Paul Henry - O Discurso Não Funciona de Modo Isolado

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Campinas, 16 a 31 de dezembro de 2013

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‘O discurso não funciona
de modo isolado’ JOSÉ HORTA NUNES
O linguista francês Paul Henry: “Eu continuo
Foto: Antonio Scarpinetti

Especial para o JU
convencido de que para falar do sujeito,
é preciso falar de um sujeito histórico”
aul Henry, linguista e pesquisador do Centre National de la Recherche
Scientifique (CNRS, Paris/França), esteve na Unicamp para participar,
nos dias 26 e 27 de novembro, da I Jornada Internacional de Análise
sentido”, organizada pelo Labo-
de Discurso e Psicanálise “A-versão do sentido”
ratório de Estudos Urbanos (Labeurb/Nudecri/Unicamp) e pela Universidade do Vale
do Sapucaí (Univás), com a colaboração do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL/
Unicamp) e apoio da Capes e da Fapesp.
Paul Henry é autor do livro A Ferramenta Imperfeita: língua, sujeito e discur-
so, cuja segunda edição acaba de ser lançada pela Editora da Unicamp. Trata-se de um
dos pesquisadores fundamentais na história do estabelecimento da Análise de Discurso
na França, em colaboração com Michel Pêcheux, e em seus desdobramentos no Brasil.
Nesta entrevista, ele fala dos inícios da Análise de Discurso, da elaboração do
conceito de “pré-construído”, do qual é autor, e da relação entre linguística, psica-
nálise e teoria do discurso, tendo a noção de “sujeito” como lugar de articulação.
Fala também do modo como vê a realização de trabalhos que envolvem diferentes
domínios teóricos.

