Linguistica Aplicada Ao Ensino de Língua Materna
Linguistica Aplicada Ao Ensino de Língua Materna
Linguistica Aplicada Ao Ensino de Língua Materna
GUARULHOS – SP
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 4
2 FUNDAMENTAÇÃO EPISTEMOLÓGICA................................................................ 7
ESCOLAR .................................................................................................................... 9
13 LETRAMENTO...................................................................................................... 46
GERATIVISTAS ......................................................................................................... 56
AQUISIÇÃO ............................................................................................................... 60
25.4 “A língua é um dialeto com exército e marinha”, Max Weinreich .................. 103
Fonte: thoughtco.com
4
que já possuímos, como é o caso de certas normas sociais da fala, a diferença entre
nossa língua e outros sistemas de comunicação, entre outros. Algumas vezes, porém,
perceberemos que a ciência da linguagem – exatamente porque se trata de uma
ciência – sistematiza o conhecimento da área em conceitos que são muito profundos
e que exigem uma aproximação mais técnica para sua compreensão e exploração.
Nosso objetivo nesse capítulo é abordar de maneira especializada os conceitos e
definições básicas da Linguística, correlacionando-os, sempre que possível, com as
noções que fazem parte dos conhecimentos mais gerais dos falantes.
Assim, vamos ao que interessa. Um primeiro conceito a ser descoberto é o de
linguagem. Será que esse conceito não é suficientemente óbvio para ser explicado?
O falante comum, não-técnico, costuma pensar no conceito de linguagem humana
como se opondo à linguagem de sinais, gestual, corporal, linguagem da propaganda,
da computação, etc. As diferenças entre essas noções são, no entanto, o bastante
para se formular uma definição? O conhecimento técnico de linguagem exige que,
paralelamente, estudemos também a noção de língua, uma vez que ambas são
realidades muito próximas para se estudar o fenômeno linguístico. Algumas línguas
usam apenas um termo para se referir às noções de língua e linguagem (por exemplo,
o termo do inglês language), tão próximos são os dois conceitos. Convencionou-se
atribuir o termo linguagem à capacidade geral que temos, enquanto seres humanos,
de utilizar sinais com vistas à comunicação. Assim, essa capacidade chega a nós
como resultado de um processo evolutivo. Todos os homens e mulheres,
independente de falarem uma língua natural (como português), ou de utilizarem
línguas de sinais na comunicação entre surdos, ou de serem acometidos de patologias
que prejudicam a comunicação verbal, são portadores dessa capacidade, ou seja, têm
linguagem.
A língua, por sua vez, é uma noção que sugere que a capacidade de linguagem
se atualiza em um material concreto, disponível culturalmente, uma língua natural. Nos
próximos capítulos nos deteremos em outras acepções das noções de língua e
linguagem. Por enquanto, é suficiente que fique claro que todo ser humano nasce
dotado de uma capacidade geral chamada linguagem, ou faculdade da linguagem, e
que essa capacidade se atualiza, se concretiza em uma língua específica, um conjunto
de signos e normas que permitem a comunicação em uma comunidade particular.
Dificilmente seríamos o que somos hoje, em termos de conhecimento, acesso a
5
informações, desenvolvimento tecnológico e relações interpessoais, sem uma
linguagem e sem uma língua. Todas as nossas atividades cotidianas exigem que,
direta ou indiretamente, usemos a capacidade linguística, seja para nos comunicar
com outras pessoas, seja para contar histórias aos nossos filhos, seja para negociar
com o gerente de nosso banco, seja para contar uma piada, uma mentira, fazer uma
fofoca, etc.
A língua/linguagem é atividade constitutiva e incontornável de nossa natureza
humana, por isso, possivelmente, qualquer falante tem a habilidade de definir sua
língua em oposição a uma língua estrangeira, reconhecer outro falante como usuário
de sua própria língua, distinguir uma língua natural de um conjunto de sons ou letras
sem sentido. A linguística, porém, como o estudo científico da língua/linguagem
humanas, se ocupa com questões que provavelmente não incomodariam o usuário
comum. Poucos falantes, por exemplo, se preocuparam em estudar a evolução da
língua, tanto do ponto de vista de como as formas do latim, por exemplo, evoluíram
até chegar ao que constitui hoje a estrutura das línguas românicas, como o português,
o francês, o romeno, etc.; quanto do ponto de vista de como a capacidade da
linguagem evoluiu na espécie humana ao longo dos milhares de anos que separam o
homem moderno dos primeiros primatas.
A linguística, além de questões como a tratada acima, estuda o modo como a
língua se estrutura genericamente, através de propriedades de associação e
distribuição, o que corresponde, parcialmente, às tradicionais análises
morfossintáticas que fazíamos na escola. Outra preocupação da linguística é
investigar como um falante sai de um estado em que virtualmente não conhece sua
língua materna (porque é bebê, por exemplo) e passa ao estado em que domina as
estruturas de sua língua, ou seja, adquire e desenvolve conhecimentos linguísticos.
Muitas outras são as questões discutidas pela linguística, as quais serão apresentadas
e aprofundadas nas próximas páginas deste capítulo. Apresentaremos agora algumas
definições e conceitos elaborados por linguistas de renome, que indicam a variedade
de abordagens que esses fenômenos recebem no campo da ciência linguística.
6
2 FUNDAMENTAÇÃO EPISTEMOLÓGICA
Fonte:anacuder.com
7
sendo, a linguagem teria propriedades universais. Do mesmo modo que Saussure
distingue a língua da fala, Chomsky distingue a competência do desempenho
2.1 Competência e desempenho
2.2 Desempenho
8
3 HISTÓRICO DA DISCIPLINA DA LÍNGUA PORTUGUESA NO CURRÍCULO
ESCOLAR
11
a Linguística da Sociologia ou da Psicologia Social; a competência – conhecimento
linguístico internalizado – aproxima a Linguística da Psicologia Cognitiva ou da
Biologia (PETER, 2004, p.15).
Fonte: cognikids.com
12
SOCIOLINGUÍSTICA embora o conceito que vem a seguir não tenha sido
desenvolvido especificamente dentro da Sociolinguística, foi amplamente utilizado por
essa área do saber.
4.1 A Linguagem como Interação
13
4.2 O Texto como Enunciado
14
4.3 Gêneros do discurso
5 VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS
5.1 Norma
16
semáforo; entre os nordestinos: sinal; A variante antão, para alguns caipiras, então
para a norma da cidade grande, etc.
“As variações de uma língua são decorrentes do fato de a linguagem ser uma
forma de atividade cultural praticada por vários grupos sociais. Essas variações podem-se
manifestar de indivíduo para indivíduo e de grupo para grupo”.
Cada dialeto pode-se dividir em subdialetos, já que os dialetos não oferecem
uma unidade absoluta em todo território por onde se estende. Desse modo, os
17
subdialetos irão apresentar traços linguísticos secundários entre zonas desse
território. Os traços linguísticos que servem de parâmetros para a classificação em
dialetos e subdialetos de uma língua, geralmente, são os fonológicos e os
morfológicos, pois estes traços são mais estáveis nas línguas. Castim (1994, p. 48),
ao otimizar algumas ideias sobre o dialeto, apresenta os seguintes tópicos: - todo
dialeto é um sistema de signos e de regras combinatórias da mesma origem do
sistema considerado como língua; - nos países que possuem uma língua oficial, o
dialeto é excluído das relações oficiais e das escolas. Exemplo: o caso do francês e
do champanhês; - o dialeto mantém com a língua de que se origina traços linguísticos
fundamentais e o sentimento de comunidade entre os seus usuários. Exemplo: o
português do Brasil e de Portugal; - o termo dialeto caracteriza também um sistema
de signos e de regras de um determinado grupo social, comumente conhecido por
jargão (jargão de médicos, de engenheiros, de advogados, de militares).
Dentro deste quadro geral de dialetos, subdialetos, vamos encontrar o idioleto,
que é definido como o conjunto de enunciados realizados por uma só pessoa; por isso
é considerado a menor limitação de um dialeto. Isso porque numa comunidade não
vamos encontrar duas pessoas que falem do mesmo jeito. “A noção de idioleto parte
do princípio de que cada pessoa tem sua maneira própria de usar a língua, dependente
que é de condições psicofisiológicas, ambientais e sociais” (Ibidem).
Há, dentro desta área, outros termos como – o socioleto, o tecnoleto, o
biodialeto, o interleto. O primeiro termo, também chamado dialeto social, corresponde
ao uso linguístico próprio de uma classe social. Citando Monteiro (2000, p. 50), “é o
conjunto de traços linguísticos empregados preferencialmente por um determinado
estrato social”. O tecnoleto, o próprio nome já ajuda, é uma variedade linguística
própria de um domínio profissional, exemplos: o economês, o pedagogês. O biodioleto
refere -se ao uso linguístico influenciado pelas fases da vida (criança, adolescente,
idoso) ou de aspectos biológicos do falante; pode-se classificar em etnoleto – faixa
etária, ou sexoleto - diferenças no falar atribuídas ao fator sexo. Já o interleto
acontece, principalmente, quando os falantes moram em zona fronteiriça entre duas
línguas. Assim, eles falam com influência das duas línguas, ou uma língua franca. Os
conceitos advindos da Sociolinguística são inúmeros, por enquanto vamos ficar com
esses.
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6 LINGUÍSTICA TEXTUAL FRASE, TEXTO E CONTEXTO
Fonte: www.theodysseyonline.com
Frase
Em relação à frase, vamos resumir três visões:
Por exemplo:
Este livro aborda assuntos de Linguística para os alunos de Educação a Distância.
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gramática tradicional). Contudo, modernamente, a gramática prefere dizer de que se
constitui a frase e não simplesmente defini-la. Por essa visão, uma frase é um
enunciado cujos constituintes assumem uma função (Gramática ou Linguística
Funcional). De acordo com a Gramática Gerativa, a frase se define como um conjunto
hierarquizado de constituintes: os de ordem superior e os de ordem inferior. Cada
constituinte de ordem inferior faz parte de um constituinte de ordem superior.
Texto
Um dos primeiros aspectos a serem considerados na definição de texto é que
ele não tem existência fora de sua produção e de sua recepção (FÁVERO; KOCH,
1998, p.22). Outro ponto a acrescentar vem com o posicionamento de Marcuschi
(1996, p. 9): “O texto se acha em permanente elaboração e reelaboração ao longo de
sua história e ao longo das diversas recepções pelos diversos leitores”. Vamos
encontrar mais adiante em Fávero e Koch (1998, p. 25), a seguinte definição de texto:
“(...) consiste em qualquer passagem, falada ou escrita, que forma um todo
significativo, independentemente de sua extensão”. Logo, uma obra completa de um
autor é um texto, um capítulo, um parágrafo, uma frase, tudo pode ser considerado
texto, desde que forme um todo significativo.
21
ideias, emoções e desejos por meio de símbolos voluntariamente produzidos. 218
Noam Chomsky (1957).
A linguagem é um conjunto (finito ou infinito) de sentenças, cada uma finita em
seu comprimento e construída a partir de um conjunto finito de elementos. Noam
Chomsky (2000) A linguagem é um componente da mente/cérebro humanos
especificamente dedicada ao conhecimento e uso da língua. A faculdade da
linguagem é o órgão da linguagem. A língua é então um estado dessa faculdade.
Carlos Franchi (1977) A língua é atividade constitutiva. Pela diversidade dos
posicionamentos apresentados acerca da definição de língua/linguagem, percebemos
que a linguística é marcada pela constante discussão e retomada do seu objeto de
estudo. Essas posições sinalizam, além do marco teórico defendido por seus autores,
uma postura filosófica sobre o papel da linguagem na vida dos seres humanos.
Fonte: www.spiegel.de
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A existência de uma ciência da linguagem não é, em si, o ponto de partida para
os estudos sobre a relação entre a linguagem e o ser humano. Antes de a Linguística
se constituir como ciência, seu objeto, a língua, mantinha relacionamento estreito com
muitas disciplinas, tanto do conhecimento científico, quanto do conhecimento popular.
Se considerarmos que desde a mais remota era, o homem já buscava formas de se
comunicar por meio de trocas simbólicas que possivelmente deram origem à
linguagem, tal como ela é hoje, poderíamos pressupor que desde então já havia um
interesse latente pelo estudo da linguagem. Este interesse pela compreensão do
fenômeno linguístico pode ser encontrado no mundo antigo por meio de mitos, lendas
e ritos que são comuns a várias culturas (como a origem do homem, a Torre de Babel,
etc.), e que fazem parte do conhecimento popular sobre o fenômeno linguístico, como
sua origem (várias culturas acreditam que a língua é um dom divino ou que todas as
línguas se originam língua falada entre um deus e o primeiro homem); seu poder de
fazer coisas acontecerem (a história da criação do mundo em várias culturas está
relacionada ao poder da palavra: “faça-se a luz!”); e a natureza mística das palavras
de atraírem o bem e o mal.
Os estudos sobre a linguagem podem ser reconstituídos à aproximadamente
quatro ou cinco séculos antes da nossa era. Por razões religiosas, os Hindus foram,
aparentemente, os primeiros a empreender a tarefa linguística de preservar os escritos
sagrados do Vedas contra a falsificação. Entre os Hindus, o gramático Panini fez
descrição minuciosa da língua falada entre seu povo, que veio a ser descoberta nos
fins do século XVIII, popularizando entre os linguistas e filólogos o estudo do Sânscrito.
Entre os gregos, os estudos da linguagem debruçavam-se sobre as relações desta
com os conceitos. Investigava-se se a nomeação de um conceito por meio da língua
era tarefa puramente convencional, ou se havia entre palavras e conceitos uma
relação natural. O diálogo O Crátilo, de Platão, investiga essas duas correntes para
explicar como a língua refere-se ao mundo, denominando-as de naturalismo e
convencionalismo. O diálogo sintetiza estas posições através da fala de suas
personagens: Crátilo, naturalista, acredita que os nomes refletiam o mundo, e
Hermógenes, convencionalista, defendia que os nomes das coisas lhes são atribuídos
por convenção. Outra personagem, Sócrates, através de quem o próprio Platão
expressa sua opinião, oferece a seguinte explicação para o debate:
26
• Tanto as coisas quanto a linguagem estão em constante movimento;
• No início, os nomes poderiam ter exprimido o sentido das coisas, mas
com o movimento, a expressão degenerou-se e as convenções fizeram-
se necessárias;
• Os nomes são imitações imperfeitas das coisas;
• A linguagem não pode nos ensinar a realidade, mas nos impede de ver
a essência das coisas.
27
tentava responder à questão sobre o que nos diferencia, enquanto humanos, de outros
animais: a língua era sempre apontada com a resposta a essa pergunta. Na idade
média, por exemplo, o foco dos estudos sobre a linguagem, derivados da noção de
que a língua tem origem divina, era conceber as estruturas linguísticas como
universais, o que tornava as regras gramaticais um sistema lógico autônomo e
independente das línguas naturais. Da atitude teológico-cristã, característica desse
período, derivam alguns movimentos que contribuíram para os estudos da linguagem:
Ao final desse período, o interesse pela linguagem como dom divino cedeu lugar
aos estudos sobre a lógica e a razão. O movimento chamado de iluminista e,
posteriormente, o renascimento deslocaram o interesse dos estudos científico
filosóficos da divindade para o homem. Nos estudos linguísticos, um ícone desse
movimento é a Gramática de Port-Royal, que concebe a linguagem como fundada na
razão e no pensamento do homem, sendo, portanto, universal e modelo para as
gramáticas de outras línguas. O século XIX incorpora as diretrizes racionalistas da
Gramática de Port-Royal e inaugura um interesse pelo estudo das línguas vivas na
comparação com outras línguas. Este movimento, denominado histórico-comparativo,
dá origem ao método histórico das gramáticas comparadas e à linguística histórica. O
que desencadeia esse programa de investigações é a descoberta do Sânscrito (entre
28
1786 e 1816), que demonstra as evidências de parentesco entre latim, grego, línguas
germânicas, eslavas e célticas com o sânscrito.
Essas descobertas indicam que à linguagem pode-se aplicar um modelo
biológico de evolução: as línguas são organismos vivos que nascem, crescem e
morrem, encontrando um tempo breve de perfeição. A linguística histórica surge da
possibilidade de desenvolvimentos de métodos e princípios da gramática comparada.
A comparação entre as línguas facilitava a 224 demonstração do parentesco e da
evolução histórica de uma língua. O estudo da passagem da língua de um estado para
o seguinte se dada mediante a análise das leis que determinavam essa evolução,
encontradas particularmente nos textos escritos. Assim, a gramática comparada era,
efetivamente, o estudo da evolução contínua das línguas, o que a confundia com a
própria linguística histórica. Nesse movimento, a escola neogramática acreditava que
a quase totalidade das transformações linguísticas poderia ser explicada no domínio
da fonética.
30
Diferentemente do estruturalismo que edifica sua teoria a partir de uma
pergunta sobre a gênese da significação, a gramática gerativa propõe que o que é
essencial à linguagem é a sua recursividade, isto é, o fato de com elementos finitos
ser possível gerar frases infinitamente. Frases em número infinito, mas não todo tipo
de frase. A questão que se coloca é saber o que faz com que uma frase seja uma
frase de uma língua. Conclui-se, assim, que existem princípios que filtram as frases
mal formadas. Como a ideia da existência da Gramática Universal pôde ser
considerada plausível? Ora, é uma ideia estranha: no mundo das aparências as
línguas variam; existe até o mito bíblico da torre de Babel. Para justificar a hipótese da
Gramática Universal, há uma crença e dois tipos de evidências que podem ser
chamadas de empíricas. A crença, que é a mesma que permitiu o aparecimento da
física clássica no século XVII, é a de que existe uma ordem oculta no universo, ou
seja, subjacente ao caos do mundo das aparências, existe um mundo perfeito
composto de leis que o cientista deve descobrir ou estabelecer.
