ocupado espaço e razão na manutenção da saúde do paciente. Isso se dá muitas vezes, desde a
primeira infância, quando devido a alguma deficiência ou carência nutricional o indivíduo necessita
de suplemento especial para seguir saudável, até em casos extraordinários que, em função de um
tratamento muito debilitante, como é a quimioterapia em pacientes com câncer, o indivíduo, a fim de
continuar vivo e imunologicamente bem, necessita do uso de suplementos especiais.
Segundo o Ministro Gilmar Mendes (2012), a evolução da medicina impõe um viés
programático ao direito à saúde, pois sempre haverá uma nova descoberta, um novo exame, um novo
prognóstico ou procedimento cirúrgico, uma nova doença, um novo tratamento, e em consequência
disso cabe ao Estado estar preparado para prover e condicionar ao seu cidadão a integralidade a que
se dispôs no Art. 196 da CRFB, qual seja, garantir a saúde.
Por certo, como ocorre com o fornecimento de medicamentos, a atuação programática do
Estado na criação de tais políticas falha, aí, então, adentramos mais uma vez no campo da
judicialização para a concretização do direito à saúde.
No recente Acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça em Recurso Especial de nº
1661689/MG, resta proferida a seguinte ementa:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. FORNECIMENTO DE


MEDICAMENTOS.ARTS. 7º, 8º, 9º, 16, 17 E 18 DA LEI 8.080/1990 AUSÊNCIA
DEPREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. REEXAME DO CONJUNTO
(...) 2. O Tribunal de origem, com base no conjunto probatório dos autos, consignou que
"infere-se dos autos que a idosa Lina Daniel Ribeiro foi diagnosticada como portadora
de câncer de intestino, encontrando-se "em déficit nutricional, com perda ponderal
progressiva", razão pela qual lhe foram prescritos os suplementos alimentares Diasip, e
Nutrison Soya ou Novasource (...) Na espécie, o relatório de fls. 21/22 indica expressamente
a imprescindibilidade dos suplementos supramencionados para o controle da situação da

111
saúde da paciente. Desse modo, não pode a Administração Pública se eximir da sua
obrigação de assistência aos necessitados pelo simples fundamento de que o medicamento
requerido não integra a denominada RENAME - Relação Municipal de Medicamentos
Essenciais vez que tais normas administrativas que delimitam a prestação a determinadas
espécies de procedimentos médicos restringem o atendimento, violando, assim, os
preceitos constitucionais da garantia do direito à saúde e à dignidade da pessoa humana.
Não bastasse isso, o Município de Juiz de Fora não trouxe qualquer elemento que pudesse
demonstrar a viabilidade de outro tratamento no âmbito do SUS, que pudesse ser aplicado
com sucesso no intuito de reverter o quadro clínico da paciente. (...) Destarte, tendo sido
comprovada a necessidade e urgência dos suplementos prescritos, deve ser mantida a
sentença ora analisada" (fls. 103-110, e-STJ). A revisão desse entendimento implica reexame
de matéria fático-probatória, o que atrai o óbice da Súmula 7/STJ. Precedentes: AgInt no
AREsp 964.531/DF, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 8.3.2017;
AgRg no AREsp 708.411/PE, Rel. Ministro Og. Fernandes, Segunda Turma, DJe
18.11.2016; e AgInt no AREsp 962.285/DF, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma,
DJe 5.10.2016. 3. Recurso Especial não conhecido.

É possível inferir da competente decisão que cabe ao Estado precipuamente garantir a saúde
de seus cidadãos, independentemente da necessidade do cidadão em questão estar coberta por
determinada lista ou critério estabelecido pelo governo. Essa decisão claramente coaduna-se com o
texto constitucional, pois determina que independente do que está planejado, para saúde, há
necessidade de haver adaptações para alcançar a responsabilidade do Estado em garantir o pleno gozo
de saúde de seus cidadãos.

2.3.3 – Das novas práticas assegurativas ao direito à saúde.