Jornal da Unicamp – O seu livro A Ferra- JU – No livro, o senhor trata do sujeito, da convocam, que são convocados por sua letra, momento efetivamente regra-se a questão
menta Imperfeita (Le Mauvais Outil), pu- língua e da ideologia. Na relação entre esses sua materialidade. desse modo. Mas, se não se admite que há
blicado no Brasil pela primeira vez em 1992, campos, a noção de sujeito aparece como algo É isso que levou à ideia de pré-construído, o sentido literal, e que há uma outra expli-
pela Editora da Unicamp, e agora reeditado, que permite uma articulação. Há uma distin- de início com um trabalho sobre a pressupo- cação, a explicação nesse momento, efetiva-
foi um dos que trouxeram condições para a ção que o senhor faz entre o sujeito enquanto sição tal como desenvolvido por Frege, mas mente, vai ser discursiva.
formação de vários pesquisadores em Análi- um real, digamos, e a concepção científica do nós nos distanciamos disso muito rapida- E a análise de discurso, o que ela vai fa-
se de Discurso no Brasil. Como o senhor vê, sujeito em cada um desses campos: na psica- mente, porque, simplesmente, a ideia de con- zer? Ela vai buscar, de início, sem preconceito
hoje, os inícios da Análise de Discurso? nálise, na linguística e no estudo da ideologia. teúdo de Frege consistia em que podia haver de nada em princípio, quais são os efeitos de
Paul Henry – Começamos a ter em vista Paul Henry – Sim, creio que é preciso di- ao menos dois níveis em um texto – o nível sinonímia que podem se produzir no interior
a ideia de constituir a Análise de Discurso. zer que o subtítulo do livro: sujeito, língua, superficial e algo que estava em uma posição de um corpus. Quais são, de fato, as palavras,
Foi Pêcheux que a lançou. Eu ainda não es- discurso, parte do princípio de que não se segunda, se preferir, enganchada na primeira. as frases que funcionam como se nunca ti-
tava, de modo algum, nesse terreno, visto pode tratar de nenhum desses campos sem A estrutura do texto, então, era uma hie- vessem sido sinônimas umas das outras? E,
que eu fazia linguística e coisas correlatas, levar em conta os outros, quer dizer, do sujei- rarquia, havia uma superfície e depois algo ao contrário, quais são as linhas de ruptura,
mas não diretamente. to para a psicanálise, da língua para a linguís- abaixo. E depois, na medida em que a noção de fratura, que fazem com que haja coisas
É verdade que pensamos na Análise de tica e do discurso para a análise de discurso. de pressuposição efetivamente implicava a que estão em uma parte de um corpus mas
Discurso com o objetivo de propor uma ou- Nenhum desses domínios pode ser separado ideia, grosso modo, de que a palavra tem um não em outra, de modo que se possa dizer
tra abordagem de questões de semântica. dos outros. sentido. Era preciso mudar de registro efeti- que há uma coisa diferente em uma e em ou-
Creio que é este o ponto, na medida em que Sabe-se bem que a linguística desempe- vamente. Quais são os discursos que traba- tra parte do corpus?
considerávamos que todas as concepções da nhou um papel muito importante no modo lham no interior de um discurso, linguistica- Trata-se assim mesmo de produzir, de
semântica que supunham, a grosso modo, como Lacan releu Freud, mas demarcando mente? É essa a ideia de pré-construído, não identificar diferenças, como em toda parte,
que a palavra tem um sentido, que é na pa- os limites em relação a ele, ao mesmo tem- há discurso que funcione sem fazer apelo a isso a partir de algo que é essencialmente da
lavra que é preciso procurar o sentido, não po em que a psicanálise não se reduzia a um outros discursos. análise distribucional, com a sintaxe, etc.
podiam ser sustentadas. Eu creio que isso é ramo da linguística. No que concerne à lin- JU – Qual é a diferença entre a noção de JU – E como era a questão do sujeito, da
importante. guística, efetivamente, a psicanálise não pode pressuposição e a de pré-construído? psicanálise, nesse contexto de relação entre lín-
Evidentemente que, desde então, muita ignorá-la. Isso é muito claro. A linguística se Paul Henry – A noção de pressuposição gua e discurso?
coisa se passou, a linguística também evo- encontra em uma situação difícil para regrar vem da lógica, é a idéia de Frege também. Paul Henry – Bem, para mim – eu não pos-
luiu, o pragmatismo, o cognitivismo, as te- a questão do sentido. A pressuposição é no fundo a ideia de que, so responder por Pêcheux – ela apareceu, efe-
orias gerativas transformacionais continu- Ela tem necessidade disso para identificar quando se pronuncia uma frase, implicita- tivamente, em relação ao trabalho que eu ha-
aram, mas elas não se modificaram muito, distinções de sentido, mas ela não tem uma mente, haja asserções que se apresentam em via feito sobre Frege e sobre o qual também
não é? Direi as coisas de outro modo. Eu teoria, na verdade, do sentido que a permita seu interior, que não são explicitadas no nível eu me debruçava. Quer dizer, eles mesmos
estive no começo do lançamento da ideia da regrar tudo isso. Nossa posição, portanto, foi da frase, mas sem a qual a ela não poderia ter eram obrigados, com Ducrot, a supor certas
Análise de Discurso, tal como depois ela foi a de mostrar que é no discurso que a signi- sentido. É essa a ideia de pressuposição. É coisas desse sujeito, mas sem lhe conferir ne-
desenvolvida na França e em outros lugares. ficação e o sentido se constituem. Foi esse preciso pressupor algo para que a frase tenha nhum estatuto. Então, é aí efetivamente que
A ideia de partida era justamente encontrar terreno que fez com que explorássemos o um sentido. toda a bagagem que eu tinha de leitura de