A hipótese da Gramática Universal pode ser vista como uma transposição
dessa crença para o domínio da linguagem. Assim como existem as leis que pré-
determinam o universo, há os princípios que pré-estabelecem as possibilidades de
variação entre as línguas. O gerativista, que é um iluminista (mas não iluminado),
espera: o que não damos conta hoje, podemos dar conta amanhã.
O primeiro tipo de evidência que sustenta a hipótese da gramática universal é
o trabalho empírico de análise de línguas. O que se faz é um trabalho de sintaxe
comparativa no qual se procura estabelecer regularidades entre as línguas e, a partir
dessas regularidades, princípios que as expliquem. Se encontrarmos, por exemplo,
comportamento sintático espetacularmente similar entre o português do Brasil e o
chinês, como em VITRAL (1992), não há a possibilidade de se explicar isto através de
contato entre as línguas, empréstimo, etc. Parece necessário supor que há algo em
comum, num nível abstrato, entre essas línguas. O outro tipo de evidência que
sustenta a hipótese da gramática universal diz respeito à aquisição da linguagem pela
criança. As características da aquisição da linguagem desfavorecem a ideia de que a
aquisição da linguagem se dá pela transmissão de estruturas linguísticas externas
(que o adulto domina) para a criança que as intrometa. As coisas não se passam
assim. Há evidências que mostram que o ambiente linguístico da criança apenas ativa
estruturas que já são de posse da mesma. Além disso, a aquisição da linguagem é
31
homogênea, isto é, independe de classe social, grau de estimulação e tem lugar entre
1 e 4 anos; a aquisição também é completa, ou seja, a criança aprende todo o sistema
linguístico.
Não há casos de aprendizagem parcial: seria uma hipótese absurda a criança
aprender as frases interrogativas, mas não saber estruturar nem interpretar as frases
relativas porque a mãe trabalha fora e não tem tempo de ensinar. Supondo então que
a hipótese da gramática universal seja plausível, como explicar por outro lado, o fato
de ela ser universal? Ou seja, por que ela é comum a todas as línguas? Chomsky
propõe que a gramática universal deve ter uma base biológica, isto é, o que se chama
de Gramática Universal é uma teoria sobre aparecer antes do verbo em japonês e
depois do verbo em português) existiria uma gramática subjacente a todas elas. Esta
gramática seria composta de:
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linguagem é a sua recursividade, isto é, o fato de com elementos finitos ser possível
gerar frases infinitamente.
Frases em número infinito, mas não todo tipo de frase. A questão que se coloca
é saber o que faz com que uma frase seja uma frase de uma língua. Conclui-se, assim,
que existem princípios que filtram as frases mal formadas. Como a ideia da existência
da Gramática Universal pôde ser considerada plausível? Ora, é uma ideia estranha:
no mundo das aparências as línguas variam; existe até o mito bíblico da torre de Babel.
Para justificar a hipótese da Gramática Universal, há uma crença e dois tipos de
evidências que podem ser chamadas de empíricas. A crença, que é a mesma que
permitiu o aparecimento da física clássica no século XVII, é a de que existe uma ordem
oculta no universo, ou seja, subjacente ao caos do mundo das aparências, existe um
mundo perfeito composto de leis que o cientista deve descobrir ou estabelecer.
A hipótese da Gramática Universal pode ser vista como uma transposição
dessa crença para o domínio da linguagem. Assim como existem as leis que pré-
determinam o universo, há os princípios que pré-estabelecem as possibilidades de
variação entre as línguas. O gerativista, que é um iluminista (mas não iluminado),
espera: o que não damos conta hoje, podemos dar conta amanhã.
O primeiro tipo de evidência que sustenta a hipótese da gramática universal é
o trabalho empírico de análise de línguas. O que se faz é um trabalho de sintaxe
comparativa no qual se procura estabelecer regularidades entre as línguas e, a partir
dessas regularidades, princípios que as expliquem. Se encontrarmos, por exemplo,
comportamento sintático espetacularmente similar entre o português do Brasil e o
chinês, como em VITRAL (1992), não há a possibilidade de se explicar isto através de
contato entre as línguas, empréstimo, etc.
Parece necessário supor que há algo em comum, num nível abstrato, entre
essas línguas. O outro tipo de evidência que sustenta a hipótese da gramática
universal diz respeito à aquisição da linguagem pela criança. As características da
aquisição da linguagem desfavorecem a ideia de que a aquisição da linguagem se dá
pela transmissão de estruturas linguísticas externas (que o adulto domina) para a
criança que as intrometa. As coisas não se passam assim. Há evidências que mostram
que o ambiente linguístico da criança apenas ativa estruturas que já são de posse da
mesma. Além disso, a aquisição da linguagem é homogênea, isto é, independe de
classe social, grau de estimulação e tem lugar entre 1 e 4 anos; a aquisição também
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é completa, ou seja, a criança aprende todo o sistema linguístico. Não há casos de
aprendizagem parcial: seria uma hipótese absurda a criança aprender as frases
interrogativas, mas não saber estruturar nem interpretar as frases relativas porque a
mãe trabalha fora e não tem tempo de ensinar.
Supondo então que a hipótese da gramática universal seja plausível, como
explicar por outro lado, o fato de ela ser universal? Ou seja, por que ela é comum a
todas as línguas? Chomsky propõe que a gramática universal deve ter uma base
biológica, isto é, o que se chama de Gramática Universal é uma teoria sobre
mecanismos inatos, uma matriz biológica que fornece uma estrutura dentro da qual se
dá o desenvolvimento da linguagem. A gramática universal é, pois, transmitida
geneticamente. Esta hipótese de que bases do pensamento ou da linguagem possam
ter correspondentes biológicos ou anatômicos encontrou muita resistência esses anos
todos.
Estamos prontos para aceitar isto com relação a características cognitivas. O
fato é que Chomsky acredita que devemos pressupor uma matriz biológica, com
características que possam ser especificadas e que determinem o resultado de
qualquer processo ao qual o organismo seja submetido, embora estejamos muito
longe de conseguir estabelecer correspondências entre entidades biológicas e
entidades linguísticas. Referência Bibliográfica VITRAL, L. Structure de la proposition
et syntaxe du mouvement en portuguais brésilien. Tese de doutorado, Universidade
de Paris VIII, 1992.
34
7 A HIPÓTESE DA GRAMÁTICA UNIVERSAL
Fonte: www.usnews.com
36
Partindo da concepção de que todas as frases, indistintamente da língua, requerem
um sujeito, contudo esse sujeito não necessariamente tem que estar explicito, sendo
esse parâmetro ou valor que deve ser fixado. A criança, dependendo do sistema
linguístico em que se encontra, decidirá se o sujeito deve ou não constar
obrigatoriamente na frase realizada.
Entretanto, muitas perguntas sobre a problemática dos parâmetros ainda
esperam por uma explicação, tais como: ”...quantos são os valores dos parâmetros?
No estado inicial da GU, um dado parâmetro já tem uma marcação especifica ou não
tem marcação alguma? É possível haver reparametrização? O que desencadearia a
parametrização?...”
Buscando desvendar como se dá à atribuição dos valores aos parâmetros
temos três hipóteses que se propõem da conta de tal questão. A primeira afirma que
no começo do processo os parâmetros não estão completamente presentes e só com
o prosseguimento da aquisição da linguagem é que esses surgem, crendo também
que os mesmos são organizados geneticamente, de modo a ocorrerem em
determinadas etapas do amadurecimento do indivíduo, cujos fatores motivadores de
tal processo são responsáveis pela transcrição da gramática universal para a
gramática da língua nativa.
A segunda hipótese divide-se em duas perspectivas, a da competência
plena/total o entendimento que se teve é que todos os princípios estão presentes no
começo do processo, caso não ocorra à delimitação logo, o motivo pode ser um
problema de memória, por exemplo, na referida delimitação. Já a hipótese de
aprendizagem lexical explica, segundo Pinker (1984), que os princípios estejam
completamente presentes, a evolução sintática depende da interiorização de partes
morfológicas e lexicais novas, o que pressupõe a interação com o meio que rodeia o
indivíduo.
Outras partes primordiais da teoria de parâmetros da aquisição da linguagem é
a explicação da aprendizagem da língua, vista as fontes que dão suporte as crianças
são tão escassas. A resposta de Chomsky fundamenta-se exatamente na existência
da gramática universal enquanto conjunto de “...princípios inatos, biologicamente
determinados, que constituem o componente da mente humana – faculdade da
linguagem”. (Há também a questão da dissociação dos dispositivos de aquisição da
linguagem das demais instâncias cognitivas comportamentais, ou seja, a aquisição da
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língua deu acionamento da Gramática Universal e da definição de parâmetros não são
obrigatoriamente atrelados aos outros sistemas cognitivos, memória por exemplo,
bem como a interação social.
Até meados dos anos 50, pressuposições de bases teóricas behavioristas
dominavam o campo da Linguística Aplicada. Skinner, o pai do Behaviorismo,
sustentava que a aquisição da linguagem pela criança era feita através da imitação do
comportamento dos adultos e da formação de hábitos - ditos linguísticos. A língua
seria, então, um conjunto de hábitos adquiridos através do modelo "estímuloresposta",
ou seja, a criança aprende a forma "correta" da língua quando é recompensada pela
produção de um comportamento linguístico correto e punida pela produção de um
comportamento linguístico incorreto (KAPLAN, 1985).
Em 1959, CHOMSKY publicou Review o/E. F 5kinner: verbal behaviour, que
provocou uma revolução na Linguística Aplicada. Chomsky sustentava,
contrariamente a Skinner, que "as crianças nascem com uma predisposição natural
biologicamente condicionada para a aquisição da linguagem e que a simples
exposição a uma língua é suficiente para desencadear o seu processo de aquisição"
(KAPLAN, 1985:2). Esta visão da linguagem deu origem à teoria linguística chamada
Gramática Gerativa, desenvolvida por Chomsky e seus seguidores desde 1957 e cujo
objeto de estudo é a Gramática Universal (GU), ou seja, "os aspectos sintáticos que
são comuns a todas as línguas do mundo" (VITRAL, 1998:120). Para os seguidores
desta teoria, portanto, a criança nasce com uma predisposição natural para a
aprendizagem da sua língua materna. Esta predisposição natural é exatamente o que
chamam de Gramática Universal, um conjunto de princípios e parâmetros que
permitem a uma criança normal o desenvolvimento da linguagem durante os seus
primeiros anos de vida, a partir da exposição à sua língua materna.
Na visão dos pesquisadores desta linha, os princípios são responsáveis pelos
aspectos comuns a todas as línguas humanas e os parâmetros explicam a variação
encontrada entre as línguas. Os teóricos desta linha, também chamados "gerativistas"
ou "inatistas", defendem que há duas evidências que comprovam a hipótese da
Gramática Universal. A primeira delas é "o trabalho empírico de análise de línguas, no
qual se procura estabelecer regularidades entre as línguas e, a partir dessas
regularidades, princípios que as expliquem" (VITRAL, 1998:122).
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A segunda evidência se baseia na aquisição da linguagem pela criança. Como
já foi dito, acredita-se que o ambiente linguístico ao qual a criança é exposta apenas
ativa suas estruturas linguísticas inatas, permitindo o desenvolvimento da linguagem.
Além disso, toda criança normal, independentemente da sua classe social ou do grau
de estimulação que recebe, é capaz de aprender sua língua materna nos primeiros
anos de vida (entre 1 e 4 anos de idade) e esta aprendizagem é completa, ou seja, a
criança aprende todo o sistema linguístico de sua língua (VITRAL, 1998:123). Este
seria, então, o chamado "problema da aquisição da linguagem". Estudos sobre o
ambiente linguístico ao qual a criança está exposta mostraram que o input recebido é
insuficiente para a aquisição da linguagem. WHITE (l989a) apresenta três problemas
desse: a subdeterminarão, a degeneração e a ausência de evidência negativa.
A subdeterminarão se refere ao fato de que vários aspectos da língua são
subdeterminados pelo input, isto é, o conhecimento que a criança adquire da sua
língua, chamado de competência linguística, inclui noções que não são óbvias no input
recebido e que não são ensinadas diretamente. O conhecimento implícito subjacente
ao uso da linguagem vai muito além daquilo a que uma criança qualquer estaria
realmente exposta, e este conhecimento não poderia ser adquirido através de
estratégias gerais de aprendizagem ou habilidades de solução de problemas. A
degeneração se refere ao fato de que o input que a criança recebe nem sempre é
perfeito. Na verdade, este input é cheio de erros, hesitações e interrupções, incluindo
frases agramaticais e formas parciais tanto quanto frases gramaticais.
A ausência de evidência negativa, ou seja, ausência de informações explícitas
sobre que frases seriam agramaticais, constitui um outro problema para a
aprendizagem da língua. Pesquisas sobre aquisição de língua materna sugerem que
as crianças geralmente não são corrigidas quando produzem uma frase agramatical.
Este tipo de evidência, portanto, não estaria presente no input recebido pelas crianças,
mas apenas evidências positivas na forma de frases gramaticais (ou quase) realmente
ouvidas pelas crianças.
Apesar desses problemas, toda criança normal é capaz de aprender sua língua
materna num período de tempo surpreendentemente curto e normalmente consegue
se comunicar livremente já na idade pré-escolar (KLEIN, 1986:3). Chomsky propôs
que isso é possível porque a Gramática Universal tem uma base biológica, ou seja,
mecanismos inatos da mente da criança que permitem a aquisição da linguagem.
39
Esses mecanismos constituem os princípios e parâmetros da Gramática Universal e
estariam presentes na forma de estruturas mentais inatas, que foram chamadas de
Dispositivo de Aquisição da Linguagem. Esse dispositivo contraria os princípios
universais inerentes a todas as línguas humanas e também os parâmetros universais
que permitem suas variações e, por isso, seria responsável por construir a
competência linguística da criança a partir dos dados linguísticos do input. Segundo
COOK (1983:16), esse dispositivo mental
41
10 A QUESTÃO DO ACESSO À GRAMÁTICA UNIVERSAL
Fonte: martijnscheijbeler.com
42
Para outros (como GREGG, 1993; VAN LIER, 1994) este número não passa de
cinco. Numa rápida revisão da literatura pertinente (ELLIS, 1985 e 1997; KLEIN, 1986;
MCLAUGHLIN, 1987; LARSEN-FREEMAN & LONG, 1991), verifica-se que, dentre as
teorias de maior repercussão, encontram-se: o Modelo de Aculturação, de Schumann;
os Estudos sobre Interlíngua, termo cunhado por Selinker para definir a língua do
aprendiz; o Modelo do Monitor, de Krashen, com suas cinco hipóteses, que talvez seja
o modelo de maior penetração na área do ensino de segunda língua; e a Hipótese da
Gramática Universal, baseada nos estudos da escola chomskiana sobre aquisição de
língua materna (U). A lista, obviamente, não se esgota aqui, nem tampouco estas
teorias, que, por serem mais famosas e talvez mais abrangentes, estão livres de
críticas e questionamentos. O objetivo apresentar a teoria de aquisição de segunda
língua com base na Hipótese da Gramática Universal (GD), discutir o chamado
"problema da aquisição de segunda língua", que será apresentado no decorrer do
texto a seguir, e fazer algumas reflexões sobre pontos obscuros ou controversos já
apontados na teoria.
Como já foi dito, existem várias teorias sobre a aquisição de língua estrangeira,
e a Hipótese da Gramática Universal é apenas uma delas. Contudo, mesmo entre
aqueles que defendem a ideia de que a espécie humana dispõe de uma capacidade
inata para a aquisição da linguagem, no âmbito da aquisição de segunda língua, há
divergências. A principal delas é a questão do acesso à Gramática Universal, ou seja,
até que ponto um aprendiz de segunda língua continua tendo acesso aos princípios e
parâmetros da Gu. ELLIS (1997:69) lista quatro posições teóricas contraditórias, o que
comprova que o papel da GU na aquisição de língua estrangeira ainda é incerto.
Vejamos quais são estas posições:
11 TEORIAS DA LEITURA
44
a) Leitura de palavras: Não há como ler e interpretar um texto sem conseguir ler
as palavras;
b) Vocabulário: O leitor precisa ter conhecimento de mundo para entender o
significado de um texto;
c) Inteligência verbal: É necessário fazer inferências verbais. Grande parte do
conteúdo do texto não é explicitada, havendo necessidade de fazer inferência;
d) Inteligência e habilidades atencionais visoespaciais: O leitor precisa se orientar
espacialmente no texto, sem perder o rumo e sem pular ou negligenciar palavras ou
pedaços de palavras;
e) Processamento sintático-semântico no nível da sentença: Há a necessidade de
entender como é que as palavras se articulam sintaticamente no interior das frases,
de modo a transmitir conteúdos;
f) Processamento textual propriamente dito: Necessário para integrar as
informações das diversas frases entre si;
g) Memória de trabalho: Manutenção de todas as informações na mente de modo
a poder integrá-las;
h) Motivação: A criança precisa aprender a gostar e não ter medo da leitura.
12 PRODUÇÃO TEXTUAL
Tipos de Textos:
45
Antes de mais nada, para produzir um bom texto é muito importante conhecer
os diversos tipos de textos existentes, para que seja coerente com a proposta. Assim,
os principais tipos de textos são:
13 LETRAMENTO
47
14 AS DIFERENÇAS ENTRE OS PROCESSOS DE AQUISIÇÃO DE L1 E L2
Fonte: ideas.ted.com
50
linguagem humana. Deste domínio restrito, muitos pontos são excluídos e fica claro
que a teoria deixa de analisar aspectos cruciais da linguagem e do seu uso, cobrindo
apenas parte do fenômeno total de desenvolvimento da linguagem humana que
deveria ser estudado por uma teoria abrangente. Contudo, enquanto para alguns Este
é um problema, para outros o fato de o domínio da teoria ser tão bem definido é uma
grande vantagem, pois permite delimitar o campo da pesquisa a proporções
manuseáveis (ELLIS: 461).