Ciente da sua obrigação constitucional em promover, manter, e assegurar a saúde aos seus
cidadãos o Estado cada vez mais objetiva a prevenção da saúde. Entende-se que quanto maior a
ausência de doença, menor é o custo empregado no provimento dos múltiplos anseios individuais em
sede da judicialização desse direito à saúde.
Nesse sentido, surgem, como evolução no que diz respeito a essa responsabilidade, políticas
preventivas dos entes estatais a fim de dar manutenção e promoção à saúde do povo brasileiro.
Deste novo entendimento surge a Política Nacional de práticas integrativas e complementares
do SUS, tendo como principal objetivo incorporar e implementar ao SUS a perspectiva de prevenção
de agravos e da promoção e recuperação da saúde, com ênfase na atenção básica, primária, voltado
para um cuidado continuado e integral. Com isso, objetiva-se contribuir para o aumento da
resolutividade do SUS (PNPIC, 2018).

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Dentre as principais práticas estão: A medicina tradicional chinesa, homeopatia, o uso de
plantas medicinais, a hipnoterapia, constelação familiar, reike, dentre outras. Essa terapias
complementares estão presentes em mais de 9.350 estabelecimentos, num total de 3.173 municípios
no ano de 2017 foram realizados aproximadamente 1,4 milhões de atendimentos, e a estimativa é que
entre atendimento individuais e coletivas cerca de 5 milhões de pessoas tenham sido beneficiadas
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2018).
A luz do exposto é possível perceber que o Estado cada vez mais busca formas diferentes de
concretizar o disposto no artigo 196 da Constituição Federal. Essas novas práticas de saúde visam de
certa maneira cercar toda e qualquer possibilidade do risco doença, vez que uma população saudável
gera um custo menor ao Estado e cada vez menos acionar a máquina do judiciário para demandas que
geram um gasto extraordinário e muitas vezes voluptuoso, além de que, promover a saúde é uma
obrigação constitucional dos entes estatais.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Prevalece, de maneira abrangente, e sem restrições, o entendimento de que o direito à saúde


se firma como um direito subjetivo público - direito de qualquer cidadão frente ao Estado. Essa
premissa, coaduna-se com a disposição constitucional de que a saúde é um direito social, sendo dever
do Estado a sua implementação.
Os direitos sociais, como é o direito à saúde, constituem garantias a toda coletividade e o
Estado possui um dever objetivo de proteção destes direitos. Especialmente no que diz respeito à
saúde, o Estado deve promover a sua efetivação por meio de políticas públicas em que conjuntamente
todos os entes das federação estão obrigados.
No entanto, em decorrência de tamanha abrangência que possui esse direito, os entes estatais
se veem compelidos através de rotineiras ações judiciais, de maneira individual e não programada, a
efetivar a saúde ao cidadão em sua singularidade.
Isso põe em certa incerteza o puro viés coletivo desse direito, e o assenta em um vínculo
obrigacional em que o Estado é responsável objetivamente e de maneira ampla, considerando os
anseios da coletividade, mas também as necessidades específicas de cada indivíduo em sua dignidade.
Ao fim e ao cabo, as prestações estatais para implementar e efetivar o direito à saúde estão
em constante evolução. E nesta toada cada vez mais o Estado passa a investir no cuidado básico,
primário, com ênfase na prevenção, sendo cada vez mais participativo na obrigação que lhe foi

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imposta constitucionalmente, visando assim, além de realmente promover saúde digna, sua obrigação
precípua, deixar de extraordinariamente, de maneira não programada e onerosa, efetivar o direito à
saúde.

REFERÊNCIAS

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Promulgada em 05 de outubro de1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm/> Acesso em: 27 Fevereiro
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promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços
correspondentes e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8080.htm/> Acesso em: 27 Fevereiro 2018.

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Julgamento sob o rito do art. 1.036 do CPC/2015. Fornecimento de medicamentos não constantes
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