uma alternativa, estabelecer sob outras ba- discurso com métodos que lhe são próprios. E então simplesmente é um limite da no- Freud, e de psicanálise, e de Lacan, na época,
ses a questão da semântica e do sentido. Desde então, pensamos em métodos ex- ção de pré-construído, que é uma generaliza- me levou a pensar que era nesse terreno que
Havia também uma dimensão política. tremamente formais: a análise automática, ção dessa ideia, quer dizer, efetivamente há se podiam encontrar respostas.
Nessa época, passamos a considerar a propa- então, com um programa, que tratava um asserções, para dizer como os lógicos, mas É certo que a ideia de que o sujeito é um
ganda. Tratava-se de compreender como, por corpus, etc., e essa orientação tinha uma visa- eu diria discursos que são convocados como ser de linguagem, como diz Lacan, ia total-
meio de um certo número de coisas, o senti- da essencialmente experimental. Tratava-se se eles nunca fossem anteriores ao discurso mente nesse sentido, e eu penso que isso
do deveria estar nos lugares que foram atri- de ver até onde esse procedimento poderia ir explícito atual. É importante, efetivamente, é continua sendo uma questão, uma posição
buídos aos indivíduos na sociedade em geral, e que espécie de resultados poderia produzir, verdade que a ideia de pressuposição funcio- muito forte. Foi assim que aconteceu, a meu
considerando que isso passava pelo discurso. e depois também quais são os resultados so- na assim, mas justamente ela continua tribu- ver, porque nas análises, nos trabalhos publi-
bre os quais ela nos faz se debruçar. Isso era tária da ideia da literalidade: há um sentido li- cados por Ducrot, particularmente, que eram
fundamental, mais importante ainda do que teral, é isso o que é discutido, de fato, sempre. frequentes, éramos obrigados a supor uma
o sucesso a que ela podia chegar. Pode-se certamente ter o sentimento, série de coisas a respeito do sujeito, portan-
Serviço Havia já naquela época, portanto, sempre quando se está sob determinadas condições, to, não da gramática, do léxico, mas algo que
essa mistura de algo bem tecnológico: com- em um momento dado, de que há uma litera- não é da linguística.
putadores, programas, outras coisas. Havia lidade do sentido, mas a questão aí é de saber O que é esse sujeito? A discussão que
um programa muito complexo de reconheci- como esse sentido se constrói, se fabrica. há no final do livro com Oswald Ducrot é
mento automático da língua francesa, com o JU – Sim, e em seu artigo sobre as orações justamente isso. Foi assim que aconteceu.
qual tentávamos extrair estruturas sintáticas relativas, o senhor mostrou que a linguística é Bom, e eu me interessava pela psicanálise.
dos enunciados automaticamente, o que fun- insuficiente para descrever o sentido na rela- E eu continuo convencido de que para falar
cionou mais ou menos. ção entre língua e discurso. do sujeito, é preciso falar de um sujeito his-
Ele foi aperfeiçoado até que o espaço de tórico. Mas o que é essencial, assim mesmo,
Paul Henry – Aí eu creio que é verdadeira-
Pêcheux, o programa, foi interrompido. Esse é isso: o que a linguagem faz com esse ser, o
mente típico, a teoria das relativas, as deter-
é o lado tecnológico. Além disso, houve a co- que isso faz com esse ser para que haja lin-
minativas e as explicativas. A diferença entre
laboração com muitos linguistas, um traba- guagem, o que isso faz ao ser humano para
as duas não é uma diferença linguística, é
lho importante feito com historiadores, para que haja linguagem.
uma diferença discursiva, porque efetiva-
os quais o discurso tinha verdadeiramente mente isso depende do sentido que se atribui Em um universo de linguagem, o que
um lugar, através das análises de arquivo: aos elementos da proposição e não simples- acontece para que isso fale, o que isso faz com
não se pode confundir os arquivos com o dis- mente de sua sintaxe. o ser para que ele seja falante? Penso que é
curso, o discurso não são os arquivos, o tex- isso o sujeito. Para dizer de outro modo, não
O nível sintático está lá, isso é muito cla-
to não é discurso. O discurso é o texto mais há ser, não há sujeito, sem linguagem.
ro, mas o modo como se levou em conta o lé-
tudo o que permite dar um sentido, interpre- xico das orações relativas na gramática gera-
Obra: “A ferramenta imperfeita: tação. Não é, portanto, somente o texto. tiva, etc. eram procedimentos perfeitamente José Horta Nunes é pesquisador do Laboratório de
língua, sujeito e discurso” JU – O conceito de pré-construído foi muito ad hoc, quer dizer, que permitiam efetivamen- Estudos Urbanos (Labeurb/Nudecri) da Unicamp.
Autor: Paul Henry importante para o estabelecimento da Análise te construir, formalizar uma diferença, mas
Tradução: Maria Fausta Pereira de de Discurso. Como se deu sua formulação? integrando no formalismo coisas que não
Castro Paul Henry – A ideia é, efetivamente, que tinham o mesmo viés – quer dizer que essas
o que se diz, o que se escuta, é sempre atra- coisas são feitas brutalmente. Leia a íntegra desta entrevista em:
Editora da Unicamp http://www.unicamp.br/unicamp/
vessado por algo que já foi dito, atravessado Contrariamente ao que Chomsky pensa-
Área de interesse: Linguística por um dito anterior. Eu acho isso natural. O va, a gramática, a sintaxe, não é independen- ju/587/o-discurso-nao-funciona-de-
Preço: R$ 38,00 discurso não funciona de modo isolado, ele te da semântica. No limite é isso. Ou pres- modo-isolado
está sempre ligado a outros discursos que se supomos que há um sentido literal e nesse

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