Quanto aos problemas metodológicos os problemas relacionados à
metodologia das pesquisas realizadas nesta área são vários. Em primeiro lugar, as
pesquisas têm se restringido a estudos transacionais de vários sujeitos e faltam
estudos longitudinais. Um outro problema se refere ao fato de que estas pesquisas,
em sua grande maioria, têm-se baseado em testes de julgamentos de gramaticalidade
realizados pelos sujeitos. Já que as pesquisas sobre a aquisição de L2 preocupam-se
principalmente com o aprendiz adulto, um outro problema importante refere-se à
definição de "adulto" e à determinação de quando começa a idade adulta.
Quanto aos resultados das pesquisas os resultados das pesquisas sobre a
aquisição de segunda língua feitas com base na Hipótese da Gramática Universal têm-
se mostrado indeterminados. Os estudos sobre a acessibilidade da GU na aquisição
de L2 por adultos parecem mostrar que os aprendizes têm pelo menos acesso parcial
à GU, porém conclusões mais específicas não são possíveis (ELLIS, 1994: 458).
Exemplos destas pesquisas podem ser encontrados em GASS & SCHACHTER (989),
onde são relatados vários estudos sobre aquisição de L2 com base na GU que tentam
derivar conclusões sobre a acessibilidade à gramática universal durante a aquisição
de uma segunda língua. SCHACHTER (1989) conclui que, na idade adulta, o aprendiz
demonstra ter acesso apenas aos parâmetros da GU que estão presentes na sua
língua materna.
Outro tipo de conclusão apresentada por estes estudos parece indicar que a
língua materna pelo menos influencia a aquisição de L2: FLYNN (989) conclui que nas
estruturas sintáticas onde os parâmetros da 11 e da L2 são os mesmos, a aquisição
é facilitada, porém, nas estruturas em que estes parâmetros diferem, a aquisição
parece ser mais árdua; LICERAS (989) sugere que a distância entre as línguas (11 e
L2) pode ter um papel determinante na interpretação das estruturas; WHITE 0989b)
sugere que os parâmetros da influenciam a marcação dos parâmetros da L2, e GASS
51
(989) sugere que a fonte inicial da formação de hipóteses na L2 pode ser apenas onde
há divergência os aprendizes recorrem à gramática universal. Contudo, mesmo
conclusões desse tipo não são totalmente corroboradas pelos resultados.
Quanto aos problemas teóricos os principais problemas teóricos desta linha de
pesquisa se referem à definição dos parâmetros universais e de suas características
gramaticais. A contínua revisão da teoria quanto a estas questões torna-se um
problema para os pesquisadores de L2, pois trabalham com um modelo em constante
evolução, que pode se tornar obsoleto antes que suas pesquisas estejam terminadas.
Um problema mais sério, porém, é a impossibilidade de se determinar se os
aprendizes estão ou não se comportando de acordo com a GU (ELLIS, 1994:459). Isto
fica claro quando se analisam os resultados das pesquisas acima citadas.
REPENSANDO ALGUMAS IDÉIAS Além dos problemas apontados acima, um leitor
atento e informado fará com certeza suas próprias observações e analisará a teoria
do ponto de vista da sua aplicabilidade prática. Como aponta BEAUGRANDE
0997:280), "até que ponto uma teoria é válida na prática é uma boa medida de até que
ponto a teoria é válida enquanto teoria". Na verdade, não se trata de dizer que a teoria
é válida ou inválida. Porém, tenta-se, aqui, discutir pontos já indicados como obscuros
ou controversos por autores renomados, retomando se esses pontos pela ótica do
chamado insider.
Tomando-se como ponto de partida, então, as palavras de Beaugrande citadas
acima, uma pergunta pertinente seria qual a real aplicabilidade dos estudos baseados
na Hipótese da Gramática Universal para a construção de uma teoria sobre aquisição
de segunda língua, já que, como sugere GREGG (1984:79), "a aquisição de uma
segunda língua pode ser simplesmente muito difícil e muito complexa para ser tratada
por única teoria". Alguns autores, como LONG (990) e o próprio BEAUGRANDE (997),
já tentaram estabelecer os pontos que deveriam ser abordados por uma teoria
abrangente sobre a aquisição de segunda língua. No entanto, as teorias disponíveis
hoje em dia, inclusive a Teoria Gerativista, parecem não satisfazer totalmente esses
requisitos.
Para começar, os pesquisadores gerativistas trabalham com dados idealizados,
ou seja, a competência linguística de "um falante ouvinte ideal numa comunidade
linguística completamente homogênea, que sabe a sua língua com perfeição"
(CHOMSKY apud HYMES, 1972). Tal fonte de dados não leva em consideração que
52
a linguagem humana faz parte de um sistema unificado de comportamento e que a
formação de frases de uma língua não é determinada exclusivamente por regras
linguísticas, mas também por restrições cognitivas (como memória e atenção) e
sociais ou contextuais (BEAUGRANDE, 1997).
A Teoria Gerativista, como já foi dito, postula que a aquisição da linguagem é
determinada biologicamente e é geneticamente transmitida na forma de capacidades
inatas da espécie humana, desconsiderando processos de aquisição derivados da
experiência de situações da vida real e de aprendizagem explícita. Além disso, os
gerativistas desconsideram o papel da comunicação na aquisição da linguagem.
GREGG (1989) afirma que a forma da linguagem humana independe de sua função,
e que o objetivo essencial da linguagem não é a comunicação. No entanto, este não
é um ponto pacificamente aceito por outras linhas de pesquisa, como por exemplo, a
Abordagem Funcionalista e a Teoria Construtivista, parecem influenciar grandemente
a aquisição de uma língua estrangeira, principalmente na idade adulta.
Contudo, BEAUGRANDE afirma que, em relação às habilidades cognitivas
gerais, "pesquisas empíricas sobre cognição já estabeleceram firmemente que tanto
a aprendizagem quanto o desempenho são na verdade significativamente facilitados
por fatores como motivação, autoconfiança e um senso de pertencer ao grupo, e
prejudicados por ansiedade e postura defensiva, sentimentos de fraqueza e
expectativas de insucesso" (1997:301). Ora, se há evidências empíricas que
comprovem a influência de fatores afetivos nas capacidades cognitivas humanas em
geral, não há motivo para supor que a capacidade de aquisição da linguagem seria
uma exceção. Beaugrande conclui que "modelos que, como [a Gramática Gerativa],
deixam de lado fatores como limitações de memória, distrações e mudanças de foco
de atenção, são irrealistas e improdutivos" 0997:302) e, além disso, não podem ser
testados. Como já foi dito, os pesquisadores gerativistas acreditam que uma criança,
ao aprender sua língua materna, não produz erros proibidos pelos princípios da GD.
Da mesma forma, para aqueles que acreditam que a GU continua disponível
para a aquisição de segunda língua, aprendizes de L2 também não produzem erros
que violem estes princípios. Sobre isto, WHlTÊ 0989a:55) cita pesquisas recentes que
sugerem que "alguns princípios da GU emergem de acordo com um programa
maturacional." Assim, o sistema linguístico de uma criança poderia apresentar erros
que violem princípios ainda não maturados. White presume, assim como COOK (994),
53
que esta questão é irrelevante para a aprendizagem de L2, já que todos os princípios
já teriam sido maturados durante a aquisição da LI. Não parece ter sido conjecturado,
porém, que a maturação de tais princípios talvez seja estimulada pelo próprio
desenvolvimento da 11 e, portanto, uma determinada língua poderia apresentar
princípios maturacionais diferentes de uma outra. Nesse caso, esses princípios
poderiam ser uma boa explicação para o insucesso constatado entre aprendizes de
L2, já que, num adulto, os princípios maturados durante a aquisição da sua 11
poderiam ser diferentes daqueles necessários para a aquisição da L2.
Finalmente, um ponto que parece inquestionável é a constatação de que
poucos aprendizes de L2 chegam a adquirir a língua alvo com domínio nativo ou
quase-nativo. É fato notório que a esmagadora maioria não passa de níveis
intermediários de proficiência na L2. Como foi visto, entre os pesquisadores
gerativistas, essa situação é debatida em termos das diferentes hipóteses de acesso
aos princípios da GU na idade adulta, porém há várias explicações alternativas.
Schumann (apud ELLIS, 1985) sugere a questão da aculturação; KRASHEN (985)
afirma que a resposta está na quantidade insuficiente e na qualidade inferior do por
aprendizes de L2 em contextos não-naturalistas, além de propor as hipóteses do filtro
afetivo e do monitor; GARDNER & LAMBERT (972) propõem que o tipo de motivação
- integrativa ou instrumental - estaria ligado a um maior ou menor sucesso na
aquisição. Uma outra explicação comumente aceita seria a idade do aprendiz quando
do início de sua exposição à língua alvo, interrelacionada com o tempo de exposição.
A idade ideal para se começar a aprender uma L2 é um ponto amplamente discutido
no campo da pesquisa em aquisição de segunda língua, porém é ponto pacífico que
quanto maior o tempo de exposição à língua, maior será o sucesso do aprendiz.
Uma questão que parece não ter sido ainda levantada como explicação para o
insucesso do aprendiz de L2 é o fato de que, por mais que ele se exponha (ou esteja
exposto) à língua alvo, esta será sempre sua segunda língua. A língua nativa parece
permear toda a cognição do ser humano. KLEIN 0986:5) afirma que "existem
elementos cruciais no controle da linguagem que estão interrelacionados com o
desenvolvimento da criança e que são adquiridos durante a aprendizagem da primeira
língua, ficando depois disponíveis para a aquisição de L2." O desenvolvimento
cognitivo da criança estaria, assim, intimamente ligado ao desenvolvimento da
54
linguagem, e transferir ou ajustar para L2 os conceitos cognitivos já existentes em 11
pode ser "uma tarefa particularmente árdua para o aprendiz" (KLEIN, 1986:5)
Assim, pode-se supor que os aprendizes de L2 não cheguem a níveis
avançados de proficiência na segunda língua porque continuam usando sua língua
materna em seus processos cognitivos de alto nível, quando não estão em contato
direto com a L2, ou seja, quando não estão realizando alguma tarefa na L2. O que se
está querendo dizer é que o ser humano estará usando a sua língua materna
automaticamente - ou seja, involuntariamente - em qualquer situação em que se
encontre, mesmo que não seja uma situação ligada à realização de uma tarefa que
exija um processamento linguístico, e somente usará a L2 quando a situação se lhe
impuser. É ainda Klein que levanta a questão da dominância de uma língua sobre a
outra, sugerindo que "a maior parte do processamento linguístico de uma pessoa seja
realizado na língua dominante e que a outra língua seja usada apenas num nível
superficial de produção e compreensão" 0986:11). Isso pode ser completamente
inevitável, do ponto de vista da cognição humana, e pode talvez explicar por que
mesmo os falantes mais proficientes de uma L2, em situações de extrema emoção ou
pressão psicológica, acabam tendo um baixo desempenho na L2, ou pelo menos um
desempenho inferior ao que teriam em situações de pouco estresse.
55
16 ARQUITETURA DE LINGUAGEM EM DIFERENTES MODELOS
GERATIVISTAS
Fonte: cameronval.org
17 O MODELO GERATIVISTA
58
Fonte: www.newstatesman.com
Desta forma, quanto maior for à capacidade cognitiva da criança, maior será o
número de suposições formuladas por ela e mais próxima da linguagem do adulto ela
estará. Com efeito, essa teoria dá mais importância para a sintaxe, em detrimento de
morfologia e fonologia, descrevendo a aquisição da linguagem termos de
competências e desempenho. A competência pode ser entendida como “...o
conhecimento que o falante tem de gramática de sua língua...” e o desempenho como
“o uso que a fonte faz desse conhecimento. ”
Segundo a hipótese gerativo-transformacional, as frases produzidas pelas
crianças não são simples imitações aproximativas da fala dos adultos, mas que essas
possuem algumas disposições e ordenações que não se verificam na fala dos adultos,
portanto são produções originais da criança. Baseado nisso, o gerativismo sugere que
a fala da criança é ordenada por regras próprias, mas que em contato com as regras
da fala dos adultos, as crianças vão moldando o seu sistema de regras.
Para Chomsky, adepto do gerativismo, a criança possui um mecanismo que lhe
permite adquirir a linguagem, chamado de Dispositivo de Aquisição da Linguagem
(DAL), o qual é parte da herança genética de sua espécie e que esse é acionado pelas
frases ou falas dos adultos, com as quais irá atuar, gerando assim a gramática da
língua na qual a criança está contextualizada.
59
No gerativismo é sustentada a concepção de que “... as línguas comportam uma
estrutura profunda que se transforma, por meio de regras, numa estrutura superficial.
Essas regras têm como domínio estruturas intermediarias entre a estrutura profunda
e a estrutura superficial”. Por isso, no decorrer do processo de aquisição da linguagem,
a criança nota as disposições que há na língua e adiciona a sua gramática.
Ainda segundo Chomsky, esse dispositivo constitui-se de um conjunto de
regras, sendo que somente algumas dessas serão ativadas, uma vez que a criança
escolhe, baseada na influência que sofre da língua nativa, quais as normas devem ser
usadas na língua que está adquirindo especificamente e quais devem ser descartadas.
Após esse processo, segue-se produção das falas da criança.
AQUISIÇÃO
Fonte: mindsmattermagazine.com
18.1 Propriedades da Aquisição de Linguagem
61
Também consideraremos outras teorias que foram propostas ao longo dos anos e
discutiremos por que elas não são capazes de explicar tal processo de aquisição.
Como mencionado acima, toda criança normal adquire uma língua natural, sem
nenhum treinamento especial e sem um input1 linguísticos sequenciado, ou seja, sem
nenhuma preocupação com a ordem em que as sentenças são faladas às crianças.
Essa propriedade da aquisição de linguagem é chamada de universalidade da
linguagem (Crain e Lillo-Martin;1999).
Embora as línguas naturais sejam muito diversas, o curso de aquisição de
linguagem é o mesmo em qualquer língua, como tem sido observado
translinguisticamente. Para explicar o processo de aquisição de linguagem, uma teoria
linguística tem de dar conta dessa universalidade da linguagem e responder o que é
especial sobre linguagem, e sobre as crianças, que garante que elas irão dominar um
sistema de regras rico e complexo num período em que elas estão apenas entrando
em idade escolar. Outra observação que deve ser ressaltada se relaciona com os
dados linguísticos primários – a experiência linguística da criança e com a qual ela
adquire linguagem. Em algumas comunidades, a criança passa bastante tempo com
os adultos, que dão muita atenção a elas. Se esse fosse sempre o caso, poderíamos
sugerir que a linguagem é ensinada às crianças pelos seus pais ou responsáveis. No
entanto, encontramos comunidades em que as crianças recebem menos atenção
individual dos adultos, mas mesmo assim acabam adquirindo linguagem da mesma
forma que aquelas que recebem mais atenção.
Existem até mesmo comunidades em que os adultos não conversam
diretamente com as crianças, que se comunicam apenas com outras crianças. Apesar
dessas grandes diferenças de experiência linguística, em todos esses casos, as
crianças numa comunidade adquirem a língua daquela comunidade. As
considerações acima nos levam a uma outra característica da aquisição da linguagem:
uniformidade. Ou seja, crianças numa mesma comunidade têm experiências
linguísticas bastante diversas (com inputs diferentes) e os dados linguísticos primários
que cada criança recebe são diferentes do que as outras recebem; mesmo com essa
diversidade no input, todas elas acabam aprendendo a mesma língua. Outro ponto a
ressaltar é que algumas crianças aprendem várias línguas, apesar de a maioria
aprender apenas uma. Em comunidades onde mais de uma língua é falada, as
crianças aprendem todas as línguas da comunidade. Nesse sentido, a aquisição de
62
linguagem é uma função do input. Se uma criança filha de brasileiros é levada para a
China, ela aprenderá chinês. Se uma criança filha de chineses for levada à França,
ela aprenderá francês.
Assim, a língua dos pais não determina que língua a criança falará; o que
determina a língua da criança é a língua que é falada ou sinalizada ao seu redor.
Assim, toda criança exposta ao inglês falará inglês, toda criança exposta à língua de
sinais brasileira sinalizará a língua de sinais brasileira e assim por diante. Além de ser
universal e uniforme, o processo de aquisição de linguagem é também muito rápido.
Como mencionado acima, quase toda a complexidade de uma língua é adquirida por
volta dos 4 anos de idade; ou seja, antes mesmo de as crianças começarem a
frequentar a escola. O que elas levam mais tempo aprendendo são as palavras da
língua – algo que continua para a vida toda, já que mesmo os adultos estão sempre
aprendendo palavras novas. Entretanto, por volta dos 4 anos de idade, as crianças já
dominam quase todos os tipos de estruturas usadas na sua língua. Nessa mesma
idade, no entanto, elas estão apenas começando a contar e muitas vezes nem sabem
ainda amarrar os sapatos.
Finalmente, a última propriedade que notaremos é a sequência de estágios
pelos quais as crianças passam ao adquirir uma língua. Crianças aprendendo uma
língua seguem um padrão quase idêntico. Elas progridem através dos mesmos
estágios de aquisição e na mesma ordem, embora a rapidez com que uma criança
muda de um estágio para outro seja variável. Assim sendo, o melhor indicador sobre
o nível de desenvolvimento linguísticos de uma criança é o estágio em que ela se
encontra e não a sua idade. Na seção a seguir, apresentaremos os estágios da
aquisição em maior detalhe.
18.4 Um ano
Fonte: 3dwarehouse.sketchup.com
Por exemplo, 3;06.20 = três anos, seis meses e vinte dias. Dados retirados de
Grolla (2000)): (2) Eu gosto de astonauta, mas aquele que anda assim, eu num gosto,
ele é feio. (3;06.20) (3) Eu quero brincar com quê? (3;11.23) (4) O que que ela está
pegando? (3;09.01) A estrutura em itálico em (2) é bastante complexa. A oração
relativa “aquele que anda assim” é o tópico da sentença “eu num gosto”. É muito
improvável que a criança tenha ouvido essa sentença em seu input antes de a
produzir. O mesmo ocorre com (3), em que a criança produz uma pergunta com a
palavra interrogativa (quê) no final da sentença. É interessante observarmos que (3)
é uma pergunta com a palavra interrogativa in situ, ou seja, localizada na posição em
que é interpretada. Já a pergunta em (4) possui a palavra interrogativa (o que) no início
da sentença.
68
Em português brasileiro, as perguntas com um elemento interrogativo (por
exemplo: quem, quando, o que, como, porque, onde), chamadas de “perguntas–QU”,
podem ser construídas dessas duas maneiras: ou com o elemento interrogativo no
início da sentença ou no lugar em que ele é interpretado, in situ. No entanto, não são
todas as línguas que exibem essa opcional idade. Em algumas línguas, como o inglês,
o elemento interrogativo só pode estar localizado no início da sentença, como ilustrado
abaixo: (5) What did you buy? “O que você comprou?” Em outras línguas, como o
chinês, os elementos interrogativos devem ficar no lugar em que são interpretados,
como ilustrado abaixo (dado de Cheng (1991)): (6) Qiaofong mai-le sheme ne
Qiaofong compra-ASP o que QU “O que Qiaofong comprou? ” Resumindo, existem
três tipos de línguas com relação à ordem de palavras em perguntas-QU.
Num grupo, onde se inclui o inglês, as palavras interrogativas têm que aparecer
no início da sentença. Num segundo tipo, as palavras interrogativas aparecem no local
em que são interpretadas, como o chinês. E no terceiro tipo, as palavras interrogativas
podem aparecer no início da pergunta ou no local em que são interpretadas. O
português brasileiro é uma língua desse terceiro tipo2. Retornando às perguntas feitas
por N., sua produção indica que, antes mesmo de completar 4 anos de idade, ela já
sabe a qual tipo de língua o português brasileiro pertence e se mostra capaz de
produzir sentenças novas, que ela nunca ouviu antes, usando a ordem de palavras
corretamente. A exposição acima sobre os estágios da aquisição foi baseada na fala
espontânea das crianças e indicam como o desenvolvimento da linguagem é rápido.
Vários estudos investigando a aquisição de várias línguas diferentes
encontraram estágios similares em idades também parecidas. Tais estágios mostram
que os erros que as crianças produzem são muito limitados. Por exemplo, as crianças
produzem formas de passado que não são encontradas na língua adulta, mas elas
não produzem outros tipos de erros que seriam possíveis, tais como erros na ordem
das palavras. Por fim, considerando a universalidade da linguagem, é natural que
crianças surdas, expostas à língua de sinais, apresentem um paralelo em relação aos
estágios de aquisição das línguas orais.
Crianças surdas inicialmente balbuciam com as mãos. Depois, começam a
produzir enunciados com um único sinal, passando mais tarde para a fase de
enunciados de dois sinais e, em seguida, combinam sinais, formando sentenças
simples, exatamente como as crianças ouvintes em relação às palavras (Lillo-Martin
69
(1999) e Newport e Meier (1985)). Levando em conta o que foi exposto acima, uma
teoria de aquisição de linguagem deve explicar não só a universalidade da linguagem,
como também sua uniformidade, rapidez, os estágios observados no processo de
aquisição e o fato de as crianças serem capazes de produzir e entender um número
infinito de sentenças, apesar de ouvirem um número finito delas.
No que se segue, exploraremos algumas teorias e abordagens de aquisição de
linguagem, avaliando se elas são capazes de dar conta deste processo. Teorias sobre
Aquisição da Linguagem Uma teoria sobre a aquisição de linguagem tem de ser capaz
de explicar os fatos apresentados acima. Algumas teorias que discutiremos abaixo
são um tanto intuitivas, mas depois de examinadas mais detalhadamente, veremos
que elas não são capazes de dar conta dos fatos discutidos acima. Tentativa e erro A
primeira hipótese a ser considerada é que a criança adquire linguagem num processo
de tentativa e erro. O fato de as crianças passarem por estágios similares de aquisição
de linguagem depõe contra essa hipótese. Se a aquisição se desse por tentativa e
erro, não esperaríamos que as crianças passassem pelos mesmos estágios, fazendo
as mesmas tentativas e os mesmos erros na mesma ordem.
Além disso, o fato de crianças que recebem inputs muito diferentes dentro de
uma mesma comunidade acabarem passando pelos mesmos estágios acaba por
trazer mais um argumento contra essa hipótese. Correção dos adultos uma outra
teoria propõe que as crianças aprendem linguagem porque os adultos as corrigem
quando elas dizem algo errado. Um dos problemas enfrentados por esta hipótese é
que ela não explica como as crianças adquirem conhecimento sobre um número
infinito de sentenças: elas entendem e produzem sentenças que elas nunca ouviram
antes, e para as quais nenhuma correção pode ter sido feita. Outro problema para esta
hipótese é que, como observado anteriormente, as crianças produzem um número
muito limitado de erros. Se as crianças não produzem alguns tipos de erros, os pais
não podem corrigi-las. Também é geralmente observado que os pais prestam atenção
no que as crianças falam, mas não em como elas falam. Ou seja, quando os pais de
fato corrigem seus filhos, eles tendem a corrigir sobre a adequação do conteúdo da
fala das crianças relativamente à situação discursiva e não sobre a forma gramatical
das expressões.
Dois exemplos ilustram esse fato. Em (7) abaixo, a criança produz uma
sentença com uma estrutura mal-formada, mas, como ela é verdadeira, a mãe
70
concorda com a criança (dado de Brown e Hanlon (1970)): (7) Criança: Mama isn’t
boy, he a girl. “Mamãe não é menino, ele uma menina”. Mãe: That’s right. “Está certo”.
A seguir temos o caso em que a criança produziu uma sentença bem-formada, mas,
como ela não é verdadeira, a mãe a corrige (dado de Brown e Hanlon (1970)): (8)
Criança: Walt Disney comes on Tuesday. “O Walt Disney vem na terça-feira”. Mãe:
No, he does not. “Não, não vem”. Nos Estados Unidos, Walt Disney aparece na TV
aos domingos. Portanto, o enunciado da criança não é verdadeiro. A mãe a corrige,
apesar de a criança ter produzido uma sentença perfeitamente gramatical. Outro
argumento que depõe contra esta hipótese decorre do fato de que, mesmo quando os
pais corrigem as crianças, essas não prestam atenção a esta correção.
No diálogo abaixo, retirado de McNeil (1970), o pai, um linguista, decide corrigir
a criança e ensiná-la a forma correta de dizer “ninguém gosta de mim” em inglês, mas
a criança parece não entender a correção: (9) Criança: Nobody don’t like me. Ninguém
não gosta de mim Pai: No, say “nobody likes me”. Não, diga “nobody likes me” “Não,
diga ‘ninguém gosta de mim’”. Criança: Nobody don’t like me. (Oito repetições desse
diálogo) Pai: No now listen carefully; say “nobody likes me”. Não, agora ouça com
atenção; diga “ninguém gosta de mim” Criança: Oh! Nobody don’t likes me. A criança
não aprendeu ainda que, em inglês, sentenças com a palavra “nobody” (ninguém) não
vêm com a negação “don’t”. Ou seja, ela está usando a negação dupla (nobody don’t)
que não é permitida em inglês. Quando o adulto a corrige, retirando o “don’t” e
colocando um – s no final do verbo, flexionando-o na terceira pessoa do singular, a
criança não adota as modificações dadas pelo pai, oito vezes em que o diálogo se
repete! No fim, a criança parece notar o uso de likes, embora o use incorretamente,
mas não aprende o conteúdo de toda a correção. A discussão acima indica que
correção dos pais não pode ser a maneira pela qual as crianças adquirem linguagem.
Imitação dos adultos.
Uma outra hipótese sobre a aquisição propõe que as crianças aprendem
linguagem imitando o que os adultos dizem, tentando repetir o que elas ouvem.
Existem vários problemas com essa hipótese. Primeiramente, estudos sobre a
linguagem que os adultos usam com as crianças mostram que as crianças não são
influenciadas pelo estilo de linguagem usada pelos adultos. Enquanto a linguagem
que os adultos usam para se dirigir às crianças é cheia de perguntas e ordens (e
apenas 25% de declarativas), a linguagem usada pelas crianças é em sua maioria
71
composta de declarativas (dados de Newport, Gleitman e Gleitman (1977)). Outro fator
a ser observado é que as crianças produzem estruturas que nunca ouviram antes: elas
produzem “erros”, como as formas de passado trazi e fazi, que não são produzidas
por adultos e, portanto, não podem ser imitações. Note também um fato que
mencionamos anteriormente de que as crianças ouvem um número finito de
sentenças, mas produzem e entendem um número infinito delas – até mesmo
sentenças que elas nunca ouviram antes.
Por esses fatos, podemos afirmar que imitação não tem uma importância central
no processo de aquisição de linguagem e isso por si só não pode explicar tal processo.
Simplificação da linguagem pelo adulto finalmente, uma última hipótese que
discutiremos é aquela que propõe que os pais simplificam a sua fala quando se dirigem
às crianças. Os pais usariam formas mais simples no início do processo de aquisição
e iriam gradualmente aumentando a complexidade de seus enunciados para estar no
mesmo nível do desenvolvimento da criança. De fato, já foi observado que os adultos
falam de uma forma diferente com as crianças, no que é conhecido como “maternês”
(em inglês, “motherese”). Quando falando com crianças pequenas, os adultos usam
sentenças mais curtas e frequentemente usam um padrão de entonação diferente.
No entanto, em um estudo comparando crianças cujos pais usavam o maternês
com crianças cujos pais não usavam, Newport, Gleitman e Gleitman (1977) não
descobriram nenhuma diferença no desenvolvimento da linguagem das crianças.
Portanto, o maternês não parece ser o método pelo qual as crianças adquirem
linguagem. Concluindo, as crianças adquirem linguagem independentemente da
qualidade interativa e independentemente da cultura. Ou seja, basta que sejam
expostas a uma língua que as crianças irão adquiri-la. No entanto, se hipóteses como
tentativa e erro, correção dos adultos, imitação ou simplificação da linguagem pelos
adultos não são capazes de explicar como as crianças adquirem uma língua, como
então podemos explicar esse processo?
A teoria que iremos explorar na seção 5 propõe que as crianças possuem um
conhecimento linguístico inato que as guia no processo de adquirir uma língua. Em
outras palavras, as crianças já nascem “equipadas” com vários aspectos das línguas
humanas, que são geneticamente determinados. Porém, antes de nos debruçarmos
sobre esta teoria, na seção seguinte discutiremos alguns dos métodos utilizados por
pesquisadores da área de aquisição de linguagem para acessar e avaliar o
72
conhecimento linguístico das crianças. 4. Metodologias em Aquisição de Linguagem
Dependendo do fenômeno linguístico a ser investigado, o pesquisador tem à sua
disposição uma variedade de métodos de coleta de dados. Os dados podem ser de
produção ou de compreensão. Começando com dados de produção, comentaremos
sobre os dados de produção espontânea e os dados de produção eliciada. A seguir,
discutiremos dados de compreensão, em que duas metodologias serão expostas, a
tarefa de julgamento de valor de verdade e a tarefa de julgamento de gramaticalidade.
Por questões de espaço, a exposição abaixo é bastante simplificada. Para uma
discussão mais abrangente sobre os métodos aqui mencionados e sobre vários outros
métodos em aquisição de linguagem não discutidos aqui, referimos o leitor a Crain e
Thornton (1998) e McDaniel, McKee e Cairns (1996). Produção Espontânea Dados de
produção espontânea são geralmente coletados periodicamente (uma vez por
semana, uma vez a cada quinze dias, ou uma vez por mês) ao longo de um período
de tempo (por um ano, por exemplo). Embora tais dados sejam de grande importância
no estudo de aquisição de linguagem, eles são úteis somente quando são coletados
sistematicamente e com atenção especial a detalhes que afetam a qualidade do
corpus, como explicado e explorado no sistema computadorizado disponível nos
arquivos de dados do CHILDES, de McWhinney e Snow (1985) e MacWhinney (1991).
Os dados de produção espontânea permitem uma análise da frequência de uso de
construções, auxiliando na análise de como a aquisição de tais construções se dá.
Uma das maiores vantagens dos dados de produção espontânea é que eles
podem fornecer um grande número de informações sobre vários aspectos do
desenvolvimento gramatical das crianças. Eles ajudam na identificação de tendências
gerais de desenvolvimento, fornecendo uma visão geral do curso da aquisição para
uma língua em particular. Outra vantagem é que tais dados incluem os enunciados
dos interlocutores da criança, o que pode fornecer informações importantes acerca da
frequência de certas construções numa língua. Isso auxilia o investigador a determinar
se um fenômeno em particular é difícil para a criança adquirir ou se simplesmente ela
não aparece por conta de fatores particulares à língua sendo adquirida, como baixa
frequência.
Dados de produção espontânea podem fornecer informações sobre variações
individuais no curso de aquisição de linguagem. Por exemplo, Brown (1973) descobriu
73
que uma das crianças sendo estudada por ele, Eve, era muito precoce ao aprender a
morfologia do inglês ao passo que as outras duas crianças que ele estudava, Adam e
Sarah, eram mais lentas. Isso nos fornece uma ideia da variação que se pode
considerar normal no desenvolvimento da linguagem. Apesar destas vantagens,
existem alguns aspectos negativos em tal método. O primeiro deles é o seguinte.
Como analisar a ausência de uma dada construção nos dados? Como os dados são
coletados periodicamente, pode-se atribuir a ausência de uma determinada
construção ao acaso, ou seja, por coincidência tal construção não foi produzida pela
criança em determinada sessão de gravação.
No entanto, tal ausência pode se dever também à falta de conhecimento da
criança. Portanto, dados de produção espontânea podem fornecer evidência positiva
para a presença de uma construção gramatical, mas são de uso limitado em
determinar se a ausência de uma construção particular é devida à falta de capacidade
linguística, falta de exposição à construção ou falta de contextos discursivos
apropriados na amostra. Outra desvantagem desse método é que é geralmente
assumido que a compreensão pela criança de algumas construções gramaticais
precede a produção de tais formas (Shipley, Smith e Gleitman; 1969).
Assim sendo, investigadores usando dados de produção espontânea podem
acabar por subestimar a capacidade da criança, se somente a produção for tomada
como representando seu conhecimento linguístico. Resumindo, dados de produção
espontânea podem fornecer informações acerca do curso de desenvolvimento de
linguagem, variações individuais nesse desenvolvimento, aspectos específicos do
input que a criança recebe e as situações do discurso nas quais a aquisição acontece.
Outra vantagem é que tais dados incluem os enunciados dos interlocutores da criança,
o que pode fornecer informações importantes acerca da frequência de certas
construções numa língua. Isso auxilia o investigador a determinar se um fenômeno em
particular é difícil para a criança adquirir ou se simplesmente ela não aparece por conta
de fatores particulares à língua sendo adquirida, como baixa frequência.
Dados de produção espontânea podem fornecer informações sobre variações
individuais no curso de aquisição de linguagem. Por exemplo, Brown (1973) descobriu
que uma das crianças sendo estudada por ele, Eve, era muito precoce ao aprender a
morfologia do inglês ao passo que as outras duas crianças que ele estudava, Adam e
Sarah, eram mais lentas. Isso nos fornece uma ideia da variação que se pode
74
considerar normal no desenvolvimento da linguagem. Apesar destas vantagens,
existem alguns aspectos negativos em tal método. O primeiro deles é o seguinte.
Como analisar a ausência de uma dada construção nos dados? Como os dados são
coletados periodicamente, pode-se atribuir a ausência de uma determinada
construção ao acaso, ou seja, por coincidência tal construção não foi produzida pela
criança em determinada sessão de gravação. No entanto, tal ausência pode se dever
também à falta de conhecimento da criança.
Portanto, dados de produção espontânea podem fornecer evidência positiva
para a presença de uma construção gramatical, mas são de uso limitado em
determinar se a ausência de uma construção particular é devida à falta de capacidade
linguística, falta de exposição à construção ou falta de contextos discursivos
apropriados na amostra. Outra desvantagem desse método é que é geralmente
assumido que a compreensão pela criança de algumas construções gramaticais
precede a produção de tais formas (Shipley, Smith e Gleitman (1969)). Assim sendo,
investigadores usando dados de produção espontânea podem acabar por subestimar
a capacidade da criança, se somente a produção for tomada como representando seu
conhecimento linguístico. Resumindo, dados de produção espontânea podem
fornecer informações acerca do curso de desenvolvimento de linguagem, variações
individuais nesse desenvolvimento, aspectos específicos do input que a criança
recebe e as situações do discurso nas quais a aquisição acontece.
Outra vantagem deste método é que o investigador pode evocar sentenças com
estruturas sintáticas complexas que ocorrem muito raramente na produção
espontânea das crianças, como é o caso de estruturas passivas. O contexto que é
somente apropriado para certas estruturas complexas pode ser muito difícil de
encontrar em conversas cotidianas, mas pode ser feito mais natural nesses jogos e
brincadeiras, como ilustrado acima. Portanto, ao apresentar situações que são
apropriadas somente para a construção que está sendo alvo de estudo, a técnica de
produção eliciada pode ajudar a descobrir toda a extensão do conhecimento
gramatical das crianças. Este método também é útil porque ele pode fornecer um
grande número de dados da estrutura sendo investigada em uma única sessão
experimental.
Assim sendo, um número suficiente de dados pode ser coletado em uma só
sessão para se chegar a uma conclusão sobre a gramática da criança em um dado
75
estágio de seu desenvolvimento. Isso não é possível com dados de produção
espontânea, já que às vezes as crianças não produzem um número considerável de
certas estruturas em uma única sessão de gravação. Finalmente, uma das vantagens
dos dados de produção (tanto espontânea como eliciada) é que eles revelam a
gramática da criança sem a necessidade de se fazer inferências a partir de respostas
“sim” e “não”, como no caso de tarefas de julgamento, que serão discutidas a seguir.
Dessa forma, esses dados podem ser vistos como refletindo mais diretamente a
gramática da criança, já que é muito improvável que uma criança coloque palavras
juntas de uma forma particular acidentalmente (ao passo que dizer “sim” ou “não”
numa tarefa de julgamento pode ser considerado acidental).
Assim sendo, quando uma construção aparece sistematicamente na fala de
uma criança, podemos inferir que tal construção é gerada pela gramática da criança e
não é fruto do acaso. Tarefa de Julgamento de Valor de Verdade A tarefa de
julgamento de valor de verdade (JVV), tal como elaborada em Crain e McKee (1985),
investiga o conhecimento das crianças acerca de uma dada construção linguística por
meio de seu julgamento sobre o valor de verdade de sentenças enunciadas por um
fantoche. Por exemplo, Crain e McKee queriam investigar se as crianças sabiam as
restrições sobre o uso de pronomes nas sentenças. Para tanto, esses autores
testaram as crianças da seguinte maneira. Dois investigadores ficaram na sala com a
criança, um manipulando um fantoche e o outro encenando histórias curtas para a
criança e o fantoche. Ao final da história, o fantoche dizia o que ele achava que tinha
acontecido na história e a criança julgava o que o fantoche havia dito como verdadeiro
ou falso.
A criança era instruída a dar para o fantoche sua comida preferida (uma barra
de chocolate de borracha) caso ele tivesse dito o que realmente aconteceu na história
ou a dar para ele comer algo que ele não gostava (um pedaço de pneu) caso ele
tivesse ficado distraído e tivesse dito algo que não aconteceu na história. O
experimento era conduzido da maneira descrita abaixo (retirado de Crain e McKee
(1985) e traduzido para o PB) Investigador: Nessa história, nós temos o Smurf e o
Gargamel. O Gargamel diz que não vai comer um hambúrguer porque ele odeia
hambúrgueres, mas o Smurf adora hambúrguer e come um enquanto está num
cercadinho. Fantoche: Ele comeu o hambúrguer quando o Smurf estava no
cercadinho. Criança: Chocolate/pneu Para o adulto, a sentença enunciada pelo
76
fantoche só pode significar que alguém que não o Smurf comeu o hambúrguer. Isto
reflete uma restrição encontrada nas línguas naturais: em algumas estruturas
sintáticas, o pronome não pode vir antes do elemento que lhe dá referência. Isto é o
que acontece na sentença acima, e Crain e McKee queriam checar se as crianças
saberiam tal restrição. O raciocínio de Crain e McKee era o seguinte.
Se as crianças sabem tal restrição, elas não interpretarão o pronome e o nome
Smurf como sendo co-referentes na sentença acima, uma vez que isso a violaria. A
única interpretação possível para essa sentença para o adulto tem o pronome como
referindo a um outro indivíduo que não Smurf. Gargamel, sendo o outro personagem
da história, é o referente mais acessível. Se o pronome se referir a Gargamel, a
sentença é falsa, porque, de acordo com a história contada, Gargamel não comeu o
hambúrguer, apenas o Smurf comeu. Portanto, na interpretação do adulto, a sentença
é falsa. Se a criança disser que a sentença é verdadeira, saberemos que ela atribuiu
ao pronome a interpretação de Smurf, violando a restrição em questão. No estudo de
Crain e McKee, as crianças deram o pneu para o fantoche (ou seja, corretamente
rejeitaram a sentença acima) 88% das vezes. Isto indica que elas sabem da restrição.
Por outro lado, na sentença abaixo, o pronome e o nome “moranguinho” podem ser
co-referentes para o adulto, apesar de o pronome anteceder o nome. Esses casos são
corretamente aceitos pelas crianças 73% das vezes:
Fantoche: When she was outside playing, Strawberry Shortcake até an
icecream cone. “Quando ela estava lá fora brincando, moranguinho comeu um
sorvete.” Essa sentença ilustra o fenômeno de “backward anaphora”, em que o
pronome “she” está linearmente à frente do nome “Strawberry shortcake” com o qual
é co-referente. Esta sentença é bem formada em inglês (e sua contraparte em PB
também), ao contrário da primeira. As crianças mostraram que sabem a diferença
entre elas, já que aceitaram esta segunda a maioria das vezes e rejeitaram a primeira
a maioria das vezes. Uma das grandes vantagens deste tipo de método é que a tarefa
da criança é bastante simples, tendo apenas que alimentar o fantoche com o chocolate
ou o pedaço de pneu. Por isso, esse método pode ser usado com crianças bem novas,
a partir de 3 anos de idade. Além disso, pode-se testar estruturas complexas que
podem não aparecer facilmente na produção espontânea das crianças, como é o caso
de “backward anaphora” acima testada por Crain e McKee.
77
19 FONÓLOGICO E PRAGMÁTICO
Fonte: www.usnews.com
Percepção
A criança quando nasce já traz com ela a capacidade auditiva. Contudo, para
que ela adquira linguagem necessita diferenciar os sons da fala. Esta capacidade
embora não seja imediata após o nascimento, é bastante rápido o seu
desenvolvimento.
Período pré-linguístico:
78
Nas primeiras semanas de vida a criança já consegue distinguir a voz humana
dos outros sons, bem como consegue distinguir a fala de outros estímulos. Neste
período de tempo a criança adquire também a capacidade de distinguir a voz materna.
Aos 2 meses a criança já revela também a discriminação de pares mínimos (silábicos),
diferenciando o ponto de articulação (/la/ vs /ka/) ou a diferença da sonoridade (/la/ vs
/da/). Entre os 2 e os 4 meses a criança desenvolve a capacidade de distinguir vozes
femininas de masculinas; vozes amigáveis de ríspidas e vozes familiares de vozes
desconhecidas.
Período linguístico:
Neste período a criança produz as suas primeiras palavras, começando assim
a ter noção do significado de algumas das palavras em contexto. Ao longo do segundo
ano de vida, o desenvolvimento da capacidade de discriminação será visível no
aumento do vocabulário que a criança reconhece. No final do segundo ano de vida a
criança reconhece em média quinhentas palavras. Aos três anos o desenvolvimento
da discriminação está completo.
Produção
As etapas de desenvolvimento da produção são exatamente as mesmas que
referimos na percepção: período pré-linguístico (marcado pelo choro e sons
vegetativos, pelo palreio e pela falação) e o período linguístico (marcado pelas
primeiras palavras). Assim sendo, neste ponto iremos abordar mais especificamente
a aquisição dos diferentes segmentos e no desenvolvimento da prosódia (entoação,
acento e ritmo).
Desenvolvimento suprassegmental:
Breyene Moskowiitz integra na sua análise as unidades de um nível
suprasegmental defendendo que “a descoberta da criança vai, de uma maneira
sucessiva, para unidades fonológicas cada vez mais subtis” (Bouton, 1977, p.182).
80
Neste sentido, a aquisição da fonologia iniciar-se-ia na etapa da lalação, uma vez que
a criança descobre a forma melódica dos enunciados. Posteriormente a criança
desenvolve uma unidade supra-segmental: a sílaba, sendo a estrutura das primeiras
palavras CV, só depois apresentaram outras estruturas como CVC e VC. Na etapa
seguinte já conseguirá proferir palavras com uma estrutura dissilábica, embora com
repetição da estrutura CV (CV-CV). Só depois virá a análise segmental da própria
sílaba variando-se a vogal e/ou a consoante.
Funções Comunicativas
No que respeita às funções comunicativas são vários os autores que
analisaram o desenvolvimento da linguagem sob o ponto de vista funcional. No
entanto, Halliday (1975), um dos autores estudiosos deste tema, numa perspectiva
funcional, defende que no período pré-linguistico (9/ 18 meses), verificam-se seis
tipos de funções comunicativas:
83
Ainda segundo o mesmo autor, existe uma sétima função que se verifica entre
os 18 e 24 meses de idade de uma criança, a função informativa. Esta, é utilizada com
a finalidade de transmitir uma informação. Hage, Simone et al. (2007) referem que
segundo Bates et al. (1976) podem classificar se as funções comunicativas em dois
tipos, sendo elas protodeclarativas e protoimperativas. Os primeiros, seguem no
sentido das atitudes das crianças se dirigirem à atenção do adulto para algum
acontecimento, ou seja, a criança pretende chamar a atenção do adulto.
Os protoimperativos estão relacionados com atitudes que têm como fim fazer o
adulto participar ativamente na atividade “criada” pela criança. Um exemplo para esta
última função comunicativa, é por exemplo quando uma criança olha várias vezes para
um objeto que não consegue alcançar abrindo e fechando a mão e olhando de volta
para o adulto.
Habilidades Conversacionais
As habilidades conversacionais estão relacionadas com a comunicação pré -
verbal. Para haver habilidade para conversar, é necessário seguir uma sequência de
atos de fala que se relacionem com dois ou mais interlocutores. Esta, implica ainda
que a criança consiga dominar as regras para a conversação, nomeadamente,
conhecer o seu papel de emissor e de ouvinte e preenchendo seus turnos apenas
quando necessário. Contudo, os estudos baseados nas habilidades conversacionais
ficam muito aquém dos estudos sobre as funções comunicativas. Este, tem sido
bastante mais restrito, no entanto continuam a fazer as pesquisas neste sentido.
84
vai apropriando-se da linguagem em suas relações com os objetos e com o outro, quer
seja criança ou adulto.
A aquisição da linguagem representa uma questão fundamental na Teoria
linguística e no estudo da Cognição Humana. O estudo da aquisição da linguagem
objetiva explicitar a forma como a pessoa parte de um estado no qual não possui
qualquer forma de expressão verbal sem a necessidade de aprendizagem formal,
incorpora a língua de sua comunidade nos primeiros anos de vida, adquirindo um
modo de expressão e de interação social dela dependente. Vygotsky considera a
linguagem como constituidora das funções mentais superiores sendo que o
conhecimento é adquirido nas relações entre as pessoas através da linguagem e da
interação social, acredita que é no significado da palavra que o sujeito encontra as
repostas referentes às questões sobre pensamento e fala.
A fim de obtermos um maior esclarecimento sobre questões relacionadas à
aquisição da linguagem pela criança, buscou-se por base a teoria sócio– interacionista
de Vygotsky.
Fonte: www.helioteixeira.org
85
Lev Semyonovitch Vygotsky nasceu em 05 de novembro de 1896 na
BieloRússia, que depois (em 1917) ficou incorporada à União Soviética, e mais
recentemente voltou a ser Bielo-Rússia. Nasceu no mesmo ano que Piaget, mas viveu
muitíssimo menos que este, pois morreu de tuberculose em 1934, antes de completar
38 anos. Foi o primeiro psicólogo moderno a sugerir os mecanismos pelos quais a
cultura torna-se parte da natureza de cada pessoa ao insistir que as funções
psicológicas são um produto de atividade cerebral. Conseguiu explicar a
transformação dos processos psicológicos elementares em processos complexos
dentro da história.
As principais obras de Vygotsky traduzidas para o português são "A formação
social da mente", "Psicologia e pedagogia" e "Linguagem, desenvolvimento e
aprendizagem", “A Construção do Pensamento e Linguagem” (obra completa), “Teoria
e Método em Psicologia”, “Psicologia Pedagógica”.
Vygotsky morreu em 1934, e sua obra permaneceu desconhecida no Ocidente
até os anos 60, principalmente por razões políticas. Teve dois artigos publicados em
periódicos americanos nos anos 30, e apenas em 1962 saiu nos Estados Unidos o
livro Pensamento e Linguagem. Ao lado de colaboradores como Luria, Leontiev e
Sakharov, entre outros, apresenta-nos conceitos importantes. Suas maiores
contribuições estão nas reflexões sobre o desenvolvimento infantil e sua relação com
a aprendizagem em meio social, e também o desenvolvimento do pensamento e da
linguagem.
86
22 AS ABORDAGNES TEÓRICAS EM AQUISIÇÃO DA LINGUAGGEM
Fonte:www.slate.com
88
Fonte:novaescola.org.br
Essa nova abordagem pode ser assim resumida: Privilegia o ambiente social.
89
Toda forma superior de comportamento aparece duas vezes durante seu
desenvolvimento: primeiro como forma coletiva, como um procedimento externo do
comportamento, isto é, interpsicológica, para depois se converter em individual, em
uma forma de comportamento da própria pessoa, isto é, intrapsicológica.
Este processo de interiorização implica uma verdadeira reconstrução daquilo
que em princípio foi manifestado em nível externo. Dessa forma, o desenvolvimento
cultural da criança tem origem social, em duplo sentido (WERTSCH, 1988, In Coll
1996:28). É evidente para Vygotsky a ideia de que o indivíduo reconstrói e reelabora
os significados transmitidos pelo seu grupo cultural
Através dos postulados de reconstrução e reelaboração dos significados
culturais que Vygotsky desenvolveu o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal
(ZDP), pois, só é possível à criança realizar ações que estão próximas daquelas que
ela já consolidou.
Segundo Vygotsky, a ZDP constitui-se em dois níveis: o nível de
desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial. A capacidade de realizar
tarefa sozinha constitui-se no nível de desenvolvimento real, enquanto que o nível de
desenvolvimento potencial é a etapa em que a criança desempenha tarefas com a
ajuda do outro.
"Essa possibilidade de alteração de desempenho de uma pessoa pela
interferência de outra é fundamental na teoria de Vygotsky. Em primeiro lugar porque
representa, de fato, um momento do desenvolvimento: não é qualquer indivíduo que
pode, a partir da ajuda do outro, realizar qualquer tarefa. Isto é, a capacidade de se
beneficiar de uma colaboração de outra pessoa vai ocorrer num certo nível de
desenvolvimento, não antes". (OLIVEIRA, 1993:59).
O nível de desenvolvimento potencial caracteriza-se, portanto em uma etapa na
qual a interferência do outro, afeta significativamente o resultado da ação individual. A
vivência em sociedade, para Vygotsky, é essencial para a transformação do homem
biológico em ser humano. É pela aprendizagem nas relações com os outros que
construímos os conhecimentos que permitem nosso desenvolvimento mental. A
criança nasce dotada apenas de funções psicológicas elementares, como os reflexos
e a atenção involuntária. Com o aprendizado cultural, no entanto, parte destas funções
básicas transforma-se em funções psicológicas superiores, como a consciência, o
planejamento e a deliberação, características exclusivas do homem.
90
Isso não significa que o indivíduo seja como o espelho, apenas refletindo o que
aprende. As informações intermediadas são reelaboradas numa espécie de linguagem
interna. É isso que caracterizará a individualidade. Por isso a linguagem é duplamente
importante para Vygotsky. Além de ser o principal instrumento de mediação do
conhecimento entre os seres humanos, ela tem relação direta com o próprio
desenvolvimento psicológico. Nenhum conhecimento é construído pela pessoa
sozinha, mas sim em parceria com as outras, que são os mediadores
Fonte: www.abc.net.au
92
sentido estrito, isto é, planejar uma resolução para a tarefa durante a atividade na qual
a criança está entretida (Ribeiro, 2005).
Uma contribuição importante de Vygotsky e seus colaboradores, descrita no
livro Pensamento e Linguagem (1998), do mesmo autor, é o fato de que, por volta dos
dois anos de idade, o desenvolvimento do pensamento e da linguagem – que até então
eram estudados em separado – se fundem, criando uma nova forma de
comportamento.
O declínio da vocalização egocêntrica é sinal de que a criança
progressivamente abstrai o som, adquirindo capacidade de “pensar as palavras”, sem
precisar dizê-las. Aí estamos entrando na fase do discurso interior. Se, durante a fase
da fala egocêntrica houver alguma deficiência de elementos e processos de interação
social, qualquer fator que aumente o isolamento da criança, iremos perceber que seu
discurso egocêntrico aumentará subitamente. Isso é importante para o cotidiano dos
educadores, em que eles podem detectar possíveis deficiências no processo de
socialização da criança. (Ribeiro, 2005) O discurso interior é quando as palavras
passam a ser pensada, sem que necessariamente sejam faladas. É um pensamento
em palavras. Já o pensamento é um plano mais profundo do discurso interior, que tem
por função criar conexões e resolver problemas, o que não é, necessariamente, feito
em palavras. É algo feito de ideias, que muitas vezes nem conseguimos verbalizar,
ou demoramos ainda um tempo para achar as palavras certas para exprimir um
pensamento. O pensamento não coincide de forma exata com os significados das
palavras.
93
24.1 Inatismo e Aquisição da linguagem
94
meio, colocando, assim, em xeque a tese dos ambientalistas. Essa disposição inata
para a competência linguística é o que ficou conhecido como faculdade da linguagem
(KENEDY, 2009, p. 129) Graças a esse conhecimento mental, inscrito na gramática
internalizada, somos capazes de adquirir qualquer língua humana. Nesse sentido,
nenhum adulto ou mesmo criança que já passou pelo período de aquisição da
linguagem precisa informar ao bebê que está adquirindo que as línguas possuem uma
estrutura em que contém Sujeito, Verbo, Objeto; do mesmo modo que ninguém
precisa ensinar a criança que a sua língua apresenta sujeito na primeira posição da
sentença, conhecimentos que fazem parte do mecanismo biológico do ser humano
denominado pela linguística gerativa de “gramática universal”:
[...]Chomsky afirma que existe uma gramática universal, que é uma matriz
biológica responsável pela grande semelhança entre as línguas e pela
rapidez com que as crianças aprendem a falar. Segundo essa concepção, o
homem já nasce provido de uma grande variedade de conhecimentos
linguísticos e não linguísticos. [...].
[...]Chomsky afirma que existe uma gramática universal, que é uma matriz
biológica responsável pela grande semelhança entre as línguas e pela
rapidez com que as crianças aprendem a falar. Segundo essa concepção, o
homem já nasce provido de uma grande variedade de conhecimentos
linguísticos e não linguísticos. [...].
Fonte:www.coladaweb.com
99
A ideia de que a linguagem utilizada pela classe dominante é a “correta” é muito
difundida por não entendermos a diferença de gramática normativa e gramática
internalizada. A última se fundamenta somente pelo que o falante teve de bagagem
de escolaridade, convívio social, cultura local. Por essa problemática, escreva um
texto dissertativo-argumentativo, apresentando respostas, veiculadas por meio de
argumentos convincentes sobre o seguinte tema: como se pode intervir na questão do
preconceito linguístico no Brasil?
25.1 Texto 1
“Os livros ilustrado mais interessante estão emprestado”. O fato de haver, nesta
frase, a palavra os (plural) já indica que se trata de mais de um livro, conforme o
volume “Por uma vida melhor”, da coleção “Viver, aprender”, livro didático aprovado
pelo Ministério da Educação – MEC.
Em um outro exemplo, os autores mostram que não há problema em se falar
“nós pegas o peixe” ou “os meninos pega o peixe”. Ao defender o uso da linguagem
popular, os autores afirmam que as regras da norma culta não levam em consideração
a chamada língua viva. Segundo os autores, o estudante pode correr o risco “de ser
vítima de preconceito linguístico” caso não use a norma culta. O livro da editora Global
foi aprovado pelo MEC por meio do Programa Nacional do Livro Didático.
Um trecho ainda destaca: “Muita gente diz o que se deve e o que não se deve
falar e escrever, tomando as regras estabelecidas para norma culta como padrão de
correção de todas as formas linguísticas”. Uma das autoras do livro, a professora
Heloisa Ramos, declarou que a intenção era deixar aluno à vontade por conhecer
apenas a linguagem popular, e não ensinar errado.
25.3 Texto 3
101
Fonte:novohamburgo.org
102
25.4 “A língua é um dialeto com exército e marinha”, Max Weinreich
103
Não podemos esquecer que o que chamamos de “língua espanhola”, “língua
portuguesa”, ou “língua inglesa” tem um rico histórico, não é algo que nasceu
naturalmente. Podemos amar e cultivar essas línguas, mas sem esquecer o preço
altíssimo que muita gente pagou para que elas se implantassem como idiomas
nacionais e línguas pátrias.
Também existe uma ideologia linguística que não é oficializada, mas que ao
longo do tempo se instaura na sociedade. Em qualquer tipo de comunidade humana
sempre existe um grupo que detém o poder e que considera que seu modo de falar é
o mais interessante, o mais bonito, é aquele que deve ser preservado e até imposto
aos demais. Nas sociedades ocidentais as línguas oficiais sempre foram objetos de
investimento político. As línguas são codificadas pelas gramáticas, pelos dicionários,
elas são objetos de pedagogias, são ensinadas. Claro que essa língua que é
normatizada nunca corresponde às formas usuais da língua, sempre há uma distância
muito grande entre o que as pessoas realmente falam no seu dia-a-dia, na sua vida
íntima e comunitária, e a língua oficializada e padronizada.
A questão da língua é a única que une todo o espectro linguístico, ou seja, a
pessoa da mais extrema esquerda e da mais extrema direita geralmente concordam,
por exemplo, diante da afirmação de que os brasileiros falam português muito mal. É
uma ideologia muito antiga, eu digo que é uma religião mais antiga que o cristianismo,
porque surgiu entre os gramáticos gregos 300 anos antes de Cristo e se impregnou
na nossa cultura ocidental de maneira muito forte.
Entretanto, ao mesmo tempo em que as classes dominantes diziam que era
preciso impor o padrão para todo o mundo, elas não permitiam às classes dominadas
o acesso a ele. Havia essa contradição, que na verdade não é uma contradição, mas
uma estratégia político-ideológica: “Você tem que se comportar assim, mas não vou
105
te ensinar como”. Isso, para as classes dominantes terem, além de outros
instrumentos de controle social, também o controle da língua. É o que Pierre Bourdieu
chama de a ‘língua legítima’: as classes dominadas reconhecem a língua legitima, mas
não a conhecem. Ou seja, elas sabem que existe um modo de falar que é considerado
bonito, importante, mas elas não têm acesso a ele.
O preconceito linguístico nas sociedades ocidentais é derivado principalmente
das práticas escolares. A escola sempre foi muito autoritária, muitas vezes as pessoas
tinham que esquecer a língua que já sabiam e aprender um modelo de língua.
Qualquer manifestação fora desse modelo era considerada erro, e a pessoa era
reprimida, censurada, ridicularizada.
Outro grande perpetuador da discriminação linguística são os meios de
comunicação. Infelizmente, pois eles poderiam ser instrumentos maravilhosos para a
democratização das relações linguísticas da sociedade. No Brasil, por serem
estreitamente vinculados às classes dominantes e às oligarquias, assumiram o papel
de defensores dessa língua portuguesa que supostamente estaria ameaçada. Não
interessa se 190 milhões de brasileiros usam uma determinada forma linguística, eles
estão todos errados e o que apregoam como certo é aquela forma que está
consolidada há séculos. Isso ficou muito evidente durante todas as campanhas
presidenciais de que Lula participou. Uma das principais acusações que seus
adversários faziam era essa: como um operário sem curso superior, que não sabe
falar, vai saber dirigir o país? Mesmo depois de eleito, não cessaram as acusações de
que falava errado. A mídia se portava como a preservadora de um padrão linguístico
ameaçado inclusive pelo presidente da República.
Nessas sociedades e nessas culturas muito centradas na escrita, o padrão
sempre se inspira na escrita literária. Falar como os grandes escritores escreveram é
o objetivo místico que as culturas letradas propõem. Como ninguém fala como os
grandes escritores escrevem, a população inteira em teoria fala errado, porque esse
ideal é praticamente inalcançável.
Entretanto, isso é muito contraditório, porque os ensinos tradicionais de língua
dizem que temos que imitar os clássicos, mas ao mesmo tempo somos proibidos de
fazer o que os grandes autores fazem, que é a licença poética. Como aprendemos
nas escolas, ela é permitida àquele que em teoria sabe tão bem a língua que pode se
dar ao luxo de desrespeitar as normas. A diferença entre a licença poética e o erro
106
gramatical é, basicamente, de classe social. Uma pessoa pela sua própria origem
social se dá ao direito e tem esse direito reconhecido de falar como quiser, outra,
também por sua origem social não tem esse direito.
Cria-se um padrão linguístico muito irreal, muito distante da realidade vivida da
língua. É a partir desse confronto entre a maneira de falar das pessoas e essa língua
codificada, que surgem esses conflitos linguísticos. A pessoa, ao comparar seu modo
de falar com aquilo que aprende na escola ou com o que é codificado, vê a distância
que existe entre essas duas entidades e passa a achar que seu modo de falar é feio,
é errado. Qualquer tipo de imposição linguística acaba gerando um efeito contrário
que é a auto rejeição linguística ou a promoção de um preconceito linguístico por parte
das camadas sociais dominantes.
Acabar com o preconceito linguístico é uma coisa difícil. É preciso sempre que
façamos a distinção entre preconceito e discriminação. O que nós temos que combater
é a discriminação, ou seja, quando esse preconceito deixa de ser apenas uma atitude
ou um modo de pensar das pessoas e se transforma em práticas sociais. Primeiro é
preciso reconhecer a existência do preconceito linguístico, conhecer os modos como
ele se manifesta concretamente como atitudes e práticas sociais, denunciar isso e
criar modos de combatê-lo.
Justamente pelo fato de o preconceito linguístico nas sociedades ocidentais ser
derivado das práticas escolares, na minha opinião, o grande mecanismo para começar
a desfazer o preconceito linguístico, a discriminação linguística, está também na
pratica escolar. É muito importante que a escola, em sociedades letradas como a
nossa, permita ao aluno esse processo do acesso ao letramento a partir de práticas
pedagógicas democratizados, em que as variações linguísticas sejam reconhecidas
como prática da cultura nacional, que não sejam ridicularizadas. E é claro que isso
tem um funcionamento político muito importante, não só na escola, mas em toda a
sociedade.
Por isso que no Brasil, eu e um conjunto de outros linguistas e educadores
estamos sempre atacando muito o preconceito linguístico e propondo práticas
pedagógicas democratizados. Que a criança, ao chegar na escola falando uma
107
variedade regional menos próxima do padrão, não seja discriminada. Nosso trabalho
atualmente se centra muito na escola, nos materiais didáticos e na formação dos
professores de português, para que não sejam eles mesmos perpetuadores do
preconceito linguístico e da discriminação.
Além disso, vale considerar que, em menos de meio século, a proporção
mundial entre a população urbana e a rural ficou muito desigual, com a população
mundial muito mais urbanizada. A urbanização implica o contato com formas
linguísticas de maior prestigio, na televisão, na escola, na leitura etc. Isso vai implicar
também uma espécie de nivelamento linguístico. Embora as variedades linguísticas
se mantenham, quanto mais pessoas souberem ler e escrever e tiverem ascensão
social, é mais provável que haja um nivelamento linguístico maior.
No caso específico do Brasil, nos últimos oito anos, quase 30 milhões de
pessoas saíram da linha da pobreza e com isso vão impor também sua maneira de
falar. Outro dado muito importante é que a grande maioria das pessoas que se formam
professores (de português, principalmente) vem dessas camadas sociais. Portanto, o
professor que está indo para sala de aula já é falante dessas variedades linguísticas
que antigamente eram estigmatizadas. Isso vai provocar um grande movimento de
valorização dessas variedades menos prestigiadas. Estamos assistindo a um
momento muito importante da história sociolinguística do Brasil.
Bortoni-Ricardo tomou para si a responsabilidade de pesquisar a fala de
migrantes de origem rural, que, forçados a se instalar nas periferias das grandes
cidades e a se defrontar com os falares das classes mais abastadas, sofreram
estigmas em suas variedades linguísticas, sendo estas negligenciadas pela
sociedade/ escola, o que contribuiu, em parte, para o resultado de milhões de
analfabetos plenos e funcionais pelo país (cf. BAGNO, 2004).
Como trazer a esses brasileiros o acesso à cultura letrada? Como lhes dar a
oportunidade de exercerem a própria cidadania com os mesmos instrumentos
disponíveis aos falantes pertencentes às classes mais abastadas? Como tornar a
escola, fonte essencial de letramento, agência não reprodutora das desigualdades
sociais e dos preconceitos que elas incitam? Como fazer professores, especialmente
os dos anos iniciais do ensino fundamental, perceberem a língua como objeto não
estático, heterogêneo e, portanto, variável, passível de mudança? Eis alguns dos
questionamentos trazidos por Bagno (2004) e que pretendemos discutir neste artigo.
108
Como pensar um ensino de língua que reconheça sua dinamicidade, se ainda se
pratica, em muitas escolas, um ensino em que a língua funciona como separada de
seu contexto de uso? Diante desse problema, é preciso trazer para a sala de aula as
contribuições mais recentes das teorias linguísticas, entre elas, as da sociolinguística
variacionista. Bagno (2007), ao abordar a relação entre academia e escola, afirma
que, ao saímos da esfera acadêmico-científica e entrarmos na sala de aula de boa
parte das escolas brasileiras, ainda encontramos práticas pedagógicas de ensino de
língua materna que revelam pouca ou nenhuma influência das novas perspectivas de
abordagem dos fenômenos linguísticos. Talvez, porque, ao que parece, muitos dos
pesquisadores de décadas atrás pouco tenham se preocupado em estabelecer pontes
entre o que se pesquisava nas universidades, como descrição de língua, e em que
isso poderia “servir” para a sala de aula. De certa forma, é isso que também discute.
Perini (1985), ao questionar o fato de muitos linguistas apresentarem críticas
aos modelos contraditórios das gramáticas tradicionais e normativas existentes à
época e não se preocuparem em produzir/ organizar uma gramática “linguística”,
deixando, por assim dizer, confusos/ “órfãos”, professores que, no cotidiano da sala
de aula, se dividiam entre o que ouviam de críticas na academia sem que tivessem
com que “substituir” a “segurança” do conhecimento das gramáticas tradicionais e
normativas. Felizmente, ao menos em relação a isso, muito já se tem realizado: há
importantes e preciosos trabalhos hoje. A fim de que pensemos um ensino de língua
capaz de ser ele mesmo um combate ao preconceito linguístico e, por conseguinte,
uma proposta de educação emancipatória, eis que precisamos aprofundar algumas
reflexões sobre o que seria a proposta de educação emancipatória, quais os princípios
defendidos pelos sociolinguistas e de que modo esses princípios podem contribuir
para o ensino libertador. É o que abordaremos nas seções seguintes. Reflexões
acerca da educação das classes populares numa perspectiva emancipatória
historicamente, a educação de viés neoliberal tem como objetivo a formação das
classes mais populares como mão-de-obra qualificada para o mercado de trabalho.
O discurso de que é preciso estudar para que consiga um emprego ao término
do ensino médio e, apenas isso, ainda perpassa a mentalidade coletiva de boa parte
dos que pertencem às classes mais baixas. De um lado, os estudantes filhos das
classes mais abastadas sendo preparados, pela educação recebida, para ingressar
nas faculdades e, consequentemente, de modo geral, para receberem os melhores
109
salários. De outro, os filhos das classes mais pobres, que, quando muito, por diversos
motivos, finalizam o ensino fundamental II ou, ao concluírem o ensino médio, acabam
por se prenderem ao mercado de trabalho e não conseguem ingressar numa
graduação. Essa ainda é a realidade de muitos brasileiros. No viés contrário, temos o
pensar numa educação oposta a essa ideologia, cuja preocupação seja atender as
populações pobres e, portanto, excluída dos direitos mais básicos de todo ser humano,
como à própria vida, à segurança, ao trabalho, à alimentação de qualidade, entre
outros, e, inclusive, o de receber uma educação de qualidade a fim de que se tornem
críticos conscientes e que possam ser capazes de transformar a realidade em que
vivem. Nesse contexto, está inserido o Paulo Freire, com sua proposta de educação
popular.
Freire (1967) apresenta importantes reflexões sobre a educação dos sujeitos
marginais de nossa sociedade. Para o autor, esses indivíduos possuem
conhecimentos importantes de serem considerados pela escola, embora estejam
excluídos do conhecimento sistematizado. É nesse contexto que ele se preocupa em
promover uma educação para a autonomia dos oprimidos e, portanto, emancipatória
e libertadora.
Ao que entendemos, Freire (1967) defende que, antes de qualquer providência,
o oprimido precisa tomar consciência de sua condição e de quem ou o que o oprime.
Após isso, ele poderá lutar, pela educação recebida, para sair da condição de
oprimido. E como seria isso? Ao receber uma educação que amplie as possibilidades
de entender o mundo que o cerca, oportunizando o desenvolvimento de suas
competências e habilidades, não como sujeito “programado” para atender às
demandas de um mercado, e sim, como indivíduo que recebe uma educação ampliada
com foco em sua formação integral, pode esse indivíduo escolher conscientemente e
de modo um tanto mais igualitário os rumos de sua vida pós educação básica.
Inclusive, podendo entender/ discordar e discutir os discursos que o oprime, podendo
agir como um verdadeiro cidadão, não mais apenas com deveres, mas também com
direitos.
Para Maciel (2011, p. 338), Freire defendia que “sair da condição de oprimido
não é simplesmente deslocar-se para a função de opressor, mas propor uma nova
relação social em que haja igualdade entre homens e mulheres projetando um bem
comum”. Assim, a educação numa perspectiva popular, objetiva a transformação do
110
sujeito em um ser ativo politicamente, participante da transformação do contexto em
que vive e de si mesmo, “construir seres autônomos” e responsáveis pela
“organização coletiva em prol de um projeto de sociedade, que tenha como eixo
central o ser humano [...] trata-se, portanto, de recuperar a humanidade que foi
roubada e negada aos sujeitos” (cf. MACIEL, 2011, p. 339).
E se é preciso considerar o conhecimento que os discentes das classes menos
favorecidas trazem, entre esses conhecimentos está sua linguagem. Ao
desconsiderarmos isso e entendermos a forma como se expressam como “errada e
feia”, incorremos no que se denomina preconceito linguístico. Discutiremos esse tema
a seguir.
Preconceito linguístico: de que se trata? O preconceito linguístico se relaciona
ao prestígio a que se está associado o português padrão, como valor cultural muito
arraigado, herança ainda colonial, consolidada em cinco séculos de nossa nação.
Como pesquisadores/ professores, é nossa tarefa questioná-lo, desmitificá-lo,
demonstrando sua relatividade e seus efeitos perversos na perpetuação das
desigualdades sociais. Ainda assim, não podemos negá-lo (cf. BORTONI-RICARDO,
2005). Ainda, consoante a autora, o comportamento linguístico é indicador claro da
estratificação social que sofrem os diversos grupos, uma vez que estes são
diferenciados pelo uso da língua. No Brasil, por sua histórica distribuição de renda, as
diferenças são acentuadas e tendem a se perpetuar. De certo modo, a distribuição
injusta dos bens culturais, principalmente das formas de falar mais bem valorizadas, é
paralela à distribuição iníqua de bens materiais e de oportunidades (cf.
BORTONIRICARDO, 2005).
A instituição escolar ensina a língua da cultura dominante. Muitos de seus
agentes consideram tudo o que se afastar desse código como que defeituoso e prima
por eliminá-lo. Desse modo, o ensino sistemático da língua se torna uma atividade
impositiva, constrangedora e desconexa, muitas vezes, da realidade dos educandos
(cf. BORTONI-RICARDO, 2005). O problema, para a autora, não parece estar, no
entanto, na existência de um código-padrão, e sim, no acesso restrito que grandes
segmentos da população têm a este. O que acaba por trazer, de acordo com ela,
consequências desastrosas: os antecedentes culturais e linguísticos do educando são
desconsiderados/ reduzidos a elemento sem importância, que deve ser inutilizado,
substituído por outro de melhor/ único valor permitido socialmente. Isso, muitas vezes,
111
desencadeia nos alunos pertencentes às classes menos favorecidas sentimento de
insegurança/ incapacidade. A escola também fracassa por, além de desvalorizar a
língua do aluno, também não conseguir ensiná-lo, de forma eficiente, a suposta língua-
padrão. (cf. BORTONI-RICARDO, 2005).
As diferenças linguísticas existem. Entretanto, não devem ser consideradas
como “erros”, “deturpações” da língua. São diferenças, motivadas e explicadas por
fatores linguísticos e extralinguísticos, que apenas assumem valorações sociais
diferenciadas. É preciso que a escola, tanto quanto se preocupa em combater
preconceitos outros, também tome para si a responsabilidade de combater o
preconceito linguístico. Todos os alunos, quer se expressem em conformidade com a
norma culta ou não, devem ser respeitados em sua identidade linguística. Isso não
significa que a escola não deva se esforçar para que eles aprendam a norma de
prestígio da língua, até para que possam ter acesso, na medida do que seja possível,
ao que tem acesso os indivíduos oriundos das classes mais abastadas. Isso não
significa, pois, obrigar os alunos a deixarem de utilizar suas variedades linguísticas, e
sim, ampliar sua competência linguística para que possam escolher com mais
segurança que variedade usar a depender do contexto em que está inserido.
Com o isso, a escola deve ser preocupar em sujeitos “poliglotas” da própria
língua. Isto deve ser evitado: professores elegendo estruturas da linguagem coloquial,
de uso generalizado, no presente ou em estágios pretéritos da língua e as combatendo
com veemência. Ou ainda, defendendo que certos usos da linguagem formal de
épocas remotas é que devem ser utilizados, sob pretexto de o falante não saber falar
a própria língua (cf. BORTONI-RICARDO, 2005).
A variedade linguística do aluno pode e deve ser utilizada como ponto de partida
para o ensino da norma culta não para dizer o quanto está errada, o quanto é feia
(porque não é!), mas para descrever as regras que a explica. Desse modo, o professor
pratica um trabalho descritivo-reflexivo de língua. Para isso, o professor de língua
materna, seja dos anos iniciais, seja dos finais do ensino fundamental, necessita
aprofundar seus conhecimentos sobre os preceitos defendidos pelo que, atualmente,
tem se denominado Pedagogia da Variação, que seria uma forma de pensar como
aplicar o conhecimento da Sociolinguística em sala de aula. Assim, o docente poderá
pensar as estratégias que visam a aumentar a produtividade da educação e preservar
os direitos do educando, possibilitando uma educação que respeite suas origens e
112
que aponte para a possibilidade do exercício da cidadania (cf. BORTONI-RICARDO,
2005).
Reflexões acerca da Sociolinguística e suas contribuições para o ensino de
língua materna. Muito tem já de contribuição da Sociolinguística Variacionista para o
ensino de língua materna. Todavia, exatamente porque não surgiu no Brasil, há
peculiaridades de nossa realidade sociolinguística que a diferenciam da realidade de
outros países. Isso nos traz a necessidade de estudo e revisão criteriosos das teorias
sociolinguísticas correntes e do desenvolvimento de metodologias adequadas ao
ensino de nosso país. É o que defende BORTONI-RICARDO (2005). Embora
possamos dizer, considerando a maioria de seus habitantes, que o Brasil é um país
monolinguístico - ainda que haja, segundo Bortoni-Ricardo, pequenas comunidades
indígenas e descendentes de imigrantes europeus e asiáticos, que não possuem o
português como língua materna, exibindo variados graus de bilinguismo, o que não
compromete a característica monolígue do país -, há que se entender que esse
monolinguíssimo não significa que nossa língua seja homogênea (cf.
BORTONIRICARDO, 2005).
O primeiro problema, segundo a autora, tem a ver com a caracterização da
sociedade brasileira como uma comunidade de fala. De acordo com a sociolinguista,
os estudiosos propõem uma distinção básica entre sociedades tradicionais, que
seriam rigidamente estratificadas, e sociedades modernas, relativamente abertas
(Fishman, 1972a). Nas primeiras, há papéis sociais bem definidos e não-permeáveis,
a que corresponderia uma estratificação linguística igualmente rígida, que implicaria
num repertório verbal amplo e diferenciado. As variedades que o compõem
conservaram-se discretas, e tanto a mobilidade nos estratos sociais quanto o acesso
às variedades de prestígio seriam severamente restritos. Diferentemente do que
ocorreria nas sociedades modernas, que permitiria maior permeabilidade de papéis
sociais e menor heterogeneidade no repertório verbal. A mudança constante de papéis
sociais permitiria, portanto, maior fluidez entre variedades linguísticas de natureza
social e estilística. Como requisito para a mobilidade social, amplo acesso à norma
supra regional, de maior prestígio. (cf. BORTONI-RICARDO, 2005, p. 21).
O Brasil estaria, conforme a autora, no “meio-termo” entre essas duas
sociedades: das ditas tradicionais, conserva a grande variação no repertório verbal e
o acesso limitado à norma-padrão; das ditas modernas, todavia, a característica da
113
fluidez e permeabilidade, resultando em um gradiente de variedades linguísticas,
muito diferente da dialetação discreta e compartimentada das sociedades de castas
(cf. BORTONI-RICARDO, 2005, p. 22) Diferentemente do que defendem alguns,
Bortoni-Ricardo, fazendo eco com Bagno (1999), contesta a crença de que haja
perfeita inteligibilidade entre as variedades do português brasileiro. A autora cita
exemplo para comprovar que há diversos episódios de dificuldades de compreensão
entre falantes de rurais e professores e alunos universitários, por exemplo (cf.
BORTONIRICARDO, 2005, p. 22). Além disso, a autora explicita que a dificuldade de
entendimento entre falantes de realidades bastante distintas tende a se conservar
devido ao baixo acesso de muitos à efetiva escolarização, uma vez que a escola é
força unificadora da língua. Inclusive, a linguista cita como exemplo que, em países
onde a alfabetização é universal há muitas décadas, as variedades populares não
desapareceram. No entanto as diferenças existentes entre as variedades
pertencentes aos grupos de menor poder aquisitivo e aquela (s) dos grupos de maior
prestígio social apresentam menor amplitude, restringindo-se ao âmbito da fonologia
– pronúncia – e alguns traços morfossintáticos. (cf. BORTONI-RICARDO, 2005, p. 23).
Em nosso país, conforme apresenta a autora, há número elevado de contingente cujo
predominância linguística utilizada seja oral e que possuem nenhum ou pouquíssimo
acesso à força padronizadora da língua escrita. Seja por serem analfabetos, seja pela
precarização da instrução escolar. O que contribui para que se caracterize a
comunidade brasileira como de repertório linguístico muito amplo e diferenciado. O
que dificulta, por assim dizer, um ensino linguístico padronizado e que defenda uma
única possibilidade de norma culta linguística (cf. BORTONIRICARDO, 2005, p. 24).
E é exatamente ao considerar os preceitos acima citados, defendidos pela
Sociolinguística, que o professor poderá combater o preconceito em torno da
identidade linguística de seus alunos.
Não dispensando a importância do ensino e da aprendizagem da norma culta,
mas aperfeiçoando os conhecimentos de seus alunos, ensinando para que lidem com
sua autoestima em relação à identidade linguística que possuem, valorizando seus
conhecimentos prévios, mostrando que as regras linguísticas que usam também
apresentam motivações, que as regras da gramática que utilizam também são
interessantes de serem pesquisadas e explicadas e que, se não fosse por um
preconceito social previamente construído, essas regras poderiam ser vistas com igual
114
valor, uma vez que, do ponto de vista linguístico, são igualmente válidas. É o que
defende Tavares (2013, p. 95 apud SILVA, 2015, p. 6): quando os discentes são
estimulados à reflexão com base na variação linguística, têm a possibilidade de
empregar “a imensa diversidade que compõe a gramática da língua de modo mais
consciente em diferentes situações de interação de fala e de escrita”, aprimorando,
dessa forma, sua competência comunicativa. A autora (op. cit., p. 96) ainda afirma que
sendo mais intensas e variadas as situações de uso a que é exposto o indivíduo, mais
múltipla é sua gramática e maior será sua capacidade de ajustá-la em conformidade
com as demandas das situações comunicativas de diversas ordens – sejam orais
sejam escritas, quer mais quer menos formais envolvendo gêneros discursivos
variados. (cf. TAVARES, 2007; TAVARES, GÖRSKI, 2006).
25.8 Preconceito que cala, língua que discrimina
115
padrão do português brasileiro que compõe a maior parte da população e os falantes,
e da variedade culta que é a língua ensinada na escola.
Não é coerente dizer que brasileiro não sabe português, que só em Portugal se
fala bem e correto a língua portuguesa, de acordo com Marcos Bagno (2004) essas
duas opiniões refletem o complexo de inferioridade de sermos até hoje uma colônia
dependente de um país mais antigo e mais “civilizado”. O brasileiro sabe português
sim. O que acontece é que o nosso português é diferente do português falado em
Portugal. A língua falada no Brasil, do ponto de vista linguístico já tem regras de
funcionamento que, cada vez mais, se diferencia da gramática da língua falada em no
país europeu em questão. Sausurre já considerava essas mudanças e tinha a língua
como: representação coletiva, se impõe ao indivíduo inapelavelmente. Nenhum
indivíduo tem a faculdade de criar a língua, nem de modificá-la conscientemente. Ela
é uma armadura dentro da qual nos movimentamos no dia-a-dia da interação humana.
Como qualquer outra instituição social, a língua se impõe ao indivíduo [...]
(CASTELAR, 2003, p. 60). Na língua falada, as diferenças entre o português de
Portugal e o português falado no Brasil são tão grandes que muitas vezes surgem
dificuldades de compreensão. O único nível que ainda é possível uma compreensão
quase total entre os brasileiros e portugueses é o da língua escrita formal, porque a
ortografia é praticamente a mesma, com poucas diferenças.
Conclui-se que nenhuma das duas línguas é mais certa ou mais errada, mais
bonita ou mais feia; são apenas diferentes uma da outra e atendem às necessidades
linguísticas das comunidades que as usam, necessidades essas também diferentes.
Para Bagno, o português não é uma língua difícil, o problema consiste na obrigação
de termos de memorizar conceitos e fixar regras que não significam nada para nós.
No dia em que nossa gramática normativa se concentrar no uso real, vivo e verdadeiro
da língua portuguesa do Brasil, é bem provável que ninguém continue a repetir essa
“bobagem”. Todo falante nativo de uma língua sabe essa língua, pois saber a língua,
no sentido científico do verbo saber, significa conhecer intuitivamente e empregar com
naturalidade às regras básicas de funcionamento dela. A cobrança indevida, por parte
do ensino tradicional, de uma norma gramatical que não corresponde à realidade da
língua falada no Brasil. Nesse sentido, a alteração da situação atual não passa apenas
por uma mudança nas técnicas e nos métodos empregados na sala de aula. Uma
116
diferente concepção de linguagem constrói não só uma nova metodologia, mas
principalmente um “novo conteúdo” de ensino. (POSSENTI, 1997, p.45)
Mário Perini em sua Gramática Descritiva do Português (2001), afirma que o
jovem brasileiro tem um tipo de aversão ao estudo da gramática. A intenção de Perini
ao escrever esta gramática é construir um pensamento crítico e suscitar debates a
respeito da língua. Pois, para ser um bom escritor não é necessário conhecer apenas
as normas da gramática, para ele a gramática não é garantia de escrever bem. É
interessante desenvolver conhecimento de mundo, interacional e cognitivo através,
principalmente, do hábito da leitura. É comum ouvir a seguinte frase: “
“As pessoas sem instrução falam tudo errado” – Isso se deve simplesmente a
uma questão que não é linguística, mas social e política – as pessoas que dizem
“Cráudia, Praca, Pranta” pertencem a uma classe social desprestigiada,
marginalizada, que não tem acesso à educação e aos bens culturais da elite, e por
isso a língua que elas falam sofre o mesmo preconceito que pesa sobre elas mesmas,
ou seja, sua língua é considerada “feia”, “pobre”, “carente”, quando na verdade é
apenas diferente da língua ensinada na escola. Assim, o problema não está naquilo
que se fala, mas em quem fala o quê. Neste caso, o preconceito linguístico é
decorrência de um preconceito social. O círculo vicioso do preconceito linguístico.
Dizem que o lugar onde melhor se fala português no Brasil é no Maranhão. O que
acontece com o português do Maranhão em relação ao português do resto do país é
o mesmo que acontece com o português de Portugal em relação ao Brasil: não existe
nenhuma variedade nacional, regional ou local que seja intrinsecamente “melhor”,
“mais pura”, “mais bonita”, “mais correta” que outra. Toda variedade linguística atende
às necessidades da comunidade de seres humanos que a empregam. Quando deixar
de atender, a mesma, inevitavelmente, sofrerá transformações para se adequar às
novas necessidades.
Em toda língua existe um fenômeno chamado variação, isto é, nenhuma língua
é falada do mesmo jeito em todos os lugares, assim como nem todas as pessoas falam
a própria língua de modo idêntico. A ortografia oficial é necessária, mas não se pode
ensiná-la tentando criar uma língua falada “artificial” e reprovando como
“erradas” as pronúncias resultantes das forças internas que governam os idiomas.
Evanildo Bechara argumenta sobre o respeito que se deve ter para com a língua, pois
esta tem um valor comunicativo, além da necessidade de se estabelecer uma relação
117
de confiança com o aluno, para que este ao entrar numa sala de aula não se sinta
oprimido nem desestimulado a aprender, mas sim completo por em situações de
comunicação ter pleno conhecimento e oportunidade de escolha do uso de sua língua.
Como ratifica POSSENTI (1996)
A gramática normativa é decorrência da língua, é subordinada a ela,
dependente dela. Porém, a gramática passou a ser um instrumento de poder e
controle; e a língua passou a ser subordinada e dependente da gramática. O domínio
da norma culta não é um instrumento de ascensão social, isso é um mito pelo fato de
que esse fato toca em sérias questões sociais. A transformação da sociedade como
um todo está em jogo, pois vivemos numa estrutura social cuja existência exige
desigualdades sociais profundas e mudanças reis. Toda tentativa de promover a
“ascensão” social dos marginalizados é, senão hipócrita e cínica pelo menos de uma
boa intenção paternalista e ingênua. Há uma existência de um círculo vicioso de
preconceito linguístico composto de três elementos: o ensino tradicional, a gramática
tradicional e os livros didáticos. A gramática inspira a prática de ensino, que por sua
vez provoca o surgimento da indústria do livro didático, cujos autores, fechando o
círculo, recorrem à gramática tradicional como fonte de concepções e teorias sobre a
língua. Levando em consideração que “a pluralidade cultural e a rejeição aos
preconceitos linguísticos são valores que precisam ser cultivados a partir da educação
infantil e do ensino fundamental” (BORTONI-RICARDO, 2004, p. 35), acrescentando
ainda, no ensino como um todo. A maneira como o ensino é administrado tem sido
estudada pelo Ministério da Educação e os Parâmetros Curriculares Nacionais
reconhece que há muito preconceito decorrente do valor atribuído às variedades
padrão e ao estigma associado às variedades não padrão, consideradas inferiores ou
erradas pela gramática. Essas diferenças não são imediatamente reconhecidas e,
quando são, é objeto de avaliação negativa. Para o sociólogo Nildo Viana (2004), a
linguagem é um fenômeno social e está ligada ao processo de dominação, tal como o
sistema escolar, que é a fonte da “dominação linguística”.
A partir disso podemos citar o quarto elemento, os comandos “paragramaticais”,
ou seja, todo esse arsenal de livros, manuais de redação de empresas jornalísticas,
programadas de rádio e de televisão, colunas de jornal e de revista, CD-
ROMs, “consultórios gramaticais” por telefone e por aí afora. De acordo com Bagno
(2004), o formidável poder de influência dos meios de comunicação e dos recursos da
118
informática poderia ser de grande utilidade se fosse usado precisamente na direção
oposta: na destruição dos velhos mitos, na elevação da autoestima linguística dos
brasileiros, na divulgação do que há de realmente fascinante no estudo da língua.
A desconstrução do preconceito linguístico. Não podemos deixar de
reconhecer a existência de uma crise no ensino da Língua Portuguesa, nascida na
recusa dos defensores da gramática tradicional em acompanhar os avanços da ciência
da linguagem. Para que esse quadro mude é necessária uma mudança de atitude,
perder essa ideia de “certo” e “errado” e refletir a respeito de um ensino mais
consciente e menos preconceituoso. Para que isso ocorra é importante que ocorra a
conscientização de que todo falante nativo de uma língua é um usuário competente
dessa língua, ele sabe e se comunica a partir dessa língua.
Por exemplo, com mais ou menos quatro anos de idade, uma criança já domina
integralmente a gramática de sua língua. Deve se levar em conta também que não
existe erro de português. Existem diferentes gramáticas para as diferentes variedades
de português, gramáticas que dão conta dos usos que diferem da alternativa única
proposta pela Normativa. Além disso, não se recomenda usar a expressão “erro de
português” para o erro de ortografia. Esta á artificial, ao contrário da língua, que é
natural. A ortografia é uma decisão política, por isso ela pode mudar de uma época
para outra. Algumas línguas não têm sistema escrito nem por isso deixam de possuir
sua gramática. Outro ponto que merece destaque é a questão de que tudo o que os
gramáticos conservadores chamam de “erro” é na verdade um fenômeno que tem uma
explicação científica perfeitamente demonstrável. Toda língua muda e varia.
O que hoje é visto como certo já foi erro no passado; o que hoje é visto como
erro pode vir a ser perfeitamente aceito como certo no futuro da língua. Um exemplo
é o fato de algumas pessoas pronunciarem certas palavras de maneira diferente das
outras, como na pronúncia de alguns encontros consonantais elas trocarem o L pelo
R. Cientificamente este caso não é sinônimo de atraso mental, como a maioria das
pessoas pensam, e sim um fenômeno fonético que até mesmo contribui para a
formação e evolução da língua portuguesa, incluindo a padrão.
Do ponto de vista linguístico, o fenômeno em questão é o rotacismo, o qual
juntamente com outros fenômenos são contribuidores do processo de formação da
língua, informação esta que não pode ser descartada e sim levada em consideração,
e como argumento em favor do não preconceito linguístico. Ensinar bem é ensinar
119
para o bem, é valorizar o saber intuitivo do aluno e não querer suprimir
autoritariamente sua língua materna, acusando-a de ser “feia” e “corrompida”. O
ensino da norma culta tem de ser feito como um acréscimo à bagagem linguística da
pessoa e não como uma substituição de uma língua “errada” por uma “certa”. O ensino
se resume em desenvolver competências, valorizar as diferenças e, principalmente,
em diminuir as desigualdades. A essência da aprendizagem é a forma como as ideias
se relacionam juntamente com a bagagem do aluno, é algo mecânico e contínuo.
O preconceito contra a linguística e os linguistas os termos e conceitos da
Gramática Tradicional, estabelecidos há mais de 2.300 anos, continuam a ser
repassados praticamente intactos de uma geração de alunos para outra, como se
desde aquela época remota não tivesse acontecido nada na Ciência da Linguagem.
Como referência à linguística, como toda a ciência, ela é o lugar das surpresas, das
descobertas, do novo, da substituição de paradigmas, da reformulação crítica das
teorias. Mesmo com todas essas inovações, a gramática tradicional ainda encontra
apoio e defesa quase irracional. A atividade dos linguistas brasileiros vem sofrendo
ataques contra qualquer tentativa de democratização do saber e da sociedade. Os
atuais detratores da ciência linguística acusam os estudiosos da linguagem de
defenderem o não-ensino das formas padronizadas do português, numa tentativa
detalhada e sofisticada em duas ou três afirmações toscas e propositadamente
deturpadas. É necessário: [...] fazer com que o ensino do português deixe de ser visto
como a transmissão de conteúdos prontos, e passe a ser uma tarefa em que o
professor deixa de ser a única fonte autorizada de informações, motivações e sanções.
O ensino deveria subordinar-se à aprendizagem. (POSENTI, 1996, p.95)
120
26 EDUCAÇÃO, PRECONCEITO E IDEOLOGIA
Fonte:www.onlinecollege.org
Fonte: iei.nd.edu
124
combatido. De acordo com Grupioni (1995), preconceito é uma tendência presente em
certos agrupamentos humanos, porém não comum a todos, o que leva a acreditar que
não seja algo próprio da natureza do ser humano. Ainda segundo o autor, esta
tendência é uma opinião (a favor ou contra) não justificada de uma ou mais pessoas
que a (s) leva a assumir comportamentos de acordo com o seu posicionamento,
gerando discriminação que pode ser definida como o “tratamento desfavorável dado
arbitrariamente a certas categorias de pessoas ou grupos, que pode ser exercido de
forma individual ou coletiva, sobre um indivíduo ou um grupo de pessoas” (idem, p.
484) Nesta subseção falamos sobre a autoridade exercida por alguns sujeitos na
cultura escolar e como isso influencia em comportamentos excludentes e opressores.
Para dar conta disto, descreveremos com mais detalhes as partes que compõem a
cultura como sistema definido na seção anterior, tendo como exemplo a cultura escolar
e o preconceito linguístico.
Em qualquer cultura, as práticas compartilhadas implicam em símbolos que
formam os hábitos (maneiras de fazer e de agir) e, para Collins (1981), quando esses
hábitos se tornam comportamentos repetitivos, eles reproduzem estrutura social. E,
no contexto escolar, “frequentemente nos defrontamos com atitudes preconceituosas,
seja em atos ou gestos, discursos e palavras” (ITANI, 1998, p. 119) que são
compartilhadas pela grande maioria dos sujeitos que fazem parte desta cultura escolar
e acabam por criar o que Collins (2004) chama de efervescência coletiva em que
emoções (negativas ou positivas) entram em sintonia quando o estado emocional de
um ou mais sujeitos contagia todo o grupo envolvido e, assim, práticas
discriminatórias, como o preconceito linguístico, passam inconscientemente a fazer
parte da cultura escolar como se fosse algo rotineiro.
Os símbolos também são bastante significativos na prática da marginalização
das variantes linguísticas menos prestigiadas na escola, pois o que se faz é criar uma
representação simbólica de uso ideal de língua que “sempre foi um poderoso
instrumento de dominação simbólica, um bem supostamente reservado a uma
pequena parcela de privilegiados” (BAGNO, 2010, p. 211) e qualquer variante6 que se
distancie, ainda que minimamente, deste ideal acaba encontrando espaço para ser
excluída e oprimida. O significado, terceiro componente apresentado como parte da
cultura, está no plano do conteúdo, trata-se do conceito ou representação psíquica
que se tem de algo.
125
E o aluno chega à escola com a ideia de que lá encontrará a língua “correta” e
aqueles que não a aprendem não alcançam prestígio social, o que é extremamente
perigoso porque o “preconceito, como significado, quer dizer pré-conceito, uma
opinião já formada a respeito de determinado assunto, pessoa ou objeto” (ITANI, 1998,
p. 125). Daí que “o professor ou a professora, o livro didático, a escola, podem ser
capitais na cristalização ou na subversão do preconceito” (RODRIGUES, 2007), pois
eles são também responsáveis em mediar atitudes preconceituosas e discriminatórias
com as quais convivem na cultura escolar. Trata-se de um de seus vários papeis: a
Aqui discorremos a respeito da indispensabilidade de mudar determinadas práticas da
cultura escolar brasileira no que tange o preconceito linguístico.
Na seção anterior vimos que a cultura é um sistema, mas, como qualquer
sistema, ela não é perfeita, sempre haverá contingências, eventos inevitáveis que
acontecem gerando possíveis novas/diferentes práticas, símbolos e/ou significados.
Para Tobin e Richie (2012), durante estes eventos há um fluxo contínuo de energia
emocional que faz com que os indivíduos experienciem emoções similares às que
sentiram quando a contingência ocorreu pela primeira vez. No caso do preconceito
linguístico, é improvável que alguém recorde quando teve contato com ele pela
primeira vez, mas é certo que a cada vez que reprimimos a variante de alguém ou
algum grupo ou temos a nossa própria reprimida por outros, experimentamos emoções
similares ao que sentimos desde o primeiro contato que tivemos com essa prática
preconceituosa.
Ainda mais preocupante é o momento em que passamos a não mais encarar o
preconceito linguístico como uma contingência9 em nossa cultura escolar e vê-lo
como algo normal, sob a ótica de Bagno (2009, p. 96), como algo que impregna “de
tal maneira na mentalidade das pessoas que as atitudes preconceituosas se tornam
parte integrante do nosso próprio modo de ser e de estar no mundo”, fazendo com
que, por vezes, muitos discriminem a si mesmos ao acreditar que “‘não sabem
português’, que ‘português é muito difícil’ ou que a língua falada aqui é ‘toda errada’”
.
Nossa sociedade, em geral, é bastante hierarquizada, razão pela qual valores
culturais e bens simbólicos pertencentes a ela também são dispostos de maneira
hierárquica. Contudo, defendemos o ponto de vista que a escola, apesar de estar
inserida nesta sociedade, não pode e nem deve reproduzir o mesmo sistema (BAGNO,
126
2007), sob pena de não conseguir arcar com as consequências sociais, culturais e
ideológicas que estigmatizar determinados grupos de sujeitos pode acarretar. Já na
introdução deste texto defendemos a ideia de que a aprendizagem acontece, em
grande proporção, via passivity. Todavia, quando falamos em mudança, precisamos
considerar a aprendizagem via agency.
Para Sewell (1992, p. 20), “Ser um agente significa ser capaz de exercer algum
grau de controle sobre as relações sociais em que se está envolvido, o que por sua
vez implica a capacidade de transformar essas relações sociais em algum grau”, o que
não significa dizer que não somos capazes de mudar via passiva, mas é pela
dimensão agente que passa a nossa proposta, pois, ainda que a gente e passivo não
existam sozinhos, a escola tradicional está muito presa ao agency, a aprendizagem
formal com situações criadas pelo professor, envolvendo reflexão consciente e
explícita. Passa-se do passivo para o agente quando o nível da consciência/dimensão
cognitiva passa a interferir na ação/atitude/comportamento, o que leva o ser humano
a conseguir, enquanto ator social, mudar estruturas em que esteja inserido, dando ao
agente uma conotação social que envolve a tomada de consciência do preconceito.
E, partindo do pressuposto de que “toda cultura é dinâmica, pois a pessoa
humana está sempre interagindo com o mundo em que vive, criando e alterando seus
símbolos” (RODRIGUES, 2007), acreditamos que podemos mudar atitudes
etnocêntricas e preconceituosas da cultura escolar levando os sujeitos que dela
participam a refletir, na dimensão agente, sobre o preconceito linguístico que tomam
como verdade ao julgar outra (s) cultura(s) e assim se colocar contra um sistema que
os impeli à discriminação. Entretanto, isso jamais acontecerá sem que, inicialmente,
os próprios professores e demais agentes escolares passem por este processo de
reeducação, não somente, mas principalmente os que lecionam língua materna, a
nosso ver, principais responsáveis por não propagar ideologias arcaicas e
preconceituosas sobre a língua. O senso comum não pode perpassar prática docente
que deseje construir uma cultura escolar libertadora e democrática. A partir do
momento em que o preconceito linguístico torna-se algo comum na cultura escolar ele
se espalha para as demais culturas das quais os participantes desta primeira também
participam, pois, toda cultura é um sistema sem fronteira espacial ou temporal, o
resultado disto é termos hoje uma sociedade brasileira linguisticamente
127
preconceituosa, como pode ser observado em diferentes espaços de interação, a
exemplo do que veremos na próxima seção.
129
Nem todo texto suscita boas atividades para desenvolver determinadas habilidades.
Há os que são mais adequados ao trabalho com tipos de inferência, como piadas e
anedotas. Outros se prestam mais ao estabelecimento de relações entre linguagem
verbal e não verbal, como reportagens - que se articulam a infográficos, gráficos e
outras imagens.
131
12. Incluir a leitura programada no planejamento
São essenciais as atividades que levam à ampliação da proficiência na
compreensão de textos mais extensos ou complexos. Isso é feito com uma
programação para que um livro de contos ou romance, por exemplo, seja lido em
partes. O professor lê as obras selecionadas e as divide em trechos com coerência
semântica para serem lidos pela classe sequenciadamente, em prazos combinados -
fora da sala de aula. Terminada cada etapa, cabe ao educador levantar aspectos
sobre a materialidade linguística: recursos gráficos utilizados e efeitos de sentido
produzidos pela sua utilização, pela pontuação ou pelo discurso indireto livre, por
exemplo. Em data prevista, em uma discussão coletiva dos aspectos priorizados, são
explicitados procedimentos de leitura utilizados, assim como pistas linguísticas que
permitiram a mobilização das capacidades utilizadas.
Produção Textual
Para produzir textos de qualidade, seus alunos têm de saber o que querem
dizer, para quem escrevem e qual é o gênero que melhor exprime essas ideias. A
chave é ler muito e revisar continuamente. Narração, descrição e dissertação. Por
muito tempo, esses três tipos de texto reinaram absolutos nas propostas de escrita.
Consenso entre professores, essa maneira de ensinar a escrever foi uma das
principais responsáveis pela falta de proficiência entre nossos estudantes. O trabalho
baseado nas famosas composições e redações escolares tem uma fragilidade
essencial: ele não garante o conhecimento necessário para produzir os textos que os
alunos terão de escrever ao longo da vida.
Para aproximar a produção escrita das necessidades enfrentadas no dia-a-dia,
o caminho atual é enfocar o desenvolvimento dos comportamentos leitores e
escritores. Ou seja: levar a criança a participar de forma eficiente de atividades da vida
social que envolvam ler e escrever. Noticiar um fato num jornal, ensinar os passos
para fazer uma sobremesa ou argumentar para conseguir que um problema seja
resolvido por um órgão público: cada uma dessas ações envolve um tipo de texto com
uma finalidade, um suporte e um meio de veiculação específicos. Conhecer esses
aspectos é condição mínima para decidir, enfim, o que escrever e de que forma fazer
isso. Fica evidente que não são apenas as questões gramaticais ou notacionais (a
132
ortografia, por exemplo) que ocupam o centro das atenções na construção da escrita,
mas a maneira de elaborar o discurso.
Há outro ponto fundamental nessa transformação das atividades de produção
de texto: quem vai ler. E, nesse caso, você não conta. "Entregar um texto para o
professor é cumprir tarefa", argumenta Fernanda Liberali, da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo. "Escrever não é fácil. Para que o aluno fique estimulado com
a proposta, é preciso que veja sentido nisso." O objetivo é fazer com que um leitor
ausente no momento da produção compreenda o que se quis comunicar - e esse
desafio requer diferentes aprendizagens.
O primeiro passo é conhecer os diversos gêneros. Mas é preciso atenção: isso
não significa que os recursos discursivos, textuais e linguísticos dos contos de fadas
e da reportagem, por exemplo, sejam conteúdos a apresentar aos alunos sem que
eles os tenham identificado pela leitura, como ressalta Delia Lerner no livro Ler e
Escrever na Escola. Um primeiro risco é o de cair na tentação de transmitir
verbalmente as diferentes estruturas textuais. De acordo com a pesquisadora em
didática, cabe a todo professor permitir que as crianças adquiram os comportamentos
do leitor e do escritor pela participação em situações práticas e não "por meras
verbalizações".
133
Produzir textos é um processo que envolve diferentes etapas: planejar,
escrever, revisar e reescrever. Esses comportamentos escritores são os conteúdos
fundamentais da produção escrita. A revisão não consiste em corrigir apenas erros
ortográficos e gramaticais, como se fazia antes, mas cuidar para que o texto cumpra
sua finalidade comunicativa.
Análise de Linguística
A análise linguística pode ter ainda um papel muito importante nas devolutivas
dos textos, já lidos e comentados pelo professor ou por outros avaliadores/revisores
(alunos, grupos de alunos, outras pessoas). Nesse momento, chegam aos estudantes
indicações de aspectos para aprimorar seu texto que lhe escaparam anteriormente
por serem, provavelmente, mais opacos, menos perceptíveis a esses autores. Assim,
indicações qualificadas dos pontos a serem ajustados podem detonar processos
reflexivos poderosos e fundamentais na ampliação das capacidades discursivas dos
alunos, desde que contem com a mediação docente adequada. O ato de tornar
saliente para o aluno um problema textual é muito distinto de apenas indicar que há
um problema em determinado trecho. Em se tratando de coesão, por exemplo, mais
que destacar um período e escrever “problema de coesão” na margem da folha (ou da
tela), é preciso delimitar especificamente a sua natureza – por exemplo, uso indevido
de pontuação, conjunção, modo/ tempo verbal, ou falta de paralelismo. Dessa forma,
a revisão e a refação do texto podem ser preciosas oportunidades para aprender, não
apenas para higienizar o que foi escrito.
As atividades de análise linguística, seja em caráter prospectivo, quando
ocorrem antes da produção; seja em caráter retrospectivo, após o texto ter sido
134
elaborado e avaliado ou durante a produção, podem ser de grande importância para
ampliar a apropriação, por parte dos alunos, das habilidades e dos conhecimentos
necessários para rever e aprimorar as suas produções, movimento que mesmo os
mais proficientes autores fazem ao longo de toda a vida. Os impactos das práticas de
análise linguística sobre a qualidade dos textos produzidos na escola são
proporcionais à natureza reflexiva de tais atividades: ao induzir os alunos a
perceberem os efeitos e/ou as regularidades dos usos linguísticos, contribui-se para
que sintam a sua língua, cada vez mais sua.
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29 BIBLIOGRAFIA
Barbeiro, L. (2000). Com a linguagem: do lado dos sons. Leiria: Legenda. (Pp. 116
a 124)
137
WODAK, Ruth. Do que trata a ACD–um resumo de sua história, conceitos
importantes e seus desenvolvimentos. Linguagem em (Dis) curso, v. 4, p. 223-243,
2010.